trilhas do aprendente vol-7

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Page 1: Trilhas Do Aprendente Vol-7
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T829 Trilhas do Aprendente/Edna Gusmão de Góes Brennand, Silvio José Rossi (Organizadores). João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2010. v.7 ISBN: 978-85-7745-547-8 1. Educação a Distância. 2. Pedagogia. I. Brennand, Edna Gusmão de Góes. II. Rossi, Silvio José - Org.

UFPB/BC C.D.U.: 37.018.43

Ficha catalográfi ca

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Universidade Aberta do Brasil - UABUniversidade Federal da Paraíba - UFPB

Centro de Educação - CE

Universidade Federal da ParaíbaCNPJ/MF: 24.098.477/0001-10

Cidade Universitária – Campus I S/Nº - Castelo BrancoJoão Pessoa – PB - 58.059-900

Fone/Fax: (83) 3216-7134/3216-7135 e 3216-7178Coordenação do Curso de Pedagogia a Distância: (83) 3216-7713

Home-page: www.virtual.ufpb.br

FICHA TÉCNICAReitor UFPB

Rômulo Soares Polari

Vice-reitora

Maria Yara Campos Matos

Chefe de Gabinete da Reitoria

Luiz de Souza Júnior

Pró-reitor de Graduação

Valdir Barbosa Bezerra

Pró-reitora de Extensão e Assuntos Comunitários

Lúcia de Fátima Guerra Ferreira

Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação

Isac Almeida de Medeiros

Pró-reitor de Planejamento e Administração

Paulo Fernando de Moura B. Cavalcante Filho

Pró-reitor de Administração

Marcelo de Figueiredo Lopes

Coordenador da UFPB - Virtual

Lucídio dos Anjos Formiga Cabral

Coordenadora do Pólo Multimídia

Sandra Regina Moura

Centro de Educação

Diretor

Otávio Machado Lopes de Mendonça

Vice-diretor

Wilson Honorato Aragão

Chefe do Departamento de Fundamentação da Educação

Erenildo João Carlos

Chefe do Departamento de Metodologia da Educação

Severino Bezerra da Silva

Chefe do Departamento de Habilitações Pedagógicas

Maria Creusa de Araújo Borges

Chefe do Departamento de Ciências da Religião

Eunice Simões Lins Gomes

Chefe do Departamento de Psicopedagogia

Carmem Lúcia Queiroz

Equipe do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia a Distância

Coordenadora

Edna Gusmão de Góes Brennand

Coordenadores de multimídias

Daniele dos Santos Ferreira DiasSilvio José Rossi

Corpo docente (Marco VII)

Adlene Silva ArantesDaniele dos Santos Ferreira Dias

Gustavo Henrique de Araújo FreireIraquitan de Oliveira Caminha

Jorge Fernando Hermida AveiraMaria das Graças Miranda Ferreira

da Silva

Secretária executiva

Janaína de Castro Ferreira Lucena

Designer instrucional

Daniele dos Santos Ferreira Dias

Designer gráfi co

Tyrone Michel Caldas Albuquerque

Designer de Mapas Conceituais

Joana Emília Costa

Assessora pedagógica

Lenise Sampaio

Coordenadora de Mediação Pedagógica

Jayza Shelly de Morais Santos

Técnico de suporte tecnológico

Eduardo de Santana Medeiros Alexandre

Revisora linguística

Rejane Maria de Araújo Ferreira

Validador de material impressoe audiovisual

Sílvio José Rossi

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“A principal meta da educação é criar homens que sejam capazes de fazer coisas novas, não simplesmente repetir o que outras gerações já fi zeram. Homens que sejam criadores, inventores, descobridores. A segunda meta da educação é formar mentes que estejam em condições de criticar, verifi car e não aceitar tudo que a elas se propõem.”

(JEAN PIAGET)

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APRESENTAÇÃO

Prezados(as) Aprendentes,

A cada dia, a educação a distância vem se fortalecendo e transformando-se em política pública de inclusão social e digital. Os debates atuais apontam a educação a distância como uma via de acesso para a fl exibilidade das Universidades Federais, engessadas por uma política anacrônica decorrente de um modelo centralizador, pouco fl exível e democrático. Temos hoje que pensar a Universidade como instância agenciadora de práticas democráticas, onde jovens e adultos são desafi ados a aprender a aprender permanentemente e a desenvolver uma formação autônoma e interdisciplinar sólida. A Universidade, enquanto instância formadora, está diante de determinantes sociais que implicam reestruturações na sua forma de atuar uma vez que o processo de convergência tecnológica coloca os aprendentes no centro dos interesses das instituições formativas, desestruturando modelos pedagógicos centralizadores e baseados na transmissão de conhecimentos prontos e acabados.

A sociedade atual, ancorada em um desenvolvimento científi co e tecnológico pautado no uso social dos avanços da ciência, exige formas educativas estratégicas e fl exíveis, focadas em abordagens múltiplas dos problemas cotidianos. Nascem novas formas de racionalidade para embasar o fazer educativo: racionalidade mais comunicativa e humanista, em detrimento da racionalidade dos fi ns e dos procedimentos detalhados. Esse novo espaço pedagógico exige um processo de (re)signifi cação conceitual e de desconstrução das matrizes curriculares tradicionais. Vocês estão usufruindo dessas novas abordagens, pois, como atores dinâmicos, estão construindo, de forma interativa e aberta, os processos de construção do conhecimento. Ao chegarem ao Marco V do Curso de Pedagogia, vocês já estão trilhando novos contornos: protagonistas de um fazer educativo, que evoluíram da condição de receptores passivos de conteúdos para a de encorajadores da busca por aprendizagens signifi cativas. No contexto da EAD, não é mais possível falar em “competências” para ensinar e aprender, e sim, em articulação de competências para levá-los a um permanente estado de aprendizagem. Que nessa trilha íngreme, mas prazerosa, os desafi os trazidos pelos conteúdos sejam bússolas para traçar rumos e prospectar possibilidades. Que os conteúdos aqui apresentados sejam bouquets de possibilidades no processo de navegação individual e coletivo nas infovias da informação. Que estimulem a (re)construção do conhecimento apresentado nos conteúdos curriculares, através de uma postura investigativa e crítica, que estimule discussões, direcione experiências, avalie trajetos, reconstrua rotas, valorize os conhecimentos adquiridos e sintetize conteúdos em atividades para minimizar défi cits de aprendizagem.

Profª Drª Edna Gusmão de Góes BrennandCoordenadora do Curso de Pedagogia a Distância

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SUMÁRIO

CORPOREIDADE E EDUCAÇÃO .............................................................. 09Iraquitan de Oliveira Caminha

CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INFANTIL .................................................. 49Giuliana Cavalcanti Vasconcelos

GESTÃO E PLANEJAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL .................. 131

Maria da Conceição Bizerra

CIÊNCIAS SOCIAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL III ........................ 229

Andréa Silva PontePaulo José Rossi

SEMINÁRIOS TEMÁTICOS DE PRÁTICA CURRICULAR VI ....................... 299Margarida Sonia Marinho do Monte Silva

ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO INFANTIL VI ........................................................................................ 361Maria Creusa de Araújo Borges

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Corporeidade e Educação

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Palavras do professor-pesquisador

Caríssimos e caríssimas aprendentes,

É próprio de todos os seres humanos desejarem conhecer. Quando esse conhecimento diz respeito ao nosso próprio corpo, não podemos tomá-lo como um simples objeto examinado nos laboratórios. Portanto, iremos diferenciar o corpo como objeto de investigação científi ca e o corpo vivo de nossas experiências. Uma coisa é explicar o corpo que come uma feijoada, segundo o discurso fi siológico da biologia; outra é descrever o nosso próprio corpo, que vivencia a experiência de degustar uma feijoada. Convido a todos para enveredarmos juntos nas trilhas de uma refl exão sobre o corpo como fenômeno biológico, cultural e social. É nesse contexto que construiremos juntos uma série de refl exões sobre corporeidade e educação.

Nossa intenção é de instaurar momentos de convivências para pensarmos uma pedagogia do corpo com base na noção de corporeidade entendida como construção de formas de vida. O ser humano não é apenas um ser biológico, que vive segundo as leis da natureza. Por meio da cultura, somos artesãos de nós mesmos.

Em busca de dar forma cultural ao nosso corpo, constatamos que, no cenário contemporâneo, vivemos em tempos marcados pela extrema preocupação com a aparência. Aí nos perguntamos: devemos nos adequar aos estereótipos criados e impostos pela sociedade de consumo? Qual o papel do educador num cenário em que as pessoas esquecem os limites do corpo em nome de exibi-los como belos a qualquer preço? Qual a posição dos educadores sobre os valores vividos pelo corpo no mundo contemporâneo? Movidos por essas questões, propomos o exame do tema corporeidade e educação, considerando que o corpo humano é, ao mesmo tempo, vida orgânica, que interage com o meio ambiente, e vida cultura, que convive com os seus semelhantes numa organização social.

Esperamos que nossas interlocuções possam servir de referência para se pensar sobre a vida, em tempos em que ser magro e musculoso pode ser uma busca sem o devido respeito à vida. Precisamos questionar, enquanto educadores, o encantamento pelas possibilidades técnicas de modelar nossos corpos, pondo em risco a própria vida. Que valor nós damos as nossas vidas? Uma pedagogia do corpo não pode deixar de refl etir sobre essa questão.

Prof. Dr. Iraquitan de Oliveira Caminha

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Croqui do Percurso

UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASILUNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CURSO DE PEDAGOGIA - MODALIDADE A DISTÂNCIACORPOREIDADE E EDUCAÇÃO

Professor:Iraquitan de Oliveira CaminhaE-mail:[email protected]

MARCO VII

Componente Curricular: Corporeidade e Educação

45 horas/aula 3 créditos

Ementa: Corporeidade como forma de vida. Corporeidade no cenário contemporâneo. Pedagogia do corpo. Corporeidade, convivência e dignidade humana. Corpo, saúde, beleza e banalização da vida.

Objetivo Geral:

Compreender a corporeidade como forma de vida, tendo como referência o cenário contemporâneo das práticas corporais e como meta defi nir uma perspectiva pedagógica para o corpo.

Objetivos Específi cos:

Analisar a corporeidade no cenário contemporâneo, destacando a relação entre educação e convivência;

Caracterizar os vínculos civilizatórios fundados no corpo, considerando as implicações sociais da lei e do desejo;

Analisar as relações entre as construções socioculturais da corporeidade e a dignidade humana;

Refl etir sobre a corporeidade e os valores éticos, considerando o contexto da pós-modernidade;

Discutir as relações entre corpo, saúde e beleza, considerando os perigos da banalização da vida.

Competências e habilidades a ser desenvolvidas:

- Demonstrar conhecimentos sobre a corporeidade no cenário contemporâneo;

- Capacidade de estabelecer relações entre práticas corporais e a construção de uma pedagogia do corpo;

- Desenvolver uma perspectiva pedagógica para o corpo, considerando uma refl exão sobre o corpo, a saúde, a beleza e os perigos de banalização da vida.

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Corporeidade e Educação

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UNIDADE I: CORPOREIDADE E CONSTRUÇÃO DE UMA PEDAGOGIA DO CORPO

- Por uma pedagogia do corpo

- Corporeidade no cenário contemporâneo

- Corporeidade e convivência

UNIDADE II: CORPOREIDADE E DIGNIDADE HUMANA

- Corporeidade, lei e desejo

- Corporeidade e dignidade humana

- Corporeidade e humanidade

UNIDADE III: CORPOREIDADE E VALORIZAÇÃO DA VIDA

- Ética e corporeidade

- Pós-modernidade e corporeidade

- Corpo, saúde e beleza: os perigos da banalização da vida

Metodologia:

O desenvolvimento metodológico envolve interações virtuais e presenciais nos polos municipais de apoio presencial, leituras complementares, atividades a serem desenvolvidas em campo de pesquisa, produção de textos, consultas a sites e participações no ambiente virtual de aprendizagem – Moodle.

Desafi os:

Os desafi os propostos neste componente servirão como instrumentos de avaliação, quantitativa e qualitativa, por meio de produção textual, participação em fóruns, discussões on-line e exploração das demais ferramentas do AVA Moodle.

Recursos técnico-pedagógicos:

CD do Aprendente; Trilhas do Aprendente (material didático impresso);AVA (ambiente virtual de aprendizagem) Moodle:

• Fóruns;• Sala de bate-papo;• Disponibilidade de arquivos de texto;• Disponibilidade de arquivos com apresentações didáticas;• Disponibilidade de trabalhos em grupo.

Consulta a livros;Consulta à internet;Desafi os;Vídeos.

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REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. A república. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

ATLAN, Henri. A ciência é inumana? Ensaio sobre a livre necessidade. São Paulo: Cortez, 2004.

BAUMAN, Zigmunt. Ética pós-moderna. São Paulo: Paulus, 1997.

CAMINHA, Iraquitan de Oliveira. Desejo e lei: a escola como espaço de convivência. In: DA SILVA, Pierre Normando Gomes e CAMINHA, Iraquitan de Oliveira. Aprender a conviver: um enigma para a educação. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2007.

__________ Corpo vivido e corpo pulsional: um diálogo entre Merleau-Ponty e Freud. In: BARROS, Neuma, CAMINHA, Iraquitan de Oliveira e DE ALMEIDA, Ronaldo Monte. Narrativas do corpo: textos de psicopatologia fundamental. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2009.

DEJOURS, Christophe. O corpo entre a biologia e a psicanálise. Porto alegre: Artes Médicas, 1988.

FREUD, Sigmund. (1915) Os instintos e suas vicissitudes. In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas Psicológicas de S. Freud (ESB). Rio de Janeiro: Imago Editora, 1974, V. XIV.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1999.

__________ Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. Trad. VASSALO, Ligia M. Ponde. Petrópolis: Vozes, 2004.

__________ A história da sexualidade III: cuidado de si. Trad. ALBUQUERQUE, Maria Tereza da Costa. 3 ed. Rio de Janeiro: Graal, 2006.

GARCIA, Rui Proença. Antropologia do Esporte. Rio de Janeiro: Shape, 2007.

HOSSNE, Saad William. Ética, saúde e biotecnologia. In: DE MIRANDA, Danilo Santos. Ética e cultura. São Paulo: Perspectiva, 2004.

KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. Trad. FONTANELLA, Francisco Cock. São Paulo: Unimep, 2002.

LE BRETON, David. A sociologia do Corpo. Trad. FUHRMANN, Sonia M.S., 2 ed., Petrópolis: Vozes, 2007.

LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Lisboa: Gradiva, 1989.

LYPOVETSKY, Gilles e CHARLES, Sébastien. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Barcarolla, 2004.

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Corporeidade e Educação

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MERLEAU-PONTY. Fenomenologia da percepção. DE MOURA, Carlos Alberto Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

PLATÃO. A república. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.

QUEIROZ, Edilene Freire de. A compulsão por modelar o corpo. In: Narrativas do corpo. Textos de psicopatologia fundamental. BARROS, Neuma. CAMINHA, Iraquitan de Oliveira. DE ALMEIDA, Ronaldo Monte. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2009.

ROUANET, Sérgio. Dilemas da moral iluminista. In: Ética. NOVAES, Adalto. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da Educação. Trad. Sérgio Millet. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992.

VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Antropologia fi losófi ca I. São Paulo: Loyola, 1991.

VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. Trad. DELL’ANNA, João. 17 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Corporeidade e Educação

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UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASILUNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CURSO DE PEDAGOGIA - MODALIDADE A DISTÂNCIACORPOREIDADE E EDUCAÇÃO

Professor-pesquisador:Iraquitan de Oliveira Caminha

DESEMPENHO NO PERCURSO

Aulas Desafi os Pontuação Desempenho obtido

Prazo de fi nalização

UNIDADE I

Aula 1 Participação em fórum

10,0

2ª semana

Aula 2 Produção de texto 4ª semana

Aula 3 Entrevista e produção textual 6ª semana

Total de pontos na Unidade I 10,0

UNIDADE II

Aula 4 Produção de texto

10,0

8ª semana

Aula 5 Visita a sites e produção textual 10ª semana

Aula 6 Entrevista e produção textual 12ª semana

Total de pontos na Unidade II 10,0

UNIDADE III

Aula 7 Atividade em grupo

10,0

14ª semana

Aula 8 Participação em fórum 15ª semana

Aula 9 Entrevista e produção textual 16ª semana

Total de pontos na Unidade III 10,0

Avaliação presencial (prova escrita) 10,0 Final doPercurso

TOTAL DE PONTOS OBTIDOS NO PERCURSO

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UNIDADE I

CORPOREIDADE E CONSTRUÇÃODE UMA PEDAGOGIA DO CORPO

AULA 1: POR UMA PEDAGOGIA DO CORPO

Nunca se falou tanto do corpo. O corpo está em evidência. É tema de inúmeras conversas sobre hábitos alimentares, cirurgias estéticas, uso de próteses, preocupações higiênicas, uso de adornos e cosméticos, bem como práticas regulares de exercícios físicos. Clínicas, academias, clubes, Spa cuidam dos corpos. Inúmeros profi ssionais se dedicam a formar corpos saudáveis e belos. No contexto social contemporâneo em que o corpo está em destaque, o que os educadores, em especial os pedagogos, têm a dizer sobre o corpo?

É no cenário da modernidade, tomando como referência o <Século das Luzes>, que a educação escolar ganha uma nova perspectiva de formação. O Século XVIII é marcado por um movimento de educação obrigatória para todos e sob a responsabilidade do Estado. Na Europa, a escola não poderia ser reduzida a um espaço de formação para seminaristas que deveriam servir aos interesses da Igreja Católica. O foco da educação passa a ser a cidadania. Em escolas, marcadamente laicas, esperavam-se formar cidadãos submissos à constituição, e não, súditos de reis tiranos. A educação, visando formar o sujeito livre ou autônomo, passa a ser a meta dos países que conquistaram a condição de estadosnacionais. A perspectiva de educação, que nasce dessa nova forma de organização política, exige a construção de uma identidade nacional vivida corporalmente. Corpos fortes e saudáveis representam sinais de desenvolvimento de uma nação. A escola precisa ensinar uma língua nacional, os legados científi cos e culturais, mas também necessita transmitir conhecimentos sobre os cuidados com o corpo. Nesse sentido, foi criada a noção de educação física para mostrar que a educação moderna não poderia se restringir a uma educação intelectual.

Podemos encontrar as raízes de uma educação física em Platão (2001). Na <República>, o fi lósofo defendia que a educação deve começar com a ginástica. Para poder adquirir a sofi sticada arte de pensar dialeticamente, era preciso, inicialmente, praticar a arte de fortifi car o corpo, que exige força, fl exibilidade e coordenação motora.

UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 1 Aula 2 Aula 3

Para saber mais sobre o Século das Luzes, leia <http://w w w . c i e n c i a m a o .if.usp.br/dados/t2k/_historiageral_hisger19.arquivo.pdf>.

Fonte: <http://www.institutoorior.com.br/academiacultural/pt/images/

stories/fotos%20livros/livros97/republica.jpg>.

A palavra ginástica vem do grego gymnastiké, que consiste na arte de fortifi car o corpo e dar-lhe agilidade.

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Corporeidade e Educação

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UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 1 Aula 2 Aula 3

Para que a educação seja completa, é preciso que os alunos realizem um conjunto de exercícios corporais sistematizados, com a fi nalidade de tornar o corpo vigoroso. A busca de uma vida virtuosa não é apenas um exercício da alma. O homem moderno precisava se inspirar na antiga civilização grega para conquistar, por meio do exercício físico, uma completa vida virtuosa. Os educadores modernos precisam inventar uma <pedagogia do corpo>.

Essa pedagogia tem como meta defi nir uma perspectiva de formação que contemple a aquisição de comportamentos de cuidar do corpo. A vida, nos grandes centros urbanos, exige do homem moderno uma série de cuidados para que seu corpo tenha uma vidasaudável. A educação deve propor uma perspectiva pedagógica que considere cuidados com a alimentação e com a atividade física regular. Nenhum educador pode instaurar uma prática educativa desprovida de uma pedagogia do corpo. Portanto, para propor uma pedagogia do corpo, ele precisa defi nir uma concepção de corpo. Mas, afi nal, o que é o corpo humano?

CORPOREIDADE: O CORPO COMO FORMA DE VIDA

Pelo viés da Biologia, podemos defi nir o corpo do ser humano como um conjunto de ossos, músculos e órgãos. Desse modo, ele é visto como uma realidade objetiva, estudada nos laboratórios de anatomia, fi siologia e bioquímica. O corpo é concebido como um ser vivo, entre outros seres vivos. Em outras palavras, ele é um organismo regido por mecanismos físico-químicos. Todavia, não pode ser reduzido a um objeto positivo de investigação experimental. Além de ser um conjunto de matéria sujeita a uma série de relações causais, ele é, como diz Merleau-Ponty (1994), na <Fenomenologia da Percepção>, nosso ponto de vista sobre o mundo. Nosso corpo, enquanto vivido, é a nossa experiência de nos situarmos intencionalmente no mundo e não está apenas localizado no espaço como uma coisa no meio de outras; ele se situa em relação ao mundo, conferindo-lhe sentido.

Nosso corpo não vê o mundo como se o olho fosse apenas um receptáculo de estímulos físicos. Nós temos o poder de lançar nosso olhar para o mundo, estabelecendo com ele uma relação intencional e não apenas de causa e efeito. Os movimentos do corpo até podem ser vistos como comportamentos motores, que

respondem mecanicamente aos estímulos do meio ambiente, todavia, também podemos compreender o corpo humano como um sistema de comunicação que expressa diferentes formas de viver.

Fonte: <http://www.itgt.com.br/livraria/fenomenologia_da_

percepcao.jpg>.

Leia sobre a presença de uma pedagogia do corpo na educação da infância. Visite o endereço: http://www.tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/181924Corponaescola.pdf

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Essa noção consiste em considerar o corpo como uma construção sociocultural e não apenas como um conjunto de elementos físico-químicos.

É com base na perspectiva de compreender o corpo como forma de vida que propomos pensar uma <pedagogia do corpo> a partir da noção de corporeidade. Não queremos negar que somos dotados de uma herança biológica, que nos defi ne como organismo vivo. Mas também construímos um modo de ser cultural que nos defi ne como inventores de formas de vida. É a nossa condição de artesãos de formas de vida que faz de nosso corpo: corporeidade. Pela noção de corporeidade, nosso corpo não é considerado apenas como objeto investigado a distância, mas como sujeito de uma forma de vida. Nesse sentido, qual seria a perspectiva de educação que o educador deveria adotar, considerando o corpo como corporeidade ou forma de vida? Para responder a tal questão, é indispensável compreendermos a corporeidade no cenário das expressões socioculturais de nosso mundo contemporâneo.

UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 1 Aula 2 Aula 3

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UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 1 Aula 2 Aula 3

AULA 2: CORPOREIDADE NO CENÁRIO CONTEMPORÂNEO

Na aula anterior, estudamos os desafi os de se construir uma pedagogia do corpo. Nesta aula, a proposta é pensar a corporeidade no cenário de nosso mundo contemporâneo.

Foucault (2004) nos diz, em Vigiar e Punir, que o Século XVIII não apelava mais para a ideia de que um soldado precisava de características naturais para se tornar um bom combatente. Os estados nacionais poderiam usar técnicas corporais para fabricar um soldado defensor da pátria. A natureza corporal, herdada pelas características biológicas, poderia ser moldada pela ciência do treinamento. Podemos destacar, nesse mesmo cenário, o surgimento do esporte moderno, marcado pela criação de métodos de treinamento para melhorar a performance do corpo. A determinação de procedimentos quantitativos de comparação de desempenhos corporais é um valor típico das organizações sociais que se constituíram com base na produção industrial racionalizada. Podemos ainda citar como exemplo a criação das Escolas de Ginástica que, no início do Século XIX, passaram a propagar e efetivar, por meio de exercícios padronizados, a ideia de que o desenvolvimento de uma nação estava associado à força física de seus cidadãos. O vigor físico passa, então, a ser extremamente útil para defender a pátria, bem como qualifi car fi sicamente os trabalhadores para as longas jornadas de trabalho nas fábricas. Os corpos dos cidadãos eram, ao mesmo tempo, soldados defensores das nações e instrumentos de produção.

A educação moderna é marcada pela inclusão da ginástica nas escolas, com o objetivo de produzir corpos disciplinados ou submissos. O “homem novo”, propagado pelos iluministas, precisava de educação física, que passa a incorporar o currículo escolar como conteúdo de formação do homem moderno. Ela era vivenciada nas escolas por meio de exercícios físicos fundamentados nos conceitos biomédicos. Nesse sentido, a educação física passou a ser um instrumento de saúde pública para implementar políticas higienistas e sanitaristas, com a fi nalidade de se alcançar uma vida saudável nos grandes centros urbanos. A escola transformou-se em espaço institucionalizado para se promoverem cuidados com o corpo. A necessidade de tais cuidados tem como referência as refl exões sobre a educação dos sentidos, propagada por Locke, Rousseau, Basedow e Pestallozzi. Esses educadores tinham em comum a defesa da necessidade de uma prática regular de educação física para o homem moderno.

Fonte: <http://addsite.fi les.wordpress.com/2008/12/vintagegym0071.jpg>.

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Busque no endereço <http://pt.wikipedia.org> mais informações sobre esse assunto.

A ciência e a técnica se juntaram para disciplinar e punir o corpo, tornando-o útil e obediente. A escola disciplinadora exaltava corpos performáticos e excluía corpos inefi cientes ou improdutivos. Ela colaborava para transformar corpos em máquinas, que deviam ter aptidões, minuciosamente controladas e integradas a um sistema de controle efi caz e econômico. Todavia, é preciso reconhecer que Foucault (2006), em <História da sexualidade III: o cuidado de si>, reconhece que o corpo não é reduzido a uma coisa submetida a um sistema de controle social. Ele também é revelador de práticas subversivas de poder, que podem perverter ou alterar uma ordem social instaurada. Logo, não podemos pensar a corporeidade apenas como propagadora de valores dominantes.

A década de 1960, por exemplo, pode ser entendida como marcada por muita rebeldia: protestos feministas queimaram sutiãs em praça pública, como símbolo da luta contra a repressão; o movimento de contracultura hippie pregava o slogan Flower Power (Força das Flores) para expressar o uso da não-violência em nome da paz e do amor, dentre outros.

Podemos citar também os movimentos de maio de 1968, na França, que mobilizaram estudantes e trabalhadores franceses para protestar contra uma sociedade conservadora e fechada, comandada pelo general Charles de Gaulle. Lembramos, ainda, que foi num contexto de regime militar, marcado por muita repressão, que, no Brasil, surgiram, naquela década, movimentos de protestos, como o tropicalismo.

Esses fatos servem para ilustrar que somos determinados pelas organizações sociais de que fazemos parte, mas também somos marcados por um princípio de indeterminação que nos faz livres para, dramaticamente, construirmos nossos destinos.

UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 1 Aula 2 Aula 3

Fonte: <http://www.bookhouse.pt/capas/g/02780010.jpg>.

Fonte: <http://blig.ig.com.br/apoiodobuteco/fi les/2008/12/wood17.jpg>.

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Atualmente, marcados pela pluralidade de modos de vida, podemos ver vários modos de viver expressos pelo corpo. Corpos tatuados, modelados em academias, com piercing ou submetidos aos espetáculos de suspensão por meio de grampos cravados na pele são representantes de tempos marcados pela espetacularização. A satisfação pessoal tornou-se escrava do olhar do outro.

No cenário contemporâneo, podemos dizer que o corpo é marcado pela extrema preocupação com a aparência. Pessoas são capazes de fazer qualquer coisa para alcançar os padrões estéticos vigentes. Elas são capazes de usar anabolizantes, fazer exercícios físicos ou regimes de forma exagerada ou, ainda, submeter-se a inúmeras cirurgias plásticas, visando ao corpo perfeito. Devemos nos adequar aos estereótipos criados e impostos pela sociedade de consumo? Qual o papel do educador num cenário em que as pessoas esquecem os limites do corpo para exibi-los como belos a qualquer preço? Qual a posição dos educadores sobre os valores vividos pelo corpo no mundo contemporâneo?

Para refl etir sobre essas questões, proponho que discutamos sobre o tema: educação e cuidado com o corpo.

EDUCAÇÃO E CUIDADO COM O CORPO

Vivemos, em 2010, uma situação de alerta sobre os riscos de uma possível epidemia global da Infl uenza A (H1N1), uma doença respiratória causada pelo vírus A. Devido a mutações no vírus e à transmissão de pessoa para pessoa, principalmente por meio de tosse, espirro ou de secreções respiratórias de pessoas infectadas, as escolas iniciaram várias campanhas que recomendavam uma série de orientações para os seus alunos, a saber: lavar as mãos frequentemente, com água e sabão, especialmente depois de tossir ou espirrar; não compartilhar alimentos, copos, toalhas e objetos de uso pessoal; evitar tocar olhos, nariz ou boca; evitar locais com aglomeração de pessoas; os alunos com sintomas de gripe não devem retornar às aulas até estarem completamente curados, entre outras. Nesse sentido, a boa higiene é indispensável para se prevenir contra situações de pandemias.

Em relação aos cuidados com o corpo, os educadores têm um papel signifi cativo na conscientização da necessidade de se adquirirem hábitos saudáveis para se preservar a vida. Todavia, será que eles devem reduzir seus ensinamentos sobre a corporeidade a uma mera transmissão de hábitos higiênicos? Tal questão não visa desconsiderar a importância da aquisição de hábitos higiênicos, mas evitar que o nosso corpo seja atacado por microorganismos que possam prejudicar nossa saúde. Não podemos negar que as orientações higiênicas são indispensáveis para proteger a vida das pessoas que vivem nos grandes centros urbanos. Aids, pediculose, escabiose, hepatite, tétano são males que podem ser evitados por meio de hábitos higiênicos.

Não temos dúvidas de que os conhecimentos e as técnicas para se evitarem doenças infecto-contagiosas devem ser ensinados nas escolas como um meio de conservar e fortifi car a saúde. Os cuidados com o corpo precisam ser compreendidos numa perspectiva que contemple não somente técnicas de cuidados, mas também uma refl exão sobre a convivência entre os corpos.

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A defi nição de normas sanitárias, o uso de vacinas, instalações de redes de água e esgoto são indispensáveis para o cuidado com o corpo. Cuidar do corpo exige encontrarmos meios para que convivamos melhor com o nosso semelhante. Não faz sentido cuidarmos do corpo se não for para sermos felizes.

O educador precisa criar uma rede de comunicação para refl etir, em sala de aula, sobre as responsabilidades que devemos ter pelos cuidados com o nosso corpo e o corpo do outro. Ele deve situar seus educandos em contextos de refl exões sobre a convivência com o outro, estimulando engajamentos para a formação de uma responsabilidade social. Portanto, precisamos alargar nosso olhar para o outro, e os cuidados com o corpo podem nos conduzir para uma cultura narcísica centrada numa moral higienista que fi xa hábitos em defesa da saúde, desconsiderando os apelos de hospitalidade e tolerância do olhar do outro. Qual o sentido de aplicar fl úor em todos os alunos da escola? Campanhas de higienização não podem estar desacompanhadas de uma refl exão sobre a convivência com o outro.

Precisamos, urgentemente, repensar o sentido de cuidar do corpo na perspectiva do acolhimento da <alteridade>. Nossa intenção é mostrar que a prática de uma pedagogia do corpo não deve ser reduzida à defi nição de procedimentos de vigilância e controle dos corpos, mas assumir o compromisso de instaurar discussões sobre a diversidade de formas de se promover a vida em sociedade.

Como considerar a convivência entre os seres humanos em tempos de excessivos cuidados com a aparência do corpo? Qual o sentido de se pensar o saber conviver num mundo em que a satisfação imediata, o gozo a qualquer preço e o consumo como chave da felicidade são modelos de formas de vida? É com base nessas questões que nossa proposta para a próxima aula é refl etir sobre o tema da corporeidade e da convivência.

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Ver: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Alteridade>.

Para aprofundar suas leituras, visite o link a seguir e leia o artigo intituladoCorporeidade contemporâneas: do corpo-imagem ao corpo-devir.

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1984-02922009000200013&script=sci_arttext

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AULA 3: CORPOREIDADE E CONVIVÊNCIA

Na aula anterior, estudamos o corpo na contemporaneidade. Agora falaremos sobre a corporeidade e nossas relações de convivência.

A escola é considerada como o lugar da produção de conhecimento por excelência. Ela valoriza, sobretudo, os processos de natureza intelectual. Todavia, não podemos deixar de destacar que a escola é um espaço de convivência. Logo, é lugar em que se deve aprender a conviver. Entretanto, tal saber não se reduz à mera aquisição de regras de convivência. Saber conviver é, antes de tudo, construir formas de familiarizar-se com o outro, respeitando a sua dignidade.

Por meio da corporeidade, o ser humano faz do outro um mediador de sua existência. Seja na condição de emissor ou de receptor de formas expressivas, o corpo insere o ser humano, de forma ativa e passiva, no espaço social. Segundo Caminha (2009, p. 30), “não somos meras máquinas que manifestam reações físico-químicas. Somos corpos que carecem do outro”.

A vulnerabilidade, a carência e o desamparo são marcas de nossa existência corporal. Portanto, o corpo é uma forma de vida moldada pelas interações sociais, socialmente construído pelo ser humano. “O homem não é produto do corpo, produz ele mesmo as qualidades do corpo na interação com os outros e na imersão do campo simbólico” (LE BRETON, 2007, p. 18-19). A corporeidade é socialmente construída, permitindo a formação de uma estrutura simbólica que reúne os mais variados estilos de vida.

A caracterização do corpo não pode ser vista de forma unânime. A visão moderna a seu respeito é apenas uma forma de representação fundada nos discursos biomédicos, amparados pela perspectiva anatomofi siológica. Freud e Merleau-Ponty deram importantes contribuições para libertar a corporeidade humana das amarras dos conhecimentos com base nesses discursos. Em suas refl exões sobre o corpo, eles contemplam a dimensão vivida e pulsional da corporeidade. Tais dimensões estabelecem relações com o mundo fundadas em intenções e desejos.

Do ponto de vista positivista, a Ciência transforma o corpo em objeto geral examinado a distância. Contrário à ideia do corpo como um objeto examinado por um olhar que não o habita, Merleau-Ponty (1994) concebe-o como vivido. O corpo vivido é aquele que resiste a toda forma de objetivação, pois ele é o “meu corpo” que expressa uma forma de viver. Numa perspectiva semelhante, Freud não concebe o corpo como um pedaço de coisa extensa, mas uma instância desejante sujeita à frustração, à insatisfação, à impotência e ao sofrimento.

Considerando que o corpo não pode ser refém de nenhuma representação unânime, é preciso compreender a convivência num cenário heterogêneo que exige respeito às diferenças. Nesse sentido, pensar uma pedagogia do corpo exige que consideremos a variabilidade das culturas corporais. As técnicas do corpo ou o uso que fazemos dele para atingir determinados fi ns são culturalmente diversifi cados. A maneira como

Fonte: <http://www.diaadia.pr.gov.br/tvpendrive/arquivos/Image/conteudos/imagens/portugues/indios.jpg>.

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Fonte: <http://1.bp.blogspot.com/_Pd9Dy9VF9GE/R48lBitp7iI/AAAAAAAAAMk/

t6b7oRSxEiw/s320/Iluminismo+-+a+refei%C3%A7%C3%A3o+dos+fi l%C3%B3sofos+(Jea

n+Huber).jpg>.

Fonte: <http://www.dlife.com/opencms/export/pics/dLife_Images/

fast_food.jpg>.

comemos, dormimos, habitamos e fazemos exercícios físicos é apreendida culturalmente por meio de ensinamentos de natureza técnica.

As técnicas corporais são difundidas pela educação, por meio da qual aprendemos a lavar as mãos antes das refeições, usar garfo e faca e nos alimentar em pratos individuais. Podemos aprender a comer com as mãos, num único prato, dividindo coletivamente os alimentos, ou, ainda, a comer com hashis, uns “pauzinhos” usados para pegar os alimentos. Alguns aprendem a dormir em colchões, redes ou em tatames, espécie de piso feito com palha de arroz. Existem aqueles que aprendem a morar em barcos, palafi tas, castelos, ocas, casas, apartamentos ou iglus. Há quem aprenda a fazer exercícios de yoga, ginástica, musculação ou Tai Chi Chuan. Todos esses exemplos servem para mostrar a diversidade cultural de usos do corpo que nos impedem de homogeneizar a corporeidade humana.

A diversidade cultural de forma de vidas indica o pertencimento sociocultural dos corpos, bem como os modos de convivência entre eles. Todavia, se tomarmos como referência os modos de convivência dos grandes agrupamentos humanos marcados pela globalização, veremos que há uma tendência a se homogeneizarem os corpos. Hábitos alimentares são adotados em todos os cantos do planeta, seguindo o modelo fast-food. MacDonald’s e Coca-Cola são símbolos desse modo de se alimentar. Calças jeans e tênis vestem homens e mulheres do mundo inteiro.

A <globalização>, processo de integração econômica, política e sociocultural de todos os povos do planeta, pode ser vista como uma forma de aproximar as pessoas. Mas a interação entre os povos pode servir para instaurar um modelo de convivência marcado pelo domínio de interesses mercadológicos que conduzem o homem a homogeneizar modos de convivência.

A diversidade cultural deve ser reconhecida como um patrimônio das diferentes formações sociais do planeta. Ela pode ser um princípio de orientação para a convivência entre os seres humanos e servir para mostrar que os modos de convivência são criados, preservados e mudados historicamente. Nesse sentido, se hoje vivemos em tempos em que a convivência entre os humanos é marcada pelos cuidados excessivos com a aparência

Leia mais sobre globalização no Trilhas do Aprendente Volume 2, componente curricular Sociologia Educacional II, Unidade I - Aula 2: A Elaboração da “ordem” na modernidade: em direção ao “paraíso”.

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do corpo, pela satisfação imediata, pelo gozo a qualquer preço ou pelo consumo como chave da felicidade, precisamos adotar, como educadores, uma postura crítica, capaz de mobilizar os aprendentes para se posicionarem sobre a convivência humana, fundada em padrões e códigos de comportamentos ligados ao corpo.

As atitudes em relação aos cuidados excessivos com a aparência do corpo precisam ser compreendidas e questionadas. Não estamos querendo aqui classifi car essas atitudes como vícios ou virtudes. O que está em questão é a compulsão pela busca de um corpo perfeito. Que desejo é esse que mobiliza pessoas a se tornarem escravas de dietas, exercícios físicos e cirurgias plásticas? Não se trata apenas de reconhecer o culto excessivo à imagem do corpo como traço cultural de nossa forma de conviver na atualidade, mas de questionar as possibilidades de fazer desse culto uma escravidão à imagem do corpo, que pode ser aprovada ou reprovada pelo olhar do outro.

Você já observou que os padrões de beleza, defi nidos pela mídia comercial, servem como modelos estereotipados para os nossos corpos? Ou ainda como os brinquedos infantis, em especial, as bonecas, infl uenciam nossa percepção do corpo?

Além da cultura da imagem do corpo, a sociedade contemporânea está marcada pela busca de satisfação imediata dos desejos. A sociedade de consumo propaga a ideia de uma possível conquista de satisfação instantânea de nossos desejos. As vitrines dos Shoppings Centers seduzem consumidores ávidos por novidades, sejam adultos ou crianças. Soluções mágicas para os grandes questionamentos da vida podem ser encontradas nos livros de autoajuda. Anabolizantes podem acelerar o lento processo de condicionamentos físicos nas academias. Cremes, depilações, massagens, cirurgias bariátricas ou plásticas podem ajudar a modelar o corpo perfeito. A indústria farmacêutica pode acabar com dores, azia, gorduras, depressão ou impotência sexual. Apesar de todas essas ofertas do mercado, encontramos o homem angustiado pelo desamparo de uma sociedade que não consegue cumprir com as promessas de preencher suas faltas. As tensões entre satisfação imediata e a incompletude devem ser questionadas.

O corpo a serviço do prazer, a qualquer preço, tornou-se um verdadeiro estilo de vida. A convivência humana é marcada por corpos que buscam gozar desconsiderando limites. O corpo experimenta os excessos do consumo oferecidos pelo capitalismo, e a ilusória sensação de completude, criada pelo império do gozo, esconde nossa condição de seres inacabados.

A busca da felicidade, que continua sendo uma aspiração do seres humanos, conduz-nos a formulações de ideais diversifi cados. Nossos sistemas de crenças e de representações precisam ser questionados. A desesperada busca da felicidade por meio do consumo precisa ser discutida e criticada. O crivo da crítica precisa ganhar espaço nas escolas. A construção de uma pedagogia da corporeidade exige uma análise crítica, e o ponto de partida dessa análise devem ser as próprias experiências corporais de educadores e educandos, que precisam ser compartilhadas e discutidas à luz de um distanciamento crítico.

O debate sobre nosso corpo, exposto ao olhar apreciativo ou depreciativo do outro, é fundamental para compreendermos nossa convivência com ele. Nessa perspectiva, propomos que continuemos nossas refl exões sobre a construção de uma pedagogia do corpo como forma de vida, examinando o tema: corporeidade, desejo, lei e regras de vida.

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CORPOREIDADE E DIGNIDADE HUMANA

AULA 4: CORPOREIDADE, LEI E DESEJO

A proposição de uma pedagogia da corporeidade, fundada na compreensão do corpo como forma de vida, exige uma refl exão sobre o corpo humano interagindo socialmente com outros corpos. Nosso corpo não pode ser reduzido à realização de atividades mecânicas. Ele realiza ações intencionais movidas por desejos e prazeres. Todavia, considerando o corpo num contexto de convivência social, ele deve ser submetido às leis da cidade em que vive. As leis, constituídas sob a forma de normas positivas ou de princípios morais, são determinantes nas relações de convivência, porquanto defi nem os limites de como o corpo deve agir em relação aos outros corpos.

O corpo é submetido a uma série de limites exigidos pelas instituições sociais, mas não apenas cumpre regras ou leis. Nesse sentido, os educadores devem fazer com que a estrutura normativa de uma sociedade seja assimilada pedagogicamente por meio dos projetos de vida de cada criança. O corpo não deve apenas ser disciplinado para seguir as leis, mas estimulado a criar modos de vida. Nosso desafi o, como educadores, é fazer da escola um lugar de convivência, capaz de integrar as regras de condutas da sociedade com a realização de projetos de vida.

Nosso interesse é considerar, no cenário da escola, os processos de interação social que são determinantes na aquisição de normas sociais. A escola não pode valorizar apenas processos de natureza intelectual. Sabemos que ela é o lugar da produção de conhecimento por excelência, onde aprendemos, sobretudo, a nossa língua pátria e os saberes científi cos produzidos por nossa cultura. Aprendemos também manifestações da cultura do corpo e da cultura artística. Todavia, a escola também é um espaço de convivência.

A convivência é um saber a ser apreendido. Esse saber não signifi ca apenas a simples aquisição de um conjunto de regras assimiladas no espaço escolar. Aprender a conviver não signifi ca, simplesmente, adquirir regras de convivência e, desse modo, o corpo ser integrado às estruturas normativas da sociedade. A convivência, como um saber que nos permite construir uma familiaridade com o outro, exige o exercício da capacidade de agir como sujeito de ações sociais, que, necessariamente, obriga-nos a respeitar a dignidade do outro.

As leis cumprem um papel indispensável e estruturante na formação do ser humano. Elas contribuem para transformar um conjunto de desejos desordenados em um sujeito organizado. Um espaço sem lei é extremamente nocivo à corporeidade. A lei não pode ser considerada apenas como ameaçadora à liberdade do sujeito. Ela é, acima de tudo, indispensável para a vida em comunidade.

Porém, nós, que somos educadores, responsáveis pela formação cidadã na escola, precisamos considerar o modo como cada pessoa se insere na sua comunidade. Desconsiderar os processos subjetivos de adesão das pessoas às leis da sociedade signifi ca por em risco toda forma de organização social. As leis não podem ser alheias ou totalmente estranhas aos sujeitos que constroem modos de vida por meio de suas corporeidades.

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Antes de serem cidadãos submissos às leis, os aprendentes são pessoas que desejam. Desejar é a característica essencial de todo e qualquer sujeito. Ele não é outra coisa além do desejo de ser, de tornar-se idêntico a si mesmo ou de constituir uma singularidade aceita socialmente.

Reconhecemos que as leis são absolutamente necessárias para reprimir desejos incompatíveis com a ordem social. A Lei impõe uma restrição aos desejos do corpo. É impossível se conceber a constituição de uma sociedade sem a contenção da dimensão pulsional presente em todos os seres humanos pelos seus corpos. Para Freud (1974), só há civilização se houver restrição das satisfações dos desejos. Para viver em uma sociedade civilizada, o ser humano precisa renunciar ou sublimar muitos de seus instintos. Nesse sentido, o homem que deseja e a civilização que reprime têm interesses confl itantes. Portanto, está instaurada aqui uma luta entre indivíduo e sociedade. Essa luta é intrínseca à natureza humana.

Nesse sentido, a lei pode ser considerada como alternativa de acordo entre desejos confl itantes que exige, de um lado, afi rmação de desejos, fundados na liberdade, e, de outro, renúncia de desejos, fundados na fraternidade. A educação, como processo civilizador, é inevitável e irreversível. Ela tem por tarefa contribuir para a sublimação dos impulsos primários do ser humano e deve colaborar para transformar pulsões sexuais contrárias ao processo civilizador da humanidade em atividades humanas reconhecidas socialmente como indispensáveis para o convívio social. Para que haja civilização, os instintos humanos devem ser subjugados à ordem da lei, que deve fazer parte do universo escolar como instância para que aceitemos que não podemos fazer tudo o que desejamos sem consequências. Assim, antes de ser repressora, a lei precisa ser formadora da responsabilidade social.

Nossos corpos saboreiam comidas, bebidas, passeios, boas conversas e carinhos. É por essa razão que dizemos que o conceito de saúde está associado ao de bem-estar. Todavia, o bem-estar não deve ser compreendido como busca desenfreada pelo prazer do corpo. Às vezes, a insatisfação, a frustração e o desprazer dos indivíduos são necessários para preservar a sociedade. Somos cientes de que tais compreensões são fundadas em valores, que são construções históricas.

Quando perguntamos a uma criança de dez anos sobre o que ela pensa quando um homem passa a roubar para dar comida ao seu fi lho que está com fome, é provável que ela diga que ele está correto, pois não suportaria ver seu fi lho faminto. É provável também que a referida criança diga que aquele pai está errado, pois roubar é algo proibido. Diante desse quadro social, podemos dizer que as nossas organizações sociais são injustas. Uns têm muito, enquanto outros passam fome. É chocante essa situação. A lei impõe ordem, mas precisa ser justa. Precisamos direcionar nossa indignação, transformando-a em luta por um mundo melhor, mais civilizado, democrático e justo.

Qualquer pessoa, em situação de privação material ou de fome, comete um crime ao roubar alimentos. O ato de roubar fere a lei e a moral dos bons costumes. Talvez seja fácil recorrer aos valores, às prescrições, às exortações ou às leis, quando não se está com fome. Todavia, não podemos instituir uma organização social fundados na satisfação das necessidades do corpo sem uma orientação que promova interdições sociais.

Em se tratando de aprender a viver em sociedade, a escola é um lugar privilegiado para se ensinar o valor da lei fundado na justiça. Considerando o corpo como modo de vida, é indispensável pensá-lo no contexto de uma cidade.

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Fonte: <http://4.bp.blogspot.com/_vc1VEWPuSmU/SPXKXMsMipI/

AAAAAAAADeI/0WP0S-AZz70/s1600/fome_no_mundo.jpg>.

Como diz Aristóteles, o homem só pode ser feliz na cidade. É na vida em comum que ele constrói sua felicidade, que é, fundamentalmente, uma edifi cação coletiva.

Sem a formação de valores, não podemos pensar em cidadania. A educação cidadã deve ser conduzida no sentido de fazer com que todos possam respeitar a lei. Educar o cidadão é exigir que o educando passe a obedecer às obrigações formalizadas pelas leis. Evidentemente, não podemos esquecer que as leis são criações sociais. Logo, elas podem ser instituídas e, em seguida, modifi cadas. Não apelamos para os corpos que se submetam às leis cegamente. Toda lei pode ser questionada. O que não podemos é pensar uma organização social desprovida de leis.

Entendendo a educação como formação, no sentido amplo do termo, que compreende as dimensões físicas, intelectuais e morais de todo ser humano, ela deve ser concebida não apenas para constituir o homem-cidadão, que exerce sua liberdade respeitando as leis, mas também para formar cada indivíduo no sentido de buscar sua dignidade humana. “Antes de ser repressora, a lei precisa ser formadora da responsabilidade social” (CAMINHA, 2007, p. 178).

Respeitar às leis como ordem estabelecida é indispensável para gerar nas crianças o hábito de obedecer. Mas não existe lei sem um sujeito que possa criá-la, cumpri-la, fi scalizá-la e, até mesmo, violá-la.

A escola não é apenas um lugar para nos ensinar a condição social de sermos submissos às leis, mas um espaço de formação de caráter, de personalidade. Saber conviver exige a aquisição de valores universais, como respeito mútuo, diálogo, justiça, solidariedade, tolerância, hospitalidade. Todavia, esses valores não devem ser ensinados como algo abstrato e distante do cotidiano dos alunos. Muito mais que aprender valores, precisamos desejar e produzir regras de vida que promovam a dignidade humana.

É preciso doar um sentido aos valores de convivência como princípios-guia para as nossas inter-relações sociais. Esses valores precisam ser objetos de desejos, indispensáveis para preservar aquilo que temos de mais precioso nas relações humanas: considerar o outro como semelhante e, ao mesmo tempo, diferente. Gostaríamos de reforçar que o conceito de semelhante não signifi ca idêntico, caso contrário, teríamos que considerar o outro destituído de sua condição de alteridade ou singularidade. Aprender a acolher o outro como outro é imprescindível para, efetivamente, sabermos conviver.

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AULA 5: CORPOREIDADE E DIGNIDADE HUMANA

O corpo humano, concebido como nosso ponto de vista sobre o mundo, exige que repensemos a perspectiva reducionista de considerá-lo apenas como um organismo vivo e complexo, estruturado por ossos, músculos e órgãos. Propomos que o corpo humano seja compreendido como um fenômeno biocultural porque, nesse sentido, ele é, ao mesmo tempo, vida orgânica, que interage com o meio ambiente, e vida cultural, que convive com os seus semelhantes numa organização social.

O corpo, que realiza movimentos intencionais, projeta-se no mundo para percebê-lo. A intencionalidade, vivida pelos movimentos de nosso corpo, é a nossa abertura dinâmica ao ser do mundo. Nesse sentido, os movimentos do corpo não podem ser reduzidos a um processo mecânico de estímulos e respostas. Sua visão mecanicista nos impede de considerá-lo como sujeito.

O corpo, submetido a treinamentos, dietas e regras estéticas, é um objeto manipulado para se alcançar uma forma desejada. É modelado por meio de exercícios, prescrições alimentares e estéticas. O corpo é, o tempo todo, vigiado e controlado com o objetivo de se tornar mais saudável e belo, mas pode ser compreendido como subjetividade que cria formas de ser. Ele não é simplesmente matéria extensa sujeita a um conjunto de relações exteriores e mecânicas, mas subjetividade ou consciência encarnada.

Nosso corpo não está apenas localizado no espaço como uma coisa que podemos identifi car, precisamente, qual a posição que ocupa. Nosso corpo se movimenta, buscando situar-se intencionalmente no espaço. Nesse sentido, não temos um corpo, que conduzimos daqui para ali, mas somos o nosso próprio corpo, que nos possibilita situarmos dinamicamente no espaço.

Diferente da máquina, nosso corpo é livre e constrói formas de vida. É bem verdade que essa construção está amparada em um organismo biologicamente constituído. Somos artesãos de nós mesmos a partir de uma condição já dada. A liberdade é radicalmente situada numa sociedade e numa cultura, portanto, precária e vulnerável. Não há liberdade absoluta, tendo em vista que também somos vidas determinadas biologicamente. Todavia, reconhecemos que, cada vez mais, fazemos usos de biotecnologias para alterar o corpo. Tais alterações parecem indicar que nosso corpo está obsoleto, como diz Le Breton (2007).

As descobertas científi cas e as invenções tecnológicas estão transformando nossos corpos. Nesse contexto, cabe-nos perguntar: em que medida o corpo, submetido a uma

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Fonte: <http://www.colorado.edu/news/r/14de1a1049d4df00e6fd0614606e42d5/Oscar%20Pistorius.jpg>.

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série de transformações, por meio dos recursos das tecnociências, estaria ameaçando a dignidade humana? O que vem a ser dignidade humana?

Quando Oscar Pistorius, atleta sulafricano, que teve as pernas amputadas, decidiu correr com suas próteses de fi bra de carbono nos Jogos Olímpicos de Pequim, constatamos um exemplo de superação humana, auxiliado pelo uso das tecnociências. Ele não se contentou em participar dos Jogos Paraolímpicos, mas deseja ser incluído nos Jogos Olímpicos como um atleta olímpico.

A Federação Internacional de Atletismo (IAAF) não autorizou a participação de Pistorius, argumentando que ele consegue vantagens sobre os outros atletas, graças às próteses mais fl exíveis e potentes que a perna humana, e interditou sua participação não apenas em Pequim 2008, mas em qualquer competição que ela organizasse. Nesse sentido, parece que as tecnociências permitiram um atleta sem pernas ter vantagens injustas sobre os atletas considerados normais.

Contrário à posição da Federação Internacional de Atletismo, o Tribunal Arbitral de Desportos (TAS) pronunciou-se a favor de Pistorius, mas não fi cou convencido de que houvesse provas sufi cientes de possíveis vantagens a favor do atleta. Tal decisão permitiu que Pistorius tentasse garantir o tempo mínimo de qualifi cação exigido para participar da prova dos 400 metros nos Jogos de Pequim. Suas tentativas não foram sufi cientes para obter o índice olímpico. Ele poderia ter participado dos Jogos na equipe de revezamento 4X400 metros. Todavia, a Federação Sulafricana de atletismo não convocou o atleta, alegando que havia outros mais velozes na equipe olímpica. Ressaltamos que Pistorius assegurou que lutará para participar dos Jogos Olímpicos de Londres em 2012.

Seu desejo de se tornar o primeiro corredor amputado a competir nos Jogos Olímpicos deve ser submetido a uma série de refl exões éticas sobre os limites do uso das tecnociências no esporte. Uma tensão institucional se instaura entre o valor da superação humana pelo direito de competir e o valor do jogo honesto. As decisões tomadas sobre essa tensão podem exaltar a dignidade humana ou comprometê-la.

Em que medida, então, as pernas protéticas de Pistorius são usadas para superar sua defi ciência ou para proporcionar uma vantagem desleal em relação aos outros competidores?

Corpos cyborgs de pessoas com defi ciência, que desejam fazer um passeio no parque, não podem ser pensados da mesma forma de corpos cyborgs que desejam participar de competições esportivas. As competições esportivas podem ser tão exacerbadas que atletas podem chegar ao ponto de substituir seus membros naturais saudáveis por membros artifi ciais, visando maiores performances. Seria um absurdo detectarmos automutilações nos corpos dos atletas para se obterem membros mais performáticos. Quando falamos de absurdo, é porque estamos situando o problema no contexto ético.

O problema é saber em que medida o suporte tecnológico melhora a performance dos atletas, caracterizando o doping tecnológico. Além desse problema, existe a questão de acessibilidade aos avanços tecnológicos. Podemos citar o exemplo de atletas que jogam basquetebol em cadeira de rodas e que podem ter acesso a equipamentos mais sofi sticados que vão interferir no rendimento. O acesso à tecnologia de ponta passa a ser determinante nos resultados esportivos.

É no contexto de uma prática esportiva, marcada pelo uso das tecnociências, que apelamos para uma ética fundada no compromisso da responsabilidade pela vida. Não precisamos apenas de limites éticos, que nos orientem para construir um discernimento sobre dilemas morais oriundos

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do uso das tecnociências no esporte. Antes de qualquer coisa, precisamos ter plena consciência de que poderemos ser chamados a responder por aquilo que fazemos ou deixarmos de fazer. Inspirados em Henri Atlan, estamos falando de uma “responsabilidade a priori”. Tal responsabilidade signifi ca: “sou responsável porque assumo o encargo de alguma coisa” (ATLAN, 2004, p. 59). Devemos sempre responder pelas nossas ações, que respondem pelo que somos.

O que nos faz dignos de sermos humanos é a nossa condição de responsáveis. Ela é o fundamento de nossa condição humana. Encarregar-se da preparação de atletas ou ocupar-se da missão de ser um atleta pressupõe responsabilidades. Não temos apenas responsabilidades ulteriores ou contingentes, fundadas na culpa de ter cometido um delito. O corpo do atleta é um sujeito que expressa uma forma de existir. Tal forma, construída socialmente, é marcada pela responsabilidade a priori, que exige um compromisso ético fundado na dignidade humana.

Não devemos temer os novos conhecimentos; devemos temer, sim, a ignorância e o obscurantismo. Devemos, sim, exigir que o conhecimento seja obtido de forma adequadamente ética e que tal conhecimento seja empregado em benefício do ser humano (HOSSNE, 2004, p.189).

A ofensa à dignidade humana não está apenas na possibilidade de, por meio das tecnociências, tratar-se o corpo do atleta como coisa ou máquina desprovida de subjetividade. Tal ofensa se dá, sobretudo, quando, usando as ferramentas das tecnociências, não assumimos a atitude de nos responsabilizarmos eticamente pela produção de corpos atléticos. Nesse sentido, somos favoráveis ao uso do saber técnico para treinar atletas, mas é preciso transcender esse saber, considerando o esporte como uma prática ética. Quando nos referimos ao corpo humano, em especial, o corpo do atleta, não podemos considerá-lo como desprovido de cultura. Atualmente, não se é atleta de alto rendimento sem o auxílio das tecnociências. Levando em consideração o esporte, a natureza está defi nitivamente humanizada. Mas, que humanidade desejamos?

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AULA 6: CORPOREIDADE E HUMANIDADE

Nosso grande desafi o, como seres humanos, é o de aprender a fazer a nós mesmos, a partir daquilo que já somos. Temos uma existência pessoal, que nos defi ne como artesãos de nós mesmos e, simultaneamente, já somos situados no mundo. Toda liberdade é radicalmente situada, tendo em vista que somos também uma existência pessoal e anônima. A primeira se refere ao corpo, como refém de um mundo já dado, que não posso escolher. A segunda diz respeito ao corpo aberto a uma história ou a uma existência em primeira pessoa, que se relaciona com outros corpos.

Não faz sentido educar se não for para aperfeiçoar a nossa condição de existência humana. É por essa razão que Rousseau (1992) fala de um duplo nascimento quando vai tratar da educação. Poderíamos identifi car esse duplo nascimento como sendo, de um lado, vir ao mundo naturalmente, como ser existente e, de outro, pertencer a uma sociedade como indivíduo regulado por leis. No primeiro caso, o ser humano é concebido como detentor de uma espécie de liberdade natural indiferente ao bem e ao mal. Ao contrário, no segundo, ele passa a conviver com os seus semelhantes.

A vida humana não é regida apenas por normas e leis positivas, pois o agir do ser humano depende dos valores morais adotados por uma determinada sociedade. Mas o que cabe ao educador? Será que sua função se restringe a disciplinar e reprimir seus educandos para se integrarem à sociedade? Agindo assim, o educador estaria apenas zelando pela preservação da sociedade, sem levar em consideração o sujeito consciente de suas ações morais. O dever que expressa o caráter de obrigatoriedade de nossas ações morais não pode eliminar a autonomia do sujeito moral que reconhece a universalidade de uma norma ou de uma lei. É por esse motivo que tanto Rousseau quanto Kant consideram que a educação do ser humano não deve ser voltada apenas para a formação do cidadão que obedece às leis da constituição de um Estado, mas para a formação do homem que dignifi ca sua condição de humano pelas suas ações morais.

Não queremos dizer que estamos simplesmente dando menor importância à educação, como formação do cidadão, e priorizando-a como formação do humano. Sabemos que uma e outra podem ser consideradas interligadas. Quando educamos alguém para ser um cidadão que respeita as leis de sua nação, esperamos que ele seja merecedor da designação “ser humano”. Mas o problema é que cada nação tem sua Constituição, que é concebida em função de questões peculiares. Mas será que podemos ainda pensar numa educação do humano? Será que, nosso tempo, marcado pela diversidade de culturas, é permitido que falemos de ser humano num sentido universal? E a Declaração Universal dos Direitos Humanos expressa, realmente, a universalidade do

Fonte: <http://www.indiosonline.org.br/blogs/media/users/potyrate/declaracao.gif>.

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ser humano? Será que essa Declaração não é apenas fruto de ideais iluministas que representam valores eurocêntricos?

Apelar para o caráter multiétnico da cultura não signifi ca abandonar o debate em torno da questão do humano. Não associamos o respeito à alteridade cultural com a morte do homem. A valorização das múltiplas manifestações culturais não implica a perda da noção de uma identidade humana entre diferentes culturas. O mosaico de culturas, que compõem a vida humana na Terra, não nos impede de pensar peculiaridades comuns aos seres humanos. Pensamos que, para compreender os atributos próprios do ser humano, com base em diferentes comunidades culturais, precisamos estar atentos à dimensão biocultural de sua existência.

Não podemos tratar e defender temas humanistas como liberdade, igualdade, fraternidade, solidariedade, felicidade, respeito e tolerância sem considerar que somos seres corporais situados na história, esta, como tempo e espaço vivido. Não podemos pensar o humano como se fôssemos intelectuais que ignoram a violência da guerra, das ocupações e do terrorismo. O humano não apenas está em crise conceitual, mas, sobretudo, está ameaçado pela violência que, curiosamente, pode destruí-lo, mas que também é usada para instituí-lo. Não defendemos o pacifi smo radical, mas somos radicalmente contra a violência gratuita, sem compromisso com a dignidade humana. Nada mais perigoso para a vida humana que a banalização da violência. No cenário da luta política, muitas vezes, não podemos eliminar a possibilidade da violência, mas podemos evitar cair nela cegamente.

A possibilidade de reconhecermos a dignidade humana, na responsabilidade com a vida do semelhante, pode ser a referência educativa que anima a proposição de uma pedagogia do corpo. A Declaração Universal dos Direitos Humanos pode ser um documento que nos ajude a reconhecermos todos os humanos como membros de uma mesma família, que têm direitos iguais e inalienáveis.

Reconhecemos que existem muitos desafi os para termos uma humanidade em que todos os seres humanos possam gozar de liberdade de expressão e de crença. Nossos corpos precisam de liberdade para expressar nossas opiniões e convicções. Todavia, o grande desafi o é fazer com que todos possam viver a salvo das necessidades fundamentais. Os seres humanos, protegidos pelos Estados de Direitos que visam livrá-los da tirania e da opressão, nem sempre, conseguem ampará-los com direitos sociais.

O pleno gozo dos direitos depende das garantias de condições materiais que exigem uma ordem social regida por uma justiça distributiva. Nesse sentido, a educação ganha uma perspectiva política de luta pela diminuição das desigualdades sociais. A educação deve ter o papel de formar cidadãos livres para discutirem sobre as alternativas de normatividade institucionalizadas socialmente. Tanto os princípios morais como as leis de uma comunidade política só têm sentido quando são reconhecidos ou internalizados por aqueles que agem dentro de contextos sociais estruturados. Somos condenados a viver cercados por dilemas morais, que nos impõem tomadas de decisões que devem ser assumidas.

Educar para aperfeiçoar incessantemente o ser humano, eis o lema de todo educador comprometido com a vocação de realizar o projeto de construção de uma sociedade democrática, justa e solidária sem, no entanto, aceitar o uso de qualquer ação que seja moralmente condenável.

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Nosso desafi o é educar para aperfeiçoar o ser humano. A identidade do aluno, como ser humano, é uma construção histórica. No conjunto das experiências pedagógicas oferecidas aos alunos no cenário da escola, consideramos que é necessário contemplar vivências que dignifi quem o corpo humano como forma de vida singular que interage com outros corpos.

Segundo Merleau-Ponty (1994), a intercorporeidade é a comunicação de um corpo que percebe outro corpo, reconhecendo-o como percipiente estrangeiro, mas, ao mesmo tempo, familiar porque compartilha com ele de um mesmo mundo sensível. Nesse sentido, podemos falar de uma espécie de circuito intercorpóreo, que é a relação de mediação entre um corpo que necessita de outro corpo para poder constituir-se como humano. Nossa situação antropológica original é ser-com. Não podemos conceber uma pedagogia do corpo sem considerar que toda corporeidade é, antes de tudo, intercorpórea.

O outro é expressividade que me situa num campo perceptivo ampliado, possibilitando percepções compartilhadas; é uma instância de sedução, que me situa no campo sexual, regulado pelo princípio do prazer/desprazer. Em ambos, o corpo é o lugar de abertura para o outro. Talvez estejamos abrindo caminhos para refl etir sobre a necessidade de contemplar o tema da ética, quando pensamos numa pedagogia do corpo.

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CORPOREIDADE E VALORIZAÇÃO DA VIDA

AULA 7: ÉTICA E CORPOREIDADE

Todo homem é um ser que age e submete seu agir a um julgamento moral, que se orienta por certos valores guiados por princípios éticos. Logo, ele é um ser essencialmente ético, porque não apenas age, mas refl ete sobre seus atos. Quando essa refl exão diz respeito a um indivíduo ou um grupo, que examina se suas ações estão de acordo com determinados valores estabelecidos socialmente, dizemos que estamos no âmbito restrito dos costumes ou da moral. No entanto, as refl exões sobre as regras de conduta consideradas válidas por determinados grupos sociais não alcançam necessariamente uma apreciação que ganhe um sentido universal. É somente no cenário de uma refl exão sobre o comportamento moral do homem, numa perspectiva universal, que situamos o problema da ética.

A ética não é apenas a indicação de uma série de comportamentos considerados moralmente corretos e que devem ser seguidos por certas pessoas. Ela é a ciência dos costumes que regulam o agir do homem segundo valores concernentes ao permitido e ao proibido. A ética implica uma refl exão sobre o signifi cado dos valores morais. Portanto, quando se fala em ética, não basta formular juízos morais como algo inevitável à vida humana. A ética só é possível quando refl etimos sobre a validade universal das normas morais.

De modo evidente, a validade universal das normas morais, que determinam se certo tipo de agir é bom ou mau, não pode ser tratada como um fenômeno isolado de um contexto histórico e geográfi co, na medida em que os problemas éticos estão diretamente ligados à vida cotidiana das pessoas. Os homens estão sempre recorrendo a uma diversidade de práticas morais e, em muitas ocasiões, opostas. A ética está sempre se deparando com uma série de práticas morais, frutos da multiplicidade de experiências humanas. No entanto, ainda que consideremos o comportamento moral dos homens como sendo sujeito a variações de uma época para outra e de uma sociedade para outra, estaremos sempre fazendo referência ao ser humano como ser social. É nessa perspectiva que Vázquez defi ne a ética como “a teoria ou a ciência do comportamento moral dos homens em sociedade” (1977, p. 12). A questão que se evidencia é saber quais são os princípios éticos que devem servir para orientar as ações do homem no sentido universal do termo.

É, precisamente, no cenário da modernidade, que a ética, como doutrina da conduta humana, atinge o seu ápice como ciência fundada no homem universalmente considerado. É por esse motivo que Kant afi rma que, “se a religião não vem acompanhada pela consciência moral, permanece inefi caz” (2002, p. 100). Se não for associada ao aperfeiçoamento moral da humanidade, ela não passa de um culto fundado em relações supersticiosas com uma determinada divindade objeto de culto.

Defi nir a ética como teoria da conduta humana diante de seus semelhantes, numa perspectiva universalista e livre de pressupostos religiosos, signifi ca considerá-la em seu sentido

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amplo. É bem verdade que podemos evocar aqui nossa realidade atual que, dominada pelo particularismo e pelo historicismo, pode ser vista como uma época contrária a toda tentativa de se conceber uma moralidade universal. Portanto, “não há possibilidade de fundamentar o julgamento moral à luz da razão” (ROUANET, 1992, p. 154). Vivendo num cenário antiuniversalista, não podemos admitir princípios morais intemporais e universais na medida em que os valores morais são validados pelas culturas, e não, pela razão. A utopia iluminista de uma ética fundada na razão é posta em crise e rejeitada. Todavia, independente do caminho iluminista ou anti-iluminista aqui considerado, ainda estamos pensando a ética num sentido amplo.

Assim, podemos pensar a ética com a intenção de examinar o problema dos fundamentos que determinam a conduta humana de maneira geral, mas podemos também, por exemplo, conduzir nossos questionamentos éticos no sentido de tratar dos sistemas de normas que regulamentam os cuidados com o corpo.

Um valor moral não signifi ca, necessariamente, uma lei positiva escrita num código. Ele é um modo de agir fundamentado num princípio ético. Por exemplo: dizer a verdade, cumprir com as promessas, ser justo, solidário e tolerante. Agir eticamente signifi ca viver em conformidade com valores sociais considerados bons.

Vamos supor que nós vivemos numa sociedade que considera o uso de anabolizantes algo proibido. Ele é até tolerado se for usado em casos especiais e sob recomendação médica. Somente o médico seria habilitado para identifi car esses casos e medicá-los. Vamos supor também que, nessa sociedade, a proibição do uso de anabolizantes seja devidamente regulamentada sob a forma de uma lei. Em nossa sociedade, por exemplo, os anabolizantes só podem ser vendidos sob receita médica em duas vias e exclusivamente com fi nalidades terapêuticas, conforme a Lei 9.965/2000. Nesse caso, se alguém descumprir essa norma, é considerado um fora da lei. Mas não queremos apenas tratar a questão do uso de anabolizantes como um problema médico-farmacológico e legal, nosso desafi o é examiná-lo numa perspectiva ética.

A questão do uso ou não de anabolizantes só se torna um problema ético se perguntarmos qual é o valor moral que fundamenta tal questão. Vamos supor que nossa sociedade não admite o uso de anabolizantes porque considera que eles trazem prejuízos à saúde. Nosso corpo deve

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Fonte: <http://addsite.fi les.wordpress.com/2008/10/anabolizantes.jpg>.

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ser preservado em permanente bem-estar. O uso de qualquer substância que possa comprometer esse bem-estar do corpo deve ser determinadamente proibido.

Imaginemos que uma pessoa dessa sociedade faça a seguinte pergunta: Mas o que signifi ca bem-estar? Para mim, diz ela, o mais importante é que eu me sinta bem. O que me interessa é ter, o mais rápido possível, um corpo musculoso, sarado, mesmo que, para isso, tenha de usar anabolizantes. É bem verdade que eu não tenho defi ciência hormonal de testosterona nem retardo pubertário, quero ser simplesmente musculoso. Eu não me importo nem mesmo se minha vida será abreviada em função disso. Não tenho medo de morrer, nem de fi car estéril, tampouco de ter uma doença grave. Penso que tenho liberdade para decidir se devo ou não usar anabolizantes. O meu desejo é aumentar o tamanho da minha força muscular e pronto. Já tenho mais de dezoito anos e, acima de tudo, o meu corpo me pertence. Defi nitivamente, eu não me adéquo aos padrões morais de uma sociedade castradora. Sou eu quem decide sobre o meu corpo. Posso até me matar e ninguém pode me impedir. O mal do homem não é o que entra pela boca ou pela seringa, mas o que sai dela. Quantos só consomem produtos dietéticos e são mentirosos, salafrários e patifes? Essas são verdadeiras doenças. O sentir-se bem é relativo. Sou eu quem deve decidir sobre isso.

Imaginemos também que outro membro dessa sociedade se disponha a prescrever e a administrar doses de anabolizante à pessoa que descrevemos acima. Ele argumenta, dizendo que existe uma indústria que produz tal produto e que a pessoa que está solicitando os seus serviços é maior de idade. Além disso, ele vai aplicar uma dosagem certa, pensando no bem-estar de seu cliente. Assim, ele não vê qualquer mal em fazer isso. Nesse sentido, se existem anabolizantes, e pessoas desejam consumi-los, é porque isso ainda não foi um problema resolvido pela sociedade. Tem pessoas a favor e contra. Quem está com a razão? O uso e não uso de anabolizantes é uma questão relativa. Cada indivíduo deve ser livre para decidir sobre isso. Não é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária que vai me impedir de comprar e aplicar anabolizantes. Quando Deus disse a Adão e a Eva que eles poderiam comer de todos os frutos do paraíso, com exceção da árvore do conhecimento do bem e do mal, Ele desejava que ambos obedecessem a seu mandamento. Todavia, não poderia deixar de considerar que tal desejo poderia ser frustrado porquanto eles eram livres para decidir sobre como deveriam agir. E não venham com esse papo de ética. Isso não passa de um modismo. Eu sou apto a discernir entre o bem e o mal, fazendo uso apenas da minha consciência.

Uma coisa é certa: um homem só pode ser ético se for livre. Nesse caso, poderíamos dizer que as duas pessoas que imaginamos fazem uso de sua liberdade para dizer como é que elas querem viver as suas vidas. Afi nal de contas, o seu corpo lhes pertence. E agora, quem está certo? O indivíduo ou a sociedade?

No campo da ética, o indivíduo pode até criticar os valores da sociedade e propor mudá-los pelo caminho legítimo do diálogo, mas é a sociedade que deve predominar sobre o indivíduo. Evidentemente, essa sociedade não precisa ser autoritária, nem necessita impor valores sem argumentação, sem discussão. Para ser éticos, temos de respeitar o lugar em que vivemos. Tal postura não precisa ser conservadora, tradicional ou alienada.

É bem verdade que um valor moral é construído historicamente. Isso signifi ca que ele é

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hoje, mas, amanhã, pode não ser mais. E se hoje ele é válido, devemos aceitá-lo, mesmo que seja possível criticá-lo.

No seio da sociedade, o ser humano não deve governar o seu agir, exclusivamente, pelos seus desejos. Dessa maneira, estaríamos privilegiando a satisfação dos desejos em prejuízo da realização de ações morais guiadas por princípios éticos. Aliás, o ser humano só é livre porque pode não fazer aquilo que quer fazer.

Toda sociedade necessita de um conjunto de normas e valores morais que orientem o agir dos indivíduos. Ela precisa de princípios éticos que possibilitem uma convivência entre grupos. Pensar assim não signifi ca curvar-se diante do poder ou aderir a tudo o que a sociedade defi ne como correto sem crítica ou questionamentos.

Se nossa sociedade defende o não uso de anabolizantes, é porque profi ssionais de saúde, religiosos, juristas e deputados querem primar pela saúde dos cidadãos. O interesse aqui é o bem comum. Nesse sentido, tanto o usuário quanto aquele que recomenda e aplica anabolizantes estão sendo antiéticos porque estão ferindo um princípio fundamental de nossa sociedade, que é preservar a saúde. Evidentemente, estamos admitindo, de forma inconteste, que os anabolizantes fazem mal à saúde.

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AULA 8: PÓS-MODERNIDADE E CORPOREIDADE

Antes de tudo, compreendemos a ética como uma refl exão sobre a validade universal das normas morais. Nesse sentido, os princípios éticos universais defi nem como todos os seres humanos devem agir em relação aos seus semelhantes. Todavia, esses princípios estão sempre em confl ito com uma multiplicidade de práticas morais fruto da diversidade de culturas humanas. Onde poderíamos então situar a ética num sentido universal em tempos pós-modernos? Os princípios morais, traçados por certos fi lósofos, para orientar o agir humano em relação aos seus semelhantes, devem ser considerados universalmente válidos para toda a humanidade?

Contrariando a perspectiva judaico-cristã, que fundamenta normas de condutas morais na crença em Deus, a modernidade considera a ética como uma ciência fundada no homem universalmente considerado. Como sujeito moral, ele é o centro de sua conduta. A ética torna-se secular e perde seu fundamento eminentemente religioso. O homem se sente responsável pelos seus atos e tem consciência do seu dever moral. Ele busca agir corretamente, não porque sofrerá castigos de Deus, de deuses ou de qualquer outra entidade sobrenatural. Ele confi a na sua razão, ou seja, na sua capacidade de discernir por si mesmo o que signifi ca agir de maneira justa e correta. A racionalidade moderna se contrapõe ao dogmatismo judaico-cristão.

A modernidade instaura a perspectiva de considerar a vida humana pelo viés da autodeterminação, cujo princípio moral torna-se o fundamento do comportamento ético adulto. É com base nesse princípio que os educadores propõem uma educação para a autonomia. Portanto, considerando que o processo educativo deve contemplar uma pedagogia da corporeidade, não podemos pensar que os sujeitos morais são apenas consciências desprovidas de corpo. Pensar princípios éticos fundados em princípios leigos ou seculares não deve ser um mero exercício formal.

O homem prescreve para si mesmo normas que deverão ser seguidas segundo sua razão. A modernidade expressa uma vontade de organizar o real segundo uma racionalidade independente de toda e qualquer autoridade que não seja a própria razão. O homem se coloca na condição de observar, julgar, ponderar, decidir e agir a partir de sua própria razão.

A contingência histórica, marcada pela diversidade cultural de modos de ser humano, difi culta a fundamentação universal de uma ética. Contrapondo-se à perspectiva ética da modernidade, nosso mundo contemporâneo, dominado pelo historicismo e pelo particularismo, pode ser visto como uma época contrária a toda tentativa de se conceber a ética como valor universal. Desse modo, é impossível fundamentar o julgamento moral à luz da razão, como pensavam os adeptos do Iluminismo.

Adotando uma perspectiva antiuniversalista, não se podem admitir princípios morais intemporais e universais posto que os valores morais são validados pelas diferentes culturas, e não, pela soberania da razão. A utopia iluminista de uma ética fundada na razão é posta em crise e rejeitada pela pós-modernidade, que anuncia a impossibilidade de se substituir a diversidade pela uniformidade. A experiência da pluralidade das culturas e da historicidade contingente inviabiliza toda forma de fundamento defi nitivo. A ontologia pós-moderna considera, radicalmente, o ser como evento histórico e, assim, torna-se inviável concebê-lo segundo estruturas rígidas e imutáveis. Então, só é possível pensar uma ética fundada em princípios fl exíveis e mutáveis.

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Para a pós-modernidade, a ética universal não passa de uma ilusão. Eis o seu desígnio: libertar o homem dos últimos vestígios de opressivos deveres infi nitos, mandamentos e obrigações absolutas. Toda pretensa verdade absoluta é radicalmente criticada e contestada. Não há lugar para totalitarismos no mundo pós-moderno. Um mundo efetivamente pluralista não se deixa interpretar por um pensamento que deseja unifi cá-lo em nome de uma verdade defi nitiva.

É no cenário de um mundo marcado pelo fi m da centralidade da razão que Lyotard (1989) aponta para o fi m das metanarrativas. As grandes narrativas de valor universal são questionadas como sustentáculos das ações morais. Como diz Bauman (1997), vivemos em tempos de uma modernidade líquida, marcada pelo fi m de princípios sólidos que sirvam de referência para o agir humano. Ou ainda podemos falar que vivemos em tempos hipermodernos, marcados pela exacerbação do individualismo, do consumismo e do culto aos excessos, conforme pensam Lypovetsky e Charles (2004).

Talvez não possamos afi rmar, com precisão, a existência de um tempo pós-moderno, por entender que ainda não concretizamos os ideais da modernidade em sua plenitude. Todavia, podemos sugerir que, mesmo sem uma suposta efetivação histórica de um tempo pós-moderno, que substitua cronologicamente a modernidade, a perspectiva pós-moderna já existe como contestação de toda forma de discurso universal ancorado num fundamento único. As marcas dessa perspectiva podem ser visualizadas nos corpos.

Vivemos em tempos marcados por corpos que buscam a satisfação imediata. Corpos de proporções perfeitas são compulsivamente procurados. O hedonismo corporal exacerbado domina nossos tempos. As formas originais do corpo são constantemente modifi cadas para se alcançar uma espécie de aperfeiçoamento estético.

Técnicas de modifi cação corporal são usadas para se ter um corpo perfeito, que será objeto de apreciação e satisfação estética. Buscar uma imagem corporal que seja agradável aos olhos tornou-se uma obsessão. Fazer do corpo a cópia fi el de um modelo de beleza, adotado socialmente, põe em risco os valores de uma vida saudável. O corpo adquire tão somente a função de busca pelo prazer imediato.

Estamos vivendo em tempos de estetização da saúde. A maioria das pessoas não realiza mais uma dieta visando à saúde, mas ao corpo belo.

É verdade que, no cenário da pós-modernidade, não temos um padrão único de beleza. Todavia, todos os corpos buscam o gozo de um corpo belo. Mesmo que os padrões de beleza sejam diversifi cados, todos desejam um aperfeiçoamento estético do corpo. Nesse sentido, estamos vivendo os perigos da banalização da vida.

Somente corpos modifi cados podem ser belos.

Fonte: <http://1.bp.blogspot.com/_vvxnmsJ4vU0/Sw7D7Tcj49I/AAAAAAAAAOs/

C1UKSvJ0XfE/s1600/vigorexia.jpg>.

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A confi ança na técnica é o caminho para o bem-estar. Ser belo e estar bem consigo mesmo parecem estar intimamente associados. Desprovido de parâmetro sólido de beleza, parece que tudo é permitido. O hedonismo consumista impera para o homem realizar os sonhos de mercado de um corpo que busca ser belo a qualquer preço. Modifi car-se constantemente e rapidamente parece ocupar um lugar central na vida das pessoas.

Precisamos refl etir sobre o sentido da vida em tempos em que ser magro e musculoso pode ser uma busca sem o devido respeito à vida. A busca de um corpo ideal faz da existência corpórea um mero artefato de aparências estéticas. Parece que estamos encantados pelas possibilidades técnicas de modelarmos nossos corpos, pondo em risco a própria vida. Assim, parece indispensável pensarmos uma pedagogia do corpo considerando uma refl exão sobre corpo, saúde e beleza.

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Refaça a trilha percorrida no componente curricular Sociologia Educacional II e leia mais sobre modernidade e pós-modernidade.

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AULA 9: CORPO, SAÚDE E BELEZA: OS PERIGOS DA BANALIZAÇÃO DA VIDA

Mesmo que aceitemos que a prática regular da atividade física seja recomendada por razões de saúde, o fato é que muitas pessoas recorrem às academias com fi ns meramente estéticos. Como diz Foucault (1999), o corpo pode até fi car nu, desde que seja magro, bonito e bronzeado. Há uma ditadura da beleza que exige os padrões do magro e do musculoso, alcançados pelo sacrifício do corpo. Tal situação social nos exige uma investigação sobre o fenômeno da compulsão pela modelação do corpo.

Muitas pessoas procuram fazer atividades físicas regulares que visam a uma melhor qualidade de vida. Isso é extremamente comum nos grandes centros urbanos. “Portanto, não se trata apenas de cultivar o corpo, e sim, de fazer desse culto uma escravidão” (QUEIROZ, 2009).

A preocupação com a aparência pode ser manifestada pelo uso de cosméticos e pela disciplina alimentar. Todavia, atualmente, essa preocupação está muito associada à prática de atividade física. A lógica da cultura do consumo colocou ao alcance das pessoas inúmeras práticas que se ocupam de cuidar da aparência. O bem-estar não está apenas em se ter um bom condicionamento físico, mas também em se atingir a perfeição corporal. Estamos diante de uma mudança de paradigma em relação às motivações para a prática regular de atividade física. O corpo belo se constitui num valor estético da cultura dos excessos e numa mercadoria da cultura do consumo.

Reconhecemos a necessidade de estudar o corpo como um sistema mecânico de alterações metabólicas que visam à autorregulação e à reprodução. Concordamos que precisamos compreender os movimentos do corpo humano, segundo as leis da biomecânica. No entanto, tal formação deve também considerar os estudos sobre as ações dos músculos através da observação dos movimentos ou dos ossos como alavancas. Todavia, o corpo humano não pode ser reduzido a um objeto de investigação experimental, conforme os registros de protocolos produzidos nos laboratórios. Além de ser um conjunto de matérias sujeitas a uma série de relações exteriores e mecânicas, o corpo humano pode ser compreendido como um veículo de expressão sociocultural. A formação universitária, empregada num sentido radical, exige a articulação entre diferentes pontos de vista. Nesse sentido, devemos estudar o corpo numa perspectiva epistemológica experimental, defi nindo suas leis causais, mas, também, numa perspectiva epistemológica interpretativa, buscando seus signifi cados socioculturais.

Os movimentos do corpo humano podem ser vistos como comportamentos motores, à luz de uma descrição biomecânica, mas também podem ser compreendidos como um sistema de comunicação, que expressa formas de vidas por meio de manifestações culturais. Por essa razão, o corpo humano tem uma dimensão biológica e outra, cultural. Somos dotados de uma herança biológica, que nos defi ne como organismo vivo, mas também temos uma herança cultural, que nos defi ne como inventores de formas de vida. “O corpo é um dado material, indesmentível da nossa matriz físico-material. Mas características somáticas estão culturalmente determinadas” (GARCIA, 2007, p.133).

Não queremos assumir uma posição teórica que rejeita radicalmente as explicações da

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biologia moderna sobre o corpo. Não podemos ignorar os avanços da biologia em suas descobertas sobre o corpo humano. Não podemos negar que, em estado de angústia, nossas emoções estão dominadas por “manifestações viscerais, endócrinas e metabólicas” (DEJOURS, 1988, p. 25). Por outro lado, não podemos deixar de admitir que a angústia é vivida somaticamente como um “afeto”, ou seja, um estado emocional ligado à história subjetiva de cada indivíduo. Tal perspectiva exige uma compreensão do corpo que não o reduza a uma mera explicação biológica, que considera a realidade somática como exclusivamente orgânica.

Nas sociedades contemporâneas, veicula-se a recomendação de que as pessoas devem buscar um estilo de vida saudável por meio de cuidados com o corpo. Particularmente, pensamos que essa associação está sendo elaborada com base em certa identifi cação entre saúde e beleza. Chamamos essa identidade de estetização da saúde.

Entendemos a estetização da saúde como uma perspectiva de bem-estar que associa o corpo saudável àquele que é reconhecido na sociedade como belo. Podemos ilustrar o processo de estetização da saúde por meio da conquista da aparência de um corpo belo, através de cirurgias plásticas, regimes alimentares, uso de vestuários e adornos, cuidados com a pele, com os cabelos, as unhas e os dentes. Nesse contexto, identifi camos vários profi ssionais da área de saúde que se especializam para atender às demandas sociais de clientes que desejam possuir corpos belos, que são identifi cados como saudáveis.

Como educadores, precisamos refl etir sobres os perigos de se conceber a beleza da imagem corporal como um sinal de saúde. Pensamos que a identifi cação entre saúde e beleza pode conduzir o ser humano ao processo de banalização da vida, que consiste em perder de vista a vida como valor primeiro. Então, como fazer com que nossos educandos possam considerar a vida como nosso bem mais precioso? Precisamos repensar o sentido da vida. E mesmo que admitamos que a vida precisa de um sentido a ser construído, não podemos, em nome de um sentido construído, banalizá-la.

A liberdade de transformar nossos corpos deve ser limitada pelo respeito à vida. Cuidar de si é cuidar do corpo. O corpo é nosso ponto de vista sobre o mundo, portanto, merece todo o nosso respeito. Não temos um corpo, somos nosso próprio corpo.

O corpo humano não é apenas um objeto manipulável pelas tecnociências, ele é sujeito. Em outras palavras, a sede de nossas experiências.

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Fonte: <http://sociometricas.zip.net/images/sartreExercito.gif>.

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O corpo valorizado não pode signifi car uma obsessão pela beleza que conduza a uma banalização da vida. Como dimensão constitutiva e expressiva do ser humano, como pensa Henrique Vaz (1991), o corpo simboliza os nossos valores. Que valor nós damos as nossas vidas? Uma pedagogia do corpo não deve deixar de refl etir sobre essa questão.

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Palavras da professora-pesquisadora

Olá, tudo bem?

É um prazer participar desta oportunidade de encontrá-los neste componente curricular e, por meio dele, conhecê-los. Permitam-me que me apresente: meu nome é Giuliana Vasconcelos, sou paraibana e tenho uma fi lha. Sou graduada em Pedagogia pela Universidade Federal da Paraíba onde também realizei meu mestrado e, atualmente, curso o doutorado. Sou professora da Universidade Federal de Campina Grande e estou nesta atividade docente com vocês.

Quando dei início à produção deste material, tive a oportunidade de rememorar, com muita emoção, não só as etapas de crescimento de minha fi lha, mas, principalmente, o tempo passado, no qual fui professora da Educação Infantil. A cada aula, senti uma emoção atrás da outra. Certamente, refl eti sobre a elaboração curricular da Educação Infantil sem conseguir perceber-me como estranha.

Bem ao contrário, em cada aula, revivi as difi culdades e as oportunidades de aprendizagem, as quais eu tive como professora. Não acho que vocês testemunhem condições divergentes daquelas que vivi. Por isso, ao produzir este material, procurei alternativas que nos levassem a experienciar a oportunização de elaboração do Currículo na Educação Infantil sob o propósito do fomento da emancipação da infância.

Por ora, faço o convite a vocês para que, comigo, exploremos o percurso que planejei e, conforme as considerações que julgarem pertinentes, propondo reformulações, refaçam-no. Primeiramente, apresento-lhes o croqui deste componente curricular e, posteriormente, o mapa conceitual do plano da nossa caminhada nestas Trilhas do Aprendente. Adiante, vocês encontrarão as unidades de estudo deste componente curricular, as quais têm seus conteúdos distribuídos em doze aulas.

Um abraço caloroso e até o nosso encontro da primeira aula!

Professora Giuliana Vasconcelos

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Croqui do Percurso

UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASILUNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CURSO DE PEDAGOGIA - MODALIDADE A DISTÂNCIACURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Professora-pesquisadora:Giuliana Cavalcanti VasconcelosE-mail:[email protected]

MARCO VII

Componente Curricular: Currículo na Educação Infantil

60 horas/aula 04 créditos

Ementa: O processo histórico do pensamento curricular brasileiro e suas relações com a Educação Infantil. O currículo na Educação Infantil. Projeto pedagógico para creche e pré-escola de qualidade: organização do espaço e do tempo, planejamento e avaliação. Planejamento em Educação Infantil: a dinâmica do trabalho na Educação Infantil. Pressupostos e diretrizes referentes ao atendimento à criança e à família em instituições de Educação Infantil.

Objetivo Geral: Compreender a dinâmica do currículo na Educação Infantil, abrangendo pressupostos, diretrizes e alternativas pedagógicas para a promoção de uma infância emancipatória, constituída de múltiplas inteligências no contexto das instituições públicas de fomento educacional no Brasil.

Objetivos Específi cos:

- Refl etir sobre como a infância pobre mobiliza a criança no turbilhão de apartações sociais no Brasil;

- Signifi car o valor do currículo da infância pobre na sociedade excludente;

- Conhecer alternativas pedagógicas de elaboração curricular para a Educação Infantil;

- Refl etir acerca da proposta do currículo procedimental para uma infância aprendente;

- Debater sobre a sufi ciência da preparação do professor para a Educação Infantil;

- Discutir sobre a ecologia cognitiva como princípio para um currículo procedimental em Educação Infantil;

- Refl etir sobre o conceito de aprendizagem, vislumbrando a atividade da criança na autoria da vivência curricular;

- Refl etir sobre a vivência das emoções no currículo procedimental;

- Conhecer a teoria das inteligências múltiplas e debater sobre como é possível identifi car e estimular as inteligências das crianças no cotidiano da instituição de Educação Infantil;

- Conhecer a alternativa do uso dos projetos pedagógicos na operacionalização do currículo procedimental;

- Debater sobre o empenho de mães e pais no crescimento da criança;

- Vislumbrar possibilidades de construir inteligências coletivas em prol do desenvolvimento de infâncias emancipatórias.

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Currículo na Educação Infantil

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Etapas do percurso:

UNIDADE I: O CURRÍCULO EDUCACIONAL E A EDUCAÇÃO INFANTIL EMANCIPATÓRIA

- Refl exões acerca do pensamento social sobre o currículo: relações de poder com as crianças pobres

- Quanto vale o currículo da infância e da criança pobre?

- Elaboração curricular para a educação infantil pobre

- O currículo procedimental para a infância emancipatória

UNIDADE II: A PROMOÇÃO DE UM CURRÍCULO PROCEDIMENTAL PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL

- O Professor como um pesquisador astuto na elaboração de um currículo procedimental para a infância aprendente

- A ecologia cognitiva como princípio para um currículo procedimental na Educação Infantil

- A aprendizagem da criança pré-escolar no currículo procedimental

- As emoções na vivência do currículo procedimental

UNIDADE III: CURRÍCULO PROCEDIMENTAL E INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS E COLETIVAS: A INSTITUIÇÃO EDUCACIONAL NA LEGITIMIDADE DA INFÂNCIA

- Identifi cação e estimulação das inteligências múltiplas na infância através do currículo no cotidiano da educação infantil

- Projetos pedagógicos curriculares e o currículo procedimental em prol das múltiplas inteligências das crianças

- A participação da família no currículo da educação infantil a favor do desenvolvimento da criança

- Um currículo procedimental que fomenta inteligências coletivas

Recursos técnico-pedagógicos:

- Videoaula;

- Filmes;

- Ferramentas do AVA Moodle, entre outros.

