trindade deus jesus e. santo

78
A Divindade e a Personalidade do Espírito Santo O Espírito Santo não é uma criatura subordinada ao Pai e ao Filho Ozeas Caldas Moura Ideias heréticas sobre a divindade e a personalidade do Espírito Santo já vêm de longe. “Macedônio, bispo de Constantinopla de 341 a 360 d.C., já ensinava que o Espírito Santo era ‘ministro e servo’ no mesmo nível dos anjos. Cria que o Espírito Santo era uma criatura subordinada ao Pai e ao Filho. Isso era uma negação da verdadeira divindade do Espírito Santo”. Em 381 d.C., o Concílio de Constantinopla condenou essas idéias de Macedônio.No entanto, vê-se hoje que essas velhas heresias sobre a pessoa do Espírito Santo vêm sendo ressuscitadas, seja por mera curiosidade teológica especulativa, seja como meio de atacar a Igreja e suas doutrinas. O certo é que o conselho dado pelo apóstolo João, no I século, continua bastante válido para os nossos dias: “Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora” (I João 4:1). Concordamos que, devido à nossa limitação humana, não nos é possível abarcar tudo o que Deus é. Em relação com a pessoa do Espírito Santo, não é diferente: o que dEle podemos e devemos saber está revelado nas páginas das Escrituras, quer seja lógico ou não à razão humana. Com esse cuidado em mente, analisemos o que nos diz a Palavra de Deus sobre a Terceira Pessoa da Trindade. O que passar disso é mera especulação perigosa, que pode e tem desencaminhado da fé aqueles que se deixam levar “por todo vento de doutrina” (Efés. 4:14). 1. O Espírito Santo é Deus, pois tem os mesmos atributos de Deus. Por exemplo: santidade em muitas passagens das Escrituras o adjetivo “santo” é acrescido ao nome do divino Espírito (Mar. 13:11; Tito 3:5); eternidade – (Heb. 9:14); onisciência – (I Cor. 2:10 e 11); onipotência – (em Lucas 1:35, o Espírito Santo é chamado de “poder do Altíssimo”; confira, ainda, a palavra “poder” ligada ao Espírito em Isa. 11:2; Miq. 3:8; Luc. 4:14 e Atos 1:8); onipresença – (Sal. 139:7-12); Criador – (Gen. 1:2; Jó 33:4; Sal. 104:30 e Eze. 37:14). Uma vez que só Deus tem esses atributos, e o Espírito Santo os tem, então ele é Deus, como Deus Pai e Deus Filho. Por isso Pedro disse a Ananias que mentir ao Espírito Santo é mentir a Deus (Atos 5:3 e 4). 2. O Espírito Santo é uma Pessoa. Os que dizem que o Espírito Santo é apenas uma força e não uma pessoa, deveriam atentar para os atributos pessoais com que a Bíblia O apresenta. Ele tem inteligência, pois “perscruta” ou investiga (I Cor. 2:10 e 11) e “ensina” (João 14:26 e I Cor. 2:13); tem vontade, pois distribui os dons “como Lhe apraz” (I Cor. 12:11); tem emoção, pois pode ser “contristado” (Isa. 63:10) ou “entristecido” (Efés. 4:30). Ele fala (II Sam. 23:2 e Atos 13:2); ensina (João 14:26); guia (Rom. 8:14); convence (João 16:8); contende ou age (Gên. 6:3); testifica (Rom. 8:16); separa e envia (Atos 13:2); intercede (Rom. 8:26). A palavra grega com a qual Jesus descreve a obra do Espírito Santo é PARÁKLETOS (João 14:16, 26; 15:26; 16:7; aparece também em I João 2:1), vocábulo cuja tradução é “Ajudador”, “Intercessor”, “Advogado” (na Versão Almeida, o vocábulo é traduzido por “Consolador”). Esses significados de PARÁKLETOS indicam que o Espírito Santo é uma pessoa, pois uma mera força não poderia ser um Ajudador, um Intercessor, um Advogado e um Consolador. Deve-se dizer ainda que o fato de as Escrituras apresentarem o Espírito Santo como uma pessoa divina, não contraria Deuteronômio 6:4: “Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor”. A palavra “único”, no original hebraico, é Echad (pronuncia-se “errad”), a qual indica uma “unidade composta”. Em Gên. 1:5, uma tarde e uma manhã é igual a uma echad – dia. Em Gênesis 2:24, um homem e uma mulher, mediante o casamento, são uma (echad) só carne. Se Moisés quisesse dizer que Deus é uma só pessoa, teria empregado Yachid (pronuncia-se “iarrid”), como se pode ver no caso de Isaque, que era filho “único” (Yachid) de Abrão e Sara (Gen. 22:2). O fato de Moisés ter empregado Echad e não Yachid para falar de Deus, indica que Deus é uma “unidade composta”: Pai, Filho e Espírito Santo (Mat. 28:19). Sendo que as três pessoas da Trindade são co-iguais, coeternas, da mesma natureza, da mesma qualidade e com os mesmos propósitos, então é correto dizer que adoramos Um Deus, que Se manifesta ou Se apresenta em três pessoas divinas. Em outras palavras, adoramos o Deus Triúno. Isso pode não parecer lógico à nossa pobre mente humana, limitada, finita e imperfeita, mas é o que Deus revelou acerca de Si

Upload: jb1955

Post on 24-May-2015

451 views

Category:

Documents


8 download

TRANSCRIPT

Page 1: Trindade Deus Jesus E. santo

A Divindade e a Personalidade do Espírito Santo

 O Espírito Santo não é uma criatura subordinada ao Pai e ao FilhoOzeas Caldas Moura

 Ideias heréticas sobre a divindade e a personalidade do Espírito Santo já vêm de longe. “Macedônio, bispo de Constantinopla de 341 a 360 d.C., já ensinava que o Espírito Santo era ‘ministro e servo’ no mesmo nível dos anjos. Cria que o Espírito Santo era uma criatura subordinada ao Pai e ao Filho. Isso era uma negação da verdadeira divindade do Espírito Santo”. Em 381 d.C., o Concílio de Constantinopla condenou essas idéias de Macedônio.No entanto, vê-se hoje que essas velhas heresias sobre a pessoa do Espírito Santo vêm sendo ressuscitadas, seja por mera curiosidade teológica especulativa, seja como meio de atacar a Igreja e suas doutrinas. O certo é que o conselho dado pelo apóstolo João, no I século, continua bastante válido para os nossos dias: “Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora” (I João 4:1).

Concordamos que, devido à nossa limitação humana, não nos é possível abarcar tudo o que Deus é. Em relação com a pessoa do Espírito Santo, não é diferente: o que dEle podemos e devemos saber está revelado nas páginas das Escrituras, quer seja lógico ou não à razão humana. Com esse cuidado em mente, analisemos o que nos diz a Palavra de Deus sobre a Terceira Pessoa da Trindade. O que passar disso é mera especulação perigosa, que pode e tem desencaminhado da fé aqueles que se deixam levar “por todo vento de doutrina” (Efés. 4:14).

1. O Espírito Santo é Deus, pois tem os mesmos atributos de Deus.  Por exemplo: santidade – em muitas passagens das Escrituras o adjetivo “santo” é acrescido ao nome do divino Espírito (Mar. 13:11; Tito 3:5);  eternidade – (Heb. 9:14); onisciência – (I Cor. 2:10 e 11); onipotência – (em Lucas 1:35, o Espírito Santo é chamado de “poder do Altíssimo”; confira, ainda, a palavra “poder” ligada ao Espírito em Isa. 11:2; Miq. 3:8; Luc. 4:14 e Atos 1:8);  onipresença – (Sal. 139:7-12); Criador – (Gen. 1:2; Jó 33:4; Sal. 104:30 e Eze. 37:14). Uma vez que só Deus tem esses atributos, e o Espírito Santo os tem, então ele é Deus, como Deus Pai e Deus Filho. Por isso Pedro disse a Ananias que mentir ao Espírito Santo é mentir a Deus (Atos 5:3 e 4).

2. O Espírito Santo é uma Pessoa. Os que dizem que o Espírito Santo é apenas uma força e não uma pessoa, deveriam atentar para os atributos pessoais com que a Bíblia O apresenta. Ele tem inteligência, pois “perscruta” ou investiga (I Cor. 2:10 e 11) e “ensina” (João 14:26 e I Cor. 2:13); tem vontade, pois distribui os dons “como Lhe apraz” (I Cor. 12:11); tem emoção, pois pode ser “contristado” (Isa. 63:10) ou “entristecido” (Efés. 4:30). Ele fala (II Sam. 23:2 e Atos 13:2); ensina (João 14:26); guia (Rom. 8:14); convence (João 16:8); contende ou age (Gên. 6:3); testifica (Rom. 8:16); separa e envia (Atos 13:2); intercede (Rom. 8:26). A palavra grega com a qual Jesus descreve a obra do Espírito Santo é PARÁKLETOS (João 14:16, 26; 15:26; 16:7; aparece também em I João 2:1), vocábulo cuja tradução é “Ajudador”, “Intercessor”, “Advogado” (na Versão Almeida, o vocábulo é traduzido por “Consolador”). Esses significados de PARÁKLETOS indicam que o Espírito Santo é uma pessoa, pois uma mera força não poderia ser um Ajudador, um Intercessor, um Advogado e um Consolador. Deve-se dizer ainda que o fato de as Escrituras apresentarem o Espírito Santo como uma pessoa divina, não contraria Deuteronômio 6:4: “Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor”. A palavra “único”, no original hebraico, é Echad (pronuncia-se “errad”), a qual indica uma “unidade composta”. Em Gên. 1:5, uma tarde e uma manhã é igual a uma echad – dia. Em Gênesis 2:24, um homem e uma mulher, mediante o casamento, são uma (echad) só carne. Se Moisés quisesse dizer que Deus é uma só pessoa, teria empregado Yachid (pronuncia-se “iarrid”), como se pode ver no caso de Isaque, que era filho “único” (Yachid) de Abrão e Sara (Gen. 22:2). O fato de Moisés ter empregadoEchad e não Yachid para falar de Deus, indica que Deus é uma “unidade composta”: Pai, Filho e Espírito Santo (Mat. 28:19). Sendo que as três pessoas da Trindade são co-iguais, coeternas, da mesma natureza, da mesma qualidade e com os mesmos propósitos, então é correto dizer que adoramos Um Deus, que Se manifesta ou Se apresenta em três pessoas divinas. Em outras palavras, adoramos o Deus Triúno. Isso pode não parecer lógico à nossa pobre mente humana, limitada, finita e imperfeita, mas é o que Deus revelou acerca de Si mesmo nas páginas das Escrituras. Caberia aqui nos lembrar do conselho divino dado em Deuteronômio 29:29: “As coisas encobertas pertencem ao Senhor, nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem, a nós e a nossos filhos, para sempre…”

 Deveríamos também atentar para o que Ellen White escreveu sobre a pessoa do Espírito Santo: “O Consolador que Cristo prometeu enviar depois de ascender ao Céu, é o Espírito em toda a plenitude da Divindade… Há três pessoas vivas pertencentes à Trindade celeste; em nome destes três grandes poderes – o Pai, o Filho e o Espírito Santo – os que recebem a Cristo por fé viva são batizados, e esses poderes cooperarão com os súditos obedientes do Céu em seus esforços para viver a nova vida em Cristo. …Os eternos dignitários celestes – Deus, Cristo e o Espírito Santo – munindo-os [aos discípulos] de energia sobre-humana, … avançariam com eles para a obra e convenceriam o mundo do pecado.

“Precisamos reconhecer que o Espírito Santo, que é tanto uma pessoa como o próprio Deus, está andando por esses terrenos. O Espírito Santo é uma pessoa, pois dá testemunho com o nosso espírito de que somos filhos de Deus. …O Espírito Santo tem personalidade, do contrário não poderia testificar ao nosso espírito e com e com nosso espírito que somos filhos de Deus.

Deve ser também uma pessoa divina, do contrário não poderia perscrutar os segredos que jazem ocultos na mente de Deus. “O príncipe da potestade do mal só pode ser mantido em sujeição pelo poder de Deus na terceira pessoa da Trindade, o Espírito Santo. Cumpre-nos cooperar com os três poderes mais altos no Céu – o Pai, o Filho e o Espírito Santo – e esses poderes operarão por meio de nós, fazendo-nos coobreiros de Deus.”3

Referências:1. CAIRNS, E. E. O Cristianismo Através dos Séculos (São Paulo: Vida Nova, 1992), pág. 109.

Page 2: Trindade Deus Jesus E. santo

2. Pedro Apolinário, As Testemunhas de Jeová e sua Interpretação da Bíblia (São Paulo: Gráfica do IAE, 1986), pp. 84 e 85.3. Ellen White, Evangelismo. 2ª. Ed. (Santo André: Casa Publicadora Brasileira, 1978), pp. 615-617.

A Trindade na Bíblia 

“Há um só Deus: Pai, Filho e Espírito Santo, uma unidade de três Pessoas coeternas” – Crença Fundamental nº 2

Gerhard PfandlPh.D., diretor associado do Instituto de Pesquisa

Bíblica da Associação Geral da IASD

 A doutrina da Trindade (do latim trinitas = “triunidade” ou “três-em-unidade”) é uma das mais importantes doutrinas da fé cristã. Mas ultimamente alguns têm questionado sua validade. Por exemplo, em uma monografia, Fred Allaback argumenta que “a Igreja Adventista do Sétimo Dia não cria na doutrina da Trindade até muito tempo depois da morte de Ellen G. White”.1 “Os pioneiros adventistas”, escreveu ele, “acreditavam que em um ponto longínquo da eternidade somente um Ser divino existia. Então esse Ser divino teve um Filho.”2 Dessa forma, Cristo teve um começo. Com respeito ao Espírito Santo, Allaback crê que Ele é o Espírito de Deus e de Cristo; não um outro Ser divino.3

A mesma visão é adotada por Bill Stringfellow,4 Rachel Cory-Kuehl5 e Allen Stump.6 Todos esses ensinam que em um ponto no tempo Jesus não existia; e que o Espírito Santo é apenas uma força. Stringfellow diz: “Houve um certo e específico dia quando Deus deu à luz Seu Filho … Houve um tempo (embora seja impossível identificá-lo precisamente no passado) quando Cristo não existia.”7

O MISTÉRIO

Embora a palavra Trindade não seja encontrada na Bíblia (nem a palavra encarnação), o ensinamento que ela descreve é encontrado ali. A doutrina da Trindade estabelece o conceito de que há três Seres plenamente divinos: Pai, Filho e Espírito Santo, que formam um Deus.8 Por sua vez, Ellen White usa o termo “Divindade” que é encontrado em Romanos 1:20 e Colossenses 2:9. Através dessa palavra ela transmite a mesma idéia contida no termo Trindade, ou seja, há três Seres viventes na Divindade. Segundo uma de suas declarações, “há três pessoas vivas pertencentes ao Trio celeste; em nome destes três grandes poderes – o Pai, o Filho e o Espírito Santo – os que recebem a Cristo por fé viva são batizados, e esses poderes cooperarão com os súditos obedientes do Céu em seus esforços para viver a nova vida em Cristo”.9

O próprio Deus é um mistério,10 quanto mais a encarnação ou a Trindade. Entretanto, isso não deveria nos embaraçar, já que os diferentes aspectos desses mistérios são ensinados nas Escrituras. Embora não possamos compreender tudo sobre a Trindade, necessitamos tentar entender, tanto quanto possamos, o ensino bíblico a seu respeito. Todas as tentativas para explicá-la serão insuficientes, “especialmente quando refletimos sobre a relação das três pessoas com essência divina … todas as analogias são limitadas e nós nos tornamos profundamente conscientes de que a Trindade é um mistério muito além da nossa compreensão. É a incompreensível glória da Divindade”.11

Portanto, é sábio admitir que o homem “não pode compreendê-la nem torná-la compreensível. É compreensível em algumas de suas relações e modos de se manifestar, mas ininteligível em sua natureza essencial”.12 Certos elementos se tornarão claros, e outros permanecerão um mistério, pois “as coisas encobertas pertencem ao Senhor nosso Deus; porém as reveladas nos pertencem a nós e a nossos filhos para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei” (Deut. 29:29). Onde não temos uma palavra clara das Escrituras o silêncio é ouro.13

NO ANTIGO TESTAMENTO

Algumas passagens do Antigo Testamento sugerem, ou implicam a existência de Deus em mais de uma pessoa. Quando não necessariamente em uma Trindade, pelo menos em duas pessoas.

Gênesis 1. No relato da criação em Gênesis 1, a palavra traduzida como Deus é ’Elohim, a forma plural de ’Eloha. Geralmente essa forma é interpretada como um plural de majestade ao invés da idéia de pluralidade. Entretanto, G. A. F. Knight argumenta que essa interpretação corresponde a ler um conceito moderno no texto hebraico antigo, desde que os reis de Israel e Judá são tratados na forma singular, no relato bíblico. 14 Knight aponta que as palavras hebraicas para água e céu também são plurais. Os gramáticos nomeiam esse fenômeno como plural quantitativo. A água pode aparecer em forma de pequenas gotas ou grandes oceanos. Essa diversidade quantitativa em unidade, segundo Knight, é uma forma adequada de compreender o plural ’Elohim. E também explica por que o substantivo singular ’Adonai é escrito como plural.15

Em Gênesis 1:26, lemos: “Também disse Deus [singular]: Façamos [plural] o homem à nossa [plural] imagem, conforme a nossa [plural] semelhança…” O que é significativo aqui é a mudança do singular para o plural. Moisés não está usando o verbo no plural com ’Elohim, mas Deus está usando um verbo e um pronome no plural, em referência a Si mesmo. Alguns intérpretes acreditam que Deus está falando aqui de anjos. Mas, de acordo com as Escrituras, os anjos não participaram da criação. A melhor explicação é que, já no primeiro capítulo de Gênesis, há uma indicação de pluralidade de pessoas em Deus.

Deuteronômio 6:4. De acordo com Gênesis 2:24, “deixa o homem pai e mãe, e se une à sua mulher, tornando-se os dois uma só [’echad] carne”. É uma união de duas pessoas distintas. Em Deuteronômio 6:4, é usada a mesma palavra em relação a Deus: “Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único [’echad] Senhor.” Segundo Millard J. Erickson, “aparentemente alguma coisa está sendo afirmada aqui sobre a natureza de Deus – Ele é um organismo, isto é, uma

Page 3: Trindade Deus Jesus E. santo

unidade de partes distintas”.16 Moisés bem poderia ter usado a palavra yachid (“um”; “único”), mas o Espírito Santo escolheu não fazê-lo.

Outros textos. Após a queda do homem, Deus disse: “Eis que o homem se tornou como um de nós” (Gên. 3:22). E algum tempo depois, quando o homem começou a construir a torre de Babel, o Senhor ordenou: “Vinde, desçamos e confundamos ali a sua linguagem” (Gên. 1:7). Em cada caso, a pluralidade da Divindade é enfatizada.

Em sua visão do trono de Deus, Isaías ouviu o Senhor perguntando: “A quem enviarei, e quem há de ir por nós?” (Isa. 6:8). Aqui encontramos Deus usando o singular e o plural na mesma sentença. Muitos eruditos modernos tomam isso como uma referência ao Concílio Celestial. Mas, pediria Deus algum conselho às Suas criaturas? Em Isaías 40:13 e 14, Ele parece refutar essa noção. Deus não necessita aconselhar-Se nem mesmo com criaturas celestiais. Portanto, o uso do plural em Isaías 6:8, embora não especifique a Trindade, sugere que há uma pluralidade de seres no Orador.

O anjo do Senhor. A frase “anjo do Senhor” aparece 58 vezes no Antigo Testamento. “O anjo de Deus” aparece onze vezes. A palavra hebraica para “anjo” – mal’ak – significa mensageiro. Se o “anjo do Senhor” é Seu mensageiro, então deve ser distinto do Senhor. Todavia, em alguns textos, o “anjo do Senhor” também é chamado “Deus” ou “Senhor” (Gên. 16:7-13; Núm. 22:31-38; Juí. 2:1-4; 6:22). Os pais da Igreja identificavam esse anjo com o Logos pré-encarnado. Eruditos modernos vêem-nO como um Ser que representa Deus, como o próprio Deus, ou como algum poder externo de Deus. Por sua vez, eruditos conservadores geralmente aceitam que “este ‘mensageiro’ deve ter sido como uma manifestação especial do Ser do próprio Deus”.17 Se isso é correto, temos aqui outra indicação da pluralidade de pessoas na Divindade.

NO NOVO TESTAMENTO 

A verdade, na Bíblia, é progressiva. Por isso, é no Novo Testamento que encontramos um quadro mais explícito da natureza trinitária de Deus. A declaração de que Ele é amor (I João 4:8) implica que deve haver uma pluralidade dentro da Divindade, considerando-se que o amor só pode revelar-se em um relacionamento pluralístico.

Por ocasião do batismo de Jesus, encontramos os três membros da Divindade em ação ao mesmo tempo: “Batizado Jesus, saiu logo da água, e eis que se Lhe abriram os Céus, e viu o Espírito de Deus descendo como pomba, vindo sobre Ele. E eis uma voz dos Céus que dizia: Este é o Meu Filho amado, em quem Me comprazo” (Mat. 3:16).

Eis uma notável manifestação da doutrina da Trindade. Ali estava Cristo em forma humana, visível a todos; o Espírito Santo desceu sobre Ele na forma de uma pomba; e a voz do Pai foi ouvida dos Céus: “Este é o Meu Filho amado, em quem me comprazo”. Em João 10:30 Cristo fala de Sua igualdade com o Pai, e em Atos 5:3 e 4, o Espírito Santo é identificado como Deus. É impossível explicar a cena do batismo de Jesus por qualquer outra maneira senão assumindo que há três pessoas, iguais em natureza ou essência divina.

No batismo, o Pai referiu-Se a Jesus como “Meu Filho amado”. Essa filiação, entretanto, não é ontológica, mas funcional. No plano da salvação, cada membro da Trindade aceitou um papel específico, com o propósito de cumprir um alvo particular. Não se trata de mudança de essência oustatus. Millard J. Erickson o explica desta maneira:

“O Filho não Se tornou inferior ao Pai durante a encarnação, mas subordinou-Se funcionalmente à vontade do Pai. Semelhantemente, o Espírito Santo agora está subordinado ao ministério do Filho (ver João 14-16) bem como à vontade do Pai, mas isso não implica inferioridade em relação a Eles.”18 No pensamento ocidental, os termos “Pai” e “Filho” contêm a idéia de origem, dependência e subordinação. Na mente oriental ou semítica, entretanto, eles enfatizam igualdade de natureza. Assim, quando as Escrituras falam de “Filho” de Deus, estão afirmando a divindade de Cristo.

Ao terminar Seu ministério terrestre, Jesus ordenou aos discípulos: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (Mat. 28:19). Nessa comissão, nota-se claramente a Trindade. Primeiramente, notamos que a frase “em nome” [eis to onoma] é singular, não plural (nos nomes). Ser batizado em nome de três pessoas da Trindade significa identificar-se com tudo o que Ela representa; comprometer-se com o Pai, Filho e Espírito Santo.19 Em segundo lugar, a união desses três nomes indica que o Filho e o Espírito Santo são iguais ao Pai. Seria estranho, para não dizer blasfemo, unir o nome do Deus eterno com um “ser criado” e uma “força” ou “energia” na fórmula batismal.

“Quando o Espírito Santo é colocado na mesma expressão e no mesmo nível das outras duas pessoas, é difícil evitar a conclusão de que Ele também é visto como sendo igual ao Pai e ao Filho.”20

Paulo e outros escritores do Novo Testamento geralmente usam a palavra “Deus” para se referir ao Pai; “Senhor”, em referência ao Filho, e “Espírito”, em referência ao Espírito Santo. Em I Coríntios 12:4-6, o apóstolo fala dos três no mesmo texto: “Ora, os dons são diversos, mas o Espírito é o mesmo. E também há diversidade nos serviços, mas o Senhor é o mesmo. E há diversidade nas realizações, mas o mesmo Deus é quem opera tudo em todos.” Da mesma forma, em II Coríntios 13:13, ele enumera as três pessoas da Trindade, ao mencionar “a graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo”.

Embora não possamos dizer que esses textos sejam uma enunciação formal da Trindade, eles e outros como, por exemplo, Efésios 4:4-6, são trinitarianos em caráter. E embora a Igreja tenha elaborado os detalhes dessa doutrina em tempos posteriores, ela o fez sobre o fundamento dos escritores bíblicos.

DIVINDADE DE CRISTO

Um elemento crucial na doutrina da Trindade é a divindade de Cristo. Diante do ensinamento de que há um Deus em três pessoas, e que cada uma dessas pessoas é plenamente divina, é importante verificarmos o que as Escrituras ensinam sobre a divindade de Cristo. Existem passagens no Novo Testamento que confirmam a plena deidade de Cristo.

João 1:1-3;14. “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.” A frase introdutória “no princípio” nos leva de volta ao começo do tempo. Se o Verbo estava “no princípio”, então Ele não teve princípio, que é outra forma de dizer que era eterno.

Page 4: Trindade Deus Jesus E. santo

“O Verbo estava com Deus” nos diz que o Verbo era uma pessoa ou personalidade separada. O Verbo não estava em (en) Deus, mas com (pros) Deus. Desde que o Pai e o Espírito Santo são Deus, a palavra “Deus” muito provavelmente inclui esses dois outros membros da Trindade.

“E o Verbo era Deus”. O Verbo não era uma emanação de Deus, mas Deus mesmo. Embora o verso 1 não diga quem é o Verbo, o verso 14 claramente O identifica: “E o Verbo Se fez carne, e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a Sua glória, glória como do unigênito do Pai.” Como disse Arthur W. Pink, “é impossível conceber uma afirmação mais enfática e inequívoca da deidade absoluta do Senhor Jesus Cristo”.21

João 20:28. “Respondeu-Lhe Tomé: Senhor meu e Deus meu.” Essa é a única vez, nos evangelhos, em que alguém se dirige a Cristo, chamando-O de “meu Deus” (ho Theos mou). É significativo que nem Cristo nem João desaprovaram a declaração de Tomé; pelo contrário, esse episódio constituiu um ponto alto da narração do evangelista, que imediatamente fala a seus leitores: “Na verdade fez Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em Seu nome” (vs. 30 e 31). Este evangelho, diz João, foi escrito para persuadir outros indivíduos a imitarem Tomé no reconhecimento de Cristo como “Senhor meu e Deus meu”.

Filipenses 2:5-7. Essa passagem foi escrita para ilustrar a humildade. Mas é um dos textos de apoio à divindade de Cristo. “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois Ele, subsistindo em forma [morphé] de Deus não julgou como usurpação [harpagmos] o ser igual a Deus; antes a Si mesmo Se esvaziou, assumindo a forma [morphé] de servo, tornando-Se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana…”

Morphé, que significa “forma” ou “aparência visível’, é uma palavra descritiva da natureza genuína, a essência, de uma coisa. “Não se refere a qualquer forma mutável, mas uma forma específica da qual dependem a identidade e o status.”22 Morphé contrasta com schema (2:8), que também significa “forma” porém no sentido de aparência superficial, ao invés de essência. O substantivo harpagmosaparece apenas nesse texto, no Novo Testamento, e o verbo correspondente significa “roubar, tirar à força”. No grego secular, o substantivo significa “roubo”.

O contexto deixa claro que Jesus não cobiçou, não tentou roubar “o ser igual a Deus”; não tentou agarrar-Se à igualdade com Deus a qual Ele possuía intrinsecamente. Em outras palavras, não tentou reter Sua igualdade com Deus pela força. Em vez disso, “tratou-a como uma oportunidade para renunciar qualquer vantagem ou privilégio decorrentes; como uma oportunidade para auto-empobrecimento e sacrifício próprio sem reserva”.23 Esse é o significado da expressão “antes a Si mesmo Se esvaziou”. Sua igualdade com Deus era algo que Ele possuía intrinsecamente; e alguém igual a Deus deve ser Deus. Assim, essa “é uma passagem que demanda a compreensão de que  Jesus era divino no mais pleno sentido”.24

Colossenses 2:9. “Porquanto nEle habita corporalmente [somatikos] toda a plenitude [pleroma] da Divindade.” O termo grego pleroma tem o significado básico de “plenitude”, “plenamente”. No Antigo Testamento ele é aplicado à plenitude da Terra ou do mar (Sal. 24:1; cf. 50:12; 89:11; 96:11; 98:7), que é citada em I Coríntios 10:26. No grego secular, pleroma referia-se à totalidade da tripulação de um navio, ou à quantia necessária para completar uma transação financeira. Em Colossenses 1:19 e 2:9, Paulo usa a palavra para descrever a soma total de cada função da divindade.25

Essa plenitude habita corporalmente em Cristo, mesmo durante Sua encarnação, Ele reteve todos os atributos essenciais da divindade, embora não os empregasse em benefício próprio. “… Foi claramente visto que a divindade habitava na humanidade, pois através do invólucro terrestre, vez após vez cintilavam lampejos de Sua glória.”26

Tito 2:13. Paulo descreve os santos como “aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus”. Notemos que: 1) De acordo com uma regra da gramática grega, o artigo o antes de “Deus” e “Salvador” une esses dois substantivos como designações do mesmo objeto. Assim, Jesus Cristo é “o grande Deus e Salvador”. 2) Todo o Novo Testamento aguarda a segunda vinda de Cristo. 3) O contexto do verso 14 fala apenas de Cristo. 4) Essa interpretação está em harmonia com outras passagens, tais como João 20:28; Rom. 9:5; Heb. 1:8; II Ped. 1:1, de modo que esse texto é mais uma afirmação da divindade de Cristo.

Mateus 3:3. “… Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor.” De acordo com o verso 1, esse texto de Isaías refere-se a João Batista que era o precursor do Messias. Em Isaías 40:3, a palavra traduzida como “Senhor” é Yahweh. Assim, o Senhor cujo caminho João prepararia não era outro senão o próprio Jeová.

Romanos 10:13. “Porque todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo.” O contexto (vs. 6-12) deixa claro que, ao se referir ao “nome do Senhor”, Paulo está pensando em Cristo. O texto é uma citação de Joel 2:32, onde novamente a palavra Senhor é tradução do hebraico Yahweh.

Hebreus 1:8 e 9. “O Teu trono, ó Deus, é para todo o sempre… por isso Deus, o Teu Deus Te ungiu…” Neste capítulo, são usados sete textos do Antigo Testamento para apoiar o argumento de que Cristo é superior aos anjos. O quinto texto, citado nos versos 8 e 9, é Sal. 45:6 e 7, onde um rei da casa de Davi é mencionado como “Deus”. Seria isto uma hipérbole poética, como algumas vezes é encontrada em cortes orientais, ou está o texto apontando para outra pessoa além do Antigo Testamento, príncipe da casa de Davi? Para os poetas e profetas hebreus, um príncipe da casa de Davi era o vice-regente do Deus de Israel; pertencente à dinastia à qual Deus fizera promessas especiais ligadas ao cumprimento de Seu propósito no mundo. Ao lado disso, o que era apenas parcialmente verdadeiro na linhagem e no governo histórico de Davi, ou mesmo em sua pessoa, deveria ser compreendido plenamente quando aparecesse o filho de Davi, no qual todas as promessas e ideais associados com a dinastia deveriam ser incorporados. Agora, finalmente, o Messias aparecera. Em sentido pleno, era possível para Davi, ou qualquer dos seus sucessores, que este Messias pudesse ser referido não apenas como Filho de Deus (v. 5), mas como realmente Deus, pois Ele é o Messias da linhagem de Davi, a refulgente glória de Deus e a própria imagem de Sua substância.27 Todas essas passagens indicam que Cristo e Yahweh são um.

AUTOCONSCIÊNCIA DE JESUS

Cristo nunca afirmou diretamente Sua divindade, mas dizia ser o Filho de Deus (Mat. 24:36; Luc. 10:22; João 11:4). E, de acordo com a idéia hebraica de filiação, tudo o que o pai é o filho também é. Os judeus entenderam que assim Ele estava reivindicando igualdade com o Pai: “Por isso, os judeus ainda mais procuravam matá-Lo, porque não somente violava o sábado, mas também dizia que Deus era Seu próprio Pai, fazendo-Se igual a Deus” (João 5:18; cf. 10:33).

Page 5: Trindade Deus Jesus E. santo

Repetidas vezes Cristo disse possuir o que só pertence a Deus. “Ele falou dos anjos de Deus (Luc.12: 8 e 9; 15:10) como Seus anjos (Mat. 13:41). Referiu-Se ao reino de Deus (Mat. 12:28; 19:14 e 24; 21:31 e 34) e aos eleitos de Deus (Mar. 13:20) como Suas propriedades.”28 Em Lucas 5:20 Jesus perdoou os pecados do paralítico, e os judeus, com base em Isaías 43:25, argumentaram: “Quem pode perdoar pecados senão Deus?” Dessa forma, a ação perdoadora de Jesus O identificava como Deus.

A divindade de Cristo também é indicada no uso que fez do tempo presente em Sua resposta aos judeus: “Antes que Abraão existisse [genesthai] Eu sou [ego eimi]” (João 8:58). Ao usar o termogenesthai – “nascesse” ou “se tornasse” – e ego eimi – “Eu sou” –, Jesus contrasta Sua existência eterna com o início histórico da existência de Abraão. Pelo menos os judeus compreenderam dessa maneira, ou seja, que Jesus reivindicava ser Yahweh, o “Eu sou” da sarça ardente (Êxo. 3:14); por isso, apanharam pedras para matá-Lo (João 8:59).

Finalmente, o fato de que Jesus aceitou adoração evidencia que Ele próprio reconhecia Sua divindade. Depois que Jesus apareceu aos discípulos andando sobre as águas, “eles O adoraram” (Mat. 14:33). O cego que teve a visão restaurada, depois de lavar-se no tanque de Siloé, “O adorou” (João 9:38). Após a ressurreição, os discípulos foram para a Galiléia onde Cristo lhes apareceu. E eles “O adoraram” (Mat. 28:17).

E Ellen White assegura: “Em Cristo há vida original, não emprestada, não derivada. ‘Quem tem o Filho tem a vida.’ I João 5:12. A divindade de Cristo é a certeza de vida eterna para o crente.“29

“Falando de Sua preexistência, Cristo conduz a mente através de séculos incontáveis. Afirma-nos que nunca houve tempo em que Ele não estivesse em íntima comunhão com o eterno Deus.”30

TEXTOS DIFÍCEIS

Os antitrinitarianos usam alguns textos para apoiar a idéia de que Jesus, em algum tempo na eternidade, foi gerado, isto é, que Ele teve um começo e que não é absolutamente igual a Deus.

Apocalipse 3:14. Aqui, Jesus, “a Testemunha fiel e verdadeira”, é mencionado como “o princípio da criação de Deus”, o que leva alguns a interpretarem que Ele foi criado em algum ponto no passado, sendo assim a primeira obra de Deus.

Mas a palavra grega traduzida como “princípio” é arché. Além de “princípio”, ela também significa “causa primeira ou principal”, “soberano”, “regente”. O próprio Pai também é chamado “princípio”, em Apoc. 21:6.

O mesmo título é novamente aplicado a Cristo em Apoc. 22:13. Embora a palavra arché possa ter um sentido passivo, o que poderia fazer de Jesus o primeiro ser criado, o sentido ativo do termo O torna a “causa principal” o “criador”. Que Jesus não é o primeiro ser criado, mas o próprio criador, é o testemunho de outras passagens do Novo Testamento (João 1:3; Col. 1:16; Heb. 1:2).

Provérbios 8:22-31. “Eu nasci…” (v. 24). Argumenta-se que esse verso se refere a Jesus, ensinando que Ele foi nascido ou criado. Mas o contexto da passagem fala da sabedoria, não sobre Jesus. A personificação da sabedoria é uma figura literária que ocorre também em outras partes das Escrituras. Em Salmo 85:10-13, temos “misericórdia e verdade” encontrando-se, “justiça e paz” se beijando. Em Salmo 96:12, “os campos” se alegram, e “todas as árvores dos bosques regozijarão diante do Senhor”. (Ver também I Crôn. 16:33; Isa. 52:9; Apoc. 20:13 e 14). Esse tipo de alegoria não deve ser interpretada literalmente. “A personificação é uma figura literária e poética que serve para criar atmosfera e para avivar idéias abstratas e objetos inanimados, ao representá-los como se  fossem seres humanos.”31

A personificação do divino atributo da sabedoria começa no capítulo 1: “Grita na rua a sabedoria, nas praças levanta a sua voz” (v. 20). No capítulo 3, é-nos dito que ela “mais preciosa é do que pérolas” e “os seus caminhos são… paz” (vs. 15 e 17). No capítulo 7 ela é chamada “irmã” (7:4); e no capítulo 8, a sabedoria mora junto com a prudência (8:12). Sabedoria personificada também é o tema de Provérbios 9:1-5. Aplicar tais passagens a Cristo exige um modelo alegórico de interpretação que nos leva a métodos incompatíveis com outras passagens. Foi justamente esse tipo de hermenêutica que suscitou a rejeição do método alegórico de interpretação pelos reformadores. É importante notar que nenhum verso dessa passagem é citado no Novo Testamento.

Provérbios 8:22-31 contém imagens poéticas que necessitam ser bem interpretadas. A primeira frase no verso 22 pode ser traduzida como “o Senhor me possuiu”, “o Senhor me criou”, ou “o Senhor me gerou”. O significado básico do verbo qanah é “comprar”, “adquirir” e “possuir”. Mas as outras duas traduções são também possíveis. Além de qanah, duas outras palavras referem-se à sabedoria nesse texto: nasak = “estabelecer” (v. 23) e chil = “nascer” (vs. 24 e 25). O pensamento básico é sempre o mesmo, isto é, a sabedoria estava com Deus antes do início da criação. Se Deus a criou, se foi gerada ou simplesmente possuída, não é o foco. O que é central não é o modo de sua origem, mas sua antiguidade e precedência dentro da criação de Deus. Considerando a linguagem poética e metafórica da passagem, ela não deve ser usada para estabelecimento de qualquer doutrina sobre uma suposta origem de Cristo.

Ellen White, às vezes, aplicou homileticamente Provérbios 8 a Cristo; mas ela usou o texto para apoiar Sua preexistência eterna. Antes de usar Provérbios 8, ela disse que “Cristo era, essencialmente e no mais alto sentido, Deus. Estava Ele com Deus desde toda a eternidade, Deus sobre todos, bendito para todo o sempre”.32

Colossenses 1:15. Cristo é “o primogênito de toda a criação”. Considerando que Ele é chamado primogênito (prototokos), argumenta-se que deve ter tido um começo. Mas o termo “primogênito”, nesse texto, é um título e não a definição de uma condição biológica. Segundo 1:16, tudo foi criado por Jesus. Portanto, Ele não poderia criar a Si mesmo.

A palavra “primogênito” tem um significado especial para os hebreus. Em geral, o primogênito era o líder de um grupo de pessoas ou uma tribo, o sacerdote na família, e o único que recebia a herança duas vezes mais que seus irmãos. Ele tinha certos privilégios e responsabilidades. Algumas vezes, entretanto, o fato de que alguém fosse o primogênito não importava aos olhos de Deus. Por exemplo, embora Davi fosse o filho mais novo, Deus o chamou de “Meu primogênito” (Sal. 89:20 e 27). A segunda linha do paralelismo no verso 27 nos diz que isso significava que Davi devia se tornar o rei mais exaltado. Vejamos também as experiências de Jacó (Gên. 25:25 e 26; Êxo. 4:22) e Efraim (Gên. 41:50-22; Jer. 31:9). Nesses casos, “primeiro”, no sentido de tempo, foi desconsiderado. O importante era apenas a distinção e a dignidade de quem era chamado primogênito. No caso de Jesus, esse termo também se refere à Sua posição exaltada e não a um ponto no tempo no qual Ele tenha sido criado.

Page 6: Trindade Deus Jesus E. santo

Em Colossenses 1:18, Cristo é chamado “o primogênito de entre os mortos”, embora não o tenha sido cronologicamente. Sabemos que Moisés e outros O precederam. O sentido é que Ele é o preeminente.

João 1:1-3. “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus.” Alguns dizem que aqui há uma distinção entre Deus o Pai, que é o Deus, e Jesus, que é apenas um deus. O termo grego para Deus (theos) é encontrado com artigo (ho), “o Deus”, ou sem artigo, “deus” ou “Deus”. Em João 1:1-3, o Pai é chamado ho theos ao passo que o Filho é chamado theos. Será que isso justifica a argumentação de que o Pai é Deus Todo-poderoso, enquanto o Filho é apenas um deus menor?

O termo theos sem artigo freqüentemente também é usado para o Pai, inclusive no mesmo capítulo (João 1:6, 13 e 18; Luc. 2:14; Atos 5:39; I Tess. 2:5; I João 4:12; II João 9).

Jesus também é chamado o Deus (Heb. 1:8 e 9; João 20:28). Em outras palavras, o uso do termo Deus, com ou sem artigo, não pode ser argumento para se fazer distinção entre Deus o Pai e Deus o Filho. Deus o Pai é theos e ho theos, assim como o Filho.

Muitas vezes, a ausência do artigo, no idioma grego, denota qualidade especial. Nesse caso, o substantivo não deveria ser traduzido com o artigo indefinido “um”.

Se João tivesse usado o artigo definido cada vez em que aparece theos, ele estaria indicando a existência de apenas uma pessoa divina. Mas João 1:1 diz: “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus, e o verbo era theos.” Caso tivesse usado apenas ho theos, deveríamos ler: “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com ho theos, e o Verbo era ho theos.” Segundo João 1:14, o Verbo é Jesus. Portanto, substituindo “Verbo” por “Jesus” temos a sentença “no princípio era Jesus e Jesus estava com ho theos, e Jesus era ho theos.” Ho theos refere-se claramente ao Pai. O texto modificado seria: “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com o Pai, e o Verbo era o Pai.” Isso é teologicamente errado. Falando de duas pessoas da Divindade, João não teve escolha senão usar ho theos uma vez e, na seguinte vez, usar theos. A ausência de artigo no segundo caso não pode ser usada como argumento contra a igualdade entre Pai e Filho.

João 1:14 e 18; 3:16 e 18; I João 4:9. Esses versos falam de Jesus como o Filho unigênito (monogenes) do Pai. Em razão disso, algumas pessoas sugerem que a palavra grega monogenes indica que Jesus foi gerado literalmente.

A palavra monogenes significa “único de uma espécie”. Seu uso ocorre nove vezes no Novo Testamento. Três vezes em Lucas (7:12; 8:42; 9:38) sempre se referindo a um único filho. Nos escritos de João, ela aparece cinco vezes (1:14 e 18; 3:16 e 18; I João 4:9), como uma designação do relacionamento de Cristo com o Pai. Em Hebreus 11:17, ela se refere a Isaque como o filho unigênito de Abraão. Sabemos, entretanto, que Isaque não era o único filho do patriarca. Era o único filho da promessa. A ênfase aqui não é sobre o nascimento, mas sobre a unicidade do filho.

O termo normalmente traduzido como “gerado” é gennao. Ele aparece em Hebreus 1:5 e pode estar se referindo à ressurreição ou à encarnação de Cristo. Na versão Septuaginta, a palavra monogenes é a tradução da palavra hebraica yachid, cujo significado é “único” ou “amado” (cf. Mar. 1:11, em conexão com o batismo de Jesus).

Não é claro se monogenes se refere apenas ao Senhor ressuscitado, histórico, ou também ao Senhor preexistente. Mas é interessante notar que nem João 1:1-14, nem 8:58 e nem o capítulo 17 usam o termo Filho para o Senhor preexistente.

Mateus 14:33. “És Filho de Deus!”. Esse é um título messiânico (Sal. 2:7; Atos 13:33; Heb. 1:5), que enfatiza a deidade de Jesus. Embora seja um dos muitos títulos que possuía, Ele o usava muito raramente para referir-Se a Si mesmo (João 11:4). Na tentativa de compreender quem era Cristo, todos esses títulos necessitam ser investigados para termos um quadro coerente. Que o título “Filho de Deus” salienta a divindade de Jesus é evidente em João 10:29-36. Isso é apoiado posteriormente pelo fato de que o Filho é a exata imagem de Deus, sendo igual ao Pai (Col. 1:15; Heb. 1:3; Filip. 2:6)

A palavra “Filho” tem um amplo significado na linguagem original. Portanto, não é possível reduzi-la aos limites de idiomas modernos, dando-lhe um significado literal. A filiação de Jesus é atestada em conexão com o Seu nascimento (Luc. 1:35), batismo (Luc. 3:22), transfiguração (Luc. 9:35) e ressurreição (Atos 13:32 e 33). A Bíblia silencia quanto a se esses títulos descrevem o eterno relacionamento entre Pai e Filho. Em qualquer caso, as Escrituras atribuem existência eterna a Jesus (Isa. 9:6; Apoc. 1:17 e 18). Durante a encarnação, Jesus subordinou-Se voluntariamente ao Pai, sendo o Filho de Deus. Isso incluiu a entrega de prerrogativas, mas não a natureza da deidade. O Senhor ressuscitado, ao ser entronizado como Rei e Sacerdote, também aceitou voluntariamente a prioridade do Pai, mas Ele e o Pai são, conforme a Escritura, personalidades iguais e coeternas da Divindade.