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REFERÊNCIAS

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BIANCHI, S. Quanto vale ou é por quilo? Direção de Sérgio Bianchi. São Paulo: Agravo Produções Cinematográfi cas, 2005. (DVD)

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DEAR,W. Escola da vida. Direção de Wiliam Dear. Canadá/EUA: Califórnia Home Vídeo, 2005. (DVD)

FERRAÇO, Carlos Eduardo. Currículo, formação continuada de professores e cotidiano escolar: fragmentos de complexidade das redes vividas. In: _____ (Org.). Cotidiano escolar, formação de professores(as) e currículo. São Paulo: Cortez, 2005.

FREITAS, Marcos Cezar de. A criança pobre e suas desvantagens: o pensamento social no mundo dos apetrechos. In: SOUZA, Gisele (Org.). A criança em perspectiva: olhares do mundo sobre o tempo infância. São Paulo: Cortez, 2007.

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Currículo na Educação Infantil

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_____. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Tradução Maria Adriana Veríssimo Veronese. Porto Alegre: Artmed, 1995.

_____. Inteligência: um conceito reformulado. Tradução Adalgisa Campos da Silva. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.

GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 1997.HABERMAS, Jürgen. Guinada pragmática. In: _______. Pensamento pós-metafísico: estudos fi losófi cos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990.

JAPIASSÚ, Hilton F. Introdução ao pensamento epistemológico. Rio de Janeiro: Franciso Alves, 1979.

LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola, 2000.

_____. Cibercultura. Rio de Janeiro: Editora 34, 2001.

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MATURANA, Humberto e VARELA, Francisco. A árvore do conhecimento. São Paulo: Palas Athena, 2002.

MATURANA, Humberto R. e ZÖLLER, Gerda Verden. Amar e brincar: fundamentos esquecidos do humano desde o patriarcado à democracia. São Paulo: Palas Athena, 2004.

MCKERNAN, James. Currículo e imaginação: teoria do processo, pedagogia e pesquisa-ação. Porto Alegre: Artmed, 2009.

MORIN, Edgar. A inteligência da complexidade. São Paulo: Peirópolis, 2000.

PIAGET, Jean. O nascimento da inteligência na criança. Rio de Janeiro: LTC, 1987.

RAPPA. Não perca as crianças de vista. In: RAPPA. Acústico MTV. Banda O Rappa. Manaus: Warner Music, 2005. (DVD)

SANCHES, Emilia Cipriano. Creche: realidade e ambigüidades. Petrópolis: Vozes, 2003.

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SMOLE, Kátia S. Práticas em inteligências múltiplas 3. Belo Horizonte: Cedic, 2008. (DVD)

SOUZA, Gisele (Org.). A criança em perspectiva: olhares do mundo sobre o tempo infância. São Paulo: Cortez, 2007.

VASCONCELOS, Giuliana. Acervo da família. João Pessoa: 2009.

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ZEHER, Helga. Tempo da profi ssão e tempo da família: suas modifi cações sociais. In: SOUZA, Gisele (org.). A criança em perspectiva: olhares do mundo sobre o tempo infância. São Paulo: Cortez, 2007.

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Currículo na Educação Infantil

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UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASILUNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CURSO DE PEDAGOGIA - MODALIDADE A DISTÂNCIACURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Professora-pesquisadora: Giuliana Cavalcanti Vasconcelos

DESEMPENHO NO PERCURSO

Aulas Desafi os Pontuação Desempenho obtido

Prazo de fi nalização

UNIDADE I

Aula 1 Análise de fi lme 2,0 2ª semana

Aula 2 Análise comparativa 2,0 3ª semana

Aula 3 Fórum 2,0 4ª semana

Aula 4 Fórum 4,0 5ª semana

Total de pontos na Unidade I 10,0

UNIDADE II

Aula 5 Análise do Filme Escola da Vida 2,0 7ª semana

Aula 6 Fórum 2,0 8ª semana

Aula 7 Fórum sobre teoria da complexidade 2,0 9ª semana

Aula 8 Elaboração de plano pedagógico 4,0 10ª semana

Total de pontos na Unidade II 10,0

UNIDADE III

Aula 9 Fórum: inteligências múltiplas 2,0 13ª semana

Aula 10 Elaboração de projeto 2,0 14ª semana

Aula 11 Resenha 2,0 15ª semana

Aula 12 Fórum 4,0 16ª semana

Total de pontos na Unidade III 10,0

Avaliação presencial (prova escrita) 10,0 Final doPercurso

TOTAL DE PONTOS OBTIDOS NO PERCURSO

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Currículo na Educação Infantil

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UNIDADE I

O CURRÍCULO EDUCACIONAL E A EDUCAÇÃO INFANTIL EMANCIPATÓRIA

AULA 1: REFLEXÕES ACERCA DO PENSAMENTO SOCIAL SOBRE O CURRÍCULO: RELAÇÕES DE PODER COM AS CRIANÇAS POBRES

UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 1 Aula 2 Aula 3 Aula 4

Olá gente! Saudações a todos!

Nesta aula, para iniciar nossa conversa, é necessário logo dizer a vocês que um pensamento social não é criado apenas pelo intelectual universitário ou por cientistas. Um pensamento social surge das necessidades de resolução dos problemas e de cura dos males sociais que afetam as pessoas... ou, talvez, até mesmo para consolidar, sob uma roupagem nova, uma nova forma de exercício do poder. Podemos dizer que o pensamento social surge da necessidade de organização da opinião pública e das solicitações diárias das pessoas.

Jornalistas, professores e médicos, entre tantos outros profi ssionais, atuam organizando os assuntos emergentes com a manutenção de diálogos prioritários. Assim, todos nós seguimos na tentativa de estabelecer uma compreensão coletiva e de expressar um signifi cado consensual acerca do tempo em que se vive e da história que nos antecede.

Hoje em dia, por exemplo, refl etir sobre como a infância pobre mobiliza a criança no turbilhão de apartações sociais é um desafi o a todos nós, educadores. As imagens da indiferença vêm espalhando seus contornos no universo multifacetado da exploração, fazendo um cruzamento

Fonte: <http://www.designup.pro.br/pro/renatacristinadg>. Acesso em: 6 jul 2009.

Sinopse do fi lme “Quanto vale ou é por quilo?”: livre adaptação do conto “Pai contra mãe”, de Machado de Assis, entremeado com pequenas crônicas de Nireu

Cavalcanti sobre a escravidão, extraídas dos autos do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. “Quanto Vale ou é por quilo?”, novo fi lme de Sergio Bianchi, revela as mazelas e contradições de um país em permanente crise de valores. Com essas linhas, costura dois recortes temporais: século XVIII (escravidão explícita) e tempos atuais (exclusão social velada pelas Organizações Não-Governamentais (ONG’s), onde o dinheiro usado é público e o produto é gente. O fi lme aponta a câmera para a solidariedade de fachada que mantém uma perversa dinâmica sócio-econômica embalada pela apartação social. Num episódio situado no século XVIII (versão sintética e adaptada de “Pai contra mãe”), um capitão-do-mato captura uma escrava fugitiva que está grávida e, ao entregá-la de volta ao dono, recebe seu pagamento enquanto ela aborta um futuro escravo. Na trama que transcorre nos dias atuais, uma ONG implanta o projeto “Informática na periferia”. Arminda, que está empenhada no projeto, descobre que os computadores foram superfaturados. Enquanto isso, Candinho, que está desempregado, torna-se um caçador de bandidos. Misturando as duas épocas, o roteiro cria uma duplicação de possibilidades que surpreende o telespectador. Fonte: <http://www.quantovaleoueporquilo.com.br/>. Acesso em: 6 jul 2009.

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UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 1 Aula 2 Aula 3 Aula 4

com outras imagens que representam a inocência infantil e a diversidade estampada no colorido étnico dos povos que se misturam. A posse sobre as oportunidades que são dadas à infância pobre tem transformado as crianças em adultos incapazes de coloar em prática comportamentos que exigem autonomia ou a credibilidade em si mesmo. E, infelizmente, a forma legítima de fazer isso tem sido efetivada através do currículo escolar. Por tal motivo, quando preparei esta aula sob o interesse de convidá-los a entrar num debate como esse, escolhi o fi lme “Quanto vale ou é por quilo?”, cujo roteiro oferece uma rica contribuição a qualquer expectador.

Primeiramente, escolhi quatro encenações do referido fi lme que ilustram muito bem a discussão inicial que agora proponho. Trata-se de diálogos entre personagens que servem para representar o fosso existente entre ricos e pobres, manipuladores e oprimidos... Trata-se de diálogos que representam interesses ocultos nas estratégias de manipulação adotadas pelos personagens dominadores. Refere-se ao uso publicista de crianças pobres como veículo para a obtenção dos bens patrimoniais de classes sociais elitizadas. Vejam a narrativa a seguir, extraída do roteiro dirigido pelo diretor Sérgio Bianchi (2005):

[encenação um]

[Narrador da propaganda da campanha de solidariedade:]

São milhares de crianças abandonadas. Ajude a Sorriso de Criança a ajudar quem necessita. Não dê esmolas nas ruas. Faça as suas doações em dinheiro a entidades idôneas. Sorriso de Criança... teledoação, 0800-143276.

[Personagem Dr. Marco Aurélio (gestor da empresa de propaganda Stiner):]

_Pois é, dom Elísio, a Sorriso de Criança está com sua estratégia um pouco ultrapassada. O senhor veja, neste vídeo, por exemplo, só tem criança sofrendo. A nossa postura tem de ser outra, diante do investidor. Nós temos que ter uma postura muito mais positiva. Quem fi nancia a solidariedade, hoje está preocupado com o retorno. Por isso, a imagem do seu produto deve estar vinculada ao êxito. Mas, fi que tranqüilo, dom Elísio. Nós vamos refazer seu vídeo. Vamos sair às ruas e vamos colher depoimentos otimistas depoimentos emocionados. O senhor pode confi ar no nosso trabalho.

[Personagem Dom Elísio (contratante da empresa de propaganda):]

_Bem, eu imagino que vocês estejam bem atualizados nisso. [Dom Elísio assina o contrato para a feitura da nova propaganda]

[encenação dois]

[Personagem Marta Figueiredo (senhora da elite carioca):]

_Os brinquedos! Dê-me os brinquedos, por favor. É pra você a boneca, pra você. Preciso de mais um! Não, você não. Ah, você! Vem. Isso. Segura. O boné. Isso! Lindo! Deixa-me passar. [Marta Figueiredo posa para a foto com as crianças pobres]

[Narradora do roteiro do fi lme:]

Doar é um instrumento de poder. A superexposição de seres humanos em degradantes condições de vida faz extravasar sentimentos e emoções. Sente-se nojo, espanto, piedade, carinho, felicidade e, por fi m, alívio. E ainda faz uma boa dieta na consciência.

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Currículo na Educação Infantil

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[encenação três]

[Personagem Dr. Marco Aurélio (gestor da empresa de propaganda Stiner):]

_Marta Figueiredo! Que prazer recebê-la aqui na nossa empresa. Como vai? Dr. João Paulo está bem?

[Personagem Marta Figueiredo (senhora da elite carioca):]

_Sim, sim. Muito bem.

[Personagem Dr. Marco Aurélio (gestor da empresa de propaganda Stiner):]

_Não repare na bagunça, por favor, nós estamos de mudança. Veja, a arrecadação de mantimentos e donativos está sendo um sucesso. Não param de chegar.

[Personagem Marta Figueiredo (senhora da elite carioca):]

_Ótimo. Eu trouxe alguns artigos variados. São de boa qualidade, estão em ótimo estado.

[Personagem Dr. Marco Aurélio (gestor da empresa de propaganda Stiner):]

_Você está bastante empenhada, não é?

[Personagem Marta Figueiredo (senhora da elite carioca):]

_Modestamente. Uma vez por semana, eu acordo às 5 horas da manhã pego o meu motorista e faço uma peregrinação recolhendo donativos para as crianças pobres. Sim, porque, se os que têm fi zessem um pouco pelos que não têm, não é verdade?

(Personagem Dr. Marco Aurélio (gestor da empresa de propaganda Stiner):]

_É verdade.

[encenação quatro]

[Personagem amiga, de elite carioca:]

_Daqui a pouco, uma das famílias já deve estar chegando. São 14, em sete hotéis 5 estrelas. Elas fi cam uma semana com todos os serviços do hotel incluídos e todas as manhãs um ônibus leva as crianças para os shoppings, zoológicos, vários passeios e atividades. Mas não são só as crianças com início de câncer. As terminais também. Se você visse as crianças tão magrinhas, tadinhas! Você faz uma idéia do que representa uma semana com 3 refeições fartas, banho quente? É maravilhoso!

[Personagem Marta Figueiredo (senhora da elite carioca):]

Claro que é. Claro. Mas eu não consigo convencer meu marido a participar. Em nada. Eu não sei o que acontece, mas eu não consigo, não consigo. Eu ainda não consegui mostrar ao João Paulo quanto é fundamental a gente ser solidário, se preocupar com o próximo. Reparar nossas dívidas desta vida e de outras, não sei. É necessário. E, depois, eleva o espírito, não é verdade?

Como bem podemos ver nas encenações antes descritas, a infância pobre mobiliza a formação ou a criação do sujeito que se quer para a sociedade que se deseja. Disfarçadamente,

UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 1 Aula 2 Aula 3 Aula 4

Foto da campanha “Sorriso de criança” do fi lme “Quanto vale ou é por quilo?”

Fonte: <http://receioderemorso.wordpress.com/2009/01/04/quanto-vale-ou-e-por-quilo/>.

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a sociedade capitalista vai criando formas legítimas de exploração da infância por intermédio da naturalização da pobreza. Na encenação um, podemos ver a obviedade do uso da imagem da criança pobre como estratégia de venda de um produto, que é a marca da solidariedade de uma determinada ONG. A encenação um mostra como, nos dias atuais, a bandeira da solidariedade tem sido hasteada para mostrar o distintivo de uma nação politicamente correta, quer dizer, que tem como prioridade a demonstração televisiva da nobre capacidade de o rico sentir-se mal com a miséria do outro, e como as ONGs têm sido, dentre outras coisas, a forma mais bonita de demonstrar esse sentimento de pena.

Essa forma de agir das ONGs assemelha-se ao tipo de currículo escolar que é usado com o objetivo de formar espíritos úteis à estrutura social vigente. As crianças, não muito diferente do que já ocorrera em toda história da infância, permanecem sendo percebidas como instrumentos que, antes mesmo de nascer, já servem a determinado papel social, que é o de servir a situações funcionais ao mercado de fl uxo, arrecadação, compra e venda de produtos da economia vigente.

Na sequência das encenações, vê-se o valor agregado aos tipos de necessidades que as crianças apresentam, ou seja, aquelas mais magrinhas são tadinhas, as com câncer são mais tadinhas e as terminais, tenham dó porque são muito tadinhas. A relação entre infância e sociedade, demonstrada na encenação um, não tem o processo de emancipação das crianças como escopo central. De maneira cruel, a esmola dos passeios ao shopping e das refeições em hotéis semiluxo é sufi ciente para recompensar a criança e a sua família pela cessão da imagem miserável do seu sofrimento à propaganda da elite. Com o <currículo> escolar da educação <infantil>, parece-nos que não é muito diferente. Os livros do jardim de infância trazem à criança a representação de um mundo adulto, imaginado pelo professor. As cartilhas e os livrinhos didáticos trazem a representação de conteúdos, imagens, brincadeiras, mensagens e linguagens que se deseja que a criança adote como modelo para a vida em sociedade. Com os livros do “prezinho”, as crianças são preparadas para responderem adequadamente às situações ideais da escola, isto é, de treinamento para enfrentar a escolarização da educação fundamental que estará por vir.

UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 1 Aula 2 Aula 3 Aula 4

Releia a aula 2 da unidade I do componente curricular Seminários Temáticos de Prática Curricular I, produzido pelas professoras-pesquisadoras Windyz Brazão Ferreira e Mª de Lourdes Pereira, em Trilhas do Aprendente, volume 2 (2008).

Verbete currículo, elaborado por Solange Aparecida Zotti: do ponto de vista etimológico, o termo currículo vem da palavra latina Scurrere, correr, e refere-se a curso, à carreira, a um percurso que deve ser realizado. Inserido no campo pedagógico, o termo passou por diversas defi nições ao longo da história da educação. Tradicionalmente o currículo signifi cou uma relação de matérias/disciplinas com seu corpo de conhecimento organizado numa sequência lógica, com o respectivo tempo de cada uma (grade ou matriz curricular). Esta conotação guarda estreita relação com “plano de estudos”, tratado como o conjunto das matérias a serem ensinadas em cada curso ou série e o tempo reservado a cada uma. Se percorrermos historicamente a teoria curricular, podemos analisar o currículo escolar a partir de dois grandes eixos originários dos Estados Unidos: as concepções tradicionais ou conservadoras e as concepções críticas. O conceito de currículo é multifacetado e modifi cou-se historicamente atendendo a realidades sociais distintas, há tempos e espaços específi cos e, em consequência disso, precisa ser compreendido no contexto social em que está inserido. Fonte: <http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_curriculo.htm>. Acesso em: 6 jul 2009.

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UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 1 Aula 2 Aula 3 Aula 4

Nas cenas que seguem na sequência do fi lme antes descrita, a empresa produtora da propaganda preocupa-se em mostrar que a solidariedade capitalista deixa o pobre feliz, por isso, iniciativas públicas e não governamentais são válidas porque atendem aos desejos aspirados pelas classes sociais populares. Vê-se que se estabelece uma relação entre infância e mercado, a qual mostra a óbvia identifi cação da submissão da criança às necessidades da sociedade. O pensamento social comum vai reunir a “dureza” da vida das empresas e das senhoras de elite ao ideário das instituições de atendimento à criança, mantendo tais instituições em lugares apropriados ao comércio do amparo social. Vê-se que o que está oculto é o interesse de fazer valer artimanhas para capturar os olhinhos da carência infantil e consolidar o interesse supremo da fraternidade da nação, conseguindo, assim, validar atitudes privilegiadas de enriquecimento capitalista que são tomadas como lícitas.

Parece-nos, pois, que o que se quer para as vidas das crianças pobres está relacionado ao que se quer para a existência da sociedade. Mas, esse drama vai depender do estalo de consciência que, ao que nos parece, está piorando com o passar dos tempos. As faces de bondade que se apresentam para a infância pobre vêm seguindo uma rotina de conservação da estrutura de exclusão sob um rigor cada vez mais sólido, que é o de manter cada qual no seu devido lugar. E as crianças acabam sendo usadas apenas para manter a legitimidade dos mais importantes papéis sociais, que são os das senhoras de elite ou de caridade. Percebe-se que a esse modo, como lembra Silva (2002), forças de interesses ocultos acabam cristalizando, através do currículo vital, condições de poder que se enraízam no dia a dia, formando atitudes, comportamentos, valores e orientações para a toda a vida da criança.

O pensamento social que fundamenta a escola infantil hoje está desafi ado a eliminar a crueldade de bordar a situação da criança a partir da imagem de utilidade socioeconômica que ela deva ter. Para nós, professores, o currículo da educação infantil deverá pretender desmascarar essa história de coação simbólica, buscando uma forma de perfurar o pensamento que viola a vivência do crescimento da criança, bem como, romper com os conteúdos que representem o investimento capitalista da sociedade dominante na vida do futuro adulto. O currículo da educação infantil precisará estar voltado para inviabilizar o uso da imagem da criança como matéria prima de uma estrutura econômica que se apodera do crescimento humano em prol do retorno do capital investido.

Trata-se de vislumbrar a operacionalização de um currículo que crie oportunidades à criança de ter uma infância autêntica e não uma sociabilidade que garanta o retorno fi nanceiro como produto fi nal, tampouco a degradação miserável da criança como subproduto de um mercado de trabalho futuro. As encenações do fi lme que descrevi para vocês fazem-nos relembrar de uma história que se perpetua ao longo da história da educação brasileira, que é a do uso das pessoas para satisfazer o belo prazer de um grupo privilegiado. Mas, a criança, por motivo das condições de crescimento nas quais se encontra, não se dá conta, tão conscientemente, de tal situação. Por isso, o currículo escolar na educação infantil pode acabar sendo um grande negócio de legitimação de interesses de um pensamento social injusto.

Partindo das refl exões que o fi lme nos leva a exercitar, a questão que se ergue é a de que o currículo na educação infantil pode fortalecer uma prática de exploração regrada pela prevalência da infância como mercadoria, da qual a própria criança tornar-se-á um adulto que considere natural estar inserido numa cultura de apartação social. Um currículo que pretenda viabilizar

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uma educação infantil emancipatória deverá vir na contramão da dominação, sem amarras de poder, permitindo que a criança encontre-se com os adultos em situações favoráveis à infância, não aos interesses do adulto. É preciso que o currículo permita descortinar as desigualdades sociais, como, por exemplo, a de que, em determinadas circunstâncias, a sua estruturação acaba criando o fracasso escolar nas crianças para que o fracasso exista. Não esqueçamos que a infância é construída por forças que as sociedades mobilizam e que, nas teias dessas forças, há relações de submissão que atingem diretamente o imaginário da criança.

Dando continuidade ao debate ora proposto, Freitas (2007, p. 89) coloca algo interessante que trago à nossa conversa. Ele nos diz que

as estruturações sociais têm um poder de organização e desorganização tremendos sobre a vida da criança (ela é, portanto, mobilizada e imobilizada no turbilhão de circunstâncias que lhes escapam do controle e da compreensão); contudo, dialeticamente, a criança também participa ativamente na elaboração do modus vivendi de cada lugar (ela consegue, portanto, amarrar alguns pontos e transpassar algumas linhas no bordado de uma tela cujo desenho não tem previamente em sua cabeça e cujo formato fi nal não está pressuposto em cada um de seus atos). As estruturas sociais modifi cam a infância e a criança se refaz com seus pares em cada processo de reacomodação de forças.

Incluindo esse ponto de vista em nossa conversa, podemos entender que, mesmo em condições de instrumentação da infância pelo adulto, a criança guarda em si potencialidades que lhe permitem alçar voos. Freitas (2007) sensibiliza-nos no entendimento de que a força do crescimento infantil faz com que a criança encontre caminhos de resiliência, superando situações críticas às quais esteja submetida. Nesse sentido, a capacidade de aprendizagem que pulsa no crescimento da criança a leva a lidar com problemas do dia a dia, refazendo-se emocionalmente e reestruturando-se cognitivamente. Mas, apesar dessa visão surpreendente que podemos ter acerca do que a criança pode fazer ou ser, a escola infantil ainda passa por graves situações relativas às políticas públicas educacionais.

A educação infantil não é apenas um bem jurídico que, aos poucos, vem sendo assegurado. A educação infantil é um direito social e não apenas necessidade de amparo social ou solidário. Ao fazermos uma comparação entre o processo de escravização brasileira, as atuais políticas das ONG’s e a escola da educação infantil, é bem provável que, de antemão, todos nós já saibamos o quanto cada situação dessas é munida de valores econômicos. O escravo poderia ser comprado até mesmo por outra pessoa que já teria sido escrava. A infância pobre hoje pode ser objeto de imagem que represente a venda da marca de uma determinada ONG. E a escola infantil pode ser usada para colocar em prática interesses de uma estrutura de poder opressor. A questão do poder que ensina as crianças a viverem no mundo tem vindo, desde sempre, negando o direito à emancipação infantil e, assim, validando o processo histórico de perpetuação da dualidade social.

Nessa perspectiva, o currículo passa a ser instrumento de seleção cultural, passa até a ter uma espécie de existência própria e a atuar como um traidor, podando as tentativas do professor comprometido de pôr em prática o direito inalienável da criança de vivenciar a liberdade de

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crescer. Assim, estudar o currículo vem sendo uma área de investigação que requer propostas alternativas, com valores educacionais sensatos e racionais. Dessa forma, reforça-se o desafi o de superar a manipulação da infância e de desmascarar o currículo técnico e gerencial que tem sido promovido no ambiente escolar. O problema do currículo está no que se espera dele, no vício de fazer com que a criança torne-se o que dele se espera ou de que faça com que a infância represente, fi elmente, os comportamentos confi áveis à existência social dos interesses dos grupos econômicos privilegiados.

Queridos, por hoje, concluímos as explicações desta aula. Deixo para vocês a provocação não só de superar nossa capacidade de descortinar as mazelas do currículo escolar, mas também, a de refl etir acerca da estrutura dualista da nossa sociedade, questionando a naturalidade com a qual todos aceitam o muro ideológico que protege os ricos dos pobres. Ao longo do percurso deste componente curricular, convido vocês para tecerem, junto comigo, denúncias e críticas acerca do cotidiano infantil, mais especifi camente, acerca dos conteúdos, dos ensinamentos, das lições e dos cuidados que às crianças são destinados através, por exemplo, da adoção de referências nacionais para o currículo da educação infantil.

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AULA 2: QUANTO VALE O CURRÍCULO DA INFÂNCIA E DA CRIANÇA POBRE?

[Narrador do roteiro do fi lme “Quanto vale ou é por quilo” (BIANCHI, 2005):]

A máscara de folhas de fl andres é um instrumento de ferro. Fechada atrás da cabeça por um cadeado, na frente tem vários buracos para ver e respirar. Por tapar a boca a máscara faz com que os escravos percam o vício pelo álcool. Sem o vício de beber, os escravos não têm a tentação para furtar. Dessa forma, fi cam extintos dois pecados: a sobriedade e a honestidade estão assim garantidas.

O tronco é indicado contra a fuga de escravos reincidentes. Para colocar o escravo no tronco, abrem-se suas duas metades [do tronco de uma árvore], colocando nos buracos o pescoço e os pulsos. O tronco estimula o espírito de humildade e subserviência, forçando a imobilidade e impedindo o escravo de defender-se de moscas ou mesmo de satisfazer suas necessidades fi siológicas.

Olá, bom dia! Já estamos de volta. Como vocês estão? Gostaram do fi lme? Como estão sentindo-se depois das cenas chocantes mostradas no fi lme? Pois é gente, como vimos em tais cenas, dureza é testemunhar tamanhos acontecimentos no cotidiano das crianças pobres e buscar

o discernimento necessário para encontrar uma saída para problemas desse tipo. Pensar no currículo infantil é uma aventura de sobrevivência na selva (risos). Mas, não é engraçada não! Debater sobre o currículo exige que, antes de situarmo-nos nas políticas curriculares atuais, façamos uma viagem no tempo com o objetivo de coletar informações sobre como os cuidados com a infância já foram defi nidos.

Lembremos, por exemplo, da história do amor de Medéia por Jasão, uma tragédia escrita por Eurípedes, considerada parte integrante da mitologia grega. Medéia, apaixonada por Jasão, líder dos argonautas, ajuda-o a roubar o <velocino de ouro> de seu próprio pai (de Medéia). Sem demora, ela foge em viagem marítima, dando à luz, ao longo da nova etapa de sua vida, dois fi lhos que representam o fruto da sua paixão por Jasão. Porém, logo que fora abandonada pelo amante, Medéia não suportou a dor de amá-lo demais e vingou-se dele ao assassinar os próprios fi lhos. Eurípedes escreveu que, mais tarde, ela culpou-se por não ter mais os fi lhos para que dela cuidassem.

O velo de ouro ou tosão de ouro (chamado ainda de velino ou velocino; em grego: Χρυσόμαλλον Δέρας) é, na mitologia grega, a lã de ouro do carneiro alado Crisómalo. Esse velo estava pendurado num carvalho sagrado na Cólquida, ao sul das montanhas do Cáucaso, e foi retirado por Jasão e os Argonautas. Segundo a lenda, Jasão precisava recuperar o velo para assumir o trono de Iolco na Tessália.

A história é bastante antiga e já estava presente nos tempos de Homero (século VIII a.C.) e, consequentemente, é relatada de várias formas. Nas versões mais tardias, o carneiro é tido como fi lho de Posídon e Temisto (ou, algumas vezes, de Nefele). A forma mais clássica é a dada por Apolônio de Rodes em seu Argonautas. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Velo_de_ouro>.

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Medéia furiosa (com seus fi lhos no colo) de Eugéne Delacroix (1862)

Fonte: <http://pre-vestibular.arteblog.com.br/111370/HISTORIA-REINVENTADA-POR-VIRGILIO-a-epopeia-Eneida-a-

aventura-de-Eneias-o-nascimento-de-Roma/>.

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Dessa tragédia, fi ca-nos a ideia da criança como propriedade, numa espécie de direito divino que os pais teriam sobre os fi lhos. Às crianças caber-lhes-ia, na condição de patrimônio paterno e/ou materno, apenas questionar para si mesmas e em sua própria existência, quais seriam os fundamentos dos desejos conscientes e inconscientes de seus pais. A tragédia dos fi lhos de Medéia é apenas um exemplo da longa e triste sequência histórica das violações cometidas contra as crianças. Impiedade, infanticídio, negligência, enfaixamentos, torturas, inanição deliberada, surras e confi namentos são traços de uma visão legítima acerca do signifi cado da infância.

Santo Agostinho, outro exemplo, difundiu uma visão de criança que se prolongou até o século XVII. Tratava-se de uma imagem dramática da infância representada pelo pecado original, onde a criança representava a força do mal, do ser imperfeito, ignorante e caprichoso. Embora Santo Agostinho tivesse descoberto a sexualidade infantil, ele viu que o desejo da criança pelo seio da mãe seria apenas uma avidez maligna que deveria ser combatida. A infância era a destinatária do mal e, por isso, todas as crianças deveriam ser batizadas para exorcizar o demônio que nelas estivesse contido. Todas elas deveriam também ser enfaixadas de forma que seus membros fi cassem presos. Tudo isso para evitar que elas tocassem suas genitálias e que se arrastassem como animais. A prática do enfaixamento deixava as crianças parecendo troncos de árvores e causava-lhes gangrena em seus membros.

Bandinter (1985) conta que das 21 mil crianças nascidas em Paris, no ano de 1780, só mil foram criadas por suas mães. Outras mil privilegiadas tiveram amas de leite em suas próprias casas e todas as demais crianças foram criadas por amas de leite em domicílio distante. Isso ocorria porque a maioria dessas mulheres-mães estava sempre ocupada com os afazeres de esposa de comerciantes e artesãos. Mas, grande parte dessas crianças que viviam com amas de leite não conseguia sobreviver.

Bebê enfaixadoFonte: <http://www.terrabrasileira.net/folclore/manifesto/social/s-bebe.html>.

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Ariès (1981) coloca-nos que foi necessária uma longa evolução para que o conceito de infância se enraizasse na humanidade. Evolução essa que recebeu importantes contribuições:

a) a cartesiana, por considerar a criança não mais como pecadora e sim como representação fi el da falta de lógica;

b) a rousseniana, por considerar que os pais devem cuidar dos fi lhos, criando-os e ajudando-lhes a adquirir sua total independência e autonomia porque as crianças são seres potencialmente livres;

c) a freudiana, por considerar que as crianças não são inocentes porque elas desejam, ou seja, porque elas têm sexualidade;

d) e, dentre outras, a piagetiana, por considerar que a infância é necessária e não precisamente um mal, porque o erro é o que leva a criança ao conhecimento;

Essas visões acerca do signifi cado da infância anunciaram transformações que impuseram novos valores à educação da criança. Na atualidade, esses valores vêm infl uenciando todos a tomarem partido em defesa do direito da criança de não ter sua sexualidade punida, de ter sua agressividade legitimada, de poder manifestar sua necessária inquietude e de ter o direito de pensar como um ser em desenvolvimento. Vêm-se reconhecendo que

às crianças devem ser asseguradas oportunidades de serem sujeitos desejantes, epistêmicos e interatuantes.

Partindo dessa evolução, a relevância da educação infantil, da creche e da pré-escola torna-se indiscutível. Estudos das áreas de pedagogia, psicologia, pediatria, fonoaudiologia, sociologia, antropologia etc. mostram o quanto é importante cuidarmos da formação das nossas crianças. Pois, a cada dia, a infância torna-se uma necessidade valiosa na preservação e desenvolvimento da espécie humana. Relembremos, agora adiante, o surgimento da creche no Brasil.

Sanches (2003) informa-nos que a instituição que chamamos de creche surgiu na Europa, no fi nal do século XVIII e início do século XIX, dispondo-se a guardar crianças de 0 a 3 anos durante o período de trabalho das suas mães. Sendo assim, a creche surgiu sob o interesse do capitalismo de manter as mães livres dos empecilhos da vida materna, para que elas pudessem dedicar seu tempo ao trabalho na fábrica. No Brasil, o surgimento da creche não foi muito diferente, pois a criação dessa instituição também teve como meta atender aos ditames do capitalismo industrial que despontava. Porém, a institucionalização da creche também contou com outros segmentos da sociedade civil como médicos, juristas e com a Igreja Católica que vem tendo o objetivo de prestar assistência às famílias pobres.

No Brasil, a creche solidifi cou a ideia de amparo e de assistência social e representou uma forma legítima de o Estado nacional apoiar os donos das indústrias na empreitada reprodutiva das condições de controle da vida dos pobres, que já então estavam

A mãe-preta de D. Pedro II (ama de leite)

Fonte: <http://claytonseveriano.com.

br/?tag=direitos-humanos>.

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defi nidos como classe trabalhadora. Queria-se, pois, modifi car os hábitos da classe pobre para que tanto as mães quanto as crianças se adaptassem à prática social dos grupos que dominavam a economia. Sanches (2003, p. 64) informa que

por iniciativa dos donos das indústrias são construídas as vilas operárias, próximas às fábricas, com mercearias, escolas, creches, clubes esportivos, com o patrocínio das instituições fi losófi cas, mulheres da alta sociedade e do Estado. O pressuposto era que, atendendo bem o fi lho do operário, este trabalharia mais satisfeito e produziria mais.

Nessa perspectiva, pode-se dizer que os anos de 1920 marcaram a viabilidade do Estado nacional de conceder estímulos fi scais à indústria para que esta concebesse atendimento à criança através da criação de creches. Os jardins de infância, a pré-escola e as creches foram consideradas como a forma mais viável de evitar a criminalidade futura. Isto porque podiam preparar a criança para ocupar-se com a vida escolar, bem como podiam assegurar aos pais trabalhadores que se dedicassem à longa jornada do trabalho na indústria com a cabeça livre das preocupações familiares. Mas, somente após vinte anos, a creche foi integrada às políticas de proteção à infância nas áreas de saúde e de assistência social. Foi nos anos de 1960 a criação das creches domiciliares saltaram à realidade da sociedade ditatorial que estava por vir. Somente com a Constituição de 1988 é que a educação para a infância foi reconhecida como um direito legítimo da própria criança e não mais como um direito dos pais.

Hoje, mais de vinte anos após a promulgação da Constituição de 1988, após 18 anos da publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente e após doze anos da publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a criança ainda sofre com as condições de funcionamento das instituições de educação infantil. A ideia que se faz da criança ainda está atrelada à visão de currículo e às condições de funcionamento institucional que as políticas públicas viabilizam no cotidiano da escola infantil. Vejamos, por exemplo, o relato que Sanches (2003, p. 161 e 162) fez acerca das cenas do cotidiano de uma creche em São Paulo. Antes de descrevê-las é importante dizer a vocês que, embora essas cenas tenham ocorrido na década de 1990, os dias atuais não retratam um quadro tão evoluído quanto o desejado.

Cena da hora do lanche: as crianças estão sentadas em volta de grandes mesas. Uma educadora, com uma caixa de bolachas, solicita que levantem as mãos em forma de concha: só recebe a bolacha quem obedecer. O gesto representa a posição de pedido, de esmola, de favor. E adverte: “Quem derrubar bolacha não receberá outra. Esperem até eu entregar para todos, para comê-la”.

Cena do controle dos esfíncteres: a imagem é bastante instigadora e agressiva: doze penicos, dispostos numa sequência na sala de troca: “a hora do penico”. Na faixa de 1 ano a 1 ano e 8 meses, algumas crianças querem sair do penico, outras chegam a dormir sentadas, enquanto outras choram ou fi cam totalmente passivas. As educadoras conversam sobre seus problemas, como se as crianças não estivessem presentes. Uma criança pede: “Tia, quero sair”. A educadora responde, sem olhar para a criança: “Não pode! Você sempre quer ser diferente dos outros”. “Mas, eu já fi z cocô”. “Não importa. Espere até os outros terminarem”.

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A prática da educação infantil nos dias atuais assemelha-se claramente à prática da violação do sujeito escravo dos tempos da colônia, bem como à prática da solidariedade difundida pelas ONG’s. A cenas do cotidiano da educação na creche que estão escritas acima mostram como a criança é conduzida a tornar-se um ser dócil, obediente e conformado com a estrutura das relações que a ela são impostas. Por isso, considero urgente que perguntemos, ou melhor, digo que é imediato gritarmos para extravasar o que não pode fi car silente: QUANTO VALE OU É POR QUILO QUE SE USA A CRIANÇA para atender ao sucesso das relações mercadológicas? Quanto vale ou é por quilo que o mercado da indústria brasileira tem erguido creches para guardar as crianças enquanto seus pais trabalham? Quanto vale ou é por quilo que o Estado viabiliza a criação de creches-modelo para receber a criança das classes pobres? Quanto vale cada criança ou é por quilo que se pode vender e comprar as imagens da infância miserável?

Pensar num currículo para a educação infantil exige a busca por uma nova institucionalidade e por novos sentidos para a educação da criança. Refi ro-me a uma ruptura em relação aos fatos comuns do cotidiano das creches e das pré-escolas. Refi ro-me ao destino da escola que precisa ser reinventado. Esta reinvenção pressupõe o encontro com novos conteúdos, com um redimensionamento das políticas e dos currículos com o foco na aprendizagem. Refi ro-me a uma aprendizagem emancipatória que eleve as crianças a um estado diferenciado daquele em que se encontram e que as retire de um estado de obtusidade. Pensar na emancipação infantil implica ensinar a condição humana, a condição de todos nós sermos uma espécie animal, de construirmos uma vida social e de sermos indivíduos diferentes entre si. Viabilizar a emancipação infantil implica ensinar o signifi cado da condição humana e as situações que nos levam a construí-la; implica estabelecer uma nova lógica de organização da escola e da formação infantil. Assim, concluo esta aula dizendo a vocês que a grandeza da emancipação da criança é, portanto, quanto vale o currículo da infância pobre.

Refaça a trilha percorrida no componente curricular Estágio Supervisionado na Educação Infantil I lendo a aula 4 da unidade II (As instituições especializadas de educação infantil (creches e pré-escolas) e a aula 2 da unidade III (O cuidar e o educar como princípio educativo na educação infantil) onde poderá rever a importância das creches e da ação do educador infantil.

UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

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Zero dólarFonte: <http://blog.estadao.com.br/blog/parainglesler/?title=zero_dollar_quanto_vale_ou_e_por_

quilo&more=1&c=1&tb=1&pb=1>.

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AULA 3: ELABORAÇÃO CURRICULAR PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL POBRE

Instinto coletivo de O RappaFonte: <http://jeanzera-barata.blogspot.com/2008/11/o-rappa.html>.

Pra enxergar o infi nito

Debaixo dos meus pés

Não basta olhar de cima

E buscar no escuro, no obscuro

A sombra que me segue todo dia

Deixo quieto e seguro as páginas dos sonhos que não li

E outra vez não me impeço de dormir

Os jornais não informam mais

E as imagens nunca são tão claras

Como a vida

Vou aliviar a dor e não perder

As crianças de vista

Eo, Eo, Não perca as crianças de vista

Eo, Eo, Não perca as crianças de vista

Eo, Eo, Não perca as crianças de vista

Família, um sonho ter uma família

Família, um sonho de todo dia

Família é quem você escolhe pra viver

Família é quem você escolhe pra você

Não precisa ter conta sanguínea

É preciso ter sempre um pouco mais de sintonia

(RAPPA, 2005)

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Oi gente! Tudo bem? O vocês acharam do texto “Após os atos, as cenas”, de Sanches (2003)? O debate no fórum foi proveitoso? Nesta aula, vamos trazer uma nova temática para nossos debates. Convido vocês a conversarem comigo sobre a elaboração do currículo para a educação infantil e sua relação com os sonhos das crianças no cotidiano escolar. A música que uso como epígrafe desta aula retrata a necessidade humana de não esquecermos que as crianças estão juntas a nós no cotidiano da escola infantil, mas que, como Freitas (2007) já nos colocou, embora as estruturas sociais modifi quem a infância, a criança pode refazer-se com seus amigos em cada processo de aprendizagem.

O currículo escolar hoje precisa permitir que as crianças cresçam. Isso signifi ca dizer que aqueles que se ocupam da elaboração do currículo devem abordar questões de conhecimento, de valores e desenvolvimento integral. Um currículo signifi ca muita coisa, signifi ca aprendizagem orientada, determinações de uma dada instrução, experiência vivida, programações de estudos para uma vida, caminhos que se seguem e que se querem seguir, é conhecimento essencial, é princípio, é proposta e é prática.

Para muitas das crianças de hoje, o currículo precisa proporcionar oportunidades ricas de crescimento, de integração social e até mesmo de cuidados aproximados aos sonhos de se ter uma família. Digo isso a vocês para que não esqueçamos de que a educação infantil também está presente nas fundações de amparo do menor carente, nas instituições de acolhimento de crianças abandonadas ou que vivem em estado de vulnerabilidade social (as chamadas crianças de rua).

Em lugares como esses, que são de amparo ou de caridade, a criança pode vivenciar um currículo que não é apenas de natureza pedagógica, mas que é de orientação de toda sua existência. Cada criança pode criar laços de afetividade que se assemelham aos de uma família, que passa a ser constituída por outras crianças que compartilham necessidades comuns. Cada criança tende a buscar no outro a solicitude de que necessita, explorando suas emoções e os anseios de seu crescimento. Elas vivenciam um currículo que se assemelha a ritos, mais especifi camente, a ritos de adoção, de reintegração à sua família genealógica e até mesmo de passagem para outras instituições da mesma natureza.

Em João Pessoa, por exemplo, são disponibilizados orfanatos, casas de abrigo ou lares de passagem para crianças e adolescentes. Porém, para a faixa etária de zero a seis anos, nós temos apenas o Lar da Criança Jesus de Nazaré que, sob a manutenção do Estado, tem pretendido oferecer os cuidados necessários no acolhimento da criança abandonada. Para crianças com idade superior a seis anos, João Pessoa dispõe de mais outras casas que acolhem também os adolescentes em situação de vulnerabilidade social. Algumas delas são mantidas pelo próprio governo municipal e outras são mantidas por ONG’s. <As cinco mantidas pelo governo municipal> são:

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Ensinamentos básicos de OrlandeliFonte: <http://orlandeli.com.br/principalw.htm>.

Informações obtidas em 07 jul 2009 na 1ª Vara da Infância e da Juventude do Poder Judiciário da Paraíba.

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Com esse quadro, vemos que a infância passa então a exigir uma ampliação que ultrapasse os limites dos prédios escolares, pois o cenário social mostra que as solicitações de uma educação infantil não estão restristas à preparação para a vida escolar, e sim estendem-se à preparação curricular para a vida dessas crianças em outras famílias, em outros abrigos para crianças maiores e até mesmo para a sua existência na rua. Sendo assim, o currículo na educação infantil não tem apenas um ideal de escola a pôr em prática. O currículo na educação infantil tratará também da formação do futuro da criança no mundo do trabalho, bem como do papel social que ela deverá assumir para manter a legitimidade da dualidade social. O currículo na educação infantil tende, através das instituições de amparo, a manter a perpetuação de um sujeito que terá como tarefa viabilizar o mercado da iniciativa privada e, deste modo, seguir sua vida de maneira injusta, mantendo uma lógica cruel e desumana.

Quando pensamos sobre o que importa para a criança pobre, corremos o risco de planejar, implementar, ensinar e avaliar o que se quer que ela saiba como pré-requisito para avançar os níveis de instrução exigidos pelo o que está prescrito nas políticas educacionais. Passamos a desenvolver o currículo como um produto, um projeto ou como um caderno de metas bem defi nidas a ser alcançadas através de uma efi caz operacionalização de objetivos e metodologias adequadas. Mas, percebo que a necessidade social de uma infância emancipatória exige que todos nós, elaboradores ou “operacionalizadores” de currículo, comecemos a aprender a compreender a condição humana. Refi ro-me à necessidade de aprendermos a interagir com as crianças e a conduzi-las, através de seus sonhos, num currículo que as emancipe. Trago para vocês a proposta de abordarmos as questões mais básicas da educação infantil que vão desde o que pensamos que a criança seja até o que supomos que ela possa aprender. Trago para vocês a ideia de produzirmos um currículo baseado na experiência da criança, ou seja, um currículo procedimental ao invés de um currículo baseado na garantia de aprendizagem através da mudança comportamental.

McKernan (2009) apresenta sete maneiras de elaborar um currículo. A primeira é a elaboração curricular de matérias-disciplinas. Ela é considerada como a forma mais antiga de produzir um currículo; baseia-se na divisão do conhecimento em assuntos fragmentados ou na organização do conhecimento por disciplinas Ela baseia-se na transmissão dos conhecimentos, considerando que cada disciplina tem princípios que devem ser respeitados e recebidos com sucesso pelo aluno. Nessa forma de produção curricular, exige-se o rigor de que cada disciplina atenda a quatro características indispensáveis: uma estrutura lógica distinta, uma cadeia de conceitos-chave, as maneiras de obter novos conhecimentos e os métodos de testagem de afi rmações sobre o conhecimento. É uma forma de elaborar o currículo que se assemelha à organização dos conhecimentos como que num grande armário cujos conteúdos estejam limitados às paredes da sua gaveta, quer dizer, cada conteúdo deverá sempre corresponder apenas a uma dada disciplina.

Figura com gavetas de Salvador DaliFonte: <http://www.fi losofi a.com.pt/iquest/

freud_inc/dali/p1.html>.

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A segunda maneira de elaboração do currículo refere-se à organização de conteúdos por campos interdisciplinares amplos. Trata-se de um modelo de elaboração mais recente, pois apareceu somente a partir do século XX, como forma de reunir áreas cognatas ou campos disciplinares numa ampla ramifi cação. Podemos ver, como exemplo, que o campo dos estudos sociais constituiu-se formando uma ampla disciplina que reúne a história, a geografi a, a economia e a sociologia como áreas cognatas.

A terceira forma de elaboração curricular é a centrada na criança. É um tipo de elaboração curricular que foca as necessidades, o interesse e a curiosidade da criança. A chave desse currículo é a derrubada das fronteiras entre as disciplinas. <Alguns intelectuais> que defendem esse modelo são: Rosseau, Pestalozzi, Froebel, Montessori e John Dewey. (MCKERNAN, 2009)

Outra forma de elaboração curricular é a do currículo nuclear, que prioriza as áreas consideradas imperativas para a formação da criança, por exemplo, os problemas de uma nação como etnia, economia, igualdade etc., e está diretamente ligado ao currículo nacional básico. Podemos entender que os temas <transversais> da educação básica brasileira exemplifi cam a constituição de um currículo nuclear que se entrecruza com um currículo interdisciplinar (que é aquele correspondente às disciplinas de cada série do ensino fundamental).

Temas transversais: são conteúdos constantes dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN's) que se distribuem dentre seis áreas de conhecimento: (1ª) Ética (conteúdo: Respeito Mútuo, Justiça, Diálogo, Solidariedade); (2ª) Orientação Sexual (conteúdo: Corpo: Matriz da sexualidade, relações de gênero, prevenções das doenças sexualmente Transmissíveis); (3ª) Meio Ambiente (conteúdo: Os ciclos da natureza, sociedade e meio ambiente, manejo e conservação ambiental); (4ª) Saúde (conteúdo: autocuidado, vida coletiva); (5ª) Pluralidade Cultural (conteúdo: Pluralidade Cultural e a Vida das Crianças no Brasil, constituição da pluralidade cultural no Brasil, o Ser Humano como agente social e produtor de cultura, Pluralidade Cultural e Cidadania); e (6ª) Trabalho e Consumo (conteúdo: Relações de Trabalho; Trabalho, Consumo, Meio Ambiente e Saúde; Consumo, Meios de Comunicação de Massas, Publicidade e Vendas; Direitos Humanos, Cidadania). Pode-se também trabalhar temas locais como: Trabalho, Orientação para o Trânsito etc. Os temas transversais expressam conceitos e valores básicos à democracia e à cidadania e obedecem a questões importantes e urgentes para a sociedade contemporânea. Disponível em: <http://www.educador.brasilescola.com/gestao-educacional/os-temas-transversais-na-escola-basica.htm>.

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Para obter mais informações sobre esses intelectuais e suas teorias, consulte a Wikipédia, por meio do endereço <http://pt.wikipedia.org> e digite o nome de cada um deles em cada consulta.

Organização interdisciplinar do currículo

EstudosSociais

Sociologia Geografi a

História

Economia

Currículo centrado na criança

Necessidades

Interesse

Curiosidade

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Também há a elaboração curricular integrada na qual o currículo é organizado através de temas, não de disciplinas. Há o modelo de elaboração curricular humanística, que foca os valores, os costumes e a existência humana, preocupando-se com a harmonia e a espiritualidade interior da criança. E, por último, há a forma de elaboração curricular de processo que foca os procedimentos que levam a criança à aprendizagem. Este último modelo é o que proponho a vocês. Trata-se de um currículo procedimental, que é aquele que deve pretender viabilizar, nas relações de convívio entre e com as crianças, laços de construção de conteúdos pertinentes à realidade vivida. É um currículo que terá a experiência de uma relação comunicativa como foco da construção de conteúdos necessários ao crescimento. A

minha proposta é a de que sejam criadas oportunidades de experienciar os conteúdos que importam para cada criança, bem como aquilo que em integração das crianças umas com outras lhes é de interesse comum.

McKernan (2009) nos diz que o currículo educacional sempre foi um empreendimento orientado por valores e que sempre englobou teorias e práticas. Para ele, todo currículo é feito para mostrar os conteúdos que são publicamente valorizados. E por isso, qualquer currículo sempre deve levar em conta três elementos constitutivos: (a) o conhecimento a ser aprendido, (b) o que a sociedade quer que se aprenda, e (c) o sujeito aprendente.

Sabendo disso tudo, quando proponho a vocês que a elaboração curricular constitua-se de maneira procedimental, sugiro então que levemos em conta não só o cotidiano da criança pobre e a realidade que ela carrega, mas, principalmente, a disposição que ela tem para contatar os adultos e as outras crianças que com ela participam da escola. Por isso, a ideia de construir o currículo através de referenciais pode acabar tornando-se uma cilada cujas consequências sejam as de podar as possibilidades de crescimento individual e de integração social. É preciso, pois, que um referencial curricular que fundamenta a educação infantil apresente uma lógica ou estrutura interna que ultrapasse a crença ingênua de que, alcançando metas de conteúdos instrucionais, estaríamos levando as crianças ao crescimento humano.

Nesta aula, como já mencionei a vocês, defendo o desejo de podermos colocar em prática um currículo que não ofereça propostas prescritivas de conteúdos e metodologias a ser encarnadas pelas crinaças. Defendo o desejo de considerarmos as marcas que as crianças

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Entrecruzamento entre o currículo nuclear e o currículo interdisciplinar

Cabeça do aprendenteFonte: <http://1.bp.blogspot.com/_

YVGiuLvx5GI/SQJpmC7w8II/AAAAAAAAADg/Pkrqxo8MJIQ/s1600-h/cabeça.jpg>.

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deixam no conteúdo cultural que a elas é destinado, isto é, “seus usos, ações, informações, alterações, realizações, negações, desconsiderações, argumentações, obliterações, manipulações...” (FERRAÇO, 2005, p.21 e p. 22).

Digo isso porque é importante que nós identifi quemos a função social e também a função política do currículo. O cotidiano da educação infantil representa as condições de crescimento da criança que é atravessado por diferentes contextos de vida e valores que elas carregam consigo. A imagem estática de uma grade de conhecimentos ou de uma listagem de conteúdos não se aplica ao currículo vivido, real, complexo e que está para além dos conteúdos disciplinares da escola. Vários são os currículos vitais que se apresentam no cotidiano vivido pela criança nas instituições de educação infantil.

Portanto, chegando ao fi m do que eu gostaria de problematizar nesta aula, afi rmo, sem restrições, que não podemos mais conceber as instituições de educação infantil como aparelhos ideológicos do Estado, como uma ferramenta destinada à execução de um trabalho ou de prestação de um serviço. Bourdieu (2007, p. 71) chama a nossa atenção para o uso do currículo como utensílio de reprodução cultural que faz com que o sujeito incorpore e introjete, ou internalize, determinados valores dominantes. É preciso, pois, evitar que a criança “adquira, no essencial, de maneira totalmente dissimulada e inconsciente a cultura de distribuição de poderes sociais” contida no currículo que a ela é destinado. Uma coisa de que tenho certeza é que todos nós devemos olhar com desconfi ança o currículo infantil que as políticas públicas apresentam-nos, questionando quais as são os interesses ocultos sobre a formação da criança de zero a seis anos nele contidos.

Afi nal, como também afi rma Giroux (1997), o currículo tanto é produto da política e de grupos de interesse quanto representa um papel fundamental no desenvolvimento das instituições de educação infantil como esferas democráticas. Por tudo que trouxe a vocês, defendo a necessidade de ouvirmos, no cotidiano dessas instituições, o que as crianças pobres têm a dizer sobre suas vidas. É preciso não perder as crianças de vista e permitir a nós mesmos perceber e desvendar as prescrições sustentadas pelo currículo. Prescrições estas que são levadas ao cotidiano infantil como forma legítima de manutenção da dualidade social. É preciso que a gente busque, a partir daí, a superação das estratégias ocultas de dominação da infância.

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Foto da menina Phoebe no país das maravilhas do fi lme <“A menina no país das maravilhas”>

Fonte: <http://www.cinemaemcena.com.br/AbreFoto.aspx?id_fotos=31358&id_fi lme=6273>.

Olá queridos, bom dia! Espero que o encontro no fórum tenha sido proveitoso. Vamos retomar a discussão sobre currículo?! Sim!!! E agora, mais especifi camente, sobre o currículo procedimental, que é o que propus a vocês na aula passada (ok?!). Partindo da fi gura que vemos acima, trago a vocês o convite para assistirmos ao fi lme “A menina no país das maravilhas”. Diferente do que vimos no fi lme “Quanto vale ou é por quilo?”, teremos, agora adiante, a oportunidade de ver e refl etir acerca de encenações que se assemelham ao currículo procedimental. A seguir, uma encenação que considero proveitosa a esta nossa discussão.

[encenação um]

[Professora no início de ano letivo:]

- Bem vindos. A próxima regra é: a Jenny Certinha faz perguntas só quando for a hora de fazer perguntas.

[Menina Phoebe:]

- Quando sabemos que é hora de fazer perguntas?

[Professora no início de ano letivo:]

- O que eu acabei de dizer sobre fazer perguntas?

[Menina Phoebe:]

- Mas...

[Professora no início de ano letivo:]

- Você pode perguntar quando é hora de fazer perguntas quando for a hora de fazer perguntas.

[Professor no ano letivo seguinte:]

- Nesta sala de aula, nós temos certas regras.

Sinopse do fi lme “A menina no país das maravilhas”: Phoebe é uma menina rejeitada pelos seus colegas de classe e deseja mais do que tudo participar da peça de teatro da escola, "Alice no País das Maravilhas". Com o estresse do dia a dia, o comportamento de Phoebe piora cada vez mais criando uma forte pressão em seus pais. Ambos tentam compreender e ajudar a fi lha. Mas Phoebe esconde-se em suas fantasias, confundindo realidade com sonho. A menina terá de encarar um duro, doloroso e emocionante processo, passando pela incrível transformação, como a de uma lagarta que se torna uma bela borboleta. Disponível em: <http://www.cinemaemcena.com.br/ficha_filme.aspx?ID_FILME=6273&aba=cartazes>.

AULA 4: O CURRÍCULO PROCEDIMENTAL PARA A INFÂNCIA EMANCIPATÓRIA

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[Menina Phoebe:]

- Essas regras são as mesmas do ano passado?

[Professor no ano letivo seguinte:]

- Isso é uma pergunta? Crianças, qual é a regra sobre fazer perguntas?

[Próxima professora:]

- O que sabemos sobre a Jenny Certinha?

[Menina Phoebe fala a si mesma:]

- Ela merece uma morte lenta e dolorosa.

[Próxima da nova série:]

- Alguém sabe?

[A nova professora de teatro entra:]

- “Era briluz. As lesmolisas touvas roldavam e relviam nos gramilvos. Estavam mimsicais as pintalouvas e os momirratos davam grilvos”.

[Próxima da nova série:]

- Essa é a Srtª Dodger, a nova professora de teatro.

[A nova professora de teatro entra novamente:]

- Compareçam ao chá.

[A menina Phoebe se entusiasma.]

Foto da menina Phoebe com a professora de teatro do fi lme “A menina no país das

maravilhas”Fonte: <http://www.cinemaemcena.com.br/AbreFoto.

aspx?id_fotos=31364&id_fi lme=6273>.

Ao contrário do que vemos nessas encenações onde os professores prescrevem os comportamentos dos alunos, num currículo procedimental, os professores passam a ser atores, ou melhor, professores-atores ao invés de técnicos ou operadores de um currículo prescrito. É um tipo de currículo que se baseia na tomada de decisão dos professores e no desenvolvimento curricular no cotidiano vivido pela criança na instituição de educação infantil. Os valores do currículo passam a tornar-se padrões a serem julgados pelo professor e por seus pares. É um tipo de currículo que se desloca da previsibilidade da mudança de comportamento da criança para se abrir às múltiplas respostas que ela pode apresentar no decorrer das vivências do cotidiano educacional.

McKernan (2009, p. 116) introduz o que chamo de currículo procedimental através do que ele defi ne como “modelo de elaboração curricular baseado no processo”. Para ele,

o modelo de processos tem suas premissas na crença de que o planejamento curricular não deve ter um enfoque instrumental que seja baseado na natureza do conhecimento do assunto/disciplina, ou baseado numa determinação do comportamento que um aluno deve ter, mais sim, mais crucialmente, ele deve estar baseado no que conta como um procedimento educacional e na natureza do crescimento desse aluno. Então a tradução desse procedimento em ação constitui uma teoria aprimorada para o projeto curricular.

Num currículo procedimental, o educador não estará preocupado com o treinamento nem com a instrução, mas sim com a lógica interna das relações entre as crianças, com a natureza peculiar da expressão e da curiosidade infantil. Ele estará preocupado com questões procedurais

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como, por exemplo, o respeito pelo que se evidencia ao longo dos processos de interação entre as crianças. Esse modelo confere ao professor o papel de um investigador-pesquisador que não estará preocupado com os objetivos de um conhecimento, mas com os procedimentos que levam as crianças a integrarem-se umas com as outras. O educador estará preocupado com o fomento de oportunidades de construção dos saberes.

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Foto da Phoebe e de sua irmã no tabuleiro de xadrez do fi lme “A menina no país das maravilhas”Fonte: <http://www.cinemaemcena.com.br/AbreFoto.aspx?id_fotos=31351&id_fi lme=6273>.

O papel do educador não será o de encontrar um currículo correto e avaliar os resultados das crianças quanto às mudanças de comportamento. O compromisso do educador será o de oportunizar vivências com as crianças que o levem a projetar um currículo real que represente um território de atuação autêntico. McKernan (2009, p. 116) nos diz que esse tipo de currículo é composto de três partes:

1º) a declaração da meta do que se deseja alcançar;

2º) a declaração dos princípios de procedimento, que são os valores sustentadores do processo, ou os procedimentos educacionais. Na verdade, eles são os padrões que um educador deve observar ao implementar a estratégia de ensino e são os valores centrais que determinam a interação com a criança;

3º) a declaração dos critérios para avaliar/julgar a atividade desenvolvida pela criança. (grifos meus)

O papel do educador é o de alguém com a cabeça aberta à crítica e à refl exão. Ele especifi ca estratégias de ensino com base em pesquisas que faz acerca da declaração da meta do que deseja alcançar com as crianças. A meta alude a princípios de procedimento para a concretização dos valores e não de objetivos. A meta alude aos critérios educacionais concretizados ao invés dos resultados de mudança comportamental. Pois, os valores constituir-se-ão dos conteúdos a serem descortinados nas vivências entre as crianças e o professor.

Ao contrário dos valores técnicos que são sustentados pelo mercado social, um currículo procedimental deverá estar baseado em valores práticos, de integração comunicativa e de disposição interpretativa para a aprendizagem. Partindo das contribuições de McKernan (2009), a seguir, trago para vocês essa comparação entre oito valores que nos permitem diferenciar um currículo técnico de um currículo procedimental. O quadro

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que mostro a seguir representa uma adaptação do quadro de Jenkins (1975, apud MCKERNAN, 2009, p. 118) para contrastar os valores que sustentam essa diferenciação.

Foto de Phoebe falando com a rainha de copas do fi lme “A menina no país das maravilhas”Fonte: <http://www.cinemaemcena.com.br/fi lmes/6273/cinenews/phoebeinwonderland_03.jpg>.

Quadro de comparação entre currículo técnico e currículo procedimental

1º) Os valores padrão versus expressão chocam-se porque enquanto que o padrão leva o professor a esperar resultados e comportamentos, o valor expressão permite que a mente da criança lute para não cumprir um padrão defi nido;

2º) os valores produtividade versus integração chocam-se porque enquanto a produtividade exige que a criança, sob o princípio do “fazer mais por menos”, mostre mais resultados em seu desempenho, o valor integração alia-se ao crescimento conjunto;

3º) os valores medição versus compreensão chocam-se porque enquanto a medição baseia-se em resultados quantitativos maiores, o valor compreensão prefere a tolerância, a descrição e a interpretação cuidadosas na busca pelo conhecimento;

4º) os valores treinamento versus educação chocam-se porque enquanto o treinamento estabelece níveis de desempenho, o valor educação oportuniza a experiência criativa e construcionista;

5º) os valores controle versus liberdade chocam-se porque enquanto o controle enfatiza a regulação e retenção do comportamento, o valor liberdade desimpede o professor e as crianças de submeterem-se a direcionamentos externos, pois passam a exercer o direito de fazer;

6º) os valores unidade versus diversidade chocam-se porque enquanto a unidade exige metas e objetivos determinados por um conjunto nacional de padrões, o valor diversidade alia-se a

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Para obter mais informações sobre o multiculturalismo, consulte a Wikipédia, por meio do endereço: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Multiculturalismo>.

experimentos alternativos em direção ao <multiculturalismo>;

7º) os valores objetividade versus subjetividade chocam-se porque enquanto a objetividade enfatiza o que é externo da mente da criança, o valor subjetividade exalta e prioriza os sentimentos e as ideias da criança;

8º) os valores uniformidade versus imaginação chocam-se porque enquanto a uniformidade requer representações corretas da realidade, o valor imaginação sugere criatividade e expressividade a favor da construção de planos, imagens e modelos ideais.

Nesse tipo de currículo, a avaliação passa a ser um componente de monitoramento do processo de construção curricular vivenciada com as crianças. Quando, no currículo procedimental, o professor avalia, ele conversa com as crianças e, por isso, cada oportunidade de conversação permite que currículo e avaliação, ao invés de serem entidades separadas, unam-se. Vê-se que, assim, os professores abandonam o papel de doadores de informação, pois eles tornam-se historiadores ou químicos interessados em obter respostas às perguntas levantadas nos processos de vivência com as crianças. O currículo procedimental permite que o professor coloque em prática um pensamento refl exivo e de interpretação de situações como base para o julgamento prático da avaliação Por tudo que já conversamos desde a primeira aula, podemos perceber que o currículo procedimental pode ser adotado como modelo viável ao fomento de oportunidades educacionais genuínas à educação infantil.

Digo isso porque o campo do currículo depende de um processo crítico de pesquisa e desenvolvimento de todos os elaboradores. Porém, para que um tipo de currículo emancipatório evidencie-se nas instituições infantis, é preciso que o papel do professor seja assegurado e o seu compromisso seja expresso como consequência dos problemas levantados em seu ensino. É preciso então que todo professor movimente-se, mude e liberte-se dos princípios que o impedem de compreender a prática educativa autêntica. Na próxima aula, pretendo oferecer a vocês oportunidades de, juntos, pesquisarmos maneiras diferentes de elaboração de um currículo procedimental para a infância. Considero relevante que possamos evidenciar quais são as esperanças pelas quais vale a pena toda criança crescer.

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Foto de Phoebe correndo com a rainha de copas do fi lme “A menina no país

das maravilhas”Fonte: <http://www.

cinemaemcena.com.br/fi lmes/6273/cinenews/

phoebeinwonderland_02.jpg>.

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UNIDADE II

A PROMOÇÃO DE UM CURRÍCULO PROCEDIMENTAL PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL

AULA 5: O PROFESSOR COMO UM PESQUISADOR ASTUTO NA ELABORAÇÃO DE UM CURRÍCULO PROCEDIMENTAL PARA A INFÂNCIA APRENDENTE

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Jerry Lewis em cena do fi lme “O professor aloprado”Fonte: <http://www.adorocinema.com/fi lmes/professor-aloprado-63/professor-aloprado-63-01.jpg>.

Olá aprendentes! Estamos de volta! E agora, é importante que eu possa honrar o prometido a vocês, que é a busca por maneiras diferentes de elaboração de um currículo procedimental para a infância. Ok?! Então, vamos lá?! Na aula passada, vimos que, na proposta de elaboração curricular procedimental, o compromisso do educador é o de oportunizar vivências com as crianças que o leve a projetar um currículo real que represente um território de atuação autêntico. Mas, como fazer isto? Quais são os saberes que repercutem no papel do professor como propiciador de tais vivências? Este é o desafi o desta aula.

Primeiramente, precisamos refl etir um pouco sobre a sufi ciência da nossa preparação como professores. Hoje em dia, as condições de trabalho docente no Brasil ainda são instituídas de inúmeras lacunas. Situações que são representadas por repressão salarial, por repressão administrativa nas instâncias públicas, pela centralização das ações de gestão escolar e institucional e, até mesmo, repressões como as que ocorrem por parte do próprio docente são comuns no cotidiano da Educação Infantil.

A maioria dos professores ainda ocupa-se com um ensino cuja matéria prima é uma educação desprovida de laços de aprendizagem. O cotidiano das salas de aula do Jardim de

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Infância, bem como, o das salas de Alfabetização é enfeitado por cartazes com “regrinhas”, “letrinhas” e inúmeros “desenhinhos” que são utilizados como forma de instituir um padrão de comportamento ou de aprendizagem. A este modo, os professores vão, desafortunadamente, liderando as crianças rumo a um caminho de valores, onde a maior preocupação deverá ser sempre a da retenção de conteúdos e a idolatria ao livro didático. Nossa!!! Como é possível que ainda possamos testemunhar situações desse tipo no dia a dia da Educação Infantil?!

Assmann (2004, p. 19), em seu livro “Reencantar a Educação”, preocupou-se em mostrar-nos que vivemos hoje a necessidade de compreender a realidade da institucionalização de uma sociedade aprendente. Ele nos diz que vivemos uma fase da história humana que já se iniciou e que, de todos os cantos, urge a exigência de conhecermos a nós mesmos como sujeitos aprendentes. Por isso, segundo ele, “a sociedade inteira deve entrar em estado de aprendizagem e transformar-se numa imensa rede de <ecologias cognitivas>”.

Esse é um tipo de panorama que exige que o professor abra-se a uma nova realidade de aprendizagem em rede de vivências solidárias. A predisposição à solidariedade alia-se ao árduo desafi o de amparar e incentivar aprendizagens colaborativas, tipos de aprendizagens coletivas nas quais um aprende junto com o outro. Para Assmann (2004, p. 22 e 23), “educar signifi ca defender vidas”. A fl exibilidade do professor é o que lhe permite transformar realidades estáticas em “ambientes propiciadores de conhecimento” ou em espaços vitais de integração das aprendizagens. Conhecer e viver são quase a mesma coisa.

Com esta expectativa, pode-se vislumbrar que a prática da Educação Infantil deva mesmo ser uma vivência gostosa e, para isto, “somente educadores/as entusiasmados/as com seu papel na sociedade conseguem criar uma opinião pública favorável a seus reclamos”. Nesta aula, os reclamos aos quais me refi ro estão para além do simples protesto por salários atualizados na moeda corrente. Tais reclamos ultrapassam os limites da desvalorização do papel do professor e da compensação de seu trabalho, sem desconsiderá-los, obviamente, para alcançar uma discussão que estabelece a autovalorização do próprio professor como um sujeito aprendente.

Professor ganha mais no Acre, do cartunista BragaFonte: <http://bp2.blogger.com/_yOS3ha1lFbk/

RxaZWLfWs-I/AAAAAAAAAoY/Q-9DOLouP7c/s1600-h/Professor-ganha-mais-no-Acr.gif>.

Ecologia cognitiva: termo cunhado por Gregory Bateson, defi nido pela convergência de espaços de agenciamentos, de pautas interativas e de relações constitutivas, nas quais se defi nem e se redefi nem as possibilidades de aprendizagem individuais, institucionais, científi cas, técnicas e de ensino. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ecologia_cognitiva>.

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Corroborando com Assmann (2004), refi ro-me à autovalorização pessoal do professorado, sua autoestima e ao necessário confronto junto à qualidade pedagógica do ensino. Refi ro-me ao atestado de apartheid neuronal que nós, professores, quando não conscientes do compromisso vital de enlace da aprendizagem, assinamos no fi nal do ano letivo. Desta forma, acabamos por ratifi car uma situação, um teanto deplorável, que é a da divisão social da aprendizagem. Diferentes categorias de sujeitos são certifi cadas por nós professores através do boletim ou das avaliações escolares. Há, por exemplo, aqueles alunos com boas notas, mas que não aprenderam o conteúdo que fora prescrito pelo currículo escolar. Também, há aqueles que são os reprovados, bem como, há aqueles poucos que, por um suposto autodidatismo, aprenderam o conteúdo escolar e lograram êxito em seus boletins.

Na Educação Infantil, ocorre uma situação ainda pior. O crime do apartheid neuronal é ratifi cado nas classes de Alfabetização, onde as crianças mais espertas ou que têm sua origem em lares economicamente privilegiados, são conduzidas facilmente pelo processo de aprendizagem da leitura e da escrita. Já aquelas crianças, advindas de lares economicamente desfavorecidos, não logram êxito na obtenção das habilidades exigidas e, assim, seguem no percurso da formação escolar acumulando, a cada ano letivo, mais e mais difi culdades de aprendizagem.

Ao contrário dessa realidade pecaminosa, uma ecologia cognitiva representa a atitude astuta do professor de propiciar a integração entre os alunos, os quais passam, tanto quanto o próprio professor, a ser compreendidos como aprendentes. Isto quer dizer que a tarefa do professor passa a ser a de promover a emancipação social da infância, dando sempre ênfase a uma “visão da ação educativa como ensejamento e produção de experiências de aprendizagem” (ASSMANN, 2004, p. 29). O pressusposto do professor astuto é o de que aprender é estar vivo, é estar interagindo, signifi ca estar plenamente imerso desde nas mais simples condições físicas e biológicas do organismo humano até na mais abstrata e complexa condição psicológica de aprendizagem. Como diz o próprio Assmann (2004, p. 40),

a aprendizagem não é um amontoado sucessivo de coisas que se vão reunindo. Ao contrário, trata-se de uma rede ou teia de interações neuronais extremamente complexas e dinâmicas, que vão criando estados gerais qualitativamente novos no cérebro. É a isto que dou o nome de morfogênese do conhecimento. Neste sentido, a aprendizagem consiste numa cadeia complexa de saltos qualitativos da auto-organização neuronal da corporeidade viva, cuja clausura operacional (leia-se: organismo individual) se auto-organiza enquanto se mantém numa acoplagem estrutural com o seu meio.

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Tarefas escolaresFonte: <http://www.planetaeducacao.com.br/novo/artigo.asp?artigo=940>.

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Pode-se dizer que numa condição de contínuas oportunidades de aprendizagem interativa, as conexões neurais da criança passam a crescer prolongadamente, levando-a a entrar em estado de aprendência. Uma ecologia cognitiva leva a criança a tornar-se uma fi el aprendente, pois os princípios que a conduzirão, no percurso do crescimento, passam a estar associados à sua vontade de estar com o outro, à curiosidade de conhecer o que a ela apresenta-se e à manifestação de ações procedimentais singulares e comuns a contínuas aprendizagens. É isto que Assmann (2004) chama de morfogênese do conhecimento. O papel do professor estará, pois, agregado à forma como o conhecimento apresenta-se à criança porque tudo isso vai depender das relações vitais das quais ela participará ao longo de

seu crescimento. Isto quer dizer que a cada oportunidade de enriquecimento interativo que o professor proporcionar, a criança vai reorganizando-se cognitivamente. Seu corpo vai encontrando-se com o meio no qual está inserida e vai refazendo-se continuamente. Mas, este encontro depende fortemente da relação de aprendizagem que as crianças mantêm entre si, bem como, assim enfatizamos nesta aula, das oportunidades de favorecimento de uma prendizagem colaborativa a ser fomentadas pelo professor.

Seguindo as explicações de McKernan (2009), o currículo procedimental exige que o professor adote uma postura investigativa. O propósito de uma investigação para a elaboração deste tipo de currículo deve ser a de suplementar, enriquecer e expandir as possibilidades de aprendizagem na Educação Infantil. O professor deverá estar (pré)ocupado com a busca pela oportunização de interações entre as crianças. O conteúdo curricular deverá representar tais vivências tanto quanto o que for aprendido pelas crianças. Como bem coloca McKernan (2009, p. 124), é preciso “que o professor adote uma pedagogia baseada na discussão [leia-se: conversa ou diálogo] e monitore seu papel como um coordenador que apoia a compreensão, o conhecimento, a tolerância e as sensibilidades do aluno”.

No currículo procedimental, o ambiente de aprendizagem não precisa partir de uma arrumação na qual o professor tenha instituído todos os materiais de que ele precisará. Os livros didáticos podem ser viabilizados através de material multimídia a ser criado pelas crianças, como, por exemplo, através de gravações de mini-vídeos, de paródias, de quebra-cabeças etc. O que haverá de inovador é tudo o que for vivido entre as crianças, ou seja, a matemática, a história ou a química serão vivenciadas, e não apenas estudadas. Ao professor cabe prestar atenção aos princípios e procedimentos que estão implícitos em cada atividade. O conteúdo a ser estudado não é posto de lado, ao contrário, é levado às crianças por elas mesmas. O professor deixa de ser um doador de informação para assumir seu papel de pesquisador, de um sujeito que propicia a conversa e oportuniza situações de aprendizagem as quais possam ser exploradas pelas próprias crianças.

Segundo McKernan (2009, p. 125), “todo currículo se preocupa principalmente com o conteúdo”. Porém, no caso de um currículo procedimental, o que ocorre é a incorporação dos

Neurônios crescemFonte: <http://www.fsm.edu.br/?p=273>.

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valores educacionais (que são os princípios), ao invés da especifi cação de objetivos. Ao incorporar princípios, o conteúdo curricular deixa de ser aquele imposto pelos programas de ensino, pelos planos de aula e pelas referências e parâmetros curriculares de uma nação, para abrangerem o conteúdo signifi cativo e necessário à criança. Um currículo procedimental vai também incorporar princípios que aludem ao procedimento adotado para a concretização desses valores. O professor passará a compreender que o currículo não é para ele, mas sim, para as crianças e pelas crianças. Isto quer dizer que, ao projetar uma aula, o professor não imaginará como ele se comportará ou o que ele deve fazer para garantir o êxito da aplicação do conteúdo. Ao planejar uma aula, o professor estará preocupado com as oportunidades que serão propiciadas às crianças, permitindo descortinar aprendizagens e, consequentemente, conteúdos signifi cativos às redes de vivência das mesmas.

Neste componente curricular, proponho a vocês o desafi o de vivenciarmos uma experiência de um currículo procedimental. Posso dizer que, astuciosamente, solicito-lhes uma atividade um tanto interpretativa, sobre cuja interpretação nesta aula não me detive e, assim, suponho, ou pelo menos desejo, estar evitando induzir quaisquer respostas que vocês possam manifestar em nossos debates na plataforma Moodle.

Queridos, encontramo-nos na plataforma, ok?! Abraços!Giuliana Vasconcelos.

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Professor D. interagindo com aprendentes no fi lme <“Escola

da vida”> Fonte: <http://www.interfi lmes.

com/fi lme_v4_15831_Escola.da.Vida.html#Imagens>.

Sinopse do fi lme “Escola da vida”: há um novo professor na cidade, e ele está promovendo um verdadeiro pandemônio na Fallbrook Middle School. Ele é atraente, simpático e informal. Os alunos amam o Sr. D.

Os professores também o admiram, com exceção de Matt Warner, o ansioso professor de biologia, que sonha em ganhar o prêmio de Professor do Ano. Seu pai, Stormin Norman, foi Professor do Ano durante 43 temporadas seguidas, e Matt está determinado a fazer deste o seu ano. Mas, com o Sr. D. em cena, Warner vê sua chance escapar. Ele não consegue competir com quem até seu próprio fi lho admira. Mas há um segredo que pode mudar o jogo. Disponível em: <http://www.interfilmes.com/filme_v4_15831_Escola.da.Vida.html#Imagens>. Acesso em: 7 jul 2009.

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AULA 6: A ECOLOGIA COGNITIVA COMO PRINCÍPIO PARA UM CURRÍCULO PROCEDIMENTAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Estudar é coisa para heróis. Ir para a escola é como encarar uma “Guerra nas Estrelas”. Vocês são como o Luke Skywalker. Ou Lucy Skywalker conforme o caso. E a escola é um dos lugares onde recebemos o treinamento Jedi. Afi nal, precisamos enfrentar o Império do Mal. O Império do Mal não é a escola, nem nossos pais... nem a salsicha de gosto duvidoso da lanchonete. Não. O Império do mal é uma crença. É crer que temos limitações. Não temos. Talvez não saibam mas todos vocês são perfeitos. Norman Warner foi meu mestre Jedi. Aprendi com ele que eu sou o meu próprio professor... meu próprio mestre. Quero que aprendam que não devem se preocupar com o que vocês farão. Isso não importa. Preocupem-se com o que vocês serão. Assim, nenhum bundão vai impedir que vocês realizem seus sonhos! (segurando um lápis). Este é seu sabre de luz. Se vocês o usarem com emoção e coragem... juntos, faremos do mundo um lugar melhor. Quero fazer essa jornada com vocês. Obrigado. (DEAR, 2005)

Olá, estamos de volta. Vamos começar esta aula retomando a debate sobre o discurso proferido no fi lme “Escola da vida”, acima transcrito. Os valores que o professor “Sr. D.” profere soam como um convite à vivência do processo de aprendizagem, à vivência daquilo que você torna-se e não daquilo que você fará. Com tal discurso, o belo professor demonstra uma proposta de ensino baseada na experiência do que pode ser vivido pelas crianças, bem como, nas emoções que elas puderem sentir ao longo da aprendizagem. O princípio da vivência, portanto, adotado pelo professor “Sr. D.” assemelha-se bastante à proposta de um currículo procedimental, sem objetivos a cumprir, mas com metas a alcançar. Conforme o que McKernan (2009) defende em sua proposta de uma teoria para o currículo, a seguir, apresento um esboço do modelo de currículo baseado no processo. Assim, com base no que aquele autor apresenta, descrevo o exemplo que segue, dividindo-o em três eixos de um mesmo processo, o qual defi no como cíclico, porque um eixo leva ao outro num movimentao circular de compreensão do currículo: a) meta(s); b) princípios do procedimento; e c) critérios para avaliar o que foi alcançado.

a) meta(s):

• educar os aprendentes para que abram suas mentes para o mundo do saber;

• encorajar a compreensão mútua frente aos problemas que parecem insolúveis;

• promover a tolerância e a sensibilidade para com o outro;

• trabalhar para a eliminação do medo de errar;

• ajudar os aprendentes a fazer e a responder problemas de pesquisa;

• ajudar os alunos a esclarecer valores pessoais.

b) princípios de procedimento:

• que o professor ajudará os aprendentes a se tornar conscientes de suas capacidades, atitudes e possibilidades;

Foto do Professor D. segurando um lápis no fi lme “Escola da vida”

Fonte:<http://www.interfi lmes.com/fi lme_v4_15831_Escola.da.Vida.html#Imagens>.

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• que sujeitemos todas as atitudes de aprendizagem ao diálogo em sessões de debate;

• que atitudes controversas sejam identifi cadas (o que foi percebido, quais os equívocos, quais os erros e por que se errou, como e por que se alcançou a solução etc.);

• que o conhecimento do conteúdo possa ser apresentado tanto numa proposta tradicional quanto numa experimental;

• que os professores ajudem os alunos a detectar suas capacidades e possibilidades;

• que os professores possibilitem aos alunos compreender uns aos outros.

c) critérios para avaliar o que foi aprendido:

• estrutura lógica do conteúdo a ser abordado;

• os conceitos-chave que dão coerência e lógica ao conteúdo;

• os testes e resoluções de problemas pertinentes ao conteúdo;

• o aprendizado do modo de conhecer o conteúdo abordado e quais habilidades permitiram que novos conhecimentos fossem descortinados no decorrer do processo.

Eixos do processo cíclico de um currículo procedimental

Como coloca McKernan (2009, p. 125),

o currículo se torna um meio de pesquisa ou de estudo dos efeitos e problemas produzidos pela implementação de alguma linha projetada de ensino. Cada turma é única em seu caráter e precisa ser verifi cada, testada e aprovada pelo professor. Nosso modelo sugere que os professores podem melhorar seu comportamento profi ssional pesquisando os problemas levantados por seu ensino e currículo.

Ao invés da especifi cação de objetivos, este modelo vai aludir não apenas aos valores da educação, mas, principalmente, aos princípios do procedimento para a concretização dos valores educacionais. As metas fazem alusão aos critérios de avaliação que são concretizados no percurso dos processos e não aos resultados a ser alcançados. “Então, um currículo deveria

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especifi car um processo de ensino e aprendizagem que vale a pena sem determinar quais seriam os resultados” (MCKERNAN, 2009, p. 125). É assim que proponho que possamos vivenciar o currículo da Educação Infantil. Uma vez preocupados com as condições de aprendizagem das crianças e tendo o desejo de proporcionar, passo a passo, a vivência da exploração de um determinado conteúdo, como um dos princípios a ser adotados, estaríamos, pois, oportunizando experiências singulares de crescimento infantil.

Hoje, estamos no auge das teorias da aprendizagem, e não há como escapar da discussão sobre currículo sem fazer referência prioritária à aprendizagem da criança. É importante que possamos abrir debates sobre ideais de currículo, valores educacionais e ideologias políticas que cerceiam as possibilidades educativas de desenvolvimento da infância. A ecologia cognitiva, à qual me refi ro nesta aula, traduz a pretensão de propor a vocês que ousem atender aos desejos de aprendizagem da infância pobre, fazendo-os valer no cotidiano das creches e dos orfanatos. Uma ecologia cognitiva coloca desafi os <epistemológicos> e pedagógicos aos professores. Os desafi os epistemológicos abrangem a busca por alternativas a ser adotadas como formas de aprender. Os desafi os pedagógicos abrangem o fomento de uma ambientação e de um clima propício às experiências de aprendizagem.

Para Lévy (1993, p. 135), não sou eu nem você que é inteligente, “mas “eu” com o grupo humano do qual sou membro, com minha língua” e com toda uma herança de aprendizagens, de histórias, tecnologias e defi nições sociais, somos inteligentes. Isto porque nós interagimos e continuamente crescemos na infi nitude da aprendizagem humana. Por isto, e seguindo então a abordagem de Assmann (2004), podemos afi rmar que enquanto há vida, há aprendizagem.

Epistemologia: “o estudo metódico e refelexivo do saber, de sua organização, de sua formação, de seu desenvolvimento, de seu funcionamento e de seus produtos i n t e l e c t u a i s ” (JAPIASSÚ, 1979, p. 16).

Nova fábula do beija-fl orFonte: <http://producaosemlimites.zip.net/images/charge_

beijafl or.JPG>.

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A ecologia cognitiva deverá permitir a vida, promovendo oportunidades ímpares de desenvolvimento das crianças. Por isto mesmo, o ideal de um currículo deve ser o de fomentar uma ecologia cognitiva. As metas, constantes no exemplo de currículo antes esboçado, mostram um compromisso, em longo prazo, para com as crianças. Não há complicações, mas, sim, intenções colaborativas. Neste caso, o professor torna-se um colaborador porque o seu papel passa a ser o de um grande amigo protetor, cuja preocupação prioriza a autonomia da criança e a aquisição de sufi ciências para o desenvolvimento do estado de aprendência, somente alcançado mediante a promoção de uma convergência de espaços interativos, nos quais se defi nem e se redefi nem as possibilidades de aprendizagem da criança, bem como, as possibilidades de ensino do próprio professor.

É importante, pois, que conduzamos a refl exão desta aula buscando compreender a relação existente entre o crescimento individual da criança, a instituição que promove esse crescimento e as práticas pedagógicas que são oportunizadas pelo professor. É preciso então refl etir sobre a articulação dos diferentes componentes do fenômeno educativo. O currículo é a chave de articulação de tudo o que pode acontecer cognitivamente no ambiente educativo. Por meio da vivência curricular, a aprendizagem de cada criança vai desenvolvendo-se colaborativamente. Cada criança tende a encaixar-se na dinâmica de tal processo, uma vez que ela mesma passa a descobrir qual conteúdo é pertinente à sua curiosidade e necessidade de aprendizagem.

Quando pensamos na promoção de uma ecologia cognitiva como princípio para um currículo procedimental na Educação Infantil, a instituição que promove o fenômeno educativo ocupa um volumoso peso. Isto porque a creche, o orfanato e a pré-escola, pelo fato de existirem, contribuem para a manutenão de uma lógica cognitiva, uma atividade de modelação do ambiente cognitivo da criança, acabando, pois, por instituir, classifi car, ordenar e construir estabilidades, ou instabilidades estáveis, e defi nições da vida futura da criança. Pode-se dizer que há, portanto, a possibilidade de se oportunizar a evidenciação de uma equivalência entre a atividade da instituição e o organismo da criança. Isto quer dizer que, para vermos a creche, o orfanato e a pré-escola com a função de alimentar a criança cognitivamente, precisamos desaprisionarmo-nos do currículo tradicional e adentrarmos um currículo que permita-nos perceber que a criança também alimenta a instituição.

A perspectiva da adoção de uma ecologia cognitiva como princípio para um currículo procedimental na Educação Infantil abrange a compreensão de que “há, portanto, uma forma de equivalência entre a atividade instituinte de uma coletividade [que é a atividade da creche] e as operações cognitivas de um organismo [que é a criança]. Por isto, as duas funções [creche e criança] podem alimentar-se uma da outra” (LÉVY, 1993, p. 142). Por tudo isso, a perspectiva procedimental do currículo pode ser vista não só sob o aspecto da construção do conteúdo a partir das vivências entre crianças e professores, mas, também e, talvez, principalmente, essa perspectiva pode ser vislumbrada por considerar que a criança também pode contribuir para transformar a instituição num ambiente cognitivo, no qual todos que lá se encontram podem compartilhar um contínuo estado de aprendência.

O discurso do fi lme “Escola da vida” que fora proferido pelo professor “Sr. D.”, com o qual iniciei esta aula, exemplifi ca uma manifestação de uma ecologia cognitiva que fornece a metáfora “Guerra nas estrelas” como convite à vivência de um currículo sem objetivos, mas com um grande misto de emoções, fantasias, crenças e possibilidades de integração social. Trata-

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se de um convite que desafi a a criança a ousar expor suas curiosidades e a acreditar não ter limitações de aprendizagem. Na refl exão fi ccionada do fi lme, percebe-se que, através da palavra do professor “Sr. D.”, a escola vai efetivando o seu propósito, mas isto ocorre, principalmente, como consequência da abertura colaborativa do professor.

Como bem é mostrado no fi lme “Escola da vida”, a escola funda boa parte das atividades cognitivas das crianças. E, como diz Lévy (1993, p. 143), “uma estrutura social não se mantém sem argumentações, analogias e metáforas que são, evidentemente, o resultado de atividades cognitivas de pessoas”. A evidenciação de uma vivência curricular não se compara à instrumentação de um currículo tradicional. O professor de um currículo procedimental, ao invés de operacionalizar um currículo prescrito, inventa novas partições da realidade. Ele reinterpreta conceitos e até mesmo deforma conceitos. Certamente, ele passa a pensar nas atividades cognitivas das crianças, tendo, como contrapartida, a inevitável condição pensante da infância. Isto quer dizer que, ao passo no qual o professor fomenta ricas oportunidades de vivência interativa do currículo, as crianças vão contribuindo para a construção e reconstrução da instituição na qual estão inseridas.

A perspectiva da adoção de uma ecologia cognitiva como princípio para um currículo procedimental na Educação Infantil abrange o vislumbre de transformar a creche, o orfanato e a pré-escola numa estrutura social que “só pode manter-se ou transformar-se através da inteligência de pessoas singulares” (LÉVY, 1993, p. 144). A lógica, portanto, de um currículo procedimental é a de proporcionar o crescimento autêntico da cada criança. Um professor de um currículo procedimental vai permitir que cada criança interaja uma com a outra e auto-organize suas próprias aprendizagens.

Nesta aula, defendo a adoção do princípio da ecologia cognitiva como pressuposto necessário à oportunização elaborativa de um currículo procedimental. Mas, seguindo a perspectiva de Lévy (1993, p. 145 e 146), há, antes, dois princípios a ser adotados pelo professor no fomento de uma ecologia cognitiva. O primeiro trata-se do princípio da multiplicidade conectada: é preciso perceber a instituição de Educação Infantil como uma multiplicidade indefi nidamente aberta. A creche, o orfanato e a pré-escola irão sempre conter muitas outras instituições em si mesmas. E isto deve ser levado em conta pelo professor. Há uma rede de conexões que redefi ne a estrutura da instituição, como, por exemplo, o Ministério da Educação, o Conselho Nacional de Educação, a Secretaria de Educação Estadual e a Secretaria de Educação Municipal. Há também os conselhos tutelares de proteção da criança etc. Cada conexão entre estas instituições contribui para modifi car as signifi cações da concepção de infância, o que nos permite dizer que a instituição de Educação Infantil não é um lugar imutável, mas sim um lugar de interfaces, é uma rede receptiva, aberta às possibilidades que podem ser estabelecidas conforme as necessidades que logo se evidenciem.

O segundo princípio a ser adotado pelo professor no fomento de uma ecologia cognitiva é o da interpretação: o sentido da instituição nunca é defi nitivamente estabelecido quando ela é criada. O sentido da instituição de Educação Infantil é, no percurso de sua existência, a questão central das interpretações de seus professores, dos pais, bem como, das crianças. Cada um atribui signifi cado à instituição, dando-lhe novos sentidos. O sentido da instituição não está na sua origem, mas nas interpretações, nas inversões de sentido e nas novas conexões que

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Olhar diante do mundoFonte: <http://zunal.com/myaccount/uploads/media_tech_3.jpg>.

podem ser estabelecidas a cada instante. Como bem coloca Lévy (1993, p. 148), “numa ecologia cognitiva não há causas e efeitos mecânicos, mas sim ocasiões e atores”.

Numa ecologia cognitiva, nós, professores, colocamo-nos abertos à vivência de um currículo que nos permita reconhecer as interfaces de concepção da instituição de Educação Infantil e as possibilidades de ressignifi cação dos conteúdos a ser descortinados entre as crianças. Numa ecologia cognitiva como princípio fundante de um currículo procedimental, nós, professores, passamos a compreender que todos somos sujeitos ativos, viventes, capazes de atribuir sentidos às signifi cações de conteúdos que podemos desvelar colaborativamente. Pelo que já expus, concluo esta aula convidando todos vocês a adotar o princípio da ecologia cognitiva como pressuposto de suas práticas educativas, como pressuposto de um currículo que conduza a criança ao crescimento autêntico. A seguir, destaco o desafi o ora proposto.

Com carinho.Giuliana Vasconcelos

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AULA 7: A APRENDIZAGEM DA CRIANÇA PRÉ-ESCOLAR NO CURRÍCULO PROCEDIMENTAL

Mãos aprendentes. Fonte: Clipart – Microsoft.

Olá, tudo bem? Hoje, vamos iniciar esta aula refl etindo sobre o que signifi ca realmente aprender. Vamos seguir no transcurso deste texto buscando clarifi car a compreensão que podemos ter sobre o signifi cado da cognição da criança, ou seja, de como ela aprende e quais recursos cognitivos ela utiliza em seu processo de aprendizagem. Primeiramente, como já demonstrei ao longo das nossas aulas, a minha maior preocupação é a de que possamos chegar a um consenso acerca da necessidade de interação ou vivência de um currículo que tome como pressuposto a participação ativa ou a autoria das crianças. Vamos retomar as argumentações de Assmann (2004), por meio das quais, agora, mais especifi camente, buscarei explicar a vocês o que entendo por aprendizagem.

As biotecnologias, as biociências, os equipamentos médicos de alta performance e o acúmulo de saberes que transbordam as mais diferentes culturas do nosso planeta vêm mostrando que estar vivo é, essencialmente, estar aprendendo. Hoje, a vida não segue apenas uma linha até a morte. A vida regride, complementa-se, integra-se e enreda-se por múltiplos caminhos. Aquilo que não tínhamos feito noutrora, pode ser vivido na hora seguinte porque tudo depende do ângulo de abordagem que temos diante do conhecimento. A aprendizagem signifi ca ““estar vivo”, que é sinônimo de estar interagindo, como aprendente, com a ecologia cognitiva, na qual se está imerso, desde o plano estritamente biofísico até o mais abstrato plano mental” (ASSMANN, 2004, p. 35). Isto quer dizer que mente e corpo são um só, pois tanto a alegria quanto a tristeza são corporeidade, uma vez que o que pensamos nunca desincorpora do plano biofísico do organismo.

Assmann (2004), reportando-se à biologia, leva-nos a introduzir no campo da aprendizagem, bem como, proponho nesta aula, a introduzir no campo do currículo na Educação Infantil, conceitos como: complexidade, autopoiese e morfogênese, dentre outros. (1) A complexidade, por exemplo, é um conceito cunhado por Morin (2000, p. 207), o qual pode traduzir uma formação da infância que seja capaz de permitir o desenvolvimento do “pensamento capaz de reunir (complexus: aquilo que é tecido conjuntamente), de contextualizar, de globalizar, mas, ao mesmo tempo, capaz de reconhecer o singular, o individual, o concreto”.

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Partindo, pois, do conceito de complexidade, podemos perceber que a aprendizagem vai representar uma formação de infância que decorra do encontro entre diferenças, ou entre individualidades, que se reconhecem numa unicidade ou numa identidade. O pensamento complexo é aquele no qual o professor forma-se e conduz-se na integração entre a criançada. Trata-se de um pensamento capaz de perceber que a realidade de aprendizagem da criança é tanto solidária quanto confl ituosa. Trata-se de um pensamento capaz de perceber que a curiosidade da criança vai apresentando-se como algo que é multidimensional, questionadora e aventureira, condição esta que a conduz por diferentes caminhos de encontro com outras crianças e que, por isto, também, torna-se geradora produtora de confl itos.

Partindo da perspectiva de Morin (2000), o conceito de complexidade leva-nos a entender a necessidade de compreender que a cognição da criança constitui-se num todo individual que persegue o encontro com as suas partes. Relembrando, por exemplo, o princípio da conectividade de uma ecologia cognitiva, tais partes são faces de outras crianças que, na verdade, tornam-se interfaces de um lindo processo de uma aprendizagem coletiva. O todo individual da criança busca encontrar-se com as suas partes que são, na verdade, os seus pares, são os seus amigos, seus professores, seus pais e todos os outros “eus” que passam a constituir o “eu” da criança. Ora, se o que defendo nesta aula é a tese de que a aprendizagem é um estado de vivência, certamente, posso dizer a vocês que cada criança vai formando-se numa rede complexa de conexões com as interfaces de outros indivíduos. O que há de essencial nesta compreensão é que, como coloca Morin (2000), tal aprendizagem não ocorre no isolamento. Mas, sim, na presença do outro, com o outro, reconhecendo que o outro está tanto em mim quanto eu posso estar nele numa ampla rede de conexões de individualidades. O pensamento complexo é um pensamento que permite que o professor da Educação Infantil reconheça que a infância vai crescendo na construção de uma subjetividade interligada. A aprendizagem deverá estar, pois, presente em tal interconexão. Distinguo a aprendizagem complexa pela interconexão porque cada criança, na vivência de uma aprendizagem autêntica, participa do currículo procedimental não apenas fazendo conexões e acessando as redes de aprendizagens das outras crianças, mas, sim, integrando-se com as interfaces das outras crianças. Partindo do conceito da complexidade, cada criança segue no percurso de sua aprendizagem aludindo à presença dos outros em sua aprendizagem, lembrando-se, representando e até mesmo reproduzindo o que o outro disse, o

Torre de Babel, de EscherFonte: <http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/

opombo/seminario/escher/babel.html>.

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que ambos disseram, o que todos viram e como todos entenderam-se acerca do conteúdo que fora descortindado.

A adoção da formação do pensamento complexo permite-nos entender que cada um está no outro e que esta presença decorre da construção conceitual comum, que é obtida através do consenso de aprendizagem que se evidencia entre as crianças. O consenso é o resultado obtido através da ajuda mútua, do querer-bem e da prática da solidariedade que é promovida na vivência de um currículo procedimental. É claro que isto pressupõe o desenvolvimento consciente de uma ética, de um aprimoramento das capacidades de aprendizagem, principalmente, por considerar que cada criança pulsa a vida e, por isso, a integração entre as crianças é a evidência de serem vitais.

O outro conceito que Assmann (2004) considera pertinente à compreensão do que signifi ca aprender é o de (2) autopoiese.

Quando pensamos que estamos todos imersos em redes de pensamentos complexos, em interconexões ou interfaces de conexão, podemos pressupor que a presença do outro em mim, ou seja, a presença de uma criança noutra criança, pode, como bem lembra Piaget (1987), provocar uma desorganização reacomodante. A autopoiese, portanto, poderá estar evidenciada através da capacidade de cada criança de produzir continuamente a si mesma. A criança vai apoiando-se na realidade que a ela apresenta-se. A criança apoia-se nos dados, nas informações, nos objetos, nas palavras, nas ações, nos comportamentos, nos signifi cados, nos conceitos, nos cheiros e nas expectativas de sentidos que vão sendo construídas e descortinadas conjuntamente no transcurso da prática educativa.

Sobre a autopoiese, reporto-me a Maturana e Varela (2002), como forma de melhor explicitar o entendimento deste conceito. Seguindo a compreensão por eles apresentada, permito-me dizer a vocês que a autopoiese é a capacidade de resiliência própria de cada criança, signifi ca a produção de si mesma pela criança. Em outras palavras, posso dizer que cada criança vai construindo um conjunto de componentes físicos, psicológicos e afetivos que convergem para a caracterização que ela pode fazer de si mesma. A autopoiese interliga cada uma na realidade de uma outra, uma vez que a aprendizagem que lhe permite produzir a si mesma é resultante das interatividades proporcionadas entre as duas crianças.

Uma criança é, segundo Maturana e Varela (2002), um sistema autopoiético de acoplamento a outro sistema autopoiético, que é seu professor, seus pais, as outras crianças e a própria instituição de Educação Infantil. A autopoiese ocorre como uma disposição orgânica; é, pois, um fundamento biológico da aprendizagem que se refaz nos processos interativos de aprendizagem, condicionando a própria aprendizagem. Com isto, podemos perceber a necessidade de que o currículo da Educação Infantil seja um currículo de aprendizagens, de oportunidades de contribuição mútua com vistas à contínuidade criativa dessas aprendizagens.

Outro conceito que Assmann (2004, p. 44) sugere-nos é o de (3) morfogênese “- que signifi ca literalmente

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Mãos aprendentes em autopoiese, desenhando a si mesmas, de Escher

Fonte: <http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/escher/index.

html>.

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“surgimento das formas(s)” -”. O que ele defende é que, no campo pedagógico, nós abramos nossas mentes para um pensamento alternativo diante da dualidade ensinar-aprender. Isto signifi ca dizer que o alcance de um estado de aprendência vai depender das mudanças que podem ser implementadas nas estruturas de ensino vigentes. O papel do professor passa a ser o de questionador e criador de estruturas ou modelos inovadores do ensino. Mas, na perspectiva de uma teoria do estado de aprendência, tais modelos só podem ser considerados inovadores se possibilitarem que os processos de aprendizagem também sejam criativos e auto-organizativos. Tais modelos só podem ser adotados como inovadores se possibilitarem que uma dinâmica auto-organizativa, de intencionalidade consciente por parte do professor, permita que as crianças transitem entre os diversos modos do conhecer.

O conceito de morfogênese permite compreender que a formação individual de cada criança vai ambientando-se, convivendo e evoluindo no interior da instituição de Educação Infantil. Essa formação individual da aprendizagem vai ocorrendo numa unidade de sobrevivência (que é a própria criança ambientada). O conceito de morfogênese admite que cada criança constrói uma forma própria de aprendizagem, bem como, admite que cada criança vai desenvolvendo sua autopoiese, sempre transitando por mundos ou realidades diferentes. A criança é, pois, uma pensadora itinerante, um indivíduo pensante que sente prazer quando dinamiza o seu próprio pensamento.

O que trago para vocês nesta aula é um convite à ampliação das perspectivas de referências da pedagogia para o campo curricular da Educação Infantil. Para Assmann (2004, p. 50), “a pedagogia nasceu do carinho dos genitores e das ambiências de sobrevivência e das formas de convivialidade que a espécie humana aprendeu a confi gurar para lhe servirem de nichos vitais”. A pedagogia surgiu da necessidade de criação, do cuidado das mães e dos pais, ou vice-versa, para com os fi lhos, ou para com a prole. A pedagogia surgiu para cuidar da ambientação da criança ao meio circundante. Surgiu para criar formas de convivência e modifi car aquelas já existentes, bem como, para descobrir ou fazer do espaço no qual vive um habitat especial e comum aos grupos nele existentes.

Seguindo esse panorama de abordagem, podemos compreender a creche, o orfanato e a pré-escola como espaços de complexidade nos quais cada criança pode realizar sua autopoiese. Podemos compreender que as instituições de Educação Infantil podem tornar-se verdadeiros nichos vitais, onde cada criança vai formando ou construindo sua infância na interatividade que passa a ser propiciada umas com as outras. Nós, pedagogos, podemos compreender que cada criança merece perceber seu ambiente de aprendizagem como uma casa-escola, como um nicho de aprendizagens, cuja especifi cidade é a de proporcionar oportunidades ímpares de aprendizagem.

Ao retomar nossas primeiras aulas, podemos perceber que a infância pobre pode constituir-

Formas de aprendizagemFonte: <http://www.brasilescola.com/upload/e/estilos%20de%20

aprendizagem1.jpg>.

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se emancipatória através da confi guração da creche, do orfanato e da pré-escola como nichos vitais de aprendizagem. Em tais habitats, a criança pode vivenciar oportunidades de vivências curriculares administradas por inovadoras ecologias cognitivas. Com isto, quero dizer a vocês que ousem conhecer a criança e a amá-la. Ouso dizer a vocês que o estado de aprendência só pode ser alcançado se engajarmo-nos na criação de comunidades de aprendizagem e se reconhecermos que nossa tarefa emancipatória é a de aprendermos colaborativamente.

Os conceitos de complexidade, de autopoiese e de morfogênese podem levar-nos a perceber que a criança passa a ser então vista como um indivíduo que, uma vez integrada numa rede de interfaces de outras crianças, pode ir criando a si mesma em contínuos ciclos de aprendizagens. A cada interação, ela vai estabelecendo formas de aprendizagem que se mofi dicam na infi nitude de suas vivências. Este ângulo de percepção do desenvolvimento da infância não só viabiliza uma re-estruturação dos espaços de aprendizagem, mas, principalmente, vai permitindo que cada criança desenvolva capacidades mentais, tais como, a autoria de suas aprendizagens. Este ângulo permite-nos perceber que a adoção de um currículo procedimental vai habilitar a busca, em todos os níveis de exploração individual e coletiva, do aumento da capacidade de criar resultados de aprendizagem aos quais as crianças estejam orientadas, bem como, pelos quais elas estejam efetivamente interessadas.

Podemos perceber que a autoria vai sendo legitimamente aceita como uma morfôgenese da aprendizagem de cada criança, ou seja, os conteúdos curriculares passam a ser aqueles que as crianças exploram, elaboram e institucionalizam por si mesmas nos processos de interatividade. Num currículo procedimental, a participação ativa da criança vai constituir sua cognição, ao passo no qual as metas, os princípios procedimentais e os critérios de avaliação vão sendo vivenciados, ao passo em que a capacidade conjunta de refl exidade e de oportunização de esgotamento da curiosidade são propiciadas pelas orientações do professor. A aprendizagem, portanto, vai evidenciar-se na astúcia da criança de ousar questionar, experienciar, discordar e compreender, conjuntamente, que o conteúdo que a ela apresenta-se, na verdade, é o resultado daquilo que ela busca – que é o reconhecimento de que ela é capaz de aprender, ao assumir-se como autora de suas aprendizagens nos processos de interação com outras pessoas.

Abração!Giuliana Vasconcelos

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AULA 8: AS EMOÇÕES NA VIVÊNCIA DO CURRÍCULO PROCEDIMENTAL

Formas de aprendizagemFonte: <http://www.imotion.com.br/segredos/?tag=traicao>.

Olá gente, como estão? Tudo bem?! Na aula passada vimos, como alternativa viável à compreensão da potencialidade cognitiva da criança, a necessidade de trazer alguns conceitos como complexidade, autopoiese e morfogênese para o campo teórico da aprendizagem. Vimos que hoje é preciso, mais do que nunca, que nós, professores, possamos abrir-nos à percepção da criança como autora de seus processos de aprendizagens. Vimos que a oportunização da elaboração de um currículo procedimental pode conduzir a Educação Infantil por um caminho de inovações dos processos de ensino. Nesta aula, trago para vocês outra questão, a qual também se relaciona à necessária interatividade dos processos de ensino e aprendizagem. Refi ro-me a dois fundamentos, os quais são enfatizados por Maturana (2004) como esquecidos do humano: a capacidade da criança de amar e de <brincar>.

Para Maturana (2004), o fundamento do amor é o presente que é ofertado à nossa vida através da biologia humana. O sistema nervoso, o sistema endócrino e a corporeidade da criança só ocorrem no âmbito das interações com emoção. As crianças não são seres domésticos que vivem em meio a uma comunidade humana. As crianças são sistemas autopoiéticos que se desenvolvem no entrelaçamento da dimensão da genética da espécie humana (do Homo Sapiens) e da dimensão cultural das sociedades humanas. Somos todos concebidos geneticamente e, na condição de membros de uma grande comunidade social humana, vamos humanizando-nos nos processos de vivência com outros seres humanos.

Mas, o problema da nossa escola é que vivemos numa cultura que desvaloriza as emoções em favor de uma lógica racional, deixando de lado qualquer lógica do gostar. Tornamo-nos

Releia os componentes curriculares “Ludicidade e desenvolvimento da criança I” (Profª Lenise Oliveira L. Sampaio, Trilhas do Aprendente, volume 3, 2008) e “Ludicidade e desenvolvimento da criança II” (Profª Mª Claurênia A. de A. Silveira, Trilhas do Aprendente, volume 4, 2008).

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formalmente limitados para os fundamentos do emocionar, os quais são tão imprescindíveis à condição da existência humana. Para Maturana (2004, p. 221), temos nos aperfeiçoado na “valorização da razão e da racionalidade como expressões básicas da existência humana”, e isto não é ruim. A questão é que a desvalorização do emocionar é prejudicial à humanidade.

As emoções são disposições corporais (estruturais) dinâmicas que especifi cam, a cada instante, o domínio das ações de uma criança. Isso se manifesta pelo fato de que, na vida cotidiana, distinguimos diferentes emoções nos seres humanos e em outros animais diferenciando os diversos domínios de ações (domínios comportamentais) em que eles se movem.

O que os autores defendem é que temos sempre emoções diferentes como disposições corporais autênticas. Isto porque somos constituídos, biologicamente, de uma corporeidade dinâmica. Tudo o que fazemos é constituído da dinamicidade de tal corporeidade, principalmente tudo o que chamamos de pensamento, de comportamento, de discurso ou de racionalidade. O que o autor quer dizer é que tudo o que fazemos possui o emocionar como fundamento biológico porque é o que o corpo sente e vive que dá sentido às motivações de comportamento tanto quanto de racionalidade. Para Maturana (2004), quando nossas emoções mudam, movemo-nos no fl uxo da razão. Isto quer dizer que toda atitude lógica que tomamos, quando listamos os prós e os contras de uma situação, é realizada com emoção.

As limitações que temos para compreender essas emoções são geradas em nós por nossa cultura e, mais especifi camente, pela escola. Trata-se de uma formação que se evidencia desde a mais tenra idade, quando, por exemplo, chamamos a criança de “menino chorão” ou dizemos a ela que “homem não chora” e que isto é “coisa de mulherzinha”. Preocupamo-nos em preparar a criança para que seja fria e calculista diante das situações. Preocupamo-nos em preparar a criança para que não demonstre fraqueza, mas, sim, coragem diante dos problemas. Ensinamos a ela que o choro signifi ca fraqueza e que devemos ser racionais, suportando a dor e abafando a emoção como forma de uso da razão.

Com tais ensinamentos, temos mostrado às crianças que somos incapazes de perceber que nosso corpo e nossas emoções se entrelaçam reciprocamente como algo espontâneo da história de vida de cada um. As limitações culturais que impomos na formação da infância são tão fortes que quase temos perdido de vista a capacidade do gostar, dando ênfase tão somente à perfectibilidade das perversidades. Conforme Maturana (2004, p. 222):

por causa dessa limitação cultural, temos sido particularmente incapazes de perceber que o amor – como emoção que especifi ca o domínio dos comportamentos que constituem o outro como um legítimo outro em coexistência conosco – é a emoção que fundamenta e constitui o domínio social como o âmbito comportamental em que os animais, em convivência próxima, vivem em mútua aceitação. É também por causa dessa limitação cultural que temos sido incapazes de perceber que o amor participa da geração das consciências individual, social e de mundo da criança em crescimento.

Beijo no porcoFonte: <http http://meiomanhoso.blogs.sapo.pt/arquivo/1049193.

html>.

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Além disso, parece que, como professores, também não aprendemos a perceber que as crianças aprendem a viver na linguagem, a qual vai servindo de domínio sobre os comportamentos. Isto quer dizer que aquilo que falamos ou mostramos são expressões vivas o que somos ou do que aprendemos a ser. Viver sob o fundamento do amor signifi ca viver o processo da aprendizagem sem se preocupar com a aquisição de comportmantos futuros. Viver o processo interativo num currículo procedimental signifi ca vivenciar cada oportunidade de contato uns com os outros com amorosidade e compreensão mútua. Lembremos aqui que um currículo procedimental, como já tratado emaulas anteriores, é aquele que oportuniza a vivência de aprendizagens sem objetivos. O currículo procedimental é um currículo que vislumbra o alcance de metas, mas que tais metas são sempre procedurais, pois estão sempre voltadas para a vivência do processo de aprendizagem que permita a participação colaborativa das crianças.

O compartilhar alimentos e espaços de convivência são, por exemplo, estratégias procedurais de interações que dão origem à linguagem como expressão viva da corporeidade da criança. A aceitação corporal implica a aceitação do outro, e quando o gostar torna-se o fundamento a ser aludido pelo professor, essa aceitação torna-se o veículo de disponibilidade individual para a aprendizagem colaborativa e para o desenvolvimento da inteligência da criança. Assim, seguindo a linha de compreensão abordada pelo Maturana (2004, p. 223), podemos perceber que o fundamento do qual a criança necessita para desenvolver sua inteligência é o amor. Pois, “do ponto de vista biológico, o amor é a emoção que constitui o domínio das ações no qual o outro é aceito como é no presente, sem expectativas em relação às consequências da convivência, nem mesmo quando seja legítimo esperá-las”. Do ponto de vista biológico, segundo Maturana (2004), o crescimento da criança requer que suas aprendizagens estejam concentradas na realização dos processos que vive e não nos propósitos externos a si mesmas.

Em outras palavras, e até mesmo valendo-me dos termos usados por Maturana (2004), quero dizer a vocês que a aprendizagem da criança depende da realização das atividades lúdicas, exploratórias e dialogais que ela vivencia sem nenhum propósito futuro, o qual a ela sempre se encontra externo ou distante de suas realizações. A aprendizagem da criança está nas atividades que ela realiza e não nos resultados que se almeja para ela. Este entendimento ratifi ca muito bem a concepção de currículo que tenho aludido nas aulas anteriores. Explico melhor. Isto quer dizer que o planejamento das atividades a ser exploradas pelas crianças requer que pensemos no que pode ser explorado, vivido e aprendido e não nos resultados quantifi cáveis ou modeláveis do conhecimento ou da própria criança. Um currículo procedimental não quantifi ca, mas, sim, prioriza a capacidade da criança de linguajear.

Na qualidade de processo, o linguajear signifi ca o encontro de gestos, sinais, expressões, manifestações corporais e conceitualizações que servem às interações vividas pela criança. Quando a criança linguajeia, ela mostra o que sente através de suas expressões ou de sua fi sionomia. Esse sentir constitui-se,

Vivência do signifi cado do beijoFonte: <http://boock.wordpress.

com/2008/07/04/28-fatos-incriveis-sobre-o-beijo/>.

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factualmente, do emocionar de suas realizações. A alegria do brincar, por exemplo, pode mostrar como o papel efetivo do amor possui características culturais que vão depender dos signifi cados evidenciados no percurso da brincadeira. O signifi cado do amor vai depender das emoções que com elas são vividas e das signifi cações que através de gostar são possibilitadas durante a brincadeira.

Segundo Maturana (2004), a brincadeira é um dos meios mais efi cazes de ensinar o amor. Um currículo da Educação Infantil, que usa as brincadeiras como princípios de procedimento, permite que o emocionar fundamente o social. A cada oportunidade do brincar que o professor propicia, a infância vai tendo a chance de eliminar difi culdades de desenvolvimento da inteligência infantil. Pois, como bem apresenta Maturana (2004), a ausência do emocionar, da gargalhada, do abraço e da amizade pode dar vez ao aparecimento de problemas de temperamento, medo, ansiedade, instabilidades, distorções emocionais e angústias que se evidenciam, ao passo em que a criança vai frustrando-se diante da realidade com a qual está lidando.

Nessa perspectiva, o emocionar do aprender está no fato de a criança vivenciar a interação sem nenhum esforço sobre-humano. No caso das crianças, está na inocência infantil de “simplesmente ser o que se é no instante em que se é” (MATURANA, 2004). Por isso, o papel do professor na elaboração de um currículo procedimental vai abranger uma habilidade bastante específi ca para a Educação Infantil, que é a de recuperar a visão de mundo da infância a partir das curiosidades, desejos e necessidades de vivência da aprendizagem pela própria criança.

Agora, na condição de aprendentes, é construtivo à nossa aprendizagem retomar o fi lme “A menina no país das maravilhar” (BARNZ, 2008) para tecermos algumas refl exões ou comentários pertinentes à necessidade do emocionar como premissa para pensar o currículo na Educação Infantil. Rememoro, por exemplo, a cena na qual a menina Phoebe, entusiasmando -se com a perspectiva de participar da peça teatral, encanta-se com a professora de teatro. Como já colocado na aula quatro, a atitude lúdico-interpretativa da professora de teatro abre-se continuamente às múltiplas respostas que cada criança pode apresentar como recurso de aprendizagem do conteúdo proposto. De um modo ousado, a professora torna-se um expectadora interatuante frente às crianças. O conteúdo da história “Alice no país das maravilhas” passa a ser vivido como algo próprio de cada criança, pois cada uma vai tomando partido do conteúdo e interpretando-o ao seu bel-prazer. Ao fi nal do fi lme, vemos, pois, que a realização da peça teatral é tomada pela autogestão na autoria das próprias crianças.

O fi lme “A menina no país das maravilhas” mostra como a nossa capacidade de compreender o processo de aprendizagem pode mudar se adotarmos conceitos como complexidade, autopoiese e morfogênese na elaboração curricular da Educação Infantil. Sigo esta aula com o desejo de explicar a vocês como tais conceitos podem ser evidenciados no decurso das brincadeiras infantis. Faço isso como forma de ratifi car a brincadeira como algo imprescindível ao currículo da Educação Infantil. Logo, sigo com uma refl exão acerca da “Brincadeira com água” como forma de explorar o estudo do meio ambiente e conversar sobre formas de proteção da natureza, de desenvolvimento e até mesmo do linguajear, do conceituar e do signifi car a respectiva temática.

Primeiramente, seguindo a perspectiva de Maturana (2004), preciso dizer a vocês que a brincadeira é um que-fazer, onde não há consequência, pois o que a criança quer é fazê-la. Sendo assim, o que nós professores precisamos assegurar na vivência de um currículo procedimental é

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O que a criança quer é fazer a brincadeira. Para ela não existe tempo ruim. Uma vez estando com roupas adequadas ao frio ou ao calor, a criança pode brincar represando a água ou fazendo-a fl uir em várias direções. É indispensável e prazeroso acompanhar a brincadeira e participar do processo na qualidade de professor quando as crianças estão interagindo entre si. Fazer jangadas e barcos é uma alternativa de criação e exploração do conceito de movimento que pode ser muito interessante à criança. Com a confecção e manuseio de uma jangadinha, a criança pode perceber como a força da água pode movimentar um objeto.

Uma ótima brincadeira é a de derrubar gravetos de um lado da ponte e correr para o outro para ver qual é o mais rápido. Da mesma forma, a criança vai adorar observar como a água leva a jangada, movimentando de um redemoinho a outro ou pelas corredeiras. Ela fi cará encantada ao ver no lago um barco se soltar ou simplesmente fl utuar num tanque de jardim ou mesmo

na banheira. (CLOUDER e NICOL, 2009, p. 110)

Brincar com uma bacia simulando um lago, colocar nela conchas e pedrinhas colhidas pelas próprias crianças; pôr fl ores em volta da bacia e soprar os barquinhos de um lado ao outro permite a criança entender o que é o sopro e o movimento do ar que os dirige. Esta pode ser uma alternativa interessante, pois não só a criança pode estar exercitando e conhecendo o próprio corpo com o

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Criança sensível aos cuidados com a águaFonte: <http://www.educared.net/

certameninternacional/blog/agua/category/La+importancia+del+agua+>.

que a criança aprenda a fazer qualquer coisa com prazer, com liberdade de ação, de querência de vivência do processo, deixando o resultado em segundo plano. A nós professores de um currículo procedimental da Educação Infantil, cabe-nos não fazer promessas de brincadeiras, as quais sejam, na verdade, apenas expectativas de resultados. A nós professores de um currículo procedimental da Educação Infantil, cabe-nos cumprir o prometido às crianças, quer dizer, de fato proporcionar o brincar, pois, do contrário, na percepção de Maturana (2004), a suposta experiência de uma aprendizagem forçada acarretaria uma forte traição à natureza biológica das crianças, as quais têm sempre, na vivência das brincadeiras, o prazer de estarem vivas.

Feitas tais observações, sinto-me mais à vontade para refl etirmos sobre a “Brincadeira com água”. Sabemos todos o quanto brincar com água é muito gostoso. Ir à praia, tomar banho de rio, tomar banho de chuva, demorar no chuveiro, tomar banho de banheira, de piscina e até mesmo de lama são diversões muito comuns às crianças. Como afi rmam Clouder e Nicol (2009, p. 110), essa atração pela água tem fundamento, pois

a água atrai muito a criança pequena. Ela fi ca nove meses fl utuando em líquido antes de nascer e parece natural que goste de brincar com ela depois. No banho, adora espirrá-la e, assim que consegue se sentar, brinca com qualquer coisa que fl utue. As crianças pequenas são atraídas pelas poças de água, pisando nelas alegremente quando chove, sem se preocupar em se molhar ou sujar.

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PLANO DE TRABALHO PEDAGÓGICOTemática:

• “A Água”

Características do grupo de aprendentes:

• crianças de 1 a 3 anos, em fase de desenvolvimento da inteligência sensório-motora e até mesmo em transição para o pré-operatório, com potencialidade para a comunicação entre si, bem como para explorar conteúdos a ela apresentados.

Meta(s):

• educar os crianças para que compreendam o signifi cado da água no mundo circundante;

• promover, por meio de brincadeiras, a interatividade no processo de signifi cação da compreensão acerca da àgua;

• trabalhar para a construção comum de valores acerca do cuidado em não desperdiçar a água;

• ajudar as crianças a desenvolver colaborativamente alternativas do cuidado com o uso da água e da preservação da natureza;

• ajudar as crianças a compreender os cuidados pessoais a ser adotados quando se brinca com a água em piscinas, banheiras, bacias etc.

exercício do sopro, mas, também, possibilita-lhe aguçar a curiosidade e realizar o desejo de ela mesma construir os barquinhos. Esta atividade pode permitir-lhe experienciar a brincadeira de aprender conteúdos preliminares, os quais tornam-se necessários ao seu desenvolvimento no percurso da vida escolar.

Tais conteúdos abrangem o desenvolvimento de valores, signifi cados e conceitos, tais como, o cuidado em não desperdiçar água, em compreender formas de aproveitamento posterior da água que fora usada na brincadeira, de como tratar a água, de que tipo de água bebe-se, de que tipo de água usa-se, de como higienizar a água, de como ocorre o ciclo da água na natureza, da origem da água, da falta de água para algumas crianças, do uso da água no cozimento dos alimentos etc. Este conjunto de conteúdos acerca da água não são explorados de uma só vez. O professor vai oportunizando as vivências e introduzindo cada conteúdo passo a passo, conforme a oportunidade de exploração vai sendo aberta nos diálogos com as crianças. Mas, o mais importante é que tamanha exploração seja vivenciada com prazer, com o gosto e com o encantamento da brincadeira. Afi nal, sabemos todos que as crianças buscam ativamente a brincadeira na interação com os outros. A exemplo, a seguir, mostro um plano de trabalho pedagógico para a Educação Infantil, onde elejo o estudo da água como temática a ser explorada.

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Princípios procedurais:

• que o professor ajudará as crianças a tornarem-se conscientes de suas capacidades, atitudes e possibilidades nas brincadeiras com água;

• que o professor e as crianças conversem continuamente sobre como estão usando a água em cada momento de exploração;

• que os erros de cada criança sejam identifi cados através das conversas que forem vivenciadas na rotina das brincadeiras;

• que os conhecimentos acerca da água sejam conversados e vivenciados durante as brincadeiras;

• que o professor ajude as crianças a perceber suas capacidades sensório-motoras na integração de uns com os outros.

Critérios para avaliar o que foi aprendido:

• pertinência dos valores construídos acerca do uso da água;

• conceituação consensual do signifi cado da água que dá sentido aos valores a ela atribuídos;

• resoluções de problemas sobre o uso inadequado da água;

• a aprendizagem comum alcançada pelas crianças, o modo como se aprende e quais habilidades permitiram que esta aprendizagem e os novos conhecimentos fossem desvelados nos percursos de interatividade.

Atividades a ser experienciadas:• jogos de pescaria, confecção dos peixinhos, das varas de pesca e seleção do recipiente onde a pescaria vai ser realizada;• montagem, limpeza e arrumação de aquários e alimentação dos peixinhos;• simulação de montagem de áquarios;• confecção de jangadas e barcos para navegarem numa bacia com água;• confecção de fantoches que usam o banheiro e lavam a louça;• brincar de represar água no banco de areia, montando pontes, rios e lagos;• jogos com bola na piscina;• banho em bonecas e bonecos e lavagem dos carrinhos;• experimentação orientada sobre a aplicação do cloro na água;• preparação dos próprios alimentos com água;• passeio à praia, ao rio, ao lago ou acampamentos.

Cronograma de atividades:• um mês.

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No plano de trabalho pedagógico supracitado, a emoção estará presente no gosto das crianças de vivenciarem o processo com alegria, entregando-se umas às outras na aventurado sentir as vivências como grandes aventuras na descoberta do conhecimento. As atividades programadas só poderão corresponder verdadeiramente aos princípios procedurais de um currículo procedimental a partir da disponibilidade do professor de abrir-se à interatividade, reconhecendo-se como participante de uma comunidade de aprendentes, lugar este que é de onde podem-se surgir belíssimas ecologias cognitivas.

Concordando com McKernan (2009, p. 59), o que aqui se propõe é

um modelo de currículo que enfoque o processo educacional e os seus intrínsecos princípios de procedimentos que podem melhorar a educação, ajudada por um professor cuidadoso na implementação de uma estratégia de ensino que tenha fi delidade a esses princípios de procedimento monitorados por uma causa de pesquisa-ação. O modelo de pesquisa-processo para o projeto do currículo pode ser usado em disciplina como matemática, música e fi losofi a (formas de conhecimento) e com assuntos e módulos interdisciplinares (campos de conhecimento, por exemplo, geografi a, engenharia, estudos sociais).

No plano de trabalho pedagógico supracitado, também pode ocorrer uma situação parecida com esta apontada por McKernan (2009) porque o professor passa a ser um pesquisador atuante, cuja prioridade é a de proporcionar situações que desafi em o aluno a pensar sobre algo. Mas, esse pensar não é algo forçado, pois trata-se de um convite à aprendizagem com emoção, com amizade e solidaridade. A colaboração exige que o professor não só a tome como princípio, mas que também tome atitudes voltadas para ajudar a criança a seguir um caminho de curiosidades favoráveis ao desenvolvimento da infância. Por isso, tenho falado em aprendizagens colaborativas, em que cada um vai colaborando com o outro no desvelar dos saberes enquanto que o professor assume seu papel em tal processo.

McKernan (2009) chama de pesquisa-ação o conjunto de estratégias às quais o professor recorre para munir-se de oportunidades de aprendizagem a serem oferecidas às crianças. A pesquisa-processo signifi ca um caminhar pelo desconhecido, mas trata-se de um desconhecido desejado. Trata-se de um caminhar orientado ao aproveitamento de todas as possibilidades de aprendizagem, seja noutras disciplinas tanto quanto noutros assuntos, os quais possam ser explorados a partir das vivências. Por exemplo, nas brincadeiras com água em acampamentos, as crianças podem estar conhecendo sobre a geografi a do lugar. Em brincadeiras com aquários, as crianças podem estar conhecendo sobre ecossistema, sobre a biologia dos peixes etc. No banho das bonecas e dos bonecos, as crianças podem estar descortinando sua sexualidade. Enfi m, o que eu desejei apresentar nesta aula foi uma breve refl exão sobre a necessidade de oportunizar a liberdade de aprendizagem à criança. Mas, isso só possível através de ações pedagógicas de um professor-pesquisador que, na astúcia do conhecer, do brincar e do emocionar, consegue promover oportunidades diversas de aprendizagens colaborativas.

Tchauzinho e até a terceira unidade!Giuliana Vasconcelos

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Olá, tudo bem? Estamos de volta a mais uma aula! Hoje vamos refl etir sobre o cotidiano institucional, também, sobre as possibilidades educativas que dele fazem parte e de como podemos vislumbrar a identifi cação das inteligências múltiplas das crianças que dele dependem. Iniciemos com a conceituação de <inteligências múltiplas>: são

potenciais puros, biológicos, que podem ser vistos numa forma pura somente nos indivíduos sãos, no sentido técnico, excêntricos. Em quase todas as outras pessoas, as inteligências funcionam juntaspara resolver problemas, para produzir vários tipos de estados fi nais culturais – ocupações, passatempos e assim por diante. (GARDNER, 1995, p. 15 e 16)

Com base na teoria das inteligências múltiplas, podemos compreender que a inteligência representa a capacidade do ser humano de criar a partir do que aprendeu culturalmente e do que desenvolveu em seu cérebro. Essa capacidade é múltipla porque pode revelar diferentes habilidades intelectuais ou competências cognitivas. A inteligência é um potencial múltiplo porque representa a potência biológica e cultural que pode se multiplicar, dando vez ao surgimento de outras habilidades e competências; e isso é comum a qualquer humano. Partindo de tal teoria, já podemos identifi car algumas inteligências.

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UNIDADE III

CURRÍCULO PROCEDIMENTAL E INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS E COLETIVAS: A

INSTITUIÇÃO EDUCACIONAL NA LEGITIMIDADE DA INFÂNCIA EMANCIPATÓRIA

AULA 9: IDENTIFICAÇÃO E ESTIMULAÇÃO DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS NA INFÂNCIA ATRAVÉS DO CURRÍCULO NO COTIDIANO DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Menina escrevendoFonte: Clipart – Microsoft, 2007.

Inteligência linguística

É um potencial que revela a capacidade do indivíduo de aprender noções dos códigos linguísticos, guardá-los na memória e aplicá-los criativamente; traduz uma competência valorizada socialmente de escrever, interpretar e aplicar palavras e frases em situações de comunicação. A inteligência linguística se revela no domínio da palavra tanto representada por códigos escritos marcados em papéis e pedras, quanto na expressão oral da fala, no domínio da oratória. É um tipo de inteligência que se desenvolve nas interações iniciais da vida do indivíduo, com a aprendizagem da linguagem.

Releia a aula três, da unidade dois, do componente curricular Educação, Cultura e Mídia, produzido pelos professores-pesquisadores Edna Brennand, Washington Medeiros e Daniele Dias, em Trilhas do Aprendente, volume 3 (2009).

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Currículo na Educação Infantil

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Inteligência matemática

É um tipo de inteligência que se revela na capacidade mental do humano de guardar na sua memória informações de representações de quantidade e de aplicar essas informações no cotidiano resolvendo problemas inesperados. A inteligência matemática é um potencial que revela a capacidade do indivíduo de criar soluções factíveis com base em representações numéricas. Essas “soluções são rapidamente formuladas pela mente e apresentam coerência antes mesmo de serem representadas materialmente” (GARDNER, 1995, p. 25). Isso quer dizer que o indivíduo resolve o problema sem necessitar de contato material, ele refl ete e formula a solução representando-a numericamente em sua mente, depois que já alcançou a resposta é que ele registra isso materialmente.

Inteligência musical

Trata-se de um potencial que revela a capacidade do indivíduo de aprender sons e ritmos e de interpretá-los concebendo novos contornos melódicos com arranjos musicais. Há evidências de que “certas áreas do hemisfério direito do cérebro são ativadas no desempenho da percepção e da produção de músicas” (GARDNER, 1995, p. 23). É como se o indivíduo tivesse “som na cabeça”, como se o seu córtex cerebral tivesse uma superfície musical.

Quer dizer, “em algum lugar perto da consciência, o indivíduo estaria continuamente detectando sons, ritmos e padrões musicais” (GARDNER, 1994, p. 79), adquirindo informações auditivas e criando a partir delas. Nesse sentido, a inteligência musical se revela como o potencial do indivíduo para atribuir signifi cados a sons, representá-los e elaborar conhecimentos a partir deles. A criação da música se mostra como uma atividade cultural denominada de composição. “Imagens musicais” são incorporadas, constituídas de emoções, sentimentos.

Inteligência espacial

É uma inteligência que se traduz na percepção dos espaços. O indivíduo é capaz de executar modifi cações sobre percepções iniciais de espaço, recriando aspectos, mesmo na ausência do contato material. Essa inteligência permite que indivíduos desenhem, mapeiem e visualizem objetos em várias dimensões e representem imagens internas. Jogar xadrez, por exemplo, requer a visualização de ângulos de jogada que o indivíduo projeta movimentando as peças com a imaginação antes de cada lance.

Menina na lousaFonte: Clipart – Microsoft, 2007.

UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

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Crianças jogando xadrezFonte: <http://taniajuliani.blog,terra.

com.br/2007/08>.

Inteligências múltiplasFonte: <http://www.freewebs.

com/osnossospeterpan/BXK15424_puzzle800.jpg>.

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Inteligência corporal

É a inteligência que se revela na capacidade do indivíduo de usar o próprio corpo com habilidades que se expressam nos movimentos; trata-se de uma competência para controlar movimentos corporais, criando representações possíveis de ser executadas pelo corpo em espaços e situações diversas. Alguns exemplos: o uso do corpo para expressar emoção (dança e teatro); a prática de jogar um esporte; a invenção de produtos para usar no corpo (roupas e sapatos); o discernimento dos movimentos motores que servem para escalar uma montanha.

Inteligência intrapessoal

É uma inteligência que revela aspectos introspectivos, de refl exão e autocompreensão que se manifestam na interpretação de sentimentos e emoções, relacionando-os com linguagens que servem de base para entender e executar comportamentos. Um indivíduo que possui essa inteligência revela em seus comportamentos o interesse de conhecer a si mesmo e de aprender com seus erros a elaborar novos comportamentos úteis ao grupo social com o qual se relaciona. Ele “possui um modelo viável e efetivo de si mesmo” (GARDNER, 1995, p. 28).

Inteligência pessoal

É um potencial que revela a capacidade humana de se comunicar, de observar e fazer distinções entre indivíduos quanto às necessidades, desejos e escolhas de cada um; trata-se de uma inteligência que se manifesta com aprendizagens que envolvem sentimentos de colaboração e interação. Os estudos sobre o cérebro sugerem que “os lobos frontais desempenham um papel importante no conhecimento interpesssoal; um dano nessa área pode provocar mudanças na personalidade, por exemplo, a <doença de Pick> [conhecida como “Alzheimer das crianças”], uma demência que tem como consequência, dentre outras, uma rápida perda das boas maneiras sociais” (GARDNER, 1995, p. 25).

Inteligência naturalista

Trata-se de um potencial da inteligência que é demonstrado em comportamentos criativos que associam saberes adquiridos no cotidiano do senso comum a conhecimentos adquiridos com métodos científi cos que sejam relacionados não só à vida social, mas, também,

Crianças brincando de teatro

Fonte: <http://taniajuliani.blog,terra.com.

br/2007/08>.

Meninas e o jogoFonte: Clipart – Microsoft, 2007.

Para obter mais informações sobre a doença de Pick, consulte o endereço <h t tp : / /www.npc .com.pt>.

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ao ambiente natural. A inteligência naturalista aplica informações sobre as condições biológicas da natureza na compreensão da vida no mundo amplo. Ela é compreensível quando reconhecemos que “na história da evolução das espécies, a sobrevivência de um organismo depende da habilidade de distinguir entre espécies semelhantes, evitando as predadoras e investigando as que podem servir de presa e brinquedo” (GARDNER, 2000, p. 62). Nesse sentido, o humano revela essa inteligência quando mostra capacidade para interagir e viver no ambiente natural, mapeando relações entre as espécies vegetais e animais e elaborando conhecimentos que se tornam úteis à sobrevivência da própria espécie no mundo mais amplo.

Inteligência espiritual

Essa inteligência é demonstrada como a capacidade do indivíduo de compreender fenômenos que não são pura matéria ou física, mas que constituem abstrações que são valorizadas em diferentes sociedades. A inteligência espiritual revela a competência do indivíduo para lidar com informações que não são adquiridas em relações materiais, mas constituem mundos sobrenaturais, abstratos, como “o cosmos que se estende para além do que podemos perceber diretamente, com o mistério de nossa própria existência e com experiências de vida e de morte que transcendem o que lidamos rotineiramente” (GARDNER, 2000, p. 71). Outra característica da inteligência espiritual é que por se tratar de uma competência para lidar com fenômenos abstratos e constituídos de signifi cados impossíveis de delimitação de conceitos e de atribuição de defi nições, ela entra em contraste com os métodos científi cos que requerem conceitos sólidos e defi nidos.

Inteligência existencial

Essa inteligência surge da capacidade humana de “se situar em relação aos limites extremos do mundo como o infi nito e o infi nitesimal” (GARDNER, 2000, p. 78). Esse “situar” ocorre em relação à condição humana de existir e representar o mundo com signifi cados sobre a vida, a morte, o destino do mundo, o porquê do amor e o signifi cado da felicidade. É um tipo de inteligência que lida com informações sobre a condição humana criando conhecimentos que implicam a orientação da vida social. Indivíduos que desenvolvem esse tipo de inteligência são atuantes em sistemas fi losófi cos, científi cos e religiosos; lidam com a elaboração de princípios que orientam sociedades; buscam desconstruir paradigmas com a elaboração de novas noções que validem os acontecimentos sociais, como, por exemplo, a instituição de direitos. Assim “como a linguagem, a capacidade de pensar criativamente a própria existência é um traço distintivo dos humanos, um domínio que nos distingue das outras espécies” (GARDNER, 2000, p. 81).

Inteligência moral

Explicitar uma inteligência moral requer um estudo aprofundado na esfera da moralidade que inclua uma investigação sobre “personalidade, individualidade, desejo e sobre a realização mais elevada da natureza humana” (GARDNER, 2000, p. 99). Mas, isso não quer dizer que não é possível elaborar uma noção de inteligência moral partindo das disposições biológicas e da

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condição social que determina nossa existência. Pensar numa inteligência moral se torna aceitável quando passamos a interpretar que o senso de justiça é uma produção da seleção natural da espécie humana. É possível constatar, por exemplo, que ao longo de nossa evolução lidamos com a moral como qualidade essencial da vida humana. Refl etimos e elaboramos conhecimentos tendencialmente preocupados acerca do que é “próprio e impróprio, certo ou errado, justo ou injusto” (GARDNER, 2000, p. 95) e fazemos adorações à vida. Constituímos religiões, princípios do direito humano e máximas morais. Elaboramos noções de direito e de normalidade social e condenamos os indivíduos que não se comportam conforme princípios, leis e máximas que condicionam uma sociedade.

Nenhuma dessas inteligências se desenvolve de maneira independente das demais. Pelo contrário, o potencial da inteligência humana é múltiplo porque se propaga entre diferentes inteligências e se desenvolve a partir da fl exibilidade do sistema nervoso de gerir aprendizagens a partir de interações ambientais com a sociedade e a natureza. Talvez, seja possível falarmos de cem ou de um milhão de inteligências, ou “subinteligências” (GARDNER, 2000, p. 128), mas os indícios biológicos e culturais, como valores e papéis sociais, levam-nos a interpretar que nenhuma inteligência revela-se sozinha. As inteligências são interdependentes, e é possível que cada humano disponha da manifestação mais marcante de uma, duas ou três... como consequência de suas interações com o ambiente social e natural.

É por isso que Gardner (1995, p. 16) tem se preocupado com o propósito das instituições educacionais no que se refere ao desenvolvimento das inteligências múltiplas das crianças. Diz ele: “o planejamento de minha escola ideal baseia-se em duas suposições”. Ele refere-se à constatação de que nem todas as pessoas aprendem da mesma maneira e de que ninguém consegue aprender tudo. Seria ótimo saber que se pode saber de tudo, mas já está claro que isso não é possível. O autor defende a realização de uma escola centrada nas crianças, o que é diferente de uma escola centrada no currículo. Uma escola centrada nas crianças propõe-se a adequar as áreas curriculares e a maneira de ensinar os respectivos conteúdos aos interesses das crianças, pois trata-se de um tipo de instituição que está preocupada com as tendências individuais das crianças e com o cotidiano curricular que elas vivenciam. É importante, neste momento, que vocês rememorem a aula sete, na unidade dois.

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Formas de aprendizagemFonte: http://www.brasilescola.com/upload/e/estilos%20de%20

aprendizagem1.jpg>.

Menino e lupaFonte: Fonte: Clipart – Microsoft, 2007.

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Currículo na Educação Infantil

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Gardner (1995) propõe um conjunto de papéis aos educadores. Nós podemos pensar sobre a reunião de uma equipe de educadores com capacidades e funções convergentes à identifi cação das formas singulares de aprendizagem, ou melhor, das inteligências múltiplas das crianças no cotidiano institucional. Nessa equipe, podemos ter (a) os especialistas em avaliação, (b) os agentes do currículo para a criança, (c) os agentes da escola-comunidade e, quanto aos professores, podemos ter ainda (d) os professores-mestres, os quais assumem a função de supervisionar e orientar os professores menos experientes.

(a) O papel dos especialistas em avaliação é o de buscar compreender as capacidades e os interesses das crianças. Tais educadores fi cam incumbidos da utilização de instrumentos de avaliação justos para com a inteligência das crianças. Sua avaliação está atrelada ao uso de instrumentos que permitam observar, direta e especifi camente, capacidades cognitivas espaciais, pessoais, emocionais etc., mas não sob a lente dos instrumentos de avaliação das competências linguísticas e matemáticas.

Até o momento, quase toda a avaliação dependia indiretamente da medida dessas capacidades [linguística e matemática]; se os alunos não são bons nessas áreas, suas capacidades em outras áreas podem fi car obscurecidas. Quando começamos a tentar avaliar outros tipos de inteligência diretamente, estou certo de que determinados alunos revelarão forças em áreas bastante diferentes. (GARDNER, 1995, p. 16) (grifo meu).

(b) O papel dos agentes do currículo para a criança é o de buscar ou ajudar combinar os perfi s e interesses das crianças a determinados currículos e estilos ou modos de aprendizagem.

(c) O papel dos agentes da escola-comunidade é o de buscar, no bairro ou na comunidade mais ampla, oportunidades de aprendizagem das quais a criança possa participar e aproveitar o que lhe for ensinado. Essas oportunidades são constituídas por opções que não se encontram presentes na instituição educacional, mas que apresentam conteúdos ricos à exploração por

Professora e alunaFonte: <http://www.sellereducacao.com.br/img/bannerJogosFund.jpg>.

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parte das crianças. Os especialistas em avaliação, os agentes do currículo e os agentes da escola-comunidade formam uma equipe de estudo e pesquisa necessária ao trabalho pedagógico do professor.

Para Gardner (1995, p. 17), com a constituição de tal equipe, “os professores seriam liberados para fazer aquilo que devem fazer, que é ensinar o assunto da sua matéria, em seu estilo de ensino preferido”. Além do trabalho de supervisionamento e de orientação aos professores menos experientes, os professores-mestres também buscariam maneiras de melhorar o círculo de relações “crianças-avaliação-currículo-comunidade”. Como diz o autor,

certamente, o que estou descrevendo é uma tarefa difícil; poderia inclusive ser chamado de utópico. E existe um grande risco nesse programa, do qual estou bem consciente. É o risco da destinação prematura – de dizer, “Bem, João está com quatro anos de idade, ele parece ser musical, então vamos mandá-lo para a escola de música e suspender todas as outras coisas”. Entretanto, nada existe de inerente nesta abordagem descrita por mim que exija esta supradeterminação precoce das forças que pode ser muito últil para indicar os tipos de experiências dos quais as crianças poderiam se benefi ciar; mas a identifi cação precoce das fraquezas pode ser igualmente importante. Se uma fraqueza é identifi cada precocemente, existe a chance de cuidarmos disso antes que seja tarde demais, e de planejarmos maneiras alternativas de ensino ou de compensarmos uma área importante de capacidade.

Podemos perceber que a teoria das inteligências múltiplas nos coloca possibilidades amplas, que, ao serem combinadas com a proposta de um currículo procedimental, bem como, com uma atuação pedagógica correspondente à da equipe de estudo supracitada – com especialistas em avaliação, agentes do currículo e agentes da escola-comunidade dando apoio e subsídios às crianças e aos professores –, podem ajudar-nos

na superação do desafi o para a da emancipação infância nas creches, nas pré-escolas e nos orfanatos, podem ajudar-nos na tarefa de ajudar as crianças a vivenciarem estágios de aprendizagem superiores aos quais estiverem aprisionadas.

Abraços!Giuliana Vasconcelos

Qual é a sua inteligência?Fonte: http://patriciaeducadora.

blospot.com/1009_01_01_archive.html

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AULA 10: PROJETOS PEDAGÓGICOS CURRICULARES E O CURRÍCULO PROCEDIMENTAL EM PROL DAS MÚLTIPLAS INTELIGÊNCIAS DAS CRIANÇAS

Olá, queridos aprendentes! Como vocês perceberam bem, a aula passada foi um pouco mais teórica. Na verdade, a minha intenção foi a de que pudéssemos explorar um pouco mais teoria como forma de fortalecer as refl exões que temos feito ao longo dos nossos diálogos. Nesta aula, trago outra alternativa de trabalho pedagógico para vocês. Refi ro-me ao planejamento e à execução de projetos pedagógicos na Educação Infantil. Não estou descartando a proposta de uma vivência de um currículo procedimental; ao contrário, estou buscando reforçá-la. Também busco mostrar a vocês o quanto é possível pensarmos no desenvolvimento das inteligências múltiplas das crianças, levando em conta o que debatemos na unidade dois. Refi ro-me ao conceito de ecologia cognitiva. Ao trazer o conceito de inteligências múltiplas para vocês, faço isto com o interesse de reunirmos fundamentos que tornem a perspectiva das aprendizagens de uma infância emancipatória, uma condição primeira em qualquer oferta da Educação Infantil que pudermos vivenciar.

Planejar projetos pedagógicos é uma ideia que faz com que nós nos lembremos do movimento da <Escola Nova>, ou do chamado Escolanovismo, uma vez que esse movimento representou o pensamento de uma escola ativa, onde as crianças pudessem aprender ao partilhar experiências de trabalho pedagógico na comunidade em que vivem. “Os escolanovistas procuraram criar formas de organização do ensino que tivessem características como a globalização dos conhecimentos, o atendimento aos interesses e às necessidades dos alunos, a sua participação no processo de aprendizagem, uma nova didática e a reestruturação da escola e da sala de aula” (BARBOSA e HORN, 2008, p. 16). Situação esta que é bem próxima da proposta de constituição da equipe pedagógica que Gardner demonstrou em nossa aula anterior, quando trouxemos o papel dos agentes da escola-comunidade ao debate. Hoje em dia, a ideia de planejar e executar projetos pedagógicos encontra-se difundida de forma bem mais exigente do que a da época do Escolanovismo. As exigências incluem pensar no contexto sócio-histórico, em dar atenção à diversidade e em focar temáticas ou conteúdos curriculares pertinentes às crianças. Relembremos nossas preocupações com a infância pobre, com a creche e com orfanato, as quais estiveram presentes, principalmente, em nossas primeiras quatro aulas. Os projetos representam uma intenção, uma forma de organizar uma prática educativa. Como colocam Barbosa e Horn (2008, p. 33),

As inteligênciasFonte: <http://revistacrescer.globo.com/Revista/Crescer/foto/0,,144883900.jpg>.

Pesquisem na internet mais informações sobre a Escola Nova.

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ao pensarmos em trabalho com projetos, podemos fazê-lo em diferentes dimensões: os projetos organizados pela escola para serem realizados com as famílias, as crianças e os professores; o projeto político-pedagógico da escola, os projetos organizados pelos professsores para serem trabalhados com as crianças e as famílias; os projetos organizados tendo-se em vista a aprendizagem dos alunos dentro da sala de aula; e também os projetos propostos pelas próprias crianças.

Ao pensarmos em trazer a ideia do uso dos projetos pedagógicos para a Educação Infantil, estamos, necessariamente, pensando na vivência de um currículo signifi cativo para as crianças. Estamos pensando em um currículo como algo para ser vivido, e que a questão não é apenas a de colocar a criança no centro do processo, mas, sim, a de perceber que a escola pode e deve centrar-se na aprendizagem da criança, nos interesses e nas curiosidades que as levam a viver o processo sem nenhum esforço emocional. Um currículo para a Educação Infantil não abrange a repetição de conteúdos. Por isso, quando retomamos a ideia do uso dos projetos pedagógicos para a Educação Infantil, devemos estar preocupados em propiciar o gosto de aprender às crianças. Quando pensamos em trabalhar com projetos pedagógicos, não dividimos os conteúdos em gavetas, em meses ou em bimestres. Quando pensamos em trabalhar com projetos pedagógicos, pensamos em viver o processo, tal qual como proponho a vocês na vivência do currículo procedimental.

Barbosa e Horn (2008, p. 47) propõem que “os projetos podem ter tempos diferentes de duração. Existem projetos de curto prazo, outros que exigem um médio prazo entre a elaboração e a execução, assim como aqueles de longo prazo, isto é, que podem durar um extenso período de trabalho”. Os projetos pedagógicas são alternativas criativas que possibilitam oportunidades ricas de refl exão, uma vez que envolvem a participação da criança na autoria do próprio projeto. Para realizá-lo, é preciso atentar para uma estruturação, embora seja preciso antes esclarecer que não deva ser nem rígida e nem determinada pelo professor. A seguir, apresento a vocês, conforme o que mostram Barbosa e Horn (2008), uma sequência estrutural que pode ser usada como referencial importante no processo de construção de um <projeto pedagógico>.

(a) A defi nição de um problema é uma ação necessária. O problema é uma representação das inquietações comuns às crianças e pode ser detectado nas vivências, nas recreações, nos jogos, no cotidiano da sala de aula ou através de conversas que se têm com as crianças. Após a detectação do problema, é preciso (b) mapear os percursos de resolução do problema. Esses percursos estarão correlacionados ao currículo

Aprendizagens múltiplasFonte: <http://www.escolamoinho.com.br/

simbolico.html>.

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Sobre isso, reveja o plano de trabalho pedagógico já explicitado neste componente curricular.

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que fora programado, possibilitando uma contínua revisão dos conteúdos que representam perspectivas de aprendizagem junto às crianças. Noutras palavras, uma vez que o currículo procedimental tenha sido planejado, os projetos para um conjunto de vivências deverão estar correlacionados com as metas, com os princípio procedurais e com os critérios para avaliar o que foi aprendido. Certamente, os projetos pedagógicos constituirão as atividades a ser experienciadas pelas crianças .

Os projetos pedagógicos devem ser planejados na condição de atividades de um currículo, devendo envolver uma sequência de processos que permitam despertar ou estimular o desenvolvimento das inteligências múltiplas das crianças. Ao mapear os percursos de resolução de

um problema, é preciso que a equipe de educadores – os especialistas em avaliação, os agentes do currículopara a criança, os agentes da escola-comunidade e os professores-mestres – estejam preocupada em pensar no que precisa ser feito, em como a atividade pode ser desenvolvida, em como obter materiais, em como serão distribuídas as responsabilidades.

Cada passo do percurso a ser mapeado, quando vivido, é revisto, é avaliado em função do planejamento do passo seguinte.

Outro aspecto relevante de um projeto pedagógico, o qual está presente no mapeamento do percurso de resolução do problema, é (c) a coleta e o registro de informações. Nessa etapa do processo, as crianças têm a chance de pesquisar e coletar informações necessárias à refl exão que farão acerca da solução para o problema. A interação, as emoções, a corporeidade, os diálogos ou as conversas que forem vivenciadas são situações que contribuem para o desvelar de novos saberes. Visitar bibliotecas, realizar entrevistas, passear em museus, em parques, realizar jogos, atividades dramáticas, realização de desenhos e esculturas, o trabalho com música, gráfi cos, modelos, cálculos, a elaboração de textos coletivos e, logo após isso, refl etir em grupo sobre o que aconteceu e (d) registrar as conclusões, constitui-se numa tarefa necessária à organização mental das crianças no processo de aprendizagem.

Depois que as conclusões são realizadas e que a solução é alcançada, as crianças podem (e) expor todo material coletado e todo trabalho que tenha sido produzido, podem narrar o que viveram e isto ainda

Jardim de infânciaFonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/

Ficheiro:AF-kindergarten.jpg>.

Professora e alunosFonte: Clipart – Microsoft, 2007.

AulaFonte: Clipart – Microsoft, 2007.

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pode ser demonstrado através de uma atividade dramática ou de uma música. É pertinente que, após essa exposição, as crianças reúnam-se novamente para retomar o que viveram, conversar e refl etir sobre o que aprenderam e levantar novas perguntas ou novos problemas que as levem a encaminhar novos projetos.

Outro elemento importante que Barbosa e Horn (2008) expõem, especifi camente para o professor, é a do registro do crescimento cognitivo de cada criança. Trata-se de um relatório, ou de um diário no qual o desenvolvimento da criança seja, gradativamente, registrado. Este registro pode levar o professor a reavaliar-se e pode também ajudá-lo a articular novos projetos ao currículo a ser trabalhado com as crianças.

Para Josette Jolibert (2006, apud BARBOSA e HORN, 2008), um projeto pedagógico pode ter a seguinte estrutura alternativa: planejamento do projeto, das tarefas a serem realizadas e das resonsabilidades a serem distribuídas; realização das atividades; fi nalização do projeto; avaliação das aprendizagens feita pelas próprias crianças durante o projeto, com a participação do professor; avaliação coletiva do projeto feita pelas crianças, mas também com a participação do professor. Fazendo uso então dessa estrutura, bem como, da sequência estrutural que fora apresentada por Barbosa e Horn (2008), proponho a seguinte adaptação:

Etapas do Planejamento da Realização do Projeto Pedagógico

Defi nição de um problemaQuestão que se levanta junto com as crianças e que representa uma inquietação comum ao grupo participante.

Mapeamento dos percursos de resolução do problema

Descrição da previsão dos passos, ou percursos, ou etapas, ou atividades necessárias à resolução do problema e à aprendizagem colaborativa das crianças.

Atividades e responsabilidades a serem distribuídas entre as crianças e o professor

São atividades que as crianças tenham condições de realizá-las e podem ser distribuídas para ser realizadas em grupo ou individualmente, podendo até mesmo contar com a participação de um adulto ou de seus pais, avós ou irmãos na respectiva realização.

Coleta e registro de informações

Nesta etapa do processo, as crianças têm a chance de pesquisar e coletar informações necessárias à refl exão que farão acerca da solução para o problema. Elas podem fazer visitas, realizar entrevistas, aplicar questionários, fi lmar, tirar fotos etc.

Análise e registro das conclusões

Processo no qual as crianças conversam sobre o que coletaram, sobre o que descobriram, fazem análises, comparações e buscam alcançar um consenso acerca do conhecimento que fora descortinado.

Avaliação das aprendizagens feita pelas crianças durante o projeto, com a participação do professor

A qualquer momento, essa avaliação pode ser realizada, principalmente, naqueles nos quais a insatisfação, ou confl itos inesperados, emerjam e difi cultem a aprendizagem das crianças. Essa avaliação ocorre num diálogo no qual as crianças sintam-se seguras e confi antes na exposição de suas difi culdades. Trata-se de uma etapa da vivência do projeto que também pode ser tomada por motivo da satisfação, do encantamento e do prazer de estarem aprendendo.

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Com base nessa adaptação, ouso tecer a vocês o desafi o de planejar e simular um projeto pedagógico que atenda ao plano de trabalho pedagógico que fora traçado na segunda unidade deste componente curricular. Certamente, o conteúdo que lá se faz presente é o estudo da água, da importância da água na vida humana e da natureza em geral. Anteriormente, nós debatemos bastante sobre a necessidade de permitir que o emocionar da criança faça parte da relação de aprendizagem com outras crianças. Vimos também que o gosto pela aprendizagem é uma vivência que se dá com a liberdade de questionar, de brincar e de se emocionar. Em aula anterior, vimos que, hoje, a inteligência humana pode ser representada por um conceito que amplia nossas perspectivas acerca da capacidade de aprendizagem humana. Por isto, bem como, por tudo que pudemos debater até agora, o desafi o ora proposto é formulado com o propósito de um exercício de planejamento do trabalho pedagógico do currículo da Educação Infantil, o qual assegure a vivência original da criança a partir das oportunidades de interação ou de vivências integradoras.

Não podemos deixar de perceber que os projetos pedagógicos viabilizam a vivência de um currículo procedimental, que podem ser usados para incluir o que não é comum, para descortinar o que não é comum, portanto, podem ser usados para evidenciar qualidades ou inibições das crianças. A vivência da criança em projetos pedagógicos pode viabilizar a participação singular de cada criança, pode permitir que cada criança expresse sua inteligência e demonstre suas capacidades ou a pluralidade de sua inteligência. Para o professor, a oportunidade de viabilizar um projeto pedagógico lhe permite trabalhar na perspectiva da inclusão social e do aproveitamento das múltiplas possibilidades de aprendizagem da criança.

Até a próxima aula!Giuliana Vasconcelos

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Expor todo material coletado e todo trabalho que tenha sido produzido

É uma fase de divulgação, de compartilhamento de descobertas ou saberes e de diálogos que as crianças poderão viver junto à comunidade institucional, aos seus pais, bem como, junto à comunidade local ou ao bairro em que moram.

Avaliação coletiva do projeto feita pelas crianças, mas também com a participação do professor

Trata-se de um momento conclusivo do projeto pedagógico. Pode ser realizado por meio de uma ofi cina com músicas, brincadeiras e, principalmente, com um diálogo que permita rememorar o que foi vivido, quais difi culdades foram enfrentadas e quais aprendizagens foram comuns ou não comuns a todas as crianças. É importante que cada criança tenha assegurada a sua oportunidade de fala, de expressão e de indagação acerca do processo que fora vivido. É importante que cada criança tenha assegurada a sua oportunidade de falar o que foi bom, o que foi ruim, o que deseja saber e o que precisa ser melhorado na vivência de seu grupo.

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AULA 11: A PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA NO CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO INFANTIL A FAVOR DO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA

Olá gente, tudo bem? Nesta aula, vamos refl etir um pouco sobre o tempo da família nos dias de hoje e de como ela pode participar da vivência curricular da Educação Infantil. De acordo com Zeher (2007, p. 55), “nos últimos qüinqüênios, em famílias com crianças que estão em uma idade na qual precisam de cuidados, as relações de tempo na quotidianidade se modifi caram, e ainda se modifi cam de modo bastante pronunciado”. Para ela, novas ideias sobre o crescimento dos fi lhos e as mudanças nos tempos de dedicação dos pais à profi ssão vêm transformando as famílias. Em países industrializados, nos quais o comércio global já instalou-se, a dedicação doméstica da família aos cuidados com a infância tornou-se mais escassa. Cada vez mais, a aprendizagem na escola tornou-se mais obrigatória, uma vez que o tempo da criança em casa, junto dos pais, dos irmãos e avós é cada vez menor.

Essa transformação tem se realizado de modos diversos. A ideia de criança que recebe o cuidado doméstico materno tem se deslocado da realidade das novas famílias, por motivo da falta de uma disponibilidade contínua de dedicação da mãe, bem como, por motivo das exigências de qualifi cação da criança como força de trabalho futuro. Como coloca Zeher (2007, p. 55),

hoje, a economia tem, juntamente à necessidade da força-trabalho das mães, também a exigência de uma melhor qualifi cação de todas as crianças como força de trabalho futuro, e nos debates políticos educativos sublinha-se o fato de que mais tempo no cuidado profi ssional das crianças e na escolarização signifi ca maior igualdade de oportunidades sociais, e maior independência das aquisições escolares em relação à família.

Hoje, a participação ou a atenção das famílias, mais especifi camente, das mães no que se refere aos interesses econômicos é vivida sob forte tensão do tempo dedicado à profi ssão. Trabalhar nos fi nais de semana e de madrugada para dar conta das demandas de uma dada profi ssão é uma exigência às mães e aos pais nos dias atuais. A corrida pelo tempo de que se precisam leva as famílias a viver em função de dar conta das responsabilidades de um fl uxo de trabalho que não cessa. O cotidiano do viver em famílias, os fi nais de semana, os horários de

FamíliaFonte: Clipart – Microsoft, 2007.

FamíliaFonte: Clipart – Microsoft, 2007.

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refeição, de sono e de afeto perdem importância, para dar vez aos turnos de trabalho móveis, ao trabalho noturno e ao trabalho em casa.

Ao que parece, “sem a ajuda de avós, outros pais, pessoal doméstico, ou agências que fazem serviço doméstico, e instituições de educação às crianças, cuidar dos fi lhos é impossível”.

As consequências de tudo isso, em muitas das vezes, é o reforço da própria situação. Em outras palavras, a falta de tempo tem levado até mesmo a reforçar essa falta porque as mães e até mesmo os pais, quando adotam uma rotina de tempo de dedicação que possa estar bem distribuído entre a família e o trabalho, logo sentem-se fatigados. E, quem mais sofre com essa fadiga, é a criança. Com esse problema do tempo e do estresse que os pais elaboram em suas mentes, a crescente atividade profi ssional das mulheres defi niu-se juntamente com o conceito de dedicação de tempo materno de qualidade, o qual, segundo Zeher (2007, p. 63), “deveria liberar as mães de ser mães desnaturadas”, deveria deixar de priorizar a quantidade do tempo em que se fi ca com as crianças, para priorizar a intensidade do tempo com o qual se fi ca com as crianças. Considerando, pois, que as instituições de Educação Infantil têm ocupado-se da integralidade desse tempo na vida das crianças e que a vida de trabalho dos pais é solícita quanto aos cuidados dessas instituições na educação de seus fi lhos, é necessário pensar sobre as possibilidades de intensifi cação da participação das famílias no pouco tempo em que conseguem dedicar-se aos seus fi lhos.

Nos tempos como os atuais, de pouco convívio familiar, a participação da família na vivência curricular da Educação Infantil vai, também, depender da preocupação das instituições educacionais em fazer convergir projetos, os quais viabilizem o interesse dos pais de se fazerem presentes no cotidiano educacional de seus fi lhos. Como constata Barbosa e Horn (2008, p. 90), na instituição de Educação Infantil,

a participação dos pais torna-se uma parceria valiosa em todos os sentidos. Para que eles possam acompanhar os trabalhos escolares, é importante que a escola os mantenha informados sobre os projetos que estão sendo realizados pelas crianças e os temas estudados para que possam participar na seleção e no envio de materiais, na proposição de experiências, na partilha dos saberes. A comunidade e, em especial, os pais são, portanto, ótimos parceiros de estudo e informantes para as crianças. Essa comunicação pode ser feita por meio de reuniões, bilhetes e/ou cartazes afi xados na sala de aula ou no hall de entrada da escola, estabelecendo, assim, um processo de comunicação e interlocução.

Crianças saindo do ônibus escolar

Fonte: Clipart – Microsoft, 2007.

Menina pendurada na barraFonte: Clipart – Microsoft, 2007.

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Para essas autoras, as aprendizagens, as relações emocionais e o modo como a instituição relaciona-se com as crianças produzem novas formas de conversar nos pais e nas mães. Para elas, trabalhar com projetos pedagógicos produz uma educação social, pois essas experiências ensinam a vida em democracia, ensinam a criança a abrir mão de algo individual pelo bem coletivo, inclusive, pelo bem coletivo a longo prazo. Quando pensamos num currículo que promova a participação dos pais, o nosso propósito não é dizer a maneira como os pais devem comportar-se em relação às suas atividades familiares. O meu interesse é o de propormos um modelo e/ou de viabilizarmos oportunidades que enfoquem a integração família-instituição, ajudadas por um professor cuidadoso na implementação de um currículo que pode ser usado em qualquer campo de conhecimento da Educação Infantil. O que desejo é que possamos refl etir sobre as possibilidades de trabalharmos o currículo formal, que é aquele oferecido pelas secretarias e ministérios da educação, de forma tal que este e o currículo oculto, que é aquele que está latente ou escondido no cotidiano da

instituição, possam tornar-se um só. O que desejo é que o currículo formal e o currículo oculto convirjam e tornem-se um currículo real e aberto, o qual viabilize a experienciação de oportunidades curriculares informais originadas do seio familiar. Desejo que o currículo da Educação Infantil seja um currículo real, procedural, aberto à diversidade e à participação da família.

Como bem colocam Becchi e Ferrari (2007, p. 13), na rica literatura sobre a pedagogia da família, o papel dos pais é estimulado

por muitos lados em direção a um dever ser educativo, que frequentemente supera os seus recursos, a família das sosciedades tecnologicamente avançadas – especialmente se considerarmos a de uma classe média atualmente alargada – aparece reduzida em número de membros, em possibilidade de tempo e cuidado, em um processo de radical transformação dos papéis e das tarefas dos pais em relação aos fi lhos, especialmente se estes são pequenos. Todavia, nunca como hoje ela exige ser mais competente no que diz respeito ao seu saber educativo.

Ser pai ou ser mãe é o exercício de ser um sujeito social consciente, capaz de reconhecer que se pode depositar confi ança em si mesmo, quer dizer, sobre a forma como educa os próprios fi lhos. Aos pais, cabe o desafi o de saber colocar em prática estratégias formativas e de conhecer as razões que os levam a tais práticas. Por esse motivo, bem como, por motivo da redução do tempo de cuidado que os pais dedicam aos fi lhos, o estreitamento das relações entre família e escola torna-se um processo a ser buscado pela instituição da Educação Infantil. Segundo Becchi e Ferrari (2007, p. 15), os conhecimentos que pais e mães possuem acerca de como educar os seus fi lhos são, para eles mesmos, considerados como um “outro”

saber em relação aos demais saberes de que fazem uso em seu cotidiano. Suas percepções vão em direção a uma alteridade do ser mãe ou do ser pai, numa forma específi ca de ensinar e/ou aprender a conhecer.

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Menino mexendo em equipamento eletrônico

Fonte: <http://veja.abril.com.br/especiais/bebes/imagens/

inteligencia001.jpg>.

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Currículo na Educação Infantil

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Seguindo a abordagem de Becchi e Ferrari (2007), é importante refl etirmos sobre a noção que mães e pais têm e verbalizam, quando juntos das instituições de Educação Infantil, acerca do conceito de criança e de educação. Primeiro, para as mães e os pais, a criança é fi lho ou fi lha. O que isso signifi ca? Para eles, a criança é fi lho porque exprime a realidade privada em que vive com sua família. Para eles, o fi lho só diferencia-se de um outro fi lho porque este outro é seu irmão. Para as mães e para os pais, a criança é, ao longo do próprio crescimento, sempre fi lho ou fi lha. Para eles, a criança nunca deixa de ser fi lho ou fi lha, apenas vai deixando de ser criança e passando do anonimato de ser fi lho ou fi lha para tornar-se um sujeito de história e, portanto, torna-se o “meu fi lho Pedro” ou a “minha fi lha Joana”. Para pais e mães, o conceito de criança, portanto, é permeado de um certo anonimato, de uma certa generalidade que é fundamentada pelo pressusposto dos rigores que são exigidos no exercício das tarefas de ser mãe e pai.

Outra forma que, também, pais e mães têm de compreender no conceito de criança na condição de fi lho é a de vê-la (de ver a criança) como parte de si mesmo, quase que como numa simbiose, principalmente, no que se refere à relação da mãe-fi lho e não à do fi lho-mãe. Apenas, “à medida em que o fi lho cresce, observa-se o melhor para ele, adquirem-se noções psicológicas menos difíceis, cumprem-se operações cognitivas que nos primeiros tempos resultam impossíveis” (BECCHI e FERRARI, 2007, p. 19). Ao passo em que ocorre o nascimento psicológico da criança, a mãe, por exemplo, também nasce em relação ao conhecimento que a leva a denotar a criança como seu próprio fi lho. Não se trata de uma mera instintualidade, mas, sim, de um profundo jogo de reciprocidades, no qual, à medida em que o fi lho amadurece, a competência materna vai sendo desenvolvida.

Obviamente, no processo desse jogo de reciprocidades, segue-se a aprendizagem do ser pai e do ser mãe com a experienciação de estratégias pedagógicas e de erros comuns, como proteção exagerada, paixão e difi culdade de consentir autonomia ao fi lho ou fi lha.

Segundo Becchi e Ferrari (2007), para mães e pais, o conceito de educação ainda oferece poucos dados refl exivos. O estudo do papel educativo do ser pai ou do ser mãe ainda merece enriquecimento. Para mães e pais, a noção de educação está bastante amarrada à noção de fi lho, às condições epistemológicas de compreensão da criança. Pais e mães levam os fi lhos à escola e a expectativa que têm acerca desse encontro é, fortemente, aprisionada ao que pensam sobre quem são todas aquelas crianças que estão na escola, como é essa criança que estão levando, defi nida como fi lho, o qual é parte deles, e quem é a escola, aquele “outro”, um sujeito que com o fi lho vai fi car, num longo período de tempo.

O conceito de educação vai confundir-se com o conceito de fi lho. Para pais e mães, o conceito de educação representa tudo o que desejam para o fi lho. Para pais e mães, o conceito de educação representa tudo o que desejam para o tempo futuro. Para eles, a vivência do tempo presente está em processo de educação. O crescimento do fi lho é o processo de educação que está no alvo dos seus interesses junto à instituição de Educação Infantil. “O futuro do próprio fi lho é o que declara a possibilidade – e a necessidade – educativa” (BECCHI e FERRARI, 2007, p. 22). Para os pais, a educação do fi lho os faz rememorar a sua própria infância, os leva a seguir ou a transgredir o modelo de educação que eles próprios receberam.

Nesse contexto onde o tempo e as expectativas dos pais, das mães ou das famílias, muitas vezes, procuram oferecer a melhor educação, onde procuram ser bons educadores, é

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preciso que, nós, professores, percebamos que a educação da família não se realiza somente em casa. Uma pedagogia da família “exercita-se e aperfeiçoa-se interagindo no social, em lugares extrafamiliares – creches, pré-escolas – onde hoje as crianças iniciam precocemente sua formação” (BECCHI e FERRARI, 2007, p. 24). Vê-se, portanto, que as instituições de Educação Infantil têm se tornado o local privilegiado para a formação dos chamados fi lhos menores.

Diante de uma realidade inevitável como essa, a conlusão desta aula coloca-nos em prol da alternativa de aplicabilidade dos projetos pedagógicos.

É importante visualizarmos a vivência procedural de um currículo que levem os pais a atuarem no contexto educativo da instituição, que levem os pais a saírem do contexto privado da família individual e a colocarem-se frente a outras realidades como a da instituição de Educação Infantil. Engajar os pais, dialogar com eles e oferecer-lhes oportunidades de ressignifi car o conceito de criança e de educação, parece-me ser esta uma das tarefas prioritárias do trabalho docente na Educação Infantil.

Forte abraço!Giuliana Vasconcelos

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AULA 12: UM CURRÍCULO PROCEDIMENTAL QUE FOMENTA INTELIGÊNCIAS COLETIVAS

Oi gente, que pena, estamos chegando ao fi nal deste componente curricular. Vamos fazer uma revisão do que foi estudado? Inicialmente, nossos estudos partiram de refl exões acerca do fi lme “Quanto vale ou é por quilo?”. Refl etimos sobre como a infância pobre mobiliza a criança no turbilhão de apartações sociais de nosso país. Vimos como as políticas sociais, mais especifi camente, as políticas públicas educacionais infl uenciam e direcionam os fazeres curriculares no cotidiano das instituições de Educação Infantil no Brasil. As refl exões que fi zemos sobre o fi lme levaram-nos a vislumbrar a substituição da visão de criança como mercadoria, para uma nova visão, que é a da criança como um sujeito que pode emancipar-se das situações de degradação que a infância pode levá-la a sofrer na vida adulta.

Vimos a necessidade de desvelarmos as mazelas que o currículo educacional impõe e de propormos a vivência da aprendizagem como pressuposto da vida em sociedade. Seguimos num fl uxo de refl exões no qual insisti em debater as possibilidades de proporcionarmos a emancipação da infância pobre na vivência do currículo da Educação Infantil. Insisti em conduzí-los na signifi cação do valor do currículo da infância pobre na sociedade excludente. Seguimos as aulas sob o propósito de conhecermos alternativas pedagógicas de elaboração curricular para a Educação Infantil, alternativas estas que podem ser distinguidas sob a vivência de um currículo centrado nas intuições da criança, levando-a à inteligência, à abstração, ao pensamento operatório e à auto-realização que se efetiva através da auto-atividade. Seria esta uma alternativa que alude aos princípios montessorianos e froebelianos. Refi ro-me também ao currículo interdisciplinar, o qual se refere à organização de conteúdos por campos interdisciplinares amplos. Refi ro-me também ao currículo nuclear, que prioriza as áreas consideradas imperativas para a formação da criança; ao currículo organizado através de temas. Assim, nesse percurso explicativo, onde alguns tipos de currículo foram por mim apresentados, cheguei, enfi m, à proposta que queria debater com vocês.

Cheguei a apresentar-lhes a forma de elaboração curricular de processo que foca os procedimentos que levam a criança à aprendizagem. Considerei este último modelo de elaboração curricular como sendo aquele no qual deveria concentrar minhas explicações no decurso das aulas seguintes. Fiz isto por considerar que o currículo procedimental é aquele que, na condição de modelo, deve pretender viabilizar, nas relações de convívio entre e com as crianças, laços de construção de conteúdos pertinentes à realidade vivida.

Meninas ginastasFonte: Clipart – Microsoft, 2007.

Menino com a bolaFonte: Clipart – Microsoft, 2007.

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Como forma de subsidiar nossas refl exões, propus debates sobre outros fi lmes como “Escola da vida” e “A menina no país das maravilhas”, usados como exemplos sobre os quais pudemos tecer um entendimento acerca do papel do educador na vivência de um currículo que

fomente a emancipação da infância. Vimos que a preocupação pedagógica não fundamenta-se na instrução, mas, sim, nas possiblidades de promover a integração social a partir da lógica interna das relações entre as crianças, com a natureza peculiar da expressão e da curiosidade infantil. Nesta perscpectiva, o professor da Educação Infantil estará preocupado com os procedimentos que levam as crianças a integrarem-se umas com as outras. Vimos que um currículo procedimental elege valores como a expressão da criança, sua integração e compreensão junto a outras crianças.

Vimos que um currículo procedimental valoriza a criatividade e a liberdade de buscar novas experiências que enriqueçam a aprendizagem; elege valores como a diversidade cultural e a subjetividade da criança, permitindo-lhe aventurar-se pelos caminhos que a sua imaginação sugere; elege valores como a manifestação do que a criança pensa em integração com o que as demais desejam...

Nas aulas seguintes, buscamos maneiras diferentes de elaboração de um currículo procedimental. Refl etimos sobre o quanto os professores estão preparados para o exercício da docência na Educação Infantil. Vimos que a necessidade de nos entusiasmarmos com nosso papel na sociedade, alcançando uma discussão que estabeleça a autovalorização do professor como um sujeito aprendente, capaz de lançar olhares críticos sobre a qualidade do ensino a fi m de romper com o apartheid neuronal que ocorre na prática da Educação Infantil.

Vimos a necessidade de proporcionar a vivência de ecologias cognitivas, as quais podem representar a atitude astuta de educadores entusiasmados de desejarem propiciar a integração social. Vimos a necessidade de aprendermos alguns conceitos como complexidade, autopoiese e morfogênese para o campo da aprendizagem, como alternativa viável à compreensão da potencialidade cognitiva da criança.

Debatemos que o conceito de aprendizagem não pode mais ser aceito como sendo aquele em que a criança torna-se uma estante que suporta um monte de livros arrumadinhos uns ao lado dos outros. Diferente disto, a aprendizagem constitui-se numa rede de vivências, nos encontros e conversações entre as crianças, umas com as outras. Tal compreensão conceitual nos remete à construção de novos valores culturais em torno da aprendizagem das crianças. A instituição de Educação Infantil passa, então, a ser o espaço de equivalência da coletividade,

Menino equilibrando a maçã na cabeça

Fonte: Clipart – Microsoft, 2007.

Menina abraçada aos livrosFonte: Clipart – Microsoft, 2007.

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Currículo na Educação Infantil

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UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

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que é a própria sociedade ali apresentada através das relações culturais, e as operações cognitivas da criança. A instituição de Educação Infantil passa, então, a ser o espaço de vivência de verdadeiras ecologias cognitivas. A minha maior preocupação é a de que, no decorrer das aulas, pudéssemos chegar a um consenso acerca da necessidade da vivência de um currículo que tome sempre a participação interatuante da criança como pressuposto. Certamente, não vislumbrei essa participação na coletividade da escola, descartando a subjetividade da criança. Vislumbrei que o professor da Educação Infantil reconheça que a infância vai crescendo na construção de uma subjetividade interligada. A aprendizagem estará, portanto, presente nessa interconexão, acessando as conexões de outras subjetividades.

No decorrer de nossas aulas, também trouxe a vocês a oportunização de um debate em torno da noção de racionalidade educativa e a inserção da noção de emoção na prática docente. Busquei debater com vocês sobre como as emoções estão presentes nos processos de aprendizagem e a importância de buscarmos aprender com emoções gostosas de serem vividas. Vimos que nossas escolas desvalorizam as emoções em favor de uma lógica racional, deixando de lado a lógica do gostar do outro ou do gostar de aprender o que se deseja aprender. Vimos que as nossas limitações na compreensão do emocionar são geradas em nós por nossa cultura, e que a escola tem mostrado-se bastante efi ciente na consolidação dessa visão.

Mas, o fundamento do qual a criança necessita para desenvolver sua inteligência é o do gostar, o do amar e ser amada. A aceitação de uma criança pela outra depende da aprendizagem do gostar, de aprender a conhecer junto com o outro sem expectativas de resultados, nem mesmo quando é legítimo esperá-los, nem mesmo quando, no experienciar de uma brincadeira, a imaginação das crianças as faz reproduzir modelos de convivência social.

Outro assunto que também abordamos no decorrer das aulas foi o da compreensão das inteligências múltiplas. Percebemos que a noção conceitual de que as crianças são capazes de desenvolver inteligências múltiplas nos abre amplas possibilidades de vivenciar um currículo procedimental aberto e diverso.

Vimos que é possível distribuirmos funções pedagógicas na vivência de um currículo procedimental vislumbrando sempre o desenvolvimento de uma criança inteligente e, sobretudo,

Olhar curioso da meninaFonte: Clipart – Microsoft,

2007.

Meninas na janela de ônibus escolar Fonte: Clipart – Microsoft, 2007.

Crianças jogandoFonte: <http://www.brasilescola.com/

upload/e/brincadeira.jpg>.

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feliz. Outra alternativa para a vivência de um currículo que valorize a aprendizagem das crianças é a da vivência dos projetos pedagógicos, que pode ser muito bem associada à elaboração de um currículo procedimental. Lembre-se que a teoria das inteligências múltiplas levanta a tese de que qualquer ser humano pode desenvolver diferentes inteligências, relativamente autônomas e independentes, peculiares ao seu contexto social, e correspondentes a sua experiência de vida. Penso que não podemos perder essa teoria de vista.

Por último, trouxe a vocês uma proposta de refl exão acerca do tempo que os pais dedicam aos fi lhos na vida familiar. Mas, sobretudo, pudemos pensar um pouco sobre como o mundo do trabalho infl uencia a vida em família, afetando o cotidiano de mães e pais, até mesmo impondo ritmos e estruturas psicológicas que afetam o crescimento da criança. Falei para vocês do quanto é necessário que a instituição de Educação Infantil preocupe-se em promover a participação das mães e dos pais, através da alternativa do uso dos projetos pedagógicos, na vida escolar da criança.

Após toda a jornada deste componente curricular, para concluir, levando em conta a minha adesão sistêmica à teoria das inteligências múltiplas, ousei tecer considerações sobre a adoção dessa teoria à elaboração do currículo procedimental na Educação Infantil. Vislumbro que somente quando partimos ou seguimos nos fundamentando em pressupostos que viabilizem a emancipação do outro é que, de fato, a extraordinariedade educativa acontece. Certamente, o que estou querendo dizer a vocês, apesar de parecer, não se aproxima nenhum pouco de fi cção ou de surrealismos. Acredito, com muito entusiasmo, que, na condição de professores e professoras da Educação Infantil, somos capazes de encontrar ou criar possibilidades ou arranjos que levem as crianças a acreditarem em si mesmas, a de desenvolverem o melhor de si mesmas e a construírem a si mesmas de modo tal que favoreça uma vida adulta inteligente e feliz. Acredito que a teoria das inteligências múltiplas abre fortemente essa perspectiva. Acredito que somente integrando-se uns com os outros é que podemos conceber-nos como que numa sólida ecologia cognitiva, que nos permita construir uma bela inteligência coletiva.

De acordo com Lévy (2000, p. 28), a inteligência coletiva “é uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências. [...] A base e o objetivo da inteligência coletiva são o reconhecimento e o enriquecimento mútuo das pessoas”. Este tipo de inteligência está em toda parte porque o saber é algo que se partilha com as crianças, que está na humanidade. De uma coisa, nós, professores, sabemos: nenhuma criança aprende sozinha ou a partir do nada. O que as crianças aprendem está na intersubjetivação, quer dizer, na relação entre as pessoas.

A valorização da inteligência coletiva na instituição de Educação Infantil depende da não subestimação que se destina às crianças. O desenvolvimento da inteligência coletiva das crianças nas creches, pré-escolas e orfanatos depende da nutrição cultural a ser ofertada pelos seus educadores. É interessante sabermos que para vitalizar a inteligência coletiva no cotidiano da Educação Infantil é preciso mobilizar as competências cognitivas das crianças, noutras palavras, é preciso mobilizar as inteligências múltiplas das crianças. Para que isso aconteça, é preciso identifi car e reconhecer a

Meninas com bolasFonte: Vasconcelos, 2009.

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diversidade de competências cognitivas que mobilizam a mentalidade humana. Para ajudar a promover uma inteligência coletiva é preciso que o professor reconheça em si a sua capacidade de pensar e aprender colaborativamente.

Neste momento de conclusão deste componente curricular, aproveito a oportunidade para trazer a vocês apenas um pouco da contribuição de Habermas (1990) acerca de como nosso mundo vital é importante para a emancipação das crianças. Para o autor, o mundo da vida deve ser valorizado nas relações com as novas gerações. O mundo da vida é aquele que é formado no cerne da vida social, constituindo-se em signifi cados corporifi cados por conhecimentos constituídos e manifestados através de planos de ação cooperativos, da linguagem, das atividades dirigidas ou educativas que dão origem a expressões signifi cantes – como a arte, a tecnologia, a cultura etc. Para ele, o mundo da vida é aquele que pode ser construído e institucionalizado através da Educação Infantil, contribuindo fortemente para a formação de estruturas de personalidade das crianças.

Para Brennand (1999), o mundo da vida da teoria habermasiana é considerado como um agrupamento de sentidos complexos – cultura, sociedade e as estruturas da personalidade – do qual indivíduos socializados alimentam-se para um entendimento e ação intersubjetivados. Nesta perspectiva, compreendo que pensar em uma inteligência coletiva é refl etir acerca dos signifi cados que emergem das competências cognitivas individuais que podem se constituir em reciprocidade de singularidades. Compreendo que pensar em uma inteligência coletiva é refl etir acerca de como as crianças podem construir valores que são apenas consequências das suas aprendizagens colaborativas ou do encontro de suas inteligências múltiplas.

Para Lévy (2000), as interfaces que emergem da singularidade, ou individualidade das crianças, podem constituir-se numa reciprocidade de subjetivações fi ltrando pensamentos coletivos. Para ele, estamos vivenciando um crescimento, a infância da sociedade informacional, da sociedade interconectada, e este é o momento crucial para que possamos refl etir coletivamente, renovar as relações e tentar resolver os problemas sociais que afetam a humanidade.

A intersubjetivação das crianças, necessária ao desenvolvimento de inteligências coletivas, pode ser vivenciada sem fronteiras na dinâmica da rede informacional. Para o autor, a internet, a televisão, a música, o rádio etc. compõem uma <multimídia informacional> que pode ser usada para a manifestação intercomunicacional necessária à construção de inteligências coletivas. Compreendemos que é preciso que nós, professores, aprendamos a aprender, a lidar com o novo e com o desconhecido sob perspectivas de interesse coletivo.

É necessário que a educação seja planejada a partir de refl exões críticas sobre a tripla realidade humana: indivíduo,

Meninas no computador Fonte: Clipart – Microsoft, 2007.

Releia o componente curricular “Educação, cultura e mídia” (Profª Edna Brennand, Profª Daniele Dias e Prof. Washington Medeiros, Trilhas do Aprendente, volume 3, 2008).

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sociedade e espécie. É preciso compreender a complexidade da crise

planetária da virada do século, reconhecendo que a humanidade confronta-se internamente com problemas comuns entre os indivíduos. Para Lévy (2000), as implicações da interconexão planetária que estamos vivenciando incidem num reconhecimento das alterações das singularidades cognitivas das crianças.

De acordo com Brennand (2001), as capacidades cognitivas: raciocínio, memória, representação mental e percepção estão sendo simultaneamente alteradas como consequência do contato com bancos de dados, simulacros digitais etc., reforçando diferenças pelo acesso desigual de indivíduos às tecnologias informacionais. É evidente que há a desigualdade de desenvolvimento cognitivo entre os grupos sociais conectados e os não conectados. Enquanto alguns desenvolvem uma acelerada sinergia cognitiva, os marginalizados desse processo se adaptam lentamente. Porém, precisamos ser utópicos, desejar e manifestar, dentre ações comunicativas de grupos sociais marginalizados, ou dentre práticas educativas diversifi cadas, o desenvolvimento de inteligências coletivas que benefi ciem a sociedade contemporânea.

Para vitalizar o desenvolvimento da inteligência coletiva dos grupos humanos e (in)fi ltrar o mundo sistêmico simetricamente à subjetividade do mundo da vida, necessariamente, o indivíduo deve atingir uma mobilização efetiva de suas competências cognitivas. De acordo com Lévy (2000), para que isso aconteça, é preciso identifi car e reconhecer a diversidade de competências cognitivas que mobilizam a mentalidade humana. Para planejar e desenvolver uma inteligência coletiva é preciso que o professor da Educação Infantil reconheça os mistérios da inteligência da criança e a potencialidade de suas competências para que a oriente no desenvolvimento de aprendizagens colaborativas.

Assim, considerando que no novo século a humanidade se sensibiliza com a tessitura da comunicação em arenas digitais como as tecnologias telemáticas, os bancos de dados on line, a internet etc., o papel do professor se refaz. Suas competências se refazem no sentido de, sob espectros amplifi cados de grupos sociais através de diálogos interculturais, fomentar e mediar a formação de inteligências coletivas. A atividade do professor agora precisa estar, segundo Lévy (2001, p. 171), “centrada no acompanhamento e na gestão de aprendizagens: o incitamento à troca de saberes, a mediação relacional e simbólica, a pilotagem personalizada de percursos de aprendizagens”.

Dos estudos que fi zemos neste componente curricular, resultou-nos a constatação de que o professor precisa acompanhar, consciente e deliberadamente, as emergências do devir da existência humana que incidem sobre as instituições de Educação Infantil, sobre as mentalidades que são passadas às crianças e sobre a cultura

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Menino atentoFonte: Clipart – Microsoft, 2007.

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Currículo na Educação Infantil

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das redes educacionais tradicionais. Idealizo o professor como um articulador de práticas educativas promotoras do desenvolvimento de inteligências coletivas. Digo a vocês que a inteligência coletiva é uma categoria aberta e fl exível, tanto na prática quanto na teoria. A inteligência coletiva representa um conhecimento a ser autoproduzido através de práticas educativas contextualizadas. A inteligência coletiva não é um programa, uma receita ou uma solução pronta para ser aplicada. A inteligência coletiva representa confi gurações de redes de saberes resultantes do reconhecimento humano mútuo e de seu enriquecimento.

Concluo dizendo a vocês que considero que a individualidade de uma criança precisa ser energizada através de encontros com as singularidades das outras crianças numa cadeia de solidariedade. Ensinar a cooperação deve ser um dos pressupostos de um currículo que vise promover a formação de infâncias emancipatórias. Ao professor, cabe atuar assumindo o papel de um articulador de inteligências coletivas. Ao professor, cabe assumir-se como um intelectual multifacetado e capaz de atuar na reconstrução de práticas educativas que favoreçam a emancipação da criança. Certamente, não temo dizer a vocês que deposito uma forte credibilidade na teoria das inteligências múltiplas, por reconhecer as contribuições que ela nos oferece para pensarmos a formação das novas gerações.