O ESPÍRITO SANTO

Que o Espírito Santo é uma pessoa divina, igual em substância, poder e glória com o Pai e o Filho, podemos observar nas Escrituras.

É um Ser pessoal. Alguns crêem que o Espírito Santo é um “poder” ou uma “energia” de Deus. Mas há muitos versos onde o Ele é mencionado junto com o Pai e o Filho (Mat. 28:19; I Cor. 12:4-6; II Cor. 13:14). Isso indica que o Pai e o Filho são pessoas; portanto, o Espírito Santo deve também ser uma pessoa. Freqüentemente, o pronome masculino “Ele” é usado em referência ao Espírito Santo (João 14:26; 15:26; 16:13 e 14), embora a palavra grega para Espírito ( pneuma) seja neutra e não masculina. A palavra “consolador” ou “confortador” (parakletos) refere-se a uma pessoa, não a uma força.

O Espírito Santo fala (Atos 8:29), ensina (João 14:26), dá testemunho (João 15:26), intercede por outros (Rom. 8:26 e 27), distribui dons (I Cor. 12:11) e proíbe ou permite certas coisas (Atos 16:6 e 7). De acordo com Efés. 4:30, o Espírito Santo pode também ser entristecido. Essas atividades são características de uma pessoa, não de uma força.

É Deus. As Escrituras vêem o Espírito Santo como Deus. Desde a eternidade de Deus o Espírito Santo participa da Divindade como Seu terceiro componente. Em Mat. 28:19, os discípulos foram ordenados a batizar “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Esse verso coloca o Espírito Santo em igualdade com o Pai e o Filho. Ao repreender Ananias, Pedro lhe disse que mentindo ao Espírito Santo, ele tinha mentido “não a homens mas a Deus” (Atos 5:3 e 4).

“O Espírito Santo é onipotente. Ele distribui dons espirituais ‘como Lhe apraz, a cada um individualmente’ (I Cor. 12:11). Ele é onipresente; habitará com Seu povo para sempre (João 14:16). Ninguém pode fugir à Sua influência (Sal. 139:7-10).

Page 7: Trindade Deus Jesus E. santo

Ele também é onisciente, porque ‘a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus’ e ‘as coisas de Deus ninguém conhece, senão o Espírito de Deus’ (I Cor. 2:10 e 11).”33

Ellen White acreditava na personalidade do Espírito Santo: “Precisamos reconhecer que o Espírito Santo, que é tanto uma pessoa como o próprio Deus, está andando por esses terrenos.”34

Vimos então que a Divindade existe em uma pluralidade; que Jesus é Deus, coexistente desde a eternidade com o Pai, e que o Espírito Santo é a terceira pessoa da Divindade. Há muitos outros detalhes sobre o tema, os quais somente no Céu entenderemos plenamente.

Textos difíceis da Bíblia são melhor compreendidos em harmonia com o restante da Escritura. Embora o mistério da Trindade nunca possa ser completamente entendido pelo homem finito, é uma doutrina bíblica, apoiada por escritos de Ellen White e é uma das 27 crenças fundamentais da Igreja.

Referências:

1. Fred Allaback, No Leaders … No New Gods (Creal Spring, Ill, 1966), pág. 11.2. Ibidem, pág. 15.3. Ibidem, pág. 30.4. Bill Stringfellow, Tue Red Flag Is Waving (Spencer, TN: Concerned Publications, s/d).5. Rachel Cory-Kuehl, The Persons of God (Aggelia Publications, 1966).6. Allen Stump, The Foundation of Our Faith (Smyma Gospel Ministry, s/d).7. Bill Stringfellow, Op. Cit., pág. 15.8. W. Grudem, Systematic Theology (Zondervan, 1994), pág. 226.9. Ellen G. White, Evangelismo, pág. 615.10.Testimonies For the Church, vol. 8, pág. 295.11. Louis Berkhof, Systematic Theology (Eerdmans, 1941), pág. 88.12. Ibidem, pág. 89.13. Escreveu Ellen White: “Há muitos mistérios que não busco compreender nem explicar; eles são muito elevados para

mim e para vocês. Em alguns desses pontos, o silêncio é ouro” (Manuscrito 14,pág. 179).14. G. A. F. Knight, A Biblical Approach to the Doctrine of the Trinity (Edimburgo, 1953), pág. 20.15. Ibidem.16. Millard J. Erickson, Christian Theology (Baker, 1983), vol. 1, pág. 329.17. G. Ch. Aalders, Genesis (Zondervan, 1981), pág. 300.18. Millard J. Erickson, Op. Cit., pág. 338.19. Alguns comentaristas acreditam que atrás desta fórmula está a linguagem utilizada para transferência de dinheiro,

na era helenista. Desse modo, a fórmula expressa figuradamente que a pessoa batizada é “transferida” para a conta do Senhor e se torna Sua possessão. Outros interpretam “nome” como “autoridade”. Nesse caso, a pessoa é batizada pela autoridade do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

20. W. Grudem, Op. Cit., pág. 320.21. Arthur W. Pink, Exposition of the Gospel of John (Zondervan, 1945), pág. 22.22. W. Poehlmann, Exegetical Dictionary of the New Testament (Eerdmans, 1981), vol. 2, pág. 443.23. F. F. Bruce, Philippians, Hendrickson, 1989), pág. 69.24. Leon Morris, The Lord from Heaven: A Study of the New Testament Teaching in the Deity and Humanity of

Jesus (Eerdmans, 1958), pág. 74.25. Alguns comentaristas definem pleroma em termos do pensamento gnóstico, segundo o qual essa palavra significa

uma nova emanação que se tem encarnado no Redentor.26. John Eadie, Colossians, Classic Commentary Library (Zondervan, 1957), pág. 145.27. F. F. Bruce, Hebrews (Eerdmans, 1964), págs. 19 e 20.28. Millard J. Erickson, Op. Cit., pág. 326.29. Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações, pág. 530.30. Evangelismo, pág. 615.31. Kenneth T. Aitken, Proverbs (Westminster Press, 1986), pág. 85.32. Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, vol. 1, pág. 247.33. Seventh-day Adventists Believe (Hagerstown, 1988), pág. 60.34. Ellen G. White, Evangelismo, pág. 616.

A Trindade nas Escrituras

Gerhard Pfandl, Ph.D.Diretor associado do Biblical Research Institute

da Associação Geral da IASD, Silver Spring, Maryland, EUA

Resumo: O presente artigo provê uma investigação das evidências bíblicas que apóiam a doutrina da Trindade. Várias referências, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, são consideradas em seus respectivos contextos linguísticos hebraicos e/ou gregos. O autor aponta, ainda, os erros mais comuns na interpretação de alguns desses textos.

Page 8: Trindade Deus Jesus E. santo

Introdução

Embora a palavra Trindade (do lat. trinitas, “tri-unidade” ou “tri-unicidade”) não se encontre na Bíblia (tampouco a palavra “encarnação”), o ensinamento que ela descreve está claramente contido nas Escrituras.1 Brevemente definida, a doutrina da Trindade compreende o conceito de que “Deus existe eternamente como três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo; cada pessoa é plenamente Deus; e há um só Deus.”2

O próprio Deus é um mistério – quanto mais a encarnação ou a Trindade! Contudo, embora não sejamos capazes de compreender logicamente os vários aspectos da Trindade, precisamos tentar entender o melhor possível o ensino escriturístico a ela concernente. Todas as tentativas para explicar a Trindade não atingirão o seu objetivo, “especialmente quando refletimos sobre a relação das três pessoas com a divina essência [...] todas as analogias falham e nos tornamos plenamente cônscios do fato de que a Trindade é um mistério muito além do nosso entendimento. É a incompreensível glória da Divindade.”3 Portanto, procedemos melhor em admitir que “o homem não pode compreendê-la e torná-la inteligível. É inteligível em algumas de suas relações e modos de manifestações, mas ininteligível em sua natureza essencial.”4

Precisamos conscientizar-nos de que podemos atingir apenas uma compreensão parcial do que é a Trindade. Ao ouvirmos a Palavra de Deus, certos elementos da Trindade se tornarão claros, enquanto outros permanecerão um mistério. “As coisas encobertas pertencem ao SENHOR, nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem, a nós e a nossos filhos, para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei” (Dt 29:29).

A Trindade no Antigo Testamento

Várias passagens do Antigo Testamento sugerem ou mesmo implicam que Deus existe em mais do que uma pessoa, não necessariamente em uma Trindade, mas ao menos em uma relação binária.

GÊNESIS 1No relato da Criação em Gênesis 1, a palavra hebraica para Deus é ‘Elohim, a forma plural de‘Eloha. Geralmente, este

plural tem sido interpretado como um plural majestático, em vez de uma pluralidade. Todavia, G. A. F. Knight tem argumentado corretamente que tomar esta forma como um plural majestático é ler no antigo texto hebraico um conceito moderno, desconsiderando que os reis de Israel e de Judá são todos tratados no singular no texto bíblico. 5 Além disso, Knight ressalta que as palavras hebraicas para “água” e “céu” são ambas plurais. Os gramáticos têm denominado este fenômeno de plural quantitativo. A água pode aparecer em forma de pequenas gotas ou grandes oceanos. Esta diversidade quantitativa em unidade, diz Knight, é uma maneira adequada de compreender o plural ‘Elohim. Também explica por que o substantivo singular ‘Adonai é escrito como um plural.6

Lemos em Gênesis 1:26: “Também disse [singular] Deus: Façamos [plural] o homem à nossa [plural] imagem, conforme a nossa [plural] semelhança.” Moisés não está usando um verbo plural com ‘Elohim, mas Deus, em sua fala, usa um verbo plural e pronomes plurais com referência a Si mesmo. Alguns intérpretes crêem que Deus aqui está falando aos anjos. No entanto, segundo as Escrituras, os anjos não participaram da Criação. A melhor explicação, portanto, é a de que já no primeiro capítulo de Gênesis há uma indicação de uma pluralidade de pessoas na própria Divindade.

GÊNESIS 2:24De acordo com Gênesis 2:24, o homem e a mulher devem tornar-se “uma só [heb. ‘echad] carne”, uma união de duas

pessoas distintas, individuais. Em Deuteronômio 6:4, a mesma palavra é empregada para Deus: “Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único [‘echad] SENHOR.” Diz Millard J. Erickson: “Parece que aqui algo está sendo afirmado acerca da natureza de Deus – Ele é um organismo, isto é, uma unidade de partes distintas.”7 Moisés poderia ter usado a palavra yachid (somente um, singular) em Deuteronômio 6:4, mas o Espírito Santo preferiu que assim não fosse.

Outros Textos que Expressam uma Pluralidade

Disse Deus após a queda do homem: “Eis que o homem se tornou como um de nós” (Gn 3:22). E, algum tempo depois, quando os homens começaram a construir a torre de Babel, disse o SENHOR: “Desçamos e confundamos ali a sua linguagem” (Gn 11:7). Vez após outra a pluralidade da Divindade é enfatizada.

Em sua famosa visão do trono divino, Isaías ouve o SENHOR indagando: “A quem enviarei, e quem há de ir por nós?” (Is 6:8). Aqui vemos Deus utilizando o singular e o plural na mesma sentença. Muitos eruditos modernos tomam isto como uma referência ao concílio celestial. Mas Deus alguma vez convocou Suas criaturas para conselho? Em Isaías 40:13 e 14 Ele parece refutar esta mesma noção. Ele não precisa aconselhar-Se com Suas criaturas, nem mesmo com os seres celestiais. Portanto, este plural, embora não prove a Trindade, sugere que há uma pluralidade de seres nAquele que fala.

O Anjo do Senhor

A expressão “Anjo do SENHOR” aparece cinqüenta e oito vezes no Antigo Testamento, e “o anjo de Deus”, onze vezes. A palavra hebraica mal’ak (anjo) significa simplesmente “mensageiro”. Portanto, se o “Anjo do SENHOR” é um mensageiro do SENHOR, ele deve ser distinto do próprio SENHOR. No entanto, em vários textos o “Anjo do Senhor” é também chamado “Deus” ou “SENHOR” (Gn 16:7-13; Nm 22:31-38; Jz 2:1-4; 6:22). Os Pais da Igreja O identificavam com o Logos pré-encarnado. Eruditos modernos O têm visto como um ser que representa a Deus, como o próprio Deus, ou alguma força externa de Deus. Eruditos conservadores geralmente concordam que “esse ‘mensageiro’ deve ser visto como uma manifestação especial da existência ou essência do próprio Deus.”8 Se isto está correto, temos aqui outro indicador da pluralidade de pessoas na Divindade.

A Trindade no Novo Testamento

Page 9: Trindade Deus Jesus E. santo

Nas Escrituras a verdade é progressiva. Quando chegamos, portanto, ao Novo Testamento, encontramos um quadro mais explícito da natureza trinitária de Deus. O próprio fato de se dizer de Deus que Ele é amor (1Jo 4:8) implica em que deve existir uma pluralidade dentro da Divindade, uma vez que o amor só pode existir em uma relação entre seres diferentes.

No Evangelho de Mateus

(a) No batismo de Jesus encontramos os três membros da Divindade em atividade ao mesmo tempo:

Batizado Jesus, saiu logo da água, e eis que se lhe abriram os céus, e viu o Espírito de Deus descendo como pomba, vindo sobre ele. E eis uma voz dos céus, que dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo. (Mt 3:16-17)

O relato do batismo de Jesus é uma notável manifestação da doutrina da Trindade – ali estava Cristo em forma humana, visível a todos; o Espírito Santo descendo sobre Cristo em forma corpórea, como uma pomba; e a voz do Pai falou do céu: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo.” Em João 10:30, Cristo reclama igualdade com o Pai, e, em Atos 5:3, o Espírito Santo é identificado como Deus. Portanto, é difícil, se não impossível, explicar a cena do batismo de Cristo de qualquer outra forma a não ser admitir que há três pessoas na natureza ou essência divina.

No batismo de Jesus, o Pai O chamou de “meu Filho amado”. A filiação de Jesus, porém, não é ontológica, mas funcional. No plano da salvação, cada membro da Trindade aceitou uma função específica. É uma função com a finalidade de atingir um objetivo específico, não uma mudança de essência ou condição. Millard J. Erickson explica isto deste modo:

O Filho não Se tornou menos do que o Pai durante Sua encarnação terrestre, mas subordinou-Se funcionalmente à vontade do Pai. Igualmente, o Espírito Santo está agora subordinado ao ministério do Filho (veja João 14-16), bem como à vontade do Pai, mas isto não implica em que Ele é menos do que são Eles.9  Os termos “Pai” e “Filho”, no pensamento ocidental, trazem consigo as ideias de origem, dependência e subordinação. Na mentalidade semítica ou oriental, porém, eles enfatizam igualdade ou identidade de natureza. Desse modo, quando as Escrituras falam do “Filho” de Deus, elas afirmam Sua divindade.

No final do Seu ministério, Jesus disse aos Seus discípulos que eles deveriam ir e fazer “discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28:19). Neste, que é o rito introdutório de cada crente na religião cristã, a doutrina da Trindade é claramente ensinada. Primeiro, notamos que “em nome” (gr. eis to onoma) é singular, não plural (“nos nomes”). Ser batizado em nome das três pessoas da Trindade significa identificar-se a si próprio com tudo o que a Trindade representa; confiar-se ou entregar-se ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. 10 Segundo, a união destes três nomes indica que o Filho e o Espírito Santo são iguais ao Pai. Seria um tanto estranho, para não dizer blasfemo, unir o nome do Deus eterno a um ser criado (quer tenha sido criado na eternidade ou em algum momento do tempo), e a uma força ou poder impessoal nesta fórmula batismal.

Quando o Espírito Santo é posto na mesma expressão e no mesmo nível que as outras duas pessoas, é difícil evitar a conclusão de que o Espírito Santo é também visto como uma pessoa e de igual posição que o Pai e o Filho.11

Nos Escritos de Paulo

Paulo e os demais escritores do Novo Testamento geralmente usam a palavra “Deus” ao se referirem ao Pai, “Senhor” quando se referem ao Filho, e “Espírito” referindo-se ao Espírito Santo. Em 1 Coríntios 12:4-6, Paulo se refere aos três no mesmo texto:

Ora, os dons são diversos, mas o Espírito é o mesmo. E também há diversidade nos serviços, mas oSenhor é o mesmo. E há diversidade de realizações, mas o mesmo Deus é quem opera tudo em todos.

Semelhantemente, em 2 Coríntios 13:13, ele enumera as três pessoas da Trindade:

A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós.Conquanto não possamos dizer que estes textos sejam uma enunciação formal da Trindade, estas passagens e outras

semelhantes (p. ex., Efésios 4:4-6) são de caráter distintamente trinitariano. Foi a Igreja em tempos posteriores quem elaborou os detalhes da Trindade, mas eles construíram sobre os fundamentos dos escritores bíblicos.

A divindade de Cristo

Um elemento decisivo na doutrina da Trindade é a divindade de Cristo. Sendo que a doutrina da Trindade ensina que há um Deus em três pessoas, e que cada uma dessas pessoas é plenamente Deus, torna-se importante verificar o que as Escrituras ensinam acerca da divindade de Cristo.

A divindade de Cristo no Novo Testamento

Há várias passagens no Novo Testamento que afirmam claramente a plena divindade de Cristo:

JOÃO 1:1-3, 14“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.” A frase introdutória “no princípio” (sem o

artigo) nos leva de volta ao início do tempo. Se o Verbo era “no princípio”, então Ele mesmo era sem princípio, que é outra maneira de dizer que Ele era eterno.

“O Verbo estava com Deus” nos diz que o Verbo é uma pessoa ou personalidade distinta. O Verbo não estava “em” (gr. en) Deus, mas “com” (pros) Deus.

Page 10: Trindade Deus Jesus E. santo

“E o Verbo era Deus”, ou, mais lieteralmente: “e Deus era o Verbo.” O Verbo não era uma emanação de Deus, mas o próprio Deus. Conquanto o verso 1 não nos diga quem é o Verbo, o verso 14 claramente O identifica com Cristo. “Uma afirmação mais enfática e inequívoca da absoluta Divindade do Senhor Jesus Cristo é impossível de conceber.”12

JOÃO 20:28“Respondeu-lhe Tomé: Senhor meu e Deus meu!” Esta é a única ocasião nos Evangelhos em que alguém diz a Cristo

“Deus meu” (ho Theós mou). Quando Tomé viu o Cristo ressurreto, o duvidoso foi transformado num adorador. É significativo que nem Cristo, na ocasião em que isto ocorreu, nem João ao escrever o Evangelho, tenham desaprovado o que Tomé disse. Ao contrário, tanto quanto se referia a João, esse episódio constituiu um ponto importante em sua narração, pois ele imediatamente diz ao leitor:

Na verdade, fez Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram registados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome. (20:30, 31)

O que João está dizendo, portanto, é que “este livro foi escrito para persuadir as pessoas a imitarem Tomé, que chamou Jesus de ‘Senhor meu e Deus meu’”.

FILIPENSES 2:5-7Apesar de esta passagem ter sido escrita para ilustrar a humildade, ela é um dos textos fundamentais do Novo

Testamento para apoiar a divindade de Cristo. “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma [gr. morfê] de Deus, não julgou como usurpação [harpagmós] o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma [morfê] de servo, tornando-se em semelhança de homens.”

Morfê (“forma” ou “aparência visível”) descreve a natureza genuína de uma coisa, sua essência. “Não se refere a qualquer forma mutável, mas à forma específica da qual dependem identidade e condição.”13 Morfê contrasta com skéma (2:7), que também significa “forma”, mas no sentido de aparência superficial em vez de essência. O substantivo harpagmós aparece somente neste texto do Novo Testamento; o verbo correspondente significa “roubar, tomar à força”. No grego secular o substantivo significa “roubo”. Todavia, o contexto esclarece que Jesus não cobiçou, ou não tentou roubar a “igualdade com Deus”. Ao contrário, Ele não tentou apegar-Se à igualdade com Deus que Ele possuía de modo intrínseco. Em outras palavras, Ele não tentou reter pela força Sua igualdade com Deus, mas “tratou-a como uma ocasião para renunciar a cada vantagem ou privilégio que desse modo Lhe pudesse ter vindo, como uma oportunidade para auto-empobrecimento e sacrifício de Si mesmo sem reservas.”14 Este é o significado de “a si mesmo se esvaziou”. Sua igualdade com Deus era algo que Ele possuía de maneira intrínseca; e alguém que é igual a Deus deve ser Deus. Por conseguinte, Filipenses 2:5-7 “é uma passagem que exige para sua compreensão a ideia de que Jesus era divino no mais pleno sentido.”15

COLOSSENSES 2:9“Porquanto, nele habita, corporalmente [gr. somatikôs], toda a plenitude [pleroma] da Divindade.” A palavra pleroma tem

o significado básico de “plenitude, cumprimento”. No Antigo Testamento, ela se refere repetidamente à terra e “toda a sua plenitude” (Sl 24:1; cf. 50:12; 89:11; 96:11; 98:7), que é citada em 1 Coríntios 1:26, 28. No grego secular, pleroma se referia ao pleno complemento da tripulação de um navio ou à quantidade necessária para completar uma transação financeira. Em Colossenses 1:19 e 2:9, Paulo usa a palavra para descrever a soma total de cada função da divindade.16 Essa plenitude habita em Cristo “corporalmente”; isto é, mesmo durante Sua encarnação, Cristo reteve todos os atributos essenciais da divindade, embora não os utilizasse em Seu próprio proveito. A plenitude da Divindade: fez sua habitação em Sua humanidade sem consumi-la ou deificá-la, ou mudar quaisquer de suas propriedades essenciais… Via-se facilmente que a Divindade habitava naquela humanidade (ou natureza humana), pois lampejos de Sua glória brilhavam freqüentemente através de sua cobertura terrestre.17

TITO 2:13Paulo descreve os santos como “aguardando a bendita esperança e o glorioso aparecimento do nosso grande Deus e

Salvador Jesus Cristo” (NKJV [New King James Version]). A KJV traduz esta passagem como “o glorioso aparecimento do grande Deus e nosso Salvador Jesus Cristo”, apresentando os santos à espera do Pai e do Filho. Conquanto esta tradução seja possível, a NKJV deve ser preferida pelas seguintes razões: (1) Os dois substantivos “Deus” e “Salvador” estão ligados por um só artigo, indicando que, por via de regra, os dois substantivos são duas designações para um único objeto. (2) Todo o Novo Testamento aguarda a segunda vinda de Cristo. (3) O contexto do verso 14 fala somente de Cristo. (4) Esta interpretação está em harmonia com outras passagens tais como João 20:28; Romanos 9:5; Hebreus 1:8; 2 Pedro 1:1. O texto de Tito 2:13 é, portanto, é uma asserção explícita à divindade de Cristo.

O testemunho da divindade de Cristo no Antigo Testamento

Não somente é Jesus chamado Deus no Novo Testamento, mas Ele é também chamado Senhor e Deus em citações do Antigo Testamento onde a palavra hebraica é Yahweh ou Elohim.

MATEUS 3:3“Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor.” Segundo o verso 1, este texto de Isaías se refere a João

Batista, que foi o precursor de Jesus. Em Isaías 40:3, a palavra para Senhor éYahweh. Portanto, “o Senhor” cujo caminho João devia preparar não era nenhum outro senão o próprio Yahweh.

ROMANOS 10:13“Porque: Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo.” O contexto (vs. 6-12) deixa claro que Paulo está

pensando em Cristo quando se refere ao “nome do SENHOR”. O texto é uma citação de Joel 2:32 onde a palavra para SENHOR no hebraico é, outra vez, Yahweh.

ROMANOS 14:10Neste texto, Paulo relembra a seus leitores que “todos havemos de comparecer ante o tribunal de Cristo” (Versão

Almeida Revista e Corrigida). Ele, então, adiciona uma citação de Isaías 45:23 que diz: “Pela minha vida, diz o Senhor, todo joelho se dobrará diante de mim, e toda língua confessará a Deus.” Em Isaías o que fala é Yahweh; no livro de Romanos, o mesmo texto é aplicado a Cristo.

Page 11: Trindade Deus Jesus E. santo

HEBREUS 1:8, 9“O teu trono, ó Deus, é para todo o sempre… Deus, o teu Deus te ungiu.” Neste capítulo, sete textos do Antigo

Testamento são usados para apoiar o argumento de que Cristo é superior aos anjos. O quinto texto, citado nos versos 8 e 9, vem do Salmo 45:6, 7, no qual um rei da casa de Davi é tratado como “Deus”. Trata-se de uma hipérbole poética – como é, às vezes, encontrada em cortes orientais – ou está esse texto apontando para uma outra pessoa além do príncipe do Antigo Testamento da casa de Davi?

Para os poetas e profetas hebreus, um príncipe da casa de Davi era o vice-regente do Deus de Israel; ele pertencia a uma dinastia à qual Deus havia feito promessas especiais ligadas à realização de Seu propósito no mundo. Além disso, o que era apenas parcialmente verdade de qualquer um dos governantes históricos da linhagem de Davi, ou mesmo do próprio Davi, seria realizado em sua plenitude quando aparecesse o Filho de Davi em quem todas as promessas e ideais associados com a dinastia seriam incorporados. E agora, finalmente, o Messias havia surgido. Em um sentido mais amplo do que era possível para Davi ou qualquer dos seus sucessores nos dias antigos, esse Messias pode ser tratado não meramente como Filho de Deus (verso 5) mas realmente como Deus, pois Ele é o Messias da linhagem de Davi e também o resplendor da glória de Deus e a própria imagem de Sua substância.18

Todas estas passagens indicam que Cristo, Deus e Yahweh são um.

Jesus e a sua consciência de Si mesmo

Jesus nunca afirmou diretamente Sua divindade; todavia, Seu ensino estava permeado de conceitos trinitarianos. De acordo com a idéia hebraica de filiação (ou seja, tudo que o pai é, o filho é também), Jesus afirmou ser o Filho de Deus (Mt 9:27; 24:36; Lc 10:22; Jo 9:35-37; 11:4). Os judeus entenderam que pela reivindicação de ser o Filho de Deus Ele estava reivindicando igualdade com Deus: “Por isso, pois, os judeus ainda mais procuravam matá-lo, porque não somente violava o sábado, mas também dizia que Deus era seu próprio Pai, fazendo-se igual a Deus” (Jo 5:18; cf. 10:33). Repetidamente, Jesus afirmou possuir o que propriamente só pertence a Deus. “Ele falou dos anjos de Deus (Lc 12:8-9; 15:10) como Seus anjos (Mt 13:41). Ele considerava o reino de Deus (Mt 12:28; 19:14, 24; 21:31, 34) e os eleitos de Deus (Mc 13:20) como Sua propriedade.”19 Em Lucas 5:20, Jesus perdoou os pecados ao paralítico, e os judeus, baseados em Isaías 43:25, argüiram corretamente: “Quem pode perdoar pecados, senão Deus?” Destarte, estava implícita na ação de Jesus de perdoar a pretensão de ser Deus.

A divindade de Cristo é também indicada pelo Seu uso do tempo presente em Sua resposta aos judeus: “Antes que Abraão existisse [genesthai], EU SOU [ego eimi]” (Jo 8:58). Usando os termosgenesthai (“nasceu” ou “se tornou”) e ego eimi (EU SOU), Jesus contrasta Sua existência eterna com o início histórico da existência de Abraão. É a eternidade do ser, e não simplesmente a preexistência antes de Abraão, que é expressa aqui. Ao menos os judeus entenderam isto desse modo; perceberam que Jesus reivindicava ser Yahweh, o EU SOU da sarça ardente (Êx 3:14), e pegaram em pedras para matá-Lo (8:59).

Finalmente, o fato de que Jesus aceitava a adoração de outros é evidência de que Ele mesmo reconhecia Sua divindade. Após Jesus ter vindo aos discípulos andando sobre a água, eles “o adoraram” (Mt 14:33). O cego cuja vista foi restaurada depois de lavar-se no tanque de Siloé “o adorou” (Jo 9:38). Depois da ressurreição, os discípulos foram para a Galiléia, onde Jesus lhes apareceu e eles “o adoraram” (Mt 28:17).

Reiteradamente Jesus aceitou a adoração como algo perfeitamente correto. Ele, desse modo, demonstrou direta pretensão à divindade.

Textos difíceis 20

Os antitrinitarianos usam vários textos bíblicos para apoiar sua alegação de que Jesus foi “gerado” em algum tempo da eternidade (quer dizer, Ele teve um princípio e, portanto, não é absolutamente igual a Deus).

APOCALIPSE 3:14“Jesus, o princípio da criação de Deus.” Alega-se que Jesus foi criado em algum momento no passado, que Ele foi a

primeira obra de Deus.

Resposta:

(a) A palavra grega arquê pode ser traduzida por “princípio”, “ponto de origem”, “primeira causa” ou “governante”. O próprio Pai é chamado “princípio” em Apocalipse 21:6.

(b) O mesmo título é usado para Jesus em Apocalipse 22:13. Conquanto a palavra arquê possa ter um sentido passivo, que faria de Jesus o primeiro ser criado, o sentido ativo da palavra torna-O a primeira causa (ou causa primária), agente motor, ou o Criador. Que Jesus não é o primeiro ser criado, mas o próprio Criador, é o testemunho de outros textos do Novo Testamento (veja Jo 1:3; Cl 1:16; Hb 1:2).

PROVÉRBIOS 8:22-31“Eu fui gerada.” Afirma-se que esta passagem, se refere a Jesus e ensina que Jesus nasceu ou foi criado.

Resposta:

(a) O contexto fala acerca da “sabedoria”, não de Jesus. A personificação da sabedoria é um artifício literário que ocorre também noutras partes das Escrituras. No Salmo 85:10-13 temos “misericórdia e verdade” se encontrando, “justiça e paz” se beijando, e a “verdade” brotando da terra. No Salmo 96:12, “o campo” está alegre, e “todas as árvores do bosque” se regozijam “na presença do Senhor.” (Veja também 1 Cr 16:33; Is 52:9; Ap 20:13-14). Esta espécie de linguagem não deve ser interpretada literalmente. “A personificação é um artifício literário e poético que serve para criar atmosfera, e para avivar idéias abstratas e objetos inanimados, representando-os como se fossem seres humanos.”21

(b) A personificação do divino atributo da sabedoria como uma mulher inicia-se no capítulo 1. “Grita na rua a Sabedoria, nas praças levanta a voz” (1:20). No capítulo 3 nos é dito: “Mais preciosa é do que pérolas” e “todas as suas veredas” são

Page 12: Trindade Deus Jesus E. santo

“paz” (3:15, 17). No capítulo 7, ela é chamada de “irmã” (7:4), e, no capítulo 8, a sabedoria habita com a prudência, outra persofinicação (8:12). A sabedoria personificada é também o assunto de Provérbios 9:1-5. A aplicação destas passagens a Jesus requer um método alegórico de interpretação bíblica que conduz a pontos de vista incompatíveis com outras passagens. Foi esta espécie de hermenêutica que levou os Reformadores a rejeitar o método alegórico de interpretação. Também deve-se notar que nenhum verso desta passagem é citado no Novo Testamento.

(c) Provérbios 8:22-31 contém imagem poética que precisa ser cuidadosamente interpretada. A primeira frase do verso 22 pode ser traduzida por: “O SENHOR me possuía” (KJV, NIV); “O SENHOR me criou” (RSV, NEB); ou “O SENHOR me gerou” (NAB). O significado básico do verbo qanah é “comprar, adquirir”, donde vem “possuir”; mas as duas outras traduções são possíveis. Ao lado deqanah, duas outras palavras se referem à origem da sabedoria: nasak (“estabelecer”; 8:23), e chil(“nascer”; 8:24, 25). O pensamento básico desta passagem é sempre o mesmo: a sabedoria estava com Deus antes do início da Criação. Quer Deus a tenha criado ou quer ela tenha sido gerada ou simplesmente possuída, não é o ponto focal. O que é fundamental não é a maneira de sua origem, mas, antes, sua antigüidade e precedência dentro da Criação de Deus. Sendo que a linguagem é poética e metafórica, não deve ser usada para estabelecer coisa alguma concernente à suposta origem de Cristo.

Ellen White às vezes aplicou Provérbios 8 homileticamente a Cristo, mas ela usou o texto para sugerir Sua preexistência eterna. Antes de citar Provérbios 8 ela diz: “Cristo era, essencialmente e no mais alto sentido, Deus. Estava Ele com Deus desde toda a eternidade, Deus sobre todos, bendito para todo o sempre.”22

COLOSSENSES 1:15“Jesus, o primogênito.” Sendo que Jesus é chamado o “primogênito” (prototokos), argumenta-se que Ele deve ter tido

um princípio.Resposta:

(a) A expressão prototokos (“primogênito”) neste texto é um título, não uma definição de Sua condição biológica. De acordo com 1:16, tudo foi criado por Jesus. Portanto, Ele não pode ter criado a Si mesmo.

(b) O termo “primogênito” tinha um significado especial para os hebreus. Em geral, o primogênito era o líder de um grupo de pessoas ou de uma tribo, o sacerdote da família, e o que recebia duas vezes mais da herança do que seus irmãos. Ele tinha certos privilégios bem como responsabilidades. Às vezes, porém, o fato de que alguém era o primogênito não importava aos olhos de Deus. Por exemplo, embora Davi fosse o filho mais novo, Deus o chamou de “meu primogênito” (Sl 89:20, 27). A segunda linha do paralelismo no verso 27, nos diz que isto significava que ele deveria se tornar o rei mais exaltado. Veja também a experiência de Jacó (Gn 25:25-26 e Êx 4:22) e Efraim (Gn 41-50-52 e Jr 31:9). Nestes casos, o elemento tempo “primeiro” foi apagado. Era importante apenas a posição especial e a dignidade da pessoa chamada o “primogênito”. No caso de Jesus, este termo também se refere à Sua exaltada posição e não a um momento do tempo no qual Ele nasceu. Em Colossenses 1:18, Cristo é chamado “o primogênito de entre os mortos.” Embora Ele não fosse cronologicamente o primeiro (Moisés e outros O haviam precedido), Ele é o preeminente.

(4) João 1:1-3

“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.” Alega-se que há uma distinção entre Deus o Pai, que é o Deus, e Jesus, que é apenas um deus. O termo grego para Deus (theós) é encontrado com o artigo ‘o (ho), “o Deus”, ou sem o artigo, “um deus” ou “Deus”. Em João 1:1-3 o Pai é chamado ho theós, ao passo que o Filho é chamado theós. Justifica isto a alegação de que o Pai é o Deus Todo-poderoso, enquanto que o Filho é apenas um deus?

Resposta:

(a) O termo theós sem o artigo é freqüentemente usado também para o Pai, até no mesmo capítulo (veja Jo 1:6, 13, 18; Lc 2:14; At 5:39; 1Ts 2:5; 1Jo 4:12 e 2Jo 9). Jesus é também “o Deus” (Hb 1:8-9; Jo 20:28). Em outras palavras, o uso do termo Deus – com ou sem o artigo – não pode ser usado para fazer uma distinção entre Deus o Pai e Deus o Filho. Deus o Pai é theós e ho theós, e assim também é o Filho.

Muitas vezes, a ausência do artigo em grego denota qualidade especial e não deve ser traduzido com o artigo indefinido “um”.

(b) Se João tivesse usado o artigo definido cada vez que ocorre theós, ele estaria afirmando que há apenas uma pessoa divina. O Pai seria o Filho. Diz João 1:1: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com ho theós, e o Verbo era théos. Se João tivesse usado apenas ho theós, ele estaria dizendo: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com ho theós, e o Verbo era ho theós. De acordo com João 1:14, o Verbo é Jesus. Portanto, substituindo “Verbo” por “Jesus” obtemos a sentença: “No princípio era Jesus, e Jesus estava com ho theós, e Jesus era ho theós.” Ho theós se refere claramente ao Pai. O texto modificado diria: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com o Pai, e o Verbo era o Pai.” Isso está teologicamente errado. Falando acerca das duas pessoas da Divindade, João não tinha outra escolha senão usar uma vez ho theós e na próxima vez theós. Portanto, a ausência do artigo no segundo caso não pode ser usada para argumentar contra a igualdade entre o Pai e o Filho.

JOÃO 1:14, 18; 3:16, 18; 1 JOÃO 4:9“O Filho unigênito (monoguenês).” Sugere-se que a palavra monoguenês aponta para uma geração literal de Jesus.Resposta:

(a) A palavra monoguenês significa “único, único de uma espécie, singular”. Ocorre nove vezes no Novo Testamento. Encontra-se três vezes em Lucas (7:12; 8:42; 9:38), onde sempre se refere a um único filho. É encontrada cinco vezes nos escritos de João (Jo 1:14, 18; 3:16, 18; 1 Jo 4:9) como uma designação da relação de Jesus com Deus. Ocorre somente uma vez em Hebreus 11:17, onde Isaque é chamado o filho monoguenês de Abraão. Isaque não era o filho único de Abraão, mas era o filho singular, invulgar, o único filho da promessa. A ênfase não é sobre o nascimento, mas sobre a singularidade do filho. Portanto, a tradução “único” ou “singular” deve ser preferida. A tradução “unigênito” pode ter se originado com os primeiros Pais da Igreja e se encontra na Vulgata. A última, por sua vez, influenciou traduções posteriores.

Page 13: Trindade Deus Jesus E. santo

O termo normal para gerado é gennao, que se encontra em Hebreus 1:5 e pode apontar para a ressurreição ou encarnação de Cristo.

Na LXX (Septuaginta) o termo monoguenês é a tradução do hebraico yachid, que significa “único, singular” ou “amado” (cf. Mc 1:11, em conexão com o batismo de Cristo).

Não está claro se monoguenês se refere apenas ao Senhor histórico e ressurreto ou também ao Senhor preexistente. É de interesse notar, porém, que nem em 1:1-14, nem em 8:58, nem no capítulo 17, João usa o termo “Filho” para o Senhor preexistente.

(6) Mateus 14:33 “Tu és o Filho de Deus.” Pode o título “Filho de Deus” ser compreendido literalmente?

Resposta:

(a) Esse título é um título messiânico. (veja Sl 2:7; At 13:33; Hb 1:5). Enfatiza a divindade de Cristo. Jesus usou este título muito raramente para Si mesmo (somente em João, p. ex., Jo 11:4). É um dos muitos títulos que Jesus possuía. Na tentativa de compreender o que Jesus é, todos eles precisam ser investigados a fim de se obter uma visão coerente. Que o título “Filho de Deus” enfatiza a divindade de Cristo é evidente de João 10:29-36. Isso é ainda mais apoiado pelo fato de que o Filho é a imagem exata de Deus, sendo igual a Deus (Cl 1:15; Hb 1:3; Fp 2:6).

(b) A palavra “filho” tem uma ampla extensão de significados na língua original. Portanto, não é possível reduzi-la aos estreitos limites da língua inglesa (ou portuguesa) e defini-la de uma maneira puramente literal. A filiação de Jesus é atestada em conexão com o Seu nascimento (Lc 1:35), batismo (Lc 3:22), transfiguração (Lc 9:35) e ressurreição (At 13:32-33). A Bíblia silencia quanto à questão sobre se este título descreve a relação eterna entre Pai e Filho. Em qualquer caso, as Escrituras atribuem existência eterna a Jesus (Is 6:6; Ap 1:17, 18).

Durante Sua encarnação, Jesus subordinou-Se voluntariamente ao Pai, sendo o Filho de Deus. Isto incluía a entrega das prerrogativas, mas não a natureza da divindade. O Senhor ressurreto, sendo entronizado como rei e sacerdote, também aceita voluntariamente a prioridade do Pai, mas Ele e o Pai são – segundo as Escrituras – ambos Deus, personalidades coeternas e coiguais de uma só Divindade.

O Espírito Santo como a terceira pessoa da Trindade

Que o Espírito Santo é uma pessoa divina, igual ao Pai e ao Filho em poder, substância e glória, manifesta-se através das Escrituras.

O Espírito Santo como ser pessoal

Alguns têm indagado se o Espírito Santo é uma pessoa distinta ou apenas o “poder” ou a “força” de Deus. Há vários versos onde o Espírito Santo é mencionado junto com o Pai e o Filho (Mt 28:19; 1Co 12:4-6; 2Co 13:13). Uma vez que o Pai e o Filho são pessoas, isto indica que o Espírito Santo deve ser também uma pessoa.

Freqüentemente, o pronome masculino “ele” é usado com referência ao Espírito Santo (Jo 14:26; 15:26; 16:13, 14) apesar do fato de que a palavra para Espírito em grego (pneuma) é neutra e não masculina.

A palavra “conselheiro” ou “consolador” (parakletos) uniformemente se refere a uma pessoa, não a uma força.É dito que o Espírito Santo fala (At 8:29), ensina (Jo 14:26), dá testemunho (Jo 15:26), intercede em favor de outros

(Rm 8:26-27), distribui dons a outros (1Co 12:11), e proíbe ou permite certas coisas (At 16:6-7). De acordo com Efésios 4:30, o Espírito Santo pode ser também entristecido pelas pessoas. Todas estas atividades são características de uma pessoa, não de uma força.

O Espírito Santo como Deus

Vários textos das Escrituras descrevem o Espírito Santo como Deus:

(a) Mateus 28:19 “…batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.” Este texto coloca o Espírito Santo em um nível igual ao do Pai e do Filho.

(b) Pedro disse a Ananias que, mentindo ao Espírito Santo, ele havia mentido não “aos homens, mas a Deus” (At 5:3-4).

(c) O Espírito Santo é onipotente. Ele distribui dons espirituais “a cada um individualmente como lhe apraz” (1Co 12:11). Ele é onipresente. Habitará com o Seu povo “para sempre” (Jo 14:6). Ninguém pode furtar-se à Sua influência (Sl 139:7-10). Ele é também onisciente, “porque o Espírito a todas as cousas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus” e “as cousas de Deus ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus” (1Co 2:10, 11).23

(d) Ellen White cria firmemente na personalidade do Espírito Santo. “Precisamos reconhecer que o Espírito Santo, que é tanto uma pessoa como o próprio Deus, está andando por esses terrenos.”24

Conclusão

Embora com a doutrina da Trindade haja certas dificuldades textuais e conceituais, nosso estudo do Antigo e do Novo Testamento tem produzido algumas possíveis respostas. Temos visto que a Divindade existe em uma pluralidade, que Jesus é Deus, coexistente com o Pai desde a eternidade, e que o Espírito Santo é a terceira pessoa da Divindade.

Os textos difíceis da Bíblia são melhor compreendidos em harmonia com o restante das Escrituras. É de pouco valor para a Igreja causar divisão por causa de diferentes compreensões de alguns aspectos da Divindade. Conquanto o mistério

Page 14: Trindade Deus Jesus E. santo

da Trindade jamais possa ser plenamente compreendido pelo homem finito, é uma doutrina bíblica que faz parte da Fé Cristã.

Referências:1. Artigo traduzido do original em inglês por Francisco Alves de Pontes. Salvo indicação diversa, os textos bíblicos

utilizados na tradução são extraídos da Versão Almeida Revista e Atualizada.

2. W. Grudem, Teologia Sistemática (São Paulo: Vida Nova, 2002), 165.3. Louis Berkhof, Systematic Theology (Eerdmans, 1994), 88.4. Ibid.

5. G. A. F. Knight , A Biblical Approach to the Doctrine of the Trinity (Edinburgh, 1953), 20.6. Ibid.

7. Millard J. Erickson, Christian Theology (Grand Rapids, MI: Baker, 1983), 1:329.8. G. Ch. Aalders, Genesis (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1981), 300.9. Erickson, 1:338.

10. Alguns comentaristas crêem que por trás da fórmula está a linguagem das transferências de dinheiro da era helenística, de sorte que a fórmula expressa figurativamente que a pessoa batizada é “transferida” para a conta do Senhor e assim se torna Sua propriedade. Outros interpretam “nome” como “autoridade”. Destarte, alguém é batizado pela autoridade do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

11. Grudem, 230.

12. Arthur W. Pink, Exposition of the Gospel of John (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1945), 22.13. W. Poehlmann, “Morfê”, Exegetical Dictionary of the New Testament, 3 vols., eds. H. Balz e G. Schneider (Grand

Rapids, MI: Eerdmans, 1981), 2:443.14. F. F. Bruce, Philippians, NIBC (Peabody, MA: Hendrickson, 1989), 69.15. Leon Morris, The Lord from Heaven: A Study of the New Testament Teaching in the Deity and Humanity of

Jesus (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1958), 74.16. Alguns comentaristas definem pleroma em função do pensamento gnóstico, pelo qual pleromasignifica o

novo éon (ou emanação gnóstica) que encarnou-se no Redentor (Kaeseman, Essays on New Testament Themes [Londres, 1964], 158). C. F. D. Moule, porém, tem ressaltado que pleroma era uma palavra tão comum na LXX que seria preciso forte evidência para levar alguém a procurar em uma fonte externa seu significado primário em um escritor tão imergido no Antigo Testamento como Paulo (The Epistles to the Colossians and to Philemon, Cambridge Greek Testament Commentary [Cambridge, 1957], 166).

17. John Eadie, Colossians, Classic Commentary Library (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1957), 145.18. F. F. Bruce, Hebrews, NICNT (Grand Rapids, MI: Eerdmans,. 1964), 19, 20.19. Erickson, 326.

20. Sou grato ao meu colega Ekkehardt Mueller pelo material deste parágrafo.

21. Kenneth T. Aitken, Proverbs (Westminster Press, 1986), 85.22. Mensagens Escolhidas, 1:247.23. Nisto Cremos: 27 ensinos bíblicos dos adventistas do sétimo dia (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1988), 90.24. Evangelismo, 616.

A Trindade sem Mistério – I

Alberto Ronald Timm

Em contraste com a filosofia grega, cuja base repousa no conhecimento de si mesmo, o Cristianismo tem como fundamento o conhecimento de Deus. Esse conhecimento é o “principio da sabedoria” (Prov. 9:1) e a condição para a “vida eterna” (João 17:3). Somente através da revelação divina, conforme expressa em Sua Palavra, poderemos chegar a uma correta compreensão de Deus. Entretanto, ao estudarmos a respeito de Deus não nos devemos olvidar de que estamos em terreno sagrado.

Muito embora a palavra “Trindade” não se encontre na Bíblia, a ideia por ela expressa é uma das verdades fundamentais das Escrituras. Na Bíblia, as prerrogativas divinas são atribuídas a três pessoas distintas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Todos os demais conceitos teológicos são afetados direta ou indiretamente pela noção que tivermos dessa doutrina.

Evidência da Trindade no Antigo Testamento

Ainda que o Antigo Testamento não apresente provas tão claras para a doutrina da Trindade quanto às do Novo Testamento, nele podem ser encontradas grande número de evidências que atestam a existência de uma pluralidade na Divindade.

Page 15: Trindade Deus Jesus E. santo

Em Gênesis 1, o nome hebraico para Deus é Elohim. Esse nome ocorre ao todo cerca de 2.500 vezes no Antigo Testamento, sendo ele a forma plural de El, que é o nome comum para Deus entre os semitas. Para alguns, o fato de Elohim ser um nome plural não prova a Trindade, mas apenas indica “a riqueza e a plenitude do Ser Divino”. 1 Porém A. H. Strong nos adverte que “o fato de Elohim ser algumas vezes usado num sentido restrito, como aplicável ao Filho (Sal. 45:6; cf. Heb. 1:8), não nos deve impedir de crer que o termo era originalmente considerado como contendo uma alusão a certa pluralidade na natureza divina”.2 E João 1:1-3 lança luz sobre o fato de que o Pai e o Filho estavam unidos na obra da Criação do mundo, e em Gênesis 1:2 temos o Espírito Santo também envolvido nessa obra.

No Antigo Testamento, encontramos ainda referências nas quais Deus fala de Si mesmo no plural, como por exemplo: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (Gên. 1:26). Há quem interprete o plural como incluindo os anjos, “mas qualquer inferência de que outros tenham tomado parte em nossa criação é completamente alheia ao capítulo como um todo e ao desafio presente em Isaías 40:14: ‘Com quem tomou Ele conselho?’ Trata-se antes do plural de plenitude, que … haveria de ser revelado como tri-unidade, nos posteriores ‘nós’ e ‘nossa’ de São João 14:23 (com 14:17)”.3Encontramos, portanto, na peculiar fraseologia de Gênesis 1:26 “uma alusão a um sublime concílio entre as pessoas da Divindade”.4 (Ver também Gênesis 3:22; 11:7; Isa. 6:8.).

Outra evidência importante encontramos nos textos que se referem às manifestações do “Anjo do Senhor” (Gên. 16:7-13; 18:1-13; 19:1-28; 22:11-16; 31:11-13; etc.), os quais apresentam “uma indicação de distinções pessoais em Deus”. 5 Em Malaquias 3:1 e Atos 7:35-38 o “Anjo do Senhor” é identificado como sendo Cristo, o Filho de Deus, que em Gênesis 31:11-13 é declarado ser Deus. Portanto, “exatamente como ‘o Espírito de Deus’ era uma expressão veterotestamentária aguardando seu esclarecimento completo no Pentecostes, assim ‘o Anjo do Senhor’, como expressão referente ao próprio Senhor, ganha significado somente à luz dAquele ‘que o Pai… enviou ao mundo’, o Filho preexistente”.6

Segundo John Bright, “a religião de Israel não se fundamentava em proposições teológicas abstratas, mas na memória de uma experiência histórica interpretada e correspondida… Israel acreditava que Iahweh, seu Deus, o havia livrado do Egito pelo poder de Sua onipotência e que, mediante uma aliança o havia constituído Seu povo”.7 Entretanto, mesmo nas profecias messiânicas encontramos indícios de uma pluralidade na Divindade. Em Isaías 9:6 o Messias é chamado “Deus Forte, Pai da Eternidade”, e no Salmo 45:6 e 7 o “Ungido de Deus” é dito ser Deus, à semelhança dAquele que O ungiu. No Salmo 33:4-6 e em Provérbios 8:12-31, aparecem a “Palavra” e a “Sabedoria” de Deus sendo personificadas como uma antecipação ao “Verbo” de Deus de São João 1:1-14.

Já em Isaías 48:16 aparece uma distinta referência à Trindade: “Agora o Senhor Deus (o Pai) Me enviou a Mim (o Filho) e o Seu Espírito (o Espírito Santo).” Há também quem considere as palavras do rei Nabucodonosor, encontradas em Daniel 2:47, como uma referência à trindade: “Certamente, o vosso Deus é Deus dos deuses (o Pai), e o Senhor dos reis (o Filho), e o Revelador dos mistérios (o Espírito Santo)”. Portanto, reconhecemos que “o Velho Testamento contém uma clara antecipação da plena revelação da Trindade no Novo Testamento”.8

A Trindade no Novo Testamento

Uma vez que a revelação da verdade é progressiva, encontramos no Novo Testamento provas concretas da doutrina da Trindade, que lançam luz sobre as evidências encontradas no Antigo Testamento. O cumprimento das profecias messiânicas e a promessa do Espírito Santo são sumamente elucidativas para a compreensão deste tema.

Na promessa feita pelo anjo a respeito do nascimento de Jesus, encontramos uma referência distinta aos membros da Trindade (Luc. 1:35), que viria a tornar-se ainda mais notória por ocasião do Seu batismo. Nessa ocasião, o Filho de Deus foi batizado, o Espírito Santo desceu sobre Ele em forma corpórea como uma pomba, e o Pai falou: “Este é o Meu Filho amado, em quem Me comprazo” (Mat. 3:16 e 17; Mar. 1:10 e 11; Luc. 3:21 e 22; João 1:32 e 33).

Os ensinos de Cristo são igualmente de natureza a enfatizar essa distinção. Na promessa do espírito Santo, Ele fala a respeito de “outro Consolador” (João 14:16 e 26), e todos os que viessem a crer deveriam também ser batizados “em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (Mat. 28:19).

Igualmente na bênção apostólica aparece novamente referida a Trindade: “A graça do Senhor Jesus Cristo e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós” (II Cor. 13:13). O apóstolo São Pedro inicia a sua primeira epístola com uma clara referência à Trindade (I Ped. 1:2), e em São Judas 20 e 21 ela também é mencionada.

Portanto o Novo Testamento reconhece o Pai como Deus (João 6:27, Efé. 6:23; I Pedro 1:2; etc.), aJesus Cristo como Deus (João 1:1 e 18; 20:28; Rom. 9:5; Col. 2:2 e 9; Tito 2:13; Heb. 1:8; I João 5:20; etc.), e ao Espírito Santo como Deus (Atos 5:3 e 4; I Cor. 2:10 e 11; I Cor. 3:16; etc.).

A Distinção Entre os Membros da Trindade

Muito embora a expressão “porque três são os que testificam no céu: o Pai, a Palavra, e o Espírito Santo; e estes três são um”, que algumas versões da Bíblia trazem em I São João 5:7 e 8, provavelmente não fazia parte do original e tenha sido acrescentada posteriormente,9 isto não invalida em nada a doutrina bíblica da Trindade. Alegar que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são simplesmente três aspectos diferentes de um único Ser Divino Se manifestar, é confundir o conceito bíblico a respeito. Se assim fosse, a quem Jesus Cristo estaria Se dirigindo ao orar ao Pai? Por que então deveriam ser mencionados separadamente os membros da Trindade tanto na fórmula do batismo (Mat. 28:19), como na bênção apostólica (II Cor. 13:13) e em outros textos? A Bíblia não apenas reclama natureza espiritual para os membros da Trindade, como também personalidades distintas entre o Pai, o Filho, e o Espírito Santo. Isto é claro não apenas nas características pessoais atribuídas aos três, como também no fato de o Pai ter enviado o Filho (João 14:24; 20:21) e o Pai e o Filho enviarem o Espírito Santo (João 14:16 e 26; 16:7). Alguns têm tido dúvidas quanto ao Espírito Santo, imaginando ser Ele apenas um poder despersonalizado proveniente de Deus; porém os ensinos de Cristo não deixam dúvidas a esse respeito. Ao prometer o Espírito Santo, Ele disse: “Convém-vos que Eu vá, porque se Eu não for, o Consolador não virá para vós outros; se, porém, Eu for, eu vo-lo enviarei” (João 16:7). A palavra “Consolador” é a tradução do termo grego Paracleto, que em São João 14:26 é identificado como sendo o Espírito Santo.

Page 16: Trindade Deus Jesus E. santo

De acordo com James Robertson, “do ensino de Jesus, não resta a menor dúvida que o outroParacleto é uma pessoa. A cada passo, Jesus fala desta maneira: ‘Ele vos ensinará todas as coisas’; ‘Ele Me glorificará’. Personalidade está implicada no título ‘Paracleto’, o qual, em algumas versões, é traduzido impropriamente “Confortador”. A palavra significa ‘um que é chamado para ficar ao nosso lado, especialmente em ocasiões de dificuldade e conflito’. É, portanto, a palavra que designa um advogado, e é assim usada a respeito de Jesus mesmo, em I João 2:1, onde lemos: ‘Nós temos umParacleto (advogado) com o Pai, Jesus Cristo, o justo.’ “Está implicada também, no ensino de Jesus, que o outro Paracleto é uma pessoa divina. Jesus não poderia dizer que era melhor que Ele fosse, se o Seu substituto fosse menos do que divino. Nem poderia ter dito que ‘ao que disser alguma palavra contra o Filho do homem, isso lhe será perdoado; porém, ao lhe falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste mundo, nem no vindouro’ (Mat. 12:32). Também não poderia ter juntado ‘o Pai, o Filho e o Espírito Santo’, como faz na fórmula do batismo (Mat. 28:19), se todos os três não fossem divinos”.10

Portanto, a doutrina da Trindade não está baseada em especulações e conjeturas humanas, mas na própria Revelação Divina – a Sua Palavra. Porém, uma vez que tenhamos compreendido a distinção que a Bíblia estabelece entre as pessoas da Trindade, deveremos também analisar o relacionamento existente entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

 Referências:

1. Herman Bavinck, The Doctrine of God. (Edinburg: The Banner of Truth Trust, 1979), p. 256.2. Augustus H. Strong, Systematic Theology. (Valley Forge: Judson Press, 1979), p. 318.3. Derek Kidner, Genêsis – Introdução e Comentário. (São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1979), pp. 48 e 49.4. The Pulpit Commentary. (Gran Rapids:Wm. B. Eerdmans Publ. Co., 1975), vol. 1, The Book of Genesis, p. 29.5. Louis Berkhof, Systematic Theology. (Edinburg: The Banner of Truth Trust, 1976), p. 86.6. Kidner. op. cit., p. 32.7. Jonh Bright, História de Israel. (São Paulo: Edições Paulinas, 1978), p. 190.8. Berkhof. op. cit., p. 86.9. Bruce M. Metzger, A Textual Commentary on the Greek New Testament. (London: United Bible Societies,1975), pp. 715-717.

10. James Robertson, Ensinos de Jesus. (São Paulo: União Cultural Editora Ltda., 1952), pp. 146 e 147.

A Trindade sem Mistério – II

Alberto Ronald Timm

 Uma vez que a Bíblia atribui as prerrogativas divinas tanto ao Pai quanto ao Filho e ao Espírito Santo, passaremos a analisar, à luz da Palavra de Deus, o relacionamento existente entre os membros da Trindade. Este aspecto é muito importante, porque dele dependerá os demais conceitos da teologia cristã, os quais são por ele afetados.

Para uma correta compreensão a respeito, deveremos fazer a distinção entre a unidade essencial e a subordinação funcional existente entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo; isto é, entre o modo divino de existir e a maneira funcional como tem sido revelado através da Criação e da Redenção. Confundir esses dois aspectos distintos, levar-nos-ia a conclusões totalmente distorcidas a respeito da doutrina de Deus.

 A Unidade Essencial da TrindadeVimos anteriormente que a Bíblia reconhece as prerrogativas divinas a três personalidades distintas. Porém, isto não

sanciona de forma alguma uma idéia triteísta de Deus; ou seja, que a Bíblia reconheça três deuses diferentes como formando a Divindade. Esta espécie de politeísmo é totalmente contrária ao pensamento bíblico. A religião bíblica é essencialmente monoteísta. Já na promulgação do decálogo aparecem as palavras: “Eu sou o Senhor teu Deus… Não terás outros deuses diante de Mim” (Êxo. 20:2 e ). Também a religião judaica tinha por fundamento o texto de Deuteronômio 6:4: “Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor”. Igualmente o apóstolo São Paulo fala que “há um só Deus” (I Cor. 8:6). Esses e outros textos nos deixam claro o fato de que existe uma unidade essencial entre os membros da Trindade. O Pai, o Filho e o Espírito Santo são três pessoas distintas que formam um só Deus, e não três deuses.

Nesse sentido é que Jesus disse: “Eu e o Pai somos um” (João 10:30; cf. João 17:21 e 22). É por isso que a respeito de Cristo pode ser dito que desde o principio Ele “estava com Deus, e … era Deus” (João 1:1), que Ele é “igual a Deus” (Filip. 2:6), pois “nEle habita corporalmente toda a plenitude da Divindade” (Col. 2:9), sendo Ele “Deus Forte, Pai da Eternidade” (Isa. 9:6).

Mesmo o título “Filho” ao ser aplicado a Cristo não é sinônimo de inferioridade, mas sim de igualdade com o Pai. Ele significa que o Filho participa da mesma natureza do Seu Pai. Foi por essa razão que os judeus acusaram a Jesus de blasfêmia, ao chamar a Deus de “Meu Pai” (João 5:17 e 18). É importante considerarmos ainda que a palavra “Filho” é sempre empregada para Cristo no contexto da Encarnação, e nunca encontraremos menção a um “Filho Eterno”. 1

Por sua vez, não apenas o fato de o Espírito Santo ser chamado de o “outro consolador” (“Paracleto”, João 14:16; etc.) e o “Espírito de Deus” (Rom. 8:9; I Cor. 3:16; etc.) atesta Sua natureza divina, como também o fato de a Ele serem atribuídas todas as características divinas. Isto é especialmente enfatizado em I Cor. 2:10 e 11, onde lemos: “Mas Deus no-lo revelou pelo Espírito; porque o Espírito a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus. Porque, qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o seu próprio espírito que nele está? Assim as coisas de Deus ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus”. Neste caso, “perscruta não significa que o Espírito perscrute com vistas a obter

Page 17: Trindade Deus Jesus E. santo

informação. Antes, é um modo de dizer que Ele penetra todas as coisas. Não há nada que esteja além do Seu conhecimento. Em particular, Paulo especifica asprofundezas de Deus… Não se pode contestar que esta passagem atribui plena divindade ao Espírito… Porque o Espírito que revela é verdadeiramente Deus, o que Ele revela é a verdade de Deus”.2Portanto não podemos negar a unidade essencial existente entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo, os quais formam um só Deus (Tri-unidade).

A Subordinação Funcional da Trindade

A Bíblia menciona a Trindade envolvida tanto na Criação (Gên. 1:1 e 2; João 1:1-3 e 10; Heb. 1:1-3; Jó 33:4; etc.), como na Redenção (Heb. 9:14; I Pedro 1:2; etc.). Para não incorrer em problemas teológicos, devemos ter em mente que a Bíblia é a revelação de Deus aos homens no contexto da história da salvação”, e que o seu objetivo primordial não é elucidar o “Ser” essencial de Deus. Portanto a chave para a compreensão da revelação de Deus encontra-se no “mistério da encarnação”; isto é, que Cristo, sendo Deus no mais alto sentido da palavra, “a Si mesmo Se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-Se em semelhança de homens” (Filip. 2:5-8). Nesse contexto encontraremos o Pai, o Filho e o Espírito Santo assumindo funções diferentes que poderão ser interpretadas como uma aparente “hierarquia” na Trindade, mas que não alteram a essência da natureza divina. Veremos, assim, o Filho dizendo que “o Pai é maior do que Eu” (João 14:28), que “o Filho nada pode fazer de Si mesmo” (João 5:19), e também pôr-Se de joelhos e orar ao Pai (Luc. 22:41 e 42). Mas não devemos nos esquecer que Ele também orou: “Eu Te glorificarei na Terra, consumando a obra que Me confiaste para fazer; e agora, glorifica-Me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que Eu tive junto de Ti, antes que houvesse mundo” (João 17:4 e 5), e que após a Sua humilhação Ele reassumiu toda a plenitude da Sua Divindade (Col. 2:9; cf. Filip. 2:9-11).

Alguns têm procurado ver nos títulos “unigênito” e “primogênito” evidências de que o Filho tenha sido gerado pelo Pai antes da criação do mundo; isto é, que Ele foi a primeira criação do Pai. Mas isso é decorrente de uma profunda ignorância do significado desses termos. A palavra traduzida por “unigênito” (João 1:14 e 18; 3:16 e 18; I João 4:9) é o termo grego monogeneses. Por algum tempo cria-se erroneamente que esse termo significava “único gerado”; porém o certo é que monogeneses é derivado de geneos, que significa “espécie” ou “condição”, e não de gennao, que significa “gerar”.3 A prova para isso encontra-se no fato de monogeneses ser escrito com um “n” apenas, e não com dois.4Assim o termo grego monogeneses não subentende nada mais do que “único” ou “solitário”.5 Ao ser esse termo aplicado em relação ao “Filho de Deus”, deixa claro que Jesus é “o único em Sua classe”.6A Bíblia de Jerusalém está correta ao traduzir o referido termo por “Filho único” em São João 3:16. Portanto, isso significa que Jesus desfruta de um relacionamento único e especial com o Pai. A prova para tal é “o fato de que Jesus jamais fala de Deus como ‘nosso Pai’ de modo a colocar-Se no mesmo relacionamento com Deus que Seus discípulos”. 7 (Ver João 20:17).

Cabe mencionar ainda que o termo monogenesis é usado em Hebreus 11:17 em relação a Isaque, que realmente não era o “único gerado” por Abraão, e sim o seu filho predileto.8 Igualmente a palavra “primogênito” (Col. 1:15-18), traduzida do termo grego prototokos, é usada no relacionamento de Cristo com o Pai, “expressando a Sua prioridade e preeminência sobre a criação, e não no sentido de ter sido o primeiro a nascer”.  9 Esse sentido de distinção aparece também em Deuteronômio 21:15-17. é igualmente nesse sentido que Davi, sendo o filho mais novo de Jessé, é chamado de primogênito (Sal. 89:20-27; cf. I Sam. 16:10-12), bem como Jacó (Êxo. 4:21 e 22; cf. Gên. 25:25 e 26) e Efraim (Jer. 31:9; cf. Gên. 41:50-52). Ao ser Ele chamado de “o princípio (grego arche) da criação de Deus” (Apoc. 3:1), isso não se refere a Cristo no sentido passivo de que no princípio Ele fora criado por Deus, mas no sentido ativo de que Cristo é a Origem, a Fonte e o Princípio ativo através do qual a criação veio à existência (cf. João 1:1-3 e 10; Heb. 1:2; Col. 1:15-18). Se Cristo realmente fora criado na Eternidade, então Ele jamais poderia ter sido chamado “Deus Forte, Pai da Eternidade” (Isa. 9:6). Mas, pelo contrário, João afirma que “o Verbo era Deus” (João 1:1). “Nada mais eminente poderia ser dito. Tudo o que pode ser dito a respeito de Deus, pode apropriadamente ser dito a respeito do Verbo”.10

Um Ministério a Ser Aceito Pela Fé

Talvez a razão pudesse nos levar a crer na Unidade de Deus; porém somente a revelação pode nos desvendar o mistério da Trindade de Deus.11 Pode parecer difícil para a mente humana conviver com o fato de Deus ser três pessoas distintas e ainda assim continuar sendo apenas um Deus, e não três deuses. A Bíblia apenas estabelece esse fato, mas não apresenta maiores detalhes de como isso pode ser explicado. Portanto, assim como “pela fé entendemos que foi o Universo formado pela palavra de Deus” (Heb. 11:3), igualmente pela fé precisamos aceitar a maneira como Deus Se revelou a nós através da Sua Palavra, sem entrarmos em especulações (Deut. 29:29).

Provavelmente não avaliaremos a importância da doutrina da Trindade enquanto não compreendermos o que seria a teologia cristã sem ela. A. H. Strong nos esclarece o fato de que “se não há Trindade, Cristo não é Deus, e não pode conhecer ou revelar perfeitamente a Deus. O cristianismo não é mais a única e final revelação; porém apenas um dos muitos sistemas conflitantes e competitivos, cada um dos quais tem as suas porções de verdade, mas também as suas porções de erro. O mesmo com respeito ao Espírito Santo. ‘Como Deus pode apenas ser revelado através de Deus, assim também Ele pode apenas ser apropriado através de Deus. Se o Espírito Santo não é Deus, então o amor e a auto-comunicação de Deus para a alma humana não são uma realidade.’ Em outras palavras, sem a doutrina da Trindade nós recuamos a uma mera religião natural e ao afastado e distante Deus do deísmo…”12

Entretanto, de acordo com Edwin R. Thiele, “o quadro bíblico de Deus não é de um singular ser supremo sozinho consigo mesmo, anti-social, solitário e afastado. Deus é amor, e o amor anela companheirismo. Certamente Deus poderia conversar com os homens ou os anjos; porém mesmo Deus necessitaria de companheirismo e associação com alguém igual, que pudesse pensar como Ele. E assim Deus comunga com Deus, compartilhando e levando a efeito planos em comum acordo”.13 E neste contexto tornam-se mais claras as referências a planos sendo traçados no próprio seio da Divindade (Gên. 1:26; 11:7; Isa. 6:8; etc).

Portanto, mantenhamos firme a profunda convicção de que o Pai muito nos ama (João 3:16), que Jesus Cristo, após haver oferecido Sua vida por nós, permanece como o nosso Advogado junto ao Pai (I João 2:1) e que o Espírito Santo está

Page 18: Trindade Deus Jesus E. santo

conosco para nos assistir em nossas fraquezas (Rom. 8:26). E, no dizer do apóstolo São Paulo, que “a graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós” (II Cor. 13:13).

Referências:1. Guillermo N. Clarke, Bosquejo de Teologia Cristiana. (Buenos Aires: Compañia de Publicidade Literária “La Aurora”,

s.d.), p. 181.2. Leon Morris, I Coríntios – Introdução e Comentário. (São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1981), p. 46.3. George E. Ladd, A Theology of the New Testament. (Grnad Rapids: Wm. B. Eerdmans Publ. Co.,1977), p. 247.4. Leon Morris, The Gospel According to John. (Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publ. Co., 1979), p. 105, nota de rodapé.5. Ibid.6. Ladd. op. cit., p. 247.7. Ibid.8. Para um estudo mais detalhado sobre a palavra monogenes, veja o artigo intitulado “O Único Filho de Deus” de autoria de Dale Moddy em: Raul Dederen. Cristologia. (São Paulo: Instituto Adventista de Ensino, 1984), pp. 11-26.9.W. E. Vine, Expository Dictionary of New Testament Words. (London: Oliphants, 1979), vol. II, p. 104.10. Morris The Gospel According to John, p. 76.11. Augustus H. Strong, Systematic Theology. (Valley Forge: Judson Press, 1979), p. 304.12. Ibid., p. 349.13. Edwin R. Thiele, Knowing God. (Nashville: Southern Publ. Ass., 1979), p. 28.

A Trindade sem Mistério – II

Alberto Ronald Timm

 Uma vez que a Bíblia atribui as prerrogativas divinas tanto ao Pai quanto ao Filho e ao Espírito Santo, passaremos a analisar, à luz da Palavra de Deus, o relacionamento existente entre os membros da Trindade. Este aspecto é muito importante, porque dele dependerá os demais conceitos da teologia cristã, os quais são por ele afetados.

Para uma correta compreensão a respeito, deveremos fazer a distinção entre a unidade essencial e a subordinação funcional existente entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo; isto é, entre o modo divino de existir e a maneira funcional como tem sido revelado através da Criação e da Redenção. Confundir esses dois aspectos distintos, levar-nos-ia a conclusões totalmente distorcidas a respeito da doutrina de Deus.

 A Unidade Essencial da TrindadeVimos anteriormente que a Bíblia reconhece as prerrogativas divinas a três personalidades distintas. Porém, isto não

sanciona de forma alguma uma idéia triteísta de Deus; ou seja, que a Bíblia reconheça três deuses diferentes como formando a Divindade. Esta espécie de politeísmo é totalmente contrária ao pensamento bíblico. A religião bíblica é essencialmente monoteísta. Já na promulgação do decálogo aparecem as palavras: “Eu sou o Senhor teu Deus… Não terás outros deuses diante de Mim” (Êxo. 20:2 e ). Também a religião judaica tinha por fundamento o texto de Deuteronômio 6:4: “Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor”. Igualmente o apóstolo São Paulo fala que “há um só Deus” (I Cor. 8:6). Esses e outros textos nos deixam claro o fato de que existe uma unidade essencial entre os membros da Trindade. O Pai, o Filho e o Espírito Santo são três pessoas distintas que formam um só Deus, e não três deuses.

Nesse sentido é que Jesus disse: “Eu e o Pai somos um” (João 10:30; cf. João 17:21 e 22). É por isso que a respeito de Cristo pode ser dito que desde o principio Ele “estava com Deus, e … era Deus” (João 1:1), que Ele é “igual a Deus” (Filip. 2:6), pois “nEle habita corporalmente toda a plenitude da Divindade” (Col. 2:9), sendo Ele “Deus Forte, Pai da Eternidade” (Isa. 9:6).

Mesmo o título “Filho” ao ser aplicado a Cristo não é sinônimo de inferioridade, mas sim de igualdade com o Pai. Ele significa que o Filho participa da mesma natureza do Seu Pai. Foi por essa razão que os judeus acusaram a Jesus de blasfêmia, ao chamar a Deus de “Meu Pai” (João 5:17 e 18). É importante considerarmos ainda que a palavra “Filho” é sempre empregada para Cristo no contexto da Encarnação, e nunca encontraremos menção a um “Filho Eterno”. 1

Por sua vez, não apenas o fato de o Espírito Santo ser chamado de o “outro consolador” (“Paracleto”, João 14:16; etc.) e o “Espírito de Deus” (Rom. 8:9; I Cor. 3:16; etc.) atesta Sua natureza divina, como também o fato de a Ele serem atribuídas todas as características divinas. Isto é especialmente enfatizado em I Cor. 2:10 e 11, onde lemos: “Mas Deus no-lo revelou pelo Espírito; porque o Espírito a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus. Porque, qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o seu próprio espírito que nele está? Assim as coisas de Deus ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus”. Neste caso, “perscruta não significa que o Espírito perscrute com vistas a obter informação. Antes, é um modo de dizer que Ele penetra todas as coisas. Não há nada que esteja além do Seu conhecimento. Em particular, Paulo especifica asprofundezas de Deus… Não se pode contestar que esta passagem atribui plena divindade ao Espírito… Porque o Espírito que revela é verdadeiramente Deus, o que Ele revela é a verdade de Deus”.2Portanto não podemos negar a unidade essencial existente entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo, os quais formam um só Deus (Tri-unidade).

A Subordinação Funcional da Trindade

Page 19: Trindade Deus Jesus E. santo

A Bíblia menciona a Trindade envolvida tanto na Criação (Gên. 1:1 e 2; João 1:1-3 e 10; Heb. 1:1-3; Jó 33:4; etc.), como na Redenção (Heb. 9:14; I Pedro 1:2; etc.). Para não incorrer em problemas teológicos, devemos ter em mente que a Bíblia é a revelação de Deus aos homens no contexto da história da salvação”, e que o seu objetivo primordial não é elucidar o “Ser” essencial de Deus. Portanto a chave para a compreensão da revelação de Deus encontra-se no “mistério da encarnação”; isto é, que Cristo, sendo Deus no mais alto sentido da palavra, “a Si mesmo Se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-Se em semelhança de homens” (Filip. 2:5-8). Nesse contexto encontraremos o Pai, o Filho e o Espírito Santo assumindo funções diferentes que poderão ser interpretadas como uma aparente “hierarquia” na Trindade, mas que não alteram a essência da natureza divina. Veremos, assim, o Filho dizendo que “o Pai é maior do que Eu” (João 14:28), que “o Filho nada pode fazer de Si mesmo” (João 5:19), e também pôr-Se de joelhos e orar ao Pai (Luc. 22:41 e 42). Mas não devemos nos esquecer que Ele também orou: “Eu Te glorificarei na Terra, consumando a obra que Me confiaste para fazer; e agora, glorifica-Me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que Eu tive junto de Ti, antes que houvesse mundo” (João 17:4 e 5), e que após a Sua humilhação Ele reassumiu toda a plenitude da Sua Divindade (Col. 2:9; cf. Filip. 2:9-11).

Alguns têm procurado ver nos títulos “unigênito” e “primogênito” evidências de que o Filho tenha sido gerado pelo Pai antes da criação do mundo; isto é, que Ele foi a primeira criação do Pai. Mas isso é decorrente de uma profunda ignorância do significado desses termos. A palavra traduzida por “unigênito” (João 1:14 e 18; 3:16 e 18; I João 4:9) é o termo grego monogeneses. Por algum tempo cria-se erroneamente que esse termo significava “único gerado”; porém o certo é que monogeneses é derivado de geneos, que significa “espécie” ou “condição”, e não de gennao, que significa “gerar”.3 A prova para isso encontra-se no fato de monogeneses ser escrito com um “n” apenas, e não com dois.4Assim o termo grego monogeneses não subentende nada mais do que “único” ou “solitário”.5 Ao ser esse termo aplicado em relação ao “Filho de Deus”, deixa claro que Jesus é “o único em Sua classe”.6A Bíblia de Jerusalém está correta ao traduzir o referido termo por “Filho único” em São João 3:16. Portanto, isso significa que Jesus desfruta de um relacionamento único e especial com o Pai. A prova para tal é “o fato de que Jesus jamais fala de Deus como ‘nosso Pai’ de modo a colocar-Se no mesmo relacionamento com Deus que Seus discípulos”. 7 (Ver João 20:17).

Cabe mencionar ainda que o termo monogenesis é usado em Hebreus 11:17 em relação a Isaque, que realmente não era o “único gerado” por Abraão, e sim o seu filho predileto.8 Igualmente a palavra “primogênito” (Col. 1:15-18), traduzida do termo grego prototokos, é usada no relacionamento de Cristo com o Pai, “expressando a Sua prioridade e preeminência sobre a criação, e não no sentido de ter sido o primeiro a nascer”.  9 Esse sentido de distinção aparece também em Deuteronômio 21:15-17. é igualmente nesse sentido que Davi, sendo o filho mais novo de Jessé, é chamado de primogênito (Sal. 89:20-27; cf. I Sam. 16:10-12), bem como Jacó (Êxo. 4:21 e 22; cf. Gên. 25:25 e 26) e Efraim (Jer. 31:9; cf. Gên. 41:50-52). Ao ser Ele chamado de “o princípio (grego arche) da criação de Deus” (Apoc. 3:1), isso não se refere a Cristo no sentido passivo de que no princípio Ele fora criado por Deus, mas no sentido ativo de que Cristo é a Origem, a Fonte e o Princípio ativo através do qual a criação veio à existência (cf. João 1:1-3 e 10; Heb. 1:2; Col. 1:15-18). Se Cristo realmente fora criado na Eternidade, então Ele jamais poderia ter sido chamado “Deus Forte, Pai da Eternidade” (Isa. 9:6). Mas, pelo contrário, João afirma que “o Verbo era Deus” (João 1:1). “Nada mais eminente poderia ser dito. Tudo o que pode ser dito a respeito de Deus, pode apropriadamente ser dito a respeito do Verbo”.10

Um Ministério a Ser Aceito Pela Fé

Talvez a razão pudesse nos levar a crer na Unidade de Deus; porém somente a revelação pode nos desvendar o mistério da Trindade de Deus.11 Pode parecer difícil para a mente humana conviver com o fato de Deus ser três pessoas distintas e ainda assim continuar sendo apenas um Deus, e não três deuses. A Bíblia apenas estabelece esse fato, mas não apresenta maiores detalhes de como isso pode ser explicado. Portanto, assim como “pela fé entendemos que foi o Universo formado pela palavra de Deus” (Heb. 11:3), igualmente pela fé precisamos aceitar a maneira como Deus Se revelou a nós através da Sua Palavra, sem entrarmos em especulações (Deut. 29:29).

Provavelmente não avaliaremos a importância da doutrina da Trindade enquanto não compreendermos o que seria a teologia cristã sem ela. A. H. Strong nos esclarece o fato de que “se não há Trindade, Cristo não é Deus, e não pode conhecer ou revelar perfeitamente a Deus. O cristianismo não é mais a única e final revelação; porém apenas um dos muitos sistemas conflitantes e competitivos, cada um dos quais tem as suas porções de verdade, mas também as suas porções de erro. O mesmo com respeito ao Espírito Santo. ‘Como Deus pode apenas ser revelado através de Deus, assim também Ele pode apenas ser apropriado através de Deus. Se o Espírito Santo não é Deus, então o amor e a auto-comunicação de Deus para a alma humana não são uma realidade.’ Em outras palavras, sem a doutrina da Trindade nós recuamos a uma mera religião natural e ao afastado e distante Deus do deísmo…”12

Entretanto, de acordo com Edwin R. Thiele, “o quadro bíblico de Deus não é de um singular ser supremo sozinho consigo mesmo, anti-social, solitário e afastado. Deus é amor, e o amor anela companheirismo. Certamente Deus poderia conversar com os homens ou os anjos; porém mesmo Deus necessitaria de companheirismo e associação com alguém igual, que pudesse pensar como Ele. E assim Deus comunga com Deus, compartilhando e levando a efeito planos em comum acordo”.13 E neste contexto tornam-se mais claras as referências a planos sendo traçados no próprio seio da Divindade (Gên. 1:26; 11:7; Isa. 6:8; etc).

Portanto, mantenhamos firme a profunda convicção de que o Pai muito nos ama (João 3:16), que Jesus Cristo, após haver oferecido Sua vida por nós, permanece como o nosso Advogado junto ao Pai (I João 2:1) e que o Espírito Santo está conosco para nos assistir em nossas fraquezas (Rom. 8:26). E, no dizer do apóstolo São Paulo, que “a graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós” (II Cor. 13:13).

Referências:1. Guillermo N. Clarke, Bosquejo de Teologia Cristiana. (Buenos Aires: Compañia de Publicidade Literária “La Aurora”,

s.d.), p. 181.2. Leon Morris, I Coríntios – Introdução e Comentário. (São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1981), p. 46.3. George E. Ladd, A Theology of the New Testament. (Grnad Rapids: Wm. B. Eerdmans Publ. Co.,1977), p. 247.

Page 20: Trindade Deus Jesus E. santo

4. Leon Morris, The Gospel According to John. (Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publ. Co., 1979), p. 105, nota de rodapé.5. Ibid.6. Ladd. op. cit., p. 247.7. Ibid.8. Para um estudo mais detalhado sobre a palavra monogenes, veja o artigo intitulado “O Único Filho de Deus” de autoria de Dale Moddy em: Raul Dederen. Cristologia. (São Paulo: Instituto Adventista de Ensino, 1984), pp. 11-26.9.W. E. Vine, Expository Dictionary of New Testament Words. (London: Oliphants, 1979), vol. II, p. 104.10. Morris The Gospel According to John, p. 76.11. Augustus H. Strong, Systematic Theology. (Valley Forge: Judson Press, 1979), p. 304.12. Ibid., p. 349.13. Edwin R. Thiele, Knowing God. (Nashville: Southern Publ. Ass., 1979), p. 28.

Como Cristo pode ser “o primogênito de toda a criação” (Colossenses 1:15) sem ter sido criado?

Alberto R. TimmAo longo da história do cristianismo, houve muita discussão a respeito do significado do termo “primogênito”

(grego protótokos) quando usado em relação a Cristo. No Novo Testamento, Cristo é chamado de “o Primogênito” (Hb 1:6), “o primogênito de toda a criação” (Cl 1:15), “o Primogênito dos mortos” (Ap 1:5), “o primogênito de entre os mortos” (Cl 1:18) e “o primogênito entre muitos irmãos” (Rm 8:29).

Para entender essa questão, é importante ter em mente que, entre os israelitas, todo o primogênito deveria ser consagrado ao Senhor (Êx 13:1-16; ver Lc 2:22-24), recebendo herança “dobrada” em relação aos demais irmãos (Dt 21:15-17). Embora o termo “primogênito” seja normalmente usado para designar o primeiro filho de um casal, ele é também empregado na Bíblia em relação a um dos demais filhos, que não o mais velho, mas que tenha se destacado entre os seus irmãos. É neste sentido que Deus qualificou a Israel, que não era a nação mais antiga da terra, de “meu primogênito” (Êx 4:22); a Efraim, o segundo filho de José e Azenate, de “o meu primogênito” (Jr 31:9); e a Davi, o mais novo dos oito filhos de Jessé, de “meu primogênito, o mais elevado entre os reis da terra” (Sl 89:27).

Cristo é qualificado de “o primogênito de toda a criação” (Cl 1:15) em um contexto que O enaltece como o Criador que está acima de toda a criação. Em Colossenses 1:15-17, Paulo afirma que Cristo “é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação; pois nEle foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dEle e para Ele. Ele é antes de todas as coisas. NEle tudo subsiste.”

Se o próprio Cristo fosse uma criatura do Pai, como alegam alguns pretensos cristãos, como poderia o texto acima afirmar que “tudo” o que foi criado foi “por meio dEle” criado? Se Cristo houvesse sido gerado em algum momento da eternidade, como poderia ser chamado em Isaías 9:6 de “Deus Forte” e “Pai da Eternidade”? Nesse caso, Ele não seria “Pai da Eternidade”, mas simplesmente uma criatura que veio à existência em algum momento específico da eternidade! Cremos, porém, que como “o primogênito de toda a criação” Cristo é o Soberano absoluto sobre toda a criação, pois “nEle habita corporalmente toda a plenitude da Divindade” (Cl 2:9).

Oração certa

Devemos orar somente a Deus o Pai, em nome de Cristo, ou podemos orar também ao próprio Cristo?

Alberto R. Timm

Cristo orava sempre e exclusivamente ao Seu Pai (Mt 11:25 e 26; 26:39, 42; Lc 23:34, 46; Jo 12:27 e 28; 17:1-26). Quando indagado por Seus discípulos a respeito de como deveriam orar, Ele os ensinou a também se dirigirem diretamente ao Pai (ver Lc 11:1-4; Mt 6:5-13). Mas, além disso, os discípulos foram instruídos a orarem ao Pai, em nome de Cristo. Em João 15:16 o próprio Cristo afirmou: “…a fim de que tudo quanto pedirdes ao Pai em Meu nome, Ele vo-lo conceda.” E João 16:23 complementa essas palavras com a declaração: “Em verdade, em verdade vos digo, se pedirdes alguma coisa ao Pai, Ele vo-la concederá em Meu nome.”

Mas as orientações de que devemos nos dirigir ao Pai em nome de Cristo não excluem a possibilidade de também orarmos diretamente a Cristo. Em João 14:13 e 14 o próprio Cristo fala de “pedirdes em Meu nome” e de “Me pedirdes”. Assim, não é de se surpreender que Estêvão haja orado: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito!” (At 7:59), e que a última oração das Escrituras seja: “Amém. Vem, Senhor Jesus!” (Ap 22:20). Mas essa possibilidade só é aceitável pelo fato de Cristo ser plenamente Deus e digno de adoração (Cl 2:9; Fp 2:10 e 11).

Do que consiste o pecado imperdoável?

Page 21: Trindade Deus Jesus E. santo

Daniel Oscar Plenc

Judas: Jesus e os seus discípulos estavam jantando. O Diabo já havia posto na cabeça de Judas, filho de Simão Iscariotes, a ideia de trair Jesus. (João 13:2). E, logo após o bocado, entrou nele Satanás. Disse-lhe, pois, Jesus: O que fazes, faze-o depressa. (João 13:27).

O que Jesus quis dizer quando falou do pecado contra o Espírito Santo em Mateus 12:31 -32? Ellen White comenta sobre esse assunto desta maneira: Os fariseus atribuíram influencias satânicas ao poder de Deus, manifestando isso nas obras de Cristo. Deste modo, pecaram contra o Espírito Santo. Obstinados, sombrios e duos de coração, decidiram fechar os olhos a toda e qualquer evidencia, e assim cometeram o pecado imperdoável (Review and Herald, 18 de Janeiro de 1898, em Comentário Bíblico Adventista 5:1067). A aplicação espiritual transcende a experiência dos fariseus. Nos nossos dias, os homens se têm colocado onde são completamente incapacitados para preencher as condições de arrependimento e confissão; portanto não podem encontrar misericórdia e perdão. O pecado da blasfêmia contra o Espírito Santo não se consuma em qualquer palavra ou ação súbita, mas na firme e determinada resistência contra a verdade e a evidencia (MS 30, 1890, em Comentário Bíblico Adventista, 5:1068). Sua tese principal se adverte nas seguintes palavras: Ninguém necessita considerar o pecado contra o Espírito Santo como algo misterioso e indefinido. O pecado contra o Espírito Santo é o pecado de uma rejeição persistente a responder ao convite de arrependimento. (Review and Herald, 29 de Junho de 1897 em A Fin de Conocerle, p. 245). A manifestação mais comum do pecado contra o Espírito Santo se baseia em ignorar constantemente o convite do Céu e se arrepender. (O Desejado de Todas as Nações, PP. 291 – 292).

Diante de uma consulta definida sobre este pecado, Ellen White escreveu uma carta pessoal com pensamentos iluminadores e consoladores sobre este tema. Irmão P, você me pergunta se já cometeu o pecado imperdoável. Então te digo que não vejo a menos evidencia de que seja este o caso. Do que consiste o pecado contra o Espírito Santo? Em atribuir a Satanás a obra do Espírito Santo… É por meio do Seu espírito que Deus opera no coração humano; e quando os homens rejeitam voluntariamente ao Espírito, e declaram que são de Satanás, cortam o meio pela qual Deus usa para comunicar-se com eles. Ao negarem a Deus, apagam a luz que havia resplandecido em seus corações, e como resultado são desejados nas trevas. Meu irmão, o Espírito te convida hoje. Escute a Jesus com todo o seu coração. Arrependa-se de seus pecados, faça a sua confissão à Deus e abandone toda a sua iniquidade. “Olhem para mim e serão salvos” (Isa. 45:22), este é o sei misericordioso convite. (Joyas de Los Testimonios 2:265 – 266). Em síntese, o pecado contra o Espírito Santo é:

a) Persistir na impertinência;

b) Rejeitar permanentemente e definitivamente ao Espírito Santo, que convence do pecado e guia na verdade (João 16:8 – 13);

c) Não confessar o pecado e nem desejar o perdão;

d) Atribuir a Satanás a obra do Espírito Santo.