Já saudosa por tudo que estudamos, despeço-me!Foi um prazer produzir este material para vocês, beijos!

Giuliana Vasconcelos, primavera de 2009, em João Pessoa.

UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 9 Aula 10 Aula 11 Aula 12

Menino com lunetaFonte: Clipart – Microsoft, 2007.

Meninos com microscópioFonte: Clipart – Microsoft, 2007.

Crianças reunidas em salaFonte: Clipart – Microsoft, 2007.

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Gestão e Planejamento na Educação Infantil

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Palavras da professora-pesquisadora

Prezado(a) aprendente,

Estou aqui para orientar os estudos do Componente Curricular Gestão e Planejamento da Educação Infantil, no decorrer de 12 (doze) aulas. A nossa conversa, então, vai ser travada em torno de duas questões fundamentais da educação na atualidade: Gestão Democrática e Projeto Político-pedagógico. Esses temas estão organizados em três blocos de conhecimentos, aqui chamados de Unidades de Estudo.

Na primeira Unidade, vamos estudar a Gestão Democrática, tendo por referência a democracia deliberativa, com base nos ensinamentos de Jürgen Habermas. A nossa intenção consiste em ressignifi car a gestão democrática como um agir comunicativo. Na segunda Unidade, pretendemos compreender o Projeto Político-pedagógico no contexto da gestão democrática, portanto, como um processo de concretização da formação humana e de sua viabilização, tendo como foco as instituições de educação básica que oferecem educação infantil. Por último, vamos estudar as creches e as pré-escolas como espaços de convivência democrática e como essas instituições podem interagir com a família, com a comunidade local, com instituições sociais e com as empresas.

Como você pode perceber, o estudo deste Componente Curricular é muito importante porque nele abordaremos as possibilidades que a instituição educativa tem de organizar o seu trabalho pedagógico de forma democrática. Trata-se de considerar as instituições educativas como espaços que acolhem todos, independentemente de raça, cor, credo e opção de vida.

Nesse sentido, convido o grupo de aprendentes a assumirem a democracia como a grande utopia de suas vidas. A utopia vista como outra realidade projetada, com possibilidades de ser atingida. O projeto de uma sociedade democrática é a nossa utopia. “O meu discurso a favor do sonho da utopia, da liberdade, da democracia é o discurso de quem recusa a acomodação e não deixa morrer em si o gosto de ser gente, que o fatalismo deteriora” (FREIRE, 2002 p.85).

Para que a sua aprendizagem ocorra de forma satisfatória e agradável, faça um esforço para relacionar os estudos com a realidade da gestão educacional que você conhece. E, então? Vamos estudar com afi nco essas questões?

Profa. Dra. Maria da Conceição Bizerra

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Croqui do Percurso

UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASILUNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CURSO DE PEDAGOGIA - MODALIDADE A DISTÂNCIAGESTÃO E PLANEJAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Professora: Dra. Maria da Conceição Bizerra

E-mail: [email protected]

MARCO VII

Componente Curricular: Gestão e Planejamento na Educação Infantil

Tema: Gestão Democrática e Planejamento Escolar

60 horas/aula 04 créditos

Ementa: A gestão democrática: princípios, valores e prioridades. Os elementos do processo de gestão democrática: autonomia, participação e estrutura organizacional. O Projeto Político-pedagógico da instituição de educação infantil: dimensões e fundamentos teórico-práticos para a sua realização. Agentes organizacionais e os processos decisórios. A questão das parcerias entre as instituições de educação infantil e outros setores da sociedade.

Objetivo Geral: Compreender a gestão democrática da Educação Infantil como um agir comunicativo, pautado no entendimento e preocupado com o processo de formação e socialização humana.

Objetivos Específi cos:- Compreender o signifi cado de democracia na perspectiva habermasiana; - Reconhecer a gestão democrática na Educação Infantil como possibilidade de promover um agir comunicativo; - Explicar a participação como instrumento para construir comunicativamente o trabalho pedagógico comprometido com a formação humana e com a cidadania; - Interpretar a autonomia como a capacidade que a instituição educativa, engajada no sistema socioeducacional, tem de exercitar a liberdade para construir seu Projeto Político-pedagógico; - Elaborar o Projeto Político-pedagógico de forma comunicativa, para que ele represente a vontade coletiva dos componentes da instituição educativa; - Identifi car a estrutura organizacional da instituição de Educação Infantil como um espaço, no qual o poder se materializa na horizontalidade das relações intersubjetivas; - Compreender o signifi cado das parcerias face às responsabilidades do poder público e do setor privado com a Educação Infantil;- Reconhecer os limites e as possibilidades das parcerias em relação à melhoria da Educação Infantil.

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Gestão e Planejamento na Educação Infantil

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Competências e habilidades a serem desenvolvidas:- Coordenar o processo de construção do Projeto Político-pedagógico, na perspectiva de um agir comunicativo; - Desenvolver práticas de gestão democrática; - Interagir comunicativamente com o seu grupo de trabalho.

Etapas do percurso:

UNIDADE I: COMO CONSTRUIR A GESTÃO DEMOCRÁTICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL?

– Compreendendo o signifi cado de democracia

– Ressignifi cando o conceito e as possibilidades da gestão democrática

– Revisitando o conceito de autonomia

– Redesenhando a participação

UNIDADE II: COMO O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO PODE CONSTITUIR-SE EM UM INSTRUMENTO DE GESTÃO DEMOCRÁTICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL?

– Compreendendo o projeto político-pedagógico na perspectiva estratégico-empresarial

– Compreendendo o projeto político-pedagógico em uma perspectiva transformadora

– Desenhando o processo de construção do projeto político-pedagógico

– Ensaiando a construção do projeto político-pedagógico

UNIDADE III: COMO PROMOVER A ARTICULAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO INFANTIL COM SETORES DA SOCIEDADE

– Refl etindo sobre a instituição de educação infantil como espaço de interação

– Analisando a interação da instituição de educação infantil com a família

– Analisando a interação da instituição de educação infantil com a comunidade local

– Analisando a interação da instituição de educação infantil com as empresas e as instituições não governamentais

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Metodologia:

- A metodologia empregada no Componente Curricular Gestão e Planejamento na Educação Infantil baseia-se nos princípios que regem a educação a distância e tem por fi nalidade articular a prática-teoria-prática. Para tanto, as aulas foram programadas com base na problematização da prática, no sentido de tornar cada encontro um momento de resgate do conhecimento acumulado e da experiência vivida pelo grupo de aprendentes no que concerne à gestão e ao planejamento da educação infantil.

Recursos técnico-pedagógicos:

Serão utilizados os recursos próprios da modalidade de educação de ensino a distância, tais como: videoaula; fi lmes; fóruns; discussões on-line entre outros.

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Gestão e Planejamento na Educação Infantil

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Gestão e Planejamento na Educação Infantil

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Page 133: Trilhas Do Aprendente Vol-7

143

SITES INDICADOS

UNIDADE I

http://letras.terra.com.br/nando-cordel-musicas/204823/

http://issuu.com/raymar/docs/2ce/67

UNIDADE II

http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/pne.pdf

http://portal.mec.gov.br/pde/

http://www.scrapbookbrasil.com/comunidade/showthread.php?t=4218

http://www.youtube.com/watch?v=mGA5HB0SfjY

http://www.mec.pe.gov.br/cne

UNIDADE III

http://www.direitoshumanos.usp.br

http://literaturadecordel.vilabol.uol.com.br/cordeldoeca.htm

http://www.pucrs.br/mj/poema-cordel-6.php

http://www.gargantadaserpente.com/cordel/robertoribeiro/solidariedade.shtml

http://literaturadecordel.vilabol.uol.com.br/ed_ambiental.htm

http://www.youtube.com/watch?v=wT80h7IYVhI

http://www.youtube.com/watch?v=9DhxF8HWwUs

http://www.youtube.com/watch?v=Lcm1vBEOtWQ

http://www.caped.hpg.ig.com.br

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Gestão e Planejamento na Educação Infantil

144

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UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASILUNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CURSO DE PEDAGOGIA - MODALIDADE A DISTÂNCIAGESTÃO E PLANEJAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Professora-pesquisadora:Dra. Maria da Conceição Bizerra

DESEMPENHO NO PERCURSO

Aulas Desafi os Pontuação Desempenho obtido

Prazo de fi nalização

UNIDADE I

Aula 1 Produção de texto sobre democracia 2,5 2ª semana

Aula 2 Atividade sobre o conceito e possibilidades da gestão 2,5 3ª semana

Aula 3 Produção de texto sobre autonomia 2,5 4ª semana

Aula 4 Produção de texto e participação em fórum 2,5 5ª semana

Total de pontos na Unidade I 10,0

UNIDADE II

Aula 5 Produção de texto sobre P.P.P. 2,5 8ª semana

Aula 6 Atividade sobre P.P.P. numa perspectiva transformadora 2,5 9ª semana

Aula 7 Construção do P.P.P. 2,5 10ª semna

Aula 8 Construção do P.P.P. 2,5 11ª semana

Total de pontos na Unidade II 10,0

UNIDADE III

Aula 9 Produção de texto sobre: educação infantil como espaço de interação 2,5 12ª semana

Aula 10 Produção de texto sobre educação infantil como espaço de interação 2,5 13ª semana

Aula 11 Produção de texto sobre interação escola-família 2,5 14ª semana

Aula 12 Fórum: interação escola e ONGs 2,5 15ª semana

Total de pontos na Unidade III 10,0

Avaliação presencial (prova escrita) Final doPercurso

TOTAL DE PONTOS OBTIDOS NO PERCURSO

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Gestão e Planejamento na Educação Infantil

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UNIDADE I

COMO CONSTRUIR A GESTÃO DEMOCRÁTICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL?

AULA 1: COMPREENDENDO O SIGNIFICADO DE DEMOCRACIA

Nesta nossa primeira aula sobre Gestão na Educação Infantil, vamos refl etir sobre o tema da democracia à luz dos ensinamentos de <Jürgen Habermas>, fi lósofo, sociólogo, jornalista e professor de ensino superior, nascido em Düsseldorf, na Alemanha. É um dos mais importantes pensadores vivos da contemporaneidade (completou 80 anos em 18/06/2009) e autor da Teoria do Agir Comunicativo. Podemos considerar essa Teoria

como um grande tratado sobre a razão, que parte da crítica à razão

instrumental – defi nida como a redução positivista da razão a seu momento

cognitivo – instrumental, em detrimento da comunicação – para postular seu

contrário: a inclusão da dimensão comunicativa como componente inalienável

da razão humana (ANDRADE, 2006 p. 121).

Para Habermas, o projeto <iluminista>, que colocou o homem como centro da razão, ainda não conseguiu dar conta de todo o seu potencial. O duplo objetivo de libertar o homem da escravidão, imposta pelos dogmas, pelas crenças e pelas ideologias, e de dominar as forças da natureza, colocando-a seu serviço, foi alcançado de modo desigual. Para Freitag (1993), os homens avançaram muito, no que se refere ao domínio da natureza, por meio da tecnologia, mas não caminharam no sentido de resolver seus problemas de convivência, de justiça, de solidariedade e de ética. Nesse contexto, fl oresceu a razão técnico-instrumental; o agir estratégico, marcado pelo objetivo pessoal de maximização do acúmulo de poder e dinheiro.

UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 1 Aula 2 Aula 3 Aula 4

Fonte: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/4d/

JuergenHabermas.jpg>

Veja o sentido de Iluminismo nas Trilhas do Aprendente – Volume 2 – Componente Curricular Política Educacional – Aula 2.

Para conhecer a vida e a obra de Habermas, busque auxílio na Internet.

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UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 1 Aula 2 Aula 3 Aula 4

No entender de Habermas, a irracionalidade que domina as sociedades capitalistas atuais poderá ser quebrada pela incorporação da razão comunicativa em idéias que orientem as ações dos atores sociais, bem como em instituições sociais adequadas. Daí vislumbramos como saída outra forma de democracia, através da qual os cidadãos sejam capazes de ações coletivas. Para isso, servir-nos-emos de um modelo desenvolvido por Habermas para fundamentar a possibilidade de discussão de uma democracia procedimental (BRENNAND, 2006, p.34-35).

Compreender o que Habermas ensina sobre democracia procedimental exigiu abordar, de forma breve, os modelos de democracia liberal (Estado liberal burguês) e republicana (Estado social). O primeiro modelo de democracia defende a não intervenção do <Estado> no direito privado, de modo que o indivíduo tenha todas as condições para realizar seus interesses pessoais e, portanto, de serem livres. O status de cidadão é determinado pelos direitos individuais que a ele são atribuídos em relação ao Estado e aos outros cidadãos. Na qualidade de detentor de direitos subjetivos, o cidadão pode contar com o poder estatal para defender seus interesses, de acordo com a legislação em vigor e, também, em questões não previstas nas leis. Ao Estado compete proteger as pessoas em suas individualidades, com base no direito supremo da razão, e ao cidadão, cujo primeiro compromisso é com ele mesmo, cabe verifi car até que ponto os seus interesses estão sendo respeitados.

O núcleo central do modelo liberal consiste na normatização jurídico-estatal de uma sociedade econômica, e não, na autodeterminação democrática de cidadãos com poder de deliberar. Falamos, então, de um modelo de democracia no qual o âmbito privado se sobrepõe ao político.

O paradigma jurídico-liberal conta com uma sociedade econômica que se institucionaliza por meio do direito privado - em especial, por via de direitos à propriedade e liberdades de contratação - e que se coloca à mercê da ação espontânea de mecanismos de mercado. Essa “sociedade de direito privado” é feita sob medida em relação à autonomia dos sujeitos do direito, que, no papel de integrantes do mercado, procuram realizar de forma mais ou menos racional os próprios projetos de vida (HABERMAS, 2002 p. 294).

O modelo republicano defende uma organização social, orientada pela ética, na qual os cidadãos se reconhecem como sujeitos livres e iguais. O Estado é responsável pela garantia da liberdade e dos direitos dos cidadãos que, sem sua interferência, difi cilmente seriam alcançados.

Os direitos dos cidadãos saem do âmbito das reivindicações feitas pelas pessoas, em particular, e alcançam o campo da cidadania, da participação e da comunicação política. Nesse caso, os direitos asseguram a participação dos cidadãos, para que eles se tornem sujeitos politicamente responsáveis pela construção de uma sociedade de pessoas livres e iguais em condições de efetuarem o controle estatal.

Veja o que você estudou sobre Estado nas Trilhas do Aprendente – Volume 2, no Componente Curricular Política Educacional – Aula 1.

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Gestão e Planejamento na Educação Infantil

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A democracia signifi ca autoorganização política da sociedade e pressupõe formas de uma autoadministração descentralizada. Os cidadãos compõem uma coletividade consciente de si mesma e capaz de agir segundo a opinião e a vontade coletiva de seus componentes. A formação política da opinião e da vontade das pessoas privadas torna-se o médium, por meio do qual a sociedade se constitui como uma totalidade estruturada em termos políticos. A democracia defi ne-se como um processo, comprometido com a formação de cidadãos politicamente ativos e responsáveis, em que o aspecto político predomina sobre o privado.

O modelo do Estado social desenvolveu-se a partir da crítica de que é possível alcançar a justiça social pela garantia de liberdades individuais.

A contestação que se faz é evidente: se a liberdade do “poder ter e poder adquirir” deve garantir justiça social, então é preciso haver uma igualdade do “poder juridicamente.” Com a crescente desigualdade das posições de poder econômico, patrimônios e condições sociais, porém, desestabilizaram-se sempre mais os pressupostos factuais capazes de proporcionar que o uso das competências jurídicas distribuídas por igual ocorresse sob uma efetiva igualdade de chances (HABERMAS, 2002, p. 294).

Na visão habermasiana, o liberalismo e o republicanismo são alternativas que, apesar de distintas, podem fundir-se. A política de base instrumental e a de base dialógica, quando institucionalizadas, podem se imbricar no médium das deliberações. O importante, no processo de institucionalizar a opinião e a vontade, são os procedimentos desenvolvidos para legitimar e operacionalizar as decisões tomadas.

Do estudo que Habermas realizou sobre os modelos de democracia liberal (Estado protetor da sociedade organizada segundo as leis do mercado) e sobre o republicano (Estado instituidor de uma sociedade ética), surgiu a <Democracia Procedimental>, “um procedimento ideal para o aconselhamento e a tomada de decisões” (HABERMAS, 2002, p. 278). Tal concepção de democracia resulta da fusão de elementos retirados dos dois modelos: do primeiro, abarca a questão da soberania do Estado e da normatização constitucional da política; e do segundo, a valorização da opinião e da vontade e a capacidade de autodeterminação dos cidadãos.

Então, em que consiste a Democracia Procedimental? Primeiramente, podemos dizer que ela consiste em uma possibilidade de governo, que tem como fundamento básico a concepção de uma sociedade capaz de enfrentar os seus problemas sociais, econômicos, políticos e culturais; uma organização social descentrada, na qual o “eu”, como identidade jurídica, o sujeito individual é subsumido pelo agir coletivo dos cidadãos. É uma sociedade organizada segundo os princípios da justiça (respeito à liberdade individual e à igualdade de direitos), da solidariedade (o bem comum) e da ética (a proteção dos direitos dos indivíduos não pode ter primazia sobre os direitos da comunidade a que eles pertencem). Estamos falando em uma sociedade na qual é possível

UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 1 Aula 2 Aula 3 Aula 4

Aprofunde o tema da Democracia Procedimental, lendo o texto: BRENNAND, Edna In Diálogos com Jurgen Habermas: “Democracia e construção do espaço público em Jürgen Habermas.

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“viver juntos”, o que exige reconhecimento e respeito aos outros. “Exige procedimentos que não se reduzem a regras formais, como “todos são iguais perante a Lei”. Exige procedimentos que organizem a representação dos interesses em forma de um debate público onde a tolerância seja institucionalizada” (BRENNAND, 2006, p. 89).

Nesse contexto, a soberania popular não se identifi ca mais como uma reunião de cidadãos autônomos, mas como círculos de comunicação, que envolvem pessoas com objetivos comuns que, praticamente, desaparecem como sujeitos individuais. O poder político se bifurca em poder comunicativo e administrativo, que devem ser desenvolvidos de forma entrelaçada e de acordo com a fi nalidade de cada um, de modo a garantir o equilíbrio de poderes no interior do Estado. Cria-se um novo tipo de poder ligado, de forma organizada, a um direito legítimo - o direito politicamente institucionalizado.

Assim, a soberania popular se manifesta em processos democráticos e se concretiza por meio da institucionalização do poder comunicativo, resultante das liberdades de comunicação mediadas por órgãos democraticamente instituídos. A interação entre a institucionalização da formação da opinião e da vontade e a mobilização da sociedade garante o equilíbrio entre a razão e a vontade autônoma.

O núcleo da democracia procedimental consiste na tomada de decisões decorrentes da argumentação racionalmente construída em busca do entendimento. Caminhar na direção do entendimento, formulado com base em argumentos convincentes para todos, exige criar estruturas de intersubjetividades capazes de operar a transcendência dos mundos fechados e regulados do sistema social, econômico e político para espaços coletivos, nos quais não cabem negociações, pois tais práticas de comunicação se apresentam frágeis em virtude de não levarem em consideração o melhor argumento. Elas não revelam o princípio do discurso, uma vez que os processos de comunicação vividos se limitam ao uso da linguagem, em função de ações estratégicas. O ato de negociar entende os interesses dos cidadãos como um problema dos governantes, e não, como um problema do entendimento entre os participantes do discurso.

A prática de entendimento distingue-se da prática de negociação através de sua fi nalidade: num caso, a união é entendida como consenso, no outro, como pacto. No primeiro, se apela para a consideração de normas e valores; no segundo, para a avaliação de situações de interesses (HABERMAS, 2003a, p.178). (grifos da autora)

O modelo procedimental de democracia segue a lógica da argumentação, parte de questionamentos pragmáticos, alcança o discurso ético, avança para as questões morais e desemboca em decisões políticas e legais, formuladas por meio da linguagem e fundamentadas no direito. É possível afi rmar que tal democracia sustenta-se em uma política deliberativa, centrada na institucionalização da opinião e da vontade dos cidadãos, por meio de procedimentos formais organizados juridicamente em redes, e cuja efetivação só acontece na participação, entendida como um meio de ajudar a construir, comunicativamente, o consenso quanto ao plano de ação coletiva. Estamos diante de um novo cidadão que tem o direito de participar. Essa participação se converte em um direito fundamental e a argumentação no recurso ofi cial de comunicação intersubjetiva. Todos têm garantido o direito de participar, de forma efetiva e igualitária, do processo público de autolegislação.

UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 1 Aula 2 Aula 3 Aula 4

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Gestão e Planejamento na Educação Infantil

150

Essa forma de compreender a democracia favorece afi rmar que todo poder emana do povo, mas é construído com base no discurso e assumido de forma privada e pública. Assim, os sujeitos participam efetivamente da legitimação das normas formuladas discursivamente, com a fi nalidade de orientar a convivência em uma comunidade pautada nos valores da justiça, da solidariedade e em práticas de autodeterminação e de autolegislação. Os participantes de tal comunidade se identifi cam como portadores e destinatários dos direitos que resultam dos melhores argumentos. A legitimação desses direitos decorre de processos argumentativos que possibilitam aos sujeitos do direito verifi carem se as normas respondem adequadamente às pretensões da comunidade.

Na esteira da democracia procedimental, os confl itos vividos na sociedade exigem a solução comunicativa como o único caminho para a construção de uma solidariedade entre sujeitos que, de um lado, abdicam da violência e, de outro, normatizam de forma coletiva sua convivência, guardando o direito de serem diferentes entre si. O poder caracterizado pela ameaça é substituído pelo poder produzido comunicativamente por meio de procedimentos políticos e deliberativos. Assim, a democracia procedimental

[...] supõe a criação de um espaço público político que permita à sociedade, em seu conjunto, tratar os problemas do seu interesse. Isso vai permitir à soberania popular, mesmo anônima, implementar procedimentos democráticos e jurídicos a partir das condições comunicativas” (BRENNAND, 2006 p. 43).

A esfera pública constitui-se como uma instância capaz de fi ltrar os fl uxos comunicacionais e sistematizar as opiniões públicas em temas específicos. Configura-se como uma rede comunicacional, autônoma, distinta do sistema econômico e da administração pública, disponível para todos os membros da sociedade, na qualidade de falantes e ouvintes competentes. Para essa estrutura não ser um fi m em si mesma, desenvolve-se como associações livres, não estatais e não econômicas, ou seja, instâncias da sociedade civil que captam as repercussões dos problemas sociais nas esferas privadas e os transmitem para a esfera pública política.

Para que as forças oriundas da esfera pública se transformem em forças políticas, é preciso que passem pelo fi ltro dos procedimentos institucionalizados da formação democrática da opinião e da vontade, convertam-se em poder comunicativo e tornem-se objeto de uma legislação legítima.

Esse é o caminho para os processos democráticos gerarem novas alternativas de convivência, caracterizadas por um alto nível de qualidade discursiva independente de imposições externas. Nessas circunstâncias, a sociedade civil tem capacidade para mobilizar saberes e gerar opiniões públicas próprias em relação a seus problemas, tendo a linguagem como veículo principal para torná-las forças políticas.

Essa discussão sobre Democracia Procedimental exige o entendimento de que o Estado é o poder político organizado com base no direito, daí a denominação de Estado de direito. Na perspectiva do Estado democrático do direito, o poder político desenvolve-se por meio de direitos construídos e validados discursivamente, o que impede ou difi culta, ao menos, o poder autoritário.

UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 1 Aula 2 Aula 3 Aula 4

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[...] no Estado de direito, não pode haver um soberano. Convém, no entanto, precisar essa interpretação, a fi m de que ela não roube o conteúdo radicalmente democrático da soberania popular [...]todo o poder político que parte do povo vai ser concretizado através dos procedimentos e pressupostos comunicativos de uma formação institucionalmente diferenciada da opinião e da vontade (HABERMAS, 2003, p. 173).

O Estado Democrático de Direito signifi ca a expressão da vontade popular, construída de forma comunicativa e autônoma por cidadãos capazes de agir como autores e destinatários de um sistema de direitos voltado para a regulação da convivência social inspirada nos valores da justiça, da solidariedade e da ética. Tal Estado exige a elevação do sistema dos direitos ao nível institucional jurídico e garante a preservação das liberdades juridicamente institucionalizadas nos moldes do poder comunicativo. Trata-se da legitimação do direito, no contexto da política deliberativa, que resulta de processos de argumentações. Ademais, a “[...] criação legítima do direito depende de condições exigentes, derivadas dos processos e pressupostos da comunicação, onde a razão, que instaura e examina, assume uma fi gura procedimental” (HABERMAS, 2003b, p. 9).

Tal modelo de Estado, entendido como a melhor forma de um sistema político, detém um potencial normativo capaz de articular, de modo mais racional e razoável, os diferentes agentes sociais, econômicos e políticos que movimentam a vida em sociedade. É, também, a garantia mais efi caz e mais bem justifi cada da participação livre e igualitária de todos os membros da sociedade nos processos democráticos de deliberação sobre as questões públicas.

Nesse sentido, a sociedade democrática é aquela em que impera o poder alicerçado na comunicação e orientado pela utopia da emancipação humana. “Na esteira dessa utopia, podem-se criar programas políticos para reconstrução de uma sociedade mais livre e solidária, realizando e realimentando os irrealizados sonhos do iluminismo” (BRENNAND, 2006 p.44). A utopia é aqui entendida como a necessidade fundamental do ser humano, como a busca de outra realidade, uma realidade projetada. O projeto de outra realidade é a utopia. “O meu discurso a favor do sonho, da utopia, da liberdade, da democracia é o discurso de quem recusa acomodação e não deixa morrer em si o gosto de ser gente, que o fatalismo deteriora” (FREIRE, 2002, p.85).

Desse modo, afl ora a imagem de um mundo humano e justo para todos os que nele habitam, independentemente de raça, cor, credo ou opção de vida. Essa compreensão nos alenta no sentido de vislumbrarmos as possibilidades de fazer surgir, na sociedade contemporânea, marcada pelas desigualdades e injustiças sociais, a razão comunicativa como resposta aos anseios da humanidade de viver sem violência, não como algo dado, mas por opção, buscando forças e recursos para criar e construir a paz. Segundo Freire, a paz se cria e se constrói, na incessante luta pela justiça, o que certamente só ocorrerá na e pela superação das desigualdades sociais.

Por último, podemos cantar a música “Paz pela Paz”, de Nando Cordel:

UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 1 Aula 2 Aula 3 Aula 4

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Gestão e Planejamento na Educação Infantil

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Aprendemos com Habermas que a humanidade tem condições de colocar toda a sua capacidade de pensar e agir de acordo com regras criadas e validadas por ela mesma, por meio de um processo comunicativo isento de opressão, a serviço de sua emancipação. Aprendemos, também, que a sociedade contemporânea, apesar de marcada pela forte presença da razão instrumental e de um agir orientado por interesses individuais, pode constituir-se em um espaço para o surgimento da razão comunicativa, que tem condições de se espalhar pelas diversas instituições e pelos movimentos sociais e culturais.

UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 1 Aula 2 Aula 3 Aula 4

A paz do mundo

Começa em mim

Se eu tenho amor,

Com certeza sou feliz

Se eu faço o bem ao meu irmão,

Tenho a grandeza dentro do meu coração

Chegou a hora da gente construir a paz

Ninguém suporta mais o desamor.

Paz pela paz - pela criança

Paz pela paz - pela fl oresta

Paz pela paz - pela coragem de mudar.

Paz pela paz - pela justiça

Paz pela paz - a liberdade

Paz pela paz - pela beleza de te amar.

Paz pela paz - pro mundo novo

Paz pela paz - a esperança

Paz pela paz - pela coragem de mudar.

Paz pela paz - pela justiça

Paz pela paz - a liberdade

Paz pela paz - pela beleza de te amar.

Paz pela Paz

Page 143: Trilhas Do Aprendente Vol-7

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UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 1 Aula 2 Aula 3 Aula 4

AULA 2: RESSIGNIFICANDO O CONCEITO E AS POSSIBILIDADES DA GESTÃO DEMOCRÁTICA

Vamos continuar nossa conversa sobre democracia, desta vez, tendo como palco as instituições educacionais, questão que já foi abordada em <estudos anteriores>, com destaque para o embate entre diferentes perspectivas de gestão.

De um lado, projetos autoritários de sociedade, que se afi rmam em um modelo de gestão centralizador pouco participativo e desvinculado da realidade de grande parte da comunidade escolar; de outro, os defensores da gestão democrática, fundada na luta, por uma escola aberta às discussões dos diversos sujeitos sociais nela envolvidos – professores, alunos e funcionários (Trilhas do Aprendente, Vol. 2, p. 301).

De acordo com a segunda perspectiva, a gestão “confi gura-se como uma atividade conjunta dos elementos nela envolvidos, em que as responsabilidades são compartilhadas, e os objetivos são estabelecidos conjuntamente” (Trilhas do Aprendente, Vol. 2, p. 302). É essa visão de gestão que pretendemos ampliar, tendo por referência a Democracia Procedimental, estudada na aula anterior.

O ponto de partida da retomada desse tema consiste em recordar o signifi cado da palavra gestão (do latim: gestio-õnis de gerere), “ação de administrar, gerir, gerência, gestão de negócios. O verbo gerere signifi ca trazer, andar com, ter consigo, produzir, criar, nutrir, manter, conservar, mostrar, fazer aparecer” (SARAIVA, 1993, p. 524). Dito de outra forma, “gestão é administração, é tomada de decisão, é organização, é direção. Relaciona-se com a atividade de impulsionar uma organização a atingir seus objetivos, cumprir sua função, desempenhar o seu papel” (FERREIRA, 2000, p. 306).

Com base nessas defi nições, podemos dizer que a gestão consiste em um processo político-administrativo, que tem por fi nalidade organizar, orientar e viabilizar a educação. Tal processo implica a necessidade de tomar decisões, ou seja, escolher, entre as soluções apontadas, aquelas possíveis de ser executadas e capazes de resolver os problemas de uma dada realidade. As decisões tomadas devem ser implantadas, razão por que caracterizamos a gestão como uma ação eminentemente política, que precisa ser administrada.

Inspirados na Democracia Procedimental, inferimos que a gestão pode ser organizada como: um agir sobre os outros, nos moldes da razão estratégica de infl uenciação e manipulação, e como um agir com os outros, na perspectiva de uma ação comunicativa pautada na solidariedade entre os sujeitos envolvidos no processo, o que requer a superação de toda e qualquer forma de opressão.

É importante destacar que o agir comunicativo não exclui o aspecto instrumental, mas

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Gestão e Planejamento na Educação Infantil

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o coloca a serviço de objetivos decididos comunicativamente. É compreensível que o agir comunicativo, centrado na intersubjetividade, acople a dimensão instrumental, mas orientada pela justiça, pela solidariedade e pela ética.

Nossa tarefa, a partir desse momento, consiste em pensar: É possível tornar a gestão da educação em um agir comunicativo? Acreditando que “mudar é difícil, mas é possível” (FREIRE, 1996 p.79), pretendemos delinear um modelo de gestão, como coordenação comunicativa de ações, voltado para construir entendimentos ou acordos válidos, caracterizados como um processo de discussão crítica.

O entendimento entre as pessoas de determinado problema consiste em formular um consenso sobre esse mesmo problema, o que implica o reconhecimento intersubjetivo de um discurso válido, resultante de uma argumentação crítica. Por isso, o entendimento, como consenso intersubjetivo, só tem condições de ser construído quando representar interesses coletivos. A formulação do consenso exige dos participantes da interação linguística competência crítica para distinguir o que é essencial do que é secundário, o que são as potencialidades e as fragilidades dos fatos para poderem emitir um julgamento competente, isto é, construir uma verdade tendo em vista a decisão a ser tomada.

A concepção de agir comunicativo está vinculada diretamente à possibilidade de vivência de práticas de entendimento linguístico, quanto a um problema e quanto às ações a serem executadas, o que pressupõe o reconhecimento da validez das decisões tomadas e da aceitação das consequências que tais decisões acarretarem. Portanto, construir um entendimento implica compreender o signifi cado linguístico de experiências e de vivências subjetivas e produzir formas de agir, e o alcance dos resultados é de responsabilidade dos sujeitos participantes da interação. Vale lembrar que

o conceito “entendimento” possui conteúdo normativo, que ultrapassa o nível da compreensão de uma expressão gramatical. Um falante entende-se com outro sobre uma determinada coisa. E ambos só podem visar tal consenso se aceitarem os proferimentos por serem válidos, isto é, por serem conformes à coisa (HABERMAS, 1990, p. 77).

A expectativa é de que quem ajuda a construir uma decisão via entendimento torna-se responsável pelo seu cumprimento, acredita nos seus resultados e age de acordo com ela, mesmo que essa decisão não contemple os seus anseios particulares. Esse é o motivo pelo qual a instituição luta para construir comunicativamente o seu projeto educativo na certeza de que ele será assumido pelo grupo, que deve se mobilizar e fazer valer o que efetivamente foi decidido.

Vislumbramos um modelo de gestão educacional que considera as potencialidades imanentes

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Fonte:<http://2.bp.blogspot.com/_9yK54c436Go/SLDMxScyf7I/AAAAAAAAAFA/gN-0fPs35tA/S740/regina+celi+096.jpg>.

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do ser humano, voltadas para a comunicação e a integração, criando oportunidades para que todos tenham direito de exercitar a fala, a crítica, a argumentação e de decidir sobre o projeto educativo institucional. Todos têm chance de externar sua subjetividade e deixar transparecer o que pensam e o que sentem. Além disso, podem tomar atitudes regulativas, quando for o caso. Habermas (1993) entende que a formação das pessoas, a apropriação de saberes, a integração social e a socialização são processos que acontecem no momento do agir comunicativo e refere que,

quando os pais querem educar seus fi lhos, quando as gerações que vivem longe querem se apropriar do saber transmitido pelas gerações passadas, quando os indivíduos e os grupos querem cooperar entre si, isto é, viver pacifi camente com o mínimo de emprego de força, são obrigados a agir comunicativamente. Existem funções sociais elementares que, para ser preenchidas, implicam, necessariamente, o agir comunicativo (HABERMAS, 1993, p. 105).

Como coordenação de ação comunicativa, a gestão pode ajudar a instituição educativa a traduzir as determinações do mundo contemporâneo em conteúdos que devem ser trabalhados no formato do agir com os outros, ao modo de uma ação comunicativa, baseada na colaboração e na cooperação entre os envolvidos. O conhecimento, aqui, assume a conotação de entendimento de sujeitos sobre fatos, normas e práticas, articulados à realidade da vida e organizados linguística e culturalmente. O conhecimento, visto como uma relação social educativa, resulta de entendimentos racionalmente produzidos, portanto, distinto do sentido dogmático do saber. Sua apropriação, em uma perspectiva comunicativa, assume o caráter de relação de intersubjetividade de pessoas que buscam se entender sobre o mundo. A relação professor-estudante, como uma ação comunicativa, exige que eles se entendam entre si acerca do signifi cado dos conhecimentos que são ensinados/apropriados. É possível afi rmar que, em última instância, a gestão é responsável pelo processo de formação humana dos componentes da instituição na qual ela ocorre.

A razão de ser da gestão da educação consiste, portanto, na garantia de qualidade do processo de formação humana – expresso no projeto político-pedagógico – que possibilitará ao educando crescer e, através dos conteúdos do ensino, que são conteúdos de vida, hominizar-se, isto é, tornar-se mais humano (FERREIRA, 2000, p. 309).

Para tanto, torna-se necessário que a realidade dos sujeitos integrantes do processo educativo seja argumentativamente submetida à crítica, caminho propício para a consolidação de uma ação orientada para o entendimento sobre o papel da educação na realidade. Ações consensuais motivadas racionalmente e orientadas pelo entendimento podem contribuir para transformar a instituição educativa em uma instância de interação comunicativa, na qual o trabalho pedagógico tem por fi nalidade mais ampla formar sujeitos competentes para agirem de forma comunicativa e socialmente responsável.

Nessa direção, algumas condições devem ser observadas: a apresentação livre de qualquer coerção dos pontos de vista que estudantes, professores, pais, funcionários e gestores considerem

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verdadeiros, justos e sinceros, mas que possam ser criticados e até alijados do debate pelos demais componentes da comunicação; a compreensão de que todos são ouvintes e falantes, quer dizer, todos devem ouvir o que os outros dizem como também têm o direito de apresentar opiniões; a criação de um clima de cooperação, sem intrigas, sem constrangimentos, enfi m, um clima de democracia centrada na comunicação.

O importante não se resume em apresentar ideias, mas sim, argumentar ou contra-argumentá-las em busca do entendimento. Nesse sentido, indivíduos e grupos afi rmam suas posições particulares, que são confrontadas com as posições dos demais para o entendimento ser possível. A gestão da educação, pautada no entendimento, não carrega compromissos com planos de ações individuais, mas com aqueles que resultam de um acordo alcançado comunicativamente.

No momento em que o falante assume, através de sua pretensão de validez criticável, a garantia de aduzir eventualmente razões em prol da validade da ação de fala, o ouvinte, que conhece as condições de aceitabilidade e compreende o que é dito, é desafi ado a tomar uma posição, baseado em motivos racionais; caso ele reconheça a pretensão de validez, aceitando a oferta contida no ato da fala, ele assume a sua parte de obrigatoriedades decorrentes do que é dito, as quais são relevantes para as consequências da interação e se impõem a todos os envolvidos (HABERMAS, 1990, p. 82).

A tarefa da gestão, como ação comunicativa, pressupõe o desenvolvimento da crítica sobre as formas como a linguagem está sendo empregada no interior de uma instituição educativa, vista em toda a sua complexidade e contraditoriedade. Avulta, então, a necessidade de gerir a instituição educativa, com o objetivo de superar o sentir, o pensar e o agir fundados no individualismo, no isolamento e na competição, características do mundo atual. Isso pressupõe a superação de posições centralizadoras e individualistas para o surgimento de posições que valorizem o diálogo, a discussão, a compreensão, enfi m, a palavra. Esse é o caminho para a gestão ajudar os indivíduos a recuperarem o seu papel de sujeitos históricos.

A palavra é o veículo que possibilita o envolvimento da pessoa com as outras do seu tempo e com o mundo. É um instrumento de pronunciar o mundo por meio do diálogo. É ação e refl exão, o que nos faz lembrar deste poema de Paulo Freire:

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Argumentamos no sentido de que a gestão, como ação comunicativa, tem condições de potencializar a razão interativa, incentivando a relação das pessoas com elas mesmas, com os outros e com o mundo, tratando-as como portadoras de direitos e deveres iguais e participantes de uma comunidade comunicativa, cuja fi nalidade maior consiste na busca de um consenso sobre a melhor educação para a população.

O gestor, aqui, exerce um poder sem ser autoritário, pois resulta de um acordo coletivo e, como tal, de responsabilidade de todos. O importante é que ele mobilize a formação de uma rede para pressionar a resolução dos problemas da instituição em seu conjunto. Trata-se, então, de transformar a opinião pública em um poder comunicativo, cuja fi nalidade consiste em orientar, e não, controlar o trabalho educativo.

Assim, o gestor deve desenvolver uma competência comunicativa e, através dos atos de fala, procurar entender-se argumentativamente com outros participantes da interação linguística. Por interação entendemos a esfera em que normas sociais se constituem a partir da convivência entre sujeitos capazes de se comunicar e de agir. É baseado nesse argumento que o gestor assume papel relevante na organização de uma instituição comunicativa, capaz de formar sujeitos comunicativamente competentes, o que exige que se eliminem, pelo processo formativo, as formas distorcidas de comunicação, desenvolvendo processos de aprendizagem que possibilitem, por meio da comunicação, encaminhar as pessoas rumo à emancipação. Isso signifi ca dizer que o engajamento dos indivíduos na gestão, via argumentação, é condição fundamental para resistir às formas de dominação.

Nesse cenário, à instituição educativa não faz falta um chefe, um administrador, mas um educador que, mesmo vinculado ao poder estatal, tenha compromisso com o desenvolvimento de um projeto educativo orientado pela razão comunicativa, usando a linguagem como diálogo

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Dizer a sua palavra

Na verdadese dizer a palavra é transformar o mundo,

se dizer a palavranão é privilégio de alguns homens,

mas um direito das pessoas,ninguém pode dizer sozinho a palavra.

Dizê-la sozinho signifi cadizê-la para os outros,

uma forma de dizer sem eles e,quase sempre, contra eles.Dizer a palavra signifi ca,

por isso mesmo, um encontro de pessoas.Este encontro

que não pode realizar-se no ar,mas tão-somente no mundoque deve ser transformado,

é o diálogoem que a realidade concreta aparece

como mediadoradas pessoas que dialogam.

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intersubjetivo, com a fi nalidade de contribuir para a formação integral das pessoas. O gestor é um profi ssional obrigado a entender-se com os demais componentes da instituição em que trabalha sobre o fazer educativo, contribuindo para que todos desenvolvam sua capacidade de falar e de agir, no sentido de transformar a instituição em uma comunidade comunicativa.

Nesse caso, o poder consiste na expressão de um processo de formação da opinião e da vontade, no qual interesses diversos são discutidos, analisados, criticados e transformados em um consenso que sintetiza uma multiplicidade de vontades e razões. O poder resulta do consenso a respeito das regras que vão reger as discussões e as formas de participação dos componentes do grupo, devidamente fundamentadas e justifi cadas. Uma vez decididas as regras da participação, cabe ao grupo normatizá-las e segui-las. Elas só poderão ser alteradas no decorrer do processo por decisão do próprio grupo.

Estamos, pois, desenhando uma gestão voltada para um novo tempo, o tempo da comunicação, da interação, o que signifi ca caminhar em direção a uma nova concepção de poder, não mais assentado no sujeito, mas na intersubjetividade, na solidariedade e na justiça social. Estamos falando de uma gestão capaz de lutar para aperfeiçoar as suas formas de agir em direção a práticas cooperativas preocupadas com uma educação emancipadora, cujo potencial pode estar embutido no agir comunicativo, caminho viável de reversão do autoritarismo em democracia.

Portanto, conceber a gestão como um agir comunicativo; uma coordenação de ação que instiga os participantes a interagirem e a se entenderem entre si, em torno de um projeto educativo, exige pensá-la na relação com a Tecnologia da Informação e da Comunicação. É importante a gestão colocar todos os instrumentos interativos possíveis a serviço do projeto educativo, para favorecer a criação de uma rede colaborativa formada pelas pessoas que atuam na instituição. O objetivo principal dessa articulação, por meio da rede tecnológica, consiste em conectar todos os “nós” para integrar as pessoas e para organizar, armazenar e produzir informações institucionais necessárias à gestão como um agir comunicativo.

Nesse ponto, a gestão de instituições educacionais precisa estar antenada com questões da atualidade, uma vez que deve pensar a realidade de forma transcendental, compreendendo o real em interface com o virtual. Trata-se de uma gestão preocupada com o desenvolvimento da inteligência coletiva, que se constrói e se reconstrói através do diálogo entre saberes diversos, direcionados à formação de consensos, na perspectiva de construir o entendimento, o que pressupõe a existência de um espaço democrático. “A construção da inteligência coletiva não pode prescindir das ferramentas do ciberespaço, dado que elas possuem um papel fundamental no processo de apropriação e disseminação de informações, bem como na interface entre o mundo real e o virtual” (BRENNAND, 2001, p. 145).

Por meio da comunicação virtual, é possível superar o isolamento e vivenciar um sentimento de pertença, de sentir-se parte, o que somente acontece em função da comunicação. Dessa forma, a interatividade modifi ca a qualidade da aprendizagem e se constitui como um elemento fundamental para a realização de uma educação entendida

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como um conjunto de pressupostos teórico-metodológicos que, ao agir no espaço das interações humanas, seja propiciador de experiências sócio-cognitivas positivas capazes de conduzir os indivíduos na redefi nição do seu olhar sobre os processos sócio-político-econômicos e implementar ações rumo a uma sociedade mais justa, igualitária e solidária (BRENNAND, 2001, p. 149).

Diante dessa questão, é possível afi rmar que o uso das tecnologias da informação e da comunicação se coloca a serviço da construção do agir comunicativo, evidenciando que a compreensão da complexidade do sistema social e suas múltiplas determinações pode ser modifi cada e ampliada por intermédio das realidades virtuais. Coloca-se, assim, a defesa do uso das tecnologias da informação e da comunicação para o desenvolvimento da autonomia dos sujeitos.

Assumir a gestão democrática como um agir comunicativo exige entendê-la como uma ação coletiva construída discursivamente por pessoas livres de coerção e que tenham por objetivo chegar a um acordo sobre os destinos da educação em um determinado espaço educativo. É importante destacar que a ação coletiva só tem condições de ser efetivada depois de se convencer cada participante quanto ao conteúdo da proposta educativa e de terem sido vencidos os diferentes pontos de vista por meio do debate e da argumentação.

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AULA 3: REVISITANDO O CONCEITO DE AUTONOMIA

Na aula 2, o estudo sobre Gestão Democrática indicou que tal concepção está estritamente vinculada ao conceito de autonomia e de participação e ao sentido da estrutura organizacional como espaço de comunicação. Compreendemos que essas temáticas já foram abordadas no âmbito dos <estudos feitos sobre a política> e a legislação educacional brasileira.

O objetivo desta aula é o de discutir a autonomia como um elemento constituinte da gestão democrática. A refl exão inicial que a palavra evoca refere-se à temática da liberdade, entendida como um valor intrínseco ao ser humano, segundo o qual o homem nasceu para ser livre, autônomo e não tutelado. Assim, agir de forma autônoma signifi ca ter a capacidade de reger-se por si mesmo. Como autonomia supõe liberdade, não pode ser sinônimo de independência nem de soberania.

Para Kant (1997), a autonomia consiste no fundamento da dignidade da natureza humana e racional. É a capacidade que o ser humano tem de autodeterminar-se, de construir a si mesmo, com base em critérios que a própria razão estabelece. A autonomia outorga ao “ser humano” o direito de ser “humano”, ou seja, a libertação para sua humanidade.

A primeira forma de liberdade do homem concretiza-se na sua independência diante das injunções advindas do mundo exterior. O ser livre, autônomo é aquele que reage às determinações do mundo exterior de forma orientada pela razão - aí reside a libertação. A autonomia defi ne-se como o processo de libertação do ser humano em relação ao determinismo da natureza e dos seus próprios instintos, no sentido de que o homem seja ele mesmo a partir do mais íntimo de si, o que signifi ca sua capacidade de agir de acordo com a sua individualidade, na perspectiva da autoconstituição, da subjetividade e da autossufi ciência.

Essa refl exão sobre autonomia remete-nos a pensar sobre o que Habermas (2004) orienta a respeito da questão, a partir de Kant. Para ele,

a autonomia não é um conceito distributivo e não pode ser alcançado individualmente. Nesse sentido enfático, uma pessoa só pode ser livre se todas as demais o forem igualmente. A idéia que quero sublinhar é a seguinte: com sua noção de autonomia, o próprio Kant já introduz um conceito que só pode explicitar-se plenamente dentro de uma estrutura intersubjetiva (HABERMAS, 2004, p. 13).

São as interações comunicativas que podem possibilitar a construção de uma insituição educativa autônoma, orientada por um projeto crítico e emancipador. Assim, podemos dizer que a possibilidade efetiva da autonomia da instituição educativa fi ca condicionada à autonomia dos seus componentes e às práticas intersubjetivas capazes de validar pretensões construídas em um processo de comunicação, isento de qualquer tipo de coerção.

Retorne às Trilhas do Aprendente – Volume 3 – Componente Curricular: Políticas e Educação Infantil – Aula 11, para recordar a questão da autonomia.

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Habermas (2002), ao defender a sociedade como uma instância formada por sujeitos que são, ao mesmo tempo, indivíduos e cidadãos, considera a autonomia como privada e pública. De acordo com a primeira, os indivíduos decidem como se benefi ciam dos direitos subjetivos de que dispõem; na segunda, eles defi nem os direitos que cabem a eles mesmos e aos outros e em que medida tais direitos podem ser executados.

A autonomia privada pode ser explicada como a capacidade humana manifestada na afi rmação do indivíduo no convívio social. Está fundada na natureza própria da pessoa, considerada como um ser capaz de criar livremente normas de conduta e de guiar-se pelas que são criadas por outras pessoas e aceitas por ela.

Do ponto de vista público, a autonomia consiste na capacidade dos cidadãos de se entenderem sobre os interesses privados por meio do diálogo e formularem consensos comunicativamente construídos e socialmente válidos. Assim, entende-se que a autonomia não se defi ne nessas circunstâncias pelos indivíduos, isoladamente, mas pelo entendimento dos participantes do grupo em função de objetivos a ser alcançados socialmente. Isso signifi ca entender o homem como um indivíduo e um ser de relações. Nessas circunstâncias, os sujeitos vão forjando a própria autonomia, pois

[...] ninguém é sujeito da autonomia de ninguém [...] a gente vai amadurecendo todo dia, ou não. A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser. Não ocorre em data marcada. É nesse sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas de liberdade (<FREIRE>, 1996, p. 107).

A Democracia Procedimental admite a coexistência entre a autonomia privada e a pública e rejeita a supremacia de uma sobre a outra, como no Estado Liberal – em que o privado se sobrepõe ao público – e no Estado Social – em que acontece o processo inverso.

Para Habermas (2002), as autonomias privada e pública são interdependentes. Há uma conexão interna entre elas. Os cidadãos só podem fazer uso adequado de sua autonomia pública, como algo garantido por meio de direitos políticos, se forem capazes de exercer a sua autonomia privada igualmente protegida pelo Estado.

Na esteira do pensamento habermasiano, podemos falar de uma autonomia “cidadã”, que só acontece na convivência humana de forma que possa garantir a liberdade de todos.

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Fonte: <http://1.bp.blogspot.com/_Nk_aWlFCzEY/R42y8nQb0fI/AAAAAAAACPw/OFo9_tN5yKY/s400/paulo+freire.jpg>

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Assim, o conceito de liberdade está ligado à vivência coletiva, interpessoal. Portanto, “somos livres com os outros, não, apesar dos outros” (RIOS, 1982, p. 77). A liberdade consiste em uma relação e, como tal, constrói-se permanentemente. O próprio signifi cado de liberdade pressupõe regras de reciprocidade. Por isso podemos afi rmar que a autonomia signifi ca a liberdade de as pessoas agirem como indivíduos-cidadãos capazes de respeitar a liberdade dos outros – também livres e autônomos –, independentemente de uma vontade externa. O conceito de autonomia só pode ser explicitado plenamente no contexto de uma estrutura intersubjetiva.

Com efeito, é possível afi rmar que não podemos ser livres enquanto em nosso entorno existirem oprimidos. A possibilidade de o “Eu” se constituir como ser autônomo requer o reconhecimento do “Outro” enquanto ser livre. Ser autônomo exige um posicionamento contra a dependência, no sentido de que as regras e orientações de um grupo social sejam criadas pelos próprios sujeitos da situação, sem imposições externas.

Dessa forma, “a liberdade é concebida como o modo de ser, o destino do homem, mas por isso só pode ter sentido na história que os homens vivem” (FREIRE, 1981, p. 6-7). A humanização do mundo exige uma ação cultural libertadora, que se apresente por meio de um projeto humanista e libertador, que possibilite o repensar a cultura e os modelos de racionalidade intrínsecos à sociedade. Em tal contexto, o homem, como criador da História e da Cultura, tem liberdade de poder exercer seus direitos, sobretudo o de se expressar livremente, o que pressupõe responsabilidade com os próprios atos e com as consequências que eles podem gerar.

A autonomia, vista por esse ângulo, contrapõe-se à alienação e coloca-se a serviço da conscientização humana, que implica o fato de os homens assumirem o papel “de sujeitos que fazem e refazem o mundo. Exige que os homens criem sua existência com um material que a vida lhes oferece” (FREIRE, 1980, p. 26). Isso signifi ca ter consciência histórica e compromisso e estar inserido, criticamente, na realidade em suas múltiplicas dimensões.

O direito que a pessoa tem de agir, sem constrangimento de qualquer força externa, exige que ela entenda a autonomia no campo da Ética. “O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético, e não, um favor que podemos ou não conceder uns aos outros” (FREIRE, 1996, p. 59). Então, a pessoa tem o direito de exigir que as suas diferenças sejam respeitadas e o dever de aprender a respeitar as diferenças dos outros. Eis aí, sem dúvida, o caminho para a construção da Ética, em direção ao combate de todos “os estereótipos e preconceitos de cor, raça, gênero, usos e costumes etc. Por isso, o conceito de autonomia é indispensável como complemento da equidade” (GADOTTI, 1992, p. 66).

Na verdade, “o que cria e mantém uma instituição autônoma é o sujeito que a institui e garante sua existência. Sem sujeito uma estrutura não tem vida e pode, quando muito, ser algo a facilitar ou difi cultar a ação dos seres humanos concretos que a utilizam” (SILVA, 1996, p. 69). Estamos falando de um sujeito como um ser relacional, portanto, membro de um determinado grupo social. Em tal relacionamento, o sujeito se defi ne individualmente e como um elemento de um grupo que se torna sujeito coletivo, na medida em que é composto por sujeitos individuais. Portanto, só é possível entender o verdadeiro sentido do sujeito quando inserido em um coletivo de pessoas, ou seja, como constituinte do sujeito coletivo.

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A realidade humana confi gura-se como uma relação recíproca entre o mundo subjetivo e o mundo objetivo. O ser só chega a ser autônomo no contexto de um mundo no qual as instituições e as estruturas estejam comprometidas com a liberdade. As instituições sociais tornam-se mediações necessárias para a conquista da autonomia do ser humano de tal forma, que é impossível pensá-la fora do plano individual e social.

Nesse sentido, podemos conceber a construção da autonomia humana tendo como horizonte um projeto de sociedade comprometido com o processo de humanização. Contudo, isso não ocorre de forma espontânea, é preciso haver um trabalho intencional, sistemático e voltado para a criação de seres autônomos, o que pede uma ação educativa indissoluvelmente vinculada a tal fi nalidade.

Depois dessa breve reflexão sobre o significado de <autonomia> do ser humano no campo privado e no público, vamos tentar verifi car como instituições educativas entendem essa questão. Para início dessa conversa, recortamos de uma entrevista de diretor de escola à Revista Gestão em Rede, cuja temática girava em torno das possibilidades de como alcançar a autonomia na escola pública, a seguinte abordagem:

A autonomia, por sua vez, deve ser vista como um conjunto de possibilidades e limites, ancorados na lei, para fazer valer o processo participativo da comunidade escolar. Importante ressaltar que a autonomia não desobriga o Estado de garantir a manutenção das escolas, exercendo uma constante avaliação, supervisão e cumprimento da lei. Essa autonomia se dará nos aspectos pedagógico, administrativo e fi nanceiro. Munida de autonomia pedagógica, a escola implementará seu plano político-pedagógico, sintonizado com a política educacional e as normas do sistema de ensino da rede pública estadual (Gestão em Rede, março 2000, p. 11-13).

Vamos tentar interpretar um pouco a fala desse diretor, no que tange às dimensões pedagógica, administrativa, fi nanceira e jurídica da autonomia. Entendemos que a dimensão pedagógica defi ne-se, “essencialmente, pela explicitação de um ideal de educação que permita uma nova e democrática ordenação pedagógica das relações escolares” (AZANHA, 1993, p. 43). Envolve o poder decisório, relativo à melhoria do trabalho pedagógico e à liberdade de ensino. Diz respeito às questões do ensino e de aprendizagem, base fundamental para a formulação, a execução e a avaliação do Projeto Político-pedagógico em sintonia com as políticas públicas educacionais vigentes. Está vinculada à missão, à identidade e à função da instituição educativa.

No âmbito administrativo, a autonomia refere-se à possibilidade de organizar a instituição educativa, respeitando a sua história e a sua inserção no contexto socioeconômico político e cultural. Ocupa-se da organização institucional, com destaque para a modalidade de gestão empregada e suas relações com o sistema educativo central e com a comunidade da qual faz parte.

O aspecto fi nanceiro da autonomia pressupõe competência da instituição educativa para

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Acesse a versão on-line do Módulo II do PROGESTÃO no site: <http://issuu.com/raymar/docs/2ce/67> e confi ra as informações relativas a como construir a Autonomia na Escola, p. 67-96.

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lidar com recursos fi nanceiros, visando à garantia das condições de funcionamento adequado às necessidades da comunidade. Pode ocorrer de forma mais global, quando a instituição administra todos os recursos, e parcial, quando administra apenas parte dos recursos repassados.

A autonomia jurídica traduz a possibilidade de, mesmo estando vinculada ao sistema de ensino, a instituição educativa ter condições de elaborar e questionar suas próprias normas e diretrizes e modifi cá-las, instituindo novas determinações legais. Isso acontece de forma mais permanente por ocasião da elaboração de calendários de aulas; de programação de férias, de matrícula e de transferência; de admissão de professores; de transferência de estudantes; de elaboração do regimento e do estatuto, entre outros.

O exercício da autonomia demanda que as dimensões pedagógica, administrativa, fi nanceira e jurídica se desenvolvam de forma orgânica, o que, certamente, vai favorecer o fortalecimento da responsabilidade da comunidade com o trabalho educativo institucional e o reconhecimento do Estado de que o poder centralizador que dita normas e exerce o controle técnico-burocrático precisa ser alterado.

A autonomia pode ser tratada como a possibilidade e a capacidade de a instituição educativa construir, de forma participativa, um projeto educativo voltado para os interesses das comunidades interna e externa. A possibilidade está ligada à viabilidade, isto é, a mecanismos que transformem o ideal de autonomia em prática. A ideia de capacidade remete à necessidade de a instituição educativa recriar as políticas educacionais à luz da sua realidade, por meio de uma ação coletiva e solidária consolidada no projeto político-pedagógico e oferecer subsídios para que essas políticas incorporem elementos da sua realidade.

(...) O que se requer dos educadores, para essa tarefa, é, fundamentalmente, competência; construir ética e politicamente a autonomia não teria signifi cado se não se aliassem à perspectiva ético-política a dimensão técnica, o domínio seguro do conhecimento específi co, a utilização de uma metodologia efi caz, a consciência crítica e o propósito fi rme de ir ao encontro das necessidades concretas de sua sociedade e de seu tempo (RIOS, 1993, p. 18).

O estudo sobre a autonomia sugere, também, uma abordagem sobre heteronomia e anomia - estágios reveladores de diferentes tipos de autonomia vividos pela instituição educativa. Na perspectiva da heteronomia, ela se coloca em uma dependência total da administração, subordinando todo o seu trabalho educativo a decisões fora da sua atuação, ao que está previsto, legalizado, enfi m, determinado. Além do mais, para os casos não previstos, solicita orientação de como proceder, o que signifi ca pautar seu trabalho na obediência.

No caso da anomia, a instituição não cumpre o determinado nem também produz normas e valores; vive sob a orientação de rotinas e, por vezes, sob o comando do livre-arbítrio individual. Não respeita as normas existentes e desvia o trabalho educativo dos objetivos geralmente aceitos pelo grupo.

Em algumas situações, a autonomia confi gura-se como a disposição de decidir sobre questões marginais, situadas no domínio extracurricular ou da relação com o meio - sem dúvida, agir importante, mas insufi ciente para criar uma cultura de autonomia. Está fora do seu alcance

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o poder de decidir sobre questões curriculares e sobre todas as outras que defi nam os rumos da educação da população no âmbito institucional.

Ainda existe a instituição que pratica uma autonomia revestida de certa clandestinidade, traduzida por Lima (1992) por “infi delidades normativas”: trata-se do fato de ela adaptar as normas estabelecidas aos seus objetivos. Isso ocorre, fundamentalmente, em questões relativas à aquisição de materiais ou equipamentos em face das rubricas orçamentárias, bem como em alterações de horários docentes. Em algumas situações, tal forma de agir implica um risco, mas, em geral, essas “infi delidades” são mais ou menos aceitas pelas administrações regional e central.

Sabemos da existência de instituições educativas que têm conseguido avançar na perspectiva de não depender somente dos órgãos centrais e intermediários que defi nem a política da qual elas são, historicamente, meras executoras. Revelam-se capazes de conceber, executar e avaliar o seu Projeto Político-pedagógico; assumem uma nova atitude de liderança materializada na sua capacidade de refl etir sobre as fi nalidades sociopolíticas e culturais, levando em conta as políticas públicas vigentes e as orientações dos sistemas de ensino.

Podemos assim afi rmar que a autonomia anula a dependência e exige a criação de regras e orientações pela própria instituição, sem imposições externas. Defi ne-se como um valor relativo determinado em uma interação social. Afi nal, não é uma política, mas o sustentáculo de uma instituição educativa que pretende desenvolver uma gestão democrática. O exercício da autonomia possibilita afl orar a singularidade da instituição educativa.

É importante destacar que, para ser autônoma, a instituição educativa deve assumir que o “ato de educar tem como pressuposto ético a autonomia de quem educa” (AZANHA, 1993, p. 42) e de quem é educado. A autonomia do educador e a do educando constituem-se como um instrumento de luta por uma educação democrática, o que sugere que o trabalho pedagógico seja desenvolvido por seres autônomos, a fi m de formar outros seres autônomos. De acordo com tal entendimento, a autonomia da insituição educativa transforma-se em uma obra a ser construída por sujeitos autônomos.

A autonomia aqui discutida é uma obra em construção e, como tal, exige dos seus construtores a compreensão de que essa é uma situação aberta e em movimento. Assim, a autonomia das pessoas pode ser construída na perspectiva do agir comunicativo. Para tanto, os espaços educacionais podem possibilitar que os sujeitos façam a afi rmação, apresentem proposições e revelem posicionamentos que considerem verdadeiros, mas sejam capazes de aceitar críticas e refutação dos demais participantes da comunicação. Todos os componentes da instituição educativa devem ser considerados ouvintes e falantes, ou seja, todos devem escutar o que os outros dizem, como também têm o direito de expor suas opiniões em um clima de cooperação, sem ameaças, sem constrangimento e sem autoritarismo, enfi m, em um clima de entendimento, o que somente acontece por meio da participação.

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AULA 4: REDESENHANDO A PARTICIPAÇÃO

Estudos feitos em componentes curriculares percorridos em Trilhas anteriores anunciaram que a <participação> é o principal meio para assegurar a Gestão Democrática, conforme as determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96. Esse tema, também, perpassou as <três primeiras aulas> deste componente curricular, com destaque para a primeira, na qual afi rmamos que participar signifi ca contribuir para construir, de forma comunicativa, um plano consensual de ação coletiva, comprometido com a formação e a socialização do ser humano. Subjacente a essa discussão, está o conceito de participação, diretamente vinculado ao de autonomia, portanto, como oposição às formas autoritárias de tomada de decisão.

A tomada de decisão é um processo complexo que, basicamente, exige dos participantes o conhecimento da situação-problema, em todas as suas dimensões, ou seja, o conhecimento do objeto da decisão e o estudo das possíveis alternativas para resolvê-la. Em geral, o caminho adotado, na nossa realidade educacional, consiste em que a tomada de decisão e a passagem do que foi decidido para a ação acontecem de forma autoritária. As decisões são tomadas pelo gestor principal da instituição, quando muito, assessorado por um pequeno grupo de pessoas, restando à comunidade educativa aceitar ou resistir, de forma individualizada e desarticulada, ambas as reações inexpressivas face aos objetivos da democracia.

Em outros casos, o ato de decidir e a transposição das decisões para as ações acontecem “de forma participativa”. Essa participação ocorre em diferentes patamares, a saber:

1. Informação: os interessados recebem notícias das decisões tomadas ou de resultados já alcançados por meio de mensagens, boletins, comunicados, sem sequer comparecerem à escola;

2. Presença: forma menos intensa e mais marginal de participação; trata-se de comportamentos receptivos ou passivos, em que o indivíduo, embora indo à instituição, não põe sua contribuição pessoal (por exemplo, a presença em reuniões);

3. Ativação: quando a direção delega competência para a realização de alguma tarefa à APM, aos grêmios ou aos representantes de turma;

4. Participação: quando os envolvidos contribuem direta ou indiretamente para uma decisão política, administrativa ou pedagógica (NEVES, 1995, p. 104).

Os três primeiros patamares sinalizam para a participação como uma técnica de gestão,

Ver nas Trilhas do Aprendente – Volume 2 – Componente Curricular: Política Educacional - Aula 5 –, o que diz a Lei sobre participação.

Retorne à leitura das três aulas que constituem a primeira unidade deste Componente Curricular, destacando o modelo de gestão democrática que estamos tentando delinear.

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segundo a qual, basta as pessoas estarem juntas e serem colaboradoras e parceiras em alguma atividade para assumirem a identidade de participantes do processo educativo. Esse tipo de participação diz respeito à legitimação de decisões tomadas fora do espaço educativo e confi gura-se, frequentemente, como uma estratégia de não ou pouco envolvimento das pessoas com a ação. Revela, por parte dos sujeitos envolvidos, certa descrença nas possibilidades de que eles têm de infl uenciar nas decisões, ou uma recusa face à responsabilidade, notadamente, com os resultados das decisões tomadas. Em geral, as lutas e as reivindicações são transferidas para grupos ativistas ou participantes sindicais.

Em relação ao envolvimento na execução das tarefas planejadas fora do alcance dos participantes do processo, podemos considerar que tal forma de agir contribui para despertar neles o interesse e a vontade de cobrarem retorno de sua colaboração, o que ajuda a compreenderem a participação como um direito. Além do mais, participar da execução favorece a apropriação de informações e o domínio de dados sobre a instituição, procedimentos que podem auxiliar os participantes a se conscientizarem da dimensão dos problemas, da necessidade de seu envolvimento nas decisões e a ampliarem o poder de argumentar melhor as suas solicitações. A esse respeito, observamos que o desenvolvimento da participação, conforme está expresso na maioria das políticas públicas de educação, está “muito marcado por uma concepção de participação fortemente atrelada ao momento da execução” (PARO, 1998, p. 50).

O discurso da participação como direito, também, está presente em nossa realidade, com os mais diversos sentidos e em diferentes espaços sociais. No caso específi co da educação, muitas vezes, tem sido interpretado como o direito de responder a consultas feitas sobre questões administrativas, fi nanceiras e pedagógicas relativas ao rumo da educação. Podemos enumerar várias situações do cotidiano educativo, nas quais a participação acontece, no dizer de Habermas, numa perspectiva estratégica. Vejamos alguns casos, segundo Gutierrez (2004):

• Adiamento de decisões praticamente consensuadas, entre segmentos de um mesmo grupo de trabalho, sob o argumento da necessidade de ampliar a participação, envolvendo mais pessoas no processo discursivo, quando, na realidade, subjaz a esse procedimento a possibilidade de derrota de interesses individuais ou setorizados;

• Desprezo pelos interesses minoritários no momento em que a maioria, pela contagem de votos, obtém vitória de seus postulados;

• Mudanças no objetivo da participação: de um meio para a efetivação do trabalho coletivo para um fi m em si mesmo;

• Interferência e condicionamento do processo de tomada de decisões a pessoas ou a grupos externos ao contexto em que estão sendo construídas as propostas;

• Utilização de “médias” entre posições divergentes, de forma a não desagradar ninguém;

• Defesa de propostas participativas por chefes, diretores e políticos, não pelos objetivos das ações, mas pelo interesse de capitalizar ganhos ou prestígio pessoal face aos resultados obtidos;

• Utilização de medidas de descentralização administrativa como sinônimo de participação.

Fatos dessa natureza demonstram que nem toda decisão tomada de “forma participativa”

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pode ser considerada ética, o que não nos impede de afi rmar que “os processos participativos podem levar a decisões não apenas éticas, mas também mais efi cientes que qualquer outro processo” (GUTIERREZ, 2004, p. 13).

Em geral, a participação da comunidade na vida da instituição educacional ocorre por meio de Conselhos ou órgãos equivalentes com funções consultivas, deliberativas e fi scalizadoras guiadas pela orientação de que a hierarquia dos cargos deve ser substituída pela representatividade de interessados dos diferentes segmentos da comunidade educativa. As funções, em geral, são traduzidas em objetivos, tais como: assegurar a gestão democrática; zelar pela qualidade da educação; acompanhar, avaliar e fi scalizar o trabalho educativo; garantir formas de divulgar as atividades educativas na comunidade interna e externa; colaborar para manter a instituição educativa articulada à Secretaria de Educação, assegurando as condições necessárias ao seu bom funcionamento; adaptar as diretrizes nacionais, estaduais e municipais de educação à realidade local. Essas são atribuições que privilegiam, de certa forma, a dimensão executiva do trabalho educativo. A competência de cunho mais deliberativo refere-se à apresentação de propostas para o Projeto Político-pedagógico Institucional.

Outra forma de participação da comunidade na vida das instituições educativas consiste no seu envolvimento no processo da escolha de gestores, por meio da eleição direta, entendida como a alternativa mais democrática face às outras modalidades adotadas: a indicação livre pelos poderes públicos; a escolha do gestor a partir da meritocracia; a utilização do concurso público e a seleção por meio de listas de nomes indicados pela comunidade.

Adotar a proposta de eleição de gestor como a única garantia de democratização da instituição educativa signifi ca restringir o processo à simples substituição de pessoas no poder. Em geral, a luta pelas eleições diretas aparece na história da educação brasileira atrelada a reivindicações por melhoria das condições de trabalho. Nesse contexto, “visualizar a eleição como a ação terminal é incorrer no equívoco de negar o caráter histórico do processo, pois a eleição deve ser vislumbrada como instrumento a ser associado a outros na luta pela democratização possível das relações escolares” (DOURADO, 2001, p. 84) ou, ainda, o processo eleitoral é “apenas um recurso para melhorar a escola, não uma certeza. Tudo dependerá de um jogo de forças envolvidas, que não é função, obviamente, apenas da eleição do diretor” (PARO, 1996, p. 130).

A eleição de gestores não produz resultados tão rápidos para a democratização da educação como muitos desejariam. É preciso considerar seus limites e criar a consciência de que o autoritarismo, ainda hoje presente na educação, resulta de um conjunto de determinações que só poderão ser convenientemente atacadas quando se articularem ao processo eletivo mudanças profundas na própria estrutura educacional e nas relações que aí se desenvolvem. É importante considerar que a forma de provimento ao cargo pode não defi nir o tipo de gestão, mas, com certeza, interfere no seu desenvolvimento.

Estamos falando da participação por meio do voto e, em algumas situações, no envolvimento das pessoas na formulação das propostas de trabalho a ser defendidas, no decorrer do processo eleitoral, pelos candidatos à eleição para o cargo de direção, nos moldes da democracia representativa vivida no país e reproduzida no âmbito das instituições educativas. A democracia representativa, sem controle e acompanhamento da sociedade e da opinião pública - o que signifi ca

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dizer sem utilizar práticas de democracia direta (participação do indivíduo nas deliberações sem intermediários – assembleia dos cidadãos deliberantes) -, pode favorecer a permanência da centralização do poder, do desrespeito aos direitos dos cidadãos de participarem, entre outros.

A participação, no contexto das políticas públicas, parece confundir-se com medidas de descentralização administrativa que, embora possibilitem a ampliação da democracia interna, na realidade, restringem-se a transferir decisões centralizadas para serem efetivadas e controladas pelo nível hierárquico mais baixo do sistema educacional. Nesse caso, estão inseridas as propostas de descentralização das aquisições de alguns materiais e da contratação de pequenos serviços, cujo objetivo imediato consiste na redução de custos e na responsabilização dos envolvidos com os resultados obtidos, em detrimento da discussão sobre questões vitais, em torno das quais são decididos os rumos da educação.

Voltamos agora a discutir o quarto patamar da participação apresentado no início do texto - a participação como decisão - sob a ótica da democracia orientada pela Teoria do Agir Comunicativo. Então, como promover a participação na perspectiva da mencionada Teoria? O caminho parece ser defi nir procedimentos que possibilitem o envolvimento e o comprometimento de todos os segmentos com a construção de práticas coletivas de trabalho. Trata-se, portanto, de mudar a forma de como o poder é exercido no sentido de torná-lo um poder comunicativo, em substituição a um poder autoritário, o que signifi ca avançar, em termos qualitativos, não somente no que se refere ao processo de transformar a opinião e a vontade das pessoas em consensos, mas também, na mobilização de todos, visando à melhoria da integração humana. O importante não é participar segundo a regra da maioria, mas aperfeiçoar o nível discursivo do debate e expandir a oportunidade de participação para toda a comunidade educativa.

Fonte: <http://demarilia.edunet.sp.gov.br/CAPACITACAO%20EM%2021%20

MAIO%202009/Os%20Professores%20Coordenadores%20realizam%20trabalho%20

em%20grupo.JPG>.

Fonte: <http://2.bp.blogspot.com/_uMDy7NDv78E/SZQmKG6Ha5I/AAAAAAAADW4/3zox693V3qs/s400/Urna+de+voto+2.jpg>.

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Tal posicionamento exige entender-se que “a participação signifi ca aqui uma participação geral, a base da oportunidade igual, em processos discursivos de formação de vontade” (HABERMAS, 2002a, p. 167). Participar pressupõe a capacidade de a pessoa se engajar em um grupo, de modo a chegar a ser identifi cada e acolhida como membro dele. É, em última instância, a capacidade para dialogar.

Retomamos o signifi cado de participação como a contribuição livre de todas as pessoas envolvidas na construção discursiva de um plano de ação coletiva, com o objetivo de superar as práticas manipulatórias, ideológicas e de infl uência, próprias do agir instrumental. Em processos participativos, as deliberações constroem-se de forma argumentativa e são inclusivas, públicas e livres de coerções externas e internas que poderiam afetar a situação de igualdade dos participantes.

Tentando refl etir sobre como implantar práticas participativas que representem o esforço das pessoas em colaborarem com a construção de um plano de ação coletiva, vem à tona a necessidade de criar, no espaço educativo, um clima organizacional favorável ao agir comunicativo, portanto, capaz de incentivar e desenvolver práticas dialógicas entre sujeitos sociais desiguais. Um local no qual estudantes, pais, professores, funcionários e membros da comunidade, ao participarem da vida da instituição educativa, eduquem e sejam educados, tendo por horizonte a compreensão da educação como [...] “especifi cidade humana, como ato de intervenção no mundo” (FREIRE, 1996, p. 109).

É uma instituição que tenta se organizar com a certeza de que, no seu interior, podem ser alcançados níveis de interação cada vez mais participativos. Isso porque, através do diálogo, indivíduos e grupos têm condições de afi rmar e argumentar suas posições particulares, em confronto com as posições dos outros, para que o entendimento intersubjetivo e válido seja possível. Nesse processo, ocorre a transformação de um grupo de pessoas em um sujeito coletivo, com uma identidade comum, que tem um entendimento comum sobre a realidade; um grupo no qual os sujeitos se realizam como indivíduos e cidadãos e que “procura viver em comum-unidade, não necessariamente sob a mesma determinação geográfi ca. O que unifi ca é, principalmente, o juízo comum sobre a realidade” (SILVA, 1996, p. 95).

Talvez o caminho a ser trilhado nas instituições educativas não seja o de criar novos espaços, mas redimensionar os já existentes e possibilitar que seus componentes atuem como pessoas livres de coerções e busquem, discursivamente, alcançar acordos sobre os problemas cotidianos, tendo por referência o agir pautado nos princípios da igualdade e da justiça social. Dessa forma, certamente, estaremos avançando no sentido de romper com maneiras estratégicas e manipuladoras de interações. “No contexto estratégico, a busca discursiva do consenso, que integraria o grupo, é abandonada ou despotencializada e, em seu lugar, é instituída uma espécie de jogo, no qual é conhecido apenas o objetivo pessoal de maximização do acúmulo do poder e de moeda” (GUTIERREZ, 2004, p. 28).

No cenário do Agir Comunicativo, entendemos que, mesmo sem ser instâncias plenamente deliberativas, os colegiados institucionais podem estabelecer um novo padrão de relações entre as instituições educativas e a comunidade, abrindo a possibilidade para a implantação de uma nova cultura de gestão. Eles podem contribuir para a instalação de uma dinâmica comunicativa na instituição educativa, mesmo admitindo as interferências advindas de uma realidade marcada

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historicamente pelo autoritarismo. Em geral, a forma como a composição dos colegiados é defi nida sinaliza na direção de colocar a gestão da instituição educativa nas mãos de representantes das comunidades interna e externa, o que aponta para a perspectiva de constituição de um legítimo espaço público autônomo, que tem uma responsabilidade não escolar, não comunitária, mas pública, portanto, desvinculada de interesses privados.

Nesse caso, as pessoas privadas se reunem, como público, para debater publicamente assuntos de interesse geral da instituição educativa. Os colegiados teriam condições de funcionar como instâncias de controle e de legitimação do poder político, exercido no âmbito administrativo institucional. Nessa realidade, apenas a força do melhor argumento poderia decidir o resultado dos debates, e quaisquer outros recursos deveriam ser, em princípio, abandonados.

Emerge desse debate a compreensão dos colegiados como espaços públicos organizados no formato de redes voltadas para a discussão de questões públicas, envolvendo os participantes na qualidade de ouvintes e de falantes, portanto, sujeitos capazes de construir entendimentos sobre os problemas institucionais que devem ser normatizados e executados, sob a responsabilidade daqueles que participaram das decisões.

Para tanto, os participantes dos colegiados devem ser detentores das informações da instituição e capazes de apresentar e argumentar suas propostas, confrontando-as com as demais alternativas, e validar as respostas mais convincentes para todos, o que somente poderá ocorrer após o esgotamento de todas as proposições debatidas. Assim, se todos os participantes tiverem nas mãos informações sufi cientes e bons argumentos, poderão formular uma compreensão sobre as questões que necessitam resolver e os interesses que as sustentam, fi cando, portanto, em condições de decidir e de participar efetivamente.

A esse respeito, os colegiados têm um potencial a ser explorado no que tange ao fortalecimento da discussão coletiva, favorecendo argumentação e contra-argumentação, o que permite afl orar todas as possibilidades de ação, bem como o direito de os participantes avaliarem a alternativa mais apropriada e construírem um consenso em torno do que será resolvido.

Não estamos querendo expressar uma visão romântica de participação, mas entendê-la como o principal vetor da gestão democrática, como o Agir Comunicativo. Todavia, caminhar nessa direção exige que nos defrontemos com difi culdades que precisam ser enfrentadas e resolvidas gradualmente, entre elas, destacamos a necessidade de compreender e assumir o trabalho participativo com crença e competência política para lutarmos por melhores condições de trabalho no campo da educação. A primeira grande barreira a ser demolida parece ser a da generalização do agir estratégico do seio das instituições educacionais.

Por último, afi rmamos que participar signifi ca desenvolver a alteridade, a capacidade para se colocar no lugar do outro, mas também, “perceber o estágio de desenvolvimento moral de cada um dos participantes do diálogo para poder entender o tipo de interpretação dos valores e das regras a partir do qual o sujeito que emite a sentença constrói o seu raciocínio” (GUTIERREZ, 2004, p. 51).

É importante destacar que já existe um consenso da importância da participação para elaboração do Projeto Político-pedagógico da instituição educativa, objeto da nossa próxima unidade de estudo.

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UNIDADE II

COMO O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO PODE CONSTITUIR-SE EM UM INSTRUMENTO

DE GESTÃO DEMOCRÁTICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL?

AULA 5: COMPREENDENDO O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO NA PERSPECTIVA ESTRATÉGICO-EMPRESARIAL

O tema Projeto Político-pedagógico foi abordado nas <Trilhas do Aprendente – Volume 2>. Na aula 6, aprendemos que “o fazer” do Projeto Político-pedagógico (PPP) implica que se desenvolva um trabalho coletivo voltado para responder às questões: “O que queremos e o que pretendemos na educação?” “Qual será a nossa identidade como educadores(as) e educandos(as)?”. Aprendemos, também, que “o PPP é considerado um instrumento de renovação da escola e de suas práticas”.

Essas questões nos levam, inicialmente, a refl etir sobre o que é Projeto. A palavra Projeto, originária do latim projectu, particípio passado do verbo projicere, signifi ca lançar para a frente, lançar para o futuro incerto. Projetar refere-se à antecipação, pois o prefi xo pro signifi ca antes. Há outras formas de interpretar a palavra projeto: a ideia que orienta a execução ou a realização de algo no futuro; uma intenção de executar, de fazer; pensar o futuro diante do presente; buscar o possível; antecipar possibilidades; fazer previsão, criar uma realidade não existente, mas com possibilidade de tornar-se real ou, ainda,

Plano, intento, desígnio, empreendimento a ser realizado dentro de um determinado esquema: projetos administrativos, projetos educacionais; redação ou esboço preparatório ou provisório de um texto: projeto de estatuto, projeto de tese; esboço ou risco de obra a se realizar; projeto de cenário. (FERREIRA, 2000, p. 1639).

Pelo que foi dito até agora, projetar signifi ca defi nir uma ação intencionada, de forma explícita, dizendo claramente o que se pretende fazer de novo, rompendo com o presente. É um vir a ser, um devir humano e, simultaneamente, uma designação daquilo que será efetivado em futuro próximo; uma possibilidade de concretização. É o futuro que deve nortear o presente. Ao se comprometer com o futuro, ele converte-se em uma utopia, entendida como “a exploração de novas possibilidades e vontades humanas, por via da oposição da imaginação à necessidade do que existe, só porque existe, em nome de algo radicalmente melhor que a humanidade tem direito de desejar e porque merece lutar” (SANTOS, 1997, p. 323). Trata-se da capacidade humana de não aceitar a realidade imposta como algo defi nitivo e mutável, mas de defi nir metas capazes de transformar essa realidade de acordo com fi ns estabelecidos pelas pessoas envolvidas na ação.

Releia a Aula 6 do Componente Curricular – Política Educacional.

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Assim, entendemos que

todo projeto supõe rupturas com o presente e promessas para o futuro. Projetar signifi ca tentar quebrar um estado confortável para arriscar-se, atravessar um período de instabilidade e buscar uma nova estabilidade em função da promessa que cada projeto contém de estado melhor do que o presente. Um projeto educativo pode ser tomado como promessa frente a determinadas rupturas. As promessas tornam visíveis os campos de ação possível, comprometendo seus atores e autores. (GADOTTI; ROMÃO, 2001, p. 37).

Vamos, ainda, analisar os adjetivos, termos qualifi cativos, político-pedagógico. O projeto é político porque tem compromisso com a formação de pessoas para viverem em uma determinada sociedade. “A dimensão política se cumpre na medida em que ela se realiza enquanto prática especifi camente pedagógica” (SAVIANI, 1983, p. 93). Todo projeto pedagógico é obrigatoriamente político. “Poderíamos denominá-lo, portanto, apenas projeto pedagógico. Mas, a fi m de dar destaque ao político dentro do pedagógico, resolvemos desdobrar o nome político-pedagógico” (GADOTTI, 2001, p. 34).

O ato de planejar o trabalho educativo aparece na legislação educacional com diferentes nomenclaturas. Basta lembrar que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96 estabelece, em seu art. 12, inciso I, que “os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de elaborar e executar sua proposta pedagógica.” De acordo com essa determinação, a instituição educativa deve assumir a tarefa de refl etir acerca da concepção de sociedade e de educação e planejar ações que deem conta de tais ideias.

Além da terminologia “proposta pedagógica” (art. 12 e 13), aparecem as expressões “plano de trabalho” (art. 13) e “projeto pedagógico” (art. 14). Em alguns momentos, essas diferentes denominações provocam difi culdades de entendimento da questão. Compreendemos que proposta pedagógica, ou projeto pedagógico, trata da organização do trabalho educativo na totalidade da instituição, e o plano de trabalho relaciona-se à organização de outras atividades pedagógicas e administrativas, como o plano de atuação do gestor, do supervisor, do bibliotecário e de outros funcionários. O plano de trabalho pode ser entendido como o detalhamento da proposta ou do projeto pedagógico. Em alguns casos, o plano do professor é conhecido como plano de trabalho.

Para <Vasconcellos> (1999), “enquanto o Projeto Político-pedagógico diz respeito ao plano global da instituição, o Projeto de Ensino-aprendizagem corresponde ao plano didático” (pág. 97). Para ele, tal projeto pode ser subdividido, quanto ao nível de abrangência, em Projeto de Curso e Plano de Aula. O primeiro consiste na [...] “sistematização da proposta geral de trabalho do professor naquela determinada disciplina ou área de estudo, numa dada realidade.”

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Para aprofundar seus conhecimentos sobre essa questão, leia, no livro de VASCONCELLOS, a 3ª parte, item I. O livro está disponível no Polo Municipal de Apoio Presencial.

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(VASCONCELLOS, 1999, p. 133). Compreendendo a aula como espaço e tempo de aprendizagem, no qual o professor e o estudante se encontram para agir interativamente, planejar esse momento signifi ca organizar as ações didáticas direcionadas a um determinado contexto.

O Plano Nacional de Educação – <PNE> estabelece, na meta 09, destinada à Educação Infantil, que todas as instituições que oferecem essa modalidade de educação formulem, com a participação dos profi ssionais nela envolvidos, seus projetos pedagógicos.

A política educacional brasileira, nos últimos anos, tem estimulado as instituições educativas a elaborarem o Plano de Desenvolvimento da Escola, mais conhecido como <PDE>, identifi cado como planejamento efi caz. Nesse sentido, todo planejamento está montado na perspectiva do planejamento estratégico, o que pressupõe programar a Instituição, em sua totalidade, a partir de suas fragilidades e potencialidades para alcançar o desempenho almejado de acordo com parâmetros estabelecidos fora do domínio do espaço educativo.

O Plano de Desenvolvimento da Escola é um processo gerencial de planejamento estratégico que a escola desenvolve para melhoria da qualidade do ensino, elaborado de modo participativo com a comunidade escolar (equipe escolar e pais de alunos). O PDE defi ne o que é a escola, o que ela pretende fazer, onde ela pretende chegar, de que maneira e com quais recursos. É um processo coordenado pela liderança da escola para um alcance de uma situação desejada, de uma maneira mais efi ciente e efi caz, com a melhor concentração de esforços e de recursos (XAVIER; AMARAL SOBRINHO, 1999, p. 19).

Nesses moldes, o planejamento estratégico é entendido como um processo cuja fi nalidade mais ampla consiste em produzir decisões e ações orientadoras da maneira de ser e de agir da organização escolar, em termos de resultados, na perspectiva de futuro. Tal forma de planejar

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Para saber um pouco mais sobre o PNE, acesse o site: <http://porta l .mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/pne.pdf>.

Para aprofundar seus conhecimentos sobre o PDE, consulte o site: http://portal.mec.gov.br/pde/

Fonte: <http://3.bp.blogspot.com/_PebrBeZhcE0/

ShmdJzdYmmI/AAAAAAAAAWQ/FfuwnXV6Vcg/s400/FBIII+021.

jpg>.

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tem como lastro o esforço de um grupo para alcançar as pretensões emanadas de vários centros de decisões e de diferentes atores. Nessas circunstâncias, o ato de planejar parece servir para transformar a instituição educativa em um espaço empreendedor e competitivo, como ocorre com as empresas de sucesso.

Em geral, o PDE está organizado em duas partes. A primeira é chamada de visão estratégica e tem por fi nalidade explicitar a percepção que a instituição educativa tem do seu passado, da sua atualidade e do seu futuro. Consiste na revelação do conhecimento que a instituição tem de si mesma e dos caminhos que pode e deseja percorrer. Conceber a visão estratégica implica defi nir valores (ideias, convicções e crenças que vão orientar e inspirar o trabalho educativo); visão de futuro (descrição do futuro que a instituição pretende atingir); missão (declaração da razão de ser da instituição); objetivos estratégicos (indicação dos alvos prioritários a ser perseguidos).

A segunda parte se identifi ca como plano de suporte estratégico. Sua elaboração tem como ponto de partida os objetivos estratégicos que serão desdobrados em estratégias (o que a instituição deve e pode fazer para alcançar tais objetivos); metas (resultados que se esperam alcançar em termos quantitativos e mensuráveis); planos de ação (detalhamento das metas em ações).

A elaboração e a implementação do PDE exigem uma estrutura composta por um Grupo de Sistematização formado pela liderança institucional, composta pela direção, vice-direção, coordenação e secretaria, podendo contar com professores. Não fazem parte desse grupo representantes da comunidade externa. Compõem ainda essa estrutura o Comitê Estratégico, constituído pelo Grupo de Sistematização e pelo Conselho da Instituição. Quando este último não existir, a instituição deve incluir representantes dos pais, professores e estudantes. Tal Comitê representa uma instância máxima de acompanhamento e de controle do desenvolvimento do PDE.

Essa estrutura é coordenada por um participante do Grupo de Sistematização indicado pelo diretor e aprovado pelo citado grupo. O coordenador tem por responsabilidade secretariar o grupo de sistematização, responder, com a direção, pelo andamento das ações e coordenar o processo de elaboração, execução, acompanhamento e controle do plano. Na maioria das vezes, essa função é exercida pelo coordenador pedagógico.

Compõem ainda essa estrutura os líderes de objetivos estratégicos: participantes selecionados pelo Grupo de Sistematização para coordenar as ações propostas para a concretização de cada um dos citados objetivos. O número de lideres está vinculado ao quantitativo de objetivos estratégicos.

Cada um dos objetivos estratégicos é detalhado em várias metas de melhoria, para as quais devem ser elaborados planos de ações específi cas, ou seja, cada meta tem um plano de ação e um gerente. O número de gerentes corresponde ao número de metas.

Os Planos de Ação têm uma equipe constituída por pessoas indicadas pelos gerentes das metas de melhoria com o número variado de acordo com a amplitude do trabalho. O critério para a indicação das pessoas consiste na competência técnica e na vinculação com problemas a ser solucionados.

A elaboração e a implementação do PDI exige uma etapa de preparação da instituição

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educativa, que consiste na defi nição da metodologia a ser seguida, na identifi cação das responsabilidades, no estudo do manual e na divulgação do processo, para que a comunidade tome conhecimento do que vai acontecer no decorrer do processo de planejamento. Em seguida, serão vividas mais quatro etapas: a análise situacional (diagnóstico que envolve o levantamento e a análise de dados, visando à compreensão do que está sendo feito e do que poderá ser feito); a defi nição da visão estratégica e do plano de suporte estratégico (elaboração de valores, visão de futuro, missão, objetivos estratégicos, estratégias, metas e planos de ação); a execução/implementação dos planos de ação; o acompanhamento e o controle (verifi cação da execução dos planos e aplicação de medias corretivas quando for o caso).

O projeto educativo, organizado segundo essa orientação, valoriza o preenchimento quantitativo de quadros, fi chas-resumo do funcionamento e da efi cácia da instituição, questionários de avaliação estratégica e formulários para a apresentação do PDE. O processo declarado nos manuais não propõe momentos de discussão sobre a articulação do Plano com as fi nalidades da educação estabelecidas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96.

Pelo que vimos, a formulação, a execução, o acompanhamento e o controle do PDE, sob a égide da modernização da gestão, exigem uma estrutura organizacional, em alguns momentos, bastante sofi sticada. Diante desse fato, muitas vezes, a condução do planejamento estratégico é feita por grupos especializados com competência para formular o projeto da instituição, porém sem condições para pensar sobre o trabalho dos outros, especialmente dos professores.

[...] embora em sua concepção inicial o PDE acenasse com a autonomia de decisão para as escolas, na prática, a própria sistemática de co-fi nanciamento internacional impôs instrumentos de controle burocrático sobre os projetos, o que aumenta a carga de trabalho docente sem que contribua necessariamente para o trabalho pedagógico. Se de um lado os procedimentos burocráticos facilitam a decisão com respeito aos fatores físicos e materiais, de outro impedem as escolhas autônomas sobre as questões nucleares da escola, como a realização de cursos de formação docente e a melhoria das condições de trabalho em sala de aula (FONSECA; OLIVEIRA; TOSCHI, 2004, p. 64).

Essa alternativa de elaboração do projeto educativo da instituição foi criada para melhorar o desempenho do sistema educacional, a partir do Nordeste, e, depois, estendida para outras regiões do país. Assim, a preocupação central era com a qualidade do ensino voltada para o nível de apropriação do conhecimento, da internalização de valores e do desenvolvimento de habilidades associada à qualidade da instituição educativa, vista sob o ângulo da Qualidade Total (QT) empregada nas empresas.

Entretanto, esta qualidade refere-se primordialmente à qualidade do processo, não do produto, já que, com relação a este, a qualidade é sempre referida ao segmento do mercado ao qual se destina. Qualidade do processo produtivo diz respeito à redução de desperdícios, de tempo de trabalho, de custos, de força de trabalho (BRUNO, 1997, p. 41).

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Nessa perspectiva, o estudante é cliente e tem direito ao ensino de qualidade. Cliente é o usuário do produto, incapaz de infl uenciar no processo de produção. Essa compreensão induz a uma relação passiva do cliente “com o processo e o produto, inclusive no que diz respeito a sua participação no processo de construção do “produto”, que, no caso, são o saber transmitido e o aluno formado” (SOUZA, 2001, p. 46). Fica, então, estabelecida uma relação de passividade entre aluno/professor/conhecimento.

O projeto educativo da instituição de educação infantil, organizado nesse formato, secundariza a dimensão sociopolítica do processo de planejamento, desloca o eixo da discussão dos fi ns para os meios e realça a política de modernização e racionalização centrada na efi ciência e na redução de custos. Consiste em um processo voltado para o alcance de uma situação desejada, que pode ser obtida de maneira mais efi ciente e efi caz, com a melhor racionalização de esforços e recursos.