A personalidade do Espírito Santo

É o Espírito Santo um mero poder despersonalizado ou uma pessoa real?

Alberto R. Timm

Algumas pessoas têm grande dificuldade para entender o que a Bíblia diz a respeito da natureza do Espírito Santo. Isso se deve, em grande parte, ao fato de enfatizarem determinadas características deste Ser divino em detrimento de outras, e de não conseguirem conciliar os atributos da personalidade e da onipresença em um só Ser. Para elas, se o Espírito Santo é uma Pessoa, então Ele não pode estar em toda parte ao mesmo tempo; e, por outro lado, se Ele é onipresente, então não pode ser uma Pessoa. Baseados nessa pressuposição, chegam mesmo a crer que Deus Pai e Deus Filho, sendo Seres pessoais, só conseguem ser onipresentes através do Espírito Santo, que, por sua vez, não pode ser mais do que um mero poder despersonalizado.

Se o critério para se estabelecer a verdade é apenas a lógica humana, então o argumento acima até poderia ser considerado correto. Mas se analisarmos detidamente o que a Palavra de Deus nos diz a respeito do Espírito Santo, perceberemos que Ele é um Ser tanto onipresente como pessoal. Isso significa que a natureza do Espírito Santo é um mistério a respeito do qual a lógica humana deve se curvar diante da revelação divina.

Na Bíblia encontramos vários textos que confirmam a onipresença do Espírito Santo (ver Sl 139:712; Jo 14:16 e 17; 1 Co 3:16; 6:19). Além disso, existem pelo menos quatro importantes evidências bíblicas de que o Espírito Santo é também um Ser pessoal distinto do Pai e do Filho. Uma delas são as alusões à Divindade como composta de três Personalidades distintas. Por exemplo, no batismo de Jesus a voz do Pai foi ouvida do Céu, e o Espírito Santo desceu na forma de uma pomba (Lc 3:21-22). Tanto na fórmula batismal (Mt 28:19) quanto na bênção apostólica (2 Co 3:13) as três Pessoas são mencionadas de forma distinta.

Outra evidência da personalidade do Espírito Santo é o fato de Cristo referir-Se a Ele em João 14:16 como “outro Consolador” (grego állon parácleton) que seria enviado pelo Pai em nome de Cristo (Jo 14:26). Se o Espírito Santo fosse o próprio Pai, como alegam alguns, como poderia o Pai enviar-Se a Si mesmo? Referindo-Se ao Espírito Santo como “Consolador”, Cristo usa o mesmo termo gregoparácleton que é traduzido em 1 João 2:1 como “Advogado”. Assim como este “Advogado” (Cristo) está “junto ao Pai”, sem ser o próprio Pai, também aquele “Consolador” (o Espírito Santo) é qualificado como “outro Consolador”, enviado pelo Pai sem ser o próprio Pai.

Page 22: Trindade Deus Jesus E. santo

Uma terceira evidência de que o Espírito Santo é um Ser divino encontra-se nos vários textos que O associam a várias características de uma personalidade distinta dentro da Divindade. Por exemplo, Ele “a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus” (1 Co 2:10); Ele derrama o amor de Deus em nosso coração (Rm 5:5); Ele distribui os dons espirituais a cada um “como Lhe apraz” (1 Co 12:11); e Ele pode ser entristecido (Ef 4:30).

Além disso, a Bíblia declara também que o Espírito Santo “intercede por nós” diante do Pai “com gemidos inexprimíveis” (Rm 8:26). Como poderia o Espírito Santo interceder diante do Pai se Ele mesmo fosse o Pai? A fim de perscrutar “as profundezas de Deus”, o Espírito Santo precisa ser plenamente Deus; e para interceder com o Pai, o Espírito Santo precisa ter uma Personalidade distinta do Pai.

Cremos, portanto, no testemunho bíblico de que o Espírito Santo é um Ser plenamente divino, onipresente e pessoal.

A sabedoria em Provérbios

Jesus é a sabedoria mencionada em Provérbios 8?

Alberto R. TimmDiferentes teorias foram propostas ao longo da história do cristianismo para identificar a “sabedoria” mencionada em

Provérbios 8:22-31. Alguns teólogos do 2º século d.C. a viam como sendo o Espírito Santo. Já no 3.º século, essa interpretação deu lugar a uma generalizada identificação dela com Cristo, a segunda pessoa da divindade. Comentaristas mais recentes continuam discutindo se ela foi realmente uma companheira (ser distinto) do Senhor em Sua obra criadora ou meramente uma característica(atributo) dEle.

Para compreendermos a sabedoria de Provérbios 8:21-31, devemos ter em mente: (1) que ela não é apresentada como um ser divino em nenhuma das demais passagens de Jó, Provérbios e Eclesiastes onde aparece personificada; (2) que ela assume neste texto as prerrogativas divinas de haver existido com Deus antes da obra da criação e de haver sido o “arquiteto” dessa obra; e (3) que ela é descrita como havendo nascido antes da obra da criação (versos 24 e 25).

Reconhecendo a Cristo como a “sabedoria de Deus” (I Co 1:24 e 30) e Aquele “em quem todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos” (Cl 2:3), o Novo Testamento também O identifica como igual a Deus o Pai, e por conseguinte, coeterno com Ele (Fl 2:6-7; Cl 2:8-9; Hb 1:2-3). Assim, se a sabedoria mencionada em Provérbios 8:22-31 teve realmente um início (como sugere a expressão “eu nasci” nos versos 24 e 26), então ela não pode ser a pessoa eterna de Cristo ou um dos atributos eternos do Pai, mas apenas uma manifestação específica da eterna sabedoria de Deus em Cristo na obra da criação, descrita pelo próprio texto em consideração (ver Jo 1:1-5 e 10; Cl 1:15-17; Hb 1:1-14; Ap 3:14).

O debate adventista sobre a Trindade

Jerry Moon, Ph.D.Diretor do Departamento de História Eclesiástica do Seminário Teológico Adventista, Andrews University, Berrien Springs,

Michigan; editor da Andrews University Seminary Studies.

Resumo: Este artigo descreve o desenvolvimento da compreensão adventista da doutrina da Trindade ao longo de mais de um século e meio de história. O autor divide esse desenvolvimento em seis períodos, nos quais são mencionadas as respectivas contribuições literárias mais significativas sobre o assunto. Especial atenção também é dada à superação do antitrinitarianismo inicial e ao ressurgimento contemporâneo desta teoria entre grupos dissidentes do adventismo.

Abstract: This article describes de development of the Seventh-day Adventist understanding of the doctrine of the Trinity over more then a century and a half of history. The author divides that development in six phases, in which the respective most important literary contributions on the subject are mentioned. Special attention is given to the supperation of early antitrinitarianism and its  contemporary reapearence among Adven-tist offshut groups.Introdução

Quarenta anos se passaram desde que Erwin R. Gane demonstrou que a maioria dos líderes entre os primeiros adventistas do sétimo dia defendiam uma teologia antitrinitariana.1 Ele também apresentou forte evidência para uma segunda hipótese: que a co-fundadora Ellen G. White era uma exceção à opinião da maioria. “Ela era”, asseverou, “uma monoteísta trinitariana”.2 Gane não tentou reconstruir a história da mudança desde a rejeição até à aceitação do trinitarianismo, mas tratou amplamente da atuação de Ellen White na mudança teológica. Documentando, porém, dois importantes pontos de partida, ele preparou o cenário para que outros investigadores levem adiante sua obra.

Desde então, vários autores têm aceitado aspectos destes dois grandes pontos de debate. Russell Holt, em 1969, baseado na tese de Gane, adicionou outra significativa evidência concernente a Tiago White, J. N. Andrews, A. C. Bourdeau, D. T. Bourdeau, R. F. Cottrell, A. T. Jones, W. W. Prescott, J. Edson White e M. L. Andreasen. Concluindo, Holt afirmou que até 1890 o “campo era dominado por” antitrinitarianos; de 1890 a 1900, “o rumo da denominação foi decidido por declarações de Ellen G. White”, e durante o período de 1900 a 1930 morreram muitos dos principais antitrinitarianos, de sorte que por volta de 1931 o trinitarianismo “havia triunfado e se tornado o ponto de vista oficial denominacional.” Assim, Holt aproximou a trajetória histórica da presente pesquisa, embora o tamanho de sua tese não permitisse tratamento em profundidade.3

Dois anos depois, L. E. Froom, em Moviment of Destiny, apresentou um início mais antigo de trinitarianismo, afirmando que E. J. Waggoner, já no ano de 1888, tinha se tornado essencialmente trinitariano ou, no mínimo, “anti-ariano”, mas

Page 23: Trindade Deus Jesus E. santo

somente por “súplica especial” poderia ele sustentar este aspecto de sua hipótese.4 Contudo, Moviment of Destiny apresenta um exame mais detalhado das fontes primárias sobre trinitarianismo e antitrinitarianismo no movimento adventista do que pode ser encontrado em qualquer  outro lugar. Pela magnitude, sua obra dá uma importante contribuição para a história da teologia adventista da Divindade.

Em 1996, Merlin Burt contribuiu com detalhes e necessária profundidade para a compreensão da doutrina na primeira metade do século vinte.5 Woodrow Whidden ampliou a discussão teológica sistemática unindo os avanços em soteriologia e a nova abertura ao trinitarianismo durante a década de 1888-1898.6

Todas estas contribuições basicamente comprovam a tese original de Gane. Como resultado, sua afirmação de que muitos dos principais pioneiros do adventismo do sétimo dia eram antitrinitarianos em sua teologia, tornou-se história adventista aceita. Em 2003, porém, o significado dessa história para a fé e prática passou a ser mais calorosamente debatido do que nunca. Por um lado, alguns adventistas têm envolvido o antitrinitarianismo dos pioneiros em uma teoria de conspiração ecumênica, alegando que os dirigentes adventistas traíram a “verdade” original por amor às relações públicas, como um meio de desfazer a imagem sectária da denominação.7Por outro lado, a questão sobre se a crença em Deus como uma Trindade é realmente bíblica recebe força adicional do fato de que alguns teólogos contemporâneos da mais vasta comunidade protestante estão aceitando novamente o questionamento histórico do trinitarianismo tradicional.8

A finalidade deste artigo é examinar o processo de mudança na opinião adventista da Trindade, a fim de descobrir o que motivou as alterações, e também se elas resultaram de uma crescente compreensão bíblica ou se foram impulsionadas pelo desejo de sermos vistos como ortodoxos pela mais ampla comunidade cristã.

O desenvolvimento da doutrina da Divindade no adventismo do sétimo dia pode ser dividido em seis períodos: (1) Predominância antitrinitariana (1846-1888); (2) Insatisfação com o antitrinitarianismo (1888-1898);  (3) Mudança de paradigma (1898-1913);  (4) Declínio do antitrinitarianismo (1913-1946);  (5) Predominância trinitariana (1946-1980); e Tensões renovadas (1980 até o presente). Os três primeiros períodos foram discutidos por Gane, Holt e Froom, e o período de 1888-1957, por Merlin Burt. Entretanto, nenhum desses lidam extensamente com os problemas trinitarianos durante a crise de Kellogg9ou o período a partir de 1980.10

Predominância antitrinitariana  (1846-1888)

De cerca de 1846 a 1888, a maioria dos adventistas rejeitava o conceito da Trindade – ao menos como eles o entendiam. Todos os principais escritores foram antitrinitarianos, embora a literatura contenha referências ocasionais a membros que mantinham opiniões trinitarianas. Ambrose C. Spicer, pai de William Ambrose Spicer, Presidente da Associação Geral, tinha sido um ministro batista do sétimo dia antes da sua conversão ao Adventismo em 1874. Evidentemente, ele continuou trinitariano, porque W. A. Spicer relatou a A. W. Spalding que seu pai “ficou tão ofendido ante a atmosfera antitrinitariana de Battle Creek que deixou de pregar.”11 S. B. Whitney tinha sido trinitariano, mas no processo de sua doutrinação como adventista em 1861, tornou-se um convicto antitrinitariano. Sua experiência evidencia que no mínimo alguns ministros ensinavam o antitrinitarianismo como um elemento essencial da instrução dos novos conversos.12 R. F. Cottrell, por outro lado, escreveu na Review que, embora ele não acreditasse na Trindade, jamais “tinha pregado contra ela” ou escrito anteriormente sobre isto.13 Uma terceira partícula de evidência de que nem todos concordavam com o antitrinitarianismo foi a observação de D. T. Bourdeau em 1890: “Embora afirmemos ser crentes e adoradores de um só Deus, tenho pensado que há tantos deuses entre nós como existem concepções da Divindade.”14

Aqueles que rejeitavam a doutrina tradicional da Trindade dos credos cristãos eram crentes sinceros no testemunho bíblico concernente à eternidade de Deus o Pai, à divindade de Jesus Cristo “como Criador, Redentor e Mediador” e à “importância do Espírito Santo.”15 Conquanto alguns, muito cedo na história adventista, sustentassem que Cristo fora criado,16 era amplamente aceito por volta de 1888 que Ele tinha preexistido “em tempos tão remotos nos dias da eternidade que para a compreensão finita Ele era “praticamente sem princípio”. Seja qual for o princípio que possa estar envolvido, não foi por “criação”.17 Além disso, eles não estavam inicialmente convictos de que o Espírito Santo fosse uma Pessoa divina individual e não meramente uma expressão para a presença, poder ou influência divina.

“Com respeito à trindade, concluí que me era impossível crer que o Senhor Jesus Cristo, o Filho do Pai, fosse também o Deus Todo-poderoso, o Pai, um e o mesmo ser”, escreveu José Bates concernentemente à sua conversão em 1827. Disse ele ao seu pai: “Se você puder me convencer de que somos um neste sentido, de que você é meu pai, e eu seu filho; e também que eu sou seu pai, e você meu filho, então eu posso crer na trindade.” Por causa desta diferença, ele preferiu unir-se à Conexão Cristã em vez de à Igreja Congregacional de seus pais.18 Alguém poderia ser tentado a descartar a afirmação de Bates como simples ignorância do significado de Trindade, mas havia então, e permanece ainda hoje, uma variedade de pontos de vista reivindicando o termo “Trindade”. Cottrell observou em 1869 que havia “uma multidão de opiniões” sobre a Trindade, “todas elas ortodoxas, eu suponho, desde que havia um assentimento nominal à doutrina.”19

Os primeiros adventistas apresentavam no mínimo seis motivos para sua rejeição do termo “Trindade”. O primeiro era que eles não viam evidência bíblica para três pessoas em uma Divindade. Isto não era uma nova objeção.20 Em sua forma mais simples, o conceito de Trindade é o resultado de afirmar, pela autoridade das Escrituras, tanto a “unidade” quanto a “triunidade” de Deus, a despeito da incapacidade humana de compreender plenamente a Realidade pessoal e divina para a qual esses termos apontam. A maneira como isto pode ser explicado tem sido o objeto de muita reflexão e especulação através dos séculos. A influência da filosofia grega sobre o desenvolvimento doutrinal da história cristã primitiva e medieval é bem conhecido.21

O segundo motivo dado pelos primeiros adventistas para a rejeição da Trindade era a concepção errônea que tornava o Pai e o Filho idênticos. Já notamos o testemunho de Bates: “Com respeito à Trindade, concluí que me era impossível crer que o Senhor Jesus Cristo, o Filho do Pai, era também o Deus Todo-poderoso, o Pai, um e o mesmo ser.” 22 D. W. Hull, J. N. Loughborough, S. B. Whitney e D. M Canright partilhavam desta opinião.23 O conceito de que o Pai e o Filho são idênticos aproxima-se de uma antiga heresia chamada Monarquianismo Modalista, ou Sabelianismo (de Sabélio, um dos seus proponentes do terceiro século). Os modalistas “afirmavam que na Divindade a única diferenciação era uma mera sucessão de modos ou operações.” Os modalistas negavam a  triunidade de Deus e asseveravam que Pai, Filho e Espírito Santo não são personalidades separadas.24

Page 24: Trindade Deus Jesus E. santo

Uma terceira e oposta objeção à doutrina da Trindade baseava-se na compreensão equivocada de que ela ensina a existência de três Deuses. “Se Pai, Filho e  Espírito Santo são cada um de per si Deus, seriam três Deuses”, escreveu Loughborough em 1861.25

Uma quarta opinião era que a crença na Trindade diminuiria o valor da expiação. 26 Eles arrazoavam que como “o Deus sempre vivo e auto-existente” não pode morrer, então se Cristo tivesse existência própria como Deus, Ele não poderia ter morrido no Calvário. Se apenas a humanidade morreu, então Seu sacrifício era meramente um sacrifício humano, inadequado para a redenção.27 Destarte, a fim de proteger a realidade de Sua morte na cruz, os primeiros adventistas achavam que eles tinham de negar que Cristo, em Sua preexistência, possuía divina imortalidade. Conquanto este raciocínio pudesse ter parecido lógico a alguns, suas premissas básicas foram terminantemente rejeitadas por Ellen White em 1897. Ela declarou que quando Jesus morreu na cruz, “a divindade não morreu. A humanidade morreu.”28 Sua influência sobre os leitores adventistas, e a confiança destes na fonte de sua informação era tal que as implicações de tal pronunciamento não podiam ser ignoradas, dando aos eruditos adventistas mais um motivo para reavaliar seu paradigma básico concernente à Divindade.

Quinto, o fato de que Cristo é chamado “Filho de Deus” e “o princípio da criação de Deus” (Ap 3:14) era cogitado para provar que Ele devia ser de origem mais recente do que Deus o Pai.29

Sexto, argumentava-se que “há várias expressões concernentes ao Espírito Santo que indicavam que ele [sic] não podia adequadamente ser considerado como uma pessoa, tais como sendo ‘derramado’ no coração [Rm 5:5], e ‘derramarei sobre toda a carne’ [Jl 2:28].”30 Estes argumentos, porém, dependiam de dar uma interpretação muito literal a expressões que podiam também ser vistas como figuras de linguagem. Estes argumentos faziam sentido dentro de um paradigma totalmente antitrinitariano, mas quando esse paradigma foi posto em dúvida, estes pontos foram reconhecidos como sendo capazes de se ajustarem a uma ou outra interpretação.

Nenhum destes é uma objeção válida ao conceito básico trinitariano de um Deus em três Pessoas. 31No entanto, todos eles eram baseados em textos bíblicos. Finalmente os adventistas mudaram seu ponto de vista da Divindade porque chegaram a uma compreensão diferente dos textos bíblicos.

Insatisfação com o antitrinitarianismo  (1888-1898)

O enfoque em “Cristo nossa justiça”, dado pela sessão da Conferência Geral de 1888, e a consequente exaltação da cruz de Cristo, pôs seriamente em dúvida se uma divindade derivada, subordinada, podia adequadamente esclarecer o poder salvador de Cristo. E. J. Waggoner insistiu na necessidade de “apresentar a legítima posição de Cristo em igualdade com o Pai, a fim de que Seu poder para redimir pudesse ser melhor apreciado.”32 Conquanto por volta de 1890 Waggoner ainda não tivesse compreendido plenamente a infinitamente eterna preexistência de Cristo,33 ele argumentava convincentemente que Cristo não era criado, que “Ele tem ‘vida em Si mesmo’ [Jo 10:17]; Ele possui imortalidade inerente a Si mesmo.”  Waggoner insistiu na “Divina unidade do Pai e do Filho” e afirmou que Cristo é “por natureza, da própria substância de Deus, e tendo vida em Si mesmo, Ele é adequadamente chamado Jeová, o Deus vivo” (Jr 23:36), “que está em uma igualdade com Deus (Fp 2:6, ARV), “tendo todos os atributos de Deus.”34. Waggoner não era ainda plenamente trinitariano, mas ele via claramente que uma concepção mais exaltada da obra de redenção realizada por Cristo exigia uma concepção mais alta do Seu ser como Divindade. “O fato de que Cristo é uma parte da Deidade, possuindo todos os atributos da Divindade, sendo igual ao Pai em todos os aspectos, como Criador e Legislador, é a única força que há na expiação… Cristo morreu ‘para levar-nos a Deus’ (1Pe 3:18); mas se Lhe faltava um jota de ser igual a Deus, não poderia levar-nos a Ele.”35 A força deste raciocínio leva inevitavelmente ao reconhecimento da plena igualdade de Cristo também em preexistência.

Desse modo, a dinâmica da justiça pela fé e suas consequências para a doutrina de Deus provê o contexto histórico para o provocante comentário de D. T. Bourdeau de que “embora afirmemos ser crentes e adoradores de um só Deus, tenho pensado que há tantos deuses entre nós como existem concepções da Divindade.”36 Tal observação de um evangelista e missionário altamente respeitado parece indicar que a confiança coletiva no paradigma antitrinitariano estava mostrando algumas rupturas.  Outra evidência de que isto era assim apareceu dois anos depois, em 1892, quando a Pacific Press publicou um panfleto intitulado The Bible Doctrine of the Trinity (A Doutrina Bíblica da Trindade), de Samuel T. Spear. O panfleto corrigia dois conceitos equivocados prevalecentes da doutrina da Trindade, mostrando que ela “não é um sistema de triteísmo, ou a doutrina de três Deuses, mas é a doutrina de um Deus subsistindo e agindo em três pessoas, com a qualificação de que o termo ‘pessoa’… quando usado nesta relação, não deve ser compreendido em qualquer sentido que o tornaria incompatível com a unidade da Divindade.”37

Em 1898, Uriah Smith preparou Looking Unto Jesus, a mais compreensiva e cuidadosamente matizada exposição do ponto de vista não trinitariano entre os adventistas. Smith repudiou enfaticamente sua opinião anterior de que Cristo tinha sido criado, mas ainda mantinha que “somente Deus [o Pai] é sem princípio. Na época mais antiga quanto um princípio poderia ser – um período tão remoto que para mentes finitas é essencialmente eternidade –, apareceu o Verbo.” Através de algum meio não claramente revelado nas Escrituras, Cristo fora “gerado”, ou “por algum impulso ou processo divino, não criação”, Cristo fora trazido à existência pelo Pai. Em um parágrafo Smith surpreendentemente se aproxima de uma declaração trinitariana: “Esta união entre o Pai e o Filho não diminui a nenhum dos dois, mas fortalece a ambos. Por meio dela, em conexão com o Espírito Santo, temos toda a Divindade.”38   Mas esse vagaroso esforço em direção de uma compreensão mais ampla foi eclipsado pelas ousadas declarações de O Desejado de Todas as Nações, publicado no mesmo ano. O livro O Desejado de Todas as Nações produziu uma mudança de paradigma nas percepções adventistas da Divindade.

Mudança de paradigma  (1898-1913)

O período de 1898-1913 testemunhou uma quase completa inversão do pensamento adventista sobre a Trindade. Digo quase porque essa mudança de paradigma não levou à unanimidade sobre o assunto. Como documentou Merlin Burt, alguns líderes pensantes que tendiam para a “velha opinião” permaneceram vocais, mas com influência decrescente, por muitos anos.39

Page 25: Trindade Deus Jesus E. santo

Contudo, a publicação de O Desejado de Todas as Nações, de Ellen White, em 1898, tornou-se a linha divisória para a compreensão adventista da Trindade. Começando com o primeiro parágrafo do livro, ela pôs em dúvida a opinião dominante dos primeiros adventistas concernente à relação de Cristo com o Pai. Declarava sua terceira sentença do Capítulo 1: “Desde os dias da eternidade o Senhor Jesus Cristo era um com o Pai”  (ênfase suprida). Todavia, mesmo isto não foi suficientemente inequívoco para esclarecer o seu ponto de vista no tocante à divindade de Jesus, pois como temos visto, outros tinham usado linguagem semelhante sem crer na infinitamente eterna preexistência de Cristo. Posteriormente no livro, escrevendo sobre a ressurreição de Lázaro, ela citou as palavras de Cristo: “Eu sou a ressurreição e a vida”, e fez, em seguida, um comentário de sete palavras que começaria a mudar a maré da teologia antitrinitariana entre os adventistas: “Em Cristo há vida original, não emprestada, não derivada” (ênfase suprida).40 Em última análise, Cristo não derivava Sua vida divina do Pai. Como um homem sobre a Terra, Ele subordinou Sua vontade à vontade do Pai (Jo 5:19, 30), mas como Deus auto-existente, Ele tinha poder para depor Sua vida e tornar a tomá-la.  Desse modo, comentando sobre a ressurreição de Cristo, outra vez Ellen White asseverou Sua plena divindade e igualdade com o Pai, declarando: “O Salvador saiu do sepulcro pela vida que havia em Si mesmo.”41

Essas declarações vieram como um choque para a liderança da Igreja. M. L. Andreasen, que havia se tornado adventista apenas quatro anos antes, na idade de 18 anos, e que eventualmente lecionaria no seminário norte-americano da Igreja, afirmou que o novo conceito era tão diferente da compreensão anterior que alguns líderes preeminentes duvidaram sobre se Ellen White realmente o havia escrito.  Depois que Andreasen ingressou no ministério em 1902, ele fez uma viagem especial ao lar de Ellen White na Califórnia para investigar o assunto por si mesmo. Ellen White o recebeu e deu-lhe “acesso aos manuscritos”. Ele havia levado consigo “várias citações” para “ver se elas estavam no original do próprio manuscrito dela. Ele relembrou: “Eu estava certo de que a Irmã White jamais tinha escrito: ‘Em Cristo há vida original, não emprestada, não derivada.’ Mas agora eu descobri em seu próprio manuscrito precisamente como ele tinha sido publicado. E assim era com outras declarações. Ao examinar, descobri que elas eram as próprias expressões da Irmã White.”42

O Desejado de Todas as Nações continha declarações igualmente inflexíveis concernentes à divindade do Espírito Santo. Empregava repetidamente o pronome pessoal “ele” ao referir-se ao Espírito Santo, culminando com a impressionante declaração: “O Espírito Santo… ia ser dado como agente de regeneração, sem o qual o sacrifício de Cristo de nenhum proveito teria sido… Ao pecado só se poderia resistir e vencer por meio da poderosa operação da terceira pessoa da Trindade, a qual viria, não com energia modificada, mas na plenitude do divino poder” (ênfase suprida).43 [O texto em inglês diz: Third Person of the Godhead – Terceira Pessoa da Divindade. A palavra Trinity (Trindade) não existe nos escritos de E. G. White. – Nota do Tradutor].

Estas e outras declarações similares levaram alguns a um novo exame da evidência bíblica acerca da Divindade. Outros, descrendo que tivessem estado em erro por tantos anos, estudaram para sustentar os velhos argumentos. O testemunho de Ellen White, porém, chamando a atenção para as Escrituras cujo significado tinha sido negligenciado, 44 criou uma mudança de paradigma que não poderia ser revertida. Ao se voltarem os adventistas para as Escrituras para ver “se estas coisas eram assim” (Atos 17:11), chegaram finalmente a um crescente consenso de que o conceito básico da Trindade era uma verdade bíblica a ser aceita e abraçada.

Conquanto O Desejado de Todas as Nações pusesse em movimento uma mudança de paradigma no tocante à compreensão adventista da Divindade, ele não era a última palavra de Ellen White sobre o assunto. Posteriormente, durante a crise de Kellogg de 1902-1907, ela usou repetidamente expressões como “três pessoas vivas do trio celestial”, embora continuasse mantendo a unidade essencial da Divindade. Assim, ela afirmou a pluralidade e a unidade, a triunidade e a unicidade, os elementos fundamentais de uma compreensão simples e bíblica da Trindade.45

Evidência de que ao menos uma porção da liderança da Igreja reconheceu as declarações de O Desejado de Todas as Nações como removendo as objeções a uma doutrina bíblica da Trindade é um sumário das crenças adventistas publicado por F. M. Wilcox na Review and Herald, em 1913. Wilcox, editor do mais influente periódico denominacional, escreveu que “os adventistas do sétimo dia crêem 1) Na Trindade divina. Essa Trindade consiste do eterno Pai,… do Senhor Jesus Cristo,… [e] do Espírito Santo, a terceira pessoa da Divindade.”46

Declínio do antitrinitarianismo (1913-1946)

A despeito da declaração de Wilcox na Review (ou talvez por cauda dela), o debate sobre a Trindade intensificou-se nas primeiras décadas do século vinte. Na Conferência Bíblica de 1919, a eternidade de Cristo e Sua relação com o Pai foram os principais e não resolvidos assuntos do debate. Curiosamente, em vista da declaração de Ellen White, em O Desejado de Todas as Nações, de que a vida de Cristo era “não derivada”, até mesmo W. W. Prescott, o mais notável proponente de uma opinião trinitariana na conferência, defendia que a existência de Cristo era sob certos aspectos “derivada” do Pai.47 Isto pode constituir evidência de que a liderança não estava contente em simplesmente aceitar o pronunciamento de Ellen White sem examiná-lo por si mesmos nas Escrituras. Ou talvez, mostre a consciente ou inconsciente reflexão de Prescott sobre fontes clássicas trinitarianas.48

A polarização do Cristianismo americano entre modernismo e fundamentalismo nas primeiras duas décadas do século 20 tendia a aproximar os adventistas de uma posição trinitariana, sendo que em tantas outras áreas – como evolução, crença no sobrenatural, nascimento virginal de Cristo, milagres, ressurreição literal – os adventistas estavam em oposição aos modernistas e simpatizavam com os fundamentalistas.49

Em 1930, a Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia recebeu uma solicitação de sua Divisão Africana de que “uma declaração de fé dos adventistas fosse impressa no Year Book para ajudar “os oficiais do governo e outros a compreender melhor a nossa obra.” Em resposta, a Comissão da Associação Geral apontou uma subcomissão (que consistia de M. E. Kern, secretário associado da Associação Geral; F. M. Wilcox, editor da Review and Herald;  E. R. Palmer, gerente da Review and Herald; e C. H. Watson, presidente da Associação Geral) a fim de preparar uma declaração das crenças adventistas.50 Wilcox, como o principal escritor entre eles, esboçou uma declaração de 22 pontos, que foi subseqüentemente publicada no SDA Year Book de 1931.51 O segundo ponto falava da “Divindade, ou Trindade”, e o terceiro afirmava “que Jesus Cristo é verdadeiro Deus”, um eco do credo niceno. Para que ninguém pense que os adventistas pretendiam formar um credo, “nenhuma aprovação formal ou oficial” foi procurada para a declaração. Quinze

Page 26: Trindade Deus Jesus E. santo

anos mais tarde, quando a declaração havia obtido aceitação geral, a assembléia da Associação Geral de 1946 a tornou oficial, votando que “nenhuma revisão desta Declaração de Crenças Fundamentais, como aparece agora no Manual da Igreja, deve ser feita em qualquer tempo exceto em uma assembléia da Associação Geral.”52 Isto assinalou o primeiro endosso oficial de uma opinião trinitariana pela Igreja, embora “o último dos bem conhecidos expositores” continuasse a “defender a ‘velha’ opinião” até a sua morte em 1968.53

Predominância trinitariana        (1946-1980)

Desde a aposentadoria de F. M. Wilcox em 194454 até à publicação de Movement of Destiny em 1971,55 L. E. Froom foi o mais visível campeão do trinitarianismo entre os adventistas do sétimo dia. Seu livro The Coming of the Comforter (A Vinda do Consolador) foi sem precedentes entre os adventistas (exceto em algumas passagens de Ellen White) em sua exposição sistemática da personalidade do Espírito Santo e da natureza trinitariana da Divindade.56 A importante atuação de Froom no preparo da obra de 1957, Questions on Doctrine, tem sido amplamente documentada em outra parte.57 Questions on Doctrine despertou uma tempestade de controvérsia por certas declarações sobre cristologia e a expiação, mas sua clara afirmação da “Trindade celestial”58 permaneceu virtualmente incontestada – talvez porque M. L. Andreasen, o principal crítico do livro em outras áreas era um trinitariano convicto.59A palavra final de Froom foi seu livro de 700 páginas Movement of Destiny publicado em 1971. Apesar dos “exemplos de defesa especial” e problemas de preconceitos históricos que “diminuem um pouco a obra como história confiável”,60 ele todavia documenta inteiramente o movimento da teologia adventista em direção de um consenso bíblico trinitariano.

O clímax desta fase de desenvolvimento doutrinal foi uma nova declaração de crenças fundamentais, votada pela assembléia da Associação Geral de 1980 em Dallas.  A nova declaração de vinte e sete “Crenças Fundamentais”, como a declaração de 1931, afirmava explicitamente a crença na Trindade. A afirmação vinha no segundo artigo da declaração (em seguida a um preâmbulo e um primeiro artigo sobre a inspiração e autoridade das Escrituras). “2. A Trindade[.] Há um só Deus: Pai, Filho e Espírito Santo, uma unidade de três Pessoas coeternas.”61 O artigo 4 afirma que “Deus o eterno Filho encarnou-Se em Cristo Jesus… Para sempre verdadeiro Deus, Ele tornou-Se também verdadeiro homem.”62 O artigo 5 declara que “Deus o eterno Espírito estava ativo com o Pai e o Filho na Criação, encarnação e redenção”, e foi “enviado pelo Pai e o Filho para estar sempre com Seus filhos.”63 Em vários pontos, a declaração ecoa a terminologia dos credos clássicos trinitarianos, até mesmo incluindo a cláusula do Filioquê com referência ao Espírito Santo.64

Uma breve recapitulação das declarações de fé adventistas pode esclarecer o significado do voto de 1980. A primeira Declaração de Princípios Fundamentais Ensinados e Praticados pelos Adventistas do Sétimo Dia (1872) foi a obra de Uriah Smith.65 Seus dois primeiros artigos tratam do Pai, Filho e Espírito Santo.

- I -

Que há um só Deus, um ser pessoal e espiritual, o criador de todas as coisas, onipotente, onisciente e eterno, infinito em sabedoria, santidade, justiça, bondade, verdade e misericórdia; imutável  e  presente em toda parte pelo seu representante, o Espírito Santo (Sl 139:7).

- II -

Que há um só Senhor Jesus Cristo, o Filho do Eterno Pai, por meio de quem Deus criou todas as coisas, e por meio de quem elas consistem; que ele tomou sobre si a natureza da semente de Abraão para a redenção de nossa raça caída; que ele habitou entre os homens cheio de graça e de verdade, viveu como nosso exemplo, morreu como nosso sacrifício, ressurgiu para nossa justificação, ascendeu às alturas para ser nosso único mediador no santuário do céu, onde, com o seu próprio sangue faz expiação por nossos pecados.66

É notável que embora não haja nenhuma referência ao termo Trindade, não há qualquer manifestação polêmica contra uma posição trinitariana. Smith estava se esforçando claramente para aderir tanto quanto possível à linguagem bíblica. A declaração representava um consenso na época, mas, em harmonia com sua explícita desaprovação no preâmbulo de qualquer declaração de credo,67nunca lhe foi dada a aprovação oficial.

A segunda declaração de “Princípios Fundamentais” (1889), também de Uriah Smith,68 é igualmente uma declaração de consenso que evita estimular quaisquer pontos de discordância. Como acontece com a declaração de 1872, o preâmbulo mantém “nenhum credo senão a Bíblia”, e além disso  afirma que “as seguintes proposições podem ser compreendidas como um sumário das principais características de sua [dos adventistas do sétimo dia] fé religiosa, sobre a qual existe, tanto quanto sabemos, inteira unanimidade em todo o corpo de crentes” (ênfase suprida).69 Evidentemente, Smith não considerava os excelentes pontos da doutrina da Divindade como tendo destaque entre as “principais características” da fé adventista naquele tempo, porque dificilmente ele poderia ter deixado de perceber que havia certos  desacordos de pouca importância relacionados com a Trindade.70 O artigo I de 1872 (citado acima), foi reproduzido sem mudança na declaração de 1889. O artigo II da declaração de 1889 tem algumas modificações na linguagem acerca da obra de Cristo, mas nenhuma mudança substancial em sua referência à pessoa de Cristo.71 Uma vez que esses artigos aderem estritamente à terminologia bíblica, podem ser interpretados favoravelmente tanto por antitrinitarianos quanto por trinitarianos.

A terceira declaração de “Crenças Fundamentais dos Adventistas do Sétimo Dia”,72  preparada sob a direção de uma comissão, foi realmente escrita por F. M. Wilcox, editor da Review and Herald.73Quinze anos mais tarde, em 1946, ela tornou-se a primeira declaração a ter o endosso oficial de uma sessão da Associação Geral.74   Declara o artigo 2:

Que a Divindade, ou Trindade, consiste do Pai Eterno, um Ser pessoal, espiritual,  onipotente, onipresente, onisciente, infinito em sabedoria e amor; o Senhor Jesus Cristo, o Filho do Eterno Pai, por intermédio de quem todas as coisas foram criadas e através de quem a salvação das hostes redimidas será realizada; o Espírito Santo, a terceira pessoa da Divindade, o grande poder regenerador na obra de redenção (Mt 28:19).75

Destarte, a declaração votada em Dallas em 1980 foi a quarta declaração de crenças fundamentais dos adventistas do sétimo dia, mas apenas a segunda a ser votada oficialmente por uma assembléia da Associação Geral. Poder-se-ia esperar que a adoção oficial da explicitamente trinitariana declaração de Dallas trouxesse encerramento ao debate de um século, mas ela demonstrou ser a precursora de tensões renovadas.

Page 27: Trindade Deus Jesus E. santo

Tensões renovadas e prosseguimento do debate  (1980 ao presente)

O período de 1980 até o presente tem sido caracterizado por renovado debate ao longo de um espectro de idéias desde as reacionárias às contemporâneas. Logo depois da declaração de Dallas – e talvez em reação a ela – vozes das “extremidades” da Igreja começaram a defender que as antigas opiniões dos pioneiros estavam corretas, que as declarações aparentemente trinitarianas de Ellen White tinham sido mal-interpretadas e que a declaração de Dallas representava apostasia das crenças bíblicas dos pioneiros.76 Alguns, em aparente ignorância do voto de 1946, criam que a declaração de Dallas era a primeira declaração de fé adventista oficialmente votada, e portanto, que sua própria existência era uma aberração do modelo histórico.77   Citações das fontes primárias, extraídas do seu contexto histórico e reacondicionadas em plausíveis teorias conspiratórias, mostravam-se bastante convincentes para muitos.78

Um incremento mais substancial era a incessante investigação para articular uma doutrina bíblica da Trindade, claramente diferenciada das pressuposições filosóficas gregas que envolviam as tradicionais declarações dos credos. Raoul Dederen havia apresentado em 1970 uma breve exposição da Divindade do Antigo e do Novo Testamento. 79 Ele rejeitava a “Trindade do pensamento especulativo” que criava filosóficas “distinções dentro da Divindade para o que não havia base definível dentro do conhecimento revelado de Deus.” Em vez disso, ele defendia o exemplo dos apóstolos: “Rejeitando os termos da mitologia grega ou da metafísica, eles expressavam suas convicções em uma despretenciosa confissão de fé trinitariana, a doutrina de um só Deus subsistindo e agindo em três pessoas.”80

Edificando sobre esta linha de raciocínio, Fernando Canale, aluno de Dederen, apresentou em 1983 uma crítica radical das pressuposições filosóficas gregas destacando o que Dederen havia classificado como “pensamento especulativo”. A tese doutoral de Canale, A Criticism of Theological Reason,afirmava que a teologia católica romana e a teologia clássica protestante tiravam seus mais básicos pressupostos acerca da natureza de Deus, tempo e existência, de uma “estrutura” provida pela filosofia aristotélica. Canale afirmava que para a teologia cristã tornar-se realmente bíblica, ela deveria derivar seus “pressupostos primordiais” das Escrituras, não da filosofia grega.81

No mais recente Handbook of Seventh-day Adventist Theology (2000), editado por Dederen, Canale foi o autor de um artigo magistral sobre as descobertas de sua contínua obra no que tange à doutrina de Deus. Novamente, Canale faz explicitamente a diferenciação entre uma doutrina de Deus baseada nas pressuposições filosóficas gregas e uma baseada nos pressupostos bíblicos,82 defendendo fortemente sua opinião de que somente através de uma disposição de “partir da concepção filosófica de Deus como atemporal” e “abraçar a concepção histórica de Deus conforme apresentada na Bíblia”, pode alguém descobrir um ponto de vista realmente bíblico da Trindade.83

A terceira linha de raciocínio procura localizar o trinitarianismo adventista no contexto da teologia sistemática contemporânea. Aprovando o descontentamento de Canale com a teologia clássica, mas conduzindo a crítica em uma direção diferente, estava a obra The Reign of God, de Richard Rice (1985). Rice afirmava que a Trindade estava implícita, embora não explícita, nas Escrituras.84 Fritz Guy, em Thinking Theologically (1999), concorda que “as formulações tradicionais” da doutrina da Trindade “não são inteiramente satisfatórias.”85 Ele deprecia uma percebida tendência em direção do triteísmo86e favorece a atualização da linguagem para torná-la mais “funcional e do gênero neutro.”87 O livro de Guy, porém, não é uma exposição sistemática da doutrina de Deus ou da Trindade, e os leitores devem acautelar-se de ler demasiado em breves referências ilustrativas. A forma como suas sugestões finalmente afetarão a discussão ainda está para ser vista.

Conclusão

O longo processo de mudança desde a rejeição inicial do trinitarianismo dos credos pelos primeiros adventistas até à sua eventual aceitação de uma doutrina da Trindade poderia ser corretamente chamada de uma busca por uma Trindade bíblica.  Eles não eram tão preconceituosos contra as fórmulas tradicionais, mas estavam decididos a seguir à risca sua doutrina o mais perto possível das Escrituras. A fim de basear suas crenças somente nas Escrituras e privar a tradição de exercer qualquer autoridade teológica, eles achavam metodologicamente essencial rejeitar toda doutrina não claramente fundamentada apenas nas Escrituras. Sendo que a doutrina tradicional da Trindade continha claramente elementos não escriturísticos, eles a rejeitaram.

Finalmente, porém, eles se convenceram de que o conceito básico de um só Deus em três pessoasera realmente encontrado nas Escrituras. Um artigo a ser publicado na próxima edição de Parousiaconsiderará mais detalhadamente a atuação de Ellen White neste processo.

Referências

1 Artigo traduzido do original em inglês por Francisco Alves de Pontes. Salvo indicação diversa, os textos bíblicos utilizados na tradução são extraídos da Versão Almeida Revista e Atualizada. ↑

2 Erwin R. Gane, “The Arian or Anti-Trinitarian Views Presented in Seventh-day Adventist Literature and the Ellen G. White Answer” (dissertação de mestrado, Andrews University, 1963). ↑

3 Russel Holt,  “The Doctrine of the Trinity in the Seventh-day Adventist Denomination: Its Rejection and Acceptance” (Monografia, Seventh-day Adventist Theological Seminary, 1969), 25. ↑

4 LeRoy Edwin Froom, Movement of Destiny (Washington, DC: Review and Herald, 1971), 279. Uma resenha crítica contemporânea chama o argumento de Froom a esta altura de um exemplo de “defesa especial” (C. Mervyn Maxwell, resenha crítica de Movement of Destiny por LeRoy Edwin Froom, inAUSS 10 [janeiro de 1972]: 121). ↑

5 Merlin Burt, “Demise of Semi-Arianism and Anti-Trinitarianism in Adventist Theology, 1888-1957” (monografia, Andrews University, 1996). Ellen G. White Research Center, Andrews University. A dissertação de Burt estende alguns elementos da história até 1968. ↑

6 Woodrow W. Whidden, “Salvation Pilgrimage: The Adventist Journey into Justification by Faith and Trinitarianism,”  Ministry, abril de 1998, 5-7. ↑

Page 28: Trindade Deus Jesus E. santo

7 David Clayton, “The Omega of Deadly Heresies,” s.e., s.d. [ca. 2000], nos arquivos do autor.  Cf. Idem, “Some Facts Concerning the Omega Heresie,” www.restorationministry.com/open face/ html/2000/open face/2000.html;  acessado em 10 de março de 2003. Veja também Bob Deiner e outros em nn. 76-78 abaixo. ↑

8 Veja e.g., Anthony F. Buzzard e Charles F. Hunting, The Doctrine of the Trinity, Christianity’s Self-Inflicted Wound (Bethesda, MD: Christian Universities Press, 1998). ↑

9 Veja Froom, 349-356. A aceitação do trinitarianismo por J. H. Kellogg será explorada em artigo a ser publicado na próxima edição de Parousia. ↑

10 Veja Fernando L. Canale, “Doctrine of God,” em Handbook of Seventh-day Adventist Theology, ed. Raoul Dederen, Commentary Reference Series, vol. 12 (Hagerstown, MD: Review and Herald, 2000), 117-118, 126, 128-129, 132, 138-140, 145, 148-150. ↑

11 A. W. Spalding para H. C. Lacey, 2 de junho de 1947, Adventist Heritage Center, Andrews University.↑12 Seymour B. Whitney, “Both Sides,” Review and Herald, 25 de fevereiro e 4 de março de 1862, 101-103, 109-111. ↑13 R. F. Cottrell, “The Doctrine of the Trinity,” Review and Herald, 1º de junho de 1869. ↑14 D. T. Bourdeau, “We May Partake of the Fullness of the Father and the Son,” Review and Herald, 18 de novembro de 1890,

707. ↑15 Gane, 109. ↑16 E.g., Uriah Smith, Thoughts, Critical and Practical on the Book of Revelation (Battle Creek, MI: Seventh-day Adventist

Publishing Association, 1865), 59. Posteriormente ele repudiou esta opinião (idem, Looking Unto Jesus [Battle Creek: Review and Herald, 1898], 12, 17). ↑

17 E. J. Waggoner, Christ and His Righteousness (Oakland, CA: Pacific Press, 1890), 21-22; cf. Uriah Smith, Looking Unto Jesus, 12, 17. ↑

18 Joseph Bates, The Autobiography of Elder Joseph Bates (Battle Creek, MI: SDA Publishing Association, 1868), 205. ↑19 Cottrell, The Doctrine of the Trinity. ↑20 Os nomes de Ário, Serveto e Socino vêm à mente. Deuteronômio 6:4 ensina claramente que Deus é um, mas embora o

escritor pudesse ter usado o termo yakid para denotar um solitário “um”, o termo escolhido foi o hebraico ‘ekad, que denota um composto “um” ou um de um grupo, em contraste com um solitário ou enfático “um”. A mesma palavra, ‘ekad, é usada em Gênesis 2:24 para a unidade de marido e mulher, que se tornam “um”, mas dentro desta unidade, ainda retêm sua individualidade (Woodrow Whidden, “The Strongest Bible Evidence for the Trinity,” in The Trinity: Understanding God’s Love, His Plan of Salvation, and Christian Relationships, Woodrow Whidden, Jerry Moon e John Reeve [Hagerstown, MD: Review and Herald, 2002], 33-34). Uma extensa discussão da evidência bíblica está além do escopo deste artigo, mas basta dizer que o Antigo e o Novo Testamento contêm indicações de que o Único Deus não é meramente solitário, e o Novo Testamento explicitamente se refere ao Pai, Filho e Espírito Santo (veja, por ex., Mt 28:19, 2Co 13:13) (ibid., 21-117). ↑

21 Veja Jerry Moon, “The Trinity in the Reformation Era: Four Viewpoints,” in The Trinity: Understanding God’s Love, His Plan of Salvation, and Christian Relationships, 166-181. ↑

22 Bates, 205. ↑23 Gane, 104. ↑24 F. L. Cross, ed., Oxford Dictionary of the Christian Church, 2d ed. (Oxford: Oxford University Press, 1983), “Monarchianism”

(veja também  “Modalism” e “Sabellianism”). ↑25 J. N. Loughborough, “Questions for Bro. Loughborough,” Advent Review and Sabbath Herald de 5 de novembro de 1861,

184. ↑26 Gane, 105. ↑27 J. H. Waggoner, The Atonement [Oakland, CA: Pacific Press, 1884), 173. Smith faz uma argumentação semelhante

em Looking Unto Jesus, 23. ↑28 E. G. White, Manuscrito 131, 1897, citado em SDA Bible Commentary, ed. Francis D. Nichol (Washington, DC: Review and

Herald, 1954), 5:1113. Posteriormente ela escreveu outra vez: “A humanidade morreu: a divindade não morreu” (idem, “The Risen Savior,” Youth’s Instructor, 4 de agosto de 1898, parágrafo 1). ↑

29 Uriah Smith, Thoughts on the Book of Daniel and the Revelation (Battle Creek, MI: Review and Herald, 1882), 487; idem, Looking Unto Jesus, 10. ↑

30 Uriah Smith, “In the Question Chair,” Review and Herald, 23 de março de 1897, 188. ↑31 O termo “pessoa”, conforme aplicado a Deus indica um ser com personalidade, intelecto e vontade. Dessemelhantes dos

múltiplos deuses do politeísmo, as três pessoas da Divindade bíblica são profundamente “um em propósito, em mente, em caráter, mas não em pessoa.” Assim, a despeito de sua individualidade, eles nunca estão divididos, nunca em conflito, e deste modo não constituem três deuses, mas um só Deus. ↑

32 Waggoner, 19. ↑33 Ibid., 21-22. ↑34 Ibid., 22-23, 25. ↑35 Ibid., 44. ↑36 Bourdeau, 707. ↑37 Samuel T. Spear, “The Bible Doctrine of the Trinity, Bible Students,” Library, nº 90 (março de 1892), 3-14, reimpresso

de New York Independent, 14 de novembro de 1889. ↑38 Smith, Looking Unto Jesus, 3, 10, 17, esp. 13. ↑39 De acordo com Burt, 54, o último dos adventistas antitrinitarianos dos “velhos tempos” morreu em 1968. Uma nova geração

de neo-antitrinitarianos surgiria na década de 1980 (veja abaixo). ↑40 E. G. White, O Desejado de Todas as Nações, 22ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2003), 530. ↑41 Ibid., 785, veja também os próximos dois parágrafos. ↑42  M. L. Andreasen, “The Spirit of Prophecy,” palestra em Loma Linda, Califórnia, 30 de novembro de 1948, Adventist Heritage

Center, Andrews University, 3-4. ↑43 White, O Desejado de Todas as Nações, 669-671. ↑

Page 29: Trindade Deus Jesus E. santo

44 Textos bíblicos citados por Ellen White apoiando vários aspectos de uma opinião trinitariana inclusive Rm 8:16 (Evangelismo, 3ª ed [Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1999], 617); 1Co 2:10-14 (ibid.); Jo 16:7-14 (ibid., 616); Jo 14:16-18, 26; 16:8, 12-14 (O Desejado de Todas as Nações, 669-671); e Cl 2:9 (Evangelismo, 614). ↑

45 Estas declarações e seu contexto na crise de Kellogg serão tratados com mais detalhes em artigo a ser publicado na próxima edição de Parousia. ↑

46 [F. M. Wilcox], “The Message for Today,” Review and Herald, 9 de outubro de 1913, 21. Sou grato a Bill Fagal do Centro de Pesquisa Ellen White da Andrews University por me chamar a atenção para esta fonte. ↑

47 >W. W. Prescott, “The Person of Christ,” apresentação de 2 de julho de 1919 in “Bible Conference Papers 1-8, 1-19 de julho de 1919” [paginação contínua, p. 69; 2 de julho, sessão da tarde, p. 20], Adventist Heritage Center, Andrews University; veja também Burt, 25-27. ↑

48 A geração do Filho pelo Pai é uma formulação agostiniana (Oxford Dictionary of the Christian Church, “Trinity, Doctrine of the.” Cf. W. W. Prescott, The Doctrine of Christ: A Series of Bible Studies for Use in Colleges and Seminaries (Washington, DC: Review and Herald, 1920), 3, 20-21; veja também Burt, 30-33. ↑

49 Prescott, 33. ↑50 “General Conference Committee Minutes”, 29 de dez. De 1930, 195, Adventist Heritage Center, Andrews University. ↑51 Froom, 413-414. ↑52 “Fifteen Meeting,” General Conference Report Nº 8, Review and Herald, 14 de junho de 1946, 197. Froom, 419, atribui esse

voto à sessão de 1950. Ele, evidentemente, leu sua fonte com muita pressa; a sessão de 1950 apenas reiterou o voto da sessão de 1946 (“Fifteen Meeting,” General Conference Report Nº 10, Review and Herald, 23 de julho de 1950, 230). ↑

53 Burt, 54. ↑54 Wilcox foi editor da Review and Herald (atualmente Adventist Review), o periódico geral da Igreja dos Adventistas do

Sétimo Dia, de 1911 a 1944 (SDA Encyclopedia [Hagerstown, MD: Review and Herald, 1996], “Wilcox, Francis McClellan”). ↑

55 Veja nota 3, acima. ↑56 LeRoy Edwin Froom, The Coming of the Comforter, ed.rev. (Washington, DC: Review and Herald, 1949), 37-57. Cf. E. G.

White, Special Testimonies, Series B, nº 7 (1905), 62-63. ↑57 [L. E. Froom, W. E. Read e R. A. Anderson,] Seventh-day Adventists Answer Questions on Doctrine(Washington, DC:

Review and Herald, 1957); cf. T. E. Unruh, “The Seventh-day Adventist Evangelical Conferences of 1955-1956,” Adventist Heritage Nº 4 (Fourth Quarter 1977), 35-46; e Jerry Moon, “M. L. Andreasen, L. E. Froom, and the Controversy over Questions on Doctrine” (monografia, Andrew University, 1988). ↑

58 Froom, Read e Anderson, 36-37, 645-646. ↑59 M. L. Andreasen, “Christ, the Express Image of God,” Review and Herald, 17 de outubro de 1946, 8; veja também Burt, 43. ↑60 Maxwell, 119-122. ↑61 Manual da Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2003), 9. ↑62 Ibid., 33. ↑63 Ibid. ↑64 Veja Oxford Dictionary of the Christian Church,  “Filioque.” ↑65 Uriah Smith, A Declaration of the Fundamental Principles Taught and Practiced by the Seventh-day Adventists (Battle

Creek, MI: SDA Publishing Association, 1872), 1. ↑66 Ibid., 2-3. ↑67 O parágrafo inicial de Smith declara: “Ao apresentar ao público esta sinopse de nossa fé, desejamos que seja distintamente

compreendido que não temos nenhum artigo de fé, credo ou disciplina, além da Bíblia. Não apresentamos isto como tendo qualquer autoridade sobre nosso povo, nem é destinada a assegurar uniformidade entre ele, como um sistema de fé, mas é uma breve declaração do que é e tem sido, com grande unanimidade, mantida por ele. Com freqüência achamos necessário responder a indagações sobre este assunto… Nosso único objetivo é satisfazer a esta necessidade” (ibid., 1). ↑

68 “Fundamental Principles,” SDA Year Book, (Battle Creek, MI: SDA Publishing Association, 1889), 147-151. ↑69 Ibid., 147. ↑70 A declaração de D. T. Bourdeau, atestando que havia entre os adventistas do sétimo dia “muitas… concepções da

Divindade”, apareceu na Review and Herald, da qual Smith era o editor, somente um ano mais tarde. ↑71 A única mudança na parte que se referia à pessoa de Cristo foi a substituição do pronome “ele” [sic] pelo nome pessoal

“Deus” na primeira sentença. Diz a declaração de 1889: “Há um só Senhor Jesus Cristo, o Filho do Eterno Pai, aquele por quem ele criou todas as coisas” (“Fundamental Principles,”Seventh-day Adventist Year Book [1889], 147). ↑

72 “Fundamental Beliefs of Seventh-day Adventists,” Seventh-day Adventist Year Book, (Washington, DC: Review and Herald, 1931), 377-380. ↑

73 Para detalhes do processo, veja Froom, 413-415. ↑74 “Fifteen Meeting,” General Conference Report Nº 8, Review and Herald, 14 de junho de 1946, 197. ↑75 “Fundamental Beliefs of Seventh-day Adventists,” Seventh-day Adventist Year Book, (1931), 377. ↑76 “The Doctrine of the Trinityin Adventist History,” Liberty Review [5250] Johnstown Road, Mt. Vernon, Ohio], outubro de 1989,

4-5, 7-8. Cf. Lynnford Beachy, “Adventist Review Perpetuates the Omega,” Old Paths Smyrna Gospel Ministries, HC64, Box 128-B, Welch, WV; website www.smyrna.org], vol. 8, nº. 7, julho de 1999, 1-14. ↑

77 “The Doctrine of the Trinity in Adventist History,” Liberty Review, outubro de 1989, 7. ↑78 Veja esp. Clayton, ref. nº 6 acima; e Bob Diener, The Alpha and the Omega (Creal Springs, IL: Bible Truth Productions, n.d.

[ca. 1998], videocassete. ↑79 Raoul Dederen, “Reflections on the Doctrine of the Trinity,”AUSS 8 (1970) 1-22. ↑80 Ibid., 13, 21. ↑81 Fernando Luis Canale, A Criticism of Theological Reason: Time and Timelessness as Primordial Presuppositions, Andrews

University Seminary Doctoral Dissertation Series, vol. 10                                                                               (Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 1983), 359; 402, nº 1. ↑

82 Canale, “Doctrine of God,” 105-159; veja esp. 117-118, 126, 128-129, 132, 138-140, 145, 148-150. ↑83 Ibid., 150. ↑84 Richard Rice, The Reign of God, 2ª ed. (Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 1985), 60-61.↑

Page 30: Trindade Deus Jesus E. santo

85 Fritz Guy, Thinking Theologically: Adventist Christianity and the Interpretation of Faith (Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 1999), 130; veja também 70, 88, 151, e suas notas. ↑

86 Ibid., 70. ↑87 Ibid., 151. ↑

O Espírito Santo: Quem? Como? Por Quê?

Alberto R. Timm

A obra fundamental do Espírito Santo no mundo é chamar os pecadores ao arrependimento e conduzi-los à salvação em Cristo. Sua missão individual é bem descrita nas palavras: “Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a Minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa, e cearei com ele e ele comigo.” (Apoc. 3:20). E o conselho divino é: “Hoje, se ouvirdes a Sua voz, não endureçais os vossos corações…” (Heb. 3:15).

Cristo afirmou que o Espírito Santo viria para O glorificar (João 16:14), e para convencer “o mundo do pecado, da justiça e do juízo” (João 16:8). Estes são aspectos cruciais da salvação; pois a consciência da pecaminosidade própria é indispensável para a aceitação da justiça de Cristo que, por sua vez, é o único meio pelo qual podemos ser provados no juízo divino. E o Espírito Santo é também o agente regenerador (Tito 3:5) que torna eficaz o sacrifício de Cristo na vida do crente. Outro aspecto da Sua missão aparece na declaração de Cristo: “Quando vier, porém, ‘o Espírito da verdade’, Ele vos guiará a toda a verdade” (João 16:13). “O Espírito é chamado ‘o Espírito da verdade’, pois sua obra é guiar os seguidores de Jesus ‘a toda a verdade’. Enquanto os dias passam, o Espírito os guiará mais e mais profundamente no conhecimento da verdade.”1 Esta é uma obra de santificação, pela qual o próprio Cristo orou em Sua oração sacerdotal: “Santifica-os na verdade; a Tua Palavra é a verdade” (João 17:17). E o salmista acrescenta: “A Tua Lei é a própria verdade” (Salmo 119:142). Foi o Espírito Santo quem inspirou as Sagradas Escrituras e é Sua missão guiar a vida dos seguidores de Cristo em conformidade com a Palavra de Deus e com a Sua Lei, tornando-os mais semelhantes a Cristo, que é a Verdade personificada (João 14:6). O Espírito Santo não iniciou Sua obra por ocasião do Pentecostes. Desde Gênesis 1:2, Ele é inúmeras vezes mencionado no Antigo Testamento. Deus já prometera aos israelitas após o êxodo: “O Meu Espírito habitará no meio de vós” (Ageu 2:5). E, mesmo antes do Pentecostes, Cristo afirmou a Seus discípulos: “o Espírito da verdade… habita convosco e está em vós” (João 14:17).

A obra especial do Espírito Santo

A Bíblia menciona também uma obra especial do espírito Santo entre os crentes, e é a esta obra que Cristo Se referiu ao prometer a Seus discípulos: “Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis Minhas testemunhas…” (Atos 1:8). Portanto a obra especial do Espírito Santo significa uma capacitação especial dos crentes para a proclamação do evangelho. À semelhança da obra universal do Espírito Santo quanto à salvação, também esta obra é de natureza cristológica – Cristo disse que eles receberiam poder para serem Suas testemunhas! O apóstolo São Paulo denomina essa capacitação especial de “dons espirituais” (I Cor. 12:1), e acrescenta que esses dons não são concedidos sem motivo, mas “visando um fim proveitoso (I Cor. 12:7), e que este fim é o aperfeiçoamento dos santos  para o desempenho do Seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo” (Efé. 4:12).

O exemplo clássico desta capacitação especial para testemunhar de Cristo é o dom de línguas que os discípulos receberam no Pentecostes. Nesta ocasião, estavam em Jerusalém pessoas das mais diversas nacionalidades (Atos 2:5, 9-11), as quais, ao ouvirem o testemunho dos discípulos ser-lhes dado na sua “própria língua materna” (Atos 2:8), maravilharam-se profundamente; e o resultado para a igreja cristã foi um acréscimo naquele dia de quase três mil pessoas” (Atos 2:41). Portanto a manifestação do dom de línguas no Pentecostes não tinha um fim em si mesmo, para a satisfação e orgulho pessoal dos apóstolos, mas sim um objetivo evangelístico. E o próprio apóstolo São Paulo esclarece ainda mais este assunto ao dizer que “as línguas constituem um sinal, não para os crentes, mas para os incrédulos” (I Cor. 14:22), e ele acrescenta: “Contudo, prefiro falar na igreja cinco palavras com o meu entendimento, para instruir outros, a falar dez mil palavras em outra língua” (I Cor. 14:19)

A Bíblia afirma ainda que “os dons são vários, mas o Espírito é o mesmo” (I Cor. 12:4), e que esses dons são concedidos a cada um individualmente, segundo apraz ao Espírito Santo (I Cor. 12:11). Portanto não é o indivíduo que escolhe os dons que deseja possuir, pois isso cabe ao Espírito Santo. A Parábola dos Talentos, em São Mateus 25:14-30, ilustra bem esse princípio.

Condições para o recebimento do Espírito Santo

Uma vez que a iniciativa da nossa salvação é divina (Apoc. 3:20), a parte que nos corresponde para o recebimento do Espírito Santo é simplesmente aceitarmos o Seu convite; pois é Ele quem efetua em nós “tanto o  querer como o realizar” (Filip. 2:13). Todos os impulsos de nossa parte para aceitarmos a salvação, são por ele motivados; porém cabe a nós a decisão de os aceitar ou de os rejeitar. Mas “a todos os que aceitam a Cristo como o Salvador pessoal, o Espírito Santo vem como Consolador, Santificador, Guia e Testemunha”. 2

A Bíblia menciona, entretanto, algumas condições para o Espírito Santo permanecer em nós e capacitar-nos com um poder especial para sermos testemunhas de Cristo. Em primeiro lugar, é necessário arrepender-nos dos nossos pecados: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo” (Atos 2:38). Em segundo lugar, é necessário crermos: “a fim de que recebêssemos pela fé o espírito prometido” (Gál. 3:14). Em terceiro lugar, é necessário que obedeçamos toda a vontade de Deus como expressa em Sua Palavra: “… o Espírito Santo, que Deus outorgou aos que Lhe obedecem” (Atos 5:32). “Se Me amais,

Page 31: Trindade Deus Jesus E. santo

guardareis os Meus mandamentos. E Eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará um outro Consolador, a fim de que esteja para sempre convosco” (João 14:16). “Dar-vos- ei coração novo, e porei dentro em vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne. Porei dentro em vós o Meu Espírito, e farei que andeis nos Meus estatutos, guardeis os Meus juízos e os observeis” (Ezeq.36:26 e 27). Em quarto lugar, é necessário que perseveremos em oração: “… o Pai celestial dará o espírito Santo àqueles que Lho pedirem” (Luc. 11:13). “Tendo eles orado, tremeu o lugar onde estavam reunidos; todos ficaram cheios do Espírito Santo, e, com intrepidez, anunciavam a palavra de Deus” (Atos 4:31). Mas mesmo a nossa oração deve ser sempre submetida à vontade de Deus: “Faça-se a Tua vontade, assim na Terra como no Céu” (Mat. 6:10). Biblicamente o batismo em nome de Cristo e do Espírito Santo são simultâneos. Assim como Cristo recebeu a unção do Espírito Santo por ocasião do Seu batismo por João Batista (Mar. 1:10), todos aqueles que aceitarem as boas novas da salvação devem ser batizados ao mesmo tempo “em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo” (Mat. 28:19).

Cada cristão deve buscar com profundo ardor e insistência diariamente o poder regenerador e santificador do Espírito Santo na vida; porém a escolha dos “dons espirituais” não lhe cabe decidir, pois isto pertence à vontade do Espírito santo, de acordo com as necessidades e conveniências (I Cor. 12:11). É por este motivo que Cristo condena a busca de milagres, ao declarar que “uma geração má e adúltera pede um sinal” (Mat.16:4). E em Seu diálogo com Tomé, Cristo valoriza a fé sem milagres, ao afirmar: “Porque viste, creste? Bem-aventurados os que não viram e creram” (João 20:29).

Evidências do recebimento do Espírito Santo

Muito embora um cristão que seja cheio do Espírito Santo possa receber poder para operar milagres, como ocorreu com os apóstolos por ocasião do Pentecostes, não é esta a evidência decisiva de alguém possuir o Espírito Santo na vida. Cristo, com o Seu olhar profético, declarou que nos últimos dias surgiria um grande movimento de simulação da verdadeira obra do Espírito Santo: “Porque surgirão falsos cristos e falsos profetas operando grandes sinais e prodígios para enganar, se possível os próprios eleitos” (Mat. 24:24). E Ele acrescenta: “Nem todo o que Me diz: Senhor, Senhor! entrará no dos Céus, mas aquele que faz a vontade de Meu Pai que está nos Céus. Muitos, naquele dia, hão de dizer-Me: Senhor, Senhor! porventura, não temos nós profetizado em Teu nome, e em Teu nome não expelimos demônios, e em Teu nome não fizemos milagres? Então lhes direi explicitamente: Nunca vos conheci. Apartai-vos de Mim, os que praticais a iniquidade” (Mat. 7:21-23).

A experiência ocorrida no Egito, quando os sábios de Faraó simularam os milagres que o Senhor operara através de Moisés e Arão (Êxo. 7:11), repetir-se-ia nos últimos dias (II Tes. 2:9-11). É por essa razão que o próprio Espírito Santo inspirou o apóstolo João a alertar os crentes a esse respeito: “Amados, não deis crédito a qualquer espírito: antes provai os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora” (I João 4:1). E a Bíblia acrescenta: “ À lei e ao testemunho! Se eles não falarem desta maneira, jamais verão a alva” (Isaías 8:20). E ela ainda adverte que os sensuais… não têm o Espírito” (Jud. 19).

Mas qual é a verdadeira evidência de que alguém possui o Espírito Santo? Na verdade, a evidência da presença do Espírito Santo na vida de uma pessoa “é tão ampla quanto a Sua obra”. 3 Cristo disse que “pelos seus frutos os conhecereis” (Mat. 7:20), e o apóstolo São Paulo acrescenta que “o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio” (Gál. 5:22 e 23). Portanto a evidência concreta é o fato de sua vida ter sido transformada de acordo com o padrão divino, procurando conhecer e viver em conformidade com “ toda a verdade”, pois esta é a obra do espírito Santo. Jesus disse que os que entrarão no reino do Céus são aqueles que fazem a vontade de Deus (Mat. 7:21) A Bíblia declara que João Batista era “cheio do Espírito Santo” (Luc. 1:15), mas “não fez nenhum sinal, porém tudo quanto disse a respeito dEste era verdade” (João 10:41). E isto foi suficiente para Cristo afirmar que “entre os nascidos de mulher, ninguém é maior do que João” (Luc. 7:28). Muito embora a obra universal do Espírito Santo seja universalmente a mesma, não podemos generalizar a Sua obra especial no vida dos crentes. Como “os dons são diversos, mas o Espírito é o mesmo” (I Cor. 12:4), e esses dons são distribuídos pelo Espírito a cada um, “como Lhe apraz” (I Cor. 12:11); o fato de um genuíno cristão viver em plena conformidade com a vontade de Deus, mas não possuir determinado dom, não é evidência de que ele não seja cheio do Espírito Santo. Por outro lado, o próprio fato de alguém vangloriar-se de possuir determinado dom que outra pessoa não possui, é evidência clara de que ele não está sendo guiado pelo Espírito Santo (Gál. 5:25 e 26).

Na verdade “todos quanto anseiam ter semelhança de caráter com Deus, serão satisfeitos. O Espírito Santo nunca deixa sem assistência a alma que está olhando a Cristo. …Se o olhar se mantiver fixo em Jesus, a obra do Espírito não cessa, até que a alma esteja conforme a Sua imagem”. 4 E “não há limites à utilidade de uma pessoa que, pondo de parte o próprio eu, oferece margem à operação do Espírito Santo na alma, e vive uma vida de inteira consagração a Deus”. 5

Referências:1. Leon Morris, The Gospel According to John. (Grand Rapids: Michigan, Wm. B. Eerdmans Publ. Co., 1979), p. 700.2. Ellen G. White, Atos dos Apóstolos, p. 49.3. Wilson H. Endruweit, Movimento Carismático. Um Estudo Exegético e Teológico de Suas Principais Características.

(São Paulo, Instituto Adventista de Ensino, 1977), p. 27.4. Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações. p. 285.5. Ibid., p. 227.

O Espírito Santo e o Trono

Page 32: Trindade Deus Jesus E. santo

Como explicar o fato de que o trono apocalíptico é chamado apenas de “trono de Deus e do Cordeiro” (Apocalipse 22:1 e 3), sem qualquer alusão ao Espírito Santo?

Alberto R. TimmUm dos argumentos mais comuns contra a doutrina da Trindade é a alegação de que o livro do Apocalipse não

apresenta qualquer alusão a um “trono” do Espírito Santo. Para entendermos esta questão, é importante considerarmos primeiro o significado do “trono” de Deus nas Escrituras. Quase todos os textos bíblicos falam desse “trono” no singular. Por exemplo, o profeta Isaías teve o privilégio de ver “o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono” (Isa. 6:1; ver também Sal. 9:7; Apoc. 4:2; 22:1, 3; etc.). Mas alguns textos mencionam a existência de “tronos” nas cortes celestiais, especialmente quando outros seres celestiais participam de uma sessão de julgamento. Por exemplo, o profeta Daniel diz que continuou olhando “até que foram postos uns tronos” no céu (Dan. 7:9). Também o apóstolo João afirma ter visto em visão “tronos” sobre os quais se assentavam “aqueles aos quais foi dada autoridade de julgar” (Apoc. 20:4). As visões e descrições de Deus assentado em Seu trono revelam primariamente a Sua soberania e majestade sobre o Universo. Por exemplo, no Salmo 45:6 é dito: “O teu trono, ó Deus, é para todo o sempre, cetro de equidade é o cetro do teu reino”. Mas, em muitos casos, Deus Se assenta em Seu trono para julgar as nações. Um exemplo disso é encontrado no Salmo 9:7 e 8: “Mas o Senhor permanece no seu trono eternamente, trono que erigiu para julgar. Ele mesmo julga o mundo com justiça; administra os povos com retidão”. Outra cena judicial, já mencionada, aparece em Daniel 7:9 e 10, onde é dito que “foram postos uns tronos, e o Ancião de dias se assentou”, e que “assentou-se o tribunal, e se abriram os livros”. Independentemente da ocasião e das circunstâncias envolvidas, a expressão “trono”, quando usada em relação a Deus, possui geralmente uma conotação mais funcional do que essencial. É interessante observarmos que Cristo exerce ao mesmo tempo os ofícios sacerdotal e real em Seu trono. Já em Zacarias 6:13 encontramos a seguinte profecia messiânica: “Ele mesmo edificará o templo do Senhor e será revestido de glória; assentar-se-á no seu trono, e dominará, e será sacerdote no seu trono; e reinará perfeita união entre ambos os ofícios”. Como rei, Cristo exerce também a função de juiz. Em João 5:22 é dito: “E o Pai a ninguém julga, mas ao Filho confiou todo julgamento”. Portanto, é plenamente evidente que Cristo deva compartilhar com o Pai o trono do Universo.

O Espírito Santo, por Sua vez, exerce funções diferentes nos planos divinos. Entre elas estão as de representar a Deus no Universo (Sal. 139:7-12), convencer os seres humanos “do pecado, da justiça e do juízo” (João 16:8), glorificar a Cristo (João 16:14), derramar “o amor de Deus” no coração dos crentes (Rom. 5:5), edificar internamente a igreja (1 Cor. 12) e capacitá-la para o testemunho (Atos 1:8). Mesmo depois da final erradicação do pecado, o Espírito Santo continuará exercendo a função de Mantenedor do Universo (cf. Gên. 1:2). Não é de surpreender, por conseguinte, que Ele não seja mencionado como soberano ou juiz sobre o trono do Universo. Alguns indivíduos não se constrangem em usam a expressão “trono de Deus e do Cordeiro” (Apoc. 22:1 e 3) para alegar que, como o Espírito Santo não aparece nesse trono, Ele não pode ser considerado uma Pessoa divina. Mas esse tipo de argumento envolve pelo menos dois problemas fundamentais: Primeiro, ele desconhece a conotação funcional da expressão “trono”, que descreve mais o status e o ofício de Deus do que a Sua natureza essencial. Em segundo lugar, esse argumento está baseado em uma espécie de raciocínio generalizante, sugerindo que alguém só existe se mencionado em todas as alusões aos demais componentes de seu grupo de pares. Neste caso, se o nome do Espírito Santo não aparece sempre que o Pai e o Filho são mencionados juntos, então o Espírito Santo não pode ser considerado parte da Divindade.

Na Bíblia encontramos vários textos que mencionam ao mesmo tempo o Pai, o Filho e o Espírito Santo (ver Isa. 48:16; Mat. 28:19; Luc. 3:21 e 22; 1 Cor. 12:4-6; 2 Cor. 13:13; Efés. 4:4-6; Tito 3:4-7; etc.). Embora o Espírito Santo não seja mencionado explicitamente em Apocalipse 22:1 e 3 com o Pai e o Filho sobre o trono do Universo, esse fato jamais deveria ser usado para invalidar os demais textos bíblicos que mencionam o Espírito Santo como exercendo funções distintas do Pai e do Filho.

O Espírito-parákletos no Quarto EvangelhoAmin A. Rodor, Th.D.

Professor de Teologia Sistemática e Diretor do SALT, Unasp, Campus Engenheiro Coelho, SP

Resumo: Este artigo trata do título grego parákletos no quarto evangelho, atribuído, como é bíblica e historicamente evidente, ao Espírito Santo, a terceira pessoa da Trindade. O autor enfatiza que, embora o  parákletos seja o dom da nova era, Ele possui profundas raízes bíblicas. Atenção especial é dada ao paralelismo entre Jesus e o “outro  parákletos”, sugerindo que Este representa o “retorno” de Jesus para os Seus discípulos, a fim de permanecer com eles, conforme havia prometido. O parákletosé o verdadeiro elo entre a Igreja e Jesus desde o Pentecostes até a “consumação do século”. Por meio do parákletos, Jesus é reinterpretado e feito contemporâneo para as sucessivas gerações de cristãos.

Abstract: This article deals with the Greek title parákletos in the fourth gospel, attributed, as biblical and historically evident, to the Holy Spirit, the third Person of the Trinity. The author emphasizes that, even though the parákletos is the gift of the new age, He has deep biblical roots. Special attention is given to the parallelism between Jesus and the “other parákletos,” suggesting that He represents the  “return” of Jesus to His disciples, in order to abide with them, as He had promised. The parákletos is the true link between the Church and Jesus from the Pentecost till “the end of the world.” Through theparákletos Jesus is reinterpreted and made contemporary to the successive generations of Christians.

Introdução

A palavra grega parákletos*, na literatura bíblica, é exclusiva do Novo Testamento, e ocorre de forma restrita, apenas nos escritos joaninos. Como um epíteto, o termo é aplicado uma vez a Jesus (1Jo 2:1), que atua como um intercessor/advocatus junto ao Pai, na corte celestial. Em cinco outras passagens, no quarto evangelho, contudo, parákletos como um título é aplicado a alguém que: (a) não é Jesus; (b) não é primariamente um intercessor; e (c)

Page 33: Trindade Deus Jesus E. santo

não exerce sua função no céu, junto ao Pai. A tradição cristã, desde tempos primitivos,1 e com boas razões, identificou o parákletos no Evangelho de João, como sendo o Espírito Santo, a terceira pessoa da Trindade.2

Considerando-se as objeções recentes ao ensino bíblico quanto à personalidade do Espírito Santo e à Trindade,3 o estudo deste tema no quarto evangelho é crucial, levando-se em conta que o Evangelho de João, provavelmente o último livro do Novo Testamento a ser escrito, representa o mais alto desenvolvimento teológico das Escrituras,4 e, nas palavras de Vincent Taylor, “o clímax e coroa da revelação bíblica a respeito do Espírito Santo”.5 Não seria difícil, portanto, estabelecer que o estudo do tema no evangelho joanino é de fundamental importância para se verificar como os cristãos, no final do primeiro século, entenderam e consideraram o Espírito Santo.

Como observado por Raymond E. Brown, reconhecida autoridade no quarto evangelho, as cinco passagens em que o parákletos é mencionado no evangelho de João (Jo 14:15-17, 26; 15:26-27; 16: 7-11, 12-14), podem ser organizadas em quatro grupos:

(1)   A vinda do parákletos e Seu relacionamento com o Pai: O parákletos virá, mas apenas quando Jesus partir (Jo 15:26; 16:7,8, 13). Ele procede do Pai (Jo 15:26). O Pai concederá o parákletos a pedido de Jesus (Jo 14:16). Jesus, quando partir, enviará o parákletos da parte do Pai (Jo 16:7).

(2)   A identificação do parákletos: Ele é chamado “outro parákletos” (Jo 14:16). É, também, o Espírito de Verdade (Jo 14:17; 15:226), e o Espírito Santo (Jo 14:26).

(3)   A relação do parákletos com os discípulos: Os discípulos reconhecem o parákletos (Jo 14:17). O parákletos estará com os discípulos e permanecerá com eles (Jo 14:16, 17). Ele ensinará aos discípulos todas as coisas (Jo 14:26). Guiará os discípulos a toda a verdade (Jo 16:13). Anunciará aos discípulos as coisas que hão de vir (Jo 16:13). Receberá e anunciará o que é de Jesus (Jo 16:14). Glorificará a Jesus (Jo 16:14). Testemunhará em favor de Jesus (Jo 15:26). Relembrará aos discípulos tudo o que Jesus lhes ensinou (Jo 14:26). O parákletos falará apenas o que ouvir e nada de Si mesmo (Jo 16: 13).

(4)   A relação do parákletos com o mundo: O mundo não pode receber o parákletos (Jo 14:17); O mundo não O vê nem O conhece (Jo 14:17). No contexto do ódio e perseguição movidos pelo mundo (Jo 15:18-25), o parákletos testemunhará de Jesus (Jo 15:26). Ele tornará evidente o erro do mundo acerca do pecado, da justiça e do juízo (Jo 16:8-11) .6

Da sistematização das cinco referências ao parákletos no quarto evangelho mencionadas acima, algumas características quanto à sua identidade emergem claras e além da dúvida razoável.

(1) O parákletos não é Jesus ou o Pai:7 Jesus fala de “outro parákletos”,8 implicando que seus discípulos já possuíam um, que só podia ser Ele mesmo. De fato, como mencionado em 1 João 2:1, Jesus é chamado de “parákletos”.9 E é precisamente Sua [de Jesus] partida, como veremos posteriormente, que abre espaço para o ministério deste outro parákletos, “para compensar a perda da presença visível de Jesus.”10 A idéia de que o parákletos não é Jesus se fortalece pelas diferentes ocorrências, nas quais o parákletos testemunha de Jesus, O glorifica e age como Seu representante. Por outro lado, é evidente que o parákletos não é o Pai, pois é precisamente o Pai quem O envia, em nome de Jesus, e apenas depois que Jesus tenha partido (Jo 14:26).11 Deve-se observar ainda que, ao contrário de Jesus como parákletos, em 1 João 2:1, o parákletos no quarto evangelho não é primariamente um intercessor dos discípulos diante do Pai, mas o ajudador deles em relação ao mundo. Significativamente, contrariando a errônea idéia de que a doutrina da Trindade tenha sido originada em um período posterior ao Concílio de Nicéia (325 d.C.), Tertuliano (160-220 d.C.) claramente identifica oparákletos com o Espírito Santo, distinguindo-O das pessoas do Pai e do Filho. Diz ele, em sua famosa apologia Contra Praxeas:

…[o Evangelho de João] continua a fornecer-nos declarações do mesmo tipo, distinguindo o Pai e o Filho com as propriedades de cada um. Então também há o Paracleto ou Consolador, acerca do qual Ele prometeu orar ao Pai, e enviá-lo do céu, depois que Ele tivesse ascendido para o Pai. Ele é chamado “outro Consolador”… Assim, a conexão do Pai com o Filho, e do Filho com o Paracleto, produz três Pessoas coerentes, as quais, contudo, são distintas uma da outra. Estes três são uma essência, não uma Pessoa, como é dito “Eu e o Pai somos Um” em respeito à unidade de substância, não à singularidade de número.12

No mesmo texto, Tertuliano observa:

O Espírito Santo, de fato, é o terceiro, distinto de Deus [o Pai] e do Filho… Eu testifico que o Pai, e o Filho e o Espírito são inseparáveis de cada um… e que eles são distintos um dos outros.

Tertuliano então conclui com lógica que dificilmente poderia ser melhorada:

Além disto, não é o próprio fato de que eles tem nomes distintos [Pai, Filho e Espírito-Paracleto] equivalente a uma declaração de que eles são distintos em personalidade?13

(2) Que o parákletos não é mera força ou influência é claro das diversas atividades exercidas, possíveis apenas a uma pessoa:14 Ele ensina, guia, é enviado, anuncia, recebe, glorifica, testemunha em favor, relembra, fala, convence, acusa, etc. Além disso, ao parákletos são atribuídos pronomes pessoais. João torna a personalidade do Espírito mais evidente, atribuindo a Ele o título masculinoparákletos e referindo-se ao Espírito-parákletos com pronomes pessoais (ékeinos e autós).15

(3) Com relação às funções do parákletos, fica também evidente que Ele vem para os discípulos e habita com eles, guiando-os, ensinando a respeito de Jesus: Devemos observar, contudo, que João O retrata como o Espírito Santo, como já sugerido, numa função específica: como a presença pessoal de Jesus com os cristãos, durante o período de Sua ausência.

(4) A respeito do relacionamento do parákletos com o mundo, é óbvio que Ele é hostil ao mundo, colocando este em julgamento por seu pecado de descrença. O mundo não O pode receber, porque não O vê nem O conhece (Jo 14:17).

O parákletos joanino

Do estudo quanto à identidade do parákletos no quarto evangelho, algumas questões emergem naturalmente: Se Ele realmente é o Espírito Santo, como mantido pelos cristãos e claramente indicado pelo próprio João: “Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome”16 (Jo 14:26), por que é este título atribuído ao

Page 34: Trindade Deus Jesus E. santo

Espírito? Quais aspectos particulares das funções do Espírito Santo são atribuídas ao parákletos? Além disto, por que o título é encontrado exclusivamente no evangelho joanino? Para estas questões cruciais voltaremos nossa atenção, mais tarde, neste estudo. Nesta seção concentraremos a atenção nos aspectos lingüísticos do termo.

O background histórico e o significado lingüístico do termo parákletos no Evangelho de João têm sido buscados em uma variedade de fontes e alternativas,17 e seria desnecessário repeti-los aqui. Esforços têm sido feitos, por exemplo, na tentativa de se encontrar um equivalente semítico para o título grego. Tais tentativas parecem enfatizar a convicção de que se uma palavra hebraica ou aramaica, que tenha servido de base para a tradução de parákletos, fosse encontrada, provavelmente saberíamos o significado primário do termo. Contudo, até o momento, os mais minuciosos estudos não conseguiram produzir um candidato semítico verdadeiramente aceitável.18 De fato, como Brown observa, “Esta busca para um equivalente hebraico pode ser em vão,”19 provavelmente porque tanto no hebraico quanto no aramaico, a palavra foi transliterada do grego.20 Além disto, como indicado por Johannes Behn, no seu clássico estudo do termo, no Theological Dictionary of the New Testament, o uso joanino do termoparákletos não se ajusta facilmente à história da palavra em fontes seculares.

Concluímos, então, que, embora os antecedentes históricos, religiosos e lingüísticos do termoparákletos possam ser considerados importantes para se determinar o seu significado no Novo Testamento, as decisões quanto a tal significado serão consideravelmente subjetivas e de valor limitado, ao mesmo tempo que limitador. O significado de parákletos tem sido traduzido por uma variedade de palavras21 tais como “Consolador,” “Advogado,” “Ajudador,”22 “Espírito de Verdade,” “Amigo,” etc. No entanto, deve-se observar que nenhuma destas traduções consegue capturar de forma plena a complexidade das funções atribuídas ao parákletos no quarto evangelho.

Se, a palavra parákletos usada por João em seu evangelho não parece ser uma tradução direta de um título hebraico específico, nem tem ela sua origem em um título no grego secular, talvez isto sugira que foi o uso cristão que deu ao termo uma conotação exclusiva a ele e, portanto, o seu significado é melhor decidido pelo contexto do que por deduções léxicas. O que é, portanto, o parákletos? Gerard Manley Hopkins está provavelmente correto em sua resposta, lembrando que o termo é frequentemente traduzido por Consolador, mas o parákletos faz muito mais do que consolar. A palavra é grega, não possui um equivalente exato em nossa língua. É esclarecedor ter em mente que Jerônimo, ao traduzirparákletos, tinha à sua disposição, além dos termos latinos advocatus e consolator, o costume da transliteracão. Enquanto ele adota advocatus em 1 João 2:1, no evangelho, contudo, ele seguiu a alternativa da transliteração, mantendo a palavra transliterada como Paracleto. R. Brown apropriadamente observa que seria sábio fazermos o mesmo em tempos modernos, e optarmos porParacleto, uma transliteração aproximada do grego parákletos, o que preserva a singularidade da palavra, sem enfatizar um único aspecto do conceito em detrimento de outro. No mínimo, isto serve como advertência para aqueles que querem comprimir o termo dentro de limites dogmáticos.

Devemos observar, ainda, dois aspectos básicos quanto à identidade do parákletos no quarto evangelho: Por um lado, embora ele possa ser considerado o “dom da nova era,” o parákletos não é um estranho, uma “novidade,” ou simples invenção joanina, desconectado de raízes bíblicas. De fato, João “não pinta um quadro sem paralelo em outras descrições do Espírito Santo no Novo Testamento, mas enfatiza certos aspectos que já estão presentes [aí], e dá a eles nova orientação.”23 Esta conexão e convergência de identidade entre o Espírito Santo e o parákletos será o foco de discussão na seção seguinte deste trabalho.

Por outro lado, João não faz uma simplista identificação entre o Espírito e o parákletos, sem os refinamentos teológicos que são uma marca inconfundível do seu evangelho. Devemos ter em consideração que, independentemente do que ele tenha dito no evangelho acerca do parákletos, ele está escrevendo tendo em mente a obra completa de Cristo na cruz. Ele escreve da perspectiva do período posterior à ascensão, antecipando o relacionamento entre o ressuscitado Cristo e os Seus discípulos, além do relacionamento dEle com o mundo, através do parákletos. Portanto, o parákletosincorpora uma enorme complexidade de funções. Ele é uma testemunha de defesa de Jesus, e o representante dEle no contexto do Seu julgamento pelos Seus inimigos. O Paracleto é, por outro lado, um consolador dos discípulos, assumindo o lugar de Jesus entre eles. O Paracleto é o mestre, guia, e conselheiro dos discípulos e, assim, um ajudador. O relacionamento entre o parákletos e Jesus é o tema da última seção do nosso estudo. E é precisamente aí que detectamos a profunda contribuição teológica de João em relação à pessoa do parákletos.

O Espírito-parákletosPneumatologia tem sido considerada uma das mais distintivas características do quarto evangelho.24Referências diretas

e indiretas ao Espírito são inúmeras e complexas, de tal forma que qualquer estudo do tópico seria, no mínimo, muito extenso.25 Devemos notar que neste evangelho o Espírito Santo é regularmente associado com Jesus (como em 1:19-34; 3:5, 7:39, etc). A plena apresentação do Espírito Santo, contudo, é encontrada nas passagens concernentes ao parákletos (14:16, 17, 26; 15:26; 16:7-15).