É um processo gerencial preocupado com a melhoria da qualidade de ensino e que exige participação da comunidade escolar, confi gurada, na maioria das vezes, como adesão às decisões tomadas em outros espaços. Compete à instituição educativa executá-las, confi rmando a organização verticalizada e hierarquizada do poder e a separação entre os pensantes e os executores. A participação ocorre de modo funcional, como uma técnica de gestão segundo a qual os sujeitos apenas se integram na condição de parceiros, aliados e colaboradores do processo organizativo da instituição educativa. A coordenação do processo de construção do PDE é da liderança da escola, com apoio e participação da comunidade interna. “Isso não signifi ca, no entanto, que todos devam participar de tudo. Embora todos possam e devam opinar [...]” (XAVIER; AMARAL SOBRINHO, 1999, p. 25).

Grande parte do êxito do processo de elaboração e implementação do PDE depende da competência das pessoas que exercem função de liderança na instituição educativa, cujo agir deve ser orientado por princípios éticos e morais associados à competência técnica, às habilidades e às atitudes apropriadas para lidar com as pessoas.

Cabe aos líderes criarem um senso de propósito no local de trabalho para que as pessoas fi quem motivadas para dar o melhor de si; manter as pessoas informadas e envolvidas, mostrando como elas fazem parte e são importantes no quadro mais amplo da escola; promover a comunicação e o desenvolvimento das pessoas para que cada indivíduo possa fazer o melhor no seu trabalho; delegar responsabilidades e autoridades para que as pessoas não apenas façam o que lhes é dito para fazer, mas tomem iniciativas e busquem constantemente fazer melhor o seu trabalho (XAVIER; AMARAL SOBRINHO, 1999, p. 15).

O PDE evidencia uma separação entre o pensar e o fazer, uma vez que compete à instituição educativa defi nir um plano, a partir de linhas estratégicas que não emergem do próprio processo de construção, pois já foram defi nidas. Nesse contexto, os decisores não têm conhecimento das práticas, e os executores não conhecem as razões das decisões. Nesse caso, fl oresce a cultura do individualismo em contradição com o discurso do trabalho coletivo, como os professores, por exemplo, que assumem a função de líderes dos objetivos estratégicos e gerentes de metas de melhoria e sentem-se sozinhos para desenvolver atividades de rotina sob controle e pressão.

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Compete a esses profi ssionais operacionalizarem procedimentos e aplicarem instrumentos, sem discutir as concepções que estão subjacentes a tal forma de agir. Os demais professores são praticamente alijados do processo de participação, uma vez que os componentes do Comitê Estratégico não estabelecem com eles um diálogo, no sentido de captar suas denúncias e seus anúncios face ao trabalho educativo.

Vale destacar que o PDE, ao enfatizar a melhoria do desempenho da instituição educativa, deixa de lado a questão da apropriação dos conhecimentos curriculares. Os exemplos dados no Manual Orientador do PDE enfatizam as estratégias: “dar aulas de reforço aos alunos que não estiveram acompanhando as atividades escolares; desenvolver e manter estratégias inovadoras e criativas nas disciplinas-chave” (XAVIER; AMARAL SOBRINHO, 1999, p. 145). A questão epistemológica que fundamenta o projeto pedagógico da instituição educativa não tem visibilidade. Nessa mesma direção, situa-se o processo avaliativo, no qual prevalecem questões quantitativas voltadas para aferir e controlar a qualidade por meio de instrumentos técnico-burocráticos.

Desse modo, o PDE imprime, na organização educativa, práticas voltadas para a divisão, a fragmentação das ações educativas em inúmeros projetos desarticulados entre si. Tal prática, além de contribuir para a despolitização do trabalho educativo, ajuda a assoberbar a instituição de tarefas burocrático-administrativas, em detrimento das atividades fi ns de natureza político-pedagógica.

Assim construído, o projeto educativo consiste em um produto acabado, um conjunto de intenções, uma forma de cumprir exigências burocráticas e cartoriais segundo as quais, os dados quantitativos e o preenchimento de formulários se sobrepõem a qualquer outra forma de agir. Em geral, tal projeto é concebido de forma solitária; quando muito, conta com a participação de algumas pessoas preocupadas com a elaboração de um documento fi nal que represente o cumprimento de tarefas delegadas de forma centralizada. Na maioria das vezes, é um projeto que se limita a cumprir determinações legais e normativas do sistema educativo.

Esse modelo privilegia a burocratização, transforma a instituição educativa em cumpridora de normas e procedimentos técnicos a ser desenvolvidos, sob a ótica da padronização e da centralização. No que tange à autonomia, os ganhos são mínimos, porquanto impossibilitam a instituição educativa de refl etir sobre o seu fazer pedagógico e as repercussões do seu trabalho na vida dos estudantes.

Por último, vale salientar que “o projeto político-pedagógico não se resume ao Plano de Desenvolvimento da Escola. Este último cumpre apenas o aspecto formal e técnico do projeto” (VEIGA; FONSECA, 2001, p. 54). O que é Projeto Político-pedagógico, na sua essência, será objeto de estudo da nossa próxima aula.

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AULA 6: COMPREENDENDO O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO EM UMA PERSPECTIVA TRANSFORMADORA

A retomada dos estudos sobre Projeto Político-pedagógico exige, inicialmente, verifi carmos o que nos ensinam alguns autores brasileiros, estudiosos dessa temática:

O Projeto Político-pedagógico (ou Projeto Educativo) é o plano global da

instituição. Pode ser entendido como a sistematização, nunca defi nitiva, de

um processo de Planejamento Participativo, que se aperfeiçoa e se concretiza

na caminhada, que defi ne claramente o tipo de ação educativa que se quer

realizar. É um instrumento teórico-metodológico para a intervenção e mudança

da realidade. É um elemento de organização e integração da atividade prática

da instituição nesse processo de transformação. (VASCONCELLOS, 1999, p.

169).

O Projeto Político-pedagógico tem a ver com a organização do trabalho

pedagógico em dois níveis: como organização da escola como um todo e

como organização na sala de aula, incluindo sua relação com o contexto social

imediato procurando preservar a visão de totalidade. Nessa caminhada será

importante ressaltar que o Projeto Político-pedagógico busca a organização

do trabalho pedagógico da escola na sua globalidade [...] Portanto, é

preciso entender que o Projeto Político-pedagógico da escola dará indicações

necessárias à organização do trabalho pedagógico, que inclui o trabalho do

professor na dinâmica interna da sala de aula. [...] (VEIGA, 1995, p.14).

Um projeto necessita sempre rever o instituído para, a partir dele, instituir

outra coisa. Tornar-se instituinte um Projeto Político-pedagógico não nega o

instituído da escola que é a sua história, que é o conjunto de seus currículos,

dos seus métodos, o conjunto de seus atores internos e externos e o seu

modo de vida. Um projeto sempre confronta esse instituído com o instituinte

[...] (GADOTTI; ROMÃO, 2001, p. 34).

Ao caracterizar-se como instrumento que, intencionalmente, possibilita

um repensar da ação educativa, o Projeto Político-pedagógico leva a

escola a construir sua autonomia e sua identidade. Na perspectiva de sua

incompletude, esse projeto deve ser continuamente redimensionado, visto

que, as identidades da escola, do professor, do aluno e da sociedade estão

em permanente transformação (SOUSA, 2001, p. 229).

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Um professor de escola pública de Pernambuco, ao participar de estudos sobre a gestão, defi niu o Projeto Político-pedagógico em versos, conforme podemos ler a seguir (MONTEIRO, 1997,

p. 34):Uma escola do futuro

um sonho quase presente.

Nas escolas do presente

uma escola criativa

prazerosa e competente

onde todos, todos, todos,

sejam vistos como gente.

Sem ignorar a crise

que o mundo inteiro atropela

a escola consciente

de que também caiu nela

está lutando bastante

prá sair de dentro dela.

Prá isso está construindo

um projeto especial

político e pedagógico

em que o individualdê lugar ao coletivo

e à promoção social.

O que aprendemos com esses autores? Com Vasconcellos (1999), aprendemos que o PPP é integral quanto à sua amplitude, na medida em que abarca todos os aspectos da realidade educativa; fl exível e aberto; democrático porque é elaborado de forma participativa; um grande consenso em torno do tipo de pessoa que a instituição educativa se propõe a formar. Aprendemos, também, que o PPP pode ser interpretado como um processo em construção, cujos resultados são obtidos de forma gradativa e mediata e que pode se renovar constantemente.

Veiga (1995) nos ajuda a refl etir sobre a articulação do PPP com o trabalho pedagógico focalizando a relação entre o professor e o estudante mediatizada pelos saberes a ser orientados, apropriados e pelas competências/habilidades a ser construídas no decorrer do processo educativo.

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Fonte: <http://images.americanas.com.br/produtos/item/2720/1/2720188g.gif>.

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Desse modo, a autora aponta para a vinculação do PPP com o <currículo>. Entendemos que tal projeto deve contemplar as políticas institucionais de ensino, orientando a organização dos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais e as práticas educativas em consonância com os valores e signifi cados defendidos pela instituição em sua totalidade.

De Gadotti e Romão (2001) retiramos a lição de que a elaboração do PPP implica, ao mesmo tempo, momentos de ruptura e de continuidade. Para eles, há uma infl uência do instituído (instabilidade) sobre o instituinte (transformação, criação). Trata-se de pensar o instituído e o instituinte dialeticamente, e não, de forma justaposta. Com essa compreensão, podemos afi rmar que, no interior do instituído, estão aninhados os elementos que vão gerar o instituinte, que consiste, portanto, no ponto de partida para o PPP constituir-se como instituinte. A negação do instituído induz à elaboração de projetos desconectados da história da instituição educativa, consequentemente, com poucas possibilidades de obter êxito. Assim, refl etir sobre o instituído, em toda a sua complexidade e em conjunto com o instituinte, constitui-se no caminho para tornar o PPP em uma inovação. O instituinte nunca se faz no vazio, como se tudo tivesse de começar do nada, como também não pode ser considerado como um dado defi nitivo, imutável. Como diria Freire (1996), o PPP denuncia a situação atual e anuncia a sua superação, em última instância, a utopia da instituição educativa.

Sousa (2001) chama a atenção para a importância do PPP como veículo construtor da identidade da instituição educativa e da organização dos sujeitos sociais que a compõem. Alerta para a complexidade do processo de planejamento considerar que, de um lado, a instituição deve buscar a convergência dos interesses dos sujeitos envolvidos, em termos do cumprimento da missão institucional, e, de outro, respeitar as especifi cidades dos grupos. Como identidade da instituição, o PPP deve explicitar o rumo, a direção e a intencionalidade do seu trabalho educativo datado historicamente. Tal trabalho só tem sentido se objetivar construir a identidade social, ética e política dos sujeitos que compõem a instituição educativa.

Os versos do Professor Dedé Monteiro nos conduzem a reler a poesia de Paulo Freire, intitulada <Escola é... sobretudo gente>. Reitera também que as relações de trabalho desenvolvidas no interior da instituição educativa devem ser calcadas na solidariedade, na reciprocidade e na participação, na perspectiva do trabalho coletivo, em substituição à fragmentação, ao controle hierárquico à rigidez e à abertura ilimitada da organização educativa.

Em geral, todos entendem o Projeto Político-pedagógico como um plano integral, de cunho inovador e provocador de rupturas estruturais. Sua importância se dá não somente porque visa apenas a mudanças periféricas e quantitativas na instituição educativa, mas porque deve ser

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Volte às Trilhas do Aprendente – Volume 3 – Componente Curricular Seminários Temáticos da Prática Curricular II – Aula 4 para verifi car o signifi cado de Currículo.

Acessar conteúdo completo em <http://www.scrapbookbrasil.c om/comun idade /s h o w t h r e a d .php?t=4218>

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orientado por fi nalidades que provoquem mudanças qualitativas na forma de planejar e de agir da instituição. São as fi nalidades que alicerçam as mudanças para além das circunstâncias atuais, projetando-as para o futuro. É nesse processo que os protagonistas escolares se convertem em atores-sujeitos da ação.

Como ação inovadora, o Projeto Político-pedagógico pressupõe dinâmicas organizacionais diferentes e defi nidas passo a passo. Inovar não se limita aos autores-sujeitos participarem da decisão acerca dos procedimentos e das atividades ou entenderem os fatores que condicionam o trabalho educativo, é preciso que entendam os conceitos que fundamentam a nova forma de planejar e agir. Por essa razão, toda inovação exige refl exão crítica e permanente para não se confi gurar como uma prática irrealista desvinculada das fi nalidades e da identidade da instituição educativa. Assim, não há espaço para receitas de especialistas, no que tange ao fazer do Projeto Político-pedagógico, mas se instala a exigência de se compreenderem, de forma mais elaborada e complexa, a realidade educativa que se quer mudar e as formas de planejar, executar e avaliar tais mudanças.

Aprendemos com esses autores que o trabalho educativo deve ser planejado de forma participativa, pois uma instituição de ensino que não tem um projeto, comumente, enquadra-se nos versos de Fernando Pessoa, escritos em 1921:

Como passam os dias, dia a dia,

E nada conseguimos ou intentado!

Como, dia após dia, os dias vão,

Sem nada feito e nada na intenção!

Um dia virá o dia em que já não

Direi mais nada.

Quem nada foi nem é não dirá nada.

Na trilha do pensamento de Vasconcellos (1999); Veiga (1995); Gadotti, Romão (2001); Sousa (2001) e Monteiro (1997), é possível afi rmar que o Projeto Político-pedagógico (PPP) não se resume ao Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE). Ele representa o lado técnico do projeto. Isso signifi ca dizer que tem uma dimensão estratégica, no sentido de assegurar a materialização da identidade e das fi nalidades da instituição educativa. Para tanto, é importante que tal dimensão se desvincule do caráter burocrático-gerencial e colabore para que o planejamento possa se converter em um instrumento capaz de concretizar as escolhas autônomas acerca das questões nucleares da instituição educativa.

É possível afi rmar, também, que construir um Projeto Político-pedagógico implica compreender a realidade para a qual ele se destina; fazer opções; assumir intencionalidades; decidir sobre as diretrizes que vão orientar o porquê, o quê, o como e com que recursos ensinar; analisar as condições reais e objetivas de trabalho das pessoas envolvidas; defi nir e organizar o tempo para o desenvolvimento das ações programadas.

O tempo é um elemento decisivo para a organização do trabalho pedagógico. Quanto tempo a instituição tem para desenvolver o PPP? Quanto tempo o professor tem para desenvolver

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o seu trabalho? Qual o tempo de aprendizagem dos estudantes? Como respeitar o tempo, o jeito de agir e o contexto da instituição educativa?

O PPP precisa levar em consideração o tempo, o calendário e o horário escolar sem, contudo, desprezar a qualidade do trabalho em função do seu tempo de duração. É necessário tempo para formular, executar e avaliar o PPP em ação. É necessário tempo para os professores desenvolverem estudos, para pensarem sobre o quê, o porquê e como seus estudantes estão aprendendo. É necessário tempo para os estudantes aprenderem. É necessário acreditar que tudo acontece em seu devido tempo. Refl ita sobre a importância do tempo para o desenvolvimento do Projeto Político-pedagógico, a partir do fi lme <“Escola e Vida”>.

A seguir, tentaremos sistematizar os significados de Projeto Educativo até aqui estudados.

Toda essa discussão sobre PPP sugere que o pensemos na perspectiva da racionalidade comunicativa, centrado na intersubjetividade, com a fi nalidade de dar conta das múltiplas dimensões que compõem o processo educativo.

Trilhar o PPP, na perspectiva da Teoria do Agir Comunicativo, exige, inicialmente, que pensemos sobre o signifi cado de educação. Trata-se de conceber a educação como uma ação comunicativa – uma ação social; uma interação. Enfi m, um mecanismo que possibilite criar relações

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“Concretiza-se por meio de uma crescente racionalização na organização da escola, com ênfase em aspectos como produtividade e competência, contando, para tanto, com a cooperação internacional, como, por exemplo, o Banco Mundial, que apresenta um discurso economicista, para ser operacionalizado pelos professores. As características comuns desse discurso enfatizam as leis de mercado, a aproximação entre as imagens da escola e da empresa, a racionalidade científi ca e a efi ciência técnica.” (VEIGA, 2001, p. 53).

É desenvolvido por meio de um processo gerencial-burocrático preocupado, fundamentalmente, com a produção de um documento que deve ser objeto de análise, acompanhamento e controle de órgãos externos.

“Tem uma função social importante, ao redefi nir as relações sociais no interior da escola, possibilitando a abertura de espaço para práticas democráticas. [...] Assim entendido, é um instrumento formativo e auxilia a desenvolver uma ação coletiva porque não se constroem projetos por decretos ou intervenções externas à escola. O projeto edifi ca-se com o próprio grupo de professores, alunos, pais, funcionários, representantes da comunidade no âmbito da prática pedagógica.” (VEIGA, 2007, p. 117-118).

É desenvolvido por meio de um processo democrático, que consiste em momentos de ação-refl exão-ação, preocupados em agregar o esforço conjunto e a vontade política da comunidade educativa. Antes de ser um documento, é uma ação.

Assista ao fi lme, “Escola e vida” e extraia dele lições que possam ser aplicadas ao trabalho no Projeto Político-pedagógico.

Projeto Político Pedagógico

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interpessoais no âmbito da instituição educativa, vista como uma comunidade na qual os sujeitos buscam interagir comunicativamente. Trata-se, portanto, de uma <educação> entendida como uma prática social capaz de enfrentar os problemas de convivência humana, inspirada na ética e na justiça social.

Assim, compete à educação colaborar para o resgate da racionalidade comunicativa que surge de interações coordenadas por meio da formulação de entendimentos linguísticos. Para tanto, deve desempenhar as funções de reproduzir e renovar as tradições culturais, criar novos padrões de convivência e garantir as identidades pessoais.

Podemos, então, defi nir a educação como um agir pautado no entendimento e executado por meio de mecanismos coletivos de formação de indivíduos comunicativos e responsáveis pelo desenvolvimento do seu potencial emancipatório e colaboradores do processo de emancipação de seus semelhantes. Isso signifi ca pensar a educação como uma prática social que se contrapõe a qualquer forma de denominação.

Na direção do agir comunicativo, o PPP configura-se como um acordo válido, intersubjetivamente construído, ancorado na realidade atual, mas comprometido com o futuro da instituição educativa. Signifi ca um processo de entendimento sobre “o ser e o vir a ser” institucional. Da perspectiva dos participantes, o entendimento consiste na comunicação guiada para um acordo livre de coerções.

Defi nir um PPP, nesses moldes, exige compreendê-lo como uma orientação do conjunto das ações, um sentido geral; a expressão de uma intencionalidade construída comunicativamente. O projeto refere-se à intencionalidade; à interação dos sujeitos consigo mesmos e com os outros; ao conhecimento da realidade; à apresentação, à argumentação, ao entendimento e à validação das alternativas e à ação.

A formulação do PPP, sob o manto do agir comunicativo, exige que a instituição educativa se organize de forma que todos os sujeitos possam interagir, argumentando discursivamente, com a fi nalidade de elaborar um plano consensual de ação coletiva. É, também, um meio que orienta os planos de ação dos participantes, a partir de uma defi nição comum e consensual da realidade educativa.

Nesse processo, ganha relevo a necessidade de os sujeitos participantes do processo se apropriarem da maior quantidade de informações e da diversidade de alternativas emergentes das vontades individuais ou de pequenos grupos. O domínio das informações subsidia a argumentação, o confronto de alternativas, em que é validada aquela proposta que se apresenta mais conveniente para o grupo.

A construção comunicativa do PPP abarca os planos individuais e setoriais de ação, considerando que os sujeitos envolvidos no processo interagem uns com os outros, argumentam suas posições e se convencem da melhor proposição, mesmo que os seus pontos de vista iniciais sejam criticados e até refutados. Dessa forma, os sujeitos sentem-se contemplados, porque colaboraram para a decisão fi nal, e não estão aceitando alternativas impostas.

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Volte à aula 2, da Primeira Unidade desta disciplina, para relacionar o conceito de Educação com o de Gestão.

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Nesse sentido, o PPP é visto como um acordo comunicativamente produzido, ou seja, um consenso obtido por meio de um entendimento linguístico, portanto, válido. Consenso, como indicador de validação do pensar e do agir, ancorado na vontade coletiva de construir a verdade, ajuda o grupo a descortinar a possibilidade de a instituição educativa desenvolver práticas cooperativas de trabalho e de aprendizagem direcionadas à emancipação.

É sempre importante esclarecer que para Habermas o consenso é uma possibilidade que poderá ser alcançada ou não, a depender do processo de argumentação, do reconhecimento das pretensões universais de validade e das condições não coercitivas da interação linguística (GOMES, 2007, p. 116).

Uma vez o acordo fi rmado, as decisões passam a valer, o que implica a aceitação de todas as suas consequências. Quem participa das decisões acredita nelas e age de acordo com elas. É o modo legítimo de organizar o trabalho de uma instituição educativa.

Assim, o fazer do PPP implica que se desenvolva uma interação, na qual os sujeitos envolvidos possam propor, expressar e afi rmar pontos de vista considerados por eles justos e verdadeiros e, ao mesmo tempo, sejam capazes de aceitar críticas e refutações. Esse é o momento da afi rmação das posições particulares que precisam ser confrontadas com as posições dos outros para que o entendimento possa emergir. Caminhar nessa direção exige que as pessoas adotem uma atitude voltada para o entendimento, isto é, que busquem colocar em prática a racionalidade comunicativa, para além das virtudes e dos interesses pessoais, em direção à formulação de propostas emanadas de argumentos racionais, voltados para explicar os objetos de entendimento, fundamentar e implementar decisões, mesmo que elas não contemplem plenamente os interesses particulares.

Como um movimento comunicativo, o Projeto Político-pedagógico confi gura-se como uma espiral, conforme podemos visualizar a seguir:

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1. Conhecimento da realidade atual, produção e socialização das informações;

2. Apresentação das alternativas individuais e setoriais; 3. Argumentação das propostas;4. Validação da proposta mais convincente;

5. Consolidação do projeto com vistas ao futuro e aberto a revisões.

O PPP como consenso

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AULA 7: DESENHANDO O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO

O entendimento de que o PPP consiste em um consenso válido, mas provisório, pressupõe que a sua construção se sustenta na avaliação como um ponto de partida e de chegada de todo trabalho desenvolvido por uma instituição educativa, em um determinado período de sua história. Evidentemente que, nesse cenário, a linearidade e a homogeneidade cedem lugar a tensões próprias de processos avaliativos vividos no interior da instituição, notadamente no que tange ao levantamento das fragilidades e da criação de novas formas de pensar e de agir, consubstanciadas em propostas de mudança na cultura educativa. Aqui está implícito o objetivo último da avaliação, colaborar para a melhoria da prática educativa institucional.

Desse modo, vale ressaltar a vinculação entre o PPP de instituição de educação infantil e a avaliação. A avaliação deve perpassar todo o processo de construção do Projeto e ir de sua concepção à execução, abarcando as dimensões quantitativas e qualitativas do desempenho institucional, focalizando o processo e o produto, sem perder de vista a relação entre a realidade atual e a realidade projetada. A preocupação fundamental da avaliação consiste em fortalecer práticas de entendimento, no sentido de abolir a crítica dogmática e abrir espaço para a crítica dialética.

Trata-se de pensar a avaliação como uma prática comunicativa voltada para questionar o agir institucional, na perspectiva de desencadear atos de fala de todos os componentes do grupo. Assim, a inclusão de toda a equipe e de cada pessoa no processo avaliativo constitui-se o patamar básico para que possamos pensar no aperfeiçoamento e na consolidação de práticas democráticas no interior de qualquer instituição educativa. A avaliação sai, então, do campo da refl exão monológica para alcançar a refl exão dialógica, convertendo-se em uma ação descentrada, intersubjetiva.

Essa ideia nos remete a afi rmar que a avaliação é um momento de convivência, de aceitação dos contrários e das diferenças e de transparência do agir institucional, que visa ao embate em busca de construção de entendimento baseado no discurso argumentativo e da não violência, mesmo de cunho simbólico. A avaliação assume o papel de desvelar as contradições, desocultar os interesses coletivos e de colaborar para os sujeitos participantes do processo decidirem sobre os destinos da instituição, conferindo legitimidade ao PPP.

Assim, o primeiro movimento do processo de construção do PPP consiste na avaliação, compreendida como um momento de refl exão coletiva sobre a totalidade da instituição e a qualidade dos serviços por ela prestados à comunidade. O vocábulo qualidade tem vários sentidos que, em última instância, decidem os critérios e os indicadores da mensuração dos resultados. Daí a importância de termos clareza do sentido da qualidade que estamos assumindo neste estudo.

Em geral, a qualidade é defi nida como “propriedade, atributo ou condição das coisas ou das pessoas capaz de distingui-las das outras e de lhes determinar a natureza” (FERREIRA, 2007, p. 1667). Essa concepção sofre várias interpretações pessoais e institucionais, com destaque para a qualidade, como: o grau de satisfação do cliente com a efi cácia e a efi ciência do produto

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adquirido; o grau de conformidade entre o especifi cado e o realizado; a relação equilibrada entre o desempenho institucional e os seus custos e o interesse em alcançar a “perfeição” – fazer bem feito tudo o que nos dispomos a fazer.

A refl exão sobre esses conceitos leva-nos a compreender que a atribuição da qualidade a algum serviço exige que relacionemos o que efetivamente se faz com o que foi proposto como meta ou objetivo. Desse modo, a qualidade não pode ser entendida como atributo que existe isoladamente, mas sempre relacionado com algum fato, com alguma coisa. A qualidade explicita-se nas práticas e nas relações vividas, como algo em construção, cujo eixo central é a avaliação. Isso pressupõe pensar a qualidade mediante processos intersubjetivos, acolhedores da instituição e das pessoas que a compõem em toda a sua complexidade. Assim, a avaliação espelha um juízo de valor, uma dada concepção de mundo e de educação e da pessoa que ela formará. Por isso, consiste em uma intencionalidade. É um instrumento de refl exão sobre o processo histórico de construção de qualidade de uma instituição.

Estamos falando de uma qualidade social que acopla qualidade formal (técnica) e política, respectivamente:

[...]habilidade de manejar meios, instrumentos, formas, técnicas, procedimentos diante dos desafi os do desenvolvimento [...] competência humana do sujeito em termos de se fazer e de fazer história, diante dos fi ns históricos da sociedade humana (DEMO, 1994, p. 14).

Em outras palavras, a qualidade formal diz respeito ao “nível ótimo a que podem chegar os meios, instrumentos e procedimentos, principalmente o conhecimento e a qualidade política [...] ao objetivo ético de intervir na realidade visando o bem comum” (LIBÂNEO, 2001, p. 54-55).

É preciso considerar que avaliar serve para aproximar os sujeitos da própria instituição a ser avaliada. E essa aproximação pode ocorrer de duas formas, que passam a ser denominadas, neste estudo, de autoavaliação, ou avaliação interna e avaliação externa. Signifi ca um olhar crítico-propositivo da comunidade interna (autoavaliação ou avaliação interna) e da comunidade local na qual a instituição está inserida e dos setores governamentais aos quais está vinculada técnica e administrativamente (avaliação externa).

Essas duas modalidades de avaliação exigem que se pense a instituição situada no contexto local, municipal, nacional e mundial e que a instituição educativa, mesmo localizada nos mais diferentes e longínquos recantos do mundo, está inserida no processo de globalização, movimento que expressa novo ciclo de expansão do capitalismo como um modo de produção material e espiritual e como processo civilizatório universal. A globalização pode ser defi nida como “um processo de amplas proporções, envolvendo nações e nacionalidades, regimes políticos e projetos nacionais, grupos e classes sociais, economias e sociedades, culturas e civilizações” (IANNI, 2004, p. 11).

A “sociedade global” - a chamada “sociedade do conhecimento” - apresenta-se marcada por antagonismos, por diferenças sociais, econômicas, culturais e religiosas e exige uma nova forma

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de agir dos educadores diante deles mesmos, dos outros e do conhecimento, o que pressupõe uma revisão de valores, de teorias e de formas de atuação, no sentido de que a educação seja pensada no campo das possibilidades, como uma prática capaz de implantar ações comprometidas com a solidariedade e a justiça.

O processo de construção do Projeto Político-pedagógico pode ser desenvolvido em <quatro momentos>, distintos entre si, mas interdependentes.

Momento 1 – Avaliação institucional

A avaliação tem por fi nalidade produzir informações que subsidiem a revisão dos objetivos, das formas organizativas, dos processos e dos resultados, enfim contribuam para a reformulação do PPP, na perspectiva da melhoria do desempenho institucional. Isso signifi ca conhecer a instituição educativa mais de perto; olhar para uma dada realidade educativa, com o propósito de apreender a dinâmica das relações e das interações que constituem o seu cotidiano, identifi cando as forças que as movem, em termos positivos e negativos. Captar as estruturas de poder, analisar as formas de agir de cada sujeito e da sua totalidade nessa teia de relações.

Avaliar internamente, ou autoavaliar, signifi ca ir além daquilo que a instituição educativa já sabe sobre o seu desempenho, possibilitando aprofundar o conhecimento sobre as fragilidades e potencialidades que estão imbricadas no seu dia a dia, a fi m de mobilizar os seus componentes para extrapolarem o plano do sentir, em direção ao do compreender e do agir de forma transformadora. Nesse movimento, cabe denunciar as situações-problema e anunciar quais seriam as possibilidades de superá-las.

Entendemos a autoavaliação como um processo cíclico, inovador e impulsionador de análise e de síntese de diretrizes que orientam e de práticas que se desenvolvem no âmbito de uma instituição educativa. Tem, assim, uma fi nalidade diagnóstica e formativa voltada para o autoconhecimento, na perspectiva de contribuir para a revisão de prioridades institucionais e do engajamento da comunidade interna na construção de entendimentos sobre “novas” alternativas para enfrentar “velhos” problemas.

Seu caráter formativo abre possibilidades para o aperfeiçoamento de professores, estudantes, da equipe técnico-administrativa, de pessoas da comunidade, ou seja, da instituição como um todo, uma vez que colocam os atores/sujeitos envolvidos na tarefa educativa para

Consulte um Projeto Político-pedagógico de uma instituição de educação infantil da sua comunidade para verifi car os elementos que o constituem.

Fonte: <http://www.uniso.br/ead/cet/imagens/avaliacao.gif>.

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UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

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refl etirem e tomarem consciência da amplitude e da profundidade das potencialidades e fragilidades institucionais. A função formativa da autoavaliação efetiva-se no momento em que os atores/sujeitos compreendem o trabalho pedagógico como uma organização pertencente à comunidade educativa, identifi cando-o como uma ação coletiva que pressupõe a articulação entre os que pensam e os que executam.

Trata-se de entender a autoavaliação institucional como um processo permanente, com o qual a comunidade tem identifi cação e compromisso. Constitui-se, portanto, em um instrumento fundamental para a construção de uma cultura avaliativa e de pertencimento. Nesse sentido, instala um movimento que possibilita a instituição analisar-se internamente, defi nindo com clareza o que ela é, como está organizada e administrada, o que de fato está fazendo, como seu trabalho repercute na comunidade e o que deseja ser. Desse modo, implica a sistematização, a análise e a interpretação de informações, com vistas a conhecer melhor os problemas do presente, para impedir que eles se repitam no futuro, e para identifi car práticas capazes de contribuir para o êxito do trabalho educativo.

Em geral, a autoavaliação tem dois objetivos: compreender, de modo crítico, interativo e integrado, a qualidade dos serviços prestados pela instituição educativa, em sua globalidade, e envolver os atores/sujeitos de modo que eles possam tomar consciência das fortalezas e das fraquezas institucionais do presente rumo ao futuro. Isso signifi ca verifi car o grau com que tais objetivos foram alcançados.

Paralelamente ao movimento de autoavaliação, ou após a conclusão dessa fase, a instituição pode motivar e convocar a comunidade local para participar do processo de avaliação externa, com plena liberdade de expressão. O olhar de “fora para dentro” certamente vai ajudar a comunidade interna a compreender algumas situações que, muitas vezes, de tão rotineiras podem ser analisadas acriticamente ou que os interesses corporativos possam inibir de vê-las em toda a sua extensão e profundidade.

O processo de avaliação externa pode ser organizado envolvendo dois grupos: a comunidade local (associações comunitárias, ONGs, pessoas da comunidade que se relacionam com a instituição para além dos pais, membros de igrejas, entre outros) e as instâncias governamentais (municipais, estaduais e federais) às quais a instituição está vinculada. Os avaliadores externos devem manter uma interação com a comunidade interna, com o objetivo de conhecer, em maior profundidade, como a instituição desenvolve o seu trabalho educativo. Podem fazer visitas à instituição, aplicar instrumentos de avaliação, como questionários, por exemplo, realizar entrevistas e observar práticas. Por último, recomenda-se a elaboração de relatórios que devem ter ampla divulgação no interior da instituição.

Concluída a fase de coleta de informações, desenvolve-se a análise crítica dos conteúdos identifi cados, o que signifi ca apreender o sentido do discurso veiculado pelos atores/sujeitos do processo ou declarado nos documentos, por ocasião em que as descrições quantitativas sobre os fenômenos avaliados passam por uma refl exão qualitativa. Essa análise pode ser feita por um grupo que assume a responsabilidade de sistematizar em relatório o processo vivido e os resultados obtidos. Tal relatório deve ser socializado entre avaliadores internos e avaliados externos que, juntos, procedem a uma nova análise, ampliando e aprofundando a refl exão sobre as evidências captadas, dessa vez, à luz de critérios construídos por eles próprios. Esse procedimento permite

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Gestão e Planejamento na Educação Infantil

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UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

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envolver os participantes com o processo e com os resultados da avaliação, no sentido de convertê-los em ações que possam efetivamente contribuir para a melhoria dos serviços prestados pela instituição educativa.

O ponto culminante dessa etapa consiste em criar soluções para os problemas, com base no melhor argumento formulado pelos atores/sujeitos, portanto, um consenso construído comunicativamente; um acordo entre os membros do grupo. Aqui se revela o caráter transformador da avaliação. A maior inovação que a avaliação pode expressar signifi ca fazer com que os resultados produzidos por ela expressem consenso dos grupos envolvidos e sejam utilizados para modifi car a prática educativa mediata, tendo por horizonte aquilo que se deseja alcançar.

O conjunto de informações obtido, após a análise e a interpretação, possibilita organizar um diagnóstico dos processos pedagógico, administrativo e fi nanceiro, ou seja, identifi car os problemas, suas possíveis causas e as possibilidades e potencialidades latentes no seio da instituição. O diagnóstico é o instrumento que tem a capacidade de levantar e organizar informações, promover análises e sínteses, produzir conhecimento coletivamente e criar opções para decisões coletivas. “É a própria gravidez do plano, gravidez coletiva de partos múltiplos, pois o diagnóstico não se esgota num só momento, percorre o plano, que também não é um produto único, em todo o seu desenrolar” (FALKEMBACH, 1995, p. 138). O diagnóstico sinaliza o que falta fazer para chegar ao que queremos ser.

Momento 2 – Fundamentos da prática educativa

Defi nir e reafi rmar os fundamentos da prática educativa implica declarar o posicionamento da instituição face à sua identidade, à sua missão, às suas fi nalidades e aos seus compromissos com a sociedade. As fi nalidades institucionais referem-se aos efeitos almejados de forma intencional, no campo cultural, político, social e humanístico.

Por ocasião da formulação do PPP, a instituição de educação infantil deve refl etir sobre a sua fi nalidade principal - o desenvolvimento integral da criança até cinco anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.

O processo avaliativo contribuirá para se refl etir a fi nalidade da educação infantil no âmbito de como ela está sendo incrementada, o que está negligenciado e como pode ser fortalecida. Isso signifi ca que é preciso revisar e explicitar o signifi cado do trabalho educativo, tendo por base os consensos formados pelos atores/sujeitos, sobre a sociedade que pretendemos ajudar a construir, a pessoa que almejamos formar e que funções desejamos para a instituição educativa desempenhar.

Enfi m, signifi ca defi nir coletivamente valores que a instituição escolhe para nortear o seu trabalho educativo e orientar como eles podem perpassar todas as atividades institucionais. Para tanto, é importante estabelecer diretrizes, linhas de ação voltadas para o desenvolvimento do trabalho pedagógico de acordo com os padrões de qualidade socialmente defi nidos. Essas diretrizes devem orientar efetivamente a educação como prática social; o compromisso político do

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UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

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poder público e o direito da população; a instituição educativa como espaço de desenvolvimento integral da criança (psicomotor, socioafetivo, cognitivo e linguístico); o trabalho pedagógico como prática intersubjetiva e interdisciplinar e a gestão como exercício de democracia.

Momento 3 – Planejamento das ações

Esse é o momento para a instituição dizer o que vai fazer para transformar a realidade e de apresentar o conjunto de ações a ser desenvolvidas em um determinado tempo, com determinados recursos físicos, materiais e humanos, visando atingir as finalidades traduzidas em metas. Implica estabelecer prioridades cujas possibilidades de alcance devem ser defi nidas em termos de tempo e de recursos.

O ato de planejar as ações que pretendem dar conta das prioridades assumidas pelos atores/sujeitos do processo educativo, após um período de discussão, de argumentação e de defi nição de consensos, portanto, legítimas, exige que se pense a organização da instituição em sua totalidade. De acordo com o pensamento de <Libâneo> (2001), isso signifi ca planejar segundo “áreas de ação”: a organização da instituição como um todo; a organização do trabalho pedagógico no sentido de o professor atuar na relação com os estudantes; a organização das atividades de apoio técnico-administrativo e a organização das atividades de articulação da instituição educativa com a comunidade.

Momento 4 – Execução do Projeto Político-pedagógico: É o momento de colocar em ação o que foi planejado com a participação dos atores/sujeitos envolvidos, que é de responsabilidade da comunidade educativa.

A avaliação assume um papel importante por ocasião do desenvolvimento do PPP, uma vez que vai, permanentemente, apontar os desvios e as formas de corrigi-los, dando novo signifi cado ao agir institucional. Confi rmamos, então, a avaliação como um momento integrante do movimento de construção do PPP e de responsabilidade do coletivo institucional. Esses quatro momentos relativos à construção do PPP revelam que cada um tem sua especifi cidade, mas são interdependentes, e que a avaliação perpassa todo o processo e se confi gura como o ponto de partida e de chegada do planejamento. A fi gura apresentada a seguir tenta demonstrar a interdependência dos momentos de construção do PPP.

Processo de construção do Projeto Político-pedagógico

Fonte: <http://fotocache02.stormap.sapo.pt/fotostore02/fotos//

a8/2b/8c/12695_0004z1rb.jpg>.

Consulte o Capítulo 9, Organização Geral do Trabalho Escolar, do livro de LIBÂNEO, José Carlos: “Organização e Gestão da Escola: teoria e prática”.

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Gestão e Planejamento na Educação Infantil

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UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 5 Aula 6 Aula 7 Aula 8

A instituição educativa deve organizar o PPP em um documento que retrata, de forma simples, a caminhada por ela desenvolvida, vista como uma dialética de continuidade e rupturas rumo à transformação da sua realidade. “Assim sendo, mais importante do que ter um texto sofi sticado é construirmos o envolvimento e o crescimento das pessoas, principalmente dos educadores, através de uma participação efetiva naquilo que é essencial na instituição” (<VASCONCELLOS>, 1999, p. 179).

Consulte a 4ª Parte: Projeto Político- pedagógico: conceito e metodologia, do livro “Planejamento: projeto de ensino-aprendizagem e projeto Político-pedagógico”, de VASCONCELLOS, Celso dos Santos.

Retorne às Trilhas do Aprendente - Volume 3 - Componente Curricular Estágio Supervisionado em Magistério da Educação Infantil II, p. 361.

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UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 5 Aula 6 Aula 7 Aula 8

AULA 8: ENSAIANDO A CONSTRUÇÃO DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO

Vamos começar a nossa quarta aula, desta Unidade II, fazendo uma síntese do que estudamos sobre o processo de construção do PPP, tendo por referência as instituições que oferecem a educação infantil vista como uma etapa da educação básica, a partir do quadro apresentado a seguir.

Processo de construção do Projeto Político-pedagógico

Momento Objetivo Resultado

Avaliação institucional

Compreender, de modo crít ico,

interativo e integrado, a qualidade dos

serviços prestados pela instituição em

sua globalidade.

Levantamento, análise e interpretação

de informações; conjunto de fragilidades

e potencialidades.

Fundamentos da prática

educativa

Refletir sobre valores e como eles

podem perpassar todas as atividades

educativas.

Confirmação/revisão da identidade,

da missão, das finalidades e dos

compromissos da instituição com a

sociedade; diretrizes para o trabalho

educativo em toda a sua abrangência.

P l a n e j a m e n t o d a s

ações

Definir o conjunto de ações em

consonância com os resultados da

avaliação.

Planejamento das ações para um

determinado período; o que efetivamente

pode ser feito, com que recursos e em

que tempo.

Execução do PPPEfetivar as ações planejadas sob a

orientação da gestão.

Planejamento em ação e avaliação

permanente.

Nesse momento, temos a intenção de refl etir sobre os conteúdos trabalhados na aula anterior de forma mais operacional. No fi nal da aula, devemos responder a esta pergunta: Somos profi ssionais motivados e preparados para coordenar o processo de construção do PPP de uma instituição de educação infantil?

Pensamos que, para ajudar ao grupo de aprendentes a caminhar nessa direção, fosse importante retomarmos o processo de construção do Projeto Político-pedagógico, sob o prisma dos objetivos, conteúdos e das formas de desenvolver cada um dos momentos componentes do mencionado processo. No caso da Avaliação Institucional, sentimos a necessidade de delimitar aspectos da instituição educativa que precisam ser conhecidos com maior clareza, profundidade e abrangência. Elencamos a seguir aqueles que consideramos mais importantes:

- População infantil atendida e a comunidade na qual está inserida

A vida da população no bairro situado na cidade, município, estado, país e mundo; as famílias das crianças em toda a sua complexidade, focalizando aspectos étnicos, religiosos,

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Gestão e Planejamento na Educação Infantil

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culturais, econômicos, profi ssionais, educacionais, entre outros; as crianças que frequentam a educação infantil, em termos de nível socioeconômico e cultural, de desenvolvimento e de aprendizagem.

- Corpo docente, técnico-administrativo

A formação dos profi ssionais, as condições de trabalho, o grau de compromisso com o projeto educacional, o grau de conhecimento das suas atribuições e da qualidade do desempenho no campo individual e no coletivo da instituição.

- Gestão e coordenação pedagógica

Contribuições desses serviços para democratizar as relações vividas no interior da instituição educativa e dela com a comunidade. As atribuições dos profi ssionais dessa área face ao objetivo principal da educação infantil de colaborar para o desenvolvimento integral das crianças.

- Infraestrutura física, material e fi nanceira

Organização da instituição como ambiente educativo estimulador do desenvolvimento da criança e capaz de oferecer condições para a realização de explorações, brincadeiras e momentos de interação, no sentido de torná-la segura, confi ante e capaz de aprender e conviver.

- Trabalho pedagógico

Práticas curriculares traduzidas nas questões: o quê, para quê, como a instituição está desenvolvendo os princípios de <interdisciplinaridade> e “aprender a aprender”? Como a questão da interdisciplinaridade de conhecimentos, da criatividade, da sensibilidade, da afetividade e, sobretudo, do respeito à criança e à sua cultura está sendo trabalhada na educação infantil?

As crianças também podem participar da avaliação, no momento em que conseguem verbalizar os seus sentimentos. É possível que elas se expressem com liberdade e criatividade sobre as experiências que estão vivendo. Para captar os seus sentimentos, sugerimos que sejam

UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 5 Aula 6 Aula 7 Aula 8

Fonte: <http://www.stellamaris.g12.br/data/siteImages/11/user/1025/FT6.JPG>.

Retorne às Trilhas do Aprendente Volume 3 – Componente Curricular: Didática na Educação Infantil – Aula 10.

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UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 5 Aula 6 Aula 7 Aula 8

contadas histórias ou solicitados desenhos que as coloquem como protagonistas de situações e as estimulem a apresentar proposições/soluções de forma argumentativa para os problemas referentes às suas vivências na instituição educativa.

A avaliação dos pais possibilita que conheçamos, em especial, o que eles pensam a respeito do trabalho desenvolvido pela instituição educativa, no que tange ao princípio de cuidar/educar dos seus fi lhos e quais são as suas predisposições para colaborar com a instituição no desenvolvimento e na aprendizagem da criança, como sujeito social e histórico. Signifi ca apreender que contribuições os pais são capazes de oferecer para o trabalho educativo e se eles têm esclarecimentos sufi cientes a respeito do seu papel na educação dos seus fi lhos e da relevância de desempenhá-lo.

Integra o sistema de avaliação interna a autoavaliação dos profi ssionais da instituição, que consiste em uma refl exão sobre as razões que levaram os profi ssionais a obterem sucesso e fracasso em seu trabalho.

Por meio da avaliação externa, a instituição de educação infantil pode estabelecer um diálogo com a comunidade da qual faz parte centrado no cumprimento da sua missão. Seu objetivo é detectar como a comunidade vê e aceita a Instituição; verifi car como ela participa dos anseios dos diferentes setores da comunidade e qual o seu grau de infl uência na realidade social. É o momento de ouvir a comunidade sobre o desempenho da instituição. É a oportunidade de a instituição ser olhada de forma crítica pela comunidade, que é intrinsicamente a ela ligada pela identifi cação de propósitos.

A avaliação dos setores governamentais aos quais a instituição de educação infantil, entendida como componente da educação básica, está vinculada, administrativa e pedagogicamente, implica uma emissão de juízo de valor sobre a qualidade do trabalho educativo desenvolvido pela mencionada instituição. Os avaliadores externos podem conhecer os resultados da autoavaliação por meio da divulgação de um relatório. Além do mais, são convocados a realizar visitas para conferir as ações e estabelecer uma interlocução com os sujeitos que compõem a instituição educativa.

A avaliação dos setores governamentais explica-se pelo fato de que a instituição educativa, mesmo pertencente ao sistema, tem autonomia para tomar decisões, e a qualidade dos serviços depende muito de cada uma delas; os órgãos governamentais recebem os resultados das ações de cada instituição. É importante lembrar que esses setores também são avaliados por ocasião da avaliação interna, uma vez que são os responsáveis pelas políticas gerais de educação e pelas condições materiais, físicas e fi nanceiras da instituição.

É importante lembrar que a avaliação, como descrição/desvelamento crítico da realidade de uma dada instituição, situada em um determinado contexto socioeconômico e cultural, implica decidir sobre os instrumentos que podem ser utilizados para se obter e ampliar o conhecimento sobre o projeto educativo na ótica dos agentes internos e externos. A escolha dos instrumentos exige adequabilidade ao objeto da avaliação. São muitos os instrumentos que podem ser utilizados, individualmente e de forma combinada. Destacamos alguns, considerando a possibilidade de aplicação em variadas situações:

1. Questionário fechado: é um instrumento de avaliação que tem por fi nalidade captar informações

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Gestão e Planejamento na Educação Infantil

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relativas a um único tema ou a temas variados. Pode ser aplicado por meio da escrita ou por meio eletrônico. As perguntas fechadas são padronizadas e apresentam número limitado e previsível de respostas a serem dadas, ou ainda, exige que se assinalem respostas atribuindo uma valoração.

2. Questionário aberto: é um instrumento de avaliação que também pode captar respostas relativas a um tema ou a um conjunto de temas, por meio da escrita ou por via eletrônica. As perguntas abertas não indicam um número de respostas possíveis; não há previsibilidade para respostas que os sujeitos podem dar. Podem apresentar perguntas padronizadas, mas que tratam de questões mais complexas e exigem respostas mais longas e mais livres.

3. Entrevista: “é uma técnica importante, que permite o desenvolvimento de uma estreita relação entre as pessoas. É um modo de comunicação no qual determinada informação é transmitida de uma pessoa A a uma pessoa B” (RICHARDSON, 1999, p. 207). É um instrumento mais fl exível e favorece a descrição, a explicação e a compreensão de fenômenos educativos em sua totalidade e de forma articulada ao contexto social mais amplo.

4. Análise de documentos: consiste no estudo de alguns temas, por meio de registros e documentos administrativos e pedagógicos para descobrir os fatos sociais e as suas relações com o tempo cronológico e sociocultural. Os documentos não são apenas fontes reveladoras de informação contextualizada, mas eles próprios resultam de uma determinada realidade e possibilitam o conhecimento sobre essa mesma realidade.

5. Observação: é uma técnica importante em qualquer processo de avaliação. Ela capta elementos não verbais com muita propriedade. Pode ser utilizada isoladamente ou de forma conjugada com outras técnicas para identifi car comportamentos e atitudes de estudantes e professores e de suas relações intersubjetivas situadas no cenário mais amplo da instituição educativa.

Depois de coletados, os dados passam a ser interpretados. Para isso, eles devem ser ordenados, o que signifi ca classifi car em tópicos as respostas dadas pelos sujeitos para cada pergunta. No caso das respostas dos questionários fechados, o trabalho apresenta-se mais simples, pois exige apenas a tabulação do número de escolhas de cada resposta, para cada pergunta. Nos questionários abertos e nas entrevistas, a complexidade de tabulação é maior, considerando que as respostas não estão prontas e podem ser muito variadas. Nesses casos, é importante descobrir os elos entre as respostas.

A análise dos dados implica buscar, na descrição dos depoimentos-mensagens dos informantes, indicadores que permitam inferir conhecimentos relativos ao objeto estudado. Tal análise exige objetividade, capacidade de sistematização e de inferência de quem está avaliando. É um processo que busca dar sentido às respostas encontradas a cada pergunta. A captação dos signifi cados exige uma refl exão sobre o porquê das respostas e o porquê da frequência com que elas aparecem. Assim, o importante é entender o que as respostas manifestam. Não se quer

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UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

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somente identifi car a frequência das características presentes nas mensagens, mas o que está a elas subjacente.

A interpretação dos dados não é tarefa fácil. Muitas vezes, a aparência esconde a essência dos problemas evidenciados na avaliação. Por isso, é necessário procurar saber e investigar o que está oculto, o que está por trás dos fatos, conforme demonstram os versos a seguir:

Da análise, emergem conclusões provisórias resultantes do intercruzamento das respostas dadas e dos sentidos captados nas respostas de cada pergunta. Com isso, podemos dizer que foi formulado um diagnóstico sistematizado em um relatório que evidencia as fragilidades e as potencialidades da totalidade da instituição e que seja de domínio público.

O desenvolvimento do segundo momento do processo de construção do Projeto Político-pedagógico implica refl etir quais são os valores (ideias fundamentais, crenças básicas, convicções dominantes) que estão subjacentes às práticas educativas, à forma de gestão, às práticas curriculares, ao trabalho pedagógico e à formação docente. Enfi m, refl etir sobre os fundamentos da prática educativa.

É a oportunidade de a instituição pensar o que pretende, do ponto de vista político e pedagógico. Há uma “utopia” a ser alcançada pela instituição de educação infantil: o <desenvolvimento integral> de todas as crianças, considerando-se os aspectos motor, cognitivo, linguístico, artístico e socioafetivo. O grande desafi o consiste em responder às questões: O que signifi ca ser uma instituição de educação infantil capaz de educar e cuidar de crianças de zero a cinco anos? Quais são as decisões básicas relativas às práticas curriculares que a instituição de educação infantil deve tomar? Quem são as crianças que frequentam a educação infantil?

“A árvore que não dá fruto

É xingada de estéril.

Quem examina o solo?

O galho que quebra

É xingado de podre, mas

Não havia neve sobre ele?

Do rio que tudo arrasta

Se diz que é violento

Ninguém diz violentas

As margens que o cerceiam”.

Bertolt Brecht

Retorne às Diretrizes Curriculares Nacionais no Portal do MEC: <www.mec.pe.gov.br/cne>.

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A refl exão sobre essas questões aponta para o que a instituição educativa é, a sua razão de ser e para o que ela deseja atingir. É a oportunidade para a comunidade institucional e a local entenderem o que precisa mudar na instituição e como processar as mudanças. Daí brotam as diretrizes que devem nortear o trabalho educativo, as quais são entendidas como expressão das grandes opções políticas (visão da criança que pretendemos ajudar a formar e da sociedade em que almejamos viver) e pedagógicas (ação educativa baseada na compreensão da criança como sujeito histórico-social).

Agora, podemos perguntar: O que signifi ca planejar as ações? Tal tarefa pressupõe o estabelecimento de objetivos (alvos a ser perseguidos); de estratégias (defi nição do processo por meio do qual os objetivos serão implementados); de metas (resultados que devem ser atingidos) e de ações (o que deve ser feito para enfrentar as fragilidades e fortalecer as potencialidades). Ao planejar as ações, a instituição deve ocupar-se com a previsão e a provisão de recursos fi nanceiros e físicos e de talentos humanos. O referido planejamento deve conter, também, momentos avaliativos voltados para a correção e o aprimoramento dos rumos das ações. Quando essas decisões são tomadas discursivamente, a responsabilidade com os resultados é de toda a coletividade.

Esse movimento favorece a conversão dos resultados da avaliação institucional em ações, indicando aquilo que de novo deve ser implementado e o que precisa ser aperfeiçoado, tendo em vista as transformações almejadas. Em geral, as soluções construídas podem ser implementadas em curto, médio e longo prazos. Enfi m, é o momento de a instituição dizer, em linhas gerais, o que pretende fazer em relação à organização da instituição, do trabalho pedagógico, das atividades de apoio técnico-administrativo e das atividades de articulação com a comunidade. Isso não signifi ca que o Projeto Político-pedagógico planeje exaustivamente todas as questões pedagógicas, administrativas e fi nanceiras, mas é o espaço para redimensioná-las de modo mais geral.

A execução do Projeto Político-pedagógico, o quarto momento do processo de construção do PPP, identifi ca-se com o desenvolvimento da gestão sustentado no <Conselho Escolar>, visto como órgão de decisão, instrumento de democratização, espaço público. Como órgão deliberativo, assume importantes estas funções:

a) Possibilitar que as decisões sejam tomadas de forma participativa;

b) Contribuir para transformar a instituição em um espaço comunicativo;

c) Colaborar/estimular para a criação de uma cultura avaliativa;

d) Favorecer a interação da instituição educativa com a comunidade na qual está localizada.

Releia a Unidade I do Componente Curricular: Gestão e Planejamento e destaque o signifi cado de Conselho Escolar no contexto da gestão democrática.

Fonte: <http://www.tapera.rs.gov.br/noticias/2006/marco/profes1a.jpg>.

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A execução no Projeto Político-pedagógico exige o desenvolvimento de um programa de formação continuada para os profi ssionais da instituição que, sem desprezar a participação deles em cursos, seminários e congressos, realiza as suas próprias atividades. Considera que “é no espaço concreto da escola, em torno de problemas pedagógicos ou educativos reais de cada escola, que se desenvolve a verdadeira formação” (NOVOA, 2001, p. 12). Essa é uma tentativa de aproximar as ações formativas da realidade da instituição. Entendemos que essa é uma formação em serviço não só porque ocorre no ambiente de trabalho do profi ssional, mas porque atende às suas necessidades.

Quando falamos que a execução do PPP está sob orientação da gestão institucional apoiada no conselho e, portanto, de responsabilidade da comunidade interna e da externa, queremos dizer que o serviço de coordenação pedagógica, quando existir, constitui-se em um elemento da gestão no sentido mais amplo.

Em geral, a coordenação pedagógica assume a responsabilidade de fazer a mediação entre as ações educativas desenvolvidas no ambiente institucional e os sujeitos desse processo, tendo por referência o PPP. Como mediadora do trabalho pedagógico, a referida coordenação deve ocupar-se com as atividades formativas desenvolvidas e com a organização dos meios para a efetivação do trabalho pedagógico de qualidade.

Pelo que vimos, a construção de um projeto Político-pedagógico só tem sentido se os sujeitos que fazem a instituição educativa se colocarem em uma perspectiva de mudanças e se assumirem planejar e fazer o ato educativo, no âmbito da instituição em que atuam. Vamos recordar a importância do projeto para o êxito do trabalho educativo, ouvindo a canção “Planejando sempre”.

UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

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Ando a planejarporque tentei à beça.Busco mais juízoporque improvisei demais.Hoje me sinto com sorte,aprendiz que sabe.Só levo a certezade que eu pouco planejei,e eu já mudei.

Projetar os passos, o amanhã.Construir a escolaque é cidadã.É preciso chãopra poder sonhar.É preciso lutapra seguir.

Penso que mudar a escolaé semear sementes,encontrar pessoasconvivendo sempre.

Como o mestre Paulo Freire,educando a cidade,eu vou com autonomia.E, com liberdade, eu vou,cidade eu sou.

Projetar os passos,o amanhã.Construir a escolaque é cidadã.É preciso chãopra poder sonhar.É preciso mãos pra poder unir.É preciso lutapra conseguir.

PLANEJANDO SEMPRE

Paródia da música Tocando em frente, de Almir Santer e Renato Teixeira – Ed. Arzé Caipirarte / Ed. Peer Music.

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Gestão e Planejamento na Educação Infantil

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UNIDADE III

COMO PROMOVER A ARTICULAÇÃO DASINSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO INFANTIL

COM SETORES DA SOCIEDADE

AULA 9: REFLETINDO SOBRE A INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO INFANTIL COMO ESPAÇO DE INTERAÇÃO

Os nossos estudos, até agora, versaram sobre a gestão e os instrumentos que podem viabilizá-la em uma perspectiva democrática, tendo por referência a instituição que oferece a educação infantil, como componente da educação básica. O nosso pano de fundo foi a discussão da gestão democrática como possibilidade de tornar-se um ato comunicativo orientado pelo entendimento endereçado a um acordo válido acerca do sentido, dos objetivos e do fazer educativo.

Estamos falando de uma gestão que é concebida como todo o trabalho relativo ao processo de tomada de decisões e de implementação das mesmas. Logo, uma ação eminentemente política. Uma gestão que desloca o eixo do seu agir do sujeito para as relações intersubjetivas e, em última instância, preocupada com a formação de pessoas comunicativamente competentes.

Por essas razões, antes de iniciarmos os estudos sobre a articulação da instituição da educação infantil com os setores da sociedade, vamos refl etir sobre a própria instituição, na qualidade de espaço de interação, capaz de rejeitar qualquer forma de discriminação em busca da emancipação. Nessa perspectiva, “[...] a prática preconceituosa de raça, de classe, de gênero ofende a substantividade do ser humano e nega radicalmente a democracia” (FREIRE, 1996, p. 36).

Acreditamos que a instituição de educação infantil tem condições de criar e validar regras, por meio de processos comunicativos, para guiar as suas formas de agir. Subjaz a essa questão a ideia de que quem ajuda a construir uma decisão, via entendimento, torna-se responsável pelo seu cumprimento, acredita e luta para alcançar resultados e, sobretudo, age de acordo com o que foi assumido, mesmo que as decisões não contemplem os seus interesses particulares. “Quem aceita uma ordem sente-se obrigado a executá-la; quem faz uma promessa, sente-se no dever de cumpri-la, caso seja necessário; quem aceita uma asserção, acredita nela e comporta-se de acordo com ela” (HABERMAS, 1990 p. 72).

Aqui ganha singular importância o fato de as decisões serem tomadas para além do plano individual em relação ao outro e, na interação de ambos, rumo à construção de uma comunidade educativa, assentada em bases comunicativas. Fica claro que os indivíduos e grupos têm a oportunidade de afi rmar suas diferenças e posições particulares no sentido de serem acordadas

Estude, no livro de LIBÂNEO, José Carlos - Organização e Gestão da Escola: teoria-prática – Capítulo 10 – as atividades de direção e coordenação.Você encontrará este material na biblioteca de seu PMAP.

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para que o entendimento seja possível. Nesse momento, as concepções ideológicas e valorativas fi cam evidentes, pois são elas que dão visibilidade à pluralidade da instituição formada por pessoas com propósitos distintos, mas que estão dispostas a pensar e a agir a partir dos entendimentos formados.

Está em debate a instituição de educação infantil como espaço de convivência, no qual as pessoas tenham direito de exercitar a fala, a argumentação e a tomar decisões sobre o projeto educativo institucional. Vislumbramos a instituição educativa como um espaço em que se desenvolvam as potencialidades imanentes ao ser humano voltadas para a comunicação e interação. Trata-se de um espaço em que as pessoas sejam instigadas a agir comunicativamente.

É a convivência com as diferenças que coloca a construção de consenso como condição fundamental para tornar possível uma ação coletiva. Nessa perspectiva, a comunidade “[...] não é um coletivo que obriga seus membros, uniformizados à afi rmação da índole própria de cada um” (HABERMAS, 2002a, p. 08). Portanto, podemos entender a comunidade como um sujeito coletivo,

[...] um grupo de pessoas que possui uma identidade comum, um juízo comum sobre a realidade e reconhece-se participante do mesmo “nós-ético”, ou seja, percebe-se fazendo parte de uma mesma realidade comportamental, que é, por assim dizer, extensão de suas próprias pessoas. O grupo procura viver em comum-unidade, não necessariamente sob a mesma determinação geográfi ca. O que o unifi ca é, principalmente, o juízo comum sobre a realidade (SILVA, 1996, p. 94-95).

Como caminhar na direção de tornar a instituição que oferece educação infantil como um espaço de interação? A interação é entendida como uma esfera da sociedade em que as normas sociais se constroem tendo por base a convivência entre pessoas capazes de se comunicar e de agir. É importante considerar que, muitas vezes, as pessoas que compõem tal instituição, devido às circunstâncias profi ssionais e de vida que lhes são impostas, sequer se conhecem. Talvez, o ponto de partida fosse criar momentos para ouvir as pessoas sobre suas experiências, e elas se conhecerem e se sentirem desafi adas a dialogar sobre problemas comuns. É o momento de encontrar fatores identifi cadores entre os componentes do grupo. A interação entre as pessoas favorece a interação entre elas, como grupo, e a instituição à qual estão vinculadas.

Paralelamente, as pessoas vão sendo introduzidas em tarefas mais complexas, vão percebendo que os problemas comuns exigem soluções pensadas coletivamente e que o “eu sozinho” não dá conta da pluralidade de situações que exigem soluções igualmente plurais, mas decorrentes do diálogo entre os sujeitos envolvidos. Isso nos faz lembrar uma frase do personagem Diadorim, do livro Grande Sertão Veredas, da autoria de Guimarães

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Fonte: <http://www.bahiagora.com.br/fotos/452.jpg>.

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Rosa: “[...]a cabeça da gente é uma só, e as coisas que há e que estão para haver são demais de muitas, muito maiores diferentes, e a gente tem de necessitar de aumentar a cabeça, para o total.”

Assim, as pessoas caminham para se disponibilizarem ao diálogo e aprenderem a conviver com a diferença. É no respeito às diferenças que as pessoas se encontram para dialogar. Nessa trajetória, não há espaço para exclusão, e sim, para a acolhida no sentido de o grupo tornar-se aprendiz de participação.

É importante que essa aprendizagem comece a aparecer, ou seja, revigorada por meio de ações simples, como, por exemplo, a apresentação de sugestões ou a realização de alguma tarefa delegada pela gestão, não para fi car nesse patamar de participação, mas para avançar, concebê-la e exercitá-la como instrumento de decisão. Lembramos, outra vez, que a participação consiste em ajudar a construir comunicativamente o consenso quanto a um plano coletivo de ação.

Caminhar nessa direção exige que os participantes exercitem uma forma de expressar de forma sincera e verdadeira o que pensam e o que fazem, em termos de educação, e a desenvolverem a capacidade para criar regras de convivência pautadas na justiça e na solidariedade. Com isso, abrem-se espaços para implementação de práticas coletivas inspiradas na confi ança de que as pessoas têm condições de fazer acordos consensuais, sem coação, portanto, democráticos e, com certeza, mais efi cazes porque estão o mais próximo possível daquilo que o grupo tem condições de resolver. Assim, vão se desenvolvendo níveis de interação cada vez mais democráticos, considerando que são esclarecidas as motivações e as razões que caracterizam as decisões coletivas.

Aqui é possível pensar na instituição de educação infantil como um espaço de “inclusão” com sensibilidade para as diferenças. Essa questão nos remete aos ensinamentos de Habermas (2002), no que tange à democracia e ao respeito às diferenças. Para ele, o desrespeito a esse postulado “[...] também surge em sociedades democráticas, quando uma cultura majoritária, no exercício do poder político, impinge às minorias a sua forma de vida, negando assim aos cidadãos de origem cultural diversa de uma efetiva igualdade de direitos” (HABERMAS, 2002a, p. 164.)

Fonte: <http://anid.com.br/images/stories/inclusaosocial.jpg>.

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É na relação com o outro, por meio da comunicação, que vislumbramos a consolidação da democracia, admitindo que ela pressupõe a eliminação da exclusão. O grande desafi o consiste em pensar em inclusão da educação infantil a parir da realidade marcada pela exclusão social e econômica. O problema é considerar que “[...] os cidadãos, mesmo quando observados como personalidades jurídicas, não são indivíduos abstratos amputados de suas relações de origem” (HABERMAS, 2002a, p. 164).

Como nos ensina Habermas (2002), existem caminhos para se chegar a uma inclusão com sensibilidade para as diferenças, o que nos estimula a pensar em instituições de educação infantil capazes de não negar a origem das crianças que acolhem e de desenvolver um trabalho educativo de cunho igualitário e pautado no respeito aos direitos e à autonomia desse grupo populacional. É importante entender que “[...] a inclusão do outro signifi ca que as fronteiras da comunidade estão abertas a todos – também e justamente àqueles que são estranhos um ao outro e querem continuar sendo estranhos” (HABERMAS, 2002a, p. 08).

Lembramos que os temas referentes à inclusão, como combate à exclusão e à diversidade na educação infantil, já foram estudados, apenas queremos, com essa abordagem, revisar e alargar um pouco mais essa discussão. Em relação ao primeiro tema, o foco principal recai na inclusão de crianças portadoras de defi ciência integradas em escolas regulares, chamando a atenção dos acertos e desacertos de tais políticas. A segunda temática abordada leva-nos a refl etir sobre a criança como um ser que tem uma história singular, construída a partir de condicionamentos de sua vida. Toda essa discussão está assentada no artigo 227 da Constituição Federal de 1988, que estabeleceu: “criança como sujeito de direito”.

Para ser um espaço de convivência, a instituição de educação infantil deve assumir, como tarefa principal, o desenvolvimento de práticas decorrentes de acordos intersubjetivamente válidos. É dessa forma que ela pode assegurar a sua vitalidade e desenvolver a sua sensibilidade para envolver a comunidade com sua dinâmica histórica. Para que isso ocorra, é necessário que haja um compromisso institucional com a criação de uma rede de comunicação na qual devem circular, de forma livre, informações, opiniões e críticas. Essa rede pode ser instalada, inicialmente, de forma espontânea e, gradativamente, ser institucionalizada. A tecnologia pode converter-se em uma aliada da gestão, para favorecer a expansão da comunicação entre os sujeitos componentes da instituição educativa. Os ambientes virtuais dão suporte a uma rede de conversação e, muitas vezes, funcionam como locais de integração. Enfi m, em uma instituição com esses propósitos, devem habitar os compromissos com a comunicação ao invés dos compromissos com a manutenção de práticas individualizadas voltadas para “sacramentar” o poder concentrado em algumas pessoas.

Com isso, queremos afi rmar que os sujeitos/atores do processo educativo podem mudar suas concepções, suas formas de agir e instaurar um novo consenso em torno daquilo que historicamente vem sendo desenvolvido. É evidente que tal alteração não pode acontecer de forma rápida. Como aprendemos com Gadotti e Romão (2001), o que está instituído garante a estabilidade que se apresenta provisória, dependente e garantida por certo tempo. O importante é pensar que nada do que acontece no presente, no âmbito da estrutura institucional, pode ser visto como algo defi nitivo e, portanto, imutável.

Estamos discutindo a possibilidade de criação de uma cultura organizacional pautada na

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comunicação que pode ser internalizada pelas pessoas e, gradativamente, gerar uma forma de tomar decisões participativas, democráticas. A cultura organizacional diz respeito

ao conjunto de fatores sociais, culturais, psicológicos que infl uenciam os modos de agir da organização como um todo e do comportamento das pessoas em particular. Isso signifi ca, tratando-se da escola, que para além daquelas diretrizes, normas, procedimentos operacionais, rotinas administrativas, há aspectos de natureza cultural que as diferenciam umas das outras, sendo que a maior parte deles não são claramente perceptíveis nem explícitas (LIBÂNEO, 2001, p. 82-83).

Nesse sentido, cada instituição pode encontrar “o seu jeito de criar uma cultura de participação”. É claro que isso não ocorre sem confl itos, que devem ser exaustivamente debatidos, argumentados, e não, soterrados e camufl ados em prol de uma harmonia institucional. É nesse processo dialógico-intersubjetivo que será encontrado o entendimento formulado com base nos melhores argumentos do ponto de vista da coletividade. Assim, os problemas e as soluções são discutidos publicamente, e as decisões são tomadas coletivamente.

Vale considerar que o modo de agir da instituição é mediatizado pela realidade sociocultural e política mais ampla. Portanto, não depende exclusivamente da vontade das pessoas, mas da sua capacidade de interagir com as forças internas e externas representativas dos interesses de grupos sociais contraditórios e confl ituosos nos moldes dos que imperam na sociedade capitalista.

É nesse cenário em que o gestor vai exercer um poder para coordenar o Projeto Educativo Institucional como um acordo coletivo e, portanto, acatado pelos sujeitos envolvidos em toda a sua plenitude, desde a formulação até as consequências advindas da concretização e da avaliação do citado acordo. Isso signifi ca exercitar o poder sem ranços do autoritarismo, longe de decisões arbitrárias, na perspectiva de executar uma tarefa delegada pelo coletivo institucional, cuja

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Fonte: <http://www.fundosocial.sp.gov.br/FOTOS/1412_bazar3.jpg>.

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principal função consiste em tornar o espaço educativo em que atua mais comunicativo, mais democrático.

Como educador escolhido para coordenar o trabalho de uma instituição de educação infantil, orientado pelo entendimento, o gestor deve buscar entender-se com os sujeitos participantes do processo sobre o pensar e o fazer educativos. É, assim, um colaborador para que a totalidade dos participantes desenvolva sua capacidade de falar, de argumentar, de decidir e de agir, objetivando tornar a instituição uma comunidade comunicativa. Isso signifi ca coordenar comunicativamente os processos decisórios.

O gestor é um profi ssional que vai zelar para que as decisões tomadas de forma consensual sejam implantadas pelos sujeitos participantes do processo, na qualidade de responsáveis pelos resultados, quer sejam satisfatórios ou não. Para tanto, tem por responsabilidade estimular a participação geral, o alicerce da oportunidade igual, em processos discursivos de formação da vontade. Trata-se de gerir a participação, o que implica orientar, coordenar os modos de fazer, acompanhar e avaliar o cumprimento das responsabilidades, obedecendo a critérios decididos pelos próprios agentes que estão implantando as decisões tomadas. Nesse sentido, a participação assume um caráter de um processo de formação e socialização dos sujeitos/atores da educação infantil.

Esse profi ssional tem, portanto, a responsabilidade de ajudar o grupo a entender a participação como um direito. Para isso, ele deve cuidar, em conjunto com as demais instâncias gestionárias, de manter as pessoas informadas sobre a vida da instituição educativa para que as decisões tomadas possam ser coerentes com a realidade que se quer mudar.

A refl exão sobre as creches e as pré-escolas como espaços de convivência não se esgota em aspectos mais gerais da organização institucional, mas alcança as relações construídas entre os docentes, entre eles e outros profi ssionais e de todo o grupo com as crianças, no desenvolvimento das ações de educar e cuidar. O desafi o consiste em transformar tais relações em momentos em que os sujeitos envolvidos, com destaque para o professor e a criança, possam interagir comunicativamente. Está subjacente a essa questão a ideia de que o cuidar e o educar da criança são práticas sociais, atos de interação humana, que se confi guram como um agir com os outros na esteira da construção de uma ação comunicativa pautada no entendimento.

Entendemos, então, que o agir pedagógico desenvolvido com as crianças atendidas em creches e pré-escolas seja marcado por relações intersubjetivas. Na realidade, nessa fase, as crianças devem ter o direito de aprender de forma consonante com o seu nível de desenvolvimento. Devem ter a possibilidade de expor os seus porquês e manifestar os seus sentimentos, suas inquietações e suas satisfações e, com isso, avaliar as práticas educativas. É importante recordar os direitos da criança em toda a sua amplitude. Vejamos que, segundo o Princípio 7 da Declaração dos Direitos da Criança, ela tem o direito de receber uma educação “[...] capaz de promover a sua cultura geral e capacitá-la a condições de iguais oportunidades e a desenvolver as suas aptidões, sua capacidade de emitir juízo e seu senso de responsabilidade moral e social e a tornar-se um membro útil da sociedade.”

Toda essa discussão sobre a instituição de educação infantil como um espaço de interação nos sugere pensá-la não como uma justaposição de múltiplas ações, mas como um todo, que se reconstitui por meio de práticas dialógicas, como uma síntese maior que a soma das partes. Por isso, caracteriza-se como um espaço interdisciplinar.

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A questão da <interdisciplinaridade> já foi objeto de estudo, na perspectiva das práticas curriculares de educação infantil “[...] como um ponto de cruzamento entre áreas de conhecimento ou atividades baseadas em diferentes pressupostos que articulam os conteúdos trabalhados de forma harmoniosa” (Trilhas do Aprendente, Volume 2, p. 341). Queremos revisar o entendimento sobre a interdisciplinaridade no âmbito da produção do conhecimento, da comunicação entre diferentes saberes e enfatizá-la como uma atitude que favorece a intersubjetividade. “Só há intersubjetividade na interlocução de dois ou mais sujeitos que, como tal, se reconhecem fundamentalmentea partir da relação” (RIOS, 1995, p.133). Então, queremos centrar nossa refl exão na interdisciplinaridade como um encontro que

pode ocorrer entre seres – inter – num certo fazer – dade – a partir da direcionalidade da consciência, pretendendo compreender o objeto, com ele relacionar-se, comunicar-se. Assim interpretada, esta supõe um momento que a antecede, qual seja a disposição da subjetividade, atributo exclusivamente humano, de perceber-se e presentifi car-se realizando nessa opção um encontro com-o-outro, a intersubjetividade (ASSUMPÇÃO, 2001, p. 24).

Nesse sentido, a gestão democrática de creches e de pré–escolas pode ser entendida como uma prática interdisciplinar, uma vez que se processa pelo diálogo entre as diferentes áreas que compõem a instituição (pedagógica, administrativa, fi nanceira) e entre diferentes pessoas. Um exemplo signifi cativo de que as práticas de gestão são interdisciplinares é o processo de formação de consenso traduzido no esforço de sujeitos atores chegarem a um entendimento sobre questões de cunho fi losófi co, político, administrativo, fi nanceiro e pedagógico.

Uma gestão democrática, de acordo com o que estamos discutindo, ainda está por vir. Portanto afi gura-se como uma utopia, não como algo impossível de ser alcançado, inexistente no mundo presente, mas que podemos lutar para atingir. Para tanto, devemos mobilizar nossa esperança e nossa ação para tornar a utopia realidade. Por isso precisamos construir e reconstruir a nossa esperança por uma gestão democrática. “Sem o mínimo de esperança, não podemos sequer começar o embate. [...] enquanto necessidade ontológica, a esperança precisa de prática para tornar-se concretude histórica, é por isso que não há esperança na pura espera... na espera vã” (FREIRE, 2007, p. 11). (grifos da autora)

Toda essa discussão tem por fi nalidade conceber a creche e a pré-escola como instituições parceiras delas mesmas. Compreendemos que esse é o caminho para se construir parceria com diferentes setores da sociedade. Essa parceria é vista “como reunião de pessoas para um fi m de interesse comum [...]” (FERREIRA, Aurélio, 2000, p. 1493).

Retorne às Trilhas do Aprendente – Volume 2 – Componente Curricular: Seminários Temáticos de Prática Curricular 1 – Unidade III - Aula 7: Perfi l do educador de Educação Infantil no contexto da diversidade e no combate à exclusão, e a Aula 8 para rever o tema: Escola infantil com orientação inclusiva – combate à exclusão e diversidade na escola.

Retorne às Trilhas do Aprendente – Volume 2 – Componente Curricular: Seminários Temáticos e Prática Curricular 1 – Unidade I - Aula 2 para rever o conceito de interdisciplinaridade e sua aplicabilidade.

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AULA 10: ANALISANDO A INTERAÇÃO DA INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO INFANTIL COM A FAMÍLIA

Sabemos que o segmento da comunidade mais próximo das creches e das pré-escolas são os pais ou os responsáveis pela educação das crianças. Segundo o Art. 55 do Estatuto da Criança e do Adolescente, os pais/responsáveis “têm obrigação de matricular seus fi lhos ou pupilos na rede regular de ensino.” E, de acordo com o parágrafo único, do Art. 53, do referido Estatuto, “é direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da defi nição das propostas educacionais.” O envolvimento dos pais ou responsáveis na educação das crianças não é só legítimo, mas necessário.

Entendemos que o “ter ciência” implica a participação dos pais ou responsáveis no cotidiano das creches e das pré-escolas, com a fi nalidade de ajudá-las a desenvolver um trabalho educativo pautado no respeito à liberdade, aos valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança.

Está subjacente a essa discussão o desejo de combater a dicotomia entre o fazer escolar e a tarefa dos pais/responsáveis pela educação da criança. Tal postura aponta para a necessidade de reafi rmarmos que as creches e as pré-escolas, como componentes da educação básica, desempenham, por natureza, um papel fundamental no desenvolvimento da criança, como um ser de relações e capaz de se comunicar e de agir. Isso signifi ca dizer que não construiremos uma educação infantil fora das relações da criança com ela própria e com os outros que a cercam.

A participação não signifi ca delegar aos pais/responsáveis aquilo que é de competência do Estado, através das creches ou das pré-escolas. Mas signifi ca um processo de tomada de decisão, que pressupõe “a consciência da necessidade de decidir, que consiste na identifi cação das situações em que tem que se decidir, dos problemas que tem que serem [sic] resolvidos e no estudo das alternativas possíveis para tomar a decisão” (FERREIRA, 2000, p. 312). Isso exige que se compreenda a participação como um processo de tomada de consciência dos problemas e da criação de alternativas para resolvê-los. Desse modo, os pais/responsáveis precisam tomar consciência e decidir sobre os problemas da educação de seus fi lhos no plano coletivo, o que pressupõe um agir da mesma natureza.

Parece não haver muita clareza quanto ao signifi cado e ao conteúdo da participação dos pais/responsáveis na vida das creches e das pré-escolas. Em que consiste, de fato, a participação desses sujeitos no que concerne ao trabalho de educar e cuidar dos seus fi lhos?

[...] entre alguns pais se ouve a alegação de que a obrigação de ensinar é da escola e que eles, pais e mães, não têm tempo e nem conhecimento para isso. Um corolário dessa objeção é a afi rmação de que chamar os pais a “ajudarem” o professor e a escola seria uma forma a mais de explorá-los, eles que já pagam o ensino com os seus impostos e que já são tão explorados em seu trabalho (PARO, 2001, p. 68).

Em termos do conhecimento, vale destacar a importância de os pais/responsáveis compreenderem a criança em seus diferentes estágios de desenvolvimento e que ela precisa de proteção e de cuidados especiais. Enfi m, conhecerem os direitos da criança e do adolescente e dos seus deveres. O Cordel do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA nos ajuda a refl etir sobre essa questão:

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É muito comum, também, ouvirmos as queixas dos pais que somente são chamados para escutar reclamações sobre seus fi lhos, ou para serem avisados sobre decisões tomadas, que afetam diretamente as suas vidas e a das crianças, e eles sequer foram consultados. Práticas dessa natureza difi cultam, muitas vezes, na implantação de inovações no projeto educativo institucional e, em particular, no trabalho pedagógico, posto que o êxito de tais inovações depende do entendimento de que as mudanças são necessárias para que as crianças aprendam mais e melhor, para que sejam felizes.

De outro lado, os professores reclamam da falta de interesse dos pais/responsáveis para com a educação de seus fi lhos. Entre os reclamos mais comuns estão a ausência e a desobrigação com a educação dos fi lhos, como ilustram as afi rmações: “Os pais procuram se eximir de suas responsabilidades, porque já não estão agüentando com todos os encargos”. “Os pais estão deixando o papel deles pra escola resolver” (PARO, 1995 p. 221).

Paro (1995) afi rma que, de acordo com estudos realizados, existe unanimidade entre os agentes escolares quanto à importância de os pais ou responsáveis ajudarem a instituição educativa na sua tarefa de construir conhecimentos, desenvolvendo ações de acompanhamento e de ajuda em casa, aos deveres de seus fi lhos. Os estudos desse autor também indicam que as crianças bem sucedidas nos estudos, em geral, são aquelas que os pais ajudam. Ao mesmo tempo, o fracasso escolar é imputado, na maioria das vezes, a elas por não estudarem. Assim, o problema da qualidade de ensino não é da instituição que o ministra, mas das crianças e dos pais/responsáveis.

Tais estudos, ainda, apontam que a falta de auxílio dos pais ou responsáveis pode signifi car o não domínio de conhecimentos mínimos necessários para ajudarem seus fi lhos a estudarem. Alia-se a essa questão a falta de capacidade para estimular as crianças a terem uma atitude positiva e duradoura em relação ao comparecimento às aulas, ao estudo e à aprendizagem.

Em verdade, na maioria das vezes, vivemos o jogo do “empurra-empurra” em busca

Consulte o site <http://l i t e ra turadecorde l .v i labo l .uo l .com.br/cordeldoeca.htm> e tenha acesso ao Cordel sobre o ECA, de autoria de Manoel Belizário.

Crianças de zero a seisTêm direito à educação,A Creches, à pré-escola,Sendo uma obrigação

Do Estado assegurar-lhes(Os cuidados e sempre) dar-lhes

(Toda) esta proteção.

Criança e adolescente,Porém, devem entender

Que além dos tantos direitos,Que enumerei pra você,Há deveres a cumprir

Prá quando o amanhã surgirSer cidadão pra valer.

(Cordel do ECA, Manoel Belizário)

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do culpado, o que tem gerado imobilismo, omissão e, até mesmo, rompimento de relações afetivas entre as famílias, os professores e os gestores. Esses são impasses comuns quando os problemas são tratados nos moldes de ataque e defesa e de busca dos culpados. O importante não é pensar quem são os culpados, mas entender os problemas na perspectiva da totalidade, discutindo e decidindo o como e o quanto cada um dos sujeitos está envolvido com a questão na perspectiva da intersubjetividade.

Existem docentes que, ao mesmo tempo em que criticam os pais/responsáveis por não se envolverem na educação dos seus fi lhos, sem, sequer comparecer aos chamados das creches e das pré-escolas, participam demais de outros aspectos da vida das instituições. A afi rmação seguinte é bastante ilustrativa da questão: “Os pais preocupam-se muito (com) quantas aulas é que os professores faltam (...). Portanto, a preocupação deles é com as faltas dos professores às aulas. Mas, por outro lado, eu própria não vi nenhum pai na escola este ano” (SÁ, 2001, p. 76).

Outros educadores consideram difícil a participação dos pais ou responsáveis. A maioria deles é semiletrada, em relação ao ensino de conteúdos escolares e ao auxilio efi caz para a solução dos problemas de aprendizagem apresentados pelos alunos. Mas “a maioria dos professores enfatizam que todos os pais podem muito bem estimular seus fi lhos interessando-se por seus estudos, verifi cando os cadernos, reforçando a autoestima, enfi m, levando-os a perceber a importância do aprender e a sentirem-se bem estudando” (PARO, 2001, p. 70).

De acordo com os estudos de Sá (2001), os professores e os pais/responsáveis chegaram a um consenso em relação à necessidade de maior participação dos segundos, sobre algumas áreas da educação dos fi lhos.

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Fonte: <http://2.bp.blogspot.com/_JBA464oRmkM/SiavAr9reUI/AAAAAAAAAeU/Kg4Pwek2dUU/s400/1232388927_Pais_estudando_com_o_fi lho_560x420.jpg>.

Estude no livro: “Gestão da educação: impasses, perspectivas e compromissos”, de FERREIRA, Naura S. Carapeto; AGUIAR, M. Ângela da S., o capítulo entitulado: “Os Conselhos de Educação e a Gestão dos Sistemas” p. 43 – 60, disponível na biblioteca do Polo.

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Vale considerar que a participação dos pais ou responsáveis na vida da instituição educativa e o seu envolvimento com os objetivos e as ações previstas no Projeto Político-pedagógico podem constituir-se em mecanismos para torná-los, no futuro próximo, decisores da educação de seus fi lhos. Ao mesmo tempo, sujeitos mais capazes de argumentar sobre os direitos da criança, bem como de usufruir melhor de bens culturais a que têm direito e a instituição educativa têm condições de oferecer aos adultos.

Agindo desse modo, as creches e pré-escolas não estariam repassando atribuições aos pais/responsáveis, mas prestando um serviço educativo com dupla fi nalidade: ajudar na formação desses sujeitos como educadores de seus fi lhos e aproximar o trabalho de “educar e cuidar” das crianças na perspectiva do agir comunicativo.

O ponto de partida para o agir comunicativo talvez consista em construir um entendimento sobre as diretrizes que devem guiar a articulação dos pais/responsáveis com a instituição educativa. O processo interativo de coordenação das ações, que envolve tais sujeitos com as instituições educativas, segundo normas sociais produzidas pelo grupo, pode desaguar em acordos sobre as formas de atuação conjunta, em uma perspectiva de complementaridade e continuidade. É um caminhar no sentido de superar a justaposição em que, de um lado, está a instituição escolar e, de outro, os pais/responsáveis.

A interação de tais sujeitos com as instituições da educação infantil exige que eles cheguem a um entendimento sobre o que compete a cada um dos grupos, unidos pelo desejo de contribuir para formar crianças que, conforme a Declaração dos Direitos da Criança, devem ter uma infância feliz e com condições de gozar, em seu próprio benefício e da sociedade, os seus direitos e as suas liberdades.

Nessa perspectiva, os pais/responsáveis podem interagir com as instituições educativas para fi rmar vários acordos, ancorados no acordo maior: formar a criança como ser de inclusão. Entre esses acordos, destacamos: nunca dizer um não a uma criança sem explicar o porquê, ou seja, dizer a razão, mesmo que ela, de imediato, não entenda que a argumentação negativa, feita pelo adulto, traz em seu bojo algo melhor para ela. É agir com inspiração freireana: O amor ao seu fi lho exige que lhe diga não; estabelecer limites, considerando que as crianças, ainda muito pequenas, vêm para a instituição educativa desorientadas, no que se refere aos seus direitos e deveres; reconhecer a liberdade e a necessidade de as crianças, ainda pequenas, exercitarem, de forma responsável, a tomada de decisões e assumirem as consequências.

Em qualquer decisão, acontecem sempre o esperado, o pouco esperado e o inesperado. O importante é a criança ter direito de experimentar as consequências das decisões que tomam.

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Curiosamente, essas áreas envolvem a participação dos pais na educação dos fi lhos fora da escola. Questões, como “incentivar os fi lhos a serem mais aplicados e a valorizar mais aquilo que se aprende na escola”,”ajudar os fi lhos a organizarem o tempo em casa (horas para ver televisão, horas para estudar, etc.)”, “ensinar os fi lhos como se devem comportar na escola”, “ajudar os fi lhos na elaboração dos trabalhos de casa”, apresentam não só um relativo consenso [...] como evidenciam uma taxa de concordância particularmente elevada [...] (SÁ, 2001, p. 80).

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Uma das tarefas pedagógicas dos pais é deixar óbvio aos fi lhos que sua participação no processo de tomada de decisão deles não é uma intromissão mas um dever até, desde que não pretendam assumir a missão de decidir por eles. A participação dos pais se deve dar, sobretudo na análise, com os fi lhos, das conseqüências possíveis da decisão a ser tomada (FREIRE, 1996, p. 106).

Vinculada à questão dos limites está a temática da autoridade. Em algumas situações, os pais/responsáveis delegam toda a responsabilidade para os professores. São comuns expressões desse tipo: “pode colocar de castigo, pode fazer o que quiser; eu já não posso mais com ele(a).” “Já fi z o que foi possível.” “Peço ajuda, ele(a) não me obedece, não sei o que fazer.” “Ele não tem culpa, a culpa é de vocês que não o orientaram direito, portanto, devem ter paciência.” “A culpa é dos professores que não se fazem respeitar, pois em casa ele(a) me obedece.” Em alguns momentos, os pais/responsáveis pedem uma postura autoritária e, contraditoriamente, a compreensão quase ilimitada para com as formas de agir de seus fi lhos. Assim, demonstram carência quanto a novas orientações para que possam compreender que existe uma alternativa, para além do autoritarismo (nada pode) e do espontaneísmo (tudo pode), o que implica uma prática dialógica, entendida como ensinar e aprender a conviver respeitando as diferenças.

Outro acordo que pode ser feito refere-se à relação das crianças com as tecnologias da informação e da comunicação. Nesse aspecto, elas têm informações demais e muita difi culdade em selecionar as mais signifi cativas para as suas vidas. Nesse cenário, sabemos que, na atualidade, a aquisição da informação não depende exclusivamente do professor. “As tecnologias podem trazer hoje dados, imagens, resumos, de forma rápida e atraente. O papel do professor – o papel principal – é ajudar o aluno a interpretar esses dados, a relacioná-los e a contextualizá-los” (MORÁN, 1993, p. 228). Essa é, também, uma tarefa dos pais/responsáveis no sentido de ajudar as crianças a construírem uma visão crítica diante das aprendizagens adquiridas frente às tecnologias da informação e da comunicação.

É importante que tanto os pais/responsáveis quanto os professores acordem com eles mesmos e entre si que devem respeitar a diversidade e o nível de desenvolvimento das crianças e demonstrar práticas acolhedoras para que possam servir de referências positivas para a vida

Fonte: <http://www.clicrbs.com.br/blog/fotos/192083post_foto.jpg>.

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delas, o que não signifi ca falsear a realidade em termos dos confl itos que a caracterizam. Ainda em relação à perspectiva do acolhimento, esses educadores devem demonstrar a capacidade de dialogar e, quando necessário, pedir desculpas às crianças por agirem autoritariamente, desrespeitando a sua forma de ser, e por desacreditar em suas possibilidades. Gestos dessa natureza plantam sementes para o entendimento e para práticas de justiça e de solidariedade, ao contrário do que se possa pensar em perda de autoridade.

Afi rmações sobre a participação e a não participação dos pais/responsáveis na vida escolar dos seus fi lhos exige explicações para além do aspecto pedagógico, considerando que as raízes do conteúdo de tais afi rmações estão na estrutura da sociedade que, cada vez mais, retira tempo e condições materiais para que eles acompanhem mais de perto o desenvolvimento das atividades escolares das crianças. Entendemos que as refl exões feitas nesta aula são parciais e insufi cientes e não explicam as mencionadas questões, pois não discutimos os múltiplos fatores que condicionam a prática educativa.

A participação dos pais na vida da instituição que atende aos seus fi lhos ocorre de forma institucionalizada, via Conselho Escolar, criado, conforme estabelece o art. 14 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96, para atender ao princípio da participação da comunidade escolar e local na gestão democrática. Em geral, para participar do Conselho Escolar, os pais são escolhidos em Assembleia Geral, em conjunto com os representantes dos demais segmentos da instituição educativa. São selecionados pelos seus pares, por meio de eleição direta. Como representantes do grupo dos pais, os eleitos devem ser capazes de se comprometer com a luta dos outros que não têm assento no Conselho. Para transformar esse Colegiado em instrumento de democratização das relações da instituição educativa, com a participação dos pais, é preciso defi nir regras para a articulação entre os representantes e os representados. Esse é um momento para aprenderem a exercitar o seu direito de participar e decidir sobre os rumos da educação dos seus fi lhos e dos fi lhos dos outros.

O Conselho Escolar, conforme já vimos, é parte da estrutura da instituição educativa e tem por fi nalidade principal romper com os processos de exclusão. É, portanto, um espaço público, de inclusão e de igualdade política. Importa destacar que ele gera

o sentimento de pertença ao estabelecer um vínculo de cumplicidade, cria laços identitários com os diferentes membros da comunidade escolar. Ele se desenvolve quando os diferentes segmentos que compõem a comunidade escolar participam de todos os momentos do processo de construção, execução e avaliação do projeto político-pedagógico. É um movimento de aceitação do grupo como um todo. E a primeira exigência para se desenvolver o sentimento de pertença é a presença dos princípios de justiça e do tratamento igual para todos (VEIGA, 2007, p. 122).

Os pais podem participar da Associação de Pais e Mestres (APM), quando ela existir na escola. “É uma instituição auxiliar, que tem como fi nalidade colaborar no aprimoramento da educação e na integração família - escola - comunidade” (VEIGA, 1998, p. 118). Surgiu em 1963 e pode ser considerada como o nascedor das ações colegiadas. Essa associação surgiu

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[...] sem pretensões deliberativas ou normativas, mas com o objetivo de auxiliar a administração escolar na solução de problemas ligados a reparos do prédio escolar, à orientação de ações educativas (higiene, disciplina, frequência, estudos complementares) e como mediadora dos desentendimentos entre a escola e a comunidade (ABRANCHES, 2003, p. 50).