Em João não encontramos uma fórmula trinitariana como em Mateus26 ou Paulo,27 mas há, pelo menos, quatro instâncias do modelo trinitário (1:29-35; 14:16, 26; 16:15). Mais claramente do que qualquer outro escritor do Novo Testamento, João apresenta a divindade do Filho, e a personalidade do Espírito. Mais enfaticamente do que qualquer outro ele indica a distinção do Espírito, tanto em relação ao Pai como ao Filho. Mais diretamente do que qualquer outro, ele indica a missão do Espírito-parákletos. Nisto João estabelece os fundamentos para a doutrina de uma Trindade co-igual, e fornece muito do material sobre o qual esta doutrina seria formulada.

Voltando nossa atenção para o relacionamento entre o parákletos e outros textos dos evangelhos sinóticos e do livro de Atos, observamos em primeiro lugar que no quarto evangelho, se Jesus havia estado com os discípulos por alguns poucos anos, e voltou para o Pai, o Espírito Santo, contudo, permanece para sempre com eles, respondendo a questões enfrentadas pela Igreja no final do primeiro século. A doutrina do parákletos em João implica a partida de Jesus do mundo e, naturalmente, oparákletos é retido em sua plenitude até a cruz (Jo 7:39). Não é senão quando Cristo afirma “Eu vou para o meu Pai”, que torna-se necessário, ou mesmo possível, acrescentar: “O Pai vos enviará um outroparákletos.” O Espírito é o outro parákletos, que assume o lugar de Cristo, como advogado dos discípulos. Até então, Jesus fôra o defensor deles enquanto estivera na Terra (Mc 2:18, 24). Agora Jesus cumpre este ofício “junto ao Pai”, enquanto o Espírito, cuja esfera de ação é a Terra, silencia os adversários terrenos do corpo de Cristo, ao longo da era cristã.

Esta função forense de “dar testemunho”, “falar pelos discípulos” e “condenar o mundo”, enfatizada nos textos do parákletos joanino, não está dissociada da mesma ênfase em outros textos em que o Espírito Santo aparece com as

Page 35: Trindade Deus Jesus E. santo

mesmas funções. Isto é evidente, por exemplo, em Mateus 10:20 (“visto que não sois vós quem falais, mas o Espírito do vosso Pai é quem fala por vós”), Marcos 13:11 (“Quando, pois, vos levarem e vos entregarem, não vos preocupeis com o que haveis de dizer, mas o que vos for concedido naquela hora, isso falai; porque não sois vós os que falais, mas o Espírito Santo”) e Atos 6:10, onde o Espírito Santo é apresentado protegendo os discípulos também em contexto de julgamento.

Além disto, se o parákletos vem apenas depois da partida de Jesus, o mesmo é verdade na descrição de Lucas em Atos, quanto à vinda do Espírito. Isto se torna ainda mais distintivo quando observamos que a compreensão de Lucas da ascensão de Jesus partilha com João o conceito da ressurreição (Jo 20:17). O Pai concede o parákletos a pedido de Jesus (Jo 14:16), da mesma forma que o Pai concede o Espírito Santo àqueles que O pedem (Lc 11:13). Se o parákletos testemunha em favor de Jesus por meio do testemunho dos discípulos, assim é a vinda do Espírito Santo em Atos, pois é precisamente Ele quem impulsiona os discípulos a falarem de Jesus e a demonstrarem ao mundo que Deus O havia ressuscitado.

Verificamos um íntimo relacionamento entre João 15:26, 27 e Atos 5:32: “Ora, nós somos testemunhas destes fatos, e bem assim o Espírito Santo, que Deus outorgou aos que Lhe obedecem”.28Encontramos ainda uma convergência entre a função de ensino do parákletos em João 14:26, onde é afirmando que “Ele ensinará [aos discípulos] todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito,” e a função do Espírito Santo em Lucas 12:12: “…o Espírito Santo vos ensinará, naquela mesma hora, as coisas que deveis dizer.” Desta forma, quando João 14:26 identifica o parákletos como o Espírito Santo, “isto não é mera junção editorial de dois conceitos distintos”,29 como R. Brown observa. As similaridades e convergências entre o parákletos e o Espírito Santo emergem mesmo num estudo comparativo superficial, entre aquilo que João diz e aquilo que os evangelhos sinóticos e o livro de Atos, em particular, afirmam a respeito dele. Tentar se evadir à força das evidências, sugerindo que o Espírito-parákletos é Pai ou Filho, ou apenas uma força, o ruach/pneuma30 de Deus, é simplesmente fazer uma leitura equivocada, preconceituosa e dogmática de evidências irrefutáveis, leitura informada por conclusões e preconceitos desenvolvidos fora do círculo da revelação.

Parákletos e Jesus

É importante observar que no pensamento joanino encontramos uma íntima conexão entre oparákletos e Jesus. Praticamente tudo aquilo que João afirma deste personagem é dito de Jesus em outras partes do evangelho. Em outras palavras, o relacionamento entre o primeiro parákletos [Jesus]31e o segundo [o Espírito Santo] é dominante no quarto evangelho. Não é de surpreender que o Espírito seja chamado pelo próprio Jesus, como já visto, de “outro parákletos.” O detalhado e preciso paralelismo entre o ministério do parákletos e o ministério de Jesus é exato para ser entendido como mera coincidência. Assim, uma vez que o parákletos pode vir apenas quando Jesus partir, oparákletos, para todos os efeitos, “é a presença de Jesus quando Jesus está ausente”32 Não é possível deixar passar despercebido o fato de que no parákletos Jesus cumpre Sua promessa de voltar para Seus discípulos (Jo 18:14). Percebemos, então, que de todas as funções do parákletos nenhuma é mais central do que a de continuar a obra de Jesus. Observemos as precisas semelhanças:

Page 36: Trindade Deus Jesus E. santo

Desta forma, o paradoxo apresentado pela promessa de Jesus de que Sua obra na terra continuará porque Ele irá para o Pai é resolvido pelo Seu “retorno,” na pessoa do parákletos. De fato, a vinda do Paracleto é o “retorno” de Jesus para os seus: Agora eles estão nEle e Ele neles (Jo 14:20). Como J. Louis Martyn observa:

Mas esta é uma união dramática desempenhada em um drama de dois níveis, de tal forma que ela cria uma crise epistemológica. O mundo, certamente, vê apenas um nível deste drama.33

O mundo, devemos acrescentar, pode “ver” a tradição histórica de Jesus de Nazaré, uma figura do passado, cuja identidade pode ser debatida num formato midráshico, sem, contudo, perceber a atuação do Paracleto, a qual torna Jesus contemporâneo e presente nos atos e palavras dos discípulos (Jo 14:17).

Como observado acima, daquilo que João diz do parákletos em seu evangelho, é esta íntima relação entre Ele e Jesus que emerge como o aspecto dominante. Não é de surpreender que alguns intérpretes cheguem a identificar o Espírito-parákletos, como o “alter ego de Jesus”34 ou “o outro Jesus.”35Devemos observar, por um lado, que aquilo que o parákletos ensina ou revela não constitui algo novo. Ele relembra aos discípulos aquilo que Jesus havia ensinado. Ele testemunha em favor de Jesus e O glorifica, tendo com Jesus a mesma relação que Este tivera com o Pai. Assim como Jesus não falou de Si, mas apenas aquilo que o Pai o ensinara (Jo 5:28). Da mesma forma que Jesus glorificara o Pai (Jo

Page 37: Trindade Deus Jesus E. santo

12:28, 14:13, 17:14), o parákletos dá testemunho dEle, e O glorifica. Por outro lado, contudo, o gênio da obra do parákletos, como já sugerido, é que Ele não meramente repete ou reencena Jesus. Oparákletos reinterpreta Jesus, torna-O presente e permanentemente atual na Igreja. Jesus e a glória manifesta em Seu ministério, morte e ressurreição, não representam um período ideal no passado, quando o reino de Deus irrompeu entre os homens, um período para o qual seus discípulos olham com uma aura de saudosismo. O parákletos não é apenas um intérprete de Jesus, mas Aquele que O reatualiza e reinterpreta para cada geração, tornando-O sempre atual, relevante e contemporâneo, não importando as mudanças e variáveis do contexto.

Como R. Brown sugere, o quadro joanino do Espírito-parákletos responde a dois problemas importantes na própria composição do quarto evangelho, que não podem ser desconsiderados em nossa discussão, e de fato, respondem à questão suscitada anteriormente neste artigo, quanto à razão pela qual João atribui o título parákletos ao Espírito. O primeiro problema tem a ver com a dificuldade criada pela iminente morte da última testemunha ocular, que constituía o último elo visível entre a Igreja no final do primeiro século e Jesus de Nazaré.36 Como deveria a igreja reagir em face desta nova situação, quando o último vínculo com Jesus parecia estar sendo cortado? Como enfrentar o perigo dela mesma tornar-se uma instituição auto-suficiente, desconectada de Cristo? O conceito do Espírito-parákletosresponde a esta questão. Se as testemunhas oculares, como o próprio discípulo amado, haviam dado seu testemunho e guiado a Igreja, isto não fôra primariamente por causa da conexão direta com Jesus. Uma vez que eles próprios não O haviam entendido (Jo 14:9).

Portanto, o testemunho apostólico não é válido porque estes apóstolos houvessem estado com Jesus, ou mesmo dependido da compreensão que eles haviam tido dEle. A validade do testemunho deles dependeu primariamente do parákletos, o qual tomou, depois da ressurreição, o lugar de Jesus, para que os discípulos pudessem ser ensinados e relembrados de tudo o que Jesus ensinara. Os apóstolos foram habilitados a testemunhar e interpretar Jesus, precisamente porque eles haviam recebido oparákletos. Este permanece com todos aqueles que amam a Jesus (Jo 14:17), mesmo depois do desaparecimento das testemunhas oculares. Assim, a morte do último apóstolo não quebra a corrente entre Cristo e a Igreja, porque o parákletos, que havia ensinado aos primeiros apóstolos, continua com a Igreja, para guiá-la em toda a verdade, e permanece com as contínuas gerações de discípulos. Oparákletos é o verdadeiro vínculo entre a Igreja e Jesus Cristo. João enfatiza que a função de ensino doparákletos não envolve nada novo, como observado acima; entretanto, isto não significa mera repetição. O papel do Espírito-parákletos é reinterpretativo, tornando Jesus contemporâneo para as sucessivas gerações de discípulos37.

O segundo problema que o conceito do parákletos joanino responde é a questão da demora daparousia. Na conclusão do Evangelho de João (Jo 21:18-23), Pedro, em diálogo com o Cristo ressuscitado, face à sugestão do tipo de morte que ele sofreria (v. 18-19), vendo o “discípulo amado”, pergunta ao Senhor: “e quanto a este?” (v. 21). Jesus, como em outras circunstâncias, repreende a curiosidade quanto ao futuro, formulando uma pergunta hipotética “[e] Se eu quero que ele permaneça até que eu venha, que te importa?” (v. 22). A frase “até que eu venha”, implica um evento futuro, juntamente com a possibilidade de que este evento (a parousia) aconteceria dentro do período de vida de João. O verso 23 acrescenta uma frase chave: “Então se tornou corrente entre os irmãos o dito que aquele discípulo não morreria.” Isto fortemente sugere um quadro da Igreja no final do primeiro século, convivendo com os evidentes sinais da proximidade da morte de João, sem o cumprimento do esperado retorno do Senhor.38

Assim, como R. Brown observa, “a ênfase joanina no Espírito-parákletos como a presença de Jesus é a resposta do evangelista ao desencorajamento acerca da demora do segundo advento”39. O apóstolo indica que a aparente demora da parousia não deveria gerar solidão ou desencanto, uma vez que Jesus já está presente com seus seguidores na pessoa do parákletos. Isto não significa negar o cumprimento futuro do advento de Jesus, mas assegurar que, enquanto os cristãos aguardam este glorioso evento, eles não precisam ser vítimas do pessimismo escatológico, ou gastarem suas energias em expectativas especulativas. Ao contrário, eles devem ser confortados pelo parákletos, o qual traz Jesus a eles. Desta maneira, combinada com outros aspectos de uma escatologia parcialmente realizada no quarto evangelho, a ênfase no parákletos sugere aos cristãos a permanente certeza da presença de Jesus com eles. Ellen White belamente sumariza esta ênfase: “O Espírito Santo é o Consolador, em nome de Cristo. Ele personifica Cristo”. Mas desfazendo qualquer confusão quanto à pessoa do parákletos, ela afirma: “Contudo, ele [o parákletos] é uma personalidade distinta.”40

Sumário e conclusões

Qualquer que seja a origem final do termo parákletos, as linhas principais de interpretação do conceito são estabelecidas pelo próprio João no evangelho, e são suficientemente claras. Tais linhas de interpretação são perceptíveis se sumarizarmos as características do parákletos no quarto evangelho como as estudamos, e então considerarmos a forma com que João descreve como Jesus introduziu Suas promessas acerca deste Personagem:

Em João 14:15-17, descobrimos que: (1) Jesus intercederá junto ao Pai e o Pai concederá outroparákletos; (2) este outro parákletos estará com os discípulos para sempre, em aparente contraste com Jesus, que agora os está deixando; (3) o outro parákletos é o Espírito de Verdade; (4) o mundo não O vê ou conhece; (5) mas os discípulos O conhecem, pois Ele permanece com eles (cf. 20:22); (6) oparákletos é o Espírito Santo (Jo 14:25 e 26); (7) Ele ensina os crentes todas as coisas e (8) trará à lembrança dos discípulos tudo o que Jesus ensinou; (9) o parákletos dá testemunho de Jesus (Jo 15:26-29); (10) quando o parákletos vier, Ele acusará, julgará, e condenará o mundo (Jo 16:5-11); (11) o parákletos não falará de Si, mas glorificará a Jesus, dando testemunho dEle (Jo 16:12-15); e, finalmente, (12) Ele ensinará aos crentes as coisas vindouras. Deste esboço, e daquilo que discutimos ao longo deste artigo, é claro que o parákletos, embora Se pareça com Cristo e esteja intimamente ligado a Jesus, é um outro consolador, cuja função principal é continuar a obra de Cristo, não podendo ser confundido quer com Jesus, quer com o Pai.

Outro aspecto observado é a clara convergência e identificação entre o Espírito e o parákletos. Embora as cinco passagens que tratam do parákletos no quarto evangelho possam ser consideradas uma unidade, quando tomadas em conjunto, tais passagens são também consistentes com outras referências ao Espírito nos evangelhos sinóticos e livro de Atos. Particularmente Mateus 10:20 (“visto que não sois vós quem falais, mas o Espírito do vosso Pai é quem fala em vós”), e Marcos 13:11 (“Quando, pois, vos levarem e vos entregarem, não vos preocupeis com o que haveis de dizer, mas o que vos for concedido naquela hora, isso falai; porque não sois vós os que falais, mas o Espírito Santo”), identificam a ajuda

Page 38: Trindade Deus Jesus E. santo

que seria dada aos discípulos quando eles testemunhassem de Jesus em contexto forense, e fizerem sua defesa em corte, em termos idênticos à ação do parákletos descrita no quarto evangelho.

Sobretudo, este artigo, de certa forma, concentrou-se no relacionamento entre Jesus e o parákletos, pois é precisamente aqui que descobrimos a chave para o caráter crucial da missão dEle no evangelho joanino, respondendo questões cruciais enfrentadas no final do primeiro século, mas com projeções para toda a era cristã, até o final dos tempos. Não é, portanto, acidental que a primeira passagem contendo a promessa de Jesus quanto ao parákletos (Jo 14:16), seja seguida imediatamente pelo verso no qual Cristo afirma: “Não vos deixarei órfãos, voltarei para vós outros” (v. 17-18). Jesus “retorna” para os discípulos por meio do Espírito-parákletos, que é enviado para permanecer com eles, depois que Jesus parte. Isto constitui a contribuição joanina quanto ao Espírito Santo: o parákletos continua, no período pós-ressurreição, reatualizando a presença de Jesus com e na Igreja, por meio da era cristã, até o fim dos tempos. É precisamente a presença do Espírito-parákletos que impede que a Igreja se torne órfã, desconectada do seu divino fundador. É precisamente Ele que impede que os cristãos se tornem poços de água estagnada.

O que é então o parákletos nas passagens do quarto evangelho? Ele é o Espírito Santo, investido da função específica de continuar a presença de Cristo com os Seus discípulos. Ele não é meramente a operação do poder divino no homem. Ele é uma pessoa. Uma pessoa distinta, mais explicitamente afirmada no evangelho de João do que em qualquer outro lugar do Novo Testamento. Uma pessoa distinta do Pai, pois, como vimos, Ele é enviado pelo Pai (Jo 14:26), e como a lógica básica exige, ninguém envia-se a si mesmo; dado pelo Pai (14:16) e procedendo do Pai (Jo 15:26). Distinto do Filho, pois Ele é enviado “em nome do Filho”(Jo 14:26), enviado pelo Filho (Jo 15:26), recebendo o que é do Filho (Jo 16:14), e é um “outro parákletos” (Jo 14:16). Não há também qualquer dificuldade real quanto à Sua personalidade. Ele não é meramente um dom impessoal ou poder abstrato, um fôlego, nem é Ele uma metáfora a respeito de Jesus. Ele é uma pessoa real, tão real quanto o próprio Cristo, cuja presença na vida da Igreja, era e continua sendo, tão crucial e crítica, a ponto de o próprio Jesus afirmar, com Sua fórmula de introduzir questões solenes: “Mas eu vos digo a verdade: convém que Eu vá, porque, se Eu não for, o Consolador [parákletos] não virá para vós outros” (Jo 16:7).

O que poderia ser mais importante para os discípulos do que a presença de Cristo com eles? Difícil como isto possa parecer, aqui Jesus ensina claramente que a vinda do parákletos era mais vantajosa para Seus seguidores no período pós-cruz e ressurreição, do que a presença dEle mesmo. Assim, contrariamente às teorias antitrinitarianas, antigas e modernas, em relação ao Espírito Santo, não estamos diante de uma questão superficial, uma luxúria interessante, mas dispensável e de importância secundária, sujeita às especulações infundadas de teologias precárias. A crucial importância do Espírito Santo para a Igreja pode ser percebida quando deixamos os evangelhos e entramos no livro de Atos, e testemunhamos aí a realização daquilo que Jesus profetizara do parákletos. Aqui entramos num novo mundo e sentimos o sopro de uma brisa nova. Nas palavras de J. Ritchie Smith, “em uma única hora, o Espírito operou nos discípulos a transformação que três anos de comunhão com Jesus não tinha efetuado”41. Seria, então, incompreensível que Jesus tivesse dito: “É para a vossa vantagem que Eu vá…”? Seria incompreensível por que o Espírito Santo seja vital para a Igreja hoje, como foi no passado? Ou, seria difícil entender por que Satanás está tão ativo, confundindo cristãos e obscurecendo a compreensão deles sobre a pessoa e obra do Espírito Santo?

Finalmente, os cristãos não crêem na Trindade em função de qualquer dogma inventado pela tradição ou concílios da Igreja. Da mesma maneira que eles não descrêem dela porque vozes confusas e mal-informadas surgem com “fogo estranho” no altar do Senhor. Além de nossa lógica fraca e razão finita, não dizemos, irracionalmente, que cremos em três deuses e um deus, ou, em três pessoas e uma pessoa, mas, logicamente, afirmamos que a Bíblia ensina um único verdadeiro Deus em três Pessoas divinas: Pai, Filho e o Espírito Santo. Somos exortados a crer no que Deus nos revela em Sua Palavra, mesmo que não possamos entender isto plenamente, aqui e agora. Assim, se por um lado não ousamos crer mais do que aquilo que nos foi revelado, por outro lado, não nos atrevemos a aceitar menos do que aquilo que nos é ensinado nas Escrituras. Nossa consciência

Referências

*Adotamos neste texto o termo parákletos transliterado do grego em vez de Paracleto, do latim.1 Para esta identificação em um período muito antigo da história do cristianismo, veja Shepherd of Hermas, Mandate iii. 4,

comparando com v. 1-2, em Ante-Nicene Fathers (Eerdmans: Grand Rapids, MI, 1976), 2:43. Tertuliano (160-225), em um período consideravelmente anterior a Nicéia, deu à Igreja a sua linguagem da “Trindade,” e das pessoas dentro da Trindade, distinguindo claramente a pessoa e obra do Espírito Santo, do Pai e do Filho. Tertuliano identifica o Paracleto/Consolador com o Espírito Santo, em. Against Praxeas xxv, vii-ix, Ante-Nicene Fathers, 3:621, 603-604. ↑

2 A doutrina da Trindade é dogma central da teologia cristã, isto é, que Deus existe em três pessoas e uma substância. Esta doutrina, ao longo dos séculos, tem sido mantida pelos cristãos como um mistério. Se, por um lado, ela não pode ser conhecida pela razão humana desajudada ou independente da revelação, por outro lado, ela também não pode ser plenamente demonstrada pela razão, mesmo depois de ter sido revelada. Embora os cristãos afirmem que tal mistério esteja acima da razão, ele não é, contudo, contrário à razão, ou incompatível com os princípios do pensamento racional. Tem havido em diferentes períodos da história do cristianismo os que, em arrogância, buscaram comprimir a Divindade dentro dos limites da fraca lógica e razão humanas, sem se aperceberem, talvez, de que quando pudermos entender Deus plenamente, seremos como Ele, e, portanto, já não precisaremos dEle. Nas Escrituras nós não temos revelação absoluta, apenas revelação necessária. Não sabemos tudo sobre Deus. Não dizemos a Deus o que Ele deve ou não revelar de Si, mas em humildade e gratidão recebemos e aceitamos aquilo que Ele, em Sua graça e sabedoria, decidiu revelar. Evidentemente, se lógica humana fosse o teste para nossa aceitação de Deus e de Suas verdades, seríamos forçados a deixar de fora a maior parte das categorias bíblicas: criação, pecado, queda, eleição divina, existência de Satanás, milagres, encarnação, graça, salvação, ressurreição de Jesus, segundo advento, ressurreição dos mortos, apenas para citar algumas. Todas estas noções, em sua plenitude, encontram-se além de nossa razão fraca e enferma. Ou será que, para sermos “lógicos”, devemos também nos descartar delas? ↑

Page 39: Trindade Deus Jesus E. santo

3 O ensino bíblico quanto à Trindade, ao longo da história do cristianismo, tem se deparado com sérios desvios da ortodoxia, variando de ênfase e enfoques. Sabelianismo, monarquianismo modalista, pneumatoquianismo, arianismo, macedonianismo e socinianismo são antigas noções unitarianas que ressurgiram em tempos recentes entre os mórmons, testemunhas de Jeová e Ciência Cristã, sem essencialmente nenhuma novidade. Mas, como sabemos, a mentira não morre fácil. Outras versões recicladas e pioradas têm surgido na periferia do adventismo do sétimo dia, maquiadas com retoques precários e pouco criativos. Este é o caso de alguns panfletos e folhetins que circulam em vários lugares e em sites da internet. Os livros A Divindade, que se apresenta como uma “compilação de diversos autores,” e “Eu e o Pai Somos Um”, de Ricardo Nicotra, caem nesta categoria: mal informados, sem solidez bíblica, teológica, histórica ou lógica simples. ↑

4 W. F. Howard observa que João é “pela maioria dos cristãos considerado o clímax da revelação bíblica”. The Fourth Gospel in Recent Criticism and Interpretation (London: The Epworth Press, 1965), 3. Em volume posterior, Howard insiste que a teologia joanina “é a mais altamente desenvolvida do Novo Testamento”. Christianity According to St. John (London: Duckworth, 1973), 19. Tal avaliação da importância do pensamento joanino para a teologia do Novo Testamento é comum entre outros eruditos bíblicos. Embora possamos admitir que, como geralmente observado, a teologia paulina seja obviamente mais abrangente, prevalece a compreensão de que “João é o Everest do estudo do Novo Testamento, tanto exegeticamente como teologicamente.” W. Boyd Hunt, “John’s Doctrine of the Spirit,” Soutthwestern Journal of Theology, 7/8, 1966, 45. A. M. Hunter defende a mesma idéia ao afirmar que nas mãos de João o evangelho é reexpresso para satisfazer as necessidades de uma comunidade espiritual mais ampla. “[João] buscou uma [nova] categoria para expressar o significado do evangelho para todos os homens, judeus e gregos”. Introducing New Testament Theology(Naperville: SCM Book Clook, 1957), 150. Veja também C.K. Barrett, The Gospel According to St. John (Philadelphia: The Westminster Press, 1978), 32, 49. Por outro lado, embora cristologia seja a ênfase primária do quarto evangelho, sua peneumatologia é reconhecidamente um dos seus maiores temas e “uma das mais distintivas características do [quarto] evangelho” (ver Hunter, 25). De fato, o cristinaismo “de acordo com João é interpretado em termos do Espírito” (Hunt, 46). ↑

5 Vincent Taylor, et. al., The Doctrine of the Holy Spirit (London: The Epworth Press, 1938), 66. ↑6 Raymond E. Brown, The Gospel According to John XIII-XXI (New York: Doubleday & Company,  1979), 1135. ↑7 Na compreensão truncada de Nicotra, o Espírito Santo/Paracleto é ora confundido com Deus o Pai, ora com Deus o Filho. O

que realmente surpreende, contudo, é a natureza precária dos argumentos. Ver, por exemplo, sua interpretação de Atos 20:28 (“Eu e o Pai Somos Um”, p. 19): “Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue.” Dando sua interpretação, Nicotra arremata: “No texto acima, Deus, através de Sua Palavra, está afirmando que o Espírito Santo comprou a igreja com o seu proprio sangue. Sabemos que quem comprou a igreja com o Seu próprio sangue foi Jesus. Assim, não é difícil perceber que Deus está chamando Jesus de Espírito Santo.” Fantástico, não fosse o caráter grosseiro do argumento. No primeiro nível, o erro da conclusão de Nicotra se explica por confusão gramatical, pura e simples, ou, pior ainda, por má interpretação básica de leitura de textos. O pronome pessoal ele (que “comprou com o seu próprio sangue”), não se refere ao Espírito Santo (na primeira parte da frase), mas a Deus (aquele a quem pertence a Igreja), na cláusula imediatamente anterior. Não fosse a apologia que Nicotra faz da ignorância para a leitura da Bíblia (ver “Eu e o Pai Somos Um”, p. 9-13), ele poderia ter facilmente evitado este absurdo (ver F. F. BruceThe Book of Acts [Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1980], 416, nota 59). Bruce discute o grego deste texto, concluindo que a melhor leitura seria “por meio do sangue do Seu próprio [idiou] filho.” Veja em suporte, J. H. Moulton, Grammar of NT Greek, I [Edinburgh, 1906], 90). Por outro lado, A.T. Robertson, indiscutível autoridade no grego do NT, argumenta com base na leitura de alguns manuscritos (por exemplo, Aleph B Vulg), que tou theou refere-se a Jesus, chamado aqui, como em outras partes do Novo Testamento, de “Deus,” que derramou o Seu sangue pelo Seu rebanho (Robertson, Introduction to Textual Cristicism of the N. T. A.[Nashville, Broadman Press, 1930], 189); veja, ainda, Robertson, Word Pictures in the New Testament, Vol. III, The Act of the Apostles(Nashvile: Broadman Press, 1931), 353. Nas páginas 20 e 21 do seu “Eu e o Pai Somos Um”, Nicotra, com o seu curioso método de perguntas circulares, capaz de “provar” absolutamente qualquer coisa, indaga quem é o Consolador. Citando então 2 Coríntios 1:3 e 4, onde o apóstolo Paulo fala do “Deus de toda consolação, que nos conforta em toda a nossa tribulação,” ele conclui que Deus, o Pai é o Consolador. O argumento de Nicotra seria cômico, se não fosse trágico. Para dizer o mínimo, parece que para Nicotra a Bíblia foi escrita em português. Embora Paulo afirme que Deus, aparentemente em referência ao Pai, nos consola, ele não está dizendo que o Pai seja o parákletos, um título técnico, utilizado apenas no quarto evangelho para alguém que não é o Filho e também não é o Pai (veja acima, p. 53 e 54), e é claramente indentificado como sendo o Espírito Santo (Jo 14:26). Além disto, devemos observar, ainda, que a tradução “Consolador” não esgota o rico significado do parákletosjoanino e da complexidade de Suas funções (veja abaixo). Finalmente, em Atos 9:31, é o Espírito Santo quem conforta. ↑

8 Como geralmente indicado, allos significa outro do mesmo tipo. C. K. Barret observa que, tomada adjetivamente, allov ou parákleton, pode ser traduzido: Ele dará: (a) outro Paracleto, ou (b) outra pessoa para ser um Paracleto (ver Barret, The Gospel According to St. John, 461) ↑

9 A palavra traduzida em português por “advogado”, é derivada do latim advocatus, considerada um dos equivalentes do termo grego parákletos (veja Johannes Behen, Parakleto, Theologiacal Dictionary of the New Testament [Grand Rapids, MI, Eerdmans 1979], 801). O texto de 1 João 2:1, no qual Jesus é apresentado como exercendo um mistério intercessor, como advogado, junto ao Pai, no céu, reflete, evidentemente, um contexto legal. Para ampla discussão sobre o significado de parákletos em 1 João 2:1, ver I. Howard Marshal, The International Comentary on the New Testament: The Epistles of John (Grand Rapids, MI: Eerdmans), 118. F. F. Bruce observa que em 1 João 2:1, a “advocacia de Jesus é exercida na corte celestial…. [em João 14:16-17] está implícito que Ele [Jesus] tinha sido o advogado ou o  parákletos dos discípulos na Terra. Isto Ele inha sido realmente, enquanto estivera com eles: Ele tinha sido o ajudador e o defensor deles, Aquele em cuja guia e apoio eles poderiam descansar; mas agora Jesus estava para deixá-los. Ele havia estado com eles por um curto período de tempo, mas o ‘outro parákletos’… estaria com eles permanentemente e não apenas com eles, mas neles” F. F. Bruce, The Gospel of John (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1983), 302. ↑

10 F. F. Bruce. 302. Ellen White, em vários textos, concorre com esta noção ↑11 Uma indicação da unidade de ação entre as pessoas da divindade, Pai e Filho, é vista em João 15:26, onde é o próprio

Jesus quem envia o parákletos. O texto não deve ser visto como contrário a 14:26. Aqueles familiarizados, contudo, com a

Page 40: Trindade Deus Jesus E. santo

teologia medieval se lembrarão como a controvérsiafilioque proveu o ambiente para a divisão entre o cristianismo ocidental e oriental, em 1054. ↑

12 Tertuliano. Against Praxeas xxv, vii-ix, em Ante-Nicene Fathers, 3:621, 603-604. ↑13 Ibid. Aqueles que defendem a insustentável teoria de que Trindade é um dogma de Constantino, posterior a Nicéia,

deveriam melhor se familiarizar com a história do Cristianismo. Referências à Trindade são abundantes em fontes insuspeitas, mais de dois séculos antes do Concílio de Nicéia. Sugerimos a leitura de alguns volumes: o reconhecido, J. N. Kelly, Early Cristian Doctrines (New York: Harper & Row, 1978), e Stanley M. Burgess, The Spirit & the Church: Antiquity (Peabody, Massachusetts: 1984); Edmund J. Fortman, The Triune God, A Historical Study of the doctrine of the Trinity (Grand Rapids: Baker, 1982); e ainda o recente, Roger E. Olson e Christopher A. Hall, The Trinity, (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2002). Estas obras focalizam o testemunho do cristianismo primitivo quanto à pessoa e obra do Espírito Santo, a partir do final do primeiro século. ↑

14 Como geralmente reconhecido, os três atributos primários da personalidade são: mente/intelecto, emoções e vontade. Mera “força” ou “influência” ou ruach/pneuma em sentido de fôlego, não possui estes atributos. Claramente em João, bem como em uma outra enorme variedade de textos das Escrituras, o Espírito Santo exibe tais atributos. A “mente” do Espírito Santo, por exemplo, é claramente mencionada em 1 Cor. 2:10 “…porque o Espírito a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus.” A palavra grega traduzida aqui por “perscruta” significa “cuidadosa investigação, exame minucioso.” O Espírito, com Sua mente investiga as coisas de Deus, e as torna conhecidas por revelação (o mesmo verbo é usado em João 5:39, “examinai as Escrituras…” como uma atividade possível apenas a pessoas). Devemos observar que em Romanos 8:27 direta referência é feita à mente do Espírito: “E aquele que sonda os corações sabe qual é a mente do Espírito…” Aqui é Deus o Pai quem perscruta a mente do Espírito. Novamente o mesmo verbo é utilizado. Como observa o altamente respeitado Arndt e Gingrich, em Lexicon of the New Testament, a palavra traduzida por “mente” neste verso significa, “modo de pensar, disposição mental, alvo, aspiração, busca” (Willian F. Arndt e F. Wilbur Gingrich , A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature [Chicago: The University Press, 1957], 874). E evidentemente, uma mera força não tem um “modo de pensar, disposição mental, alvo,” ou “aspiração.” No livro de Atos, em inúmeras referências, o Espírito Santo é descrito em termos que indicam ser Ele uma pessoa: que fala (1:16, 8:29), proíbe (16:6), pensa (15:28); indica (20:28); envia (13:4); testemunha (5:32); arrebata (8:39); impede (16:7); contra Ele se mente (5:3); tenta (5:9); Ele pode ser resistido (7:5). A estas citações do livro de Atos podem ser acrescentadas incontáveis outras do Novo Testamento em geral. E, francamente, se a linguagem tem qualquer significado, é impossível compreender como tais evidências podem ser desconsideradas. ↑

15 Ékeinos em João 14:26, 15:26; 16:8 e 14; autós em 16:7. ↑16 Como indicado pela autoridade de Barret, esta é a leitura da “maioria dos manuscritos” embora alguns manuscritos

omitam tó agion (ver Barret, 467). ↑17 Um exaustivo estudo sobre o termo parákletos, do ponto de vista lingüístico e histórico, aparece em Gerhard Kittel,

ed., Theological Dictionary of the New Testament (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1979), vol. V, 800-814. Ver também, M. Miguéns, El Paráclito (Jerusalém, 1963); Para bibliografia exaustiva no tópico, veja Barret, The Gospel According to John, 462. Veja, ainda, sobre a palavraparákletos de vários autores, Journal of the theologial Society, new series I (1950): 7-15; J. G. Davies, idem, 4 (1953): 35-38; G. Bornkam, idem,  68-89, 90-103. ↑

18 O. Betz, por exemplo, examina uma série de palavras usadas em Qumran para descrever pessoas com funções semelhantes àquelas do parákletos no quarto evangelho, sem, contudo, estabelecer que qualquer destas palavras representem um equivalente real. Der Paraklet (Leidenm, 1963), 137, citado por J. Louis Martyn, History & Theology in the Fourth Gospel (Nashville: Abingdon, 1979), 144. Para alguns intérpretes, o termo grego foi transliterado para o hebraico e aramaico (Veja Barret, 462) ↑

19 R. Brown, The Gospel According to John,  1136. ↑20 Para bibliografia neste ponto veja Barret, ibid., 462 ↑21 Para C.K. Barret, o significado de parákletos no Evangelho de João é melhor configurado considerando-se o uso

de parakalein e outras palavras cognatas no Novo Testamento (The Gospel of John, 462). Encontramos, assim, uma considerável variedade de significados atribuídos aoparákletos. (1) Como forma passiva de parakalein, em seu sentido elementar (“chamar para o lado de”), significando “alguém que é chamado ao lado para ajudar;” assim, um advogado, como no famoso texto de Tetuliano, “Paracletus, id est advocatus ad exorandum judicem” (Tertuliano, De jejunio, 13). Em algumas das antigas versões latinas, advocatus, é uma tradução literal deste sentido. Freqüentemente esta interpretação aparece combinada com o quadro extraído de outras referências do Novo Testamento, onde o Espírito Santo age em defesa dos discípulos, quando estes são colocados em julgamento (Mt 10:20, At 6:10). Assim, o parákletos se torna um advogado de defesa, o que sugere uma dimensão forense à Sua obra. Tal função é evidente em João 15:26, onde oparákletos atua como testemunha no julgamento de Jesus. O. M. F. Berrouard acrescenta que “Oparákletos [também] é o defensor de Cristo diante da consciência dos crentes” (Jean xvi.8-11, R.S.P.T. xxxiii [1949], 361-389). Devemos ter em mente, ainda, que o contexto das passagens relacionadas ao parákletos indicam que os discípulos enfrentarão perseguição (Jo 15:18-25; 16:1-3, 32; 18:15), e em tais situações o parákletos os ensinará o que dizer, o que reforça o aspecto forense de Sua obra. (2) Em sentido ativo, refletindo parakalein, em seu significado de “interceder, apelar,” daí um intercessor, um mediador, um representante. Em João 15: 13-14, o parákletos é um representante do ausente Cristo. A maioria dos Pais Gregos entendeu o parákletos como um intercessor, embora alguns traduzam a palavra como “consolador” (veja Miguéns, 213). O Espírito Santo é claramente um intercessor em Romanos 8:26. Mas todo o contexto aqui tem que ver com as orações dos santos, das quais o Espírito se torna o intérprete. Assim, por meio do Espírito Santo, Deus o Pai, ouve aquilo que nós não poderíamos dizer por nós próprios; pelo Espírito Ele “aceita aquilo que Ele mesmo tem a oferecer” (Karl Barth, The Epistle to the Romans [London: Oxford University Press, 1968], 317. (3) Algumas traduções vertem o parákletos como um “ajudador,” um “amigo,”como, por exemplo, na Tweentieth Century Translation, Moffatt, Goodspeed, etc. (4) Em sentido ativo, refletindo parakalein, como “confortar,” daí “confortador/consolador.” Isto é refletido nas versões Antiga Latina, Lutero e Wycliffe, traduzindo parákletos como “consolator.” O elemento de consolação aparece no contexto do último discurso (Jo 14:18,17; 16:16, 20-22). Assim, embora “confortador” não seja uma tradução adequada de parákletos, a palavra lança luz em uma faceta do papel dele. (4) Relacionado com paraklesis, isto é, exortação e encorajamento, encontrado na pregação do testemunho apostólico. C. K. Barret (“The Holy Spirit in the Fourth Gospel,” J.T. S. I [1950]:1-15), sugere que o parákletos pode ser o título do Espírito, o qual falou

Page 41: Trindade Deus Jesus E. santo

na paraklesis(admoestação/advertência/consolação) apostólica, como em Atos 9: 31, uma referência à Igreja andando na paraklesis do Espírito Santo. Em João, embora o termo paraklesis não seja utilizado, há muito que se ajusta à sugestão do parákletos como mestre e guia dos discípulos. ↑

22 A idéia do parákletos como Ajudador é afirmada em relação ao Espírito Santo em Romanos 8:26, onde Espírito “ajuda em nossas fraquezas.” “Ajudar” aqui é o termo grego compostosuvavtilambanomai, que aparece apenas em Lucas 10:40, quando Marta pede a Jesus que mande Maria “ajudá-la”. Nestas duas únicas ocorrências, o verbo é utilizado em relação a pessoas. ↑

23 Brown, pág. 1139. ↑24 Ver W. Howard, Christianity According to John, 71-72. ↑25 A literatura tratando do Espírito Santo no quarto evangelho é extensa. Veja o clássico Henry Barclay Swete, The Holy Spirit

in the New Testament (Grand Rapids, MI: Baker, 1976), 143 em diante. Para introducão à farta bibliografia veja W. Boyd Hunt, “John’s Doctrine of the Spirit,” 43-65. ↑

26 Mateus 28:19, contendo a fórmula batismal trinitariana, representa uma das mais sérias evidências quanto à doutrina bíblica da Trindade, uma das razões pelas quais Tertuliano utilizou a palavra latinatrinitas, para descrever a divindade. O grego, neste texto, é de clareza inconfundível: o batismo é para ser administrado em um nome, não em três, o que implica considerável noção de unidade. Contudo, o batismo é para ser realizado em nome de: o Pai, e o Filho e o Espírito Santo. Deve-se notar que cada um dos três substantivos está conectado pela conjunção grega kai (“e”) com o artigo definido, denotando, por outras construcões gramaticais semelhantes no Novo Testamento, três pessoas distintas. Seria inconcebível falar-se em Mateus 28:19 de duas pessoas e uma influência, ou fôlego, como quer Nicotra em relação ao Espírito Santo. A gramática e a lógica simplesmente não permitem tal uso. Curioso é que mesmo a Tradução Novo Mundo, a Bíblia das Testemunhas de Jeová, tendenciosa em seu unitarianismo, é absolutamente silente quanto a este texto de Mateus. Tal a força da passagem, que não encontramos nenhum apendix, comentário, ou nota de rodapé em Mateus 28:19, oferecedo qualquer “explicação” jeovista para a lúcida e transparente implicação dele para o cardinal ensino cristão da Trindade. Ver Robert H. Countess, The Jehovah’s Witnesses’ New Testament, A Critical Analysis of the New Word Translation of the Christian Greek Scriptures(Phillipsburg, NJ.: Presbyterian and Reformed, 1987), 72-73. Entre os antitrinitarianos adventistas, porém, tornou-se comum argumentar contra a autenticidade de Mateus 28:19 (Ver Nicotra, “Eu e o Pai Somos Um”). Novamente, a desinformação é o grande problema de Nicotra. Alberto Timm trata em seu artigo, nesta edição de Parousia, minunciosamente quanto à autenticidade deste texto. Aqui é suficiente referir-nos ao testemunho de alguém do porte de Alfred Plummer, em seu indisputável comentário: “Quanto à questão da genuinidade deste verso [Mt 28:19], podemos responder com a mais absoluta confiança: a passagem é encontrada em cada Manuscrito Grego existente, quer uncial ou cursivo e cada versão existente que contenha esta porção de Mateus.” (Alfred Plummer, Exegetical Commentary on the Gospel According to St. Matthew [Grand Rapids, MI: Baker, ed. 1982], 431). Plummer avança para desacreditar toda a teoria criada em torno da forma como Eusébio de Cesareia utilizou o famoso texto de Mateus (ibid., 432). ↑

27 Ver 1 Coríntios 12:4-6 (“O Espirito é o mesmo… O Senhor é o mesmo… Deus é o mesmo;” Estas são reproduções fiéis do grego. Como em Mateus há um paralelismo triúno de três substantivos, tal paralelismo seria destruído e perderia o seu sentido, se dois dos nomes são pessoas e o outro, um mero fôlego/força/influência. Em 2 Coríntios 13:13 encontramos o que tem sido chamado de bênção trinitariana: a imerecida graça do Senhor Jesus, e o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo. Como em Mateus e 1 Coríntios, mencionados acima, o artigo está presente antes de cada nome. Paulo tem em vista três entidades distintas. Além disto, cada artigo está na forma genitiva singular – tou, embora o substantivo “espírito” seja neutro (masculino e neutro são idênticos, no genitivo singular). Veja Robert H. Coutess, 72-73. O mesmo modelo trinitariano encontramos na introdução da carta aos Efésios (Ef 1:3, 5, 13). Para uma introdução à Trindade em Paulo, veja Edmund J. Fortman,The Triune God, 16 em diante; ver, ainda, Alasdair I. C. Heron, The Holy Spirit, (Philadxelphia: The Westminstr Press, 1983), 44-ss. ↑

28 Os primeiros discípulos eram tanto arautos das boas novas como testemunhas delas, e isto não por iniciativa própria. Mas testemuhas sob a direção da Testemunha Divina, o Espírito Santo. Comunicado por Deus a todos os que obedecem o evangelho. “Nestas palavras temos a marca da consciência apostólica de serem possuídos e habitados pelo Espírito, de tal forma que eles foram o Seu órgão de expressão,” afirma F. F. Bruce, The Book of Acts, 32. Bruce, então, faz neste contexto, a conexão com João 15:26 e 27: “Quando, porém, vier o Paracleto, que eu vos enviarei da parte do Pai, O Espírito da verdade que dele procede, esse dará testemunho de mim, e vós também testemunhareis, porque estais comigo desde o princípio.” ↑

29 R Brown, 1.140. ↑30 Nicotra tenta justificar seu antitrinitarianismo afirmando que o Espírito (ruach/pneuma), é apenas o fôlego de Deus, como no

caso do homem e, portanto, impessoal (ver “Eu e o Pai Somos Um”). Além do caráter precário deste tipo de teologia, que busca explicar Deus a partir do homem, revertendo ao absurdo de tentar “criar Deus à imagem e semelhança do homem”, (como no famoso dito de L. Feuerbach, “O homem criou Deus segundo a sua imagem”, ainda hoje muito estimado pela propaganda ateísta), tal teologia não passa num teste simples de lógica. Se o Espírito não tem realidade concreta porque ruach/pneuma no homem significa apenas o seu folêgo/vento, Nicotra será forçado a admitir que Deus o Pai não tem realidade concreta, uma vez que as Escrituras afirmam que “Deus é espírito [pneuma]” (Jo 4:24). O mesmo é verdade em ralação aos anjos claramente identificados como “espíritos [pneumata] ministradores” (Hb 1:14). O que dizer dos espíritos [pveumatwv] malignos/imundos, na enorme quantidade de textos bíblicos? (ex.: 1Sm 16:14-15; 1Rs 22:23; Mt 10:1; Mc 1:23-27; 5:2-20; Lc 7:21, etc.). Ou será que eles também não têm realidade concreta, porque são descritos como ruach e pneuma? Nicotra e seus seguidores deveriam considerar que as palavras, em qualquer língua, particularmente no hebraico e no grego, podem ter significados diferentes, dependendo do seu contexto. A estatística torna evidente que a palavra “espírito” (ruach) aparece 389 vezes no Antigo Testamento. Em 113 destes casos, o termo significa vento, 136 vezes ele designa o Espírito de Deus, e em 116 casos ele significa o espírito/fôlego do homem; 10 vezes ruach se refere a animais, 3 vezes a ídolos (Ver Herman Brandt, O Espírito Santo[São Leopoldo, RS: Sinodal, 1985], 124). Esta diversidade de usos, sugere, de início, cautela na interpretação de “ruach”; do contrário, o termo pode ser reduzido a uma mera dimensão antropológica, obscurecendo o fato de que, por sua natureza complexa, ruach deve ser visto, como indicado por H.W. Wolff, como uma “noção teo-antropológica” (H.W. Wolff, Antropologia do Antigo Testamento [São Paulo, SP: Loyola,

Page 42: Trindade Deus Jesus E. santo

1975], 52). Para uma significativa discussão sobre a variedade de significados das palavras ruach e pneuma, veja Alasdair I. C. Heron, The Holy Spirit, (Philadelphia: The Westminster Press, 1983), 3-38. ↑

31 Embora Jesus tenha se tornado um parákletos no céu, indo para o Pai, depois da Sua ascensão, como indicado em 1 João 2:1, as funções do Espírito-parákletos são paralelas em cada detalhe em relação ao ministério terreno dEle [Jesus]. Este segundo paracleto faz precisamente o que Jesus fez (ensinando, testemunhando contra o mundo, guiando, e ajudando os discípulos). A conclusão de que Jesus foi o “primeiro Paracleto” em seu ministério terreno parece inevitável. ↑

32 Brown, 128. ↑33 Martyn, History & Theology in the Fourth Gospel, 150. ↑34 Ver F. F. Bruce, The Gospel of John, 302. ↑35 Ver Herschel H. Hobbs, “Word Studies in the Gospel of John”, em Soutwestern Journal of Theology,37 (1985), 78. ↑36 Alguns eruditos bíblicos mantêm que um dos propósitos do quarto evangelho foi demonstrar a verdadeira conexão entre a

vida da Igreja no final do primeiro século com o já distante Cristo. Eles consideram o evangelho como uma tentativa de neutralizar o perigo de a igreja tornar-se, em si mesma, um tipo de salvador, suficiente em si própria. Assim, o quarto evangelho busca enfatizar a necessidade de fé em Jesus, e demonstrar através de atos simbólicos, que a Igreja está diretamente relacionada com o Senhor. Daí, concluímos, a ênfase no parákletos, como o verdadeiro vínculo entre a vida da Igreja e Jesus. ↑

37 O ato do parákletos de “relembrar” (upomimvnskeiv), aos discípulos, participa no caráter daavamvnsis bíblica, isto é, a reinterpretação de maneira viva. O próprio Evangelho de João pode ser considerado um perfeito exemplo de como Ele exerceu Seu ministério de guiar os homens na verdade das palavras e atos de Jesus. O quarto evangelho representa a melhor demonstração da ação doparákletos, uma vez que aí, João é guiado a reintepretar os desdobramentos e profundas implicações das palavras e atos de Jesus, em um período já consideravelmente distante do ministério histórico de Jesus. Desta forma, o evangelho joanino é o melhor exemplo, ou mesmo o exemplo ideal, do papel doparákletos. Ao mesmo tempo, devemos ter em mente que a obra do parákletos não está confinada ou restrita ao testemunho do discípulo amado, ou a qualquer outra das testemunhas primitivas de Cristo. Em outras palavras o parákletos não foi privilégio apenas dos doze ou da igreja apostólica. Aqueles são apenas modelos, tipos, daquilo que cada discípulo de Cristo, através da era cristã, deve ser. Oparákletos não é, ainda, privilégio exclusivo de qualquer grupo dentro da Igreja. Em 1 João 2:20, 27, o apóstolo amplia a função de ensino do Espírito Santo: “E vós possuís unção que vem do Santo e todos tendes conhecimento… a unção que dEle recebestes permanece em vós, e não tendes necessidade de que alguém vos ensine, mas com a sua unção vos ensina a respeito de todas as coisas…” ↑

38 O elemento de ligação entre João 21:18-23 e os propósitos da composição do quarto evangelho foi trazido à minha atenção por Wilson Paroschi. ↑

39 Brown, 1.131. ↑40 White, 20 Marnuscript Release, 324. ↑41 J.Ritchie Smith, The Holy Spirit in the Gospels (New York: The Macmillan Company, 1926), 298. Smith foi um professor em

Princeton, particularmente interessado na teologia joanina. Seu livro pode parecer antigo, mas sua compreensão é equilibrada e judiciosa. 

Pecado Fatal

O que significa pecar contra o Espírito Santo? (Mt 12:31 e 32)

Alberto R. Timm

A questão do pecado contra o Espírito Santo é mencionada por Cristo no contexto da cura de um endemoninhado cego e mudo (Mt 12:22-32; Mc 3:20-30). Essa cura levou “toda a multidão” que seguia a Jesus a indagar se não seria Ele, “porventura, o Filho de Davi”. Mas os fariseus, invejosos da popularidade de Jesus, contestaram: “Este não expele demônios senão pelo poder de Belzebu, maioral dos demônios” (Mt 12:23 e 24). É evidente que os fariseus atribuíam a Satanás a obra que o Espírito de Deus realizava através de Cristo.

Para entender melhor o assunto, é preciso lembrar que uma das obras mais importantes do Espírito Santo é levar os seres humanos ao arrependimento dos seus pecados e à aceitação de Cristo como Salvador e Senhor. Mas essa obra acaba sendo neutralizada na vida daqueles que resistem persistentemente aos apelos do Espírito Santo. Assim, entristecem o Espírito Santo (Ef 4:30) e apagam a Sua influência sobre a consciência individual (I Ts 5:19). Com o coração endurecido pelo orgulho (Hb 3:7-15), perdem a sensibilidade espiritual e as percepções morais, e acabam formando uma escala de valores distorcida, na qual a obra do Espírito Santo é muitas vezes atribuída a Satanás e a de Satanás, ao Espírito Santo.

Nas Escrituras encontramos vários casos de pessoas que pecaram contra o Espírito Santo. Por exemplo, Faraó, diante do qual Moisés e Arão realizaram grandes sinais e maravilhas, endureceu o seu coração a ponto de o Espírito de Deus não mais ter acesso a ele (Êx 5 a 12). Judas Iscariotes não permitiu, a despeito das advertências de Cristo (Mt 26:21-25), que o Espírito Santo o dissuadisse de trair o Mestre. Já Ananias e Safira mentiram ao Espírito Santo e foram punidos por isso (At 5:1-11). Sem dúvida, essas pessoas se perderam porque não permitiram que o Espírito Santo as levasse ao arrependimento.

Por outro lado, a Bíblia menciona também alguns indivíduos que se afastaram de Deus e acabaram se arrependendo. Sansão, a respeito do qual é dito que “ele não sabia ainda que já o Senhor Se tinha retirado dele” (Jz 16:20), clamou depois e a sua oração foi atendida (Jz 16:28-30). Seu nome aparece entre os heróis da fé (Hb 11:32). Manassés foi talvez o pior rei hebreu, mas, após ser levado em cativeiro pelo exército assírio, ele se humilhou perante Deus e empreendeu uma

Page 43: Trindade Deus Jesus E. santo

significativa reforma religiosa em Judá (II Rs 21:1-18; II Cr 33:1-20). Esses exemplos revelam que mesmo casos aparentemente sem esperança podem ser revertidos, se a pessoa se humilhar perante Deus e clamar por socorro.

O problema dos fariseus é que o orgulho e a auto-suficiência os haviam endurecido a ponto de não mais perceberem os milagres de Cristo como sinais operados “pelo Espírito de Deus” para evidenciar a chegada do “reino de Deus” (Mt 12:28). Como o arrependimento é a condição para o perdão dos pecados (At 2:38), eles jamais seriam perdoados enquanto continuassem atribuindo a Satanás a própria obra do Espírito Santo efetuada para levá-los ao arrependimento.

Diante disso, podemos concluir que o pecado contra o Espírito Santo é jamais reconhecer os próprios erros. Enquanto a pessoa reconhece que está errada e que deve mudar, ela pode ter certeza de que não foi longe demais. Aqueles que indagam se por acaso não cometeram o pecado imperdoável demonstram por essa atitude que sua consciência não perdeu completamente a sensibilidade. Quando a pessoa não mais reconhece seus próprios erros, ela se encontra no caminho perigoso. Mesmo assim, não podemos perder a esperança. Experiências como as de Sansão e Manassés revelam que mesmo pessoas totalmente degeneradas podem voltar a Deus, se derem ao Espírito Santo a oportunidade de realizar a Sua obra regeneradora.

Trindade: um dogma de Constantino?

Rodrigo P. Silva, doutor em TeologiaProfessor de Novo Testamento no Salt, Unasp, Campus Engenheiro Coelho, SP

Resumo: Grupos antitrinitarianos dissidentes do adventismo têm alegado que a doutrina da Trindade foi formulada no Concílio de Nicéia (325 d.C.), sob a influência do imperador romano Constantino. O presente artigo demonstra a existência de várias alusões à Trindade já nos escritos dos Pais da Igreja pré-nicenos. O autor analisa o significado histórico daquele evento e seus antecedentes teológicos, bem como o real papel de Constantino no processo.

Abstract: Adventist off shut anti-Trinitarian groups have claimed that the doctrine of the Trinity was formulated at the  Council of Nicea (A.D. 325), under the influence of the Roman emperor Constantine. The present article demonstrates the existence of several  allusions to the Trinity in the writings of the ante-Nicean Church Fathers. The author  analyzes the historical meaning of that event and its theological antecedents, as well as the real role of Constantine in that process.

Introdução

Entre os vários ataques produzidos por movimentos antitrinitarianos está o argumento histórico de que a Trindade é fruto do Concílio de Nicéia e constitui, portanto, um dogma de Constantino. Tal alegação pode ser encontrada tanto em sites da Internet quanto nos materiais publicados por grupos dissidentes do adventismo.

Em matéria veiculada pelo site www.adventistas.com, Ennis Meier declarou que “o Concílio de Nicéia deu origem à crença em três deuses. A crença na trindade de pessoas Divinas não teve origem na Bíblia, mas no Concílio ou Sínodo de Nicéia, o primeiro concílio ecumênico da história, no qual participaram 318 bispos, no ano 325 da era cristã”.1.

Suas considerações acerca do encontro chegam ao ponto de sustentar que “a formulação do dogma contra Ário marcou oficialmente o surgimento da Besta do Apocalipse”.2 Tal afirmação destoa fortemente de todas as interpretações do adventismo histórico,3 inclusive de Ellen White,4 que viam nesta besta uma alusão não a Constantino, mas ao papado, especialmente a partir do quarto século.

Embora com Constantino a Igreja enfrente um profundo processo de apostasia, é importante lembrar que as nuances proféticas de Apocalipse 13 aludem a um período posterior que se inicia com a supremacia papal e o início dos 1.260 anos em 538 d.C. Constantino não foi um papa. Mesmo que tenha agido como líder da Igreja nalgum momento, nunca arvorou para si o título de Pontifex Maximus do cristianismo.  Ademais, o bispo de Roma não possuía no quarto século o poder político-absolutista que faria do papado a maior autoridade no mundo ocidental. Logo, seria estranho vincular Constantino à imagem da Besta de Apocalipse 13.5

Munido da referência a um site que promove o ateísmo, outro escritor que se denomina “irmão X” também se valeu da contundente afirmação de que “com Constantino começa a criação da Trindade”.6Ele ainda acrescenta que o voto dos bispos a favor da posição trinitariana se deu por pressão do imperador, que precisava do respaldo conciliar. Ora, o estranho é que Constantino não se valia de “votos” para fazer cumprir seus desígnios. Apenas expedia um decreto (como o fez no edito de Milão e no decreto dominical) e todos se sujeitavam. Por que, então, no caso da Trindade, dependeria do apoio episcopal da Igreja? Bastava-lhe um anúncio imperial e o dogma estaria oficializado. Esta questão não parece ter sido avaliada por nenhum dos artigos até agora apresentados.

Seguindo no mesmo viés de Meier e do “irmão X”, Ricardo Nicotra também advoga que este período de “paganização” [sic] do cristianismo foi o berço da trindade, e ainda acentua que é “importante lembrar que o Concílio de Nicéia não estabeleceu apenas os fundamentos para a doutrina da Trindade. Outras decisões foram tomadas pelos bispos da igreja católica em 325.”7 Estas decisões, conforme exemplifica o autor, envolviam a transferência do dia de descanso semanal do sábado para o domingo.

Embora este último autor, citando uma fonte da Internet (Wikipedia), cometa um erro de natureza histórica ao vincular o domingo a Nicéia – pois é sabido que o decreto dominical de Constantino data de quatro anos antes do Concílio (321 d.C.) 8 – sua conclusão deve ser analisada para ser bem compreendida. Para ele, uma vez que Constantino convocou a reunião, conclui-se que o mesmo homem que promulgou a primeira lei dominical foi o “pai do dogma da Trindade”. Isto, é claro, deduzindo como certa a idéia de que tal doutrina teria seu início em Nicéia. Se for assim, a crença em um Deus Triúno seria tão herética quanto a guarda do domingo, pois viriam da mesma fonte apóstata.

Page 44: Trindade Deus Jesus E. santo

O objetivo, portanto, deste artigo é avaliar a procedência histórica de tal afirmação. Ou seja, seria a Trindade um dogma de Constantino? Suas origens se devem ao Concílio de Nicéia?

Para responder a estas perguntas, é necessário que recorramos aos escritos dos primeiros pensadores cristãos que viveram entre o segundo e o terceiro século, isto é, imediatamente depois do período apostólico e antes do Concílio. A lógica é simples: se o argumento antitrinitariano estiver certo, ou seja, se a Trindade é mesmo uma doutrina constantiniana, não devemos encontrar neste período inicial nenhuma defesa à ideia de um Deus Triúno. Pelo contrário, o ensinamento da época deverá ser bem diferente, afirmando que Cristo é apenas um segundo ser existente depois do Pai, e o Espírito Santo uma emanação impessoal de ambos.

Em seguida a este excurso pelos Pais da Igreja, apresentaremos brevemente uma análise dos elementos que motivaram o Sínodo Niceno. É importante verificar qual a real atuação de Constantino em todo o processo. Ademais, um balanço desapaixonado do evento revelará que consequências, de fato, Nicéia trouxe para a Igreja, pois, pelo que se percebe nalguns autores, há a tendência de se atribuir ao encontro elementos de apostasia que não fizeram parte de sua pauta.9

Não se trata, portanto, de um artigo bíblico-exegético, mas de uma pesquisa de cunho histórico. Logo, não se deve estranhar a ausência de textos bíblicos neste estudo. As bases bíblicas da Trindade são apresentadas noutros artigos e se mostram excelentes. A discordância de alguns não autoriza concluir que tais bases não existam. Afinal, muitos também negam a validade do sábado no Novo Testamento, embora os adventistas há mais de um século venham evidenciando a solidez bíblica deste ensinamento.

Pais da Igreja

Em relação ao recurso que se faz aos Pais da Igreja que viveram antes de Nicéia,10 percebe-se que existe uma aproximação por demais piedosa por parte de autores católicos e outra mais cautelosa por parte de autores protestantes. É que o catolicismo sempre aceitou a tradição pós-bíblica como legítima fonte de doutrinas, 11 o que eleva os Pais da Igreja à categoria de “ autores inspirados”, cuja função norteadora era a mesma atribuída aos escritores bíblicos. 12 Já o protestantismo com seu ideal de sola scriptura preferiu ver nos escritos dos Pais apenas uma loca probantia da teologia sistemática, ou seja, estudá-los como testemunhas históricas do comportamento progressivo de uma doutrina através dos tempos e não como fonte autoritativa de uma crença.13

Com estes elementos em mente, é importante desdobrar alguns esclarecimentos em relação às citações patrísticas que, a seguir, serão feitas. Uma abordagem adventista destes escritores compreenderá que:

1) Os Pais da Igreja testemunham o modo como o cristianismo primitivo, antes de sofrer qualquer influência do catolicismo medieval, entendia certas passagens das Escrituras. Assim, podem oferecer uma visão mais desanuviada das doutrinas apostólicas, pois alguns deles, como Clemente de Roma e Policarpo, conheceram pessoalmente os apóstolos e receberam aprovação destes como líderes da Igreja.

2) Embora não se possa dizer que houvesse uma perfeita “unanimidade de pensamento” neste período, é possível afirmar que eles já tinham bem nítida a diferença entre ensino apostólico (ortodoxia) 14 e os movimentos heréticos, especialmente aqueles oriundos de Marcion e do gnosticismo.15 Elementos básicos da fé como a filiação divina de Cristo, sua encarnação, o juízo final e outros já estavam firmemente estabelecidos desde os tempos antigos.

3) Devido ao caráter historicamente inicial de seus tratados, é importante que o leitor não busque em seus argumentos a nomenclatura teológica própria dos tempos pós-nicenos. Termos que mais tarde passaram a ser técnicos na teologia não possuíam ainda aquele tratamento unânime e cuidadoso que se exigirá de um tratado teológico contemporâneo. Hypostasis, por exemplo, era um termo usado por alguns escritores para referir-se à pessoa, enquanto outros o empregavam como sinônimo de substância.16  O mesmo se dá com seus conceitos que por estarem numa sistematização inicial não abarcarão todos os detalhes de uma discussão que lhes é posterior.

4) A despeito de seu grande valor testemunhal, os Pais da Igreja não devem ser usados como fonte de doutrina. Na verdade nenhum deles reclamou para si inspiração divina ou se declarou profeta. A fonte básica e única da fé cristã era e continua sendo a Bíblia. Quaisquer escritos posteriores servirão apenas para facilitar a compreensão do que está no Santo Livro e não para produzir novas crenças.

5) O valor testemunhal destes escritores está representado profeticamente na carta apocalíptica à Igreja de Esmirna (Ap 2:8-11), pois foi neste período que eles viveram. Note que nenhuma repreensão é apresentada em relação aos cristãos daquele tempo. Pelo contrário, sua fé é elogiada com muito vigor, pois muitos deles tiveram que assinar seu testemunho com o próprio sangue de seu martírio.

6) É importante repetir que o proposto neste artigo não é endossar indiscriminadamente toda doutrina dos Pais da Igreja, mas verificar, pelo seu testemunho, se a Trindade era crida na Igreja pré-nicena ou se, como dizem alguns, seria fruto apenas do Concílio ocorrido no quarto século.

Trindade antes de Nicéia

Uso do termo “Trindade”

Uma verificação no index geral da Ante-Nicene Fathers e da Sources Chrétiennes17 que formam a coleção de todos os escritores cristãos mais antigos (inclusive os anteriores a Nicéia) nos mostra que muito antes do Concílio, a crença na Trindade já havia sido sistematizada entre os cristãos. Aliás, o próprio termo latino “Trindade” foi usado em 212 d.C. por Tertuliano, 113 anos antes de Nicéia! Falando da Igreja de Deus, ele menciona o Espírito “no qual está a Trindade de uma Divindade: Pai, Filho e Espírito Santo” (in quo est trinitas unius diuinitatis, Pater et Filius et Spiritus sanctus)18.

Page 45: Trindade Deus Jesus E. santo

A tradução latina da obra de Orígenes também menciona o termo ao considerar que “o batismo de salvação não está completo a não ser [que seja exercido] pela autoridade da excelentíssima Trindade de todos eles, que é constituída do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Assim, temos ajuntado o nome do Espírito Santo ao Deus eterno e ao seu único Filho”. 19  Tal comentário torna-se relevante se entendermos que, talvez já nesse tempo, houvesse alguma controvérsia quanto à fórmula batismal e a genuinidade de Mateus 28:19.

Teófilo, escrevendo quase meio século antes de Tertuliano e Orígenes, usa a expressão Triados, que certamente seria uma equivalência semântica de trinitas ou seu original em grego. Note a comparação poética que ele usa ao relacionar a Trindade ao primeiro capítulo de Gênesis: “os três dias que estão antes dos três luminares [da Criação] são tipos da Trindade (Triados) de Deus”.20

Levando-se em consideração que Teófilo fala de “tipos da Trindade”, é razoável supor que ele não esteja falando de algo novo ou criando um neologismo. A expressão textual supõe o uso de um termo já conhecido entre os leitores. Logo, não seria estranho imaginar que o mesmo vocábulo aparecesse em outros escritos do mesmo período que se encontram perdidos em nossos dias.

Assim, retrocede para cerca de um século e meio antes de Nicéia o uso técnico do termo Trindade, legitimamente reconhecido na literatura cristã. Mas talvez alguém pergunte: por que este termo não aparece na Bíblia? Para responder a esta questão é preciso compreender que, a partir do século segundo, o centro missiológico da Igreja transferiu-se em definitivo do ambiente judeu-palestino para o mundo greco-romano. O trabalho iniciado por Paulo entre os gentios vê-se finalmente estabilizado no ambiente gentílico e começa a gravitar em torno de questões que não haviam sido levantadas no ambiente judaico.

A Igreja viu-se, então, obrigada a expressar sua fé de um modo compreensível para aqueles que não vinham de uma cultura vétero-testamentária, mas tinham seu pensamento regido pelos conceitos da filosofia grega. Questões ontológicas antes não sistematizadas começaram a invadir os círculos cristãos e, deste modo, os escritores tiveram de cunhar termos helenísticos para tornar inteligível a fé do Novo Testamento. Contudo, tal exercício não significava de modo nenhum uma apostasia do ensino apostólico. O próprio João usou o conceito filosófico do logos para expressar com continuidades e diferenças a doutrina da encarnação numa linguagem compreensível aos efésios influenciados pela doutrina de Heráclito.

Conceitos patrísticos sobre a Trindade

Clemente de Roma, que viveu no fim do primeiro século, escreveu por volta do ano 96 uma carta de conforto aos cristãos de Corinto, que estavam sendo perseguidos por Domiciano (o mesmo imperador que deportou João para a ilha de Patmos). Ao falar da união da Igreja ele diz: “Não temos nós [todos] um único Deus e um único Cristo? E não há um único Espírito da Graça derramado sobre nós?”21Embora este não seja um texto de “defesa” da Trindade, chama-nos a atenção sua “linguagem trinitariana” que subentende uma ideia triúna de Deus. Outros autores são ainda mais claros em sua exposição.

Inácio († 105 d.C.), que foi o segundo sucessor de Pedro como pastor em Antioquia,22 também ensinava a doutrina da Trindade. Mártir durante o reinado de Trajano, ele escreveu uma epístola aos cristãos da Trália, dizendo-lhes que, a despeito do sofrimento, continuassem “em íntima união com Jesus Cristo, o nosso Deus”23 – o que acentua a ideia da divindade de Cristo. Num outro manuscrito, onde uma versão mais longa é preservada, o mesmo autor adverte os irmãos contra aqueles que ensinavam doutrinas contrárias à fé dos apóstolos. Entre seus ensinos equivocados estaria a ideia de que “o Espírito Santo não existe” e que “o Pai, o Filho e o Espírito Santo seriam a mesma pessoa”.24

Justino, cognominado “o Mártir”, foi outro que escreveu várias apologias em favor do Cristianismo e contra a supremacia da filosofia grega. Num de seus textos, concluído por volta de 160 d.C., ele diz: “Já que somos considerados ateus, nós admitimos nosso ateísmo em relação a estes [vários] tipos de deuses [do politeísmo]. Mas, no que diz respeito ao verdadeiro Deus, o Pai da justiça e temperança …, ao Filho, … e ao Espírito Profético, [saibam que] nós os adoramos e reverenciamos.”25

Atenágoras, também respondendo à acusação de serem os cristãos chamados de ateus por não aceitarem o politeísmo pagão, escreveu em 175 d.C.: “Ora, quem não ficaria perplexo em ouvir chamar de ateus pessoas que pregam de Deus o Pai, de Deus o Filho e do Espírito Santo e que declaram serem um no poder, mas distintos na ordem?”26 Noutra passagem ele ainda diz:  “Os cristãos reconhecem a Deus e a seu Logos. Eles também reconhecem o tipo de unicidade que o Filho tem com o Pai e que tipo de comunhão o Pai tem com o Filho. Ademais, eles sabem o que é o Espírito e que a unidade é [formada] destes três: O Espírito, o Filho e o Pai”.27 “Nós reconhecemos um Deus, um Filho e um Espírito Santo, os quais são unidos na essência.”28

Ireneu de Lion é outro importante autor deste período. Convertido na adolescência, ele foi discípulo de Policarpo que, por sua vez, foi discípulo do apóstolo João. Sua principal obra, intitulada Contra heresias, dispõe de cinco volumes e foi escrita por volta de 177 d.C. Respondendo às idéias gnósticas de seu tempo, ele toma o cuidado de diferenciar, por exemplo, o “fôlego [espírito] de vida” dados às criaturas em geral, do “Espírito Santo”, que é Deus habitando com o crente.29

Explicando ainda que Deus é diferente dos homens, Ireneu fala da Palavra e da Sabedoria do Criador como sendo duas pessoas divinas unidas a uma terceira (o Pai) numa única divindade.30

Hipólito (c. 205 d.C.), autor do mais antigo comentário de Daniel de que dispomos, disse que “a Terra é movida por estes três: o Pai, o Filho e o Espírito Santo”.31 Noutra passagem, após citar a fórmula batismal em nome do Pai, do Filho e do Espírito, ele demonstra que já no seu tempo havia os que negavam esta doutrina, pois diz: “qualquer um que omitir um destes três, falha em glorificar a Deus de um modo perfeito. Pois é por meio desta Trindade (Triados) que o Pai é glorificado.”32

Sendo o último teólogo de peso a escrever em grego e não em latim, Hipólito merece um destaque por ter sido, nas palavras de W. Walker, “um dos primeiros antipapas” da história.33 Ele foi veemente em sua oposição a Calixto, bispo de Roma, que já naqueles idos pretendia a centralização do poder. Calixto chegou a disciplinar Hipólito por sua teologia acerca do Logos divino, o que demonstra que seus conceitos trinitarianos provinham de sua consciência, e não de uma imposição arbitrária do bispo de Roma.

Cipriano ( † 250 d.C.), que também cita como válida a fórmula batismal mateana,34 explicando que “ele [o evangelista] sugere aqui a Trindade, na qual as nações foram batizadas”.35

Embora a crítica textual coloque como espúrio o texto de 1 João 5:7,36  é digno de nota que Cipriano parece fazer referência a esta interpolação quando diz: “O Senhor disse: ‘Eu e o Pai somos um’  e novamente está escrito acerca do pai do Filho e do

Page 46: Trindade Deus Jesus E. santo

Espírito Santo: ‘e estes três são um’”.37 É claro que tal citação, indireta, não é suficiente para qualificar como digna a interpolação da comma joanina. Não obstante, é possível assumir que esta interpolação ou parte dela já fosse conhecida pelos pais latinos bem antes de Nicéia.

O que aconteceu em Nicéia?

Antecedentes teológicos

Por volta de 325 d.C. a igreja estava dividida por uma polêmica teológica iniciada no Egito. Um grupo liderado por Ário e Eusébio de Nicomédia, ensinava que Cristo era um semi-deus “semelhante”, porém não totalmente igual, ao Pai. Outro, liderado por Alexandre, ex-bispo de Ário, e por Atanásio, via nisto uma aproximação muito perigosa com o gnosticismo divulgado no Egito. Eles lembravam que a confissão mais antiga dos cristãos dizia que Cristo está em pé de igualdade com Pai. Já um terceiro grupo liderado por Eusébio de Cesaréia (um adulador de Constantino, segundo Ellen White 38), via com neutralidade a questão e preferia propor com urgência uma declaração que abarcasse os dois lados.

Para entender as bases do ensino ariano e da preocupação de Atanásio quanto a este tipo de abordagem, é importante compreender a sedução intelectual da filosofia grega sobre a teologia do quarto século. Ellen White comenta de modo muito apropriado que “mesmo antes do estabelecimento do papado, os ensinos filosóficos pagãos haviam recebido atenção e exercido influência na igreja”.39

O que era para ser apenas uma abordagem da fé para o mundo greco-romano tornou-se uma sobreposição do helenismo sobre a teologia cristã. Embevecidos pela cultura grega, Ário e seus discípulos não conseguiram escapar à sedução da filosofia gnóstica tão disseminada entre os alexandrinos. Para estes, o maior problema da existência humana estava no dualismo idealizado por Platão e aprofundado por correntes posteriores. Era um pressuposto inquestionável acreditar que o espírito (naturalmente bom) e a matéria (naturalmente má) jamais coexistiam em sintonia. Se assim o fosse, o primeiro seria contaminado pelo último.

Portanto, o desafio agora era adequar doutrinas judaico-cristãs a este universo de idéias que não admitia a matéria como criação direta de um Deus-Espírito, nem a encarnação como uma realidade tangível. Se Deus houvesse criado o mundo ou se encarnado de verdade, sua divindade estaria seriamente comprometida – pensavam os gnósticos.

Assim, modelos alternativos foram criados para acomodar a doutrina cristã a este padrão filosófico. Um destes pode ser visto nos manuscritos coptas (sahidico) encontrados por James Bruce, em 1769. Para resolver o problema da existência da matéria que não poderia ser atribuída a um Deus-Espírito, eles diziam que o Altíssimo criou um deus menor que exerceu o papel de artífice (demiurgo) para a criação do mundo. Assim, a matéria veio à existência sem que Deus se contaminasse criando-a diretamente com as mãos. Cristo era este artífice que hoje se faz presente no mundo através do espírito (pneuma) que é sua energia impessoal. O conhecimento disto (gnosis) é o que salva a humanidade.

Convocação conciliar

Enquanto o cristianismo apostólico era a democratização do mistério de Deus – conceito herdado do judaísmo – o gnosticismo era a sofisticação do mistério, pois o seu entendimento não advinha de uma revelação mas da compreensão racional dos iniciados que não tinham dificuldades intelectuais para explicá-lo. Para eles, o que fugia à compreensão racional não era doutrina de Deus e isso estava causando uma preocupante divisão no cristianismo do Egito e de Antioquia (cidade natal de Ário). Por isso, Alexandre e Atanásio escreveram cartas a Roma pedindo um encontro que pusesse termo à questão.

Eusébio e seus seguidores também queriam a todo custo pôr fim à disputa, não porque estivessem preocupados com a ortodoxia da doutrina, mas porque temiam que uma divisão, àquela altura dos acontecimentos, fizesse a Igreja perder os privilégios que Constantino estava promovendo.

O próprio imperador, ao contrário do que muitos pensam, não tinha interesse algum em “promulgar” uma doutrina trinitária para a Igreja. Já fizemos menção no início de que, se este fosse o seu intento, não precisaria convocar um Concílio para endossar o seu desejo. Bastava-lhe repetir o ato de quatro anos antes, quando promulgou o decreto dominical, e assinar um edito ordenando a todos que adorassem ao Deus-Triúno.

Ademais, Constantino nem possuía conhecimento suficiente para se posicionar diante da controvérsia que ocupava a teologia grega.40 Uma carta por ele enviada por meio do bispo Hósio de Córdova confirma seu desconhecimento doutrinário a este respeito. Ali ele afirma que o problema que os bispos estavam discutindo acerca da natureza de Cristo era “uma questão sem proveito”.41

Foram os próprios bispos que o convenceram a convocar o Concílio para resolver a questão e o partido trinitariano de Alexandre era, sem dúvida, o mais fraco de todos. Chega a ser um milagre que o texto de Nicéia não tenha favorecido o arianismo porque estes, certamente, tinham mais recursos políticos que Atanásio e Alexandre. Tanto o é que, embora os arianos fossem derrotados no Concílio, os partidários de Eusébio de Nicomédia empreenderam uma verdadeira campanha, após Nicéia, para derrotar Atanásio e restaurar Ário ao poder.

O mais surpreendente é que, protegido pelo imperador, Ário começou, de fato, a reconquistar seu poder que perdera e a influenciar a política da igreja. Eusébio, por sua vez, convenceu Constantino a enviar Atanásio para o desterro e recolocar Ário em seu lugar como bispo de Alexandria – o que quase aconteceu, não fosse o falecimento de Ário na noite anterior à cerimônia de sua investidura, em 336 d.C. Assim, o plano era que o imperador convocasse um novo Concílio corrigindo Nicéia e desse ganho de causa aos arianos.

Sob tais circunstâncias, a fé trinitária parecia, se não oficialmente renegada, praticamente condenada, principalmente depois que Constantino declarou seu desejo de ser batizado por Eusébio de Nicomédia num ritual antitrinitariano. A chamada

Page 47: Trindade Deus Jesus E. santo

fé nicena só não chegou ao fim, porque Constantino acabou morrendo em 22 de maio de 337, poucos dias depois de ser batizado.

Dois últimos aspectos ainda precisam ser esclarecidos: a grande discussão do Concílio de Nicéia não era a Trindade em primeiro lugar, mas a natureza de Cristo em relação ao Pai. Foi somente no credo de Atanásio, produzido posteriormente, que o assunto “Trindade” apareceu de modo mais claro. Além disto, é importante notar que o credo niceno não diz nada quanto ao Espírito Santo ser ou não uma pessoa. A literatura antitrinitária se confunde na seqüência histórica apresentando como “Credo Ciceno” o que na verdade seria o Credo Niceno-Constantinopolitano de 381, proclamado depois da morte de Constantino.42

A Confissão Nicena de 325 se apresenta da seguinte maneira:

Cremos em um só Deus, Pai onipotente, criador de todas as coisas visíveis e invisíveis; e em um só Senhor Jesus cristo, o Filho de Deus gerado pelo Pai, unigênito, isto é, da substância do Pai, Deus de Deus, Luz de Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado não feito, de uma só substância com o Pai, pelo qual foram feitas todas as coisas, as que estão no céu e as que estão na Terra; o qual, por nós homens e por nossa salvação, desceu, e se encarnou e se fez homem e sofreu e ressuscitou ao terceiro dia, subiu ao céu, e novamente deve vir e no Espírito Santo.

Segue-se a esta confissão os juízos emitidos em relação a alguns ensinos heréticos:

E a quantos dizem: “Ele era quando não era” e “antes de nascer, Ele não era” ou que “foi feito do não existente”; bem como a quantos alegam ser o Filho de Deus “de outra substância ou essência” ou “feito” ou “mutável” ou “alterável” a todos estes a igreja católica e apostólica anatematiza.43

Conclusão

Como se vê, a despeito das insatisfações de alguns, prevaleceu em Nicéia a idéia de formular um texto enxuto, sem muitas explicações e que agradasse ao máximo a todas as correntes. Se houve, portanto, uma atmosfera política por detrás do documento conciliar, esta foi a da neutralidade – desviar a questão para evitar mais divisões. Constantino, é bom lembrar, havia acabado de vencer Licínio na luta pelo poder e sua prioridade era manter o império unido. Um cisma no cristianismo não seria bem-vindo naquele contexto. Daí o tom neutro sobre um assunto que, em princípio, geraria muitas controvérsias.

No fim das reuniões, restou aos arianos o incômodo maior, pois, apesar das tentativas de neutralidade, o documento acabou ecoando uma antiga tradição apostólica que apresentava a Cristo como consubstancial ao Pai. E o mais curioso é que Eusébio e a maioria dos arianos assinaram o documento em concórdia com seu conteúdo. Apenas Ário e dois amigos se recusaram a fazê-lo.

O sentido exato destas assinaturas é difícil precisar. Contudo, vê-se como infundada a declaração de que Constantino seria o Pai da doutrina trinitária usada para atrair o politeísmo para a Igreja. Pelo contrário, vinha de Ário e Eusébio a tentativa de trazer uma doutrina politeísta para dentro do cristianismo, pois estes apresentavam a Cristo como um “segundo” deus, menor que o Pai, mas igualmente divino e que se assemelhava muito ao “demiurgo”, ou deus menor do gnosticismo alexandrino. Em Nicéia, em todo o caso, a Igreja pelo menos não tentou penetrar o mistério de Deus ou descrevê-lo como o fez Ário imbuído pela idéia de transcendência vinda da filosofia grega. Esta foi a verdadeira natureza da discussão que de modo nenhum pode ser tomada como a genitora de uma teologia trinitária.

Referências 

1 Ennis Meier, “O Concílio de Nicéia, origem da crença em três deuses”. Disponível em <http://www.adventistas.com/artigos/html>. Acesso em 13 de janeiro de 2004. ↑

2 Ennis Meier, “História: como Constantino tornou-se o pai do dogma católico da Trindade”. Disponível em <http://www.adventistas.com/artigos/html>. Acesso em 13 de janeiro de 2004. Grifo acrescentado.↑

3 Urias Smith, Daniel and Revelation – The Response of History to the Voice of Prophecy A Verse by Verse Study of These Important Books of the Bible (Mountain View, CA: Pacific Press, 1918), 558ss.; Stephen N. Haskell, The Story of the Seer of Patmos (Nashville, TN: Southern Publishing Association, 1977), 228-230. Haskell ainda estabelece o fato de que a Besta papal de Apocalipse 13 é uma institução que deveria surgir após a divisão de Roma em dez reinos, o que aconteceu apenas em 476 d.C. ↑

4 Ellen G. White, O Grande Conflito (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1996), 52, 438 e 439. ↑5 Sobre a importância da data de 538 d.C. para o entendimento adventista da profecia, ver A. Timm, “A Importância das datas de

508 e 538 d.C. para a supremacia papal”, in Parousia (2005:1), 7-18. ↑6 Irmão X, “Cristianismo é ridicularizado pelos ateus por causa da crença na Trindade”. Disponível em

<http://www.arquivoxiasd.com.br/ateu.htm>, acesso em 22 de setembro de 2005. ↑7 Ricardo Nicotra, “Eu e o Pai Somos Um” (São Paulo: Ministério Bíblico Cristão, 2004), 89. ↑8 O decreto dominical constantiniano foi promulgado em março de 321. Seu texto pode ser encontrado no Codex

Justinianus, Corpus Júris Civilis Codicis  Líber 3, tit. 12, parágrafo 3. ↑9 Além do já mencionado erro de Nicotra, que atribui ao Concílio a mudança do sábado para o domingo (vide nota 7), autores

como Dan Brown (autor do best seler O Código Da Vinci) sugerem que foi o Concílio de Nicéia que determinou o Cânon escriturístico, de modo que a Bíblia que temos hoje seria composta de acordo com o decreto constantiniano e não conforme um real desígnio de Deus. ↑

10 O título “pais da Igreja” será aqui usado em seu sentido técnico, conforme a adoção dos estudos de patrística e não no sentido católico de guardiões absolutos da ortodoxia cristã. ↑

Page 48: Trindade Deus Jesus E. santo

11 F. Ardusso, “Tradizione”, in: G. Barbaglio, S. Dianich, Nuovo Dizionario di Teologia (Roma: Paoline, 1979), 1772. ↑12 Esta equiparação com a Bíblia não é sempre explícita, na literatura católica, mas é facilmente detectada nas entrelinhas do

discurso. É que o catolicismo, especialmente aquele posterior ao Vaticano II, parece ter compreendido a impopularidade teológica de tal afirmação diante do mundo protestante.  A primeira redação da Constituição dogmática Dei Verbum, que mantinha ainda a concepção católica de duas fontes de revelação (Bíblia e Tradição) recebeu uma severa intervenção do bispo belga De Smedt que convenceu o comitê a reformular completamente o texto original. Ele declarou: “Segundo o nosso parecer, o esquema atual falha notadamente em seu caráter ecumênico. Ele não representa progresso para o encontro com não católicos, mas um empecilho; muito mais: é prejudicial.” Citado por João Batista Libânio, Teologia da Revelação a partir da Modernidade (São Paulo: Loyola, 1992), 386. Para uma discussão pré-conciliar sobre esta questão veja: Pierre Benoit,L’actualité dês pères de l’Eglise (Neuchâtel: Éditions Delachaux et Niestlé S.A., 1961), 10-15; F. Cayré, Patrologie et Histoire de la Theologie (Paris: Desclée & Cie, 1953), 3-7; J. Quasten, Iniciation aux peres de l’Eglise (Paris: Ed. Du Cerf, 1955), 4-8. ↑

13 Reynold Seeberg, Manual de Historia de las Doctrinas (Buenos Aires: Casa Bautista de Publicaciones, 1967), 1: 29-37; J. N. D. Kelly, Early Christian Doctrines (Londres: A&C Black, 1977), 21-37. ↑

14 Embora este termo seja tardio (século XV), seu conceito já está presente nos primeiros escritos apologéticos do cristianismo. Cf. David W. Bercot, [ed.], A Dictionary of Early Christian Beliefs(Peabody, MA: Hendrickson Publishers, 2003), xiii. ↑

15 Walter Bauer foi o pioneiro a chamar a atenção para a falta de unidade doutrinária nos primeiros séculos do cristianismo (Orthodoxy and Heresy in Earliest Christianity, eds. Robert A. Kraft, Gehard Krodel [Philadelphia: Fortress Press, 1971]). Mas hoje reconhece-se que, embora seu insight esteja correto, houve um exagero em suas conclusões. Ele chega a afirmar que “os hereges eram maioria em relação aos ortodoxos” (p. 194). A tendência atual, conforme observa J. R. Flora – que fez uma tese sobre o trabalho de Bauer, é que, a despeito da diversidade, havia uma unidade de pensamento nalguns pontos centrais que permitia configurar o que constituía pensamento cristão ou ensino dissidente. Cf. Jerry Rees Flora, A Critical Analysis of Walter Bauer’s Theory of Early Christian Orthodoxy and Heresy, PhD Dissertation (Louisville: Southern Baptist Theological Seminary, 1972). ↑

16 Compare, por exemplo, o uso do termo em Dionísio de Alexandria (Fragmentos extensos V, 15) e Dionísio de Roma (Contra os sabelianos 1). ↑

17 A. Roberts., e J. Donaldson, [eds] Ante-Nicene Fathers (New York: Charles Scribner’s Sons, 1913), esta coleção antiga traz uma tradução em inglês dos textos patrísticos.  H. Lubac, J. Danielou, et. alli,Sources Chrétiennes (Paris: les édition du Cerf, 1941), esta é a mais importante coleção de textos dos Pais da Igreja. Ela traz o texto original em grego, latim, copta etc. ladeado de uma tradução para o francês. Além disto apresenta as variantes que possam existir entre um e outro manuscrito. Salvo indicações em contrário, vamos seguir aqui a numeração da Ante Nicene Fathers. ↑

18 Tertuliano, Sobre a Modéstia, XXI. ↑19 Orígenes, Dos Princípios,  I, 3,2. O original grego perdeu-se; o que nos resta são pequenas citações e uma tradução latina feita

por Rufino. Assim, é possível que Orígenes tenha utilizado o termo TriadoV que veremos nos textos de Teófilo de Antioquia. ↑20 Teófilo, A Autólico, XV ↑21 Clemente, I Epístola aos Coríntios, XLVI. ↑22 Eusébio de Cesaréia, História Eclesiástica, III, 36, 5-11. ↑23 Inácio, Epístola aos Tralianos, VII, (recensão curta). ↑24 Idem, (recensão longa). Para uma revisão bibliográfica do debate acerca das recensões textuais de Inácio, com acentuada

defesa da recensão longa, veja Ch. Monier, Où en est la question d’Ignace d’Antioche? Bilan d’un siècle de recherches 1870-1988, in Aufstieg und Niedergang der römischen Welt [Hildergard Temporini e W. Haase, organizadores] (Berlim e Nova Iorque: Walter de Gruyter & Co., 1993), II. 27.1, 359-484. ↑

25 Justino, I Apologia, VI. ↑26 Atenágoras, Súplica pelos Cristãos, X. ↑27 Idem, XI. ↑28 Idem,  XXIII. ↑29 Ireneu, Contra Heresias,  V, XI, 2 ↑30 Idem, IV, XX, 2 e 3. ↑31 Hipólito: Fragmentos de Comentários, 10 (ANF, vol. V, 174.) ↑32 Hipólito, Contra Noeto, 14. ↑33 W. Walker, História da Igreja Cristã (Rio de Janeiro: JUERP/ASTE, 1980), 105. ↑34 Cipriano, Epístolas, LXXII, 5. ↑35 Idem. ↑36 Bárbara Aland, et. alli., [eds], The Greek New Testament, Forth Revised Edition (Stutgart: Deutsche Bibelgesellschaft /United

Bible Societies, 2001), 819. ↑37 Cipriano, Tratados, I, 6. ↑38 E. G. White, Ibid., p. 580. ↑39 Idem, p. 56. ↑40 Bernard Lohse, A Fé Cristã Através dos Tempos (São Leopoldo, RS: Sinodal, 1981), 57. ↑41 Uma reprodução da carta de Constantino pode ser encontrada em Eusébio de Cesaréia, Vida de Constantino, II, 64-72. ↑42 Um exemplo está no livro de Ricardo Nicotra,  88. ↑43 O texto original em grego com uma antiga versão latina encontra-se em Henrique Dezinger e Clemente Bannwart,  Enchiridion

Symbolorum – definitionum et declarationum de rebus fidei et morum Friburgo: Herder and Co., 1922, , p. 29 [credo 54].