A participação dos pais pode ser entendida conforme os versos de <cordel>, transcritos a seguir:

Por último, podemos dizer que os pais e os agentes das instituições de educação infantil são parceiros de uma obra de interação. Por isso, só podem atuar de forma entrelaçada, tornando o seu dia a dia em um ato de viver juntos,

que signifi ca mais que o reconhecimento e o respeito. Exige procedimentos que não se reduzam a regras formais como: “todos são iguais perante a Lei”. Exige procedimentos que organizem a representação dos interesses em forma de um debate público onde a tolerância seja institucionalizada (BRENNAND, 2006, p. 89).

Para ter acesso, na íntegra, ao Cordel Escola Feliz, de autoria de Antônio Nunes Santana, acesse o site:<http://www.pucrs.br/mj/poema-cordel-6.php >.

Os pais têm que participar

Da vida escolar dos fi lhos

Têm que dar muitos conselhos

Para eles não saírem dos trilhos.

Os trilhos dos maus caminhos

Há sempre quem vem ensiná-los

E os bons caminhos da vida,

Só os pais podem mostrá-los

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AULA 11: ANALISANDO A INTERAÇÃO DA INSTITUIÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL COM A COMUNIDADE LOCAL

Nas aulas anteriores, estudamos as possibilidades que as creches e as pré-escolas têm de se constituírem como espaços de interação - de convivência democrática - e de viverem práticas interativas com as famílias das crianças.

Nesse movimento, elas não estão sozinhas, mas interagindo com outras instituições de educação básica, de diferentes redes de ensino de uma mesma localidade; de um mesmo espaço geográfi co; de um mesmo território, com as mesmas características sociopolíticas e econômicas. Respeitada a autonomia de cada uma das instituições escolares, entendemos que elas têm um destino comum: atender ao público, prestando um serviço educacional de qualidade.

Sabemos que as instituições educativas, adotando o critério de proximidade, articulam-se em determinadas situações, como o período de matrícula, por exemplo, para negociarem, entre si, vagas que atendam à demanda, com a fi nalidade de não deixar crianças, adolescentes e jovens sem oportunidade de estudar.

Ainda, nessa direção, elas buscam se entender sobre a transferência de alunos, muitas vezes, gerada por problemas de indisciplina e de violência. É habitual elas permutarem alunos com difi culdades de integração e alcançarem êxito nessa prática, tendo em vista que a mudança de ambiente e de orientação parece auxiliá-los a se encontrarem como pessoas e a desenvolverem habilidades intersubjetivas. Desse modo, as instituições vão se ajudando e podem, nesse cenário, descobrir alternativas para inibir práticas que as confi guram, em alguns momentos, como espaço de “batalha” [...] que corta todo e qualquer relacionamento efetivo de identifi cação e reconhecimento humano, o que, de um lado, vê o outro como antagonista, como inimigo, coisa a ser submetida e dominada e cuja integridade precisa ser destruída (VASCONCELLOS, 1998, p. 30).

Entra, ainda, no rol das discussões conjuntas questões alusivas à lotação de professores e à organização de seus horários, notadamente daqueles que atuam em duas instituições, não raras vezes, de redes de ensino diferentes. Existem, também, práticas de discussão sobre o calendário do ano letivo e sobre comemorações e festividades que envolvem várias instituições de ensino da mesma localidade. Em geral, são práticas que acenam na perspectiva de interação entre essas instituições em torno de interesses comuns.

Mais recentemente, algumas escolas de educação básica têm empreendido esforços para realizar programas de formação continuada em conjunto, evitando duplicidade de ações e maior racionalidade de custos. Entendemos que são ações pontuais, mas que, pela sua natureza interativa, merecem ser avaliadas, socializadas e recriadas, desde que representem um acordo entre as várias instituições interessadas.

É sobre a possibilidade de as instituições educativas, que ministram educação básica em uma mesma localidade, interagirem em termos de formação continuada de professores que vamos conversar nesse início de aula.

Precisamos recordar que tais instituições, de acordo com o art. 22 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96, “têm por fi nalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe

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meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”. E para dar conta desses objetivos, assumem, também, a responsabilidade com a formação docente.

A formação de professores reveste-se de singular importância no contexto das discussões relativas à gestão democrática. Entre os signifi cados da palavra formação, destacamos: “educar-se; instruir-se; preparar-se; se constituir; dar forma a (algo)” (FERREIRA, 2000, p. 923). “E na inclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente” (FREIRE, 1996, p. 58).

Está implícito, nesse conceito, o estado de incompletude humana. Portanto, podemos defi nir a formação de professores como um processo, um percurso, uma caminhada, uma trajetória que exige cada vez mais que se avance na busca do saber, do saber fazer e do saber ser. Está em jogo a formação das pessoas e dos profi ssionais.

Entendemos, então, que a formação docente só tem condições de ser efetiva quando vinculada à experiência de vida. As práticas profi ssionais se tornam o fulcro da formação. Vale lembrar que aprendemos com Freire (1996) que é na prática e na refl exão sobre ela que nos fazemos e nos formamos educadores.

Desse modo, a formação estende-se ao longo da vida do educador, que deve “cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz”. De acordo com a própria nomenclatura, ela é contínua.

Quer dizer, não tem fi m, é uma constante. Ela pode acontecer sob diferentes formas e em diversos espaços. Pode ocorrer, espontaneamente, quando o professor, por vontade própria, se dispõe a freqüentar um curso, um congresso, um seminário, ou mesmo quando se dedica a estudos individuais em livros, ou pesquisas particulares. Pode efetivar-se também por meio de curso promovido pelos órgãos de governos, por empresas, pela escola, pelo conjunto dos pares quando se dispõem a realizar um projeto ou trabalho em grupo (GEGLIO, 2003, p. 114).

A formação do professor pode ocorrer no seu ambiente de trabalho, é a chamada “formação em serviço”, e diz respeito ao exercício da função docente. A nossa intenção é de acrescentar que a formação continuada, em todos esses formatos demonstrados e conhecidos, pode acontecer de forma interativa, ampliada, o que signifi ca envolver professores das várias instituições educativas mobilizados por interesses comuns, gerados em um debate, cuja culminância pode consistir na decisão das melhores propostas para os participantes do processo, bem como das melhores formas de operacionalizá-las.

Nesse contexto, a formação continuada apresenta-se, antes de tudo, como uma releitura da prática docente, uma ressignifi cação da forma de interagir do professor com as suas próprias experiências e com as experiências dos outros. Assume o caráter de uma intervenção educativa solidária e abandona a perspectiva individual dos processos formativos.

Cabe, então, reafi rmar que a formação continuada e as práticas docentes são intercomunicativas e, como tais, extrapolam o âmbito da linguagem e convertem-se em intervenção transformadora da realidade, capaz de transformar as pessoas como agentes da transformação. Reafi rmamos, então, que a formação continuada de professores não pode ser pensada de forma desconexa da prática docente. Por isso, precisamos reavaliar e ressignifi car a

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relação formação/prática docente. “Desse modo, a formação é processo que produz a identidade da pessoa do professor, ampliando-se esse processo para o âmbito da valorização do corpo profi ssional, construída no e pelo conhecimento das experiências que realizam.” (PORTO, 2000, p. 32).

Tal compreensão exige que se entenda a prática pedagógica em duas dimensões: “a primeira refere-se ao processo educativo que se dá no interior da escola, ao passo que a segunda evidencia-se na prática social, relacionada à formação do homem em suas relações político-culturais (PORTO, 2000, p. 33).

Nosso desafi o, portanto, é o de entender, no campo da linguagem e da ação, as possibilidades de implantar um processo de formação continuada centrado no diálogo do professor, com suas próprias práticas, visando ressignifi cá-las na perspectiva do agir comunicativo. Para tanto,

Vamos prover o diálogo

Com toda perseverança,

Discutindo o que é certo

Mantendo assim a esperança,

De chegar ao “bem comum”

Com a maior confi ança.

Solidariedade e paz – mandamento da paz solidária – Roberto Ribeiro

Com base no diálogo perseverante e esperançoso, podemos organizar o processo formativo segundo normas legitimadas pelos participantes, na esteira de um acordo comunicativamente construído. Trata-se de defi nir um processo formativo não somente pelo seu conteúdo, mas pela maneira consensual em que ele pode ser formulado, executado e avaliado. Estamos nos referindo a um programa de formação continuada interescolar, que pressupõe:

a) Proceder, por meio do diálogo, ao levantamento de necessidades de formação continuada dos profi ssionais das diferentes instituições;

b) Criar um fórum interinstitucional para apresentação, argumentação e decisão dos conteúdos e das formas de desenvolver o programa;

c) Buscar a participação e o apoio dos órgãos governamentais, de acordo com a vinculação das instituições e de outras fontes de recursos;

d) Defi nir o processo de execução e avaliação do referido programa e a responsabilidade dos envolvidos.

Um programa de formação continuada montado nesse formato não pode limitar-se aos conteúdos curriculares, mas ser aberto à discussão sobre a educação básica em toda a sua amplitude, fi nalidades e em suas relações com a sociedade, situada em um mundo sem fronteiras, no qual o outro não pode mais ser ignorado e o conceito de alteridade, ampliado. Mas as escolas de educação básica de uma mesma comunidade podem interagir com outros setores da comunidade na qual estão inseridas. Esse é o segundo ponto da nossa conversa. Vamos

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refl etir sobre o caso mencionado a seguir:

Mirtes é diretora de uma escola numa pequena cidade no interior de Pernambuco. Nessa cidade, há um grupo de pessoas que trabalham com barro, criando um estilo característico de esculturas, muito apreciado pelos poucos turistas que chegam até o local. A pobreza é dominante na cidade. Um grupo de professores da escola, sensibilizado com a situação de vida dos moradores e inspirado em experiências de outros lugares, após muitas aproximações e trocas de idéias, formulou um projeto para divulgação do trabalho dos artistas-artesãos, primeiro para a escola e, depois, para os moradores da cidade. Junto com os pais, os alunos mais velhos e, depois, o prefeito, alguns vereadores e, também, o padre, organizaram no cinema local uma mostra dos trabalhos, convidando a imprensa dos municípios maiores vizinhos. A repercussão do trabalho atraiu turistas e, pouco a pouco, a cidade passou a ser referência de guias de turismo da região. Muitos novos trabalhos se desenvolveram na cidade por conta da instalação do pólo turístico (PENIN; VIEIRA, 2001, p. 108).

Experiências dessa natureza nos motivam a vislumbrar possibilidades de interação das instituições de educação básica com a cultura local. Sabemos que há muitas interpretações para a palavra “cultura”.

Habermas (1990) explica que a pessoa, por meio da linguagem, tem possibilidade de criar estruturas culturais. Para ele, “Cultura é o armazém do saber, do qual os participantes da comunicação extraem interpretações no momento em que se entendem mutuamente sobre algo” (HABERMAS, 1990, p. 96). A cultura é constituída pelos diferentes grupos sociais no decorrer de suas trajetórias históricas, na construção das suas formas de sobrevivência, na organização social e política da comunidade, nas suas relações com o meio ambiente, na produção do conhecimento, entre outros aspectos. Podemos entendê-la como a produção da vida pelas pessoas e pelos grupos sociais a partir das interações que tais sujeitos constroem entre si e com o mundo. A cultura diz respeito a toda existência, todo modo de ser e de agir de uma sociedade.

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Fonte: <http://farm3.static.fl ickr.com/2260/2122129233_98a6d31859.jpg>.

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A cultura pode assumir um sentido de sobrevivência, estímulo e resistência. Quando valorizada, reconhecida como parte indispensável das identidades individuais e sociais, apresenta-se como componente do pluralismo próprio da vida democrática. Por isso, fortalecer a cultura própria e cada grupo social, cultural e étnico que compõe a sociedade brasileira, promover o seu reconhecimento, valorização e conhecimento mútuo, é fortalecer a igualdade, a justiça, a liberdade, o diálogo e, portanto, a democracia (BRASIL, 1997, p. 44).

O caso da cidade do interior de Pernambuco evidencia como a cultura de uma localidade pode ser recriada na interação com a escola, no sentido de produzir novos modos da vida humana. Ao mesmo tempo, demonstra que a escola, como expressão dessa cultura, pode mudar as próprias práticas.

Nessa linha de raciocínio, o artesanato, foco da interação na experiência mencionada, pode ser considerado, durante algum tempo, como eixo das práticas curriculares, gerando ou fortalecendo um agir interdisciplinar. Isso signifi ca dizer que os diferentes conteúdos a serem trabalhados nas escolas de educação básica podem interagir entre si e, em conjunto, com as questões da comunidade.

Esse pode ser o caminho para incentivar o diálogo entre educadores, crianças, jovens e adolescentes sobre sua realidade histórica, reconhecendo as reinvidicações de diferentes grupos sociais e também suas expressões culturais. Trata-se de fazer a contextualização do ensino para que todo conhecimento tenha como ponto de partida a experiência da criança, do jovem e do adolescente, a realidade onde vivem, onde vão atuar como agentes da comunidade e como vão exercer a cidadania.

Tendo por fi nalidade a contextualização, as instituições de educação infantil devem fazer um esforço para situar as crianças no meio sociocultural a que pertencem, incentivando-as a lidar tanto com os conhecimentos do cotidiano quanto com os saberes advindos do conhecimento sistematizado, sem, no entanto, esquecer que as comunidades locais estão, de alguma forma, interconectadas com o mundo por meio das novas tecnologias da comunicação e da informação.

O terceiro ponto da nossa discussão consiste na interação das instituições de educação infantil com associações e movimentos sociais da comunidade, com destaque para aqueles vinculados à manutenção do meio ambiente, “considerando seus elementos físicos, biológicos e os modos de interação do homem e da natureza, por meio do trabalho, da ciência, da arte e da tecnologia” (BRASIL, 1997b, p. 15). Essas instituições têm o papel de educar as crianças para que atuem de modo responsável e com sensibilidade, visando à conservação do ambiente; para que saibam cumprir suas obrigações, exigindo e respeitando os direitos próprios e os da comunidade, tanto local quanto municipal, estadual, nacional e internacional, e para que busquem ampliar os seus compromissos com o ambiente físico e o social. Como referem os cordelistas, é preciso que as crianças entendam que

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A natureza agradece

Quem a trata com carinho

Derrama chuva em prece

Enfeitando teu caminho

A qualquer hora do dia.

O luxo que vem do lixo – Francisco Ferreira Filho Diniz e Mariano Ferreira da Costa

Lidar com tais questões exige que o trabalho educativo extrapole os muros das instituições educativas e alcance a comunidade como parceira das lutas pela proteção, preservação, conservação e recuperação do ambiente, não somente como espaço físico e biológico, mas também sociocultural.

Como quarto ponto da nossa aula, vamos abordar a questão da violência no espaço escolar e as articulações decorrentes dessa problemática. Para fazer face à violência na sociedade, as instituições educativas estão se mobilizando para interagir com os órgãos públicos envolvidos nas questões de justiça, de segurança e de desenvolvimento das comunidades.

A interação com esses órgãos orienta-se pelos objetivos que eles têm de promover os direitos humanos e ampliar os espaços de cidadania. A segurança pública é um direito de todos os cidadãos brasileiros, que somente será efetivado quando o Estado oferecer a proteção e a promoção dos direitos humanos. Isso exige que ele assegure a proteção ao

[...] direito à vida e à dignidade, sem distinção étnico-racial, religiosa, cultural, territorial, físico-individual, geracional, de gênero, de orientação sexual, de opção política, de nacionalidade, dentre outras, garantindo tratamento igual para todos(as). É o que se espera, portanto, da atuação de um sistema integrado de justiça e segurança em uma democracia (BRASIL, 2007, p. 35).

Entendemos que as escolas de educação básica podem atuar no combate à violência, uma vez que têm uma grande importância para as crianças, os jovens e adolescentes quanto à formação de valores e à transmissão e à apropriação de conhecimentos, através de processos interativos que envolvem professores, alunos e estes entre si. Como lugar de convivência da diversidade cultural, historicamente, tais instituições estão aprendendo na prática a amalgamar confl itos externos com rebatimentos no trabalho educativo que elas desenvolvem e a criar alternativas de cunho solidário. Nesse sentido, têm tecido relações mais próximas com a comunidade, com destaque para as famílias, na perspectiva de torná-las parceiras do trabalho

Fonte: <http://1.bp.blogspot.com/_K3rWbb9ME8A/SVzmP2KbTkI/AAAAAAAABj4/ntkZLqugd90/s400/plantando_1.jpg>.

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educativo. Em algumas realidades, tais instituições estão sendo convocadas para experimentar medidas de prevenção no âmbito das políticas públicas.

Em geral, no Brasil, as políticas de combate à violência nas escolas contam com o apoio da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), cuja fi nalidade mais ampla consiste na construção de uma cultura de paz, “que compreende valores essenciais à vida democrática, como participação, igualdade, respeito aos direitos humanos, respeito à diversidade cultural, liberdade, tolerância, diálogo, reconciliação, solidariedade, desenvolvimento e justiça social” (FORTUNATI, 2007, p. 128-129).

No contexto dessas práticas, destacamos o Projeto Nacional da UNESCO – Abrindo Espaços: Educação e Cultura para a Paz, que orienta para a abertura das escolas nos fi nais de semana e a criação de espaços alternativos para atraírem crianças, jovens e adolescentes e toda a comunidade, na perspectiva de criar espaços para vivência de práticas cidadãs. Pernambuco aderiu ao projeto, em caráter prioritário, com a parceria de várias instituições, e contou com a participação das escolas que atenderam ao chamado de abrir as portas à comunidade, para desenvolver práticas de lazer, cultura e esportes.

Os resultados obtidos pelo projeto em Pernambuco são bastante animadores e apontam para os objetivos a serem conquistados. A avaliação de impacto do programa realizada por Waiselfi sz (2003) afi rma que em primeiro lugar, e com grande intensidade, observou-se uma melhoria substancial no clima interno das escolas, especifi camente nas relações entre os alunos e na relação destes com os seus professores. Essa melhoria nas relações internas da escola, por certo, repercutem de forma direta na melhoria das condições de aprendizagem dos alunos. Também, de forma muito marcante, percebeu-se uma melhoria no relacionamento da escola com os pais dos alunos e com as comunidades do entorno. Pais de alunos e membros da comunidade, participando diretamente das atividades oferecidas pelas escolas nos fi nais de semana, apropriam-se de um espaço que antes só era público em teoria (FORTUNATI, 2007, p. 132).

Não temos dados para informar se o projeto contribuiu para a reversão de aspectos da violência em sentido criminal, em relação ao uso das drogas, ao porte e ao uso de armas de fogo, entre outros. Temos informações de que “atos de vandalismo, pichações, roubos e agressões pessoais são algumas das tantas manifestações de violência que começam a diminuir de forma gradativa” (FORTUNATI, 2007, p. 132).

A característica fundamental desse projeto são a parceria e o trabalho de voluntariado, questão que vamos estudar na próxima aula.

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AULA 12: ANALISANDO A INTERAÇÃO DA INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO INFANTIL COM AS EMPRESAS E INSTITUIÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS

Vamos continuar estudando a interação das instituições de educação básica, com destaque para aquelas que ministram educação infantil. Desta vez, com as empresas e organizações não governamentais, sob o manto de que precisamos mobilizar a sociedade para participar da construção de novas perspectivas para a educação. Tal participação tem ocorrido, por um lado, com a implantação de práticas de gestão democrática e, por outro, com a solicitação de recursos fi nanceiros, materiais e humanos.

Ao longo da nossa história, o empresariado brasileiro tem revelado o interesse de ser corresponsável pela viabilização da qualidade de ensino. Tal proposta se fundamenta no princípio de que investir em educação é estratégico para o desenvolvimento do país. É possível entender que o empresariado, visando ao aumento de seus lucros, está fi cando mais sensível para investir na formação dos trabalhadores. A preocupação com educação tem sido demonstrada com a participação em projetos criados para tal fi nalidade. Um exemplo signifi cativo é o Projeto “Adote uma escola”, destinado a incentivar empresas a apoiarem com recursos fi nanceiros reparos e manutenção do prédio, complementação do quadro de funcionários, e, em alguns casos, até mesmo como incremento salarial para os professores.

A adoção de escolas tem diferentes formas de operacionalização. Conhecemos casos interessantes em que o empresário disponibiliza terreno para construir creches, com a fi nalidade de atender a uma população pobre, que não tem condições de se deslocar para localidades mais distantes. Além de ceder o terreno, o proprietário da empresa ajuda na manutenção mensal, de acordo com as demandas apresentadas, durante um longo período de tempo. No início, os recursos são carreados para melhoria das instalações físicas e, depois, destinados ao pagamento de prestadores de serviços temporários. Nesse caso, não há nenhuma interferência da empresa no projeto educativo dessas instituições, já que elas têm uma experiência consolidada, validada pela comunidade e, consequentemente, respeitada pela referida empresa.

Fonte: <http://www.colatina.es.gov.br/noticias/cultura/imagens/f1007013a.jpg>.

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A procura mais frequente pelas instituições adotadas consiste em solicitar a contribuição das empresas para manutenção ou melhoria das condições físicas dos prédios escolares e para materiais e equipamentos, entendidos como instrumentos capazes de ajudar na melhoria do ensino. Fazem parte também das solicitações mais comuns doações voltadas para realizar eventos culturais e esportivos e para remunerar professores em programas de formação continuada, como, por exemplo, cursos, seminários e palestras.

Na linha da colaboração, as parcerias mais comuns acontecem por meio de campanhas desenvolvidas para resolver problemas de uma ou mais escolas; doação de produtos, serviços e materiais; cessão de espaço físico e de recursos humanos para a escola; celebração de convênios, visando ao uso de laboratórios e equipamentos; assessoria, tendo em vista a formulação de projetos específi cos; patrocínio de eventos esportivos, culturais, festivais e feira de ciências; oferecimento de prêmios; oferta de vagas em atividades formativas para alunos e professores; oferta de bolsas de estudo para professores; desenvolvimento de programas de estudos complementares para alunos com difi culdades de aprendizagem, entre outras.

Ao lado de práticas de adoção e de colaboração de escolas, surgiram a ideia de parceria justifi cada pela importância da educação para o desenvolvimento social e econômico do Brasil; a importância da participação da sociedade no processo de melhoria da qualidade do ensino; a necessidade de descentralizar e desconcentrar formas de gestão em âmbito local e ampliar a autonomia das instituições educativas.

A parceria, na maioria das vezes, visa ao suprimento de recursos fi nanceiros e coloca para a instituição educativa a necessidade de tomar a decisão de buscar recursos para melhorar suas condições de funcionamento. Isso acontece no bojo da política de delegar

a cada escola a responsabilidade de viabilizar recursos na sociedade para melhoria de suas condições, apoiada em padrões de gestão de educação que enfatizam a importância da autonomia administrativa e fi nanceira da escola. O empresariado é o segmento social mais diretamente convocado para prover auxílios fi nanceiros, com o agravante de abrir, também, a possibilidade de transposição para as instituições educacionais dos critérios de organização empresariais, visando torná-las mais efi cientes e produtivas (SOUSA, 2000, p. 266).

De acordo com esses argumentos, delineia-se não o deslocamento do fi nanciamento da educação do âmbito público para o privado, mas de uma complementação de recursos. Também fi ca evidente o interesse em implantar uma lógica privada na gestão pública mediante o estímulo para a adoção de critérios de organização empresariais e que tais práticas podem fazer a diferenciação entre as instituições educativas, o que contribui para a fragmentação do sistema de ensino e o acirramento das desigualdades entre escolas.

Em algumas situações, as parcerias confi guram-se como troca entre a empresa e a escola. É o caso de uma instituição médica oferecer atendimento especializado às crianças de uma determinada pré-escola e esta, em compensação, organizar uma turma de educação de jovens e adultos para alfabetizar os funcionários que prestam serviços à tal empresa. A empresa pode, ainda, contribuir com recursos anuais para a aquisição de material didático para crianças da pré-escola e, em contrapartida, os fi lhos de seus funcionários terem vagas garantidas.

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Sousa (2000), após estudar a situação da Parceria Escola-Empresa em São Paulo, nos meados da década de noventa, evidenciou a existência de projetos nos quais competia à Empresa apoiar iniciativas das escolas por meio de ações voltadas para: implantação de um sistema de coleta de dados gerais, ajuda ao corpo docente e à gestão a compreenderem o desempenho escolar, na perspectiva de colocar os dados a serviço da prática docente e da criação de instrumentos e de indicadores, tendo em vista a avaliação institucional.

Em outros projetos, o apoio da empresa voltava-se para implantação e manutenção de espaços de comunicação, informação e socialização do conhecimento, com a fi nalidade de estimular a leitura e a pesquisa, como também o desenvolvimento de ações de preservação do meio ambiente.

Esse estudo revelou que as empresas montavam os projetos direcionados ao ensino e à aprendizagem e apresentavam às escolas para elas decidirem sobre o seu engajamento ou não. Em geral, as propostas tratavam da avaliação externa do desempenho dos alunos por meio da aplicação de provas, da capacitação de professores e de aulas de reforço para os alunos com difi culdades de aprendizagem.

Diante dessa realidade, é possível inferir que não existia uma relação dialógica entre a escola e a empresa, ou seja, um acordo que representasse uma legítima expressão do embate entre propostas apresentadas e argumentadas pela empresa ou pela escola. Assim, o que, muitas vezes, chamamos de parceria, caracteriza-se como ações pontuais de colaboração de empresas ou de instituições com fi ns não lucrativos, junto com as escolas, na perspectiva do assistencialismo social. Nesse sentido, não acontecia uma efetiva interação resultante de um entendimento sobre os interesses dos parceiros, isto é, uma reunião de pessoas em torno de objetivos comuns.

O estudo realizado por Sousa, mencionado anteriormente, deixou em evidência que, de modo dominante,

o que existia por parte da escola era uma iniciativa ou uma abertura para obtenção de recursos de empresas, especialmente aquelas localizadas em regiões próximas, visando à melhoria de suas condições físicas e materiais. E, da parte da empresa, não se notou uma tendência de intervenções que pudessem ser caracterizadas como expressão de uma intencionalidade de interferir nos rumos da educação. Um dado que reforça essa interpretação é o pequeno montante de recursos que as empresas destinavam aos programas educacionais (SOUSA, 2002, p. 273).

A interação entre escola e empresa, apesar das fragilidades, em geral, é bem avaliada pelos participantes, que destacam como positividades os serviços prestados à melhoria do ambiente de trabalho, em termos físicos e estruturais. Ainda na linha das positividades, vale destacar a importância das ações voltadas para a melhoria da aprendizagem dos alunos, combatendo a repetência e a evasão.

As positividades apresentadas convivem com certa desconfi ança e resistência por parte dos sujeitos atores do processo educativo face aos objetivos da empresa. É comum ouvir indagações da seguinte natureza: “Quais são os reais interesses da empresa?”, “O que está por trás desse interesse de colaborar com a educação?”. Por outro lado, há certa clareza de que as empresas buscam apoiar as escolas com o interesse de publicizar uma atitude de responsabilidade social.

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UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 9 Aula 10 Aula 11 Aula 12

Em alguns momentos da nossa história, <o discurso sobre a participação das empresas na educação> tomou muito vulto nos meios educacionais, mas, nem sempre, teve repercussão efetiva na prática. É possível depreender que, do lado do empresariado movido pelo interesse de manter uma imagem positiva diante da sociedade, presta ajuda às instituições educativas e busca interferir na gestão educacional. No entanto, do lado do governo, sob a égide da gestão democrática, parece existir uma preocupação em explicar que a crise da educação não nasceu, nem será resolvida, exclusivamente, no âmbito do Estado. Também parece que, se a comunidade não se mobilizar, as crianças, os jovens e os adolescentes não terão uma educação de qualidade nem as instituições terão uma estrutura física condizente com as exigências mínimas dos padrões solicitados para uma aprendizagem bem sucedida no âmbito de uma convivência democrática.

Nessa linha, as instituições educativas estão sendo responsabilizadas, individualmente, pelos acertos e desacertos do seu modo de fazer a educação. Portanto, cabe a elas lutarem, “correrem atrás” de recursos que possibilitem alterar as suas condições de funcionamento.

Fazer parcerias implica verifi car a importância da ação para as instituições envolvidas, ou seja, negociar o que efetivamente será realizado. O processo de negociação pressupõe a análise da capacidade de assumir os compromissos fi rmados e de as instituições candidatas a parcerias dialogarem, com a fi nalidade de defi nir, com clareza, as atribuições e os benefícios a ser alcançados, bem como o estudo do potencial avaliativo e técnico das instituições envolvidas. O importante para a escola é usufruir o máximo das parcerias, sem, contudo, deixar que elas determinem os rumos do trabalho educativo.

Defendemos que a parceria não exime o Estado de garantir a toda a população educação

Fonte: <http://www.portalms.com.br/adm/imagens/%7B501993BD-051E-4272-80D2-5EF0A96054C6%7D_1233140428_noticia.JPG>.

Retorne às Trilhas do Aprendente - Volume 2, Unidade I, Componente Curricular: Política Educacional, Aula 1, Tema: Uma abordagem histórica das políticas educacionais.

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UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

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pública e gratuita de qualidade, o que exige, necessariamente, investimentos públicos para esse setor. Também não implica “privatizar” a escola, mas um caminho para ajudar a viabilização de melhores condições de ensino. Possibilita que a escola, em algumas situações, resolva seus próprios problemas de forma mais ágil e competente, em substituição a práticas dependentes da boa vontade e de favores políticos. É uma forma de o setor empresarial direcionar seus investimentos para fi ns sociais, culturais e educacionais, na perspectiva de melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores e da sociedade.

É possível admitir que a parceria não é a solução para todos os problemas da escola pública, mas é uma alternativa que pode contribuir para atenuá-los em complementação à ação do Estado. De qualquer modo, a parceria confi rma que o poder público não vem cumprindo as suas responsabilidades e que não é mais o único provedor das soluções dos problemas da educação pública.

A esse respeito, é importante observar o que disse uma diretora sobre a parceria da escola pública com as empresas. Considerou que é interessante, “desde que o ensino público e gratuito seja mantido e que a linha pedagógica da escola seja respeitada, não havendo imposições ou limitações nesse aspecto” (SOUSA, 2000, p. 275).

Essa discussão nos remete a uma revisão do papel do Estado, cujas funções foram redefi nidas e ajustadas no âmbito do capitalismo. Lembremo-nos, em primeiro lugar, do Estado capitalista, regulador ou intervencionista, rotulado como sendo do bem-estar social ou Estado Social, que se ocupava com a garantia da administração e do fi nanciamento da sociedade. Sob o manto do bem-estar social, aconteceram intervenções orgânicas nas relações de trabalho, foram criados seguros e pensões nacionais e introduzidas políticas públicas compensatórias. Isso possibilitou ampla intervenção estatal nas áreas econômica e social.

A decadência do Estado do Bem-estar Social justifi ca-se pelas alegações de que ele é inefi ciente (não atende satisfatoriamente às exigências do mercado); paternalista (incentiva a ociosidade e a dependência, fatores que desestimulam investimentos); perdulário (investe muito e obtém fracos resultados); despótico (impede o funcionamento da economia e impõe aos cidadãos os serviços, inibindo a livre opção) e corrupto (sofre perversão nas suas funções).

Diante de tais fatos, reduziram-se o Estado e suas responsabilidades sociais. Tal redução se sustenta nos seguintes argumentos: o gasto com políticas sociais atrapalha o desenvolvimento da economia, uma vez que origina o défi cit orçamentário, estimula a emissão de moedas ou empréstimo no sistema bancário; a sua capacidade reguladora junto com o mercado é quase nula, pois, quando limita o livre jogo do mercado, desestimula investimentos e, consequentemente, difi culta o desenvolvimento econômico e a geração de empregos; as políticas de proteção social são onerosas e danosas para o desenvolvimento econômico. É nesse cenário que afl ora o Estado mínimo contra o Estado paternalista: “o Estado mínimo é hoje reproposto contra o Estado assistencial, do qual se deplora que reduza o livre cidadão a súdito protegido; numa palavra, é reproposto contra as novas formas de paternalismo” (BOBBIO, 2000, p. 136).

Com o declínio do Estado do Bem-estar Social, fi ca problemática a questão da escola de educação básica como serviço público sob total responsabilidade do Estado. Nesse novo cenário, a comunidade também se torna responsável por garantir uma educação de qualidade a todos os cidadãos. Desta forma, consagra-se a incorporação da participação popular nas instituições educativas por meio de Conselhos Escolares que, ao mesmo tempo, constituem-se

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Gestão e Planejamento na Educação Infantil

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UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 9 Aula 10 Aula 11 Aula 12

em instrumentos de democratização da gestão e de consolidação do Estado Mínimo, chamado Estado Efi ciente.

É nesse movimento que devemos compreender o chamado Terceiro Setor e todas as estratégias voltadas para o estímulo à criação de práticas de voluntariado. Aqui se situam as parcerias das instituições educativas – organizações não governamentais (ONGs).

Ao fi nal, o que seria o Terceiro Setor? Existem diversas formas de abordar essa questão. O Terceiro Setor pode ser considerado um forte movimento social que prega a co-responsabilidade entre o Estado e a Sociedade Civil para o equacionamento dos principais problemas sociais. Trata-se de um movimento que, com o devido suporte teórico-ideológico e o investimento de grandes somas de recursos fi nanceiros dos que o apóiam, conseguiu aparentemente congregar os mais diversos e heterogêneos atores sociais, com as mais variadas posturas ideológicas, que sonham e desejam na [sic] sociedade mais justa e solidária (CALDERÓN; MARIN, 2003, p. 216.)

Por esse ângulo, o Terceiro Setor é um veículo para transferir as responsabilidades sociais do Estado para a comunidade, com destaque no campo da educação, para a gestão e supervisão do funcionamento das instituições de educação básica. Por isso, o voluntariado constitui-se na principal tarefa do Terceiro Setor.

No Brasil, o Terceiro Setor tem como grande aliada a Rede Globo de Comunicação e a mídia, em geral, para sensibilizar a sociedade brasileira sobre a importância da educação pública e mobilizar as pessoas e os grupos sociais a desenvolver ações de voluntariado. Os Projetos “Amigos da Escola” e “Todos pela Educação” têm esse objetivo. Na visão dos mentores, o Projeto “Amigos da Escola” tem por fi nalidade envolver a comunidade na luta por uma escola pública de qualidade para todos. Para tanto, deve contar com a participação de voluntários.

A crítica a esse Projeto sugere que ele seja analisado face aos direitos da criança, do jovem e do adolescente à educação de qualidade, levando em consideração algumas questões: “Até que ponto a presença de voluntários, substituindo professores na sala de aula, dissimula a responsabilidade do Estado de realizar uma educação de qualidade?”, “Até que ponto podemos concordar com voluntários ocupando a função de professores sem terem a formação adequada?”, “Até que ponto o projeto contribui para a desprofi ssionalização docente?”.

São muitas as críticas ao Projeto “Amigos da Escola”, das quais destacamos algumas: o projeto contribui para omitir os responsáveis pelos problemas da educação, uma vez que apenas os identifi ca e atribui à comunidade o papel de criar soluções; colabora para secundarizar a gestão democrática e ajuda a colocar as instituições de educação pública no grupo de vítimas da exclusão social, por isso estão demandando ações de fi lantropia e ajuda. Além disso, o voluntariado é visto como uma ação descontínua, instável e pouco consistente.

Tais críticas nos levam a pensar que as instituições educativas, com destaque para creches e pré-escolas, devem envolver cada vez mais a comunidade na educação das crianças e no desenvolvimento coletivo do seu Projeto Político-pedagógico, portanto, não têm como excluir os voluntários. Mas é preciso ter clareza das responsabilidades de cada um dos sujeitos envolvidos, que devem ser construídas e reconstruídas no dia a dia com base no entendimento.

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Fonte: <http://downlogo.fi les.wordpress.com/2008/08/amigos-da-escola1.jpg>.

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Nesse sentido, é importante incluir os voluntários como sujeitos/atores do Projeto Político-pedagógico da instituição e torná-los agentes do processo de democratização das ações. E no que tange ao exercício da docência, é preciso considerar que

[...] o voluntário não vai substituir o trabalho dos profi ssionais e com isso eliminar postos de trabalho, ajudando a aumentar o descompromisso do Estado com a contratação de recursos humanos para a escola. [...] o voluntário exerce um trabalho complementar e em nenhuma hipótese poderá substituir os profi ssionais que nele trabalham. [...] a ação do voluntário não é uma intromissão ou ameaça ao trabalho dos professores e da escola em geral. [...] o trabalho voluntário soma-se ao esforço da escola (CEMPEC, 1999, p. 11-12).

Tal postura pressupõe que não devemos subestimar a participação da população na forma de voluntariado. Pelo contrário, é necessário pensar que ela é sinônimo de mudança, no sentido de melhorar as condições de ensino para crianças, jovens e adolescentes desse país. “A comunidade, se apropriando da escola e assumindo a sua parte de responsabilidade pela melhoria da qualidade, deverá gerar novas práticas associativas, novas formas de interlocução Estado - sociedade civil” (SOUSA, 2003, p. 230).

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Ciências Sociais na Educação Infantil II

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Palavras dos professores-pesquisadores

Caro(a) aprendente, Juntamente com outros cinco componentes curriculares,

daremos início ao penúltimo marco de sua trajetória. Não falta muito para a conclusão desta dura, mas empolgante jornada. Esperamos que você e seus colegas estejam com o mesmo entusiasmo com o qual começaram o curso, porque nós, professores e demais membros da equipe do curso de Pedagogia a distância, estamos bastante animados. O componente curricular com o qual trabalharemos

aqui é Ciências Sociais na Educação Infantil II, que terá duração de 45 horas-aula. A temática central é a noção de tempo e espaço na educação infantil vista pelos óculos das Ciências Sociais, especialmente a Sociologia e a Antropologia. Em vários momentos, faremos muitas aproximações com outras áreas das Ciências Humanas e, especialmente na unidade III, dialogaremos bastante com a Pedagogia.

Assim como vem acontecendo ao longo do curso, nossas aulas também serão mediadas pelo Moodle, nosso Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), onde faremos uso de algumas de suas ferramentas. Como você bem sabe, a dinâmica do curso passa pela qualidade da sua participação,

da de seus colegas e, claro, do professor e dos mediadores presenciais e a distância. Grifamos qualidade porque é isto o que importa, pois participar por participar é ação mecânica e não leva a nada. A participação ativa, subsidiada pelo estudo comprometido, é que fomenta o processo ensino-aprendizagem, é o que gera conhecimento. Seja bem-vindo(a) ao sétimo marco, seja bem-vindo(a) ao componente curricular Ciências

Sociais na Educação Infantil II!

Profa. Andréa Silva PonteProf. Paulo José Rossi

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Croqui do Percurso

UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASILUNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CURSO DE PEDAGOGIA - MODALIDADE A DISTÂNCIACIÊNCIAS SOCIAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL II

Professores pesquisadores:Profª. Andréa Silva Ponte Prof. Paulo José Rossi

E-mail:[email protected]@gmail.com

MARCO VII

Componente Curricular: Ciências Sociais na Educação Infantil II

45 horas-aula 03 créditos

Ementa: A interface das Ciências Sociais com os demais campos de conhecimento. As noções de espaço e tempo na educação infantil: o processo de organização e internalização das noções pela criança; a relação entre a construção da noção de tempo e espaço e leitura do mundo pela criança; aspectos metodológicos e recursos didáticos; implicações na organização e no cotidiano do trabalho com a criança.

Objetivo Geral: Fundamentar teoricamente as noções de espaço e tempo no campo das Ciências Sociais em interface com outras áreas das Ciências Humanas.

Objetivos Específi cos: a) Pensar as noções de tempo e espaço como categorias do entendimento humano;b) Refl etir sobre a simultaneidade dos acontecimentos no tempo e em diversos lugares do espaço e sobre a noção de tempo e espaço na contemporaneidade intermediada pelas tecnologias de comunicação e informação;c) Refl etir sobre a abordagem da infância pelas Ciências Sociais, especialmente a Sociologia e a Antropologia, enfatizar a noção de criança como produtora de cultura e contrapor a noção de infâncias múltiplas à noção unívoca de infância;d) Discutir, por meio de um diálogo estreito entre as Ciências Sociais e a Pedagogia, as noções de tempo e espaço no âmbito da educação infantil; ee) Refl etir sobre as rotinas nas pedagogias da educação infantil e sobre o tempo e o espaço como elementos constitutivos da rotina das pedagogias da pequena infância.

UNIDADE I: O TEMPO E O ESPAÇO COMO CATEGORIAS DO ENTENDIMENTO

- Fundamentação teórica a respeito das noções de espaço e tempo pelo viés das Ciências Humanas, particularmente pelas Ciências Sociais: O espaço; o tempo; o tempo e o espaço na pós-modernidade.

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Ciências Sociais na Educação Infantil II

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UNIDADE II: AS CIÊNCIAS SOCIAIS E A INFÂNCIA

- Abordagem da infância pelas Ciências Sociais, especialmente a Sociologia e a Antropologia, enfatizando a noção de criança como produtora de cultura: Sociologia da infância; Antropologia da criança; a construção da cultura, conexões com as noções de tempo e espaço.

UNIDADE III: AS CIÊNCIAS SOCIAIS E A EDUCAÇÃO INFANTIL

- Abordagem das noções de tempo e espaço na educação da primeira infância, com ênfase na rotina na educação infantil, estabelecendo diálogo estreito entre as Ciências Sociais e a Pedagogia: A apreensão do espaço pela criança; rotina e cotidiano na educação infantil; tempo e espaço como elementos constitutivos da rotina.

Estratégias: As estratégias deste percurso estão fundadas na leitura dos textos das aulas e dos textos complementares indicados, na participação dos fóruns de debate online, na participação e interação efetiva dos aprendentes no ambiente virtual do curso e das aulas presenciais, além da frequência contínua ao Polo Municipal de Apoio Presencial, onde os aprendentes poderão ser orientados pelos mediadores pedagógicos presenciais e a distância acerca da realização dos desafi os propostos. Fazem parte das estratégias a realização de desafi os em grupos e o o trabalho de observação da realidade para a realização de alguns desses desafi os.

Desafi os: Elaboração de respostas individuais e em grupo; observação empírica da realidade; relação da teoria com imagens e fi lmes propostos.

GPS (Sistema de Posicionamento Global): A avaliação do processo de aprendizagem dos aprendentes levará em conta o acesso ao ambiente virtual de aprendizagem (Moodle) e a postagem dos resultados dos desafi os propostos. Alguns desafi os deverão ser realizados a partir da combinação da leitura de textos com imagens e fi lmes indicados; outros, dependerão da observação empírica da realidade. Para a avaliação dos desafi os serão considerados os objetivos, as habilidades e as competências propostas, tais como a refl exão crítica, o entendimento dos referenciais teóricos e a capacidade de análise.

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REFERÊNCIAS

BARBOSA, Maria Carmem Silveira. Por amor & por força: rotinas na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2006.

BAUMAN, Zygmunt. “Tempo/espaço”. Modernidade liquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

COHN, Clarice. Antropologia da criança. Coleção Passo-a-passo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

CASTRO, Lucia Rabello de. “Da invisibilidade à ação: crianças e jovens na construção da cultura”. In: ________ (Org.). Crianças e jovens na construção da cultura. Rio de Janeiro: NAU Editora: FAPERJ, 2001.

PIAGET, Jean. A noção de tempo na criança. Rio de Janeiro: Record, 1989.

SANTOS, Milton. A natureza do espaço: Técnica e tempo. Razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2006.

REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES:

ALMEIDA, Rosângela Doin de; PASSINI, Elza Yasuko. O espaço geográfi co: ensino e representação. 15ª ed. Coleção Repensando o Ensino. São Paulo: Contexto, 2008.

6.BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Tradução: Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. p. 112-113.

BOSI, Alfredo. “O tempo dos tempos”. NOVAES, Adauto. “Sobre tempo e história”. LOPES, José Leite. “Tempo = Espaço = Matéria”. In: NOVAES, Adauto (Org.). Tempo e História. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

CASTELLS, Manuel. “O espaço de fl uxos”, capítulo 6; “O limiar do eterno: tempo intemporal”, capítulo 7. In: A sociedade em rede. A era da informação: economia, sociedade e cultura. Vol. 1, 7ª edição revista e ampliada. São Paulo: Paz e Terra, 2003.

DURKHEIM, Émile. “Introdução: Objeto de pesquisa, sociologia religiosa e teoria do conhecimento”. In: As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

Page 222: Trilhas Do Aprendente Vol-7

Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Ciências Sociais na Educação Infantil II

236

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______. L’ éducation morale: cours de sociologie dispensé à la Sorbonne en 1902-1903. Edição eletrônica. Chicoutimi, Québec, Canadá: UQAC, 2008. Disponível em: <http://dx.doi.org/doi:10.1522/cla.due.edu2>. Acesso: em 10 ago. 2009.

FOUCAULT, Michel. “O panoptismo”, capítulo III. In: Vigiar e punir: nascimento da prisão. 20ª edição. Petróplis, RJ: Vozes, 1999.

FREIRE, Madalena. A paixão de conhecer o mundo: relatos de uma professora. 15ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 5ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

GIDDENS, Antony. “Estruturalismo, pós-estruturalismo e a produção da cultura”. In: GIDDENS, Antony; TURNER, Jonathan (Orgs.). Teoria social hoje. São Paulo: UNESP, 1999.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

HARVEY, David. Condição pós-moderna. 5ª ed. São Paulo: Loyola, 1992.

NOVAES, A., 1992. Sobre tempo e história. In: NOVAES A. (Org). Tempo e História. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

RAGO, Luiza M.; MOREIRA, Eduardo F. P. O Que é Taylorismo, 9ª edição, Coleção Primeiros Passos 112. São Paulo: Brasiliense, 1996.

SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado: fundamentos teórico e metodológico da geografi a. São Paulo: Hucitec, 1988. Disponível parcialmente em <http://geolink.fi les.wordpress.com/2008/06/metamorfose-do-espaco-habitado-milton-santos.pdf >. Acesso: em 06 jul. 2009.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 11ª edição. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2004.

SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2002.

THOMPSON, Edward P. “Tempo, disciplina de trabalho e o capitalismo industrial”, capítulo 6. In: Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

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237

DOCUMENTOS CONSULTADOS ONLINE:

QUINTEIRO, Jucirema. A emergência de uma sociologia da infância no Brasil. (s.d.). Disponível em: <http://www.anped.org.br/reunioes/26/tpgt14.htm>. Acesso em: 07 ago. 2009.

PUBLICAÇÕES PERIÓDICAS ONLINE:

BOSI, Alfredo. Considerações sobre o Tempo e Informação. Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo [on-line]. São Paulo, 1995. Disponível em: <http://www.iea.usp.br/iea/artigos/bosiinternet.pdf>. Acesso em: 04 jul. 2009.

DELGADO, Ana Cristina Coll; MÜLLER, Fernanda. Sociologia da infância: pesquisa com crianças. Educação & Sociedade [on-line]. Campinas, SP, vol. 26, n. 91, p. 351-360, Maio/Ago. 2005. Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br>. Acesso em: 21 jun. 2009.

FRISON, Lourdes Maria Bragagnolo. O espaço e o tempo na Educação Infantil. Ciências & Letras [on-line]. Porto Alegre, n. 43, p. 169-180, jan./jun. 2008. Disponível em: <http://www4.fapa.com.br/cienciaseletras/pdf/revista43/artigo12.pdf>. Acesso em: 02 jul. 2009.

MARCHI, Rita de Cássia. A Teoria Social Contemporânea e a Emergência da “Sociologia da Infância” na 2ª Modernidade: alguns aspectos teórico-políticos. Zero-a-seis [on-line]. São Carlos, SP, nº 11, jan./jun. 2005, Disponível em: <http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/zeroseis/article/view/3288/2853>. Acesso em: 11 ago. 2009.

SIROTA, Régine. Emergência de uma sociologia da infância: evolução do objeto e do olhar. Cadernos de Pesquisa [on-line], nº 112, p.7-31, março/2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cp/n112/16099.pdf>. Acesso em: 07 ago. 2009.

TESES E DISSERTAÇÕES:

BATISTA, Rosa. A rotina no dia-a-dia da creche: entre o proposto e o vivido. Florianópolis, SC, 1998. Dissertação (Mestrado em Educação) – Centro de Ciências da Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, 1998. Disponível em: <http://www.ced.ufsc.br/~nee0a6/batist.html >. Acesso em: 22 set. 2009.

EVENTOS CIENTÍFICOS:

CASTRO, Lucia Rabello de. O futuro da infância. In: CONFERÊNCIA DO CONCURSO PARA PROFESSOR TITULAR DO INSTITUTO DE PSICOLOGIA, DEPTO. PSICOLOGIA CLÍNICA DA UFRJ, Rio de Janeiro, 23 jun. 2006. Disponível em: <http://www.psicologia.ufrj.br/nipiac/O_Futuro_da_Infancia.pdf>. Acesso em: 07 ago. 2009.

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Ciências Sociais na Educação Infantil II

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UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASILUNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CURSO DE PEDAGOGIA - MODALIDADE A DISTÂNCIACiências Sociais na Educação Infantil II

Professores-pesquisadores:Andréa Silva Ponte e Paulo José Rossi

DESEMPENHO NO PERCURSO

Aulas Desafi os Pontuação Desempenho obtido

Prazo de fi nalização

UNIDADE I

Aula 1 Texto sobre observação do espaço físico 2,0 2ª semana

Aula 2 Relação entre teoria e observação empírica por meio de uma fotografi a 4,0 3ª semana

Aula 3

O aprendente e as tecnologias de educação a distância à luz das noções de tempo e espaço na pós-

modernidade

4,0Data da

segunda aula da unidade 2

Total de pontos na Unidade I 10,0

UNIDADE II

Aula 4 Refl exão sobre sociologia da infância 1,0

Aula 5Filme Escola da vida em conexão

com a noção de criança produtora de cultura

3,0Data da

primeira aula da unidade 3

Aula 6Filme A invenção da infância em

conexão com a noção de infâncias múltiplas

6,0 7ª semana

Total de pontos na Unidade II 10,0

UNIDADE III

Aula 7 Refl exões sobre as ciências sociais e a educação infantil 1,0 8ª semana

Aula 8 Relação entre teoria e observação empírica relativa à noção de rotina 4,0 9ª semana

Aula 9Noções de tempo e espaço

relacionadas às rotinas das atividades pedagógicas

5,0 12ª semana

Total de pontos na Unidade III 10,0

Avaliação presencial (prova escrita) Final doPercurso

TOTAL DE PONTOS OBTIDOS NO PERCURSO

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Ciências Sociais na Educação Infantil II

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UNIDADE I

O TEMPO E O ESPAÇO COMO CATEGORIAS DO ENTENDIMENTO

AULA 1: O ESPAÇO

Você já parou para pensar o quanto as noções de espaço e de tempo estão presentes em nossas vidas? Vamos mais longe: você faz ideia de o quanto nossas vidas se organizam em função do espaço e do tempo? Pois bem, espaço e tempo estão presentes em nossa rotina tanto quanto o ar que respiramos, a comida que ingerimos e a água que bebemos. São dois conceitos que parecem tão cotidianos e aparentemente tão concretos, mas que, na realidade, são complexos e difíceis de defi nir. Da Física à Filosofi a, da Geografi a à História, entre outros campos do conhecimento, as noções de espaço e de tempo ocupam lugar de suma importância. Nesta aula, abordaremos apenas a noção de espaço, não com o objetivo de encontrar uma defi nição fi nal, mas de propor alguns pontos que permitam ampliar essa noção para além da aparência.

Segundo <Milton Santos (1988)>, as categorias do conhecimento geográfi co são, entre outras, paisagem, espacialidade, território, lugar e população. O autor afi rma que, de todas essas categorias, a de espaço é a mais abrangente e contém todas as outras. Vamos à defi nição de algumas delas:

A paisagem é o plano concreto do espaço, é tudo aquilo que nós vemos, o que a vista alcança, é o domínio do visível.

[...] paisagem é materialidade, formada por objetos materiais e não-materiais. A vida é sinônimo de relações sociais, e estas não são possíveis sem a materialidade, a qual fi xa relações sociais do passado. Logo, a materialidade construída vai ser fonte de relações sociais, que também se dão por intermédio dos objetos. Estes podem ser sujeitos de diferentes relações sociais - uma mesma rua pode servir a funções diferentes em distintos momentos.

A sociedade existe com objetos, é com estes que se torna concreta. Por exemplo, São Paulo tem dezesseis milhões de habitantes, mas se não explicamos como estes se movem para o lazer, para o trabalho, para as compras, como eles habitam, como participam na reprodução social etc., não estou me referindo a São Paulo, mas apenas a dezesseis milhões de pessoas...

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Milton Santos (1926-2001) é o maior nome da geografi a brasileira e um dos grandes intelectuais de nosso país. Foi professor na Universidade Federal da Bahia, da UFRJ e do Depto. de Geografi a da USP, entre outras faculdades do Brasil e do exterior. Lutou contra a ditadura militar e, por isso, foi preso e depois exilado na França. Como intelectual, foi um crítico severo da globalização.Para saber mais sobre sua vida e sua obra, consulte <http://pt.wikipedia.org/wiki/Milton_Santos>.

Este livro de Milton Santos, Metamorfoses do espaço habitado: fundamentos teórico e metodológico da geografi a, está disponível na página da web <http://geolink.fi les.wordpress.com/2008/06/metamorfose-do-espaco-habitado-milton-santos.pdf>. Acesso em 06 jul. 2009.

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A paisagem é diferente do espaço. A primeira é a materialização de um instante da sociedade. Seria, numa comparação ousada, a realidade de homens fi xos, parados como numa fotografi a. O espaço resulta do casamento da sociedade com a paisagem. O espaço contém o movimento. Por isso, paisagem e espaço formam um par dialético. Complementam-se e se opõem (SANTOS, 1988, p.25).

A espacialidade (ibidem, p.26) é “o momento das relações sociais geografi zadas, o momento da incidência da sociedade sobre um determinado arranjo espacial”, enquanto que a paisagem é fi xa, não sai do lugar, já está lá antes de a sociedade chegar; a espacialidade é o momento da ação humana sobre a paisagem. A paisagem é coisa e, por isso, é permanente, não acaba; a espacialidade é circunstancial e está sempre em constante mutação; é a síntese entre a paisagem e a ação dos homens sobre ela.

O território é uma formação socioespacial, “uma totalidade resultante de um contrato [social e político] e limitada por fronteiras” (SANTOS, 2006, p.182). O território nacional, por exemplo, é a extensão geográfi ca do Estado, sobre a qual ele exerce a sua soberania e que compreende todo o solo ocupado pela nação; é um conjunto de lugares - estados, cidades, regiões, distritos etc. – que reúne um conjunto de elementos naturais, mais ou menos modifi cados pela ação consciente do homem.

O lugar, por sua vez, é o fragmento do território onde as múltiplas partes da sociedade se instalam e ganham uma dimensão única e socialmente concreta.

Há, dessa maneira, uma relação entre sociedade e um conjunto de formas - materiais e culturais. Quando há uma mudança social, há também mudança dos lugares - por exemplo, a invasão de São Paulo pelos pobres, há cerca de vinte e cinco anos. Diríamos [...] que a sociedade está sempre espacializando-se. Mas a espacialização não é o espaço. A espacialização é um momento da inserção territorial dos processos sociais. O espaço é mais do que isso, pois funciona como um dado do próprio processo social. (SANTOS, 1988, p.26)

O espaço “é resultado da ação dos homens sobre o próprio espaço, intermediado pelos objetos naturais e artifi ciais” (ibidem, p.25). Os objetos naturais são as coisas da natureza, e os objetos artifi ciais são os produtos da técnica, da engenharia e do pensamento humano destinados ao uso social. A ação do homem sobre o espaço implica a apropriação e o rearranjo desses objetos (plantações, pecuária, canais de navegação fl uvial, estradas, portos e aeroportos, redes de comunicação, prédios residenciais, comerciais e industriais etc.) na confi guração do espaço.

A confi guração do espaço resulta da dinâmica social, das ações dos agentes sociais motivadas por fatores de ordem econômica, cultural, política e social. Essa dinâmica social, que varia no tempo histórico, atribui signifi cação e valor específi cos à confi guração do espaço. Este é o ponto crucial do conceito de espaço proposto por Milton Santos:

O espaço deve ser considerado com um conjunto indissociável de que participam, de um lado, certo arranjo de objetos geográfi cos, objetos naturais e objetos sociais, e, de outro, a vida que os preenche e os anima, seja a sociedade em movimento. O conteúdo (da sociedade) não é independente da

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forma (os objetos geográfi cos), e cada forma encerra uma fração do conteúdo. O espaço, por conseguinte, é isto: um conjunto de formas contendo cada qual frações da sociedade em movimento. As formas têm, pois, um papel na realização social (ibidem, p.10).

Tomemos como exemplo uma fotografi a realizada pelo fotógrafo alemão August Sander, na qual é possível perceber a ação humana na confi guração do espaço mediada pelos objetos naturais e artifi ciais. A paisagem faz parte do território alemão e é constituída pelos objetos naturais (o rio Reno, a mata, a montanha, as plantações na margem do rio) e pelos objetos artifi ciais (aqueles produzidos pela engenharia, a saber: os próprios barcos e a navegação fluvial, que é garantida pela manutenção técnica da via fl uvial, por exemplo, evitar que bancos de areia ou argila se formem impedindo o fl uxo de navegação).

O mais importante disso tudo é que os objetos naturais e artifi ciais foram mobilizados para suprir a necessidade humana de comunicação e de circulação de pessoas e objetos. Por trás dessa necessidade, há a motivação econômica, cultural e política que pulsa nos atores sociais que, por sua vez, atribuem sentido à confi guração e à ocupação do espaço: o sentido de um espaço varia conforme variam a motivação dos sujeitos e o contexto no qual estão inseridos. Vejamos o que Milton Santos diz a esse respeito:

Carl Sauer, pai da geografi a cultural, [...] propôs que considerássemos dois tipos de paisagem, a natural e a artifi cial. Argumenta dizendo que, à medida que o homem se defronta com a natureza, há entre os dois uma relação cultural, que é também política, técnica etc. É a marca do homem sobre a natureza, chamada de socialização por Marx.

Desta maneira, com a produção humana há a produção do espaço. O trabalho manual foi sendo relegado a segundo plano, e a maquinaria foi sendo cada vez mais usada até se chegar à automação. A produção do espaço é resultado da ação dos homens agindo sobre o próprio espaço, através dos objetos naturais e artifi ciais. Cada tipo de paisagem é a reprodução de níveis diferentes de forças produtivas, materiais e imateriais, pois o conhecimento também faz parte do rol das forças produtivas. (ibidem, p. 22)

Isso é espacialidade. As mudanças materiais e sociais que vierem a ocorrer na região do Rio Reno poderão alterar a paisagem e, certamente, a confi guração estrutural e funcional do espaço: a função de navegação do rio pode ser eliminada ou substituída por outra função, como, por exemplo, tornar-se uma área de lazer náutico e, com isso, alterar a paisagem com o surgimento de novos objetos artifi ciais (piers, hotéis, restaurantes, novas moradias etc.), causando,

Figura 01: August Sander, O Reno próximo de Boppard, 1938.

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portanto, uma mudança na estrutura do espaço com a vinda de mais pessoas portadoras de novas motivações e que, no futuro, poderão causar novas mudanças.

Como vimos, Milton Santos enfatiza o peso da dinâmica social na signifi cação do espaço territorial em contextos específi cos. Signifi car um espaço é o mesmo que atribuir-lhe sentido, o que implica dizer que sua organização vai para além das aparências, pois nele se encontram imbricadas diferentes formas de relacionamento social, entre as quais, as formas de poder e de controle. O fi lósofo <Michel Foucault> (1999), por exemplo, mostra a cidade pestilenta e o estabelecimento panóptico como dois programas de poder disciplinar que variaram na mesma sociedade num período de um século e meio. Do ponto de vista da compreensão do espaço, em ambos os casos, o poder disciplinar se confi gura na relação com o espaço físico e o social.

O autor assevera que a cidade pestilenta foi um caso excepcional:

Contra um mal extraordinário [a peste], o poder se levanta;

torna-se em toda parte presente e visível; inventa novas

engrenagens; compartimenta, imobiliza, quadricula, constrói,

por algum tempo, o que é, ao mesmo tempo, a contracidade

e a sociedade perfeita; impõe um funcionamento ideal, mas

que, no fi m das contas, se reduz, como o mal que combate, ao

dualismo simples vida-morte: o que se mexe traz a morte, e

mata-se o que se mexe (FOUCAULT, 1999, p.169).

Tratemos de entender melhor essa assertiva. Foucault está se referindo ao caso específi co de uma cidade europeia do fi nal do Século XVII tomada pela peste bubônica. Como forma de restringir a expansão da epidemia, os governantes colocaram a cidade sob quarentena, estabeleceram uma série de regras e um sistema de controle

elaborado por meio do esquadrinhamento quadricular da cidade. O regulamento consistia no controle e na inspeção diária das condições de saúde de cada morador e sobre a circulação das pessoas que estavam sob ameaça de pena de morte por desrespeitarem as normas: era proibido sair da cidade e de casa sem a permissão expressa dos síndicos, que não apenas vigiavam as casas como também eram responsáveis por fechá-las no fi nal de cada dia. O esquadrinhamento quadricular foi a vigilância minuciosa do espaço da cidade por quarteirões. Cada rua era colocada sob a autoridade de um síndico que, por sua vez, prestava contas ao intendente do quarteirão. Cada família deveria ter garantido suas provisões, mas o vinho e o pão eram distribuídos às famílias por meio de canaletas de madeira, que ligavam a rua ao interior das casas sem que houvesse comunicação entre os fornecedores e os habitantes. Para a distribuição da carne, do peixe e das verduras, utilizavam-se roldanas e cestas. A única possibilidade de se sair de casa, caso fosse absolutamente necessário, seria seguir um sistema de turnos como forma de evitar qualquer encontro. Dessa forma, o espaço tornou-se “recortado, imóvel, fi xado. Cada qual se prende a seu lugar. E caso se mexa, corre perigo de vida, por contágio ou punição” (ibidem, p.162).

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Fonte: <http://4.bp.blogspot.com/_KQgmAiYe9sQ/SiUggze1BsI/AAAAAAAAA3I/jcuJO2sPTOc/s320/

peste_negra_.jpg>

Michel Foucault (1926-1984) foi um dos principais fi lósofos do Século XX. Para conhecer um pouco sobre sua biografi a e sua obra, acesse a página da web < h t t p : / / w w w . u n b .br/ fe/ te f / f i loesco/foucault/>.

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No fi lme Tempos Modernos, de Charles Chaplin (sugerido na unidade temática Sociologia Educacional I), o panoptismo aparece em forma de monitoração por meio de vídeos. Algumas cenas mostram o empresário monitorando a produção por meio de câmeras. Constantemente, os operários são lembrados de que estão sendo observados, como, por exemplo, na cena em que o patrão, por meio do vídeo, surpreende e repreende o personagem de Chaplin que está no banheiro, fumando. O caráter da vigilância mútua aparece na cena em que o outro operário que trabalha ao lado do protagonista reclama do colega com o gerente de produção.

O esquadrinhamento quadricular da cidade pestilenta constitui-se, portanto, num modelo compacto disciplinar que integra os múltiplos espaços da cidade como o lugar de cada corpo, e a percepção do corpo como o lugar de cada um onde residem o seu mal e o seu bem, como propunha Foucault:

A ordem responde à peste; ela tem como função desfazer todas as confusões: a da doença que se transmite quando os corpos se misturam; a do mal que se multiplica quando o medo e a morte desfazem as proibições. Ela prescreve a cada um seu lugar, a cada um seu corpo, a cada um sua doença e sua morte, a cada um seu bem, por meio de um poder onipresente e onisciente que se subdivide ele mesmo de maneira regular e ininterrupta até a determinação fi nal do indivíduo, do que o caracteriza, do que lhe pertence, o que lhe acontece.

Ao contrário do esquadrinhamento quadricular da cidade pestilenta, o “Panóptico deve ser compreendido como um modelo generalizável de funcionamento, uma maneira de defi nir relações de poder com a vida cotidiana dos homens” (FOUCAULT, 1999, p.169-170). Vamos esclarecer.

O <Panóptico> é uma figura arquitetônica concebida, em 1789, pelo fi lósofo inglês Jeremy Bentahm, como um projeto de prisão destinado à reforma dos prisioneiros, mas que pode ser estendido às instituições educacionais, a hospitais psiquiátricos, empresas etc. Esse espaço arquitetônico consiste, basicamente, na construção de um edifício em forma de anel, em cujo centro há uma torre vazada, em todos os lados, por janelas grandes voltadas para o lado interno da prisão. O edifício em forma de anel é constituído por celas individuais com duas janelas: uma voltada para o pátio central, onde se

localiza a torre, e outra voltada para o lado de fora da prisão. Ambas as janelas têm a função de permitir a entrada de luz, para facilitar o controle visual sobre os encarcerados. “Tantas jaulas, tantos pequenos teatros, em que cada ator está sozinho, perfeitamente individualizado e constantemente visível. O <dispositivo panóptico> organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente” (FOUCAULT, 1999, p.166).

Para Foucault, o princípio do panoptismo não reside numa única pessoa, mas na “distribuição concertada dos corpos, das superfícies, das luzes, dos olhares” num aparelho cujo mecanismo interno produz “a relação na qual se encontram presos os indivíduos”. Quem exerce o poder não é

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Fonte: <http://2.bp.blogspot.com/_BcKnG_zCe_k/S6vKnb3DTeI/AAAAAAAAy24/

CwOzMCgXtYw/s1600/PAVILHAO_VISTA_PREDIO%5B1%5D.jpg>.

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importante, qualquer indivíduo pode fazer funcionar esse aparelho, “pois, quanto mais numerosos forem os observadores anônimos e passageiros, tanto mais aumentam para o prisioneiro o risco de ser surpreendido e a consciência inquieta de ser observado” (FOUCAULT, 1999, p.167 – grifos nosso).

Bem, troquemos os termos prisioneiro e observadores anônimos por cidadãos inseridos em uma sociedade. Pensemos a sociedade como uma instituição, um corpo social, dentro do qual os indivíduos são submetidos a um controle social mútuo, que se dá por meio da inter-relação cotidiana entre eles. Agora, substitua a fi gura do espaço arquitetônico Panóptico pelo espaço geográfi co ocupado pela sociedade da qual você faz parte. Ora, mas o que tem a ver o dispositivo do panóptico com isso? Na verdade, tem tudo a ver, pois a ocupação do espaço, como vimos com Milton Santos, decorre da ação coletiva dos indivíduos sobre o território, e essa ação segue motivações diversifi cadas nem sempre explícitas, entre elas, o exercício do poder disciplinar. Vamos averiguar isso recorrendo à refl exão que o sociólogo Zygmunt Bauman (2005) faz sobre os condomínios de moradia nas grandes cidades.

Bauman enquadra os condomínios de moradia na concepção de panoptismo. Eles são formas de vigilância visível e invisível constante. Visível porque as câmeras de vigilância são aparentes, as rondas dos seguranças privados, muitas vezes, armados também o são, portanto, as pessoas sabem que estão sendo vigiadas e onde estão localizados os dispositivos técnicos e humanos de vigilância. Invisível porque os condomínios prometem funcionar como as comunidades de antigamente, onde todos se conheciam e compartilhavam entre si um ideal de vida distinto daqueles vividos por outras comunidades, valores e normas, estavam protegidos dos forasteiros que, a priori, representavam uma ameaça à tranquilidade local etc.

A diferença reside no fato de que o ideal de vida compartilhado é nada mais do que o econômico, visto que quem pode pagar é aceito, não se compartilham normas nem valores, a não ser regras de segurança e de respeito à privacidade das famílias e dos indivíduos: nos condomínios, a maioria das pessoas não se conhece e não se relaciona, pois a individualidade é o valor, enquanto que, nas comunidades, o que se valorizava era o coletivo. O fato comum é que, em ambos os casos, a vigilância mútua do comportamento alheio é constante; o que os difere é que os membros da comunidade o fazem em razão da cumplicidade coletiva, e os condôminos preocupam-se com o desconhecido que mora ao lado, portanto, digno de ser vigiado.

Em relação ao conjunto da cidade e da sociedade, os condomínios se confi guram como um espaço que separa os indivíduos que compartilham condições econômicas semelhantes às do restante da sociedade, de tudo aquilo que representa uma ameaça à segurança de seus membros:

[...] um território vigiado de perto, onde aqueles que fazem algo que desagrada aos outros provocam seu ressentimento e são por isso prontamente punidos e postos na linha – enquanto os desocupados, vagabundos e outros intrusos que “não fazem parte” são impedidos de entrar ou, então, cercados e expulsos. (BAUMAN, 2005, p.108)

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De acordo com Bauman, o que justifi ca a existência do mote do condomínio, nos dias atuais, é a segurança. Isso signifi ca que o que garante a procura pelos condomínios é a política do medo que impera nas cidades grandes e médias: medo das ruas, do perigo que as pessoas desconhecidas representam, da violência do tráfi co, do trânsito etc. Essa política do medo cotidiano, “arrepiante e apavorante das ‘ruas inseguras’, mantém as pessoas longe dos espaços públicos e as afasta da busca da arte e das habilidades necessárias para compartilhar a vida pública” (ibidem, p.110). Este é, portanto, o ponto crítico da política do medo: afastar as pessoas da vida pública. O espaço coletivo, onde deveria imperar a civilidade, ganha outra confi guração - ele se torna um espaço público não civil.

A civilidade, segundo Richard Sennett, é um pré-requisito da vida urbana, é a “atividade que protege as pessoas umas das outras, permitindo, contudo, que possam estar juntas” (op. cit. BAUMAN, 2005, p.112).Para Bauman, “antes de se tornar a arte individualmente aprendida e privadamente praticada, a civilidade deve ser uma característica da situação social. É o entorno urbano que deve ser ‘civil’, a fi m de que seus habitantes possam aprender as difíceis habilidades da civilidade” (ibidem, p.112).

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AULA 2: O TEMPO

Em <Matemática instrumental>, foi visto que o número é, desde sua origem, um elemento estruturador da vida, ou seja, os homens criaram os números para facilitar a organização das coisas (quantidade de animais, de sementes, de terra etc.) e para medir o tempo e o espaço. O professor de literatura brasileira, Alfredo Bosi, diz que um dos signifi cados mais antigos da palavra número é o número como “parte de um todo, elemento de uma série ordenada” (BOSI, 1992, p.19). Seguindo essa lógica de pensamento, Bosi afi rma que as datas são igualmente partes isoladas de um todo e uma sequência numerada necessária para narrarmos os fatos da vida:

Os fatos se passaram uns depois dos outros. Para contá-los, isto é, narrá-los, é preciso também contá-los, isto é, enumerá-los. Contar é narrar, e contar é enumerar. Contar o que aconteceu exige que se digam o ano, o mês, o dia, a hora em que o fato se deu. O ato de narrar paga tributos ao deus Chronos

(ibidem, p.20).

Por exemplo, os álbuns fotográfi cos de família contêm um conjunto de imagens referentes a acontecimentos familiares ocorridos em determinadas datas: comemorações religiosas como casamento, primeira comunhão, batismo etc.; festas de aniversário, viagens, entre outras. Ao ver as fotografi as, lembramo-nos de pessoas queridas, algumas já falecidas, outras distantes, outras presentes; recordamo-nos também de como as pessoas eram no passado e como são hoje: mais magras ou mais gordas, mais alegres ou mais tristes, crianças que se tornaram adolescentes, adolescentes que se tornaram adultas, ou adultos que alcançaram a melhor idade. A cada fotografi a, atribuímos valores e sentimentos que, necessariamente, não estão na imagem, mas na nossa memória e só se tornam perceptíveis pelos outros quando narramos os acontecimentos passados referentes aos sujeitos da imagem. Essa narração é sempre atrelada à localização de datas e de lugares.

Somos um ser que existe no tempo, afi rmou Alfredo Bosi.

O homem nasce e morre. A matéria da sua vida se faz e desfaz: a medida dessa mutação é chamada tempo de vida. E o que é o próprio tempo? O ato de passar. O existir do homem é um passar. A vida humana é uma passagem. <(BOSI, 1995, p.01)>.

Um exemplo muito bonito que ilustra bem a vida passageira

O texto de Alfredo Bosi, Considerações sobre o Tempo e Informação, está disponível na página da web <http://www.iea.usp.br/iea/artigos/bosiinternet.pdf>. Sugerimos sua leitura como forma de ampliar seu conhecimento a respeito da relação tempo e informação, tema que discutiremos na aula seguinte.

A respeito dos números, consulte a aula 2, “Os números: história e signifi cados”, do Trilhas do Aprendente – Volume 1.

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do homem é o conto do escritor uruguaio, Horacio Quiroga (1878-1937), El hombre muerto <(O homem morto)>. Quiroga narra a história de um camponês que se fere mortalmente com seu facão ao tropeçar num pedaço de casca de banana solto, no chão da madeira lisa e escorregadia que sustenta a cerca de arame que envolve um bananal. Ao se dar conta da tragédia, ele começa a pensar sobre a efemeridade da vida, como mostra este trecho:

Nada, nada mudou. Apenas ele mudou. Há dois minutos sua pessoa, sua personalidade viva, nada tem a ver nem com o pasto, que ele mesmo formou com a enxada, durante cinco meses consecutivos, nem com o bananal, obras de suas próprias mãos. Nem com sua família. Ele foi arrancado bruscamente, naturalmente, por obra de uma casca lisa e um facão no ventre. Faz dois minutos: morre. (tradução livre)

O camponês de Quiroga morre num dia trivial como todos os outros dias, e os dias continuariam a vir um após o outro apesar de sua ausência. O tempo daria continuidade a seu curso e à sua maneira; a diferença é que o camponês não estaria mais lá para contar o tempo à maneira dos homens: sequência de anos, meses, semanas, dias, horário de trabalho e de descanso, como a hora em que a mulher e os fi lhos iriam chamá-lo para o almoço:

E a quinze para o meio-dia, desde cima, desde o chalé de teto vermelho, se desprenderiam até o bananal sua mulher e seus dois fi lhos a buscá-lo para o almoço. Ouve sempre, antes dos demais, a voz de seu pequeno fi lho menor que quer soltar-se da mão de sua mãe: Piapiá! Piapiá!

Portanto, para o indivíduo, o tempo acaba quando ele morre, mas não acaba para os que continuam vivendo. Para esses, o tempo continua passando. Retomando o que Alfredo Bosi disse, o tempo é o ato de passar. Ora, se sabemos que o tempo passa é porque, de algum modo, nós o percebemos e o experimentamos, como propunha o fi lósofo austríaco <Wittgenstein> (GIDEENS, 1999). E se isso, de fato, acontece, podemos deduzir que nós, como membros de uma determinada sociedade, atribuímos ao tempo uma forma imaginária, porém calculável. É imaginária porque o tempo não é concreto, é intocável, mas é sensível, podemos senti-lo com os ocorridos da história social, da história de vida de cada um de nós, na transformação biológica de nosso corpo. Por outro lado, o tempo é possível de ser calculado; todas as sociedades, de todas as épocas e lugares, criaram métodos para percebê-lo e quantifi cá-lo para vários fi ns, sejam eles culturais, históricos ou científi cos.

Sobre o tempo histórico, o sistema de datas, por exemplo, revela uma estrutura básica criada pelas diversas sociedades para dar conta de marcar e estudar a história da humanidade.

O conto completo está disponível na internet no idioma espanhol: < h t t p : / / w w w .analitica.com/bitblio/hqu i r oga /mue r t o .asp>.

Para obter informações gerais a respeito da biografi a de Ludwig Wittgenstein (1889-1951), consultar a página da web <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ludwig_Wittgenstein>. Caso se interesse um pouco mais sobre o pensamento desse autor, veja o sítio da internet <http://www.cfh.ufsc.br/~mafkfi l/scruton.htm>.

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Para Alfredo Bosi (1992), as datas são pontos de luz que iluminam a densidade acumulada dos eventos ao longo dos séculos, sem as quais seria impossível vislumbrar a grandiosidade das personagens e os contornos desenhados por suas ações. As datas são, portanto, índices numéricos provenientes da relação entre os acontecimentos fi xados aritmeticamente numa linha cronológica (1500, 1822, 1888, 1890, 1930...) e os vários sentidos atribuídos ao tempo histórico. Vejamos o contorno do sistema de datas criado pelas sociedades modernas:

• A era, entendida como um período de tempo iniciado por uma data importante e que serve de base para um sistema de marcação cronológica: era cristã, era feudal, era mercantilista, era do capitalismo industrial etc.;

• A época, um dado instante signifi cativo que serve como início de um novo período: a época das grandes navegações marca a transição do feudalismo para o mercantilismo, a divisão histórica da Idade Média e da Idade Moderna etc.;

• A data, um dia preciso, localizado num ano e mês precisos, demarcado por um sistema numérico sequencial, identifi ca um momento memorável: o dia 22 de abril de 1888 é a data na qual os três últimos escravos que ainda existiam na cidade paraibana de Areia foram alforriados, e o dia 13 de maio de 1888 foi a data em que a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea pondo ofi cialmente fi m à escravidão no país;

• O calendário, um sistema ofi cial de medida que opera a divisão do tempo em anos, meses e dias, e no qual fi cam registradas as datas memoráveis de uma sociedade: a data de 13 de maio de 1888 entrou para o calendário cívico nacional, enquanto que o dia 22 de abril de 1888 entrou para o calendário cívico da cidade. Para o calendário ocidental, o dia 13 de maio de 1888 talvez não represente nenhuma data signifi cativa no âmbito internacional - seria apenas mais um dia do ano -, mas para o calendário nacional brasileiro, que segue o mesmo sistema cronológico do calendário ocidental, todo dia 13 de maio celebra-se o fi m de <uma era macabra>.

Infelizmente, de maneira concreta, o Brasil não eliminou totalmente a prática escravocrata. Muitas pessoas, em nosso país, trabalham sob o regime de semiescravidão, se é que esse termo pode ser considerado correto.Sobre esse assunto, consulte “Trabalho escravo no Brasil do século XXI”, documento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), disponível na página da web <http://www.oitbrasil.org.br/download/sakamoto_fi nal.pdf>.

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O sistema de datas, da forma como estamos vendo aqui, é um sistema linear de marcação cronológica e evolutiva dos acontecimentos. No entanto, os números das datas representam apenas a superfície dos acontecimentos e pontuam o auge de um processo muito mais amplo e mais complexo do que o número em si poderia exprimir. Vamos tomar como exemplo um trecho do Manifesto Comunista escrito por Karl Marx e Friedrich Engels, discutido na unidade <Sociologia Educacional I>:

A burguesia não pode existir sem revolucionar constantemente os instrumentos de produção e, portanto, as relações de produção, isso é, todo o conjunto das relações sociais. Essa mudança contínua da produção, essa transformação ininterrupta de todo sistema social, essa agitação, essa perpétua insegurança distinguem a época burguesa das precedentes. Todas as relações sociais tradicionais e estabelecidas, com seu cortejo de noções e ideias antigas e veneráveis, dissolvem-se; e todas as que substituem envelhecem antes mesmo de poder ossifi car-se.

Nesse riquíssimo texto, Marx e Engels estão discutindo os desdobramentos concretos da Revolução Industrial e da consolidação do capitalismo. Embora não citem datas precisas, o profundo conhecimento histórico de ambos os autores está referenciado no sistema de datas: “essa perpétua insegurança distingue a época burguesa das precedentes”. Eles tinham em mente, entre outros tantos eventos, a Revolução Francesa de 1789 e a Revolução Industrial iniciada por volta dos anos 1780. As datas, embora não declaradas no texto, são apenas referentes de localização no tempo histórico. O que lhes interessa é explicitar a dinâmica social central nos processos históricos que, ao longo do tempo, foram protagonizados pela luta de classes.

Uma forma calculável do tempo é a contagem dos anos, dos meses, das semanas, dos dias, das horas, dos minutos, dos segundos, dos milésimos de segundo, e assim por diante. A medição do tempo, relacionada com os processos familiares no ciclo do trabalho ou das tarefas domésticas, também é outra forma de calculá-lo - é o tempo cultural. Sobre isso, vejamos o exemplo que o historiador inglês Edward Thompson nos dá:

É bem conhecido que, entre os povos primitivos, a medição do tempo está comumente relacionada com os processos familiares no ciclo do trabalho ou das tarefas domésticas. Evans-Pritchard [antropólogo] analisou o senso de tempo nos nuer: “O relógio diário é o do gado, a rotina das tarefas pastorais, e para um nuer as horas do dia e a passagem do tempo são basicamente a sucessão dessas tarefas e a sua relação mútua”. Entre os nandi, a defi nição ocupacional do tempo evoluiu, abrangendo não apenas cada hora, mas cada meia hora do dia – às 5h30 da manhã, os bois já foram para o pasto, às 6h, as ovelhas foram soltas, às 7h30, os bodes já foram para o pasto etc. – uma economia inusitadamente bem regulada. De modo semelhante, os termos evoluem para a medição de intervalos de tempo. Em Madagáscar, o tempo podia ser medido pelo “cozimento do arroz” (cerca de meia hora) ou pelo “fritar de um gafanhoto” (um momento). Registrou-se que os nativos de Cross River dizem: “o homem morreu em menos tempo do que leva um milho para assar” (menos de quinze minutos).

Reveja a aula 4 da unidade 1, “A tradição ‘crítica’: ‘o pensamento social marxista’”, do Trilhas do Aprendente – Volume 1.

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Não é difícil encontrar exemplos dessa atitude mais próximos de nós em termos de tempo cultural. Assim, no Chile do século XVII, o tempo era freqüentemente medido em “Credos”: um terremoto foi descrito em 1647 como tendo durado o tempo de dois credos; enquanto o cozimento de um ovo podia ser estimado por uma Ave-Maria rezada em voz alta.

[...] Pierre Bourdieu investigou mais detalhadamente as atitudes dos camponeses cabilas (na Argélia) com relação ao tempo em anos recentes: “Uma atitude de submissão e de indiferença imperturbável em relação à passagem do tempo, que ninguém sonha em controlar, empregar, ou poupar... A pressa é vista como uma falta de compostura combinada com ambição diabólica”. O relógio é às vezes conhecido como a “ofi cina do diabo”; não há horas precisas de refeições; “a noção de um compromisso com hora marcada é desconhecida; eles apenas combinam de se encontrar no próximo mercado”

(1998, p.269-270).

Os exemplos acima não se distanciam do camponês de Horacio Quiroga: o fato de que todo dia, quinze para o meio-dia, sua mulher e seus dois fi lhos iam buscá-lo para almoçar revela um aspecto cultural bastante signifi cativo - a localização de uma determinada hora do dia orientada pelo hábito familiar que, certamente, corresponde a um hábito social local: as pessoas que vivem e trabalham no campo, de forma geral, seguem mais ou menos os mesmos horários de acordar, trabalhar, almoçar, jantar e dormir.

O mesmo acontece com o operário. As fábricas impõem horários de almoço ou de jantar, conforme o turno de trabalho, e de entrada e de saída rigorosamente controlados. O trabalhador diurno volta para sua casa no início da noite, janta, todos os dias, mais ou menos na mesma hora, dorme relativamente cedo para levantar-se igualmente cedo, uma vez que as indústrias retomam a maior parte das atividades às 7h da manhã. Essa rotina se repete, inclusive, nos dias de descanso, como em fi nais de semana e feriados, e a família do operário, de maneira geral, segue a mesma rotina. Assim, a contagem do tempo que quantifi ca a hora trabalhada e que impõe um ritmo de trabalho refl ete, consequentemente, na rotina do trabalhador fora da fábrica, no âmbito da vida privada. Você já parou para pensar sobre como o ritmo de trabalho age contundentemente na vida cotidiana dos indivíduos e da sociedade como um todo? Vamos a um exemplo histórico muito conhecido, ligado ao sistema de produção fabril. O fabuloso fi lme <Tempos modernos>, de Charles Chaplin, mostra um operário numa linha de produção em série: uma esteira rolante, onde peças vão passando uma após a outra ininterruptamente. Ao lado dessa esteira, há vários operários enfi leirados, cada um exercendo uma função específi ca e numa determinada sequência sobre as peças. O personagem representado por Chaplin é responsável somente por apertar os parafusos, ele cumpre seu trabalho sem parar o movimento. À medida que a velocidade da esteira aumenta, por mando do dono da fábrica, a velocidade de trabalho dos operários aumenta igualmente. A lógica do sistema de trabalho reside na sua fragmentação, na especialização do

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Para assistir trecho do fi lme, visite o endereço <http://www.youtube.com/watch?v=XFXg7nEa7vQ>.

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Linha de montagem fordista. Fonte: <http://primeira-serie.blogspot.

com/2007/08/fordismo-e-taylorismo.html. Acesso em 10/07/2009>.

trabalhador, na repetição dos movimentos e na velocidade de trabalho como forma de aumentar a produtividade num espaço de tempo mais curto. Num determinado momento, faz-se uma experiência de alimentar o funcionário sem que ele pare de trabalhar, de forma que a produção não pare: a máquina que colocaria a comida na boca do funcionário acaba não funcionando, mas a ideia de não parar a produção vingou não no fi lme, mas na vida real: as fábricas têm vários turnos de trabalho. Essa passagem de Tempos modernos está se referindo ao chamado <taylorismo e ao fordismo>.

O taylorismo diz respeito a um sistema de organização do trabalho, elaborado pelo engenheiro estadunidense Frederick Winslow Taylor (1856-1915), com o qual se pretende alcançar o máximo de produção e de rendimento com o mínimo de tempo e de esforço. Taylor associou produção em série à corporalidade do trabalhador. Isso signifi ca dizer que ele estudou a fragmentação da produção em funções especializadas - o trabalhador não exerce mais de uma função no sistema produtivo, ele deve ser treinado para melhor desempenhar um trabalho específi co. A fragmentação da produção é associada ao estudo dos movimentos do corpo dos funcionários na execução de cada função, suprimindo gestos desnecessários e comportamentos supérfl uos no interior do processo produtivo: a esteira de produção, no fi lme de Chaplin, alcança a altura média da cintura dos trabalhadores, posto que corre paralela ao corpo do mesmo. Taylor estudou também a disposição da produção, qual o melhor circuito para dispor máquinas e trabalhadores.

O termo fordismo está relacionado à empreitada do industrial Henry Ford de implementar, na sua fábrica de automóveis, um sistema de divisão do trabalho ainda mais efi ciente que o proposto por Taylor. Esse sistema consiste na disposição de tarefas encadeadas por meio da linha de montagem, de modo que cada peça do automóvel seja transportada de um operário a outro, de uma etapa a outra, por meio de trilhos ou de esteiras rolantes.

Em relação ao tempo, taylorismo e fordismo signifi caram mais do que um sistema produtivo restrito ao interior da fábrica e representaram um modo de vida que prevaleceu nas sociedades industrializadas desde sua criação, em 1913, até o fi nal da década de 1980. No mundo urbano, tudo o que se faz fora da esfera do trabalho, da vida pública à vida privada, do lazer às atividades domésticas, é organizado em função do tempo, da marcação do relógio. O tempo foi tornado mercadoria; o ócio é percebido como “perder tempo”, e perder tempo é “perder dinheiro”. Isso nos leva a tentar, de toda maneira, maximizar o tempo, torná-lo, de alguma forma, produtivo, portanto acelera o ritmo de vida a ponto, por exemplo, de comermos rápido demais durante nossas refeições.

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Como leitura c o m p l e m e n t a r , consulte o livro O Que é Taylorismo, Coleção Primeiros Passos, de Luiza Maria Rago e Eduardo F. P. Moreira.

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As formas de se perceber e se marcar o tempo são inesgotáveis. As refl exões sobre isso vão da Filosofi a à Física, da História à Sociologia e à Antropologia. É impossível uma abordagem ampla e defi nitiva. O que propusemos, nesta aula, foi pensar um aspecto do tempo que são as formas de marcação. Vimos, em alguns exemplos, que as formas de marcação do tempo não são uniformes e tampouco podem ser tomadas como únicas, elas se diversifi cam em cada sociedade. Na aula 3, aprofundaremos essa discussão.

A partir da leitura do fragmento do texto abaixo, de <Émile Durkheim>, e com base no que discutimos até aqui, encontre uma fotografi a da região onde você mora e, durante uns dois ou três dias consecutivos, olhe-a várias vezes e pense, profundamente, sobre as características do espaço e do tempo que estão na imagem e as que não estão, mas que, de alguma forma, você consegue perceber. Recorra à sua memória e à memória dos outros. Feito isso, escreva, em tópicos (entre 4 e 5 linhas cada tópico), cinco aspectos relevantes sobre o espaço e o tempo que a dinâmica social imprimiu na região em quem você vive.

Que se tente, por exemplo, imaginar o que seria a noção de tempo, se puséssemos de lado os procedimentos pelos quais o dividimos, o medimos, o exprimimos através de marcas objetivas, um tempo que não seria uma sucessão de anos, meses, semanas, dias e horas! Seria algo mais ou menos impensável. Só podemos conceber o tempo se nele distinguirmos momentos diferentes. Ora, qual é a origem dessa diferenciação? Certamente os estados de consciência que já experimentamos podem reproduzir-se em nós, na mesma ordem em que se desenrolaram primitivamente; e, assim, porções de nosso passado voltam a nos ser presentes, embora distinguindo-se espontaneamente do presente. Mas, por importante que seja essa distinção para nossa experiência privada, ela está longe de bastar para constituir a noção ou categoria de tempo. Essa não consiste simplesmente numa comemoração, parcial ou integral, de nossa vida transcorrida. É um quadro abstrato e impessoal que envolve não apenas nossa existência individual, mas da humanidade. É como um painel ilimitado, em que toda a duração se mostra sob o olhar do espírito e em que todos os acontecimentos possíveis podem ser situados em relação a pontos de referência fi xos e determinados. Não é o meu tempo que está assim organizado; é o tempo tal como é objetivamente pensado por todos os homens de uma mesma civilização. Apenas isso já é sufi ciente para fazer entrever que uma tal organização deve ser coletiva. E, de fato, a observação estabelece que esses pontos de referência indispensáveis, em relação aos quais todas as coisas se classifi cam temporalmente, são tomadas da vida social. As divisões em dias, semanas, meses, anos, etc., correspondem à periodicidade dos ritos, das festas, das cerimônias públicas. Um calendário exprime o ritmo da atividade coletiva, ao mesmo tempo em que tem por função assegurar sua regularidade.

Para relembrar a base teórica do sociólogo francês Émile Durkheim, releia a aula 1 da unidade 2 de Sociologia Educacional I - “Uma introdução ao pensamento clássico em Sociologia”, Trilhas do Aprendente – Volume 1.

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[...] Como demonstrou Hamelin, o espaço não é esse meio vago e indeterminado que Kant havia imaginado: puramente e absolutamente homogêneo, ele não serviria para nada e sequer daria ensejo ao pensamento. A representação espacial consiste essencialmente numa primeira coordenação introduzida entre os dados da experiência sensível. Mas essa coordenação seria impossível se as partes do espaço se equivalessem qualitativamente, se fossem realmente intercambiáveis umas pelas outras. Para poder dispor espacialmente as coisas, é preciso poder situá-las diferentemente: colocar umas à direita, outras à esquerda, essas em cima, aquelas em baixo, ao norte ou ao sul, a leste ou a oeste, etc., do mesmo modo que, para dispor temporalmente os estados da consciência, cumpre poder localizá-los em datas determinadas. Vale dizer que o espaço não poderia ser ele próprio se, assim como o tempo, não fosse dividido e diferenciado. Mas essas divisões, que lhes são essenciais, de onde provêm? Para o espaço mesmo, não há direita nem esquerda, nem alto nem baixo, nem norte nem sul. Todas essas distinções provêm, evidentemente, de terem sido atribuídos valores afetivos diferentes às regiões. E, como todos os homens de uma mesma civilização representam o espaço da mesma maneira, é preciso, evidentemente, que esses valores afetivos e as distinções que deles dependem lhes sejam igualmente comuns; o que implica quase necessariamente que tais valores e distinções são de origem social.

Por sinal, há casos em que esse caráter social tornou-se manifesto. Existem sociedades na Austrália ou na América do Norte em que o espaço é concebido sob a forma de um círculo imenso, porque o próprio acampamento tem uma forma circular, e o círculo espacial é exatamente dividido como círculo tribal e à imagem desse último. Distinguem-se tantas regiões como são os clãs da tribo, e é o lugar ocupado pelos clãs no interior do acampamento que determina a orientação das regiões. Cada região defi ne-se pelo totem do clã ao qual ela é destinada. Entre os zuñi, por exemplo, o pueblo compreende sete quarteirões; cada um deles é um grupo de clãs que teve sua unidade: com toda a certeza, havia primitivamente um único clã que depois se subdividiu. Ora, o espaço compreende igualmente sete regiões e cada um desses sete quarteirões do mundo está em íntima relação com um quarteirão do pueblo, isto é, com um grupo de clãs. “Assim, diz Cushing, uma divisão deve estar em relação com o norte; uma outra representa o oeste, uma terceira o sul, etc.” Cada quarteirão do pueblo tem sua cor característica que o simboliza; cada região do espaço tem a sua, que é exatamente a do quarteirão correspondente. Ao longo da história, o número de clãs fundamentais variou; o número de regiões variou da mesma maneira. Assim, a organização social foi o modelo da organização espacial, que é uma espécie da primeira. Até mesmo a distinção de direita e esquerda, longe de estar implicada na natureza do homem em geral, é muito provavelmente o produto de representações religiosas, portanto coletivas. (DURKHEIM, 2000, p. XVI-XIX).

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AULA 3: O TEMPO E O ESPAÇO NA PÓS-MODERNIDADE

As formas de se perceberem o espaço e o tempo são inesgotáveis. As refl exões sobre isso vão da Filosofi a à Física, da História à Geografi a, da Sociologia à Antropologia, entre outras áreas do conhecimento, como a Psicologia, a Literatura, a Engenharia, a Biologia etc. É impossível abordar esse assunto ampla e defi nitivamente, fato que se comprova com o livro Tempo e História, organizado por Adauto Novaes, no qual a experiência do tempo e, em menor grau, do espaço, é discutida por intelectuais que atuam em diferentes campos das ciências humanas e da Física. A questão de partida desse livro engendra uma série de refl exões bastante complexas:

O que é a experiência do tempo? Pode uma cultura falar do tempo sem recorrer às diversas formas de elaborar suas tradições e de narrar a História? Como pensar a História a partir de uma tradição que trabalha com a idéia de tempo absoluto, sem conexão com as diferentes dimensões sociais, políticas e intelectuais, e que procura identifi car a sociedade a uma única experiência temporal? Como pensar, enfi m, a natureza do contemporâneo: tempo fragmentado, tempo deslocado, tempo modelado, tempo repetitivo-veloz-volátil, tempo sem memória? (NOVAES, 1992, p.9)

Certamente não responderemos a essas questões aqui, e sequer esse é nosso objetivo. Nas duas aulas passadas, já vimos o quão complexo é discutir as noções de espaço e de tempo. Entretanto, o que pretendemos para esta aula é refl etir um pouco sobre a simultaneidade dos acontecimentos no tempo, em diversos lugares do espaço, e a noção de tempo e de espaço na contemporaneidade intermediada pelas tecnologias de comunicação e informação.

As perguntas referentes ao tempo não podem ser respondidas sem relacioná-las com questões concernentes ao espaço, pois, embora diferentes, espaço e tempo têm relações extrínsecas. Vejamos o que diz Milton Santos a esse respeito:

Cada ação se dá segundo o seu tempo; as diversas ações se dão conjuntamente. Objetivos particulares, que são individuais, funcionalmente perceptíveis, fundem-se num objetivo comum, mas difi cilmente discernível. A vida social, nas suas diferenças e hierarquias, dá-se segundo tempos diversos que se casam e anastomosam [que se unem total ou parcialmente], entrelaçados no chamado viver comum. Esse viver comum se realiza no espaço, seja qual for a escala - do lugarejo, da grande cidade, da região do país inteiro, do mundo. A ordem espacial é a ordem geral, que coordena e regula as ordens exclusivas de cada tempo particular. Segundo Leibniz (1695), o espaço é a ordem das coexistências possíveis.

O tempo como sucessão, o chamado tempo histórico, foi, durante muito tempo, considerado como uma base do estudo geográfi co. Pode-se, todavia, perguntar se é assim mesmo, ou se, ao contrário, o estudo geográfi co não é muito mais essa outra forma de ver o tempo como simultaneidade, pois não há nenhum espaço em que o uso do tempo seja idêntico para todos os homens, empresas e instituições. Pensamos que a simultaneidade das diversas temporalidades sobre um pedaço da crosta da Terra é que constitui o domínio propriamente dito da Geografi a. Poderíamos mesmo dizer, com certa ênfase, que o tempo, como sucessão, é abstrato, e como simultaneidade, é o tempo concreto já que é o tempo da vida de todos. O espaço é que reúne a todos, com suas múltiplas possibilidades, que são possibilidades diferentes de uso do espaço (do território) relacionadas a possibilidades diferentes de uso do tempo (SANTOS, 2006, p.104 – grifo nosso).

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Sobre a simultaneidade do tempo no espaço, Albert Einstein já havia feito formulação parecida com a de Santos:

Temos de levar em conta que todos os nossos juízos em que o tempo toma parte são sempre juízos de acontecimentos simultâneos. Se, por exemplo, eu digo “Aquele trem chega aqui a sete horas”, quero dizer algo assim: “A marcação do número 7 pelo pequeno ponteiro do meu relógio e a chegada do trem são acontecimentos simultâneos” (EINSTEIN, apud LOPES in NOVAES, 1992, p. 172).

Mais do que simultaneidade do tempo no espaço, tanto Einstein quanto Santos estão falando da simultaneidade dos acontecimentos no tempo em diversos lugares do espaço. Essa ideia representa uma mudança fundamental sobre a percepção do homem em relação à história: a noção de tempo absoluto, desconectada das diferentes dimensões da dinâmica social, reduzindo a sociedade a uma única experiência temporal, como propôs Adauto Novaes, confl ita com a concepção de tempo e de espaço que privilegia a multiplicidade das ações humanas no mesmo tempo e em lugares distintos do espaço. Assim como o trem que chega à estação simultaneamente ao ponteiro do relógio marcando sete horas, dois acontecimentos no mesmo momento, em outras estações de trem, outros trens também poderão estar chegando no mesmo horário. Trata-se, portanto, da multiplicidade dos acontecimentos em múltiplos lugares do espaço. Se, ainda, em outra estação de trem, igualmente às sete horas, pessoas se manifestam porque o trem está atrasado, temos então um novo acontecimento, distinto dos demais.

Tomemos um exemplo mais complexo, ou melhor, um exemplo que mostra a complexidade da noção de simultaneidade dos acontecimentos no tempo em diversos lugares do espaço. O sociólogo espanhol Manuel Castells narra a seguinte história:

A cultura popular tradicional russa achava que o tempo era eterno, sem começo nem fi m. Na década de 1920, Andrey Platonov enfatizou essa idéia arraigada da Rússia como uma sociedade intemporal. No entanto, a Rússia era periodicamente sacudida por esforços estatistas de modernização, com o objetivo de organizar a vida em torno do tempo. A primeira tentativa deliberada de ajuste da vida ao tempo originou-se com Pedro, o Grande. Ao voltar de uma longa viagem ao exterior para instruir-se sobre os modos e meios dos países mais desenvolvidos, o czar decidiu levar a Rússia, literalmente, a um novo início, mudando para o calendário europeu ocidental (Juliano) e começando o novo ano em janeiro em vez de setembro, como fora até então. Nos dias 19 e 20 de dezembro de 1699, Pedro, o Grande, emitiu dois decretos que iniciariam o século XVIII na Rússia alguns dias depois. Foram prescritas instruções minuciosas sobre a aceleração do ano novo, inclusive com a adoção da árvore de Natal e o acréscimo de um novo feriado para seduzir os tradicionalistas. Embora um grande número de pessoas estivesse maravilhado com o poder do czar de alterar o curso do sol, muitas outras preocupavam-se com a ofensa a Deus: afi nal 1º de setembro não era o dia da Criação no ano de 5508 a.C.? E não deveria ser assim porque o ousado ato da Criação tinha de ocorrer em época de calor, fato muito improvável na Rússia em janeiro? Pedro, o Grande, respondeu pessoalmente aos críticos, em seu modo pedagógico habitual, ensinando-lhes a geografi a do tempo global. Sua teimosia fundamentava-se na motivação reformista para igualar a Rússia à Europa e enfatizar as obrigações das pessoas em relação ao Estado sob a perspectiva do tempo. Embora esses decretos se concentrassem rigorosamente nas mudanças do calendário, as reformas de

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Pedro, o Grande, em termos mais amplos, introduziram a distinção entre o tempo do dever religioso e o tempo secular a ser dedicado ao Estado. Medindo e tributando o tempo das pessoas, bem como dando seu exemplo pessoal com intenso cronograma de trabalho baseado no tempo, esse czar inaugurou uma tradição secular de associação de serviço ao país, submissão ao Estado e ajuste da vida ao tempo (CASTELLS, 2003, p.526).

O que podemos extrair desse exemplo, além da magnitude da ação do czar Pedro, o Grande? O ponto fundamental é: não levar em conta a simultaneidade dos acontecimentos no tempo, em diversos lugares do espaço, é uma atitude política delineada por uma ideologia. No caso da ação do czar, de substituir o calendário russo pelo europeu ocidental, parte deste orientada pelo calendário cristão, signifi ca negar a possibilidade da existência simultânea de distintas formas de percepção e de representação do tempo e do espaço. Portanto, negar a ação cultural sobre o tempo e o espaço. Essas distinções, como vimos com Durkheim, têm suas origens nos valores afetivos atribuídos coletivamente às regiões e às datas (ano de criação do mundo e na época do calor). Nesse sentido, motivado por um ideal de desenvolvimento econômico da Europa ocidental, Pedro, o Grande, suplantou o tempo cultural russo.

A noção de simultaneidade ganha outro sentido se pensarmos nos dias atuais de globalização, a chamada era pós-moderna. Uma série de pensadores contemporâneos, como Zygmunt Bauman, Emanuel Castells, David Harvey, Stuart Hall, entre outros, dedicam-se a estudar a pós-modernidade, a modernidade na era da tecnologia da informação e da comunicação, que interliga as sociedades em rede. Para esses autores, a pós-modernidade, ou a super-modernidade, é considerada como a era da leveza, da rapidez e da fl uidez, que se contrapõe à era da modernidade dita pesada e lenta.

Zygmunt Bauman distingue a era do capitalismo pesado e a era do capitalismo leve. Por capitalismo pesado entende-se o longo período fordista que perdurou até o fi nal dos anos 1980.

O fordismo era a autoconsciência da sociedade moderna em sua fase “pesada”, “volumosa”, ou “imóvel” e “enraizada”, “sólida”. Nesse estágio de sua história conjunta, capital, administração e trabalho estavam [...] amarrados pela combinação de fábricas enormes, maquinaria pesada e força de trabalho maciça. [...] O capitalismo pesado era obcecado por volume e tamanho, e, por isso, também por fronteiras, fazendo-as fi rmes e impenetráveis. O gênio de Henry Ford foi descobrir o modo de manter os defensores de sua fortaleza industrial dentro dos muros [aumento de salários para evitar a rotatividade de mão de obra] (BAUMAN, 2005, p.69).

Para Bauman, o fordismo extrapolava o muro das fábricas e das empresas para a vida de forma geral. O exemplo mais signifi cativo era o fato de os funcionários permanecerem muitos anos no mesmo local de trabalho, com o objetivo de construir uma carreira. Em razão disso, eles criavam laços de amizade e, até mesmo, de parentesco, ao se casarem com colegas de trabalho ou com parentes de amigos da própria empresa e procuravam fi xar residência próximo das empresas onde trabalhavam, engendrando relações pessoais de amizade e de cumplicidade estabelecidas na vizinhança. A vida das pessoas era regida por essa dinâmica e, apesar dos possíveis percalços, havia estabilidade na vida. A isso Richard Sennett chamou de caráter.

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O termo caráter concentra-se, sobretudo, no aspecto a longo prazo de nossa experiência emocional. É expresso pela lealdade e o compromisso mútuo, pela busca de metas a longo prazo, ou pela prática de adiar a satisfação em troca de um fi m futuro. Da confusão de sentimentos em que todos estamos em algum momento, em particular, procuramos salvar e manter alguns; esses sentimentos sustentáveis servirão a nossos caracteres. Caráter são traços pessoais a que damos valor em nós mesmos, e pelos quais buscamos que os outros nos valorizem (SENNETT, 2002, p. 10).

O capitalismo leve representa a ruptura com o passado lento e pesado e põe fi m a essa estabilidade em vários sentidos:

• As instalações físicas pesadas das empresas dão lugar a espaços menores, a maquinários cada vez mais efi cientes e menores, e comportam um menor contingente de funcionários;

• Um batalhão de trabalhadores de setores administrativos e da informática, bem como os funcionários que ocupam cargos executivos, trabalham em trânsito (em casa, em ônibus e aviões etc.) com celulares, laptops, palmtops;

• Os contratos de trabalho foram fl exibilizados em detrimento das garantias sociais previstas pela legislação trabalhista e da estabilidade no emprego. A fl exibilidade também implica a liberdade das empresas de irem e virem na medida em que todas as considerações econômicas locais não façam mais sentido. Do lado do trabalhador, “os empregos surgem e somem assim que aparecem, são fragmentados e eliminados sem aviso prévio, como as mudanças nas regras do jogo de contratação e demissão” (BAUMAN, 1999, p.112-113);

• O trabalho móvel torna a vida pessoal fl exível; os fi nais de semana ou o tempo dedicado aos amigos e familiares são entrecortados pelo trabalho, pela emergência do trabalho;

• A estabilidade de emprego não existe mais, quase não há mais a possibilidade de construção de carreira; nos dias atuais, muda-se de emprego e de profi ssão por motivos diversos, dentre os quais, a escassez de trabalho ou a vontade de mudar de profi ssão;

• Raramente se fi xa local de residência por longo tempo;

• E, com isso tudo, como propõe Sennett, leva-se à corrosão do caráter uma vez que, numa sociedade impaciente e imediatista, pautada por uma economia dedicada ao curto prazo, os projetos a longo prazo cada vez menos são possíveis. A não fi xação do indivíduo e de sua família não cria raiz, o processo de formação de seu caráter é instável, ele tem que ser fl exível e moldável às diferentes realidades e circunstâncias.

Na era da pós-modernidade, ou do capitalismo leve, a noção de espaço e de tempo ganha outra dimensão. O tempo da modernidade, ou do capitalismo pesado, era cronológico. Segundo Emanuel Castells, “em termos materiais, a modernidade pode ser concebida como o domínio do tempo cronológico sobre o espaço e a sociedade [...] O maquinismo industrial trouxe o cronômetro para as linhas de montagem das fábricas fordistas e leninistas quase ao mesmo tempo” (CASTELLS, 2003, p.526).

Na era pós-moderna, tempo e espaço estão sendo comprimidos. Para Castells, a produção de capital, de lucro está se libertando do tempo cronológico para aderir ao tempo quase simultâneo. Por exemplo, o que se negocia na China, às 10h da manhã, ressoa, quase de imediato, por meio

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de um sistema de computadores interligados pela rede mundial de computadores – internet –, nas bolsas de valores do mundo todo: há um “mercado global unifi cado, funcionando em tempo real” (CASTELLS, 2003, p.528).

Stuart Hall aponta que uma das características principais dos tempos atuais

é a “compressão espaço-tempo”, a aceleração dos processos globais, de forma que se sente que o mundo é menor e as distâncias mais curtas, que os eventos em um dado lugar têm um impacto imediato sobre as pessoas e os lugares situados a uma grande distância” (HALL, 2002, p.69).

Essa compressão espaço-tempo acelera as dinâmicas sociais e cria enormes confl itos. Milton Santos aborda esse assunto, dizendo que estamos vivendo numa época de rapidez e de fl uidez:

Uma fl uidez virtual, possível pela presença dos novos sistemas técnicos, sobretudo os sistemas de informação, e de uma fl uidez efetiva, realizada quando essa fl uidez potencial é utilizada no exercício da ação, pelas empresas e instituições hegemônicas. A fl uidez potencial aparece no imaginário e na ideologia como se fosse um bem comum, uma fl uidez para todos, quando, na verdade, apenas alguns agentes têm a possibilidade de utilizá-la, tornando-se, desse modo, os detentores efetivos da velocidade. O exercício desta [da velocidade] é, pois, o resultado das disponibilidades materiais e técnicas existentes e das possibilidades de ação. Assim, o mundo da rapidez e da fl uidez somente se entende a partir de um processo conjunto no qual participam, de um lado, as técnicas atuais e, de outro, a política atual, sendo que essa é empreendida tanto pelas instituições públicas, nacionais, intra-nacionais e internacionais, como pelas empresas privadas (SANTOS, 2004, p.83-84 – grifo nosso).

Nesse sentido, Milton Santos refere que a rapidez e a fl uidez não são para todos, são exclusivas, ao invés de inclusivas. Os lugares que não se encaixam no perfi l produtivo atual, aqueles que não têm disponibilidade de material técnico e humano necessários para o exercício da velocidade, não são incluídos ou são incluídos muito parcialmente no mundo rápido e fl uídico.

Por outro lado, o autor reconhece que “jamais houve na história sistemas tão propícios a facilitar a vida e a proporcionar a felicidade dos homens”, pois o computador, “símbolo das técnicas da informação” (ibidem, p.164), é mais acessível, porque exige custo de investimento relativamente pequeno, o que torna possível sua adaptação aos mais diversos meios.

O Curso de Pedagogia a distância que você está fazendo só é possível graças a essas novas tecnologias: nossa aula está sendo mediada por uma máquina, o computador, conectada a uma rede de computadores chamada internet. Muitos de vocês vivem em lugares distantes dos grandes centros, onde não existem recursos materiais técnicos e humanos que se enquadrem no atual sistema produtivo rápido e fl uídico. No entanto, por meio da ação política da sociedade e de diferentes instâncias governamentais, esse curso superior está sendo possível. É nesse sentido que Milton Santos propõe outra forma de globalização mais inclusiva.

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AS CIÊNCIAS SOCIAIS E A INFÂNCIA

AULA 4: SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA

Caro aprendente, a unidade que iniciaremos agora propõe uma breve refl exão sobre a abordagem da infância pelas Ciências Sociais. Esse campo é vasto demais para se dar conta dele em apenas três encontros. Nesse sentido, a proposta é de focar a refl exão num ponto que está sendo bastante pesquisado por vários campos do conhecimento, como a Sociologia, a Antropologia e a Psicologia, entre outros: pensar a criança como ator social e como produtora de cultura.

O primeiro passo, para isso, será precisar que as Ciências Sociais não compreendem um campo único de conhecimento, mas a conjunção de dois campos voltados para a investigação científi ca do mundo social: A Sociologia e a Antropologia. A Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) e a Universidade de São Paulo (USP) incluem, ainda, a ciência política, no entanto vamos nos ater às outras duas áreas, particularmente a Sociologia da Infância e a Antropologia da Criança. Esta última será o tema de nossa próxima aula.

Nesta aula, focaremos a Sociologia da Infância. Cremos não ser necessário defi nir aqui o termo Sociologia, <basta apenas relembrar> que o propósito maior dessa ciência é mobilizar um conjunto de conceitos, técnicas e métodos de investigação para buscar compreender e explicar os fenômenos da vida social. E como acontece com toda ciência, a Sociologia também criou áreas de atuação específi ca, como a Sociologia do Trabalho, a Sociologia da Cultura, a Sociologia da Religião, entre outras nas quais se inclui a Sociologia da Infância. Segundo Jucirema Quinteiro,

[...] somente em 1990, os sociólogos da infância reuniram-se pela primeira vez no Congresso Mundial de Sociologia para debater sobre os vários aspectos que envolvem o processo de socialização da criança e a infl uência exercida sobre essa pelas instituições e agentes sociais com vistas à sua integração na sociedade contemporânea (QUINTEIRO, s.d., p.1. Grifo nosso).

Note que a preocupação inicial da recente Sociologia da Infância apontada por Quinteiro diz respeito à infl uência que as instituições e os agentes sociais exercem sobre as crianças, visando à sua integração social. Portanto, esse é um processo de socialização caracterizado por relativa passividade da criança em relação ao mundo que a rodeia. Mas esse paradigma mudaria rapidamente à medida que os próprios sociólogos começaram a revisar criticamente as teorias e abordagens da infância realizadas pela Sociologia: a criança, como objeto sociológico, antes tomada como tábua rasa a ser formatada pela cultura predominante, passa a ser pensada como ator social.

Seria muito bom retomar as aulas e suas anotações do componente curricular Sociologia Educacional I no Trilhas do Aprendente, volume 1, onde você encontrará uma defi nição mais aprofundada sobre o conceito de Sociologia.

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Cabe observar que os primeiros elementos para uma Sociologia da Infância, tanto em língua inglesa quanto francesa, vão surgir em oposição à concepção de infância considerada como um simples objeto passivo de uma socialização orientada por instituições ou agentes sociais. A questão central dos textos analisados por essas duas pesquisadoras [Régine Sirota e Cléopâtre Montandon] aponta para a construção social da infância como um novo paradigma, com ênfase na necessidade de se elaborar a reconstrução deste conceito marcado por uma visão ocidental e adultocêntrica de criança. É importante destacar que a crítica fundamental diz respeito à visão de criança considerada como tábula rasa a qual os adultos imprimem a sua cultura (ibidem, p.2).

Segundo Quinteiro, a revisão crítica da Sociologia francesa da infância realizada por Régine Sirota

ressalta que a infância será essencialmente reconstruída por tais pesquisadores [sociólogos franceses] como objeto sociológico através dos seus dispositivos institucionais, como a escola, a família e a justiça. A releitura crítica do conceito de socialização e de suas defi nições funcionalistas entre os pesquisadores franceses contribuiu fundamentalmente para a consideração da criança como ator (ibidem).

Vamos entender essa passagem mais pormenorizadamente. As primeiras abordagens sociológicas e de outros campos das ciências humanas sobre a infância são calcadas numa visão normativa ou “numa lógica desenvolvimentista que seria fundamento para estabelecer diferenças entre adultos e crianças”, como propõe Lucia Rabello de Castro ao tratar da psicologia da infância (2001, p.19).

A constituição de uma Psicologia da Infância na era moderna esteve imbricada com a noção de norma (Castro, 1996), de tal forma que, muitas vezes, parece quase impossível apreender o sentido da infância que não seja a partir desta “instituição imaginária” que é o desenvolvimento: ou seja, de que o sentido da infância é necessariamente apreendido em relação a uma trajetória a ser percorrida até a idade adulta. Tal trajetória, investigada e sistematizada pela ciência psicológica, está caracterizada, dentro deste modelo, pela sequência das transformações que não somente efetivamente ocorrem, mas que deveriam ocorrer. A norma teria, assim, além de um caráter descritivo, um caráter “moral”, pois discrimina o “bom” do “mau” caminho a ser percorrido. Estabelece, ainda, segundo White (1983), o summum bonum, ou seja, os ideais a serem fomentados e forjados para a trajetória da vida humana. Ainda segundo White, esse projeto contém a crença numa “ética naturalista” que seria o fundamento das ciências devotadas ao desenvolvimento do homem na sociedade.

A norma psicológica permite, portanto, a apreensão imediata de um conteúdo de diferenças e descontinuidades entre o adulto e a criança. Assim, a compreensão da especifi cidade da infância fi ca por conta de “um débito social e cultural” que lhe é atribuído frente à tarefa de crescer, e se tornar, eventualmente, como um adulto. Frente a esse “débito”, interpõem-se as ações educativas e familiares que visam, então, “fazer das crianças adultos”, “socializá-las”, “amadurecê-las”, enfi m, operar sobre a infância com o dever de torná-la sempre evanescente, um traço a ser apagado e destruído, um momento, por princípio, transitório. A tarefa de fazer desaparecer a infância fi ca clara nas situações mais simples da vida cotidiana, como por exemplo, nas expressões de linguagem, quando corrigimos, repreendemos ou criticamos alguém, seja

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criança, ou mesmo adulto, dizendo-lhe: “não seja criança!”, “que infantil que ele/ela é!”, “aquilo foi uma infantilidade idiota”... e outras tantas expressões que associam um sentido derrogatório e denegridor aos signifi cantes da infância e de criança (ibidem, p.20-21. Grifo nosso.).

Nessa passagem, a autora evidencia a abordagem conservadora que a Psicologia e outras ciências humanas faziam da infância: a separação absoluta entre criança e adulto, a exposição da <infância> como fase transitória e obrigatória para a fase adulta ou, ainda, que a infância seria o momento de se disciplinar a criança para a fase adulta, corrigindo os desvios morais, e aos adultos caberia a responsabilidade de apontar e diferenciar o “bom” do “mau” caminho a ser trilhado pela criança e futuramente pelo adulto que virá a ser.

As proposições do sociólogo francês <Émile Durkheim sobre a infância> não se distanciam muito das tradicionais abordagens. Sob seu ponto de vista, a criança é, por natureza, um ser questionador e inconstante, visto que “passa de uma impressão para outra, de um sentimento para outro, de uma ocupação para outra, com a mais extraordinária rapidez”. Além disso, seu comportamento é imprevisível, “seu humor não tem nada de fi xo: a cólera nasce e aquieta-se com a mesma instantaneidade” (apud QUINTEIRO, s.d., p.3).

Em outro texto de Lucia Rabello de Castro, O futuro da infância (2006), a autora classifi ca a infância como “a categoria sócio-etária compreendida na faixa de 0 aos 18 anos. Essa defi nição reconhece as diferenças existentes no âmbito desse grupo, mas o argumento [aqui] se direciona no sentido de colocar em contraste as posições do sujeito adulto e a do sujeito infantil na sociedade contemporânea. Tais posições se caracterizam por prerrogativas distintas (direitos, deveres, inserções espaço-temporais específi cas) que defi nem práticas e poderes entre as gerações. Portanto, o argumento fez valer menos as diferenças intra-grupo e mais a posição desse na cadeia geracional”. (p. 1, nota de rodapé 1).

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Acerca desse assunto, sugiro a releitura de Durkheim e a educação para a sociedade, de Robson Macedo. Esse texto está na segunda aula da unidade II do componente curricular Sociologia Educacional I no Trilhas do Aprendente, volume 1.

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A instabilidade dos humores das crianças deveria, portanto, ser controlada por meio de uma educação moral, atributo da <escola pública>, com a fi nalidade de adequá-las “às regras do jogo social, político e econômico”, afi rma Jucirema Quinteiro. Portanto, educar signifi caria moralizar a criança no sentido de inculcar-lhe o espírito de disciplina, o espírito de abnegação e a autonomia da vontade:

1. O espírito de disciplina:

A moral determina, fi xa, regulariza as ações dos homens, ela supõe no

indivíduo certa disposição de viver uma existência regular, certo gosto pela

regularidade. O dever é regular, ele é sempre o mesmo, uniforme, monótono.

Os deveres não consistem em ações repentinas, realizadas de tempo em

tempo, em momentos de crises intermitentes. Os verdadeiros deveres são

cotidianos, e o curso natural da vida é conduzido periodicamente. Aqueles

em que, portanto, o gosto da mudança e da diversidade vá contra o horror

de toda uniformidade correm o risco de ser moralmente incompletos. A

regularidade é análoga moral da periodicidade orgânica (DURKHEIM, 2008,

p.30. Tradução e grifo nossos);

2. O espírito de abnegação:

Assim, a ação moral é aquela que persegue fi ns impessoais. Mas os fi ns

impessoais do ato moral não podem ser nem aquelas de um indivíduo diferente

do agente, nem aqueles de vários agentes. Eles devem necessariamente

ser concernentes a outra coisa que não aos próprios indivíduos. Eles são

supra-individuais. Ora, fora dos indivíduos não resta mais do que grupos

formados pela reunião de indivíduos, quer dizer, as sociedades. Portanto,

os fi ns morais são aqueles que têm por objeto uma sociedade.

Agir moralmente é agir visando um interesse coletivo (ibidem, p.47.

Tradução e grifo nossos).

3. A autonomia da vontade:

O dever é a moral enquanto comando, é a moral concebida como uma

autoridade à qual nós devemos obedecer, porque ela é uma autoridade,

essa é a única razão. O bem é a moral concebida como uma coisa boa, a

vontade nos leva a ela, que provoca as espontaneidades do desejo. Ora,

é fácil ver que o dever é a sociedade uma vez que ela nos impõe regras e

designa limites a nossa natureza; enquanto que o bem, que é a sociedade,

mas na condição de uma realidade mais rica que a nossa, e à qual nós não

podemos nos prender, sem que ela resulte no enriquecimento de nosso ser.

É, portanto, de um lado e de outro, o mesmo sentimento que se exprime,

a saber, a moral nos apresenta sob um duplo aspecto: [o dever] como

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Para Durkheim, a escola pública era a instituição social, por excelência, responsável pela regulação da educação moral das crianças, pois a educação moral deveria ser voltada para a vida coletiva, a vida em sociedade, ao passo que a família, primeira instância de educação das crianças, fornecia uma educação moral de ordem privada, conforme os valores e os sentimentos familiares. A educação moral voltada para a coesão da coletividade não poderia ser ensinada fora da escola pública, “se a família pode bem e pode apenas velar e consolidar os sentimentos domésticos necessários à moral e, ainda mais g e n e r a l i z a d a m e n t e , aqueles que são a base das relações privadas mais simples, ela [a família] não está constituída de maneira apropriada a poder formar a criança em vista da sociedade” (DURKHEIM, 2008, p.19. Tradução nossa).Vale lembrar que o ensino público do período de Durkheim era laico, e o é ainda hoje. Portanto, nem a moral religiosa deveria interferir na educação da moral pública, pois a própria moral religiosa atende à moral de grupos de indivíduos, e não, da sociedade como um todo.

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uma legislação imperativa que reclama nossa inteira obediência,

e [o bem] como um magnífi co ideal ao qual a sensibilidade aspira

espontaneamente (ibidem, p.71. Tradução e grifo nossos).

A socialização da criança na vida social, por meio da educação moral, se daria, assim, inculcando-lhe: 1) a disciplina da regularidade para não correr o risco de se constituir um futuro adulto moralmente incompleto; 2) a renúncia aos fi ns pessoais em favor dos fi ns coletivos; e 3) a submissão voluntária ao comando moral. Portanto, a educação pública teria a função primordial de restringir o comportamento infantil e inserir o indivíduo dentro de um quadro de regras morais estabelecido pela sociedade. Essas regras teriam, como vimos com Lúcia Rabello de Castro, um caráter moral que discrimina o “bom” do “mau” caminho a ser percorrido, e estabelece os ideais a serem fomentados e forjados para a trajetória da vida humana.

Na visão de Durkheim, o Estado, por meio das escolas públicas, portanto de instituições sociais, incumbir-se-ia de exercer infl uência sobre a criança visando à sua integração social. Esse processo de socialização tem como premissa uma atitude passiva por parte da criança. A própria defi nição que Durkheim dá para educação evidencia o caráter passivo da criança no processo de socialização, bem como a separação absoluta da infância do mundo adulto:

A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre aquelas que ainda não estão maduras para a vida social. Ela tem por objeto suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais que serão reivindicados pela sociedade política no seu conjunto e pelo meio especial à qual a criança está particularmente destinada (DURKHEIM, 2002, p.10. Tradução nossa).

Mais recentemente, entre o fi m do Século XX e início do XIX, diversos pesquisadores do campo da Sociologia e de outras áreas das ciências humanas vêm preocupando-se em abordar, como propõe Rita de Cássia Marchi (2005), a infância como uma construção social. Essa nova abordagem se contrapõe ao paradigma tradicional de se pensar a infância como “uma realidade fi nita, única e identifi cável”, tomando as “crianças como objetos passivos de socialização numa ordem social adulta”. O que se busca com as novas pesquisas é uma visão de “pluralidade de concepções de infância que necessitam ser investigadas em seus processos de construção/reconstrução” (ibidem, p.3), considerando a criança como um ator social.

Acerca da pluralidade de concepções de infância, tomemos emprestado um trecho citado por Jucirema Quinteiro, extraído do texto <Regimar> e seus amigos: a criança na luta pela terra e pela vida, de José de Souza Martins:

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Regimar e seus amigos: a criança na luta pela terra e pela vida trata do estudo que o sociólogo José de Souza Martins realizou com os fi lhos e as fi lhas de colonos do Mato Grosso e de posseiros do Maranhão. O autor parte de entrevistas gravadas e de diversos depoimentos escritos pelas próprias crianças, buscando dar-lhes a palavra.A pesquisa está publicada no livro, O massacre dos inocentes: a criança sem infância no Brasil (São Paulo: Hucitec, 1993), uma coletânea de textos organizados pelo próprio autor.

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Nas entrevistas (gravadas), as crianças foram tímidas, mas, a ‘fala’ foi uma fala tristemente adulta, privada da inocência infantil que eu, ingenuamente, imaginava encontrar nelas (MARTINS, J.S. apud QUINTEIRO, s.d., p.12).

Essa passagem é uma constatação de que o autor faz de outra infância, que não aquela comumente imaginada e compartilhada pelas ciências humanas e pelo senso comum, uma infância adulta, que enfrenta as difíceis condições de vida na qual está inserida, assumindo responsabilidades tidas como adultas (o trabalho) e privada da inocência infantil que apenas acontece nos momentos de brincadeira.

Foi nesse contexto que Martins ouviu de Antônio, menino de onze anos de idade, essa afi rmação terrível: “nunca fui feliz em minha vida”. Diante disso, Martins assevera que “a alegria da brincadeira como exceção circunstancial é que defi ne para as crianças desses lugares a infância como um intervalo no dia, e não, como um período peculiar da vida, de fantasia, jogo e brinquedo, de amadurecimento”. Primeiro trabalham, depois vão à escola, e depois, no fi nal do dia, aproveitando o exíguo tempo restante, brincam. Por isso, continua o autor, para essas crianças, “a infância é o resíduo de um tempo que está acabando” (QUINTEIRO, s.d., p.12. Grifo da autora).

Assim, as crianças sabem das coisas, mas sabem de outra maneira diferente da dos adultos: por exemplo, as crianças fi lhas de colonos e de posseiros do Mato Grosso e do Maranhão sabem o que é, na prática, a luta pela vida.

Outro ponto que marca a mudança de paradigma trazida pela Sociologia da Infância, propõe a autora, é a infância/criança tomada como um objeto em constante transformação e que deve ser analisada nas suas relações com a ação e com a estrutura social. Isso implica dizer que

a interpretação das culturas infantis não pode ser realizada no “vazio social”, necessitando apoiar-se na análise das condições sociais em que as crianças vivem, interagem e dão sentido ao que fazem, podendo-se, assim, compreender os seus modos diversos de agir socialmente (MARCHI, 2005, p.6-7. Grifo nosso).

Nessa perspectiva, é importante que se diga que a preocupação das ciências sociais e humanas não se restringe a interpretar as culturas infantis no âmbito escolar e/ou familiar, como a rua, por exemplo, mas pode ser outro espaço privilegiado da infância, onde é possível de se ver como elas interagem e dão sentido ao que fazem e ao mundo que as rodeia. Vamos a outro exemplo proposto por Jucirema Quinteiro.

Na década de 1940, o sociólogo Florestan Fernandes, em As “Trocinhas” do Bom Retiro, identifi cou elementos constitutivos das culturas infantis realizando um estudo etnográfi co com crianças que se reuniam nas ruas do bairro operário do Bom Retiro, cidade de São Paulo, para brincar após o período da escola.

Segundo Quinteiro, Florestan Fernandes entendia a criança como atuante da vida social.

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Em seu estudo, ele observou, registrou e analisou “o modo como se realiza o processo de socialização das crianças, como constroem seus espaços de sociabilidade, quais as características dessas práticas sociais, afi nal, como se constituem as culturas infantis” (QUINTEIRO, s.d., p.10). No estudo de Fernandes, as culturas infantis, observa a autora, “são expressas nos brinquedos e nas brincadeiras que as crianças realizavam nas ruas” (ibidem, p.11):

Há entre as crianças [...] brinquedos cujos motivos são aspectos da vida do indivíduo adulto, tais como “fazer comidinhas”, “brincar de casinha” etc. [...] nos brinquedos, a criança não imita seu pai ou sua mãe. Pai e mãe são entes gerais, representam uma função social. As crianças abstraem da pessoa A, B ou C, para falar de “pai” e “mãe” de modo genérico, desempenhando nos folguedos as suas funções (FERNANDES, apud QUINTEIRO, s.d., p.10).

Nessa passagem de Florestan Fernandes, as crianças aparecem interagindo com o universo simbólico (cultura) no qual estão inseridas e dando sentido ao mundo que as rodeia: no exemplo acima, o autor afi rma que as crianças não imitam o pai ou a mãe, elas representam os papéis de pai e de mãe, conforme o modo como os concebem. Portanto, não se trata de a criança imitar e assimilar a cultura já existente, pura e simplesmente, mas de agir e interagir com a estrutura social.

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AULA 5: ANTROPOLOGIA DA CRIANÇA

<Antropologia> é a ciência social que estuda o homem como ser biológico, social e cultural, dentro dos grupos sociais em que ele se encontra distribuído. Também faz parte de seus objetivos entender as semelhanças e as diferenças entre as sociedades humanas e os respectivos processos de desenvolvimento cultural e social.

Assim como a Sociologia, a Antropologia também abarca uma série de especializações: Antropologia Urbana, Antropologia Rural, Etnologia Indígena, Antropologia do Direito, Antropologia Visual etc. Uma dessas ramifi cações é a Antropologia da Criança, que se dedica a analisar o que signifi ca ser criança nas diversas sociedades e culturas e o lugar que ela ocupa no interior da sociedade na qual está inserida. Nesta aula, iremos nos dedicar a essa especialização.

Vamos começar nossa refl exão lendo um trecho de Os inimigos do óbvio, uma crônica esportiva escrita por <Nelson Rodrigues> (1912-1980) para o jornal O Globo em 1966.

Ontem, o meu fraterno colega [Otto Lara Resende] entrevistou uma psicanalista sobre um dos problemas mais agudos de nosso tempo: - a juventude. E aí começa o equívoco. “Do nosso tempo” por quê? O jovem sempre foi problemático e, se não é problemático, estejamos certos: - trata-se de um débil mental que deve ser amarrado num pé de mesa. Vamos dar graças a Deus que a nossa juventude tenha um drama, uma angústia, uma tensão dionisíaca ou demoníaca, sei lá.

Mas a psicanalista começa a falar e logo percebemos o seu raro brilho e seu vasto saber. Por que o jovem está inquieto, tenso, vibrante, explosivo, perplexo e ameaçador? A culpa é da sociedade e da família. Quanto ao próprio jovem, a entrevista não faz uma tênue insinuação ou uma vaga referência. O que importa é apenas a situação social. Como reles coadjuvante, a situação familiar.

E eu então vi subitamente tudo. Imaginei que, diante de uma prova de

Para saber mais sobre a Antropologia, visite as seguintes páginas na web:• Comunidade virtual de Antropologia: <http://www.Antropologia.com.br/>;• P r o f . W a g n e r Gonçalves da Silva: <http://www.ff lch.usp.br /da/vagner/antropo.html>.

Nelson Rodrigues faz parte do panteão dos maiores escritores brasileiros. Escreveu contos, crônicas e diversas peças de teatro que o consagraram como um dos principais dramaturgos do país, entre as quais se destacam Vestido de noiva (1943), Beijo no Asfalto (1960) e Toda Nudez Será Castigada (1965).Apaixonado por futebol e torcedor inconteste do time carioca Fluminense, Nelson Rodrigues escreveu inúmeras crônicas sobre esse esporte para o Jornal O Globo. Muitas dessas crônicas, inclusive Os inimigos do óbvio, foram reunidas por Ruy Castro no livro À sombra das chuteiras imortais, publicado em 1993 pela editora Companhia das Letras.Esse livro está disponível na página da web <http://www.scribd.com/doc/7829055/A-Sombra-Das-Chuteiras-Imortais-Nelson-Rodrigues >. Acesso dia 27/07/2009.Para aqueles que desejarem conhecer um pouco mais da vida desse importante autor, sugerimos a leitura do livro O anjo pornográfi co: a vida de Nelson Rodrigues, escrito por Ruy Castro e publicado pela editora Companhia das Letras. Para ter um breve panorama de sua produção literária, consulte a seguinte página da internet: <http://www.danielpiza.com.br/interna.asp?texto=1942>.

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natação, a psicanalista havia de concluir: - “Quem nada é a piscina e não o nadador”. Minha vontade foi bater o telefone para a TV Globo e dizer: - “Minha senhora, não se esqueça do nadador”. Se vocês admitirem a comparação, eu diria que há, sim, um nadador no problema da juventude. Sim, o que está por trás da família, da sociedade, das gerações é um velho conhecido nosso, ou seja: - o homem.

Os sociólogos do Otto, os psicólogos do Otto, os educadores do Otto, os professores do Otto ainda não chegaram ao ser humano e o ignoram com uma crassa e bovina teimosia. É preciso que alguém lhes escreva uma carta anônima, com um furo sensacional: - “O homem existe! O homem existe!”. E vai ser um susto, um pânico, um horror, quando os citados especialistas perceberem que a besta humana está inserida na nossa paisagem.

Esse trecho representa bem o modo como o senso comum e o mundo científi co trataram, ou ainda tratam, o jovem e a criança: ambos são postos à parte do mundo adulto, que trata de discutir ou refl etir sobre supostos problemas ou crises, sem considerar, em momento algum, os verdadeiros implicados. O foco sempre termina sendo outro: a sociedade, as políticas educacionais, a família, a violência etc. e nunca as crianças.

A indignação de Nelson Rodrigues com os especialistas convidados por Otto Lara Resende diz respeito ao fato de sua análise se focar em um ponto equivocado: “Quem nada é a piscina e não o nadador”. Essa frase claramente é uma paráfrase das refl exões que normalmente se fazem do mundo infantil: a criança nunca é o ponto de partida da refl exão, ela só fi gura no cenário geral. Dito de outra forma, são os problemas macrossociais externos à criança e ao jovem – a piscina - as razões das supostas crises internas do jovem e da criança – os nadadores. E mais, questões de ordem comportamental dos jovens e das crianças são frequentemente tomadas pelas diversas ciências e pelo senso comum como problemas ou crises provocados por questões macrossociais. É como se crianças e os jovens não tivessem vontade própria, como se não interagissem com o mundo, como se não soubessem de nada e fossem apenas plataformas rasas prontas para serem formatadas e preenchidas pela cultura adulta.

Para a antropóloga Clarice Cohn, em cujo livro, Antropologia da criança (2005), nossa aula de hoje se apoia, entender as crianças pressupõe desvencilhar-se

das imagens pré-concebidas e abordar o universo e essa realidade tentando entender o que há neles, e não, o que esperamos que nos ofereçam. Precisamos nos fazer entender a criança e seu mundo a partir do seu próprio ponto de vista. E é por isso que a Antropologia da criança é importante.

[...] Fazer Antropologia é tentar entender um fenômeno em seu contexto social e cultural. É tentar entendê-lo em seus próprios termos. Desde cedo, os antropólogos têm insistido na necessidade de abordar as culturas e as sociedades como sistemas, o que significa dizer que qualquer evento, fenômeno ou categoria simbólica e social a ser estudado deve ser compreendido por seu valor no interior do sistema, no contexto simbólico e social em que é gerado. Por isso, não podemos falar de crianças de um povo indígena sem entender o lugar que elas ocupam naquela sociedade – e o mesmo vale para as crianças nas escolas de uma metrópole. E aí está a grande contribuição que a Antropologia pode dar aos estudos das crianças: a de fornecer um modelo analítico que permite entendê-las por si mesmas; a de permitir escapar daquela imagem em negativo, pela

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qual falamos menos das crianças e mais de outras coisas, como a corrupção do homem pela sociedade ou o valor da vida em sociedade (p.8-9. Grifo nosso).

A última frase da fala de Clarice Cohn [destacada em negrito] direciona-se no mesmo sentido da proposição de Nelson Rodrigues - de que quem nada é a piscina, e não, o nadador. A autora propõe uma inversão da abordagem tradicional da criança, falar da criança a partir dela mesma, tratá-la como sujeito social ativo:

A criança atuante é aquela que tem um papel ativo na constituição das relações sociais em que se engaja, não sendo, portanto, passiva na incorporação de papéis e comportamentos sociais. Reconhecê-lo é assumir que ela não é um “adulto em miniatura”, ou alguém que treina para a vida adulta. É entender que, onde quer que esteja, ela interage ativamente com os adultos e as outras crianças, com o mundo, sendo parte importante na consolidação dos papéis que assume e de suas relações (ibidem, p.27-28).

Para exemplifi car essa passagem, Clarice procura mostrar que as crianças <xikrin> tanto aprendem as relações sociais em que terão que se engajar ao longo da vida como também atuam em sua confi guração. A autora começa analisando o sistema de parentesco no qual a criança atuará diretamente:

Os Xikrin têm um sistema de parentesco classifi catório que faz com que várias pessoas, de acordo com sua posição genealógica, sejam enquadradas em um mesmo tipo de categoria de parentesco. Assim, para dar apenas um exemplo, os Xikrin estendem aos irmãos (homens) do pai o uso do termo equivalente a pai; às irmãs (mulheres) da mãe, o uso do termo equivalente a “mãe”. Isso [...] quer dizer que eles classifi cam do mesmo modo o pai e seus irmãos. De fato, a todos a que chama “pai” a criança deverá reservar um certo tipo de tratamento considerado adequado a essa relação, o que os torna, aparentemente, indistintos (ibidem, p. 28-29).

Isso não signifi ca, necessariamente, que todos os irmãos do pai biológico de uma criança terão a mesma importância, pois o pai biológico passa a morar na casa da família de sua esposa após o casamento, enquanto os irmãos do pai provavelmente irão morar em outras casas. Segundo Clarice Cohn, a relação de proximidade que efetivamente se criará entre os pais (irmãos do pai biológico) e a criança vai depender dos laços que irão se estabelecer na prática ao longo da vida. A criação desses laços não é, portanto, uma via de mão única, do adulto para a criança, ao contrário, a criação de laços depende da

Xikrin do Bacajá é um grupo étnico indígena, de origem Kayapó, que vive no sudoeste do Pará. O grupo se autodenomina Mebengokré. A língua falada por eles é semelhante àquela falada pelos outros grupos Kayapó, pertencentes ao tronco linguístico Jê. O exemplo das crianças xicrin resulta da pesquisa de campo realizada para a dissertação de Mestrado da própria autora - A criança indígena: a concepção Xikrin de infância e aprendizado. A dissertação de Clarice Cohn encontra-se disponível na íntegra em <http://www.ced.ufsc.br/~nee0a6/cohndiss.pdf>. Acesso 03/08/2009.

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atuação da criança no sentido de fortalecer ou não esses laços. A criança

não apenas aprende como se deve tratar um pai classifi catório; ao lado

disso, dentre as várias pessoas que ela chamará de pai, algumas se tornarão

mais próximas e importantes na sua vida que outras. Portanto, cada criança

criará para si uma rede de relações que não está apenas dada, mas deverá

ser colocada em prática e cultivada. Elas não “ganham” ou “herdam”

simplesmente uma posição no sistema de relações sociais e de parentesco,

mas atuam na criação dessas relações (ibidem, p.30).

Podemos, de maneira nada científi ca, mas pautada nas nossas próprias experiências no interior de nossas famílias, traçar um paralelo entre a construção dos laços de proximidade na relação de parentesco xikrin e o modo como construímos laços afetivos em nossas relações familiares.

Para nós, os irmãos e as irmãs do pai e os irmãos e as irmãs da mãe são nossos tios e tias, fato que, por si só, sugere uma proximidade maior da criança com seus pais biológicos devido, entre outros aspectos, ao fato de geralmente morarem na mesma casa. Mas isso apenas sugere uma proximidade maior: mesmo morando sob o mesmo teto, a relação entre o pai ou a mãe e a criança pode ser marcada por certo grau de distanciamento, e laços de afetividade maior podem ser criados entre ela e um tio seu que

vive em outra casa. De uma maneira ou de outra, <num núcleo familiar tradicionalmente constituído> ou num grupo familiar estruturado de outro modo, a relação entre um pai ou uma mãe com seu fi lho pode ser forte ou frágil, dependendo da atuação de ambos (pai ou mãe e fi lho) ao longo da vida.

Por exemplo, num caso hipotético, em que um pai, por razões diversas, não consegue expressar sentimentos de carinho para seu fi lho, ambos adotam como estratégia de aproximação a paixão pelo mesmo time de futebol. Mas essa estratégia poderia não dar certo caso, num ato de resistência, a criança adotasse para si o time rival ao do seu pai. Nesse sentido, a ação da criança estaria contribuindo para a consolidação de uma relação de distanciamento entre pai e fi lho.

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Fonte: <http://3.bp.blogspot.com/_

yNc3Po-OMXQ/S4KkrCdab3I/

AAAAAAAAAuM/33x9v-TAnaY/s400/familia1.

jpg>.

A constituição familiar em grande parte das sociedades modernas ocidentais, especialmente nos dias de hoje, varia bastante: famílias tradicionalmente constituídas por pai, mãe e fi lho; famílias com pais separados; famílias constituídas apenas por mãe e fi lho, chamadas mães solteiras; mais recentemente, famílias constituídas por pais homossexuais e fi lho, no caso masculino, predominando fi lho adotivo, e nos casos femininos, alternando entre fi lho adotivo ou fi lho biológico da parte de uma das parceiras etc. Embora tendamos a seguir um padrão cultural tradicional de relacionamento familiar, esses exemplos mostram uma variação da constituição familiar que, nela mesma, pressupõe formas diferenciadas de construção de laços de afetividade entre pais e fi lhos.

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Outro ponto bastante relevante discutido por Clarice Cohn diz respeito à criança como produtora de cultura. Para a autora,

as crianças não são apenas produzidas pelas culturas mas também produtoras de cultura. Elas elaboram sentidos para o mundo e suas experiências compartilhando plenamente uma cultura. Esses sentidos têm uma particularidade e não se confundem e nem podem ser reduzidos àqueles elaborados pelos adultos; as crianças têm autonomia cultural em relação ao adulto. Essa autonomia deve ser reconhecida, mas também relativizada: digamos, portanto, que elas têm uma relativa autonomia cultural. Os sentidos que elaboram partem de um sistema simbólico compartilhado com os adultos. Negá-lo seria ir de um extremo ao outro; seria afi rmar a particularidade da experiência infantil sob o custo de cunhar uma nova, e dessa vez irredutível, cisão entre os mundos. Seria tornar esses mundos incomunicáveis (ibidem, p.35. Grifo nosso).

Isso signifi ca que as crianças interagem ativamente com a cultura - portanto, com o sistema simbólico - na qual estão inseridas; elas não são meros receptáculos do sistema simbólico constituído, mas formuladoras de sentido sobre o mundo que as rodeia. “Portanto, a diferença entre as crianças e os adultos não é quantitativa, mas qualitativa; a criança não sabe menos [sobre o mundo], sabe outra coisa” (ibidem, p.33).

O exemplo que a autora nos apresenta vem da pesquisa da antropóloga inglesa Christine Toren, sobre as crianças das ilhas Fiji:

Toren nos mostra que, em Fiji, há um sistema hierárquico que perpassa todas as esferas de sociabilidade, e que é expresso principalmente pela ocupação do espaço: pessoas de status mais alto sentam acima, mesmo que esse acima nem sempre seja situado em um eixo vertical, mas frequentemente simbólico. O que as crianças de Fiji fazem é inverter a formulação dos adultos: enquanto elas dizem “fulano senta acima porque é superior hierarquicamente”, elas dizem “fulano é de status superior porque senta acima”. Toren nos dirá que isso não é uma percepção falha ou incompleta das crianças, mas um modo diferente de falar a mesma coisa (ibidem, p.34).

O exemplo mostra bem o que Clarice Cohn pensa sobre a criança ter relativa autonomia cultural. A criança Fiji aborda o sistema simbólico dando conta da relação entre a ocupação do espaço físico e o status social, porém formulando, com certa autonomia, outro sentido ao sistema simbólico: para as crianças, um sujeito tem status superior porque se sente acima. Trata-se, portanto, de uma formulação dedutiva; enquanto que, para os adultos, sentar-se acima depende da posição ocupada pelo sujeito na hierarquia do status social. Temos, então, uma formulação indutiva.

Por fi m, falta falar um pouco sobre a metodologia empregada nas pesquisas comentadas por Clarice Cohn. Uma das grandes contribuições da Antropologia para as demais ciências humanas é a metodologia de coleta de dados, a saber, a etnografi a:

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Um método em que o pesquisador participa ativamente da vida e do mundo social que estuda, compartilhando seus vários momentos, o que fi cou conhecido como observação participante. Ele também ouve o que as pessoas que vivem nesse mundo têm a dizer sobre ele, preocupando-se em entender o que fi cou conhecido como ponto de vista do nativo, ou seja, o modo como as pessoas que vivem nesse universo social o entendem (COHN, 2005, p.10).

Na aula anterior, vimos dois bons exemplos de pesquisas etnográfi cas: a de Florestan Fernandes e a de José de Souza Martins. Para compreender as culturas infantis, ambos foram a campo para observar e coletar dados sobre aquilo que se está estudando. Sobre dar voz às pessoas estudadas, José de Souza Martins explica sua metodologia, dizendo: “Falo da fala das crianças, que por meio delas me falam (e nos falam) do que é ser criança (e adulto)” (MARTINS, apud QUINTEIRO, s.d., p.12).

Clarice Cohn considera a etnografi a como “o melhor meio de entendê-las [as crianças] em seus próprios termos porque permite uma observação direta delas e de seus afazeres e uma compreensão de seu ponto de vista sobre o mundo em que se inserem” (2005, p.9). Nesse sentido, os estudos etnográfi cos já existentes sobre a infância/criança se apresentam para o pedagogo e para o professor como um rico material. Além disso, tomando como premissa que pedagogo e professor nunca devem parar de estudar, o método etnográfi co pode ser adequado aos propósitos das pesquisas no campo da Pedagogia.

Não é nosso objetivo, com esta aula, formar antropólogos. Longe disso, a ideia é propor novas formas de se abordar a criança que possam perfeitamente dialogar com a Psicologia, com a Pedagogia e com outras áreas relativas à educação em particular, à educação infantil. O recorte aqui apresentado é o da Antropologia da Criança. Portanto, acreditamos que se inteirar dessas pesquisas e de suas metodologias poderá ampliar o leque de atuação do pedagogo e do professor que atuem na educação infantil. Assim, o desafi o abaixo proposto visa a uma refl exão sobre a criança como ator social, no âmbito da escola, à luz da análise antropológica proposta por Clarice Cohn:

A escola [...] deve ser abordada em uma pesquisa antropológica tendo a criança como um ator social importante e relevante. Afi nal [...] as crianças não apenas se submetem ao ensino, mesmo em suas faces mais disciplinadoras e normatizadoras, como criam constantemente sentidos e atuam sobre o que vivenciam. Desse modo, análises do que as crianças fazem e pensam que estão fazendo, do sentido que elaboram sobre a escola, das atividades que nela desenvolvem, das relações que estabelecem com os colegas, professores e outros profi ssionais do ensino, e da aprendizagem podem ser muito enriquecedores para melhor compreender as escolas e as pedagogias (ibidem, p.41-42. Grifo nosso)

Com base no que discutimos nesta aula, e a partir do mencionado acima, <nosso desafi o propõe que se pense a criança como ator social ativo na escola, mais precisamente, na relação entre professor e aluno, tomando como cenário o fi lme Escola da vida>. Por mais que o professor de Biologia, Matt Warner, se esforçasse para conquistar a simpatia dos alunos, antes dirigida a seu pai, um professor bastante popular, e depois voltada ao novo e dinâmico professor de História, Mr. D., suas posturas em sala de aula desagradavam o grupo de discentes: os alunos não apenas atuaram no sentido de menosprezar as aulas e a fi gura do professor de Biologia, como atuaram na valorização e na popularização da fi gura e das aulas do novo professor de História, Mr. D.

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Apesar de acreditarmos que Escola da vida mereça ser visto por uma série de razões que podemos aproveitar para discussões de ordem pedagógica, cabe, no entanto, uma observação a respeito da forma como a fi gura do professor é tratada nesse fi lme. Escola da vida apresenta uma série de estereótipos muito negativos da fi gura do professor: o professor de educação física é obeso e, consequentemente, incompetente (não é incomum fi lmes associarem a imagem do obeso à incompetência e à imobilidade); a professora de História, que substituiria o protagonista Mr. D., aparece trajada de nazista e comportando-se autoritariamente; outra professora é velha, rancorosa e odeia os alunos (nesses últimos dois exemplos, não se distingue rigor de autoritarismo); a professora de arte é bonita, jovem e sedutora e, inevitavelmente, se apaixona pelo jovem professor; o professor de Biologia é mostrado como um maníaco em busca da popularidade. A parte positiva do tratamento dado ao jovem professor, embora um tanto exagerado, diz respeito à didática, pois sua metodologia de ensino leva em conta o aluno como ser atuante. Para assistir ao fi lme Escola da vida (School of Life), do diretor Willian Dear (EUA/Canadá, 2005, 90min.), você deverá dirigir-se ao Polo de Apoio Presencial. Os mediadores pedagógicos presenciais e a distância estarão sempre à disposição para ajudá-lo(a).

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AULA 6: A CONSTRUÇÃO DA CULTURA: CONEXÕES COM AS NOÇÕES DE TEMPO E DE ESPAÇO

Como vimos nas duas primeiras aulas, as Ciências Sociais vêm se preocupando em abordar a criança como ator social e produtora de cultura e consideram as infâncias como partes constitutivas do indivíduo, e não, como uma única e fi nita infância separada do mundo adulto. Nosso intuito, nesta aula, é tentar, na medida do possível, relacionar essas novas abordagens com as noções de tempo e de espaço, no sentido em que discutimos na primeira unidade. Sobre a noção de tempo, vamos resgatar a ideia de simultaneidade dos acontecimentos no tempo e no espaço; sobre a noção de espaço, retomaremos a ideia de espaço público civil e não civil e associá-la à proposição de Lúcia Rabello de Castro sobre a criança como produtora de cultura nas <cidades>.

Falar de uma infância universal como unidade pode ser um equívoco, ou até um modo de encobrir a realidade. Todavia, uma certa universalização é necessária para que se possa enfrentar a questão e refl etir sobre ela, sendo importante ter sempre presente que a infância não é singular nem única. A infância é plural (BARBOSA, 2006, p. 73. Grifo nosso).

Pensar em infâncias signifi ca, para a autora, não simplifi car o conceito, pois a infância não é uma experiência universal nem é dada naturalmente. Seu tempo de duração não é fi xo, muito pelo contrário, os depoimentos das crianças fi lhos e fi lhas de colonos do Mato Grosso e de posseiros do Maranhão [ver aula 1 desta unidade] mostram o tempo da infância reduzido pelas condições concretas de vida, que pautam suas experiências de vida: suas falas, dizia José de Souza Martins, eram “tristemente adultas, privadas da inocência infantil”.

Vamos um pouco mais a fundo, partindo dessa constatação de Martins. O autor, embora ciente de que não há uma infância única, fi nita e naturalmente determinada, leva em conta as diferenças com que os adultos e as crianças, duas categorias socioetárias, interagem com a realidade. Nas sociedades industrializadas, especialmente as classes média e alta dos grandes centros urbanos, a criança vem, de meados do Século XX para cá, sendo protegida daquilo que se defi ne como responsabilidades da vida adulta: trabalhar, manter a casa e a família, enfrentar a morte, enfi m, enfrentar problemas de grande envergadura pessoal tidos pelo senso comum como distantes da sua capacidade física e intelectual. Crianças que expressam falas “tristemente adultas e privadas de inocência infantil” são provas contumazes da existência de outra infância que não a da comumente concebida pelas sociedades industriais burguesas. Mostram também a diferença de tempos da infância. Vamos nos deter um pouco mais neste último ponto.

Essa diferença de tempos das infâncias pode ser pensada no quadro da simultaneidade dos acontecimentos no tempo em diversos lugares do espaço. Como foi visto na terceira aula da primeira unidade,

Para esta aula, você deverá ler o texto “Da invisibilidade à ação: crianças e jovens na construção da cultura”, de Lúcia Rabello de Castro, que está no livro Crianças e jovens na construção da cultura, disponível no Polo Municipal de Apoio Presencial.Além desse texto, é muito importante que você retome as aulas anteriores, desde a primeira unidade, uma vez que iremos nos referir a elas muitas vezes.

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a noção de tempo absoluto, desconectada das diferentes dimensões da dinâmica social, reduzindo a sociedade a uma única experiência temporal [...], confl ita com a concepção de tempo e espaço que privilegia a multiplicidade das ações humanas no mesmo tempo e em lugares distintos do espaço. Assim como o trem que chega à estação simultaneamente ao ponteiro do relógio marcando sete horas, dois acontecimentos no mesmo momento, em outras estações de trem outros trens também poderão estar chegando ao mesmo horário, portanto multiplicidade dos acontecimentos em múltiplos lugares do espaço. E ainda, em outra estação de trem, igualmente às sete horas, pessoas se manifestam porque o trem está atrasado, temos então um novo acontecimento distinto dos demais.

A experiência da infância difere como acontecimento no tempo e nos diversos lugares onde ela ocorre. As experiências vividas pelas crianças fi lhas de colonos do Mato Grosso e de posseiros do Maranhão não são as mesmas das experiências simultaneamente vividas pelas das classes mais abastadas de Cuiabá e de São Luís ou de qualquer outra cidade grande. Tais experiências diferem não apenas em razão da interação das crianças com os diversos sistemas simbólicos e da posição que elas ocupam na sociedade, mas também e, sobretudo, em razão das condições concretas de vida às quais crianças e adultos estão presos. Para surpresa de José de Souza Martins, as crianças entrevistadas, devido as suas experiências concretas de vida, estavam mais para a vida tida como adulta do que para a vida infantil tal qual sua concepção tradicional burguesa.

A pluralidade da infância também pode ser pensada a partir de sua atuação na construção da espacialidade. Vamos, mais uma vez, retomar as aulas anteriores, especialmente a aula 1 da primeira unidade, na qual discutimos a noção de espaço.

Vimos que espacialidade é o momento da ação humana sobre a paisagem. A paisagem é coisa, e por ser coisa, é permanente, não acaba, enquanto que a espacialidade é circunstancial e está sempre em constante mutação. A espacialidade é a síntese entre a paisagem e a ação dos homens sobre a paisagem.

Vimos também que a confi guração do espaço resulta da dinâmica social, ou seja, da vida que o preenche e que o anima, conforme propõe Milton Santos. São as ações dos agentes sociais motivadas por fatores de ordem econômica, cultural, política e social que dão sentido e forma ao espaço. Segundo essa concepção e considerando as crianças como atores sociais, podemos, portanto, pensar as crianças participando da confi guração do espaço em que se inserem, apesar de sempre terem sido excluídas desse processo, como propõe Lúcia Rabello de Castro a respeito do espaço urbano:

A situação de não participação das crianças e jovens no processo de construção da espacialidade urbana se manifesta, muitas vezes, na sua difi culdade de convivência com o outro: perspectiva esta que predomina em certos grupos de crianças e jovens alimentados por preconceitos e xenofobia dando lugar a um processo efi ciente de desarticulação social. Por outro lado, a cidade faz-se estranha para estes atores sociais, por estes se verem totalmente alijados da construção desta “obra”. Faz-se necessário, mais do que nunca, abrir possibilidades para que crianças e jovens não estejam na cidade como voyeurs, mas como detentores de um poder agir sobre os destinos da cidade que se quer construir (CASTRO, 2001, p.38).

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Essa autora refere que “há que se ter em vista a heterogeneidade dos processos através dos quais crianças e adolescentes reconstroem seu conhecimento sobre a cidade” (ibidem, p.41). Mas podemos ir um pouco mais a fundo e propor que a heterogeneidade dos processos de reconstrução do conhecimento sobre a cidade por parte das crianças e dos adolescentes está diretamente relacionada à pluralidade das infâncias e das adolescências.

Dois exemplos ilustram bem o que estamos propondo. O primeiro nós já discutimos na aula sobre o espaço - trata-se dos condomínios residenciais, um espaço que separa os indivíduos que compartilham condições econômicas semelhantes do restante da sociedade e de tudo aquilo que representa uma ameaça à segurança de seus membros: o que justifi ca a existência dos condomínios é a política do medo que impera nas cidades grandes e médias, como o medo das ruas, do perigo que as pessoas desconhecidas representam, da violência do tráfi co, do trânsito etc. Essa política do medo cotidiano mantém as pessoas - adultos e crianças - longe dos espaços públicos e as afasta da prática de compartilhar a vida pública. A criança que vive em condomínios – pertencentes às classes sociais mais abastadas – adere à hegemônica ideologia do medo e retarda sua relação com a vida citadina que, mais cedo ou mais tarde, irá, obrigatoriamente, acontecer.

Lúcia Rabello constatou que fi lhos adolescentes das classes médias expressam pouca curiosidade em relação a outros bairros, reduzindo bastante seu potencial de mobilidade na cidade como um todo. Segundo a autora, esses adolescentes

professam uma ideologia da vida segura, ou seja, a segurança pessoal passa a ser valor que aglutina um espectro de outros valores. Para estes jovens, a cidade, como um todo, apresenta-se como fonte de horror e violência, mobilizando medos e angústias, para o que se necessita redobrar as condições de segurança. Advogam, muitas vezes, a vida em condomínios fechados onde podem suprir “todas suas necessidades sem sair daí, sem precisar se expor em outros lugares” (ibidem, p. 40).

Assim, o medo constitui-se para crianças e adolescentes dos condomínios o alicerce da construção de seu conhecimento sobre a cidade e, consequentemente, pesa na forma como elas vivenciam e ocupam os espaços da cidade. O lazer, por exemplo, é transferido paulatinamente dos espaços públicos civis (ruas, praças, parques etc.) para certos espaços urbanos privados e fechados, como e, principalmente, o shopping center.

A contrapartida acontece com as crianças das classes mais baixas que vivem nos bairros mais populares. Em razão das condições econômicas de suas famílias, elas, geralmente, entram mais cedo em contato com a rua, seja para trabalhar e complementar o orçamento doméstico, para fugir da violência familiar ou para brincar (como no caso das crianças do Bom Retiro, estudadas por Florestan Fernandes) ou mesmo para ir à escola de ônibus ou a pé.

O simples fato de ter que ir trabalhar ainda muito cedo faz com que a criança se defronte com os desafi os da cidade (transporte coletivo lotado; longas distâncias; trabalhar até tarde; frequentar a escola à noite; violência das ruas; assédio do tráfi co de drogas e da prostituição etc.) dos quais as crianças e os adolescentes das classes médias comumente estão ou se sentem relativamente protegidos.

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Isso não signifi ca, entretanto, que as crianças que entram mais cedo em contato com a rua estejam em situação de vantagem, conforme observa Lúcia Rabello de Castro. A não ser quando a rua é tomada como lugar de lazer, de encontro e de trocas, portanto como lugar público civil, o contato precoce delas com a rua não signifi ca necessariamente a ocupação do espaço citadino como espaço público no sentido de vivenciar a civilidade. Por exemplo, crianças que vivem na rua por causa da violência familiar “acabam vivenciando a rua como um gueto, onde a complexidade da experiência citadina é reduzida, do mesmo modo como as crianças das classes favorecidas se guetifi cam dentro de seus condomínios” (CASTRO, 2001, p.40).

Explicando: ao passo que as crianças das classes médias creem estar protegidas dos perigos da cidade, dentro dos condomínios, as que vivem nas ruas buscam se proteger dos perigos da violência familiar na própria rua. Portanto, o espaço público não é ocupado como tal, mas como gueto social.

Embora os contextos sociais não sejam os mesmos, pois se trata, de um lado, de crianças do mundo rural, e de outro, da metrópole, a infância das crianças pobres das grandes cidades não diverge muito daquelas estudas por José de Souza Martins: são crianças que perdem a ingenuidade da infância mais cedo devido as suas experiências diretas na luta cotidiana pela vida.

Caro aprendente, estamos concluindo a segunda unidade, em que discutimos alguns pontos sobre as abordagens a respeito da infância/criança pelas ciências sociais. Até aqui, vimos que pensar a criança como ator social, como produtora de cultura e do ponto de vista da pluralidade de infâncias, supera as abordagens passadas em que se concebe a infância única e fi nita e a criança como tábua rasa, como agente passivo na sociedade, como parte desmembrada do adulto e fase a ser superada pelo adulto ao adquirir “responsabilidade” e “maturidade”, tidas como incompatíveis com a criança. Nesta última aula, procuramos relacionar esses pontos, principalmente a pluralidade da infância, com alguns aspectos das noções de tempo e de espaço, que discutimos na unidade anterior.

Playground em condomínio residencial - espaço “seguro” de brincadeiras

Fonte: <http://www.portaldogaucho.com.br/ecoville/DSC03772.JPG>.

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Assista ao documentário <A invenção da infância>, de Liliana Sulzbahc (2000).

A invenção da infância é um documentário de 26 min de duração, realizado no ano 2000 por Liliana Sulzbahc. O fi lme foi construído a partir de uma série de depoimentos de crianças da classe média de uma grande cidade brasileira do sul do país e com mães e crianças pobres do mundo rural nordestino. Liliana Sulzbahc propõe uma refl exão sobre o sentido de ser criança em realidades muito distintas do cenário brasileiro.Para assistir a esse interessante documentário, acesse o link <http://www.portacurtas.com.br/pop_160.asp?Cod=672&Exib=1>.

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UNIDADE III

AS CIÊNCIAS SOCIAIS E A EDUCAÇÃO INFANTIL

AULA 7: A APREENSÃO DO ESPAÇO PELA CRIANÇA

Nota introdutória: demarcando a pequena infância

Certamente você já deve ter notado que, desde o início de nossas aulas, vimos discutindo a infância e as noções de tempo e de espaço pelo viés das Ciências Sociais. Na última aula da segunda unidade, procuramos estabelecer uma relação direta entre esses dois grandes temas. De agora em diante, relacionaremos as noções de tempo e de espaço discutidas anteriormente à educação da primeira infância, estabelecendo um diálogo muito estreito com o campo da Pedagogia.

O passo incial é defi nir a primeira infância como uma faixa socioetária. Nas aulas anteriores, abordamos a criança e a infância de maneira relativamente ampla, compreendendo uma faixa socioetária que vai de 0 a 18 anos, que é proposta por Lúcia Rabello de Castro tal qual vimos na primeira aula da unidade II. A extensão da faixa socioetária até a adolescência foi importante para darmos conta das diversas infâncias. De agora em diante, no entanto, vamos focar nossa refl exão sobre a pequena infância, que abarca a faixa etária de crianças de 0 a seis anos de idade. Mesmo numa faixa estreita como essa, há diferenças (psicomotora, emocional etc.) signifi cativas entre crianças, por exemplo, na faixa de 0 a dois anos, de três a quatro anos e de cinco a seis anos. Todavia, não temos como pormenorizar demais essa divisão, já incorporada por muitas instituições públicas e privadas, como berçários, creches, jardins-de-infância, bibliotecas e ludotecas infantis e pela indústria produtora de bens culturais infantis, como livros, brinquedos e fi lmes.

Para nossos propósitos, a demarcação da faixa de 0 a seis anos nos serve também para distinguir as pedagogias da educação infantil das do ensino fundamental. Segundo Maria Carmem Silveira Barbosa (2006), estas últimas se baseiam no ensino, na transmissão de conhecimento tendo como espaço privilegiado a sala de aula, onde a criança se apresenta na condição do aprendente. Na educação infantil, por sua vez, as pedagogias se constituem em torno da construção

de relações educativas entre crianças-crianças-adultos, pela expressão, o afeto, a sexualidade, os jogos, as brincadeiras, as linguagens, o movimento corporal, a fantasia, a nutrição, os cuidados, os projetos de estudos, em um espaço de convívio onde há respeito pelas relações culturais, sociais e familiares (p.25. Grifo nosso).

A preocupação com o respeito pelas relações culturais, sociais e familiares - sobre as quais

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discutimos bastante nas aulas anteriores, pelo viés da Sociologia e da Antropologia - constitui, para a autora, o ponto fundamental para a pedagogia da infância em qualquer que seja a abordagem temática (o cuidado; a educação; a nutrição; a higiene; o sono; as diferenças sociais, econômicas e culturais das diversas infâncias; a relação familiar etc.) que se venha fazer:

[...] é preciso que as pedagogias da educação infantil mantenham constante refl exão acerca do contexto onde são produzidas, isto é, dos temas gerais da cultura contemporânea, como aqueles relacionados a gênero, cidadania, raça, relações educativas com as comunidades, religião, classes sociais, globalização e as que infl uenciam de modo incisivo as questões ligadas à educação da pequena infância. É também necessário que se estabeleçam relações destas com as outras grandes questões da pedagogia, como a ação educativa e ou currículo, verifi cando-se os efeitos que tais formas de engendrar e ver o mundo causam a um certo grupo de seres humanos que se encontram numa faixa etária específi ca, em um determinado tipo de instituição e em um certo contexto. (BARBOSA, 2006, p.26. Grifo nosso).

A ação pedagógica, na educação da primeira infância - da educação de forma geral, incluindo o ensino universitário - não deve, assim, estar desvinculada da realidade sociocultural específi ca da criança e, muito menos, do tipo de instituição onde ela está sendo posta em prática. O risco da desvinculação é a ação pedagógica inócua e domesticadora de crianças, e o da “invasão cultural”, como propõe Paulo Freire, de invadir uma realidade concreta e precisa com padrões de cultura e visão de mundo exteriores. O pedagogo deve atuar como o autêntico agrônomo educador de <Paulo Freire>, alguém “que atua com outros homens sobre a realidade que os midiatiza” (FREIRE, 1980, p.24). O pedagogo deve pensar as pedagogias tomando as crianças como agentes ativos, atuando junto com elas e na realidade onde elas se inserem. Vejamos o que Maria Carmem Silveira Barbosa tem a nos dizer a esse respeito:

As pedagogias da educação infantil têm como centro de sua teorização

a educação das crianças pequenas, situando-a tanto em sua construção

como sujeito de relações, inserido em uma cultura, em uma

sociedade, em uma economia e com formas específi cas de pensar

e de expressar-se, quanto, também, com proposições instrumentais

em relação aos aspectos internos ao funcionamento institucional e aos

projetos educacionais, isto é, seus aspectos didáticos, como, por exemplo,

os programas, as estratégias, os objetivos, a avaliação, a defi nição dos

usos do tempo e do espaço, sua organização, suas práticas, seus discursos,

enfi m, sua rotina (BARBOSA, 2006, p.24-25. Grifo nosso).

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Em seu livro, Extensão ou comunicação? (1980), Paulo Freire contrapõe os conceitos antagônicos de educação como “extensão” e de educação como “comunicação”. Para o autor, a educação, como “extensão” do conhecimento, transforma o homem em coisa, domestica-o e não o liberta de fato para agir com autonomia sobre sua realidade concreta. Já a educação como “comunicação” toma os sujeitos [pedagogos e aprendentes] como seres ativos num processo dialógico-comunicativo, ou seja, um processo comunicativo de construção do conhecimento estruturado pelo diálogo e pela reciprocidade dos atores. Nas palavras do próprio Paulo Freire,

O sujeito pensante não pode pensar sozinho; não pode pensar sem a co-participação de outros sujeitos no ato de pensar sobre o objeto. Não há um ‘penso’, mas um ‘pensamos’. É o ‘pensamos’ que estabelece o ‘penso’ e não o contrário (p.66).

Cremos que a leitura desse livro é de grande valia para a formação do educador. Fica, então, a sugestão.

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Assim como as recentes pesquisas nas ciências sociais, também na Pedagogia os estudos e a construção de pedagogias estão se voltando para o trato da criança como sujeito ativo nas relações sociais. Preocupa-se, igualmente, em dar voz às crianças, por considerar que elas têm, dentro de certos contextos, formas específi cas de pensar, de se expressar e de atribuir sentido ao mundo.

A leitura do mundo pela criança

Para a educadora Madalena Freire, “o professor não alfabetiza a criança. Ele propicia organizadamente o ‘espaço’ para que ela ‘se alfabetize’. Assim, cada vez mais, virando sujeito no processo de sua alfabetização, ela vai criando a sua capacidade de ler palavras na crescente compreensão do mundo em volta” (FREIRE, 2002, p.70). No entanto, a compreensão do mundo, diz a autora, não se dá diretamente pela leitura da palavra escrita, mas pela leitura prévia que a criança faz do mundo: “a criança já faz várias leituras do mundo que a rodeia, antes do início da leitura da palavra” (ibidem, p.69).

Madalena Freire está se referindo a crianças na faixa dos quatro anos de idade, mas podemos ir um pouco mais além. Izidoro Blikstein, professor de Semiótica e Linguística da Universidade de São Paulo, propôs que “a signifi cação do mundo deve irromper antes mesmo da codifi cação linguística com que o recortamos: os signifi cados já vão sendo desenhados na própria percepção/cognição da realidade” (BLIKSTEIN, 1990, p.17). Se pensarmos em um bebê, por exemplo, poderíamos usar a relação que ele estabelece entre o <peito e a alimentação>, quando amamentado pela mãe. A partir do momento em que cria o hábito de mamar no peito, quando no colo de qualquer pessoa, o bebê tende a girar a cabeça em direção ao peito, mesmo que não seja aquele que o alimenta. O bebê estabelece então uma relação entre uma parte do <corpo do outro> e sua alimentação, atribuindo um signifi cado ao peito antes de saber o que ele é ou como se chama.

No exemplo que demos acima, o bebê está atuando concretamente sobre o objeto, ele está fazendo uma leitura prévia da realidade já nos primeiros dias de vida, e essa leitura tende a se tornar mais complexa à medida que a criança interioriza e abstrai suas ações sobre a realidade, como assevera Madalena Freire:

A criança [na faixa etária dos quatro anos] pensa, agindo concretamente sobre os objetos. Ela opera, pensa a realidade transformando-a, e cada vez mais esse pensar vai deixando de se apoiar no concreto. A criança vai interiorizando, abstraindo suas ações sobre a realidade. E a partir dos sete anos, pouco a pouco, a criança vai podendo captar o que se acha aparentemente “escondido” no concreto, vai podendo perceber mais além dos objetos em si; as relações entre eles. É então que ela é capaz de pensar

A criança, nessa primeira fase da vida, não distingue o “eu” do “outro”, ela não tem essa consciência. No entanto, no exemplo que demos, o corpo do outro é percebido como o lugar onde se encontra sua alimentação. Nos primeiros momentos do aleitamento materno, o bebê pensa e estabelece uma relação espacial com o mundo: ele lê o peito como o lugar da alimentação.

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Fig. 01: Paulo Rossi, Amamentação, 2006, fotografi a em arquivo

digital.

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abstratamente – ou seja, operar a realidade mentalmente (FREIRE, 2002, p.29).

Assim, o percurso da criança vai da atuação sobre o concreto para a operação mental, do entendimento direto e objetivo das coisas para o entendimento abstrato da realidade. Mas isso não ocorre no vácuo, num espaço vazio e fora de algum círculo social. Ao contrário, toda leitura e ação que a criança faz do e no mundo que a rodeia acontece numa realidade social e numa cultura (ou universo simbólico) específi cas que a precedem. E mais, à proporção que ela avança em seu percurso, sua percepção do mundo tende a corresponder a certos padrões de percepção e de conduta socialmente construídos no interior de uma dada sociedade e de um determinado grupo social, especialmente a família.

Vejamos um exemplo verídico. Catarina, uma criança com dois anos e nove meses de idade [fi lha dos autores desta unidade didática], quando quer um brinquedo novo diz, referindo-se ao brinquedo velho: “vamos dar isso para outra criança, e você me compra outro”. Refere-se àquelas “crianças que não têm brinquedos”, seguindo o discurso da mãe e do pai. Percebe que esse é um argumento convincente e muito mais efetivo que um simples “eu quero”. A criança de família burguesa politicamente correta, que explica que “há pessoas que têm menos que nós” e é preciso dividir, logo entende que essa é uma forma de se relacionar com as coisas e consegui-las sem, de fato, entender o que poderia ser a suposta “divisão de bens” proposta pelos pais. Em suma:

1. A criança está agindo conforme o que é cotidianamente afi rmado pelos pais sobre a importância de se partilhar com quem não tem ou com quem tem menos. A partilha corresponde a um valor socialmente construído de solidariedade com o <outro>, amparado em valores de ordem política e/ou religiosa. Sua realização pelo indivíduo é uma conduta social esperada pelos membros da coletividade;

2. A criança não consegue compreender o sentido abstrato que está implícito na ideia de partilha, que ela não entende como uma ação pautada por um valor abstrato. Embora atue no sentido de compartilhar, não o faz sob o mesmo entendimento dos adultos que a entornam e atuam diretamente sobre ela. Sua ação é orientada por um fi m muito concreto, que é o de <conseguir algo em troca>;

3. Relembrando o que vimos com Clarice Cohn, na segunda aula da unidade II, a criança não sabe menos sobre o mundo, ela sabe outra coisa ou de maneira diferente da do adulto.

Madalena Freire diz que a criança, na fase pré-operacional, não consegue se colocar no lugar do outro, somente “através das relações interpessoais r e p e t i d a s , principalmente aquelas que incluem discussões e discordâncias, que a criança é levada a tomar conhecimento do outro” (FREIRE, 2002, p.20).

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A noção e a prática da partilha constituem um dos focos das práticas pedagógicas da educação infantil. Essa noção é trabalhada em atividades coletivas concretas, como a hora do lanche, conforme relata Madalena Freire:“Visando trabalhar ‘o meu lanche’, ‘não te dou’, ‘é meu’, propus que tivéssemos um prato onde colocariam parte do lanche que não quisessem para ser de todo mundo. E assim fi cou denominado ‘o prato do lanche de todo mundo’” (FREIRE, 2002, p.23).

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A leitura do espaço pela criança

As noções de espaço e de tempo, como vimos nas aulas anteriores, são construções sociais, e não, objetos de ordem natural. Relembrando o que vimos com Émile Durkheim, na segunda aula da primeira unidade: viver a noção do tempo só é possível se o dividimos, medimos e exprimimos, através de marcas objetivas dispostas numa sucessão de anos, meses, semanas, dias, horas e datas. Para o autor, só podemos conceber o tempo se nele distinguirmos momentos diferentes. O espaço, por sua vez, não é um meio vago e indeterminado. Para ele, a representação espacial consiste em coordenadas objetivas advindas da experiência sensível que permitam dispor espacialmente as coisas: colocar umas à direita, outras à esquerda; umas em cima, outras em baixo; umas ao norte, outras ao sul etc. Essas coordenadas é que garantem a existência do espaço enquanto tal, pois o espaço, assim como o tempo, só existe se for dividido e diferenciado. Todas essas distinções de espaço se originam em valores afetivos diferentes atribuídos às regiões.

Trata-se, portanto, de construções abstratas e objetivas, necessárias à organização da vida humana. Tempo e espaço são noções complexas concernentes à organização do mundo pelo homem, que se modifi cam ao longo da história por meio da ação dos próprios homens. Relembremos a ousadia de Pedro, o Grande, em sua empreitada de mudar o tempo e da organização esquadrinhada do espaço da cidade pestilenta numa ação de controle da peste bubônica.

Mas, como uma criança, na fase da pequena infância, ainda com pouca experiência de vida, lida com essas noções tão complexas e tão abstratas? As geógrafas e educadoras, Rosângela de Almeida e Elza Passini (2008), dão-nos a chave para compreender essa questão, no que tange à noção de espaço. As autoras referem que, na criança, a psicogênese da noção de espaço passa por níveis próprios de sua evolução no processo da construção do conhecimento: do vivido ao percebido e deste ao concebido.

• Espaço vivido: é o espaço físico experimentado fi sicamente pela criança pequena por meio do movimento e do deslocamento. A criança o apreende “através de brincadeiras ou de outras formas de percorrê-lo, delimitá-lo ou organizá-lo segundo seus interesses” (ALMEIDA/PASSINI, 2008, p.26). A criança, nessa fase, afi rmam as autoras, “tem uma visão sincrética do mundo. Para ela, os objetos e o espaço que eles ocupam são indissociáveis. A posição de cada objeto é dada em função do todo no qual ele se insere. E a criança percebe esse todo e não cada parte distintamente. Por esse motivo, para crianças pequenas (até aproximadamente seis anos), a localização e o deslocamento de elementos são defi nidos a partir de referenciais dela, quer dizer, de sua própria posição” (ibidem, p.27).

• Espaço percebido: é a fase em que a criança, no início do ensino fundamental, já não precisa mais experimentar fi sicamente o espaço, ela é capaz de distinguir as distâncias e a localização dos objetos entre si e não mais apenas em relação a ela, como ocorria na fase anterior. “Antes só era capaz de perceber o ‘aqui’, depois atinge também o ‘acolá’. Deu-se, nessa passagem, tanto a ampliação do campo empírico da criança quanto a análise do espaço que passa a ser feita através da observação” (ibidem, p.26).

• Espaço concebido: é a fase em que crianças entre 11 e 12 anos conseguem “estabelecer relações espaciais entre elementos apenas através de sua representação, isto é, capazes de

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raciocinar sobre uma área retratada em um mapa, sem tê-la visto antes (ALMEIDA/PASSINI, 2008, p.27).

Esse percurso, feito pela criança na construção de sua percepção do espaço – do vivido ao percebido, e deste ao concebido –, coaduna-se com a proposição de Madalena Freire, conforme discutimos mais acima, sobre o fato de a criança pensar, agindo concretamente sobre os objetos (espaço vivido) e, pouco a pouco, à medida que seu pensamento se torna mais complexo, ela vai interiorizando (espaço percebido) e abstraindo suas ações sobre a realidade até conseguir captar aquilo que, aparentemente, encontra-se escondido no concreto (espaço concebido).

Para Almeida e Passini, a percepção sincrética do espaço pela criança pequena, na fase do espaço vivido, “difi culta a distinção de categorias de localização espacial (como perto de, abaixo, no limite de etc.), tanto para se situar como para situar os elementos de forma objetiva” (ibidem, p.27). As autoras entendem que exercícios rítmicos e psicomotores são importantes para que ela explore com o próprio corpo as dimensões e as relações espaciais.

No espaço da educação escolar, esses exercícios rítmicos e psicomotores são vivenciados por meio de uma série de atividades lúdicas como jogos, brincadeiras, desenhos etc. Além de ajudarem a desenvolver na criança as dimensões e as relações espaciais, elas contribuem, com igual importância, para a construção de seu pensamento abstrato. Como propõe Madalena Freire, com essas atividades, a criança desenvolve sua capacidade de representar e de simbolizar o mundo. “É construindo suas representações que as crianças se apropriam da realidade”. É “através do jogo simbólico, do ‘faz-de-conta’, que a criança assimila a realidade externa – adulta – à sua realidade interna” (FREIRE, 2002, p.25).

Nosso percurso, nesta aula, deu-se em três etapas:

1. Inicialmente, buscamos precisar a primeira infância como uma faixa socioetária e propor que a ação pedagógica na educação da primeira infância deve sempre estar vinculada à realidade sociocultural específi ca da criança e com o tipo de instituição onde está sendo posta em prática.

2. Num segundo momento, por meio de um diálogo bastante estreito com o campo da Pedagogia, abordamos o modo como a criança lê o mundo: ela faz uma leitura prévia da realidade, já nos primeiros dias de vida, e essa leitura tende a se tornar mais complexa à medida que ela interioriza e abstrai suas ações sobre a realidade. No sentido proposto por Madalena Freire, a alfabetização da criança não se dá diretamente pela leitura da palavra escrita, mas pela leitura prévia que ela faz do mundo.

3. Seguindo o raciocínio do item anterior, apresentamos uma explicação sobre o processo de apreensão da noção de espaço pela criança.

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AULA 8: ROTINA E COTIDIANO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

O que é rotina? A rotina é necessária? É comum dizermos “preciso quebrar esta rotina” ou “esta rotina acaba comigo”. Ora, já que ela nos inquieta tanto, por que não conseguimos viver sem uma rotina? No âmbito da educação infantil, a rotina existe? Ela é necessária? Como ela é trabalhada?

Para tentar esclarecer estas questões vamos nos amparar nas refl exões de Maria Carmen Silveira Barbosa a respeito da rotina na educação infantil publicadas no livro Por amor e por força, rotina na educação infantil. Comecemos pela defi nição da noção de rotina proposta pela autora:

Rotinas podem ser vistas como produtos culturais criados, produzidos e

reproduzidos no dia-a-dia, tendo como objetivo a organização da cotidianidade.

São rotineiras atividades como cozinhar, dormir estudar, trabalhar e cuidar da

casa, reguladas por costumes e desenvolvidas em um espaço-tempo social

defi nido e próximo, como a casa, a comunidade ou o local de trabalho. É

preciso aprender certas ações que, com o decorrer do tempo, tornam-se

automatizadas, pois é necessário ter modos de organizar a vida. Do contrário,

seria muito difícil viver, se todos os dias fosse necessário refl etir sobre todos

os aspectos dos atos cotidianos. (BARBOSA, 2006, p. 37)

Para melhor ilustrar esta defi nição, retomemos o exemplo do camponês de Horacio Quiroga visto na segunda aula da primeira unidade. O acidente que causa sua morte acontece em meio a suas atividades rotineiras num dia trivial como todos os outros dias: horário de acordar, horário de sair para trabalhar, o caminho percorrido de sua casa ao local de trabalho, pausa para o almoço, retorno ao trabalho, horário do jantar com a família, horário de dormir. A vida do camponês de Quiroga estava, assim, organizada pelas atividades ordinárias, automatizadas pelo costume, repetidas dia após dia num espaço-tempo social próximo e sem um planejamento formal prévio, mas que são fundamentais para a organização da vida.

O costume automatizado, por exemplo, é o momento em que a mulher do camponês de Quiroga e seus dois fi lhos saíam todos os dias, quinze para o meio-dia, para chamá-lo para o almoço. Como vimos anteriormente, esta passagem revela o aspecto cultural da rotina, a localização de uma determinada hora do dia orientada pelo costume, pelo hábito familiar, que certamente corresponde a um hábito social local: os camponeses, de forma geral, seguem mais ou menos os mesmos horários de acordar, trabalhar, almoçar, jantar, dormir. Este hábito social local corresponde à organização social do cotidiano entendido como o espaço-tempo onde acontecem o ordinário (a rotina) e o extraordinário, conforme propõe Maria Carmen Silveira Barbosa:

Em contraposição à rotina, o cotidiano é muito mais abrangente e refere-se a um espaço-tempo fundamental para a vida humana, pois tanto é nele que acontecem as atividades repetitivas, rotineiras, triviais, como também ele é o lócus onde há a possibilidade de encontrar o

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inesperado, onde há margem para a inovação, onde se pode alcançar o extraordinário do ordinário (Lefebrve, 1984, p.51). José Machado Pais (1986, p.10) afi rma que não se pode reduzir o cotidiano ao rotineiro, ao repetitivo e ao a-histórico, pois o cotidiano é “o cruzamento de múltiplas dialéticas entre o rotineiro e o acontecimento”. Desse modo, penso que é necessário diferenciar a vida cotidiana, em sua complexidade e em sua amplitude, das rotinas, isto é, de uma racionalização ou de uma tecnologia constituída pelos seres humanos e pelas instituições para organizar e controlar a vida cotidiana. Assim, a rotina é apenas um dos elementos que integram o cotidiano (ibidem, p. 37. Grifos nossos).

A morte do camponês de Quiroga põe fi m a sua rotina individual, mas não ao cotidiano de seu grupo social (família, comunidade, sociedade) que continuaria a existir sem ele. Para o grupo, sua morte não altera o cotidiano do trabalho, da religião, da política, das relações sociais etc., pois, em todos os dias, a dinâmica social do trabalho, da religião, da política e das relações sociais terá seu lugar garantido. No entanto, essas dinâmicas do cotidiano são passíveis de transformação, de mudança por causa da própria dinâmica social capaz de gerar o extraordinário: uma greve de trabalhadores reivindicando a redução da jornada de trabalho, por exemplo, é um fato extraordinário que pode gerar mudanças no cotidiano da coletividade, sem, entretanto, alterar a rotina do trabalho: o trabalhador continuará tendo de se deslocar de sua casa ao local de trabalho, terá horário para entrar, almoçar e sair, deverá desempenhar suas funções conforme uma sequência de atividades que se repetirá o dia todo e todos os dias etc.

Para tornar esta distinção mais clara, vamos recorrer a outro exemplo: a do quadro <O mundo do trabalho, 1932> [fi gura 02], do artista alemão Franz Wilhelm Seiwert (1894-1933). Trata-se de um painel em forma de vitral no qual o artista reuniu uma série de quadros pintados previamente representando várias formas de trabalho no campo e na cidade dentro do sistema capitalista, e cenas onde a cultura de exploração do trabalho é assimilada pela classe trabalhadora no seu cotidiano. Vamos analisar apenas dois fragmentos desta obra. O primeiro deles está localizado na fi leira do meio à esquerda do quadro: a imagem mostra operários posicionados em

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Figura 02: Franz W. Seiwert, O mundo do trabalho, 1932. Aquarela preparatória para o vitral do Kunstgewerbemuseum Köln (Museu de Artes Aplicadas de Colônia), de 40x60 cm.

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sequência na linha de produção de uma fábrica, onde as cabeças dos trabalhadores aparecem ligadas ao sistema de roldanas representando o homem como extensão da máquina. Assim como acontece com o personagem do trabalhador interpretado por Charles Chaplin no fi lme Tempos modernos, esta cena mostra a atividade do operário condicionada a uma sequência repetitiva do sistema produtivo: a numeração sequencial das roldanas representa a rotina sequenciada do trabalho.

O segundo quadro (parte superior à direita) apresenta uma família operária onde marido, esposa e a criança no colo da mãe são representados num ambiente que lembra o quintal de uma casa tendo ao fundo a chaminé de uma fábrica: o lugar da residência está condicionado pelo local de trabalho, e a vida cotidiana está condicionada ao cotidiano da fábrica.

A partir deste último exemplo, podemos pensar a era do capitalismo pesado proposto por Zygmunt Bauman (ver aula 3, na unidade I) como um paradigma de cotidiano. Na era do capitalismo pesado, o cotidiano foi condicionado pelo modo de produção fordista que extrapolava o muro das fábricas e das empresas para a vida de forma geral: longos períodos de permanência dos funcionários no mesmo local de trabalho tendo por objetivo construir uma carreira; estabelecimento de laços de amizade, e até mesmo de parentesco entre colegas de trabalho; preferência por fi xar residência próxima ao local de trabalho engendrando relações pessoais de amizade e de cumplicidade com a vizinhança. A vida das pessoas era regida por esta dinâmica, e havia estabilidade na vida apesar dos possíveis percalços. A isto denominamos de cotidiano.

A vida de todos os dias forma o cotidiano, e no cotidiano acontecem as rotinas, as atividades diárias e repetitivas. Difi cilmente alguém vive sem uma rotina, pois ela organiza a vida diária. Romper com a rotina implica encontrar outra rotina para continuar dando ritmo ao dia-a-dia: a rotina é, assim, necessária. No entanto, o perigo da rotina é sua capacidade de alienar o indivíduo:

As rotinas podem tornar-se uma tecnologia de alienação quando não consideram o ritmo, a participação, a relação com o mundo, a realização, a fruição, a liberdade, a consciência, a imaginação e as diversas formas de sociabilidade dos sujeitos nela envolvidos; quando se tornam apenas uma sucessão de eventos, de pequenas ações, prescritas de maneira precisa, levando as pessoas a agir e a repetir gestos e atos em uma seqüência de procedimentos que não lhes pertence nem está sob seu domínio. É o vivido sem sentido, alienado, pois está cristalizado em absolutos. Ao criar rotinas, é fundamental deixar uma ampla margem de movimento, senão encontraremos o terreno propício à alienação (BARBOSA, 2006, p. 39. Grifos nossos).

A inquietação que atormenta os indivíduos das sociedades capitalistas em relação à rotina de cada um está alicerçada na última frase desta citação: geralmente deixa-se pouca ou nenhuma margem para o movimento, é comum e fácil entregar-se à sucessão de eventos que leva à repetição das ações diárias. A falta de espaço para o movimento é a falta de espaço para à refl exão e para a ação extraordinária. O homem limitado a pensar e a agir apenas sobre a necessidade imediata de sua rotina está alienado de sua real condição social de existência e de sua verdadeira capacidade de ação.

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No caso da criança, como ela se insere e é inserida na rotina? Toda criança nasce no seio de um grupo social específi co, a família, que por sua vez está inserida num grupo social maior que é a sociedade. Desde muito cedo a criança começa a interagir com valores comuns ao grupo familiar (por exemplo, valores religiosos ou provenientes da tradição familiar), e também a compartilhar todo um universo simbólico relativo à sociedade a qual pertence (a língua não como mera reprodução oral de palavras, mas como forma de expressar ideias e vontades; símbolos nacionais relativos à pátria, ao folclore etc.). A criança é igualmente exposta desde pequena a uma série de regras tácitas de conduta (como compartilhar brinquedos, comida etc. com quem não tem ou com quem tem pouco; não desperdiçar etc.), a um elenco de papéis sociais (pai, mãe, fi lho, trabalhador etc.) e a todo um conjunto de hábitos sociais (escovar os dentes diariamente, comer com talheres, não falar de boca cheia etc.) que, entre outros aspectos, organizam a vida coletiva.

Desde o nascimento, a família estabelece uma rotina para a criança que se enquadre na rotina familiar. Por exemplo, os horários de amamentação devem, na medida do possível e das necessidades da criança, se adequar aos horários da casa como o horário de dormir, de acordar, de almoçar, de jantar. A rotina da família é geralmente estruturada em função dos horários de trabalho e de folga dos pais, e está adequada à organização do cotidiano social.

Assim, a criança, dentro de um cotidiano social e de uma rotina familiar, vai paulatinamente sendo socializada e interagindo com o universo simbólico que a rodeia. Este processo de socialização e de interação, que acontece primariamente no âmbito familiar, é também executado por outros agentes que servem como construtores dos sujeitos e da cultura, especialmente pelas creches, pré-escolas e demais instituições de educação infantil (BARBOSA, 2006).

A rotina na educação infantil

Conforme a educadora Rosa Batista (1998), uma das questões centrais da educação infantil é a rotina, entendida como a estrutura que gerencia o tempo-espaço da creche, como também da pré-escola e das demais instituições de educação infantil. Para esta autora, que tomou a creche como objeto central de seu estudo,

Se em outros tempos cabia à família cuidar e inserir seus fi lhos pequenos no universo da cultura, hoje com o processo crescente de industrialização e urbanização, com a inserção cada vez mais intensa da mulher no mercado de trabalho, parece ser a creche que cada vez mais partilha com a família esta tarefa <(BATISTA, 1998, p.11-12)>.

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Segundo Rosa Batista, “a criança ingressa nesta instituição [a creche] a partir do terceiro mês de vida e permanece, em tempo integral, cada dia da sua infância, voltando para o convívio da família somente no fi nal do dia. É importante dizer que a grande maioria das crianças pequenas que frequentam esta instituição passam nela, aproximadamente, doze horas diárias. O tempo de convívio com outras pessoas, outros objetos, outros espaços e outros tempos torna-se muito reduzido. Este dado revela que o tempo-espaço da creche exerce na vida da criança um papel fundamental e distinto dos demais tempos e espaços (escola, família, rua, entre outros), exigindo que seja pensado, discutido, refl etido e pesquisado” (BATISTA, 1998, p.11-12).

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Para além da creche, outras instituições de educação infantil desempenham nos dias de hoje papéis similares no que diz respeito à socialização, à transmissão de cultura e à guarda da criança. Seja lá qual for a instituição, a rotina estará sempre presente em sua prática pedagógica. É devido a sua importância e presença incontestáveis, porém nem sempre assumida pelas instituições de educação infantil, que Maria Carmen Silveira Barbosa propõe a rotina como uma categoria pedagógica:

Rotina é uma categoria pedagógica que os responsáveis pela educação infantil estruturam para, a partir dela, desenvolver o trabalho cotidiano nas instituições de educação infantil. As denominações dadas à rotina são diversas: horário, emprego do tempo, seqüência de ações, trabalho dos adultos e das crianças, plano diário, rotina diária, jornada, etc. (BARBOSA, 2006, p.35)

Segundo a autora, na prática educativa das creches e das pré-escolas há sempre uma rotina de trabalho estruturada em torno de normas que atuam como “fatores condicionantes da maneira de organizar a rotina, o modo de funcionamento da instituição, o horário de entrada e saída das crianças, o horário de alimentação e o turno dos funcionários” (BARBOSA, 2006, p. 35). A rotina pedagógica atua, deste modo, como um elemento que estrutura a organização institucional e atua na normatização da subjetividade de seus integrantes.

A rotina nas práticas pedagógicas é evidenciada na regularidade explícita das atividades diárias como o momento da higiene, os horários de entrada e de saída, o recreio, o lanche, o almoço, o jogo livre e o jogo dirigido etc. Segundo a pedagoga Zilma de Moraes Ramos de Oliveira, o estabelecimento de uma sequência básica de atividades é útil para a criança perceber a relação espaço-temporal, sem, entretanto, inibir “o acontecer de coisas novas, inesperadas, é fundamental para a ampliação das experiências infantis” (apud BATISTA, 1998, p.16).

O planejamento de atividades diárias não pode se resumir à previsão e ao cumprimento de uma sequência rígida e engessada de atos. Isto seria o que Madalena Freire chamou de rotina rotineira, “alienada aos ritmos, aos desejos, ao pulsar do pensamento do educador e do educando. Porque os dois, nessa rotina, não têm a história e a geografi a nem a construção do conhecimento na mão. Por isso, é um tédio” (apud BATISTA, 1998, p.16). O planejamento deve, ao contrário, contemplar, como propõe esta educadora, constância e variação:

Rotina envolve tempo, espaço, atividade. Tempo-história, porque cada um tem o direito, a obrigação, o dever de ter a sua história na mão.[...] Tempo que envolve ritmo.[...] Ritmo signifi ca pulsação pedagógica, ritmo que signifi ca abre-fecha, direciona-observa, entra-sai, acelera-acalma.[...] o ritmo do grupo é constituído dos vários ritmos de todos. O papel do educador é reger estas diferenças rítmicas para a peça pedagógica. Rotina envolve constância e variação (apud BATISTA, 1998, p.15).

Assim, amarrar as práticas pedagógicas a uma mera sucessão de eventos previamente prescritos, sem considerar o ritmo, a participação, a relação com o mundo, a realização, a fruição,

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a liberdade, a consciência, a imaginação e as diversas formas de sociabilidade das crianças e adultos nela envolvidos, signifi ca orientar as crianças para a ação repetitiva dentro e fora da instituição escolar, e, assim, para a rotina alienante.

Até aqui vimos a defi nição de rotina, sua presença e importância nas práticas pedagógicas das instituições de educação infantil. Na aula seguinte daremos continuidade ao tema abordando o que Maria Carmen Silveira Barbosa denominou elementos constitutivos das rotinas. São eles: seleção e propostas de atividades; seleção e oferta de materiais; organização do espaço ambiente; uso do tempo. Em razão do recorte temático desta unidade didática, centraremos nossa atenção nos dois últimos pontos, o tempo e o espaço.

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AULA 9: TEMPO E ESPAÇO COMO ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA ROTINA

Maria Carmen Silveira Barbosa, com base na análise de uma série de propostas de atividades pedagógicas que recolheu, identifi cou um conjunto de elementos latentes ou implícitos nas rotinas que fundamentam e apoiam a operacionalização da estruturação interna das rotinas pedagógicas:

Além das regularidades explícitas nas atividades de rotina [momento da higiene; horários de entrada e de saída; recreio; lanche; almoço; jogo livre e jogo dirigido etc.], foi possível detectar [em uma série de propostas de atividades pedagógicas estudadas] outros fatores que estavam a elas relacionados. Por exemplo, a hora do recreio. Esta é uma atividade regular de rotina, que se repete todos os dias, a partir das signifi cações dadas pela rotina. A execução dessa atividade estará formatada de acordo com os elementos latentes ou implícitos nas rotinas, como: em que tipo de espaço ocorre esse recreio, como está organizado, quanto tempo dura, quais os materiais disponíveis nesse lugar, há algum tipo de intervenção dos educadores nesse horário? Resolvi chamar esses fatores que fundamentam e apóiam a operacionalização da estruturação interna das rotinas pedagógicas de elementos constitutivos das rotinas. São eles: a organização do ambiente; os usos do tempo; a seleção de propostas de atividades; a seleção e oferta de materiais (BARBOSA, 2006, p.117. Grifos nossos).

Em razão do recorte temático de nossa unidade didática, nesta aula, concentraremos nossos esforços em dois dos elementos constitutivos das rotinas sugeridos pela autora: a organização do espaço ambiente e o uso do tempo. Antes, porém, apresentaremos, de forma breve, os outros dois elementos constitutivos das rotinas pedagógicas.

A seleção e as propostas de atividades dizem respeito, de um lado, às práticas “que se constituem em rituais de socialização e de cuidados e que utilizam parte expressiva do tempo da jornada na educação infantil, como os momentos de entrada, do recreio, da alimentação e do sono”, e, de outro, “as atividades consideradas pedagógicas” (BARBOSA, 2006, p.168).

A seleção e a oferta de materiais diz respeito aos materiais “que representam as rotinas e que estão presentes nas turmas de educação infantil” e à “seleção e construção de materiais que são oferecidos às crianças nas escolas de educação infantil” (BARBOSA, 2006, p.153). Um exemplo de materiais que representam as rotinas pode ser encontrado no relato de Madalena Freire sobre a criação de um quadro onde as crianças desenharam os contornos das ferramentas de uso comum e de seus próprios materiais (como as pastas) para a organização das coisas. Segundo a educadora, essa organização propiciou, entre outras coisas, a organização do ‘horário’ de trabalho. Para isso, foram anotadas todas as atividades a serem desenvolvidas (FREIRE, 2002). Esse quadro funcionou como uma forma de visualizar a rotina. Já no que concerne à seleção de materiais por parte do educador, por exemplo, as sucatas, destinadas à construção de novos materiais por parte das crianças, Maria Carmen Silveira Barbosa afi rma que, quanto mais amplo for o repertório de materiais escolhidos, maior será a possibilidade de variar as atividades de rotina: a construção de materiais propicia a ação criativa e não repetitiva da criança, fato que contribui para um maior envolvimento em suas ações, realizando brincadeiras coletivas e individuais.

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A organização do espaço/ambiente

O primeiro ponto a ser considerado é a justifi cativa de Maria Carmen Silveira Barbosa para o estudo do espaço/ambiente das instituições de educação infantil. Segundo a autora, estudar o espaço/ambiente na educação infantil justifi ca-se pelo fato de que a jornada diária das crianças, nesses lugares, equivale, em muitos casos, ao seu horário de vigília. Nesse sentido, o ambiente torna-se peça fundamental na constituição dos sujeitos por se tratar de um mediador cultural da formação dos primeiros esquemas cognitivos e motores da criança, um elemento signifi cativo do currículo da educação infantil, e uma fonte privilegiada de experiência e de aprendizagem (BARBOSA, 2006).

Por ambiente, a autora entende o “espaço construído, que se defi ne nas relações com os seres humanos por ser organizado simbolicamente pelas pessoas responsáveis pelo seu funcionamento e também pelos seus usuários” (2006, p.119. Grifo nosso). Ela afi rma que o espaço construído é o espaço físico:

O <lugar> do desenvolvimento de múltiplas habilidades e sensações e, a partir de sua riqueza e diversidade, ele desafi a permanentemente aqueles que o ocupam. Esse desafi o constrói-se pelos símbolos e pelas linguagens que o transformam e recriam continuamente (ibidem, p.120).

Sob o ponto de vista da autora, a organização do ambiente é parte constitutiva das pedagogias voltadas para a primeira infância uma vez que ela traduz “os objetivos, as concepções e as diretrizes que os adultos possuem com relação ao futuro das novas gerações e às suas idéias pedagógicas” (BARBOSA, 2006, p. 122). Nesse sentido, a análise da arquitetura de um prédio voltado para a pequena infância e de seu arranjo espacial é de extrema relevância, pois, como refere a autora,

Essa concepção de lugar não se afasta muito da defi nição de lugar que vimos em nossa aula sobre o espaço baseado na teoria de Milton Santos: lugar é o fragmento do território onde as múltiplas partes da sociedade se instalam e ganham uma dimensão única e socialmente concreta. O lugar nasce da relação entre sociedade e um conjunto de formas materiais e culturais, e quando há mudança social, há também mudança dos lugares.

Sugerimos retomar a aula 1, “O espaço”, da unidade I, “O tempo e o espaço como categorias do entendimento”.

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revela muito de seu <projeto político>. Por exemplo, uma escola onde certo estilo de vida é bem demarcado pelo arranjo do espaço evidencia um engajamento de seus responsáveis e de seus educadores com determinadas camadas sociais, mais precisamente, com famílias que se identifi cam com o estilo defi nido.

Em suas pesquisas, Barbosa identifi cou alguns grandes modelos vigentes de organização do ambiente na educação infantil, claramente visíveis na estrutura arquitetônica e nos arranjos internos das instituições:

• Modelo higienista da puericultura: preocupação com o arejamento; tipo de iluminação; tamanho espacial das salas relacionado com a quantidade de crianças por ambiente; limpeza constante; higiene, saúde e resguardo do corpo; uso privilegiado do espaço interno em detrimento do externo como forma de prevenção a qualquer risco de contaminação e de <controle> no sentido da vigilância constante sobre a criança;

• Modelos asilares e hospitalares: berços individuais e altos em relação ao chão; iluminação indireta, privilegiando a penumbra e mantendo venezianas e cortinas fechadas;

• Modelo tradicional de arquitetura escolar: organizada em salas de aula;

• Modelos das pedagogias modernas (Montessori, Freinet, Decroly): plantas baixas, para facilitar a arrumação das salas; espaços amplos e iluminados com diversidade de materiais; ausência de controle do fl uxo de pessoas internas nos diferentes espaços da escola;

• Modelos emergentes nas sociedades pós-industriais: privilegia o conforto dos usuários;

Além do projeto político da instituição, a arquitetura e o arranjo espacial podem revelar o alinhamento, nem sempre consciente, da instituição a uma ideologia hegemônica, como, por exemplo, a do medo. Instituições de educação infantil e as instituições de ensino fundamental e médio cercadas por muros altos e eletrifi cados, vigiadas por seguranças e câmeras, isolam a criança do mundo externo do mesmo modo que acontece nos condomínios privados, como vimos anteriormente. Nesse mesmo exemplo, algumas escolas altamente vigiadas em relação ao mundo externo organizam a entrada e a saída das crianças no dia a dia de forma que a criança fi que exposta o menos possível aos perigos da rua, reforçando, assim, por meio da rotina diária da própria instituição, a rotina social pautada pelo medo.

Em outro momento, a autora propõe que “o espaço pode funcionar como um lugar de vigilância ou de controle, como quando é pensado para disciplinar os corpos e as mentes, ou para auxiliar na melhoria da produção. Os espaços e os ambientes não são estruturas neutras e podem reproduzir, ou não, as formas dominantes [conforme] os experimentamos (BARBOSA, 2006, p.120).Sobre este aspecto do controle e da vigilância, vale à pena retomar o que discutimos sobre o panoptismo proposto por Michel Foucault, um modelo de funcionamento do lugar que pesa sobre a defi nição das relações de poder na vida cotidiana dos homens. O panóptico de Jeremy Bentahm fora mais do que um projeto de prisão destinado à reforma dos prisioneiros, que poderia ser estendido às instituições educacionais; ele representa uma forma generalizada de controle exercida ininterruptamente.Ir à a aula 1 “O espaço”, na primeira unidade “O tempo e o espaço como categorias do entendimento”.

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demarca um estilo de vida; arranjos espaciais baseados nos estudos sobre características do desenvolvimento infantil; arranjo espacial semelhante aos novos espaços sociais urbanos, como, por exemplo, <espaços escolares ocupados por lojas e praça de alimentação>.

Por fi m, a autora sugere que os diferentes espaços internos da instituição voltados para a pequena infância (refeitório, banheiros, ateliers, pátios, quintais, jardins, biblioteca etc.) sejam pensados, arranjados e ocupados de modo que privilegiem variações nas rotinas, pois,

as rotinas também marcam momentos de deslocamentos espaciais, isto é, da passagem de um ambiente para outro, da adaptação ao novo ambiente e da sua organização após o uso. Nesses momentos, são muito utilizadas pelos educadores as canções, as frases conhecidas e outros tipos de sinalização (BARBOSA, 2006, p.134-135).

A autora concebe que os diferentes espaços devem ser percebidos e organizados como sendo os lugares onde acontecem as experiências físicas, sensoriais e relacionais das crianças. Criar atividades para os diferentes espaços ou criar novos ambientes dentro dos espaços já concebidos torna a rotina mais dinâmica, mais complexa, o que possibilita a ampliação do universo cultural e conceitual das crianças (BARBOSA, 2006).

Os usos do tempo

Na unidade I, onde tratamos do tempo e do espaço como categorias do entendimento humano, vimos que tempo e espaço não são dados naturais e autoevidentes, como é comum pensarmos. Ao contrário, ambos são conceitos construídos pelo homem, ao longo de sua existência, e modifi cados ou atualizados por ele próprio (exemplo de Pedro, o Grande) dentro de certos contextos.

A tendência de naturalizarmos as noções de tempo e de espaço advém do fato de serem categorias básicas da existência humana, pois é por meio delas que organizamos nossa vida na Terra. A organização espaço-temporal é essencial para nos localizarmos no tempo histórico, no espaço físico geográfi co e no espaço sociocultural, como também é essencial para a organização do cotidiano e da rotina: como seria possível organizar o dia sem a demarcação do tempo e do lugar das atividades? David Harvey diz que

Na cidade de São Paulo e em outros centros urbanos, muitos edifícios de universidades privadas têm sido construídos em forma de shopping center, e outras universidades estão se instalando dentro deles.

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Os movimentos cíclicos e repetitivos (do café da manhã e da ida ao trabalho a rituais sazonais, como festas populares, aniversários, férias, abertura das temporadas esportivas) oferecem uma sensação de segurança em um mundo em que o impulso geral do progresso parece ser sempre para a frente e para o alto – em direção ao fi rmamento e ao desconhecido (HARVEY, 1992, p.188. Grifos nossos)

Essa sensação de segurança se alimenta, como vimos na aula anterior, da repetição da rotina regulada por costumes e desenvolvida em um espaço-tempo social defi nido e próximo. Pelo fato de os movimentos cíclicos e repetitivos da rotina e do cotidiano terem hora, local e data precisos, tomamos as noções de tempo e de espaço como fatores concretos e unívocos. A univocidade e a concretude nos dão a sensação de certezas, e certezas nos dão a sensação de segurança. Na medida em que nos submetemos cada vez mais à rotina sem deixar espaço para o movimento, temos maior sensação de segurança, mas, por outro lado, tornamo-nos alienados de nossa real condição de existência e de nossa capacidade real de movimento.

Em seu quadro, La persistencia de la memória (A persistência da memória), 1931 [Figura 01], Salvador Dali, pintor espanhol surrealista, problematizou a percepção unívoca do tempo. As fi guras que representam os relógios distorcidos, como se tivessem amolecidos e cansados, cada um registrando um horário diferente, contesta a obsessão humana pela memória e pela noção do tempo rígido, estanque e único.

O relógio é o grande general do mundo moderno, é o que dá regularidade aos ritmos, que ordena a vida e que organiza a temporalidade da era moderna. Como propõe Maria Carmen Barbosa, o relógio é um símbolo cultural e um mecanismo de controle social da duração do tempo. Ao ser incorporado ao edifício da escola, o relógio serve como organizador da rotina da instituição, das atividades pedagógicas e da vida cotidiana da infância. “O uso do relógio na escola infantil representa essa introdução [da criança] ao mundo externo, ao mundo dos adultos” (BARBOSA, 2006, p.140). Segundo a autora,

Salvador Dalí, La persistencia de la memória, 1931, óleo sobre tela, 24x33cm.

Fonte: <http://4.bp.blogspot.com/_deiCR5k75iE/Reg5_dmwzeI/AAAAAAAAALE/DN4FsWSHf2w/s320/A+persistencia+da+memoria+-+1931.jpg>.

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Os tempos de grande parte das instituições educacionais continuam, em sua maioria, sendo o tempo do início da modernidade, o tempo rígido, mecânico, absoluto. Entretanto, algumas instituições tentam aderir a um novo tipo de marcação do tempo e de inserção <do tempo do capital no da vida das crianças>, e um dos exemplos mais fl agrantes na educação infantil pode ser visto com a antecipação, com a aceleração que incentiva as crianças pequenas a iniciar [sic] com determinadas atividades cada vez mais cedo, antes de e, se possível, cada vez mais rápido, para que adquiram um maior número de habilidades para competir no mercado. As escolas infantis submetem-se cada vez mais a uma agenda de atividades adultas: informática, inglês, judô, balé, horário de matemática, música, português, etc., pautadas pela competição, qualifi cação para o trabalho, etc. (ibidem,

p.141).

Além da preocupação de inserir a criança no tempo do capital, outros modos temporais de organização das atividades pedagógicas, diz Maria Carmen, pautadas em teorias sobre a criança e a educação, perpassam a história da educação infantil: “organização temporal com base nas necessidades orgânicas das crianças pequenas, quando pautadas pela puericultura, ou nas necessidades psicológicas, quando inspiradas por teorias do desenvolvimento” (idem). Em sua pesquisa, a autora elenca alguns desses elementos temporais que caracterizam e estruturam as rotinas das pedagogias voltadas para a educação infantil:

• Periodicidade: é a variação da duração do tempo nas rotinas institucionais que podem ser anuais, conforme o calendário nacional

e o calendário da instituição (período de adaptação da criança, férias etc.), de acordo com as estações do ano (uso da piscina, horários de uso do pátio etc.), mensais (atividades comemorativas como aniversariantes do mês) e semanais (dia da semana destinado à música, ao esporte etc.);

• Alternância: alternam-se os tipos de atividades, como das atividades livres para as dirigidas, das atividades físicas para a intelectual etc.;

• Sequência temporal: sequência de atividades previamente estabelecidas, tendo como parâmetro o tempo de presença da criança no interior da instituição (meio período ou período integral). De forma geral, há uma sequência básica que estrutura as rotinas: o horário de entrada, o jogo livre, a rodinha, o trabalho dirigido, o banheiro, o lanche, o recreio, o trabalho diversifi cado, a organização fi nal, a despedida, a saída. Essa ossatura se diversifi ca quando o tempo de permanência da criança é maior, incluindo, assim, o horário de almoço e a troca de turno de professores;

No documentário, A invenção da infância, que vimos na terceira aula da unidade II, as crianças relatam suas rotinas. As meninas da cidade expressam bem o que está sendo dito neste parágrafo: suas rotinas são intensas, seus tempos são tomados por atividades diárias que visam prepará-las para o mercado de trabalho (uma das garotas diz da importância de se estudar o idioma inglês como forma de se distinguir no mercado de trabalho futuramente), e outras destinadas a prepará-las para o universo da cultura culta (aulas de arte, de música, balé etc.)

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• Transições: trata-se dos tempos de transição que intercalam as atividades, podendo ter duração bastante diversa;

• Duração: diz respeito ao tempo de duração das atividades. “A variabilidade do tempo de duração de uma atividade é defi nida por vários critérios, mas, principalmente, a importância dada a elas pelos adultos e a faixa etária do grupo em questão” (ibidem, p. 147);

• Ritmo: referência aos ritmos biológicos das crianças e às suas relações com a rotina;

• Rigidez: fi xação de uma ordem sequencial e da duração das atividades;

• Repetição: diz respeito à repetição de atividades que ajudam a fi xar certos hábitos vitais (comer, beber, ir ao banheiro, dormir etc.), que proporcionam prazer e conhecimento. “Ao repetir, aprende-se a fazer algo que se sabe de um jeito diferente, qualifi cam-se habilidades que estão sendo desenvolvidas” (ibidem, p. 147);

• Seriação: exerce uma função temporal nas instituições, refere-se ao respeito à divisão das turmas em grupos etários, adotando-se como parâmetro as diferenças (biológicas e culturais) das características das idades.

Finalmente, a autora assevera que um dos objetivos principais da temporalização da vida das crianças está relacionado ao tempo coletivo, mas isso não pode impedir o respeito pelos tempos pessoais da criança.

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SUMÁRIO

Palavras da professora-pesquisadora ......................................................... 302302

Croqui do percurso .................................................................................. 303303

Mapa Conceitual ...................................................................................... 309309

Desempenho no percurso ......................................................................... 310310

UNIDADE I: MÍDIA TELEVISIVA E DESENHOS ANIMADOS .............................. 311311

A televisão e o telespectador – breve refl exão ............................................. 311311

Desenhos animados: um pouco da história ................................................. 317317

A televisão, os desenhos animados e a criança ............................................ 3203202525

Se liga nessa! ......................................................................................... 323323

UNIDADE II: SUBSTRATOS TEÓRICOS E APROPRIAÇÃO DO SENTIDO ........... 330330

Função simbólica ou de representação – Jean Piaget .................................... 334334

Interação entre aprendizado e desenvolvimento – Levi S. Vygotsky ................ 337337

Internalização: reconstrução interna de uma operação externa – Vygostky ...... 341341

UNIDADE III: USOS, DESUSOS E ABUSOS DA MÍDIA ................................ 341341

Cultura das imagens ................................................................................ 341341

Globalização, indústria cultural e consumo .................................................. 345345

Mídia–educação: pedagogia dos meios ....................................................... 354354

Análise psicossocial do fi lme Monstros S.A. ................................................. 356

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Palavras da professora-pesquisadora

Prezados/as aprendentes,

É incontestável o papel das mídias na vida das pessoas. Os recursos midiáticos, sejam eles TV, rádio, internet, jornal etc., são utilizados cotidianamente pelos mais diferentes indivíduos, não importando faixa etária, gênero, etnia ou lugar onde vive. O que difere são a frequência e a intensidade com que esses recursos são utilizados. A escola, por ser um espaço comunicacional, não pode se esquivar de utilizar os recursos midiáticos, como também conhecê-los mais de perto para melhor fazer uso deles.

Os desenhos animados fazem parte da mídia televisiva e da vida da maioria das crianças e dos jovens. Portanto, os conteúdos das unidades deste componente curricular, que tem estreita ligação com Educação, Cultura e Mídia (Trilhas do Aprendente – Volume 3), tratam dos desenhos animados e de como as crianças se apropriam de suas mensagens.

Queremos suscitar a motivação dos/as aprendentes para utilizar o desenho animado como recurso didático, por compreender que é necessária uma mediação refl exiva.

Esperamos um bom aproveitamento dos conteúdos aqui apresentados, com o intuito maior de perceber nossas crianças como coparticipantes das produções culturais.

Bom proveito nos estudos!

Profª. Margarida Sonia M. do Monte

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Croqui do Percurso

UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASILUNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CURSO DE PEDAGOGIA - MODALIDADE A DISTÂNCIASEMINÁRIOS TEMÁTICOS DE PRÁTICA CURRICULAR VI

Professora-pesquisadora:Margarida Sonia Marinho do Monte SilvaE-mail:[email protected]

MARCO VII

Componente Curricular: Seminários Temáticos de Prática Curricular VI

60 horas/aula 04 créditos

Ementa: Na busca de contribuir com os princípios que embasam a proposta curricular, anteriormente explicitados, os Seminários Temáticos de Prática Curricular são realizados pelos aprendentes como o locus para apresentação dos resultados de seus estudos, para a construção de propostas pedagógicas a ser implementadas nas respectivas instituições e para o desenvolvimento de pesquisa ao longo de cada área temática, com base nos subsídios teóricos desenvolvidos nas diferentes áreas, que contemplam os quatro núcleos. Assim, os aprendentes são impulsionados a um processo de refl exão sobre questões ligadas às políticas de atendimento à infância do País e do Estado, ao projeto político-pedagógico de sua instituição e às ações político-pedagógicas desenvolvidas no cotidiano de suas práticas profi ssionais. Os Seminários Temáticos, além de fazerem parte da estrutura curricular do curso como um dos elementos centrais do processo de acompanhamento e avaliação dos aprendentes, servem de elemento motivador para o desenvolvimento de processos de pesquisa no cotidiano das práticas pedagógicas dos mesmos, para uma “epistemologia da prática”.

Objetivo Geral:

Identifi car como as crianças se apropriam das mensagens contidas nos desenhos animados.

Objetivos Específi cos:

- Investigar quanto tempo, em número de horas diárias, crianças de 3, 4 e 5 anos assistem à televisão;- Descrever, em termos gerais, os conteúdos dos desenhos animados veiculados frequentemente nas emissoras de televisão aberta ao público;- Suscitar a motivação dos/as aprendentes em utilizar o desenho animado como recurso didático mediante a mediação refl exiva;- Conhecer, através das teorias apresentadas, os processos mentais de representação e internalização utilizados pelas crianças.

Etapas do percurso:

UNIDADE I: MÍDIA TELEVISIVA E DESENHOS ANIMADOS

- A televisão e o telespectador – breve refl exão- Desenhos animados: um pouco da história- A televisão, os desenhos animados e a criança- Se liga nessa!

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UNIDADE II: SUBSTRATOS TEÓRICOS E APROPRIAÇÃO DO SENTIDO

- Função simbólica ou de representação – Jean Piaget- Interação entre aprendizado e desenvolvimento – Levi S. Vygotsky- Internalização: reconstrução interna de uma operação externa – Vygostky

UNIDADE III: USOS, DESUSOS E ABUSOS DA MÍDIA

- Cultura das imagens- Globalização, indústria cultural e consumo- Mídia–educação: pedagogia dos meios- Análise psicossocial do fi lme Monstros S.A.

Metodologia:

A metodologia do curso está fundamentada na interação da teoria com o universo prático. Através da exposição teórica, os/as aprendentes poderão realizar os desafi os práticos propostos. Para tanto, é importante que visitem o ambiente virtual de aprendizagem, participem das aulas presenciais e, com o apoio dos/as mediadores/as, realizem os desafi os propostos.

Desafi os:

Os instrumentos de avaliação dos/as aprendentes serão diversifi cados: micro-pesquisa, produção textual, análise psicossocial do conteúdo de fi lmes e debates em fóruns. Serão critérios de avaliação: a capacidade crítica, o domínio dos referenciais teóricos, a criatividade, a capacidade de análise, de síntese e de produção de textos.

Recursos técnico-pedagógicos:

AVA (Ambiente Virtual de Aprendizagem);Sala de bate-papo;Disponibilidade de arquivos de textos e livros científi cos;Disponibilidade de arquivos com apresentações didáticas;Desafi os;Leitura do livro Trilhas do Aprendente; Consulta à WEB;Consulta aos fi lmes indicados.

Competências e habilidades:

Competências e habilidades a serem desenvolvidas:Capacidade de interpretar textos;Capacidade de gerar novas ideias e conhecimentos;Capacidade de trabalhar em equipe, valorizando os espaços coletivos;Capacidade de estabelecer comunicação oral, escrita e virtual;Capacidade de estabelecer interações virtuais;Capacidade de analisar;Capacidade de operacionalizar.

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VIVARTA, Veet (Ed.) e CANELA, Guilherme (Coord.) Classifi cação indicativa: construindo a cidadania na tela e na tevê. Brasília: ANDI, Secretaria Nacional de Justiça, 2006.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

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UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASILUNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CURSO DE PEDAGOGIA - MODALIDADE A DISTÂNCIASEMINÁRIOS TEMÁTICOS DE PRÁTICA CURRICULAR VI

Professora-pesquisadora: Margarida Sonia Marinho do Monte Silva

DESEMPENHO NO PERCURSO

Aulas Desafi os Pontuação Desempenho obtido

Prazo de fi nalização

UNIDADE I

Aula 1 A televisão e o telespectador – micro-pesquisa 3,0 2ª semana

Aula 2 Desenhos animados: um pouco da história – micro-pesquisa 2,0 3ª semana

Aula 3 A televisão, os desenhos animados e a criança – produção de texto 3,0 4ª semana

Aula 4 Se liga nessa! – Produção de texto 2,0 5ª semana

Total de pontos na Unidade I 10,0

UNIDADE II

Aula 5 Função simbólica ou de representação: Jean Piaget – produção de texto 3,0 7ª semana

Aula 6 Interação entre aprendizado e desenvolvimento: Vygotsky – produção de texto 3,0 8ª semana

Aula 7 Internalização: construção interna de uma operação externa – análise e produção de texto 4,0 9ª semana

Total de pontos na Unidade II 10,0

UNIDADE III

Aula 8 Cultura das imagens 3,0 11ª semana

Aula 9 Globalização, indústria cultural e consumo 2,0 12ª semana

Aula 10 Mídia e educação: pedagogia dos meios 2,0 13ª semana

Aula 11 Análise psicossocial do fi lme Monstros S.A. 3,0 14ª semana

Total de pontos na Unidade III 10,0

Avaliação presencial (prova escrita) 10,0 Final doPercurso

TOTAL DE PONTOS OBTIDOS NO PERCURSO

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UNIDADE I

MÍDIA TELEVISIVA E DESENHOS ANIMADOS

AULA 1: A TELEVISÃO E O TELESPECTADOR – BREVE REFLEXÃO

No mundo todo, vários estudiosos das mais diversas áreas, inclusive da área de Ciências Exatas, dedicaram-se a pesquisas sobre desenhos animados e sua relação com a comunicação, a educação, as brincadeiras e os jogos, com a infância contemporânea, a sexualidade, a violência, os estados psicológicos e o imaginário infantil. Os efeitos dos desenhos animados sobre quem assiste são descritos como “perversos” (CECCARELLI, 2001 – ateliê da Aurora) ou como “benéfi cos”, porém não se contesta, em nenhum desses estudos, a infl uência dos mesmos sobre essas pessoas.

Desde a década de 50, marcada pela grande proliferação da TV e suas emissões no mundo inteiro, também surgem pesquisadores com trabalhos na área da televisão e seu impacto na vida humana.

Murray e Kippax (1979, apud FUSARI, 1985) estudaram a respeito da tendência das pesquisas realizadas por esses investigadores em cinco regiões do mundo: América do Norte, Europa Ocidental, Europa Oriental, Ásia, Oceania e Oriente Médio. Foram 16 países pesquisados a respeito do impacto da televisão nas crianças e nos adultos. Considerando as diferentes perspectivas e orientações teórico-fi losófi cas dos pesquisadores, os autores constataram a existência de três grupos que respondiam a três perguntas:

a) O que a TV causa ao tespectador? Trata-se de pesquisas que enfatizam os efeitos da TV nas crianças e nos adultos e são provenientes de estudos realizados nos Estados Unidos e na Austrália;

b) O que o telespectador faz com a TV? São trabalhos provenientes, sobretudo, da Europa;

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Aula 1 Aula 2 Aula 3 Aula 4

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c) O que o telespectador faz com aquilo que a TV lhe causa? Focalizam os aspectos de efeitos e de funções da TV sobre o telespectador. Esses estudos foram realizados na Inglaterra e nos Estados Unidos.

As pesquisas em andamento dão ênfase aos efeitos e às funções da TV ligados ao conhecimento e à formação de opinião a respeito de uma realidade de mundo. A tentativa é responder à pergunta:

O que um telespectador de um determinado contexto constrói, em sua vida pessoal, levando em conta a realidade de mundo que a televisão desse mesmo contexto lhe emite?

Outras pesquisas objetivam tentar responder às perguntas:

• O que a TV pró-social forma, no telespectador, quanto ao pessoal e ao social?

• O que telespectadores de um subgrupo cultural fazem – e como – com o que uma determinada televisão lhes oferece?

Wartella, Alexander e Lemish (1979, apud FUSARI, 1985) apresentaram análises de trabalhos realizados por pesquisadores em regiões da América Latina, das Antilhas e da África. Essas análises apontam para a necessidade, na década de 80, de estudos que aprofundem e clarifi quem as causas, os efeitos e as funções sociais da relação entre a televisão, os telespectadores e os diferentes contextos culturais.

Caparelli (1985, apud FUSARI, 1985) apontou, em suas análises sobre as pesquisas em Comunicação, realizadas no Brasil até 1980, a necessidade de se estudarem a forma de encontro entre a mensagem e o receptor e a situação socioeconômica na qual a mensagem circula.

A televisão surge como um dos principais instrumentos que vêm influenciando o comportamento dos seres humanos, pois, além do fato de ser acessível a todas as classes da sociedade, o poder do discurso dos programas televisivos é ferrenho.

Sabemos que os meios de comunicação podem levar os indivíduos a se modifi carem, infl uenciando na sua maneira de pensar e de agir. Eles utilizam a linguagem como instrumento, por sinal, o único com todo esse poder. São as palavras, os gestos e as imagens que levam os indivíduos a se modifi carem. Portanto, a linguagem, em geral, além de ser um conjunto de estímulos (sinais) visuais (como cores, sons, formas, movimentos, materiais etc.), compreende o modo como as pessoas se organizam. Também sabemos que a “leitura” de elementos idênticos ou semelhantes pode ter muitas possibilidades. Sendo assim, as consequências da linguagem podem ser tanto negativas quanto positivas. Dependendo do seu uso e dos meios que são utilizados para transmiti-la, a linguagem poderá exercer um papel importantíssimo na vida das pessoas.

A <televisão surge como um meio de comunicação> que veicula informações, quase sempre, com intenção de persuadir os telespectadores. Como utiliza a linguagem, ela comunica, mas também, através da palavra, argumenta, relata, discute, entra em relação com as pessoas que aprendem, ensinam, amam, odeiam etc. Em geral, quando “se toma” a palavra, não se quer apenas comunicar alguma coisa, quer-se também persuadir o outro, convencendo-o de que suas razões são as melhores. Dessa forma, interfere-se na sua ação, “vendendo-lhe” uma ideia, uma imagem, um estilo de vida.

No componente curricular Educação, Cultura e Mídia (Trilhas do Aprendente, Vol. 3), você poderá ler mais sobre esse assunto.

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Aqui se vê a palavra como mercadoria e que, para tanto, é transmitida de diferentes maneiras, sempre com o objetivo de vender mais.

Nos dias de hoje, somos bombardeados pelo discurso persuasivo na política, na propaganda, nos meios econômicos, nas telenovelas, nos enlatados da TV. Essas produções vêm carregadas de ideologias, isto é, não desejam apenas mostrar produtos, expor conceitos ou apresentar histórias, mas vender ideias e modos de viver. Assim, tentam atingir a vontade e a ação das pessoas, que não são apenas convencidas a acreditar, mas também a considerar que essas ideias são verdadeiras e únicas. É bem comum ouvirmos alguém dizer: “É verdade, eu vi na televisão”.

A ideologia é algo inerente a qualquer sociedade humana, pois os humanos precisam de uma ideia ou de um conjunto de ideias que deem sentido a si mesmos e a sua presença no mundo. Sendo assim, são imaginadas explicações e justifi cativas para a realidade percebida e vivida. É nessa elaboração intelectual que surge a ideologia, por meio da qual as ideias da classe dominante passam a ser de todas as classes sociais e de toda a sociedade, o que faz com que os dominados não consigam perceber essa dominação. A ideologia se constrói sobre o real, não como uma fotografi a, mas como uma miragem, que é uma imagem invertida da realidade.

Ora, uma miragem não é algo verdadeiro, mas se apresenta como se o fosse. As ideias explicam a realidade das coisas como se fosse sua essência, no entanto, é a sua aparência. Somente a capacidade de discernimento do receptor fará com que ele perceba a diferença entre aparência e essência, entre causa e efeito.

Chega-se aqui ao público-alvo mais susceptível à infl uência da ideologia dos meios de comunicação, nesse caso, a televisão: a criança, que não consegue ainda discernir a “verdadeira” intenção das mensagens. Por essa razão, a televisão “modela”-a, através de seus programas, principalmente dos desenhos animados. Esse meio de comunicação exerce uma ação de sedução e de condicionamento sobre as crianças, de tal forma, que se torna para elas uma necessidade fundamental, como se alimentar ou se divertir. Algumas delas até se expressam assim: “Eu tenho que assistir TV”. Existe, porém, outra forma de ver isso. Vejamos:

Simmel (1900), em seu artigo, Unidade e fragmentação em sociedades complexas, alerta que, na coexistência de diferentes estilos de vida e visões de mundo, há uma ação coletiva organizada, no sentido de compartilhar crenças e valores. Isso quer dizer que as pessoas tendem

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Aula 1 Aula 2 Aula 3 Aula 4

a pensar de forma semelhante, e nisso, a televisão ajuda bastante. “Os indivíduos buscam uma defi nição comum da realidade, operam na mesma província de signifi cado”, como afi rma Alfred Schultz (1979), e “interagem por meio de uma rede de signifi cados”, segundo Geertz (1973, apud VELHO, 1998).

Fazendo uma ponte com o comportamento das crianças que assistem à televisão até oito horas diárias, compreendemos porque elas agem, às vezes, de forma semelhante ao que assistem. Elas compartilham de uma rede de signifi cados transmitida pela TV, consequentemente, tendem à homogeneidade de pensamento com pessoas e personagens apresentados. Da mesma forma, recebem estímulos intencionais, porém velados para maior consumo de produtos. Esse fenômeno é observado durante os programas e também nos intervalos comerciais. O próprio nome (intervalo comercial) já indica a intenção, lembrando que são esses produtos que patrocinam os programas. Decorre uma espécie de cópia dos padrões consagrados pela televisão. Desde chaveiros a material escolar, roupas e calçados até garotos que falam gírias ou garotas que tentam imitar a cantora adolescente, seguem um padrão televisivo. São as chamadas febres e manias.

As crianças costumam, também, incorporar a seu vocabulário palavras de origem inglesa equivalentes em nosso idioma: chamam de bike a bicicleta, de fashion, a moda, de bus, o ônibus. São os meios de comunicação de massa e, principalmente, a televisão que homogeinizam. Os padrões mundiais passam a ser aqueles que ela mostra. A verdade do mundo passa a ser a que é exibida pela TV, e todos, de uma forma global, cabem dentro da tela do aparelho receptor de televisão. As pessoas copiam porque, aquilo que é mostrado na tela aparece como algo socialmente consagrado, como um caminho para o reconhecimento e para o sucesso. A situação da cultura,

Fonte das imagens: <http://images.google.com.br>.

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tal como ela é colocada pela mídia, não premia a originalidade, mas a cópia e, por isso, vemos programas semelhantes e grupos musicais idênticos.

Umberto Eco (2004, apud LIRA, 2005) defi ne a televisão ora como instrumento, ora como serviço, ora como forma de transmissão da cultura, ou como simples meio de transmissão de propaganda. Na transmissão da cultura, é bom lembrar que a televisão consegue fazer chegar a cultura “erudita” ou vulgarizá-la. Por meio dela, a mídia utiliza-se de mensagens subliminares para vender produtos e ideologias. Seja de forma clara, ou não, alguns programas de auditório, telenovelas e desenhos animados apresentam produtos que serão inconscientemente percebidos, com probabilidades de aumentar seu consumo.

Outros dois episódios também demonstram o efeito dos meios de comunicação sobre indivíduos ou sobre as massas: o pânico Pockemon e a transmissão radiofônica da guerra dos mundos em 1938.

O pânico Pockemon ocorreu no Japão, quando, após a transmissão de certo desenho animado, várias crianças foram vítimas de convulsão. Isso ocorreu devido à rápida mudança de cores, em uma velocidade taquicoscópica, que o cérebro da criança não foi capaz de assimilar, o que provocou a convulsão.

A guerra dos mundos ocorreu em 1938, quando o diretor de rádio, televisão e, mais tarde, ator, Orson Wells (EUA), aterrorizou milhares de americanos relatando uma invasão fi ctícia de marcianos, através do rádio. O episódio acarretou o êxodo das pessoas, que pretendiam fugir dos extraterrestres, num verdadeiro terror coletivo.

Cada um desses eventos mostra o quanto os meios de comunicação de massa têm poder de infl uenciar diretamente a vida das pessoas.

Fonte: <http://images.google.com.br>.

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As crianças dedicam horas à TV não só porque ela lhes oferece programas que elas apreciam, mas também pelo fato de os pais não as incentivarem a desenvolver outras atividades. As consequências disso podem ser alarmantes, como, por exemplo, o atraso no desenvolvimento físico motor das crianças. A Academia Norte Americana de Pediatria divulgou que a TV pode afetar a saúde física e social dos jovens. De acordo com o estudo, a TV não é indicada para os bebês, pois é uma atividade na qual há pouca interatividade com os pais e com outras pessoas.

A educadora Peggy Charren, da Ação pela TV das Crianças, entidade que luta por uma melhora na qualidade da programação da televisão dos EUA, recomenda aos pais que não deixem seus fi lhos assistirem à TV antes dos dois anos de idade (CARVALHO, 2007).

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AULA 2: DESENHOS ANIMADOS: UM POUCO DA HISTÓRIA

Os desenhos animados, de acordo com o livro Classifi cação Indicativa (2006, p. 217), podem ser defi nidos “como todo o conteúdo de animação, desenvolvido sem a utilização constante e predominante de personagens representados por atores humanos”. É uma sequência de desenhos, cada qual ligeiramente diferente do seguinte, dispostos de tal maneira que, uma vez fi lmados e projetados sobre a tela, são vistos como se estivessem em movimento. A maioria expressa os movimentos das coisas, dos seres e das ações, de forma exagerada, caricaturada, sobretudo quando se trata de desenhos humorísticos ou os chamados “cartoons”. Para movimentar seus personagens, o animador de desenhos deve ter a habilidade do cartunista em relação à expressão dramática e rítmica, numa perfeita sincronização de imagens móveis e sons (FUSARI, 1985, p. 33).

Desde o seu inventor, Émile Reynaud, em primeiro de dezembro de 1888, o desenho animado foi idealizado para crianças, mas, nos últimos tempos, sofreu alterações de linguagem e de conteúdo parar conquistar o público de outras faixas etárias. Hoje em dia, eles também são empregados em charges, que tratam de questões políticas e de assuntos de interesse público com humor. Na classifi cação geral da televisão, os desenhos animados compõem um gênero que faz parte da categoria de entretenimento (Classifi cação Indicativa, 2006).

A arte da animação consiste em conhecer a fundo o movimento natural dos seres e interpretá-lo de forma criativa. Na maioria dos fi lmes de animação realizados nos Estados Unidos da América, as cabeças dos personagens têm proporção maior que a realidade e, dentro delas, os olhos também aumentados, facilitando detalhes de expressão.

Como técnica e expressão, os desenhos animados estão vinculados:

• Ao desenho de imagens – registro de movimentos e sons;

• À fotografi a – “escrita da luz”;

• À cinematografi a – “escrita do movimento”;

• À televisão – recebe e transmite imagens e sons mediante sinais eletromagnéticos.

Outro termo vinculado ao desenho animado é anime, que provém de mangá, termo originado no Japão. Num dos três alfabetos existentes nesse país, o Kanfi , mangá se origina da união de duas palavras: mamketu, que signifi ca conto ou história, e fashiko, que é ilustração. Portanto, mangá é a ilustração de uma história ou conto. A maioria, hoje em dia, acabou indo para a TV em forma de anime, que faz uso dos mesmos personagens do mangá, mas amplia suas histórias (WIKIPÉDIA, animação). O mangá mais antigo é de 1702 e teve sua origem no teatro de sombras.

Ossamu Tezuka é o famoso japonês que criou o

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mangá. É considerado o Walt Disney japonês. Criou o desenho mundialmento famoso, A princesa e o cavaleiro, e outros, como Menino Biônico e Kimba. Seu estilo, marcado por fi guras de olhos grandes, foi reproduzido por muitos seguidores. Kazuo Koile e Goseki Kojima criaram o mangá Ronin Yasha, famoso em todo o mundo, inclusive no Brasil, onde é conhecido como o Lobo Solitário.

Os mangás atuais apresentam conteúdos com “direito” a algumas gotas de sangue, suor e também sensualidade comedida. A maioria deles é desenhada em preto e branco.

O movimento inverso também ocorreu, quando um desenho animado, na década de 1930, nos EUA, passou depois para as revistas de quadrinhos e fi cou famosíssimo. Trata-se de Mickey Mouse, o ratinho que deu origem ao império Disney e a inúmeros outros personagens, como o Pato Donald, Tio Patinhas, Margarida, Zé Carioca, Minie, João Bafodeonça e tantos mais.

Fonte: <http://images.google.com.br>.

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Disney, na produção de desenho animado, levou às telas alguns contos de fadas, até então, conhecidos somente através de livros. Contos como Cinderela e Branca de Neve hoje são conhecidos mais pelos desenhos animados do que pelos livros (BIBE–LUYTEN, 1985).

Quanto ao Brasil, a experiência em cinema de animação tem mostrado, sobretudo, a existência de tentativas isoladas e as enormes difi culdades de produção e de distribuição. Quem tem se destacado nessa área é Maurício de Sousa, que iniciou com histórias em quadrinhos, em 1959, com os personagens Bidu e Franjinha, e realizou trabalhos de cinema de animação na década de 70. Nessa época, ele criou a personagem Mônica e outros, como Magali, Cebolinha, Cascão, Tina etc. (FUSARI, 1985), para representar crianças e suas histórias. Recentemente, em 2008, Maurício de Sousa passou a contar a história dessas mesmas crianças na adolescência, para atingir o público adolescente que, na infância, acompanhou esses personagens como crianças.

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AULA 3: A TELEVISÃO, OS DESENHOS ANIMADOS E A CRIANÇA

Desde a década de 60, os desenhos animados são os programas favoritos das crianças. O colorido, os diálogos fantasiosos dos personagens com os quais elas se identifi cam e a linguagem lúdica prendem-lhes a atenção.

Nos últimos 25 anos, a quantidade de desenhos infantis aumentou consideravelmente quanto ao número de canais que oferecem múltiplas opções durante 24 horas ininterruptas na TV, paga ou a cabo, e nos canais abertos. Os pais sentem-se perdidos pela variedade e pela quantidade de desenhos infantis e fi cam à margem desse mundo paralelo dos fi lhos. Porém, há difi culdades também quanto ao conteúdo desses desenhos que, antes, apresentavam a luta entre o bem e o mal, entre vilões e heróis, de forma linear, com começo, meio e fi m. Hoje os episódios não terminam em um mesmo capítulo, e os vilões e os heróis são “mutantes”. Eles se modifi cam, transformam-se em personagens com características mais resistentes, constituindo o que se chama de evolução. Os adultos - pais e educadores - têm difi culdades de compreender esse mundo infantil.

A antropóloga e professora da Universidade de São Paulo – USP, Esther Hamburger (2003), afi rma que “a lógica da mutação é uma das novidades dos desenhos de hoje”. Em outras palavras, os personagens contemporâneos não morrem, eles se transformam. É preciso que os adultos e as crianças compreendam as subdivisões, microevoluções e “digivoluções” desses personagens. São desenhos de argumento complicado, que invadiram o país com sua complexidade oriental, mais precisamente, japonesa.

Fonte: <http://images.google.com.br>.

TV POR ASSINATURA

TV ABERTA

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Desde muito cedo, todos os estados psicológicos são apresentados pelas crianças, tais como: expectativa, excitação, medo, fascínio e outros. São estados que fazem parte da relação dos indivíduos com o mundo, inclusive, com a televisão, que constitui uma boa parte do universo existencial das pessoas. É também através dela que, na mais tenra idade, as crianças começam a perceber o mundo que as rodeia. Tudo isso poderá refl etir na formação da sua personalidade, porque, devido à ausência de interação, elas serão despojadas da capacidade de escolha e de iniciativa e se tornarão pouco ativas. Na infância, as experiências sensoriais são tão importantes e marcantes que tais impressões são as últimas a sobreviverem, quando o cérebro se desorganiza por senilidade, traumatismos físicos e mentais etc. São também as primeiras a voltarem à recordação, após o período de amnésia. Comprovamos, portanto, quão fortes e persistentes são as imagens e as impressões vivenciadas e presenciadas na infância.

Ao assistir aos desenhos animados, as crianças fi cam atentas quando eles são chamativos o sufi ciente para tanto. Quando muito jovens (1ª e 2ª infâncias), elas não são capazes de fazer deduções nem de compreender o que está implícito. Em geral, a lógica dos meios de comunicação é reforçada pelo seu suposto caráter passivo e, por ser criança, não teria ainda o instrumental que lhe permite criticar o que a deixa suscetível às mensagens televisivas.

Na realidade, podemos observar que as crianças, em geral, assistem aos programas de televisão, mas não discutem a informação. Recebem as mensagens sem analisar profundamente o que estão assistindo. Simplesmente veem, observam e se “desligam” do mundo real e entram no mundo da TV. Não raro, alimentam-se, realizam as atividades escolares e outras do seu dia a dia assistindo TV. Os adultos sentem difi culdade em se comunicar com as crianças nessas ocasiões, pois estas parecem hipnotizadas pelas mensagens televisivas e têm difi culdades de distinguir o real da fantasia.

A cada dia, os desenhos animados apresentam mais semelhanças com a realidade. Isso se pode constatar quando observamos os heróis dos desenhos animados de décadas anteriores e os de hoje em dia. Atualmente, temos, como heróis, crianças com superpoderes, como é o caso das Meninas Superpoderosas e de Goku, em Dragon Ball; pequenos gênios, como Dexter e Jimmy Nêutron (imagens na página seguinte); meninos e meninas astutos, que desafi am o

Fonte: <http://images.google.com.br>.

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medo e enfrentam qualquer obstáculo com sua sabedoria e estratégias. Os super-heróis do passado, como Batmam, Superman e Mulher Maravilha, eram adultos. Os heróis-mirins de hoje vão à escola, recebem bronca dos pais, fi cam de castigo, desobedecem, reclamam por carinho e atenção, burlam as leis dos adultos e são capazes de realizar grandes feitos, considerados como impossíveis para os adultos, como, por exemplo, salvar a cidade de inimigos poderosos, criar maquinarias e aparatos eletrônicos que permitem comunicações interplanetárias e manipular, com destreza, os segredos do mundo virtual. Tudo isso e muito mais sem o suporte dos adultos.

Assim sendo, essa aproximação entre realidade e fantasia, da qual as crianças são o centro e atuam como os heróis, faz com que os desenhos animados tenham uma estreita relação com o imaginário infantil. É bom ressaltar que a autonomia e a independência desses heróis-mirins despertam os mesmos desejos nas crianças que a eles assistem. Quando os desenhos são violentos, a criança poderá considerar que o mais forte é quem tem razão e que se obtém o que se pretende quando se detém o “poder”. A quantidade de violência presente nos desenhos animados, principalmente de ação e de aventura, chega a ser mais elevada do que nos programas destinados a adultos em horário de grande audiência. Esses programas realmente infl uenciam o comportamento das crianças. Muitas pesquisas realizadas a partir dos anos 60 concluem que as crianças que fi cam mais tempo diante da televisão são mais agressivas do que as que fi cam menos tempo (CARVALHO, 2006).

As horas de exposição à televisão tornam as crianças vulneráveis aos conteúdos violentos, ao consumo, a uma formação emocional e sexual precoce. Mais grave do que tudo isso são os conteúdos que abrangem pontos de vista sociológicos, políticos e culturais que visam dominar a massa a fi m de perpetuar o sistema político e econômico hegemônico. No desenho animado Bob Esponja, ele jamais reclama por não receber salários, pois seu prazer é trabalhar, e considera o seu patrão, o Sr. Sirigueijo, um bom líder. Ele arrisca a vida em terras desconhecidas, onde há muitos perigos, para poder salvar a vida do patrão, carrasco e injusto. Que capitalista rejeitaria um empregado como Bob Esponja? E a conformação em não ter sucesso, em não aprender na escola são mensagens subliminares que penetram no inconsciente e fi cam lá, como um vírus, esperando o momento de se manifestar.

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AULA 4: SE LIGA NESSA!

A programação televisiva proporciona diferentes níveis de infl uência que, quase sempre, não corresponde ao que os pais e os educadores desejam. Certamente, os adultos esperam que os desenhos animados e outros programas infantis promovam a estimulação do pensamento, a refl exão sobre o mundo, e que essas crianças entendam o que é apresentado no programa. No entanto, o panorama que se vê compõe-se de pais super atarefados e que, por falta de tempo, não se interessam pelo conteúdo televisivo de seus fi lhos. Assim também agem os educadores que, na tentativa de cumprir o conteúdo programático, estimulam os seus alunos a refl etirem sobre os programas a que assistem. Tanto a escola quanto a família podem desempenhar um papel determinante quanto aos signifi cados da TV (HODGE & TRIPP, 1986).

Além de entreter e de promover o lazer, os desenhos animados têm também a função mítica e fabuladora característica das obras de fi cção. Eles constituem os líderes de preferência entre crianças de diferentes faixas etárias. Porém, como veiculam imagens de conhecimentos, violência e expressão de poder, eles estão conquistando um público de mais idade, que inclui adolescentes e adultos.

Seguindo a lógica da indústria cultural que produz os desenhos, periodicamente, novos personagens e enredos são lançados. Como modismo, os de maior sucesso ganham versão para cinema e vídeo e passam a ilustrar uma série de outros produtos: capas de caderno, mochilas, chaveiros, camisetas e bonés. Os personagens principais do desenho também se tornam bonecos. Trazendo embutidos padrões culturais e de consumo, os desenhos animados fazem parte de um quadro pertinente em um contexto cultural que prega a globalização, que não considera as diferenças e as particularidades de cada ser humano, pelo contrário, estimula a massifi cação, a mecanização e a automatização. Quanto à sociedade, ela é representada como una, estática, harmônica, sem antagonismo de classes, e a “ordem natural” do mundo é quebrada apenas pelos vilões que, encarnando o mal, atentam geralmente contra o patrimônio. Os “bons” defendem a si mesmos e aos outros derrotando os “maus”. Essa é uma forma simplista que reduz todo confl ito à luta entre o bem e o mal, sem considerar quaisquer opiniões e interesses divergentes das pessoas. Além disso, o confl ito é reduzido ao nível individual, como se tudo fosse resultante de problemas morais, e não, também, de problemas políticos e sociais.

Leia mais sobre o caráter distintivo da comunicação, no componente curricular Educação, Cultura e Mídia (Trilhas do Aprendente, Volume 3).

Fonte das imagens:<http://images.google.com.br>.

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A vivência televisiva torna possíveis vários fenômenos, como a imitação individual e, depois, coletiva. A ação televisiva sobre o imaginário infantil aparece nos jogos, nas atitudes, nas produções de textos e desenhos. Atualmente, os adultos têm-se inquietado cada vez mais com a infl uência da televisão sobre as crianças.

Apresentaremos algumas informações referentes a desenhos animados que são difundidos na televisão brasileira. Alguns podem ser vistos em diferentes canais, pois já existe uma larga faixa de crianças que têm acesso à televisão a cabo, e na televisão aberta.

A variedade é imensa, e iremos abordar mais os que fazem sucesso com as crianças. Os desenhos animados educativos não serão aqui mencionados, pois a análise proposta é sobre aqueles que “não educam”. Os dois canais educativos mais populares da capital do Rio de Janeiro – TV Futura e Multirio – têm, em sua grade, uma diversidade de desenhos animados bastante distintos dos clássicos Pica-Pau, Tom e Jerry, Power Rangers, cujos personagens trocam socos e tiros, agridem-se, lutam entre si, entre outras ações.

A emissora educativa do Estado de São Paulo, a TV Cultura, criou há uma década e meia, o Castelo Rá-Tim-Bum. Apesar de, hoje em dia, não serem transmitidos mais episódios inéditos, é ainda muito elogiado pelos pais e considerado um programa educativo de qualidade.

As emissoras brasileiras que transmitem desenhos animados em circuito aberto são o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), a Rede Globo de Televisão (TV Globo), a Rede Bandeirantes de Televisão (BAND) e a Rede Record.

Nos lares brasileiros, as TVs pagas já não são tão raras. Entre elas, podem-se citar aquelas que transmitem, exclusivamente, programas infanto-juvenis, inclusive desenhos animados: Disney Channel, Fox, Discovery Kids, Nickelodeon, Jetix, Cartoon Network e outros. Alguns desenhos animados são transmitidos em ambas as televisões - paga ou aberta.

Segue-se uma breve descrição de alguns desenhos animados mais comentados pelas crianças:

Fonte das imagens: <http://images.google.com.br>.

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UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 1 Aula 2 Aula 3 Aula 4

Bob Esponja – Unanimidade entre as crianças, o desenho pode ser surreal aos olhos dos adultos. A começar pelo personagem principal: uma esponja, chamada Bob, que mora dentro de um abacaxi no fundo do mar. Ele usa sapatos, camisa, calça e gravata. Apesar de morar no Oceano Pacífi co, chora e vive suando. Seus melhores amigos são uma esquilinha e uma estrela-do-mar. Bob esponja é um cara positivo, que só vê o lado bom da vida, mas é muito confuso. Por mais que tente fazer as coisas do jeito certo, sai tudo errado. Não há criança que não se identifi que com essa simpática esponja (Nickelodeon e TV Globo).

As Meninas Superpoderosas – Essas mini-heroínas são barulhentas, bravas e lutam como gente grande. Lindinha, Florzinha e Docinho são três garotas especiais, que moram na pacata Townsville, com seu criador, Professor Utônio. Elas frequentam o jardim-da-infância local e, nas horas vagas, protegem a cidade contra o malvado Macaco Loco, que tem o cérebro aparente (Cartoon Network e TV Globo).

O Laboratório de Dexter – Dexter é um menino prodígio que, de dentro de seu laboratório, elabora mil planos e máquinas para salvar o mundo ou enfrentar valentões na escola. Seu lema é: “Todo dia é um grande dia para a ciência!” Quem não dá folga para o geninho e adora sabotar as invenções dele é a saltitante bailarina, Dee Dee, sua irmã mais velha (Cartoon Network).

DragonBall-Z – As Dragon Balls são sete esferas de cristais que, juntas, invocam o poderoso Dragão. Quem conseguir uni-las tem um desejo concedido. O herói Goku, com a ajuda de outros guerreiros terrestres e do fi lho Gohan, tenta manter as Dragon Balls longe de mãos erradas. Ao todo, são 22 personagens no desenho, que também tem outra versão com oito a menos, a DragonBall GT. Nesta, o guerreiro Goku volta a ser criança por causa de um feitiço inimigo (TV Globo e Cartoon Network).

Fonte: <http://images.google.com.br>.

Fonte: <http://yonihon.fi les.wordpress.com/2009/10/dragon-ball-z-personagens1.jpg>.

Fonte: <http://images.google.com.br>.

Fonte: <http://4.bp.blogspot.

com/_uvOunZ6v5Ts/RrxzSZnoOtI/

AAAAAAAAAA0/IwU2_rnokQk/s400/bob_esponja_ok.gif>.

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UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 1 Aula 2 Aula 3 Aula 4

Pokémon – São criaturinhas que dividem o mundo com os humanos. Elas podem ser amigas ou monstros, dependendo de como são tratadas. A maioria muda de forma nos episódios. Essa mudança, chamada de evolução, pode confundir os pais recém-iniciados no desenho. O herói da série, Ash, de 10 anos, e seus amigos disputam espaço com a Equipe Rocket (do mal). Pikachu, um carismático bicho amarelo, é o primeiro Pokémon de Ash (Cartoon Network e Rede TV).

Cat Dog – É um animal com duas cabeças: uma é de um cão, e a outra é de um gato. Cada uma revela as características específi cas da sua raça, ou seja, o cão é mais preguiçoso, mas bondoso, e o gato é mais esperto e mandão. Entendem-se mal e criam sempre confl itos, que só são resolvidos no fi m de cada episódio (Nickelodeon).

Flinstones – Os primeiros episódios dos Flinstones foram criados pela Hanna Barbera, em 1960, para a ABC TV. Foram feitos 166 episódios para toda a família. Trata-se de um dos desenhos animados mais reconhecidos criados para a televisão. Os Flilinstones são uma família moderna da idade da pedra (Cartoon Network e SBT).

Yu-Gi-Oh! É um dos desenhos mais complicados. O herói é o garoto Yugi. Ele e os amigos Joey, Tristan e Téa fazem parte de uma turma de jogadores do Duelo de Monstros, um card-game inspirado num mágico jogo realizado por faraós. Diz a lenda (ou melhor, o desenho) que os faraós usavam as cartas em cerimônias para ver o futuro e escolher o destino das pessoas. O vilão Maximillion Pegasus, um elegante canastrão cheio de truques, recriou as cartas para duelar com Yugi. O menino foi o escolhido por ter poderes extraordinários e um alter-ego (o personagem Yami-Yugi).

As lutas entre o bem (Yugi) e o mal (Maximillion) envolvem cartas de monstros, feiticeiras e armadilhas. Cada uma tem uma pontuação de ataque e de defesa. Cada jogador começa com oito mil pontos, espalham as cartas e as movem, tentando cobrir as do inimigo para manter a pontuação e vencer (TV Globo e Nickelodeon).

Fonte: <http://images.google.com.br>.

Fonte: <http://images.google.com.br>.

Fonte: <http://images.google.com.br>.

Fonte: <http://www.ofi cinahq.com/Dicas/dica11/pokemon.jpg>.

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Ei, Arnold! – O enredo não é tão complexo, mas os pais podem ser surpreendidos com as expressões ditas pelos personagens, como “Se manda, seu cabeça de bigorna”! Arnold é o próprio cabeça de bigorna. Tem um chapéu em forma de bola de futebol americano e um penteado que desafi a as leis da gravidade. Extremamente criativo, ele é do bem, algo que faz a amiga Helga (uma versão mais velha da malvada Angélica, dos Anjinhos) vibrar de amor. Além da menina, o garoto tem uma porção de amigos com cabelos tão esquisitos quanto os dele. Eles vivem experiências típicas de crianças do 6º ano, como enfrentar os alunos encrenqueiros do 7º ano (Nickelodeon).

Power Rangers – No ar desde 1996, é, ainda, uma das séries preferidas das crianças, principalmente dos meninos. Há dois programas Power Rangers: Força Animal e Força do Tempo, com personagens diferentes. Os Power Rangers são adolescentes que se transformam em super-heróis quando a Terra corre perigo. Cada um tem uma cor, e o líder é o vermelho. No Força Animal, eles enfrentam os Orgs, criaturas que querem destruir o planeta. Em Força do Tempo, viajam até o ano 3000 para combater o bando comandado pelo perigoso Ransik. A série lembra muito os heróis solitários National Kid e Ultraseven (Jetix).

Digimon 4 - Na quarta temporada, os Digimons, criaturas que se transformam em outras, tentam salvar o mundo digital em que vivem. Por isso tudo começa com “digi”. As crianças do mundo real chamadas para entrar no virtual são “digi-escolhidas”. O desenho estreou em 1999 (Jetix).

UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 1 Aula 2 Aula 3 Aula 4

Fonte: <http://downloads.open4group.com/wallpapers/power-rangers-0415b.jpg>.

Fonte: <http://2.bp.blogspot.com/_tnWUhhC7Bjs/SZL9o2ai0oI/AAAAAAAAAHs/y3F37ObA5Hs/s320/digimon-4-250.jpg>.

Fonte: <http://images.google.com.br>.

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A Mansão Foster para amigos imaginários – trata-se de uma mansão que abriga todos os amigos imaginários das crianças que não mais necessitam deles. Às vezes, eles são adotados por outras crianças, mas, enquanto isso não ocorre, vivem aventuras nessa mansão com um garoto (Cartoon Network).

Billy e Mandy – Billy é um garoto bobão que chora muito e tem medo de tudo. Mandy é sua irmã, de personalidade dominadora, capaz de enfrentar obstáculos com serenidade, mas sempre mal humorada. O amigo dos dois irmãos, implacável, vingativo e estrategista, é Puro-osso, uma caveira que empunha a foice da morte todo o tempo (Cartoon Network).

UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 1 Aula 2 Aula 3 Aula 4

Fonte: <http://images.google.com.br>.

Fonte: <http://images.google.com.br>.

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UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 5 Aula 6 Aula 7

UNIDADE II

SUBSTRATOS TEÓRICOS EAPROPRIAÇÃO DO SENTIDO

Apresentação

Na primeira unidade, estudamos sobre mídia televisiva e os desenhos animados. Nela abordamos temas como: A televisão e o telespectador; Um pouco da história dos desenhos animados; A televisão, os desenhos animados e a criança e, por último, um tópico que relata alguns desenhos animados transmitidos no Brasil, de 2004 aos dias atuais, pelas TVs aberta e por assinatura. Alguns deles já não são veiculados hoje em dia.

Nesta segunda unidade, apresentaremos duas teorias do desenvolvimento que dão suporte teórico ao estudo da mídia, pois consideramos que ambas devem andar de mãos dadas. As teorias do desenvolvimento vão além de simplesmente analisar o conteúdo apresentado pela mídia, porque inclui também a natureza única da criança, como a idade dela, quantidade de tempo gasto com cada mídia e o conteúdo ao qual ela foi exposta. Essas teorias podem identifi car os mecanismos potenciais que explicam por que os efeitos das mídias ocorrem e orientar as previsões sobre quais crianças têm mais riscos para alguns efeitos específi cos. As teorias da psicologia do desenvolvimento também ajudam a explicar como as crianças percebem o conteúdo da mídia e como sua compreensão se modifi ca com a idade.

Scheibe (2009) afi rma que existem quatro maneiras básicas pelas quais uma criança pode aprender:

1. Experiência direta, que é a aprendizagem por meio do condicionamento operante, ou seja, a criança será recompensada ou punida de acordo com o comportamento apresentado;

2. Aprendizagem pela observação, que envolve o aprendizado ao assistir a alguém executar o comportamento e, então, imitá-lo;

3. Aprendizagem simbólica, que envolve a aprendizagem de crianças de mais idade, adolescentes e adultos através da linguagem escrita ou falada;

4. Aprendizagem cognitiva, em que o aprendizado se baseia nas informações que as crianças já detêm e na compreensão global que têm das questões envolvidas.

Dentre essas quatro formas, as de aprendizagem simbólica e cognitiva se aplicam, especifi camente, em relação ao uso da mídia para adquirir informações, para interpretar mensagens e para compreendê-la.

No presente estudo, as <teorias de desenvolvimento> aprofundadas serão o paradigma construtivista-interacional de Jean Piaget (1978) e o paradigma sociocultural de Lev Vigotsky (2007), esta última com o conteúdo subdividido em duas aulas.

Você pode relembrar sobre teorias interacionistas nas Trilhas do Aprendente – Volume 3, Componente Curricular Psicologia I, UNIDADE II, AULA 6.

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UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 5 Aula 6 Aula 7

AULA 5: FUNÇÃO SIMBÓLICA OU DE REPRESENTAÇÃO – JEAN PIAGET

Embora a teoria de Jean Piaget já tenha sido abordada em alguns componentes curriculares como Psicologia I e Ludicidade e Desenvolvimento da Criança I, ambos apresentados no Trilhas do Aprendente – Volume 3, nesta aula, ela será tratada de forma mais detalhada. A intenção maior é apresentar como o sujeito criança adquire a função simbólica ou de representação, tão importante na sua vivência como um todo, e, especialmente, com a mídia televisiva.

A teoria piagetiana favorece o estudo da compreensão que as crianças têm da mídia. Piaget (1978) afi rma que elas constroem ativamente a sua compreensão do mundo, por meio de processos contínuos de assimilação (incorporando novas informações ao conhecimento já existente) e acomodação (reorganizando as formas de entendimento para levar em conta as informações novas).

A teoria piagetiana descreve que o desenvolvimento infantil ocorre em uma série de estágios, com mudanças qualitativas e quantitativas do pensamento da criança, quando ela passa de um estágio para o seguinte. Piaget enfatiza o papel da própria criança no desenvolvimento dos esquemas cognitivos, sem acreditar que o

mesmo ocorra geneticamente numa linha de tempo predeterminada e conectada ao cérebro humano. Quando a criança se desenvolve, sua compreensão do mundo se amplia tanto gradualmente como qualitativamente diferente nas diferentes idades.

O referido autor se dedicou a estudar os estágios do desenvolvimento da criança em termos de compreensão do mundo físico, porém sua teoria também pode ser aplicada à compreensão das informações sociais fornecidas pela mídia e às diferenças que se preveem de interpretação do conteúdo da mesma que as crianças fazem com o passar dos anos.

Quanto às etapas do desenvolvimento cognitivo, Piaget argumenta que o objetivo da criança é adquirir a capacidade de reversibilidade, ou seja, a possibilidade da operação inversa, onde se percebe, no âmbito do mundo físico, a ida e a volta como dois aspectos da mesma ação, a possibilidade de fazer e desfazer, que permitirá, no futuro, que se compreendam, ao lado dos fenômenos reversíveis, aqueles que são irreversíveis como condição da aquisição da responsabilidade referente às suas ações em relação ao outro.

A teoria piagetiana inclui quatro estágios do desenvolvimento cognitivo que sempre ocorrem na mesma sequência, embora possa variar a idade na qual as crianças avançam de um estágio para o seguinte. Vamos lembrar e detalhar mais profundamente esses estágios:

JEAN PIAGETFonte: <http://www.abrae.com.br/images/piaget.jpg>.

Caro(a) aprendente, você poderá reler as Trilhas do Aprendente, Volume 3 ou o livro: PIAGET, J. A formação do símbolo na criança. Imitação, jogo e sonho, imagem e representação. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.

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1. Estágio sensório-motor (do nascimento aos dois anos), no curso do qual se constituem os sistemas de esquemas que prefi guram operações, mas sem nenhuma reversibilidade operatória. Com dois anos, as crianças já desenvolveram uma representação interna de esquemas que inclui a capacidade de imitação adiada, uma compreensão da permanência do objeto, uma compreensão básica de causa e efeito, o início da linguagem e a consciência de si mesma.

2. Estágio pré-operacional (dos dois aos sete anos). É também chamado de período do pensamento intuitivo, em que as ações sensório-motoras implicam representação e imagem mental, quando já se nota a presença de regulações semirreversíveis. Aqui a compreensão e o pensamento simbólico são reorganizados, porém são ilógicos e utilizam uma abordagem não sistemática na solução de problemas. Durante o início desse estágio, o pensamento da criança é geralmente <egocêntrico> e <animista>, e seu julgamento, nesse estágio, refl ete centralização, isto é, focaliza uma característica central de um objeto ou pessoa, e exclui outras. Ainda como característica do estágio pré-operacional, a criança tem difi culdade para distinguir entre fantasia e realidade e, essencialmente, baseia suas conclusões no pensamento intuitivo.

A maioria das pesquisas sobre mídia que utilizam a teoria piagetiana é focalizada nas limitações cognitivas do pensamento pré-operacional, pois as crianças que se encontram nesse estágio têm difi culdades para compreender integralmente a natureza da televisão e seu conteúdo. Um estudo mostrou que crianças de dois e três anos geralmente acreditam que os personagens vivem dentro do aparelho de TV (NOBLE, 1975 apud SCHEIBE, 2009). Isso ocorre porque, embora saibam brincar de “faz de conta”, elas se confundem quanto a uma coisa ser real ou apenas fi cção na televisão. Esse aspecto foi estudado por outros pesquisadores, que investigaram o comportamento do consumidor infantil, o impacto da violência na mídia, reações de medo das crianças a cenas de monstros e bruxas etc.

Outras limitações pré-operacionais são pesquisadas em estudos sobre a compreensão que as crianças desse estágio têm dos processos mentais de outras pessoas. Nessa fase, a criança acredita que os adultos sabem o que ela sabe, tem difi culdade para compreender conceitos como falsas crenças e sonhos e distingue a aparência da realidade. Nos desenhos animados, elas “embarcam” nos episódios e se confundem quando um personagem parece ser bom, mas é, realmente, mau e vice-versa, principalmente as que têm até cinco anos. Quanto aos conceitos abordados nos desenhos animados, é evidente que a criança desse período conquista o entendimento dos mesmos, porém adotando, em momentos que se alternam, o pensamento lógico e o ilógico. É o momento do confl ito, que Piaget considera como aquele em que a criança cresce cognitivamente, atingindo a equilibração.

Em consequência da equilibração, a criança, independente de qualquer outra experiência, tende a reorganizar suas crenças num sistema coerente, harmonioso e equilibrado (BALDWIN, 1973, p. 279).

UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 5 Aula 6 Aula 7

Egocêntrico: incapaz de considerar outras perspectivas que não sejam as suas. Animista: atribui motivação e características humanas a objetos inanimados e aos animais.

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Aula 5 Aula 6 Aula 7

Para Piaget (1976), há três formas de equilibração. Levando em consideração a interação entre o sujeito e os objetos, primeiramente ocorre a assimilação dos objetos a esquemas e ações e a acomodação do sujeito aos objetos. Há, em segundo lugar, uma equilibração que assegura as interações entre os subsistemas, decorrentes dos desequilíbrios, que ocorrem progressivamente em velocidades diferentes, mais ou menos importantes. Por último, há a forma de equilibração em que ocorre o equilíbrio progressivo da diferenciação e da integração, ou seja, a hierarquização das relações que unem subsistemas a uma totalidade que os engloba.

Essas três formas de equilibração apresentam em comum o duplo aspecto de serem todas relativas ao equilíbrio entre a assimilação e a acomodação e de conduzirem os caracteres positivos pertencentes aos esquemas, subsistemas ou totalidade em jogo (PIAGET, 1986, p. 16). É necessário lembrar que a equilibração de cada uma das estruturas consideradas tem uma correspondência, a partir da qual se determinará a natureza das afi rmações e das negações ou os caracteres positivos e negativos das mesmas.

Essas considerações nos levam a pensar: Qual a razão da ocorrência dos desequilíbrios? Em seu livro, “A equilibração das estruturas cognitivas”, Piaget afi rma (1976, p. 18):

Está realmente claro que, numa perspectiva de equilibração, uma das fontes de progresso no desenvolvimento dos conhecimentos deve ser procurada nos desequilíbrios como tais que, por si só, obrigam um sujeito a ultrapassar seu estado atual e a procurar o que quer que seja em direções novas. Contudo, não é menos evidente que, se os desequilíbrios constituem um fator essencial, mas em primeiro lugar motivacional, não poderiam todos representar o mesmo papel formador e não o conseguiriam senão com a condição de dar ocasião a avanços, próximos de serem superados e de chegarem assim à reequilibração específi ca.

Constatamos, portanto, que a teoria piagetiana considera que, sem os desequilíbrios, o conhecimento permaneceria estático.

A seguir, serão descritas as duas últimas etapas do desenvolvimento cognitivo propostas por Piaget (1978).

3. Estágio das operações concretas (dos 7 aos 12 anos). É o estágio em que as crianças demonstram habilidade para manipular objetos mentalmente e aqueles que se podem perceber. Nessa fase, a criança ainda não pode raciocinar apenas por meio de operações verbais e necessita da manipulação. As operações permanecem ligadas à ação, daí a sua denominação de operações concretas.

4. Estágio das operações formais (dos 12 anos em diante). Nesse estágio, a maioria dos adolescentes consegue demonstrar um pensamento abstrato. A partir daqui, pode-se prescindir da ação e refl etir sobre operações. É o pensamento desligado da ação, quer dizer, é a área da lógica e da dedução matemática.

Leia mais sobre equilibração no livro: PIAGET, J. A equilibração das estruturas cognitivas: problema central do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976.

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Tecendo ainda alguns comentários sobre o paradigma construtivista interacionista, é importante lembrar que o pensamento, como processo cognitivo, é expressão da interação do homem com o meio.

O ser humano age sobre o meio, donde recolhe os dados iniciais que lhe permitirão conhecê-lo. A partir dos dados iniciais, percorre um caminho de análise e de sínteses através de um conjunto de operações, que se constroem gradualmente, obtém uma representação desse mundo, pode atuar sobre ele, modifi cando-o, a reiniciar o caminho ante cada mudança (SANTOS, 1977, p. 33).

A lógica social, portanto, advém não da soma dos indivíduos, mas das relações entre eles. Cada relação ou interação constituiria um todo, já a partir de dois indivíduos, e a sociedade seria a expressão do conjunto dessas interações entre eles.

Tomando, em particular, o estudo sobre mídia e subjetividade e levando-se em consideração os pressupostos apresentados por Piaget, é possível compreender a ascendência da primeira sobre a segunda.

Como estamos falando de relações interindividuais, destacamos que são os seus tipos que irão determinar as relações sociais. Como um todo, existem as relações coercitivas que implicam a autoridade e a submissão, as quais conduzem à <heteronomia>, e as relações de cooperação que implicam a igualdade de direito ou <autonomia> e a reciprocidade entre personalidades diferenciadas.

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Aula 5 Aula 6 Aula 7

Ver explicação sobre heteromia e autonomia no Componente Curricular Psicologia I, Trilhas do Aprendente, Volume 3, p. 45.

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AULA 6: INTERAÇÃO ENTRE APRENDIZADO E DESENVOLVIMENTO – LEV S. VYGOTSKY

Nossa segunda aula desta unidade se propõe a compartilhar com vocês, aprendentes, a proposta vygotskyana sobre o fundamento psicológico do desenvolvimento humano que, para ele, é cultural e, portanto, histórico.

O psicólogo russo, Lev Vygotsky (1896 – 1934), morreu precocemente, vítima de tuberculose, há 75 anos, mas sua obra muito tem a ser descoberta e debatida em várias partes do mundo, inclusive no Brasil.

Vygotsky procurou superar tanto um idealismo cego a condições históricas de constituição do sujeito quanto um materialismo mecanicista, que reduz a psique a determinações empíricas. Ele é um marxista no sentido forte do termo: para ele, a consciência não é simples refl exo da história, pois a própria materialidade histórica é formada pela ação das consciências envolvidas em processos de interação social.

A abordagem sociocultural cognitiva proposta por Vygotsky almeja integrar, numa mesma perspectiva, o ser humano como corpo e mente, como ser biológico e cultural, como membro de uma espécie animal e participante de um processo histórico. Vygotsky defende a ideia de contínua interação entre as mutáveis condições sociais e a base biológica do comportamento humano. A partir de estruturas orgânicas elementares, determinadas basicamente pela maturação, novas e mais complexas funções mentais se formam, dependendo da natureza das experiências sociais a que as crianças estão expostas.

Para Vygotsky (2007), o fundamento do funcionamento psicológico humano é cultural e, portanto, histórico. Nessa teoria, é dada importância às possibilidades de que o indivíduo dispõe no ambiente em que vive e ao acesso que tem a instrumentos físicos, como a enxada, a faca, a mesa etc., e a instrumentos simbólicos, como cultura, valores, crenças, costumes, tradições e conhecimentos, desenvolvidos por outros indivíduos no passado ou no presente nas relações interpessoais.

Os sistemas simbólicos e, particularmente, a língua exercem um papel fundamental na comunicação entre os sujeitos e no estabelecimento de signifi cados compartilhados que permitem interpretações dos objetos, eventos e situações do mundo real (KOHL DE OLIVEIRA, 2005).

Vygotsky (2007) atribui o surgimento da linguagem à necessidade de intercâmbio dos indivíduos durante o trabalho, atividade especifi camente humana. Como fi liado marxista, vem daí a importância que ele dá ao trabalho na história da espécie humana. É o trabalho que, pela ação transformadora do homem sobre a natureza, une homem e natureza e cria a cultura e a história humanas. As relações sociais ocorrem na atividade coletiva do trabalho assim como ocorrem a criação e a utilização de instrumentos, ampliando as possibilidades de transformação da natureza. É através do trabalho que os indivíduos planejam e agem, isto é, utilizam a

VIGOTSKYFonte: <http://girlztutouches.

blogspot.com/2008/02/diferencias-y-similitudes-entre-

la.html>.

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comunicação e a troca de informações precisas e compartilhamento de signifi cações. Nessa inter e autocomunicação dos indivíduos, surge a consciência que, por conseguinte, não é um estado interior preexistente, mas uma construção de natureza histórico-cultural, intimamente relacionada ao processo compartilhado de construção de signos e signifi cações.

O sujeito humano é constituído por aquilo que é herdado fi sicamente e pela experiência individual, mas sua vida, seu trabalho, seu comportamento também se baseiam claramente na experiência histórica e social, isto é, aquilo que não foi vivenciada pessoalmente pelo sujeito, mas está na experiência dos outros e nas conquistas acumuladas pelas gerações que o precederam (KOHL DE OLIVEIRA, 2005).

Assim, podemos considerar que a teoria vygotskyana tem aplicações no estudo da mídia em geral. Tratando-se da mídia televisiva, o conhecimento que os indivíduos adquirem poderá advir dela, em que anúncios, histórias de fi cção, desenhos animados e outros programas se “incorporam” aos conhecimentos anteriores ou os transformam.

Vygotsky, no entanto, não teve intenção de colocar uma possível interpretação determinista da abordagem histórico-cultural. Contraponto-se a isso, ele postula a existência de um mundo interior em constante movimento e de uma margem de controle do próprio sujeito sobre sua vida psicológica, isto é, sua autonomia como sujeito.

Essa última conclusão vygotskyana é importante, pois nos faz constatar que é impossível controlar o fl uxo da produção psicológica, ou seja, o mundo interior do sujeito. Como humano e mergulhado na cultura e na história, através do compartilhamento de signos e signifi cados com seus interlocutores, o indivíduo estará sempre imbuído de consciência.

É importante, aqui, também, a organização dinâmica da consciência: a mudança nas inter-relações entre as funções psicológicas superiores, mais do que o aperfeiçoamento das funções isoladas, é o principal responsável pelo desenvolvimento da consciência (KOHL DE OLIVEIRA, 2005).

Quanto aos instrumentos e signos no desenvolvimento psicológico, Vygotsky (2007) enfatiza a importância dos chamados meios artifi ciais para o controle de processos psicológicos. Esses meios artifi ciais são produtos do desenvolvimento histórico e reorganizam, no interior da cultura, as funções psicológicas humanas.

Os processos educacionais são mecanismos culturais de desenvolvimento, que introduzem novas funções, alterando o curso dos processos naturais. Tais processos culturais podem se apresentar com uma intencionalidade educativa, como na relação pedagógica na escola, ou em contextos onde não se percebe essa intencionalidade, por exemplo, através dos meios de comunicação de massa (televisão, rádio, internet etc.). Qualquer que seja a relação, promove-se o reequipamento do sujeito cultural, pela introdução de meios artifi ciais em seus processos psicológicos. A mídia televisiva pode ou não expressar sua intencionalidade. Porém, consideramos, com apoio das palavras do ex-comissário da Federal Communications Commission, Nicholas Johnson, que “Toda televisão é uma televisão educativa. A questão é: o que está ensinando?” (Citações sobre a Televisão, 2006, apud SCHEIBE, 2009).

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Aula 5 Aula 6 Aula 7

Caro/a aprendente,

Quer saber mais sobre o estudo de jovens, crianças e a mídia? Uma boa sugestão para o aprofundamento dessas questões é o livro: MAZZARELLA, S. et al. Os jovens e a mídia. 20 questões. Porto Alegre: Artmed, 2009.

Refaça o percurso vivenciado no marco 3,

no componente curricular Psicologia Educacinal IIe leia mais sobre os teóricos vistos neste componente.

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AULA 7: INTERNALIZAÇÃO: RECONSTRUÇÃO INTERNA DE UMA OPERAÇÃO EXTERNA – VYGOTSKY

Após essa visão geral do paradigma sociocultural de Vigotsky, será apresentado como o psicólogo russo explica a interiorização progressiva das orientações advindas do meio social.

Como já foi comentado, a teoria vygotskyana não é marcada por um determinismo social sobre o individual. Ao contrário, a criança se apropria do social de uma forma muito particular, de maneira que interiorização e transformação interagem constantemente. Ela é capaz de se integrar ao social e, ao mesmo tempo, posicionar-se frente ao mesmo, ser seu crítico e seu agente transformador.

Ao internalizar instruções, as crianças modifi cam suas funções psicológicas: percepção, atenção, memória, capacidade para solucionar problemas. É dessa maneira que formas historicamente determinadas e socialmente organizadas de operar com informação infl uenciam o conhecimento individual, a consciência de si e do mundo (DAVIS e OLIVEIRA, 1994).

A título de exemplo, podemos citar como em diferentes épocas a sociedade apresenta sua visão e forma de interagir com as crianças. A concepção de criança dos Séculos XV a XVIII difere essencialmente da forma como ela é concebida no mundo moderno, fortemente infl uenciado pelos meios de comunicação de massa, que apresentam formas diferentes de organizar, planejar e atuar sobre a realidade.

As funções mentais superiores, na visão de Vygotsky, aparecem, primeiramente, no plano social e, depois, surgem no plano psicológico. A construção do real pela criança, isto é, a apropriação que ela faz da experiência social, parte do social – da interação com os outros – e paulatinamente, é internalizada por ela.

Para Vygotsky (2007), a aquisição de um sistema linguístico reorganiza os processos mentais infantis. Através da palavra atribuída a um objeto, a criança especifi ca as principais características desse objeto, generaliza-as e as relaciona em determinadas categorias. Daí a importância da linguagem para o pensamento: ela sistematiza a experiência direta da criança e serve para orientar o seu comportamento.

A fala externa acompanha frequentemente o comportamento infantil até cerca de três anos de idade. A partir daí, é comum se observar que a fala precede a ação, ou seja, a criança anuncia o que irá fazer a seguir. Essa função de planejar a ação, de guiar as atividades da criança é que faz parte do pensamento complexo. Após a idade de seis anos, pouco se ouve a criança falar para si em voz alta, porém, quando há confronto com situações-problema de difícil solução, a fala externa volta a aparecer, auxiliando a atividade cognitiva. Para o referido autor, pensamento e linguagem se interligam, e ele utiliza a expressão “pensamento verbal” para designar a interseção entre eles.

Divergindo de Piaget, Vygotsky não aceita a possibilidade de existir uma sequência universal de estágios cognitivos. Para ele, os fatores biológicos preponderam sobre os sociais apenas no início da vida das crianças. As condições e as interações humanas é que afetam grandemente o pensamento e o raciocínio nas múltiplas oportunidades que se abrem para cada

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criança no transcorrer da infância.

Para Vygotsky (2007), o processo de formação de pensamento é despertado e acentuado pela vida social e pela constante comunicação que se estabelece entre crianças e adultos, a qual permite a assimilação da experiência de muitas gerações. Como já foi dito, na interação social, ocorrem situações de aprendizagem das quais as crianças se apropriam e podem passar a usá-

las de modo independente. Nessa apropriação, elas utilizam a inteligência que, para o autor, é uma habilidade do homem de entender e utilizar a linguagem, e não, como outras concepções de que a inteligência é resultante de aprendizagens prévias.

A teoria vygotskyana apresenta, ainda, o conceito de “zona de desenvolvimento potencial” para se referir à distância entre o nível de desenvolvimento atual e o nível potencial de desenvolvimento. O primeiro diz respeito ao que o sujeito é capaz de realizar sem ajuda, e o segundo é medido através da solução de problemas sob a orientação ou em colaboração com as crianças mais experientes. Portanto, é possível afi rmar que a diferença entre as crianças deve-se, em grande parte, à diferença qualitativa em seu ambiente social, ou seja, as diferentes formas de se relacionarem com as pessoas em seus ambientes.

As diferenças encontradas nos diversos ambientes sociais das crianças promovem aprendizagens que podem ativar processos de desenvolvimento também diversos. “Assim, a aprendizagem precederia o desenvolvimento intelectual ao invés de segui-lo ou de ser com ele coincidente” (DAVIS e OLIVEIRA, 1994).

Nas pesquisas sobre subjetividade e mídia televisiva, a teoria vygotskyana ajuda a explicar como realmente a qualidade das trocas provindas dos conteúdos cognitivos infl uencia decisivamente na forma como as crianças tornam mais complexo o seu pensamento e processam novas informações.

A atividade favorita de toda criança é brincar. Para Vygotsky (2007), uma das funções da brincadeira é permitir que a criança aprenda a elaborar e resolver situações confl itantes do seu cotidiano, através de capacidades como observação, imitação e imaginação. É na brincadeira que a criança reproduz sua própria vida. No jogo de “faz de conta”, ela dirige seu comportamento pelo mundo imaginário, ou seja, o pensamento está separado dos objetos, e a ação