Uma pessoa maravilhosa chamada Espírito Santo

Page 49: Trindade Deus Jesus E. santo

José Carlos Ramos, D.Min.Professor de Daniel e Apocalipse no Salt, Unasp, Campus Engenheiro Coelho, SP

Resumo: O Espírito Santo é revelado nas Escrituras como uma Pessoa divina semelhante ao Pai e ao Filho e, ao mesmo tempo, distinta de ambos. Mas grupos dissidentes do adventismo insistem que o Espírito Santo não passa de mera energia despersonalizada proveniente de Deus. Em resposta a essa teoria, o presente artigo provê um estudo bíblico-exegético sobre a natureza da terceira Pessoa da Divindade. O autor também procura restaurar o sentido original de algumas citações dos escritos de Ellen G. White distorcidas pelos antitrinitarianos.

Abstract: The Holy Spirit is revealed in the Scriptures as a divine Person like the Father and the Son but, at the same time, distinct to both. However, Adventist offshut groups insist that the Holy Spirit is only a mere despersonalized energy from God. In response to this theory, the present article provides a biblical-exegetical study on the third Person of the Godhead. The author also tries to restaure the original meaning of some quotations from the writings of Ellen G. White that have being distorted by anti-Trinitarians.

Introdução

Dos membros da Trindade, o terceiro é Aquele de Quem há menos informações objetivas, precisas, que definam o seu próprio Ser. O Filho Se tornou um de nós. Sua manifestação foi visível, material, em nosso nível. O Pai foi por Ele revelado. Mas o Espírito permanece um tanto imperceptível, à parte, despretensioso, operando sem autoprojeção, não Se impondo, não falando “de Si mesmo” (Jo 16:13). E no próprio ato do desprendimento, Ele cumpre a divina obra que O faz conhecido. É parte de Sua glória exaltar e glorificar o Filho e, através do Filho, o Pai, fazendo com que a revelação de ambos se efetive na consciência humana. Que exemplo de abnegação!

No quarto Evangelho, o Espírito executa pelo menos sete atividades, todas em exaltação a Jesus:

(1) Ensinar, e(2) Fazer lembrar tudo o que Jesus disse – João 14:26(3) Dar testemunho de Jesus – João 15:26(4) Convencer do pecado, porque o mundo não crê em Jesus; da justiça, porque Ele foi para o Pai; e do juízo, porque

Satanás foi julgado e derrotado – João 16:8(5) Guiar a toda a verdade, e Jesus é a verdade (14:6) – João 16:13(6) Declarar ou anunciar o que Jesus, da parte do Pai, Lhe entrega – João 16:13, 14, 15(7) Glorificar a Jesus – João 16:14O Apocalipse refere-se a Ele como os sete Espíritos de Deus (Ap 1:4, 5; 4:5). Sete é o número da plenitude. O Espírito

alcança a plenitude nesta atividade cristocêntrica sétupla.

Isso é tão fundamental para o plano da redenção, que, sem o operar do Espírito, seria como se Jesus nunca tivesse encarnado e Deus nunca tivesse Se manifestado. Ele habilita o homem a entender a salvação e responder positivamente a ela. Sem Ele, a Igreja não poderia cumprir Sua missão e estaríamos fadados a permanecer neste mundo indefinidamente.

Objeto de especulação

Talvez o fato de existir pouca informação sobre o Espírito Santo faça com que uma conceituação sobre Ele se torne mais susceptível de especulação. Nos dias de Ellen G. White havia aqueles que afirmavam que o Espírito era uma “luz derramada” e “uma chuva caída”. Ela considerou essas ideias como de cunho espiritualista, ou espiritista, e as condenou por rebaixarem a Deus.1

Igualmente afrontoso é tomá-Lo por criatura. Há os que acreditam que Ele e Gabriel se equivalem. A inspiração nega isso fazendo clara distinção entre ambos no registro das palavras deste anjo a Maria: “Descerá sobre ti o Espírito Santo…” (Lc 1:35). Gabriel não poderia estar falando de si mesmo. E Ellen G. White assegura que o seguidor de Jesus pode sentir-se confiante e seguro no conflito “contra as hostes espirituais da maldade”, porque “mais que anjos estão nas fileiras. O Espírito Santo, o representante do Capitão do exército do Senhor, desce para dirigir a batalha.”2 Rebaixar o Espírito Santo à categoria de anjo é, na realidade, minimizar a Deus, algo muito a gosto de Satanás.

Outra forma especulativa no tratamento de tão sublime tema é despojar o Espírito de Sua personalidade. Entre os que negam a Trindade, é comum a afirmação de que Ele é apenas uma influência ou energia – o poder de Deus. Esta idéia é tão antiga quanto o século terceiro, quando Paulo de Samosata, monarquista/adocionista e bispo de Antioquia entre 260 e 272, a difundiu. No tempo da Reforma, Lélio Socino e seu sobrinho Fausto, ambos antitrinitaristas, propagaram a teoria.

Não há como negar que este conceito rebaixa o valor do Espírito Santo para a Igreja. L. E. Froom a isto se refere quando afirma que negar a personalidade do Espírito não é

mera questão técnica, acadêmica ou simplesmente teórica. É de suprema importância e do mais elevado valor prático. Se Ele é uma Pessoa divina e O consideramos como influência impessoal, estamos roubando desta Pessoa divina a deferência, honra e amor que Lhe são devidos. E mais: Se o Espírito é mera influência ou poder, podemos então procurar apropriar-nos dEle e usá-Lo.3

Continua Froom:

Não, o Espírito Santo não é uma tênue, nebulosa influência imanente do Pai. Não é algo impessoal, vagamente reconhecido, apenas um invisível princípio de vida… Jesus foi a personalidade mais influente e marcante neste velho mundo, e o Espírito Santo foi designado para preencher Sua vaga. Nada a não ser uma Pessoa poderia substituir Aquela maravilhosa Pessoa. Nenhuma simples influência seria suficiente.”4

Para substituir uma Pessoa maravilhosa só outra Pessoa maravilhosa.

Page 50: Trindade Deus Jesus E. santo

Espírito de Deus, Espírito de Cristo, e o gênero neutro de PneumaDissidentes se valem do fato de a Bíblia identificar o Espírito Santo como Espírito de Deus ou de Cristo (1Jo 4:2; 1Co 3:16;

Gl 4:6; 1Pe 1:11, entre outros textos), para afirmar que o Espírito Santo é algo inerente a Deus, tal como a Sua energia, virtude, fôlego, glória, etc., e que, portanto, ao ser enviado, “parte de dentro (do interior) do Pai”.5

Ricardo Nicotra e Jairo de Carvalho, como exemplos, presumem que o verbo ekporeúomai, empregado em João 15:26 (um dos textos que registram a promessa do envio do Espírito), e vertido como “proceder” na Almeida Revista e Atualizada, significa originalmente sair, ou partir, ou vir de dentro de, do interior de.6 Não se sabe de onde eles copiaram esta idéia, mas o que temos aqui é uma dedução apressada e temerária. Quando tão somente ekporeúomai é registrado, não é feita referência ao ponto de partida do movimento que ele expressa; nesse aspecto, o verbo significa simplesmente sair, partir, encaminhar-se, conduzir-se, proceder, etc. (no sentido de ida e de vinda), tal como aparece em algumas passagens, como Lucas 3:7, que fala de multidões que “saíam para serem batizadas” (saíam de onde?), ou Atos 9:28, informando que, estando Paulo em Jerusalám, entrava e saía com toda a liberdade (entrava e saía sem sair de Jerusalém, isto é, ele se movimentava livremente na cidade).

Às vezes, o sentido de procedência de ekporeúomai está implícito, mas normalmente ele é dependente da preposição que rege o ponto de origem explícito na frase. Por esta razão, é totalmente supérfluo se valer de outros textos em que este verbo é empregado aparentemente com o significado aludido pelos dissidentes, se, nesses textos, a preposição é distintamente outra. Três exemplos alegados por Nicotra, com as referidas preposições aqui italizadas, são como seguem:

(1) “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que procede da boca de Deus” (Mt 4:4);(2) “O que sai do homem, isso é o que o contamina” (Mc 7:20); e(3) “Então vi sair da boca do dragão, da boca da besta…” (Ap 16:13).7

O original de (3) não consigna verbo algum, e é levado em conta apenas na pretensão do dissidente, razão porque desconsideramos esse exemplo. Observamos, então, que em (1), a preposição é diá cujo sentido principal é através de; qualquer palavra, normalmente, é emitida através da boca, daí procedendo. Alegar que antes que uma palavra seja dita ela se formulou na mente, o que pode até ser um fato,8 e que, portanto, significa “sair de dentro”, é impor ao verbo um sentido que ele, por si só, não reúne. É a preposição que se liga ao ponto de onde parte o movimento que poderá dar esse significado.9

Por exemplo, em (2), a preposição é ek, “de, desde”, e pode implicar o sentido “de dentro de”, como o emprego de ésôten, “de dentro”, em Marcos 7:21 e 23 demonstra. Dizemos que pode, porque nem sempre é isto o que ocorre, ainda que seja empregada a preposição ek. Exemplos: “Do trono [ek tou thrónou] saem relâmpagos, vozes trovões…” (Ap 4:5), e “rio da água da vida… que sai do trono [ek tou thrónou] de Deus” (22:1) não significam necessariamente que os relâmpagos, vozes, trovões e o rio saem de dentro do trono.

Ademais, se o sentido original de ekporeúomai fosse mesmo “vir de dentro”, como querem os dissidentes, seria uma desnecessária redundância Marcos 7:21 e 23 registrar ésôthen ekporeúetai, “procedem de dentro”; seria o mesmo que dizer em português: sair para fora, entrar para dentro, subir para cima e descer para baixo.

Assim, a preposição é importante para se estabelecer o ponto de origem do movimento expressado por ekporeúomai. Em João 15:26, a preposição é pará, também “de, desde”, mas com a acepção deposição, colocação, etc. (cf. à nossa palavra paralelo). Segundo Robertson, uma das maiores autoridades no estudo do koiné, o grego popular do Novo Testamento, pará significa “ao lado de”, “junto com”.10 Em outras palavras, o Espírito Santo procede de onde o Pai está, não do íntimo dEle.

Assim, o verbo ekporeúomai, para ter o significado requerido por Nicotra e Carvalho na aplicação que fazem ao Espírito Santo, teria que, no mínimo, estar ligado à preposição ek, ou, então, apó, como na construção “saía de Jericó” em Marcos 10:46. E este não é o caso em João 15:26.

Portanto, a fórmula “Espírito de Deus”, ou “de Cristo”, indica procedência e não inerência, e implica que a obra do Espírito Santo é executada em subordinação ao Pai e ao Filho. Parte desta obra é arepresentação vicária de Ambos neste mundo. De fato, Jesus prometeu aos discípulos que, juntamente com o Pai, retornaria para eles na pessoa do Espírito Santo (Jo 14:16-18, 23).

Outro expediente utilizado pelos que rejeitam a personalidade do Espírito Santo é o gênero neutro do grego pneuma, espírito. “A Bíblia não empregaria uma palavra neutra para identificar uma personalidade,” dizem. Contra esta hipótese se verifica que o termo é usado em referência a entidades reconhecidamente pessoais. “São todos eles espíritos ministradores…”, afirma o escritor sagrado acerca dos anjos (Hb 1:14).

Especulação na ordem do dia

Condenando as especulações, o Espírito de Profecia adverte: “A natureza do Espírito Santo é um mistério. Os homens não a podem explicar, porque o Senhor não revelou. Com fantasiosos pontos de vista, pode-se reunir passagens das Escrituras e dar-lhes um significado humano; mas a aceitação desses pontos de vista não fortalecerá a Igreja. Com relação a tais mistérios – demasiado profundos para o entendimento humano – o silêncio é ouro.”11

Quanto a esse assunto (natureza do Espírito Santo), está na ordem do dia o que Ellen White classifica de “fantasiosos pontos de vista”. Dissidentes oportunistas e aventureiros, com “comichões nos ouvidos” (2Tm 4:3), imaginam ser crime de apostasia a aceitação da divindade do Espírito Santo, e, inescrupulosamente, intentam arrancar das páginas sagradas alguma noção que lhes satisfaça as divagações; com isto, acabam preterindo o criterioso ensino bíblico e do Espírito de Profecia sobre tão sublime tema, por arrazoados fantasistas e inconsequentes que, no mínimo, denigrem o caráter sacratíssimo deste Ser. E isso, sim, é crime. E o que é pior: julgam-se os portadores da verdade, enquanto o povo de Deus, em sua totalidade, está errado.

Não obstante, o que acontecia no tempo de Ellen G. White, e que mereceu sua veemente censura, está literalmente ocorrendo hoje, pois tal como a serva do Senhor denunciou, os atuais dissidentes igualmente reúnem um punhado de “passagens bíblicas”, arbitrariamente catadas aqui e ali e, sem o mínimo respeito às mais elementares regras hermenêuticas, colocam-nas numa cadeia temática ilegítima que as obriga a afirmar aquilo que eles pretendem. O resultado é uma interpretação barata, superficial, abusiva, tendenciosa, sem o necessário respaldo de pesquisa séria e responsável, o que, inevitavelmente, conduz a conclusões confusas e contraditórias; ora o Espírito é definido em termos de pessoalidade, ora em termos de abstração.

Page 51: Trindade Deus Jesus E. santo

Para se confirmar esse fato, basta uma olhadela em publicações produzidas por separatistas. Algumas colocações aí feitas quanto ao Espírito Santo são de estarrecer mesmo o leitor casual. “Entre outras, cada qual mais descomunalmente absurdas,”12 são feitas as seguintes declarações:

O Espírito Santo…

(1) …é o sopro, o fôlego de Deus,13 no sentido de que da mesma forma que o homem tem fôlego (isto é, espírito) Deus também tem fôlego (isto é, espírito).14 Em outras palavras, a teoria transforma uma simples analogia empregada por Paulo (ver 1Co 2:11) numa realidade substancial que toma o homem por modelo. Mas se isto é o que Espírito de Deus significa, é inevitável a ideia de que oantropomorfismo divino, longe de ser um engano,15 é um conceito correto: o homem é a padronização de Deus – como é com ele, assim é com Deus!!! Mas vejamos: não importando se o homem tem fôlego porque respira ou respira porque tem fôlego, uma questão aqui pertinente é: Deus respira? (bem, esse seria o caso se Ele tivesse fôlego como o homem). Tem Ele um sistema respiratório que inclui, por exemplo, pulmões? Há no céu uma camada atmosférica para suprir a respiração dos que ali habitam?

(2) …é o próprio Senhor,16 no sentido de que o Espírito Santo equivale ou a Cristo, ou ao Pai, ou a ambos. Este raciocínio descamba para uma variação de outra heresia; seria um sabelianismo17dicotômico.

(3) …é isto.18 O dissidente Jairo Carvalho afirma que é “um total desprezo chamar mesmo um ser humano de ‘isto’”, quanto mais Deus, o que para ele é “uma prova de que o Espírito Santo não pode ser um Deus”,19 já que, como ele supõe, Atos 2:33 O identifica como “isto”. Mas nesse caso, não importando o que ou quem Ele seja, o Espírito Santo é, segundo esse raciocínio, inferior ao próprio homem, pois “isto”, que não é cabível a este, é próprio para o Espírito Santo.

Pena que o Sr. Carvalho não tenha percebido que o demonstrativo neutro não se aplica à pessoa do Espírito Santo propriamente, mas ao efeito poderoso da Sua operação, o milagre que todos testemunharam! O texto diz: “Exaltado, pois, à destra de Deus, tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vedes e ouvis.” Por um lado, “Espírito Santo”, o assunto da promessa, e “isto”, o que foi derramado, não se correspondem necessariamente; por outro lado, segundo o discurso de Pedro à multidão atônita, o “isto” foi referido como aquilo que “vedes e ouvis”. O que eles viam e ouviam? Era o Espírito Santo ou era a Sua operação? Bem, ali estava um grupo de iletrados galileus falando, nos vários idiomas representados, as grandezas de Deus (vs. 6-8, 11 e 12), e isto eles estavam muito bem vendo e ouvindo; em outras palavras, eles testemunhavam o poder do Espírito em exercício, e era exatamente o poder do Espírito, e não Sua pessoa, que fora derramado.

Com efeito, Atos não afirma que Deus derramou o Seu Espírito, mas do Seu Espírito (ver 2:17). Em 10:45, é o “dom do Espírito” que “foi derramado.” À luz de 1 Coríntios 12, o Espírito Santo é tanto dom como doador. Derramar significa conceder generosamente, e refere-se fundamentalmente aos recursos do Espírito. Dias antes, Jesus havia prometido isso aos discípulos; receberiam poder ao descer sobre eles o Espírito (At 1:8). É a Pessoa quem desce; é o poder que é “derramado”. O que aconteceu com a igreja primitiva foi a repetição do que já acontecera com Jesus (10:38). Neste texto, o Espírito é distinto de poder, e vice-versa. De fato, ao ser batizado, o Espírito Santo desceu sobre Jesus em forma de pomba (Mt 3:16), e o resultado foi um poderoso ministério. O senso de derramamento transparece no relato de Marcos, que afirma que “os céus rasgaram-se” (1:10), enquanto o de pessoalidade é notado em Lucas, ao afirmar que o Espírito veio em “forma corpórea” (3:22).

Houve, portanto, uma compreensão equivocada de Atos 2:33 por parte do Sr. Carvalho. O demonstrativo isto se refere antes à consequência da manifestação do Espírito, que à Sua pessoa.

(4) …é a mente de Deus.20 Mas a Bíblia diz que o próprio Espírito tem mente (Rm 8:27); seria correto falar em mente da mente?

(5) …é o dedo de Deus.21 Nesse caso, o Espírito Santo seria uma pequena parte d[o corpo d]e Deus. E aí pergunta-se: “Deus tem corpo?”

(6) …é qualquer anjo fiel22 com especial menção primeiramente a Lúcifer,23 então a Gabriel, quando aquele que se tornou Satanás foi expulso do céu.24 Na verdade, o autor confundiu a verdade afirmando que Gabriel é um Espírito Santo, mas não o Espírito Santo, o qual é a glória de Deus.25 Mas quantos Espíritos Santos existem? A Bíblia diz que é apenas um (Ef 4:4). Para Carvalho, entretanto, qualquer anjo fiel pode ser um Espírito Santo; Gabriel é a terceira pessoa da Divindade (que ele insiste em dizer que é “a partir da Divindade”),26 e deve ser distinguida do Espírito Santo. Mas a inspiração afirma que ambos, a terceira pessoa e o Espírito Santo, são o mesmo ser: “O príncipe da potestade do mal só pode ser mantido em sujeição pelo poder de Deus na terceira pessoa da Divindade,27 o Espírito Santo.”28

(7) …é a glória de Deus.29 Aqui o dissidente se aproximou consideravelmente de uma das abstrações espíritas condenadas por Ellen G. White; havia em seu tempo aqueles que diziam que o Espírito Santo era uma “luz derramada”. 30 Mas o mais deplorável é consignado ao final das colocações de Carvalho: como o Espírito Santo é meramente a glória divina, então mesmo o “pior inimigo de Deus”, Satanás, tem o Espírito Santo, pois ele “ainda possui um pouco da glória que recebeu de Deus.”31Simplesmente estarrecedor!

É espantoso como determinados elementos, como fruto de seus devaneios, chegam ao extremo de nescidades como esta; isto é sacrilégio de elevada ordem, diante da qual as palavras de Jesus soam oportunas: “…a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada. … Se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será isso perdoado, nem neste mundo nem no porvir… visto que é réu de pecado eterno”(Mt 12:31, 32; Mc 3:29).  Dizer que o Espírito Santo é a glória de Deus, que o próprio diabo ainda retém e emprega em sua obra de engano, como o Sr. Carvalho afirma, é, na realidade, dizer que o Espírito Santo é um instrumento nas mãos do diabo para a operação do mal e serviço do pecado!!! Na esperança de, quem sabe, despertar um pouco a consciência do dissidente, pergunto: “O Espírito Santo continua ainda glorificando a Cristo, como João 16:14 afirma que é uma de Suas tarefas, quando Ele é usado pelo diabo em sua obra satânica?”

Um Ser pessoal e divino

Impugnadas as lucubrações meramente humanas quanto ao Espírito Santo, observemos agora o que a revelação tem a dizer sobre tão excelso tema.

Page 52: Trindade Deus Jesus E. santo

Quando Ellen G. White afirma que “a natureza do Espírito Santo é um mistério”,32 não significa que nada podemos aprender sobre Ele. Aquilo que a revelação nos transmite não é especulação; é a realidade que temos o dever de, pela fé, aceitar.

Dois pontos sobre o Espírito Santo estão devidamente assentados nas páginas sagradas: Ele é uma pessoa, e é Deus. “O Espírito Santo tem personalidade, do contrário não poderia testificar ao nosso espírito e com nosso espírito que somos filhos de Deus. Deve ser uma pessoa divina, do contrário não poderia perscrutar os segredos que jazem ocultos na mente de Deus.”33

A Personalidade do Espírito Santo

A personalidade do Espírito Santo é claramente inferida do testemunho bíblico. As seguintes referências não deixam dúvida a respeito:

(1) Ele é citado entre pessoas: “Pois pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor maior encargo…” (At 15:28). Além disso, Ele aparece na fórmula batismal junto ao Pai e ao Filho (Mt 28:19); seria redundância Jesus mencionar o Espírito Santo, tendo já mencionado o Pai, fosse Ele a mera energia dEste, ou Seu sopro, ou Sua glória; também não faria sentido Jesus ordenar o batismo em nome de uma Pessoa, o Pai, de outra Pessoa, o Filho, e agora em nome de uma energia, ou sopro, ou glória, o Espírito.34

(2) Pode e deve ser mantida comunhão com Ele (Fp 2:1; 2Co 13:14). Não se mantém comunhão com uma energia, nem com um sopro, ou glória.

(3) Não é mero poder, mas tem poder (Rm 15:19). Seria outra redundância a Bíblia falar do poder do Espírito Santo, fosse Ele mero poder; seria “o poder do poder”, o que é um contra-senso, da mesma forma que “mente da mente” visto acima.

(4) Pode-se mentir a Ele (At 5:3). Mente-se a uma pessoa e não a uma energia, a uma luz, ou à glória.(5) Pode-se-Lhe resistir (At 7:51). É possível cumprir o papel de um resistor (componente que impede, ou atenua, o fluxo da

corrente elétrica) para com o Espírito Santo? Sim, e isto o pecador faz quando, diante do apelo divino, prefere permanecer no erro. Mas tal não significa que o Espírito Santo não seja uma pessoa, pois não é apenas a uma energia que se resiste. Pessoas também podem ser resistidas, incluindo Deus (11:17). O texto fala de se resistir às claras evidências da verdade, apresentadas pelo Espírito Santo.

(6) Pode-se guerrear contra Ele (Gl 5:17). O que é uma intensificação de resistência ao Espírito Santo.(7) Pode-se ultrajá-Lo (Hb 10:29). Como é possível ultrajar uma energia, o sopro, a glória? Ultrajar se liga naturalmente ao

sentido de afrontar, insultar, difamar, injuriar, ofender, deprimir, vilipendiar, desacatar, vituperar, envergonhar. Como se pode fazer tudo isso a uma abstração?

(8) Pode-se blasfemar contra Ele como se blasfema contra o Filho (Mt 12:31). É possível blasfemar contra o sopro, contra uma energia? Blasfema-se contra uma pessoa, como é caso de Jesus aqui.

(9) Ele executa específicas funções próprias, não de uma abstração, mas de uma pessoa:• sonda, perscruta a Deus – 1Co 2:10• concede dons para a edificação da Igreja – 1Co 12:8, 12• manifesta-Se nesses dons –1Co 12:7 (em outras palavras, ao conceder dons à Igreja o Espírito Se dá a ela)• contende com pecadores – Gn 6:3• ordena sobre itens relevantes para a obra e o povo de Deus – At 8:39; 10:19, 20• envia pessoas no processo do cumprimento de alguma missão – At 10:19, 20• ensina o que uma vez ouviu – Jo 16:13 (ouvir não é próprio de uma energia), ver também 14:26; 1Co 2:13• revela, especialmente pelo exercício profético – At 1:16; 2Pe 1:21; 1Tm 4:1• testifica através da intuição na consciência, bem como com o testemunho da Igreja – Rm 8:16; At 5:32; Ap 22:17• move o agente humano na captação da revelação divina – 1Pd 1:21• incute novas realidades ainda não percebidas – Hb 9:8• indica a correta compreensão do que é revelado – 1Pd 1:11• guia os filhos de Deus – Rm 8:14, inclusive na busca de “toda a verdade” – Jo 16:13• assiste nas fraquezas – Rm 8:26• intercede corrigindo nossas orações – Rm 8:26• produz frutos na vida dos que se submetem a Ele – Gl 5:22, 23• lava e renova, o que resulta em salvação – Tt 3:5. Em João 3:5, 6 este ato é referido por Jesus em termos do novo

nascimento• escreve a lei de Deus nas tábuas do coração – 2Co 3:3• santifica – 2Ts 2:13; 1Pd 1:2• sela os que são de Deus – Ef 1:13(10) Ele possui mente (Rm 8:27). O termo grego, traduzido “mente” neste texto em algumas versões, é phrónema (alguma

coisa que se tem em mente, que passa pela mente, o pensamento), em contraste com nous (a mente como sede da consciência, da reflexão, da percepção, do entendimento, do julgamento crítico e da determinação). O importante é que phrónema pressupõe a existência de nous. Apenas um ser pessoal é dotado de nous, e pode exercer phrónema. O Espírito Santo é um ser pensante, o que implica inteligência e consciência. Ele não pode ser menos que uma pessoa.

Mas o que é uma entidade pessoal? É aquela que afeta outras entidades pessoais e é afetado por elas. Afeta-nos Deus? Naturalmente. Podemos afetá-Lo? Bem, Sua tristeza e alegria, misericórdia e justiça, interesse por nós e condescendência, amor e ira indicam que sim. Deus é afetado por Suas criaturas porque antes de mera consciência das coisas, Ele tem autoconsciência; esta é o traço fundamental da personalidade porque é a capacidade que uma pessoa tem de referir a si mesma a consciência de qualquer coisa ou experiência pela qual passa. Isso não acontece com um animal, porque ele não pode distinguir entre o ego pessoal e a momentânea sensação que experimenta. Por não ser um ente pessoal, ele não consegue formar uma noção objetiva de seus sentimentos e das ações que estes geram, e aplicá-los a si mesmo. O ser humano, ao contrário, torna-se, por exemplo, consciente de erros cometidos, reconhece-os como tais, e chega à autoconsciência da culpa. Isso porque é um ser pessoal, dotado de mente e razão.

Aplicando isso a Deus, dizemos que Sua autoconsciência é prova irretorquível de Sua personalidade. Isaías 55:8 fala de Seus pensamentos. Ele pensa porque tem mente, e ter mente O faz pessoal. Então, quando nos é afirmado que também o Espírito Santo tem mente, não podemos senão concordar que Ele é, de fato, um ser pessoal. Se assim é, perguntamos: afeta

Page 53: Trindade Deus Jesus E. santo

Ele a cada um de nós? Por suposto que sim.35 Afetamos igualmente a Ele? Claro, pois a Bíblia fala da tristeza (Ef 4:30), do anseio (Tg 4:5), da alegria (1Ts 1:6), da vontade (1Co 12:11), do amor (Rm 15:30), e até do ciúme (Tg 4:5) do Espírito Santo.

(11) Além disso, o Novo Testamento emprega fartamente pronomes pessoais gregos em referência ao Espírito Santo. Apenas em João 14-16 isso ocorre 24 vezes, e Ele próprio faz referência a Si com o pronome pessoal: “Disse o Espírito [a Pedro]: Estão aí dois homens que te procuram; levanta-te, pois, desce e vai com eles nada duvidando; porque Eu os enviei” (At 10:19, 20).

(12) Finalmente, a palavra inconteste de Jesus não deixa qualquer margem para dúvida no que respeita à personalidade do Espírito Santo. “Eu rogarei ao Pai,” prometeu Ele à Igreja, “e Ele vos dará outro Consolador, o Espírito Santo” (Jo 14:16, 26). Chamando-O “Consolador”, Jesus evocou Sua personalidade. O original parákletos (etimologicamente chamado para estar ao lado de), é masculino e aplica-se à pessoa que apóia, conforta, orienta, defende, etc., o que uma abstração não faz.

A Divindade do Espírito Santo

Um estudo mais atento da Palavra de Deus, e, acima de tudo, desprovido de idéias pré-concebidas, atesta naturalmente a divindade do Espírito Santo. Pode Ele ser menos que Deus, se possui os atributos exclusivamente divinos de Eternidade (Hb 9:14), Onisciência (1Co 2:10 e 11) e Onipresença (Sl 139:7)? Quem menos que Deus pode criar e comunicar vida (Jó 33:4), convencer do pecado, da justiça e do juízo (Jo 16:8), regenerar (Tt 3:5), santificar (2Ts 2:13; 1Pe 1:2), escrever Sua lei nas tábuas do coração (2Co 3:3), ressuscitar (Rm 8:11), e selar o crente para o dia da redenção (Ef 4:30)?

Como um ser menor que Deus pode perscrutá-Lo? (1Co 2:10). Como pode a blasfêmia contra o Espírito Santo não ser perdoada, enquanto que aquela contra Jesus pode (Mt 12:31)? Porventura, pecar contra uma coisa, ou uma criatura, é algo mais sério que pecar contra Deus? E como é possível que, segundo a fórmula batismal (28:19), alguém deva ser batizado em nome do Pai (que é Deus), do Filho (que também é Deus), e do Espírito Santo (que seria uma coisa ou uma criatura, como supõem os antitrinitaristas)?

Além disso, é-nos afirmado que, no próprio ato de mentirem ao Espírito Santo, Ananias e Safira mentiram “a Deus” (At 5:4). Nesse mesmo sentido de correspondência, Paulo primeiramente declara que somos santuário “de Deus, e que o Espírito de Deus habita em” nós (1Co 3:16; ver também 6:19), para então afirmar que “somos santuário do Deus vivente”, e que é o próprio Deus que habita em nós (2Co 6:16, 17). Percebemos claramente aqui que o Espírito Santo habitando no coração é Deus se fazendo aí presente. Isso não seria possível se Ele mesmo, o Espírito Santo, não fosse Deus.

E quanto a Jesus? Reconheceu Ele a divindade do Espírito Santo? Bem, deixemos mais uma vez que Ele fale. Ele prometeu “outro Consolador” (Jo 14:16). “Outro” pressupõe um Consolador prévio, o próprio Jesus, também identificado como Parákletos (1Jo 2:1). Dois termos gregos são vertidos “outro” em nossas Bíblias: állos e héteros, o primeiro, empregado aqui, significando “outro da mesma espécie”, enquanto o segundo “outro de natureza diferente”. O prometido Consolador é Alguém tão divino quanto Jesus. Fosse Ele Gabriel, como querem os dissidentes, teria que ser classificado héteros, e não állos.

Mas, qual a qualidade da divindade de Jesus? A Bíblia e o Espírito de Profecia não deixam por menos: Ele é tão divino quanto o Pai, e é um com Este desde toda a eternidade (Jo 1:1; 10:30). “Cristo era Deus em essência e no mais alto sentido. Ele esteve com Deus desde toda a eternidade…”36 Se assim é com o primeiro Consolador, não será diferente com o segundo. O mesmo Espírito de Profecia confirma esse fato: “O Consolador que Cristo prometeu enviar depois de ascender ao Céu, é o Espíritoem toda a plenitude da Divindade, tornando manifesto o poder da graça divina a todos quantos recebem e crêem em Cristo como um Salvador pessoal.”37 “Toda a plenitude da divindade” é precisamente o que Colossences 2:9 afirma residir corporalmente em Cristo. De fato, o Espírito Santo é o segundo Consolador, da mesmíssima natureza do primeiro.

É-nos afirmado ainda: “Precisamos reconhecer que o Espírito Santo, que é uma pessoa, como o próprio Deus, está andando por estes terrenos.”38 Pode ainda haver dúvida que, à luz da inspiração, o Espírito Santo seja uma pessoa, e seja Deus?

Um com o Pai e um com o Filho

Um último ponto referente à divindade do Espírito Santo se faz necessário. Pela doutrina da Trindade entendemos que Jesus é um com o Pai porque possui a mesma natureza divina dEle. São distintos como Pessoas, mas iguais em Divindade. Isto resulta em que onde Um está pessoalmente, ali o Outro estará essencialmente. Enquanto o Filho estava pessoalmente na Terra, o Pai estava essencialmente aqui (embora pessoalmente continuasse no Céu), pois Jesus afirmou: “Não estou só, porque o Pai está comigo” (Jo 16:32). Da mesma forma, enquanto O Pai estava pessoalmente no Céu, Jesus estava essencialmente ali, pois disse a Nicodemos muito antes da ascensão: “Ninguém subiu ao Céu, senão Aquele que de lá desceu, o Filho do homem que está no Céu” (3:13).39

Devemos crer que é exatamente isso o que ocorre em relação ao Espírito Santo? A resposta é “sim!”, pois, como vimos, Ele é állos, isto é, da mesma natureza divina de Jesus. É por isso que o Salvador, imediatamente após prometer a vinda do “outro Consolador” que estaria não apenas “com”, mas “nos” discípulos (Jo 14:16, 17), pôde também assegurar-lhes que, por este Consolador, Ele, Jesus, voltaria para eles (v. 18) e, com o Pai, faria neles morada (v. 23). Isto porque o Espírito Santo é igual a Jesus e ao Pai em divindade. Assim, onde Ele estiver, Pai e Filho também estarão. É por esta razão que Jesus declarou ser vantajoso aos discípulos que voltasse ao Céu, pois assim lhes enviaria o Espírito (Jo 16:7), e, através dEle, estaria em todo o tempo com toda a Sua comunidade de seguidores.

O Espírito Santo é o representante de Cristo, mas despojado da personalidade humana, e dela independente. Limitado pela humanidade, Cristo não poderia estar em toda a parte em pessoa. Era, portanto, do interesse deles [os discípulos] que fosse para o Pai, e enviasse o Espírito como Seu sucessor na Terra. Ninguém poderia ter então vantagem devido a sua situação ou seu contato pessoal como Cristo. Pelo Espírito, o Salvador seria acessível a todos. Nesse sentido, estaria mais perto deles do que se não subisse ao alto.40

Com isto em mente, não há qualquer dificuldade para se entender o que Ellen G. White quis dizer quando declarou:

Page 54: Trindade Deus Jesus E. santo

Impedido por Sua humanidade, Cristo não poderia estar em todos os lugares pessoalmente; então foi para benefício deles que Ele deveria deixá-la, ir para o Pai, e enviar o Espírito Santo para ser Seusucessor na Terra. O Espírito é Ele mesmo, despojado da personalidade humana e independente dela. Ele Se representaria como estando presente em todos os lugares por Seu Espírito, como onipresente.41

Como ela afirma, o Espírito Santo reunindo, a exemplo de Jesus, a plenitude da divindade, é o sucessor de Cristo, e pode tão perfeitamente representá-Lo neste mundo, que se torna uma bendita realidade a presença essencial dEle aqui, isto é, “Ele mesmo,” Cristo, “despojado da personalidade humana e independente dela… como estando presente [com Seu povo] em todos os lugares por Seu Espírito, como onipresente.” “O Senhor Jesus age através do Espírito Santo, pois é Seu representante.”42

Quão surpreendentemente fascinante é o plano de Deus e Seu trato com os pecadores! Enaltecido seja o Seu nome.

Conclusão

Que pessoa maravilhosa é o Espírito Santo! Que humildade, que interesse, que desvelo! Ele nos ama a ponto de instar conosco a que sejamos salvos. Ele está disposto a aplicar em nossa vida a obra redentora da cruz em toda a Sua extensão. A exemplo do Pai e do Filho, Ele anseia por nossa presença no reino de Deus. Já Lhe agradecemos por isso?

De fato, Ele é um precioso amigo. Se O resistirmos, magoá-Lo-emos, e Ele poderá se afastar triste e pesaroso por nossa indelicadeza e apego a ideias que O desmerecem, e que resultarão finalmente em nossa ruína eterna. Mas se O valorizarmos como Ele merece, e O acolhermos em nossa vida, Ele tomará posse do nosso ser, far-nos-á crescer em semelhança com Jesus, até que coloquemos nossos pés na cidade celestial.

“Hoje, se ouvirdes a Sua voz, não endureçais os vossos corações” (Hb 4:7).

Referências

1 Ellen G. White, Evangelismo (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1997), 614. ↑2 Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), 352. Esta afirmação do Espírito

de Profecia denota claramente a personalidade e divindade do Espírito Santo. ↑3 LeRoy E. Froom, A Vinda do Consolador (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1988), 40. À página 36 da edição castelhana,

acrescenta-se ao final do parágrafo a seguinte colocação: “Mas se O reconhecemos como Pessoa, estudaremos como nos submeter a Ele de modo que nos use segundo Sua vontade.” ↑

4 Ibid, 41, 42. ↑5 Ricardo Nicotra, “Eu e o Pai Somos Um” (São Paulo: Ministério Bíblico Cristão, maio/2004), 9, 34 e 35; Jairo Carvalho, A

Divindade (Contenda, PR: Ministério 4 anjos, s.d.), 114. ↑6 Ibid, 35. ↑7 Ibid. ↑8 Embora, de vez em quando, palavras sejam proferidas ou escritas por aí sem, ao menos, se pensar nelas. ↑9 É bom lembrar neste momento que Jesus é chamado Logos, “Palavra” (a Almeida verte “Verbo”), nos escritos joaninos (Jo 1:1,

14; 1Jo 1:1; Ap 19:13), e nem por isso iríamos afirmar que Ele, na encarnação, procedeu de dentro do Pai. O emprego da preposição prós, “com”, no prólogo do quarto Evangelho indica que Jesus veio da íntima companhia do Pai, de um relacionamento face a face, de um companheirismo como iguais (ver A. T. Robertson, A Grammar of the Greek New Testament in the Light of Historical Reserarch [Nashville, TN: Broadman, 1934], 613, e The Divinity of Christ in the Gospel of John [New York: Fleming H. Revell, 1916], 39): “O Verbo estava com [prós] Deus… Ele estava no princípio com [prós] Deus” (Jo 1:1, 2). Vemos, então, que é sempre importante levar em conta a preposição usada e sua conotação. ↑

10 Robertson, A Grammar, 613; ver pp. 553-649 para uma abordagem geral das preposições gregas. ↑11 Atos dos Apóstolos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1986), 52. ↑12 A fórmula é de Rui Barbosa em alusão às prerrogativas papais de infalibilidade (ver O Papa e o Concílio [Rio de Janeiro: Elos,

s/d], I:113). ↑13 Nicotra, 8, 9. Carvalho, 44-46, 74, 110. ↑14 Nicotra, 8, 9, 11. ↑15 Por exemplo, muito da “teologia” grega do tempo dos apóstolos era antropomórfica, o que naturalmente recebeu o repúdio da

fé cristã. ↑16 ↑Nicotra, 12, 32, 33, 36; Carvalho, 18, 19, 20, 21, 26, 31, 32, 50, 51,17 Sabelianismo, de Sabélio, herege do terceiro século, que afirmava que uma única Pessoa na Divindade se manifesta de três

modos distintos: às vezes como Pai, outras como Filho, e ainda outras como Espírito Santo. Assim, para Sabélio, o Espírito Santo era às vezes o Pai, outras vezes o Filho. ↑

18 Carvalho, 21. ↑19 Ibid. ↑20 Nicotra, 8. ↑21 Ibid, 28. ↑22 Carvalho, 24. ↑23 Ibid, 132, 133. ↑24 Ibid., 80, 134, 135, 136, 137. ↑25 Ibid., 80, 137. ↑26 Ver nota a seguir. ↑27 “A partir da Divindade”, em vez de “da Divindade”, é como Jairo Carvalho verte o original inglês “of the Godhead”, do texto em

apreço de Ellen G. White. Ele recorre ao Webster’s Dictionary em apoio à sua versão, afirmando que, segundo este, “of ” é

Page 55: Trindade Deus Jesus E. santo

sinônimo de “from”, que ele afirma significar “a partir de” (107). Mas, na acepção que o dissidente requer, é duvidoso atribuir tal significado à preposição “from”. Em sua edição mais completa, o aludido dicionário supre os diversos casos de equivalência entre “of” e “from”, e nenhum deles coincide com o que o dissidente imagina (ver “of ” em Webster’s Dictionary of the English Language – Unabridged – Encyclopedic Edition [Chicago, IL.: J. G. Ferguson Publishing Company, 1979], II:1241, 1242). Igualmente não pode ser alegado que, “na época em que o texto [de Ellen G. White] foi escrito, por volta de 1890”, um dos significados de “of ” era “a partir de” (Carvalho, 107, 128), pois o mesmo Dicionário supre os significados obsoletos do termo e também nenhum deles é o que o dissidente pretende. Quisesse a serva do Senhor declarar o que ele afirma, teria registrado algo como “starting from” em lugar do simples “of ”. ↑

28 Evangelismo, 617. Se é apenas pelo poder do Espírito Santo que se vence o inimigo, o que será dos que O negam e rejeitam? Senhores dissidentes, pensem nisso! ↑

29 Carvalho, 22, 52, 114, 116, 117, 118, 121, 122, 124, 125, 142, 143, 159. ↑30 Evangelismo, 614. ↑31 Carvalho, 165. ↑32 Atos dos Apóstolos, 52. ↑33 Evangelismo, 617. ↑34 Afirmar, como o Sr. Nicotra faz (18-24), que a fórmula batismal no tríplice nome de Deus em Mateus 28:19 foi interpolada

posteriormente ao texto original do Evangelho, sendo, portanto, apócrifa, não é verdade, como ficou evidenciado em Jose C. Ramos, “Mateus 28:19 ¯ falso ou autêntico?”, Revista Adventista, maio de 2005, 10, 11. ↑

35 Veja, por exemplo, Lucas 2:27; João 3:5, 6; 16:8; Romanos 8:4, 23; 14:17; Gálatas 5:17, 22, 23; 1 Pedro 1:2; 2 Pedro 1:21. ↑36 Ellen G. White, “The Word Made Flesh,” Review and Herald, 5 de abril de 1906, 8. ↑37 Evangelismo, 615 (itálicos supridos). ↑38 Ibid., 616. ↑39 Quanto à genuinidade da fórmula “que está no céu” em João 3:13, ver José C. Ramos, “La Revelación de Dios em JesuCristo

en el Cuarto Evangelio”, Theologika VII, 2 (1993) 93: 112-127, principalmente 117-121. ↑40 O Desejado de Todas as Nações, 669. Ênfase suprida. ↑41 Manuscrito 14, 23 e 24. Ênfase suprida. ↑42 Ellen G. White, “Our Battle with Evil”, Review and Herald, 10 de fevereiro de 1903, 8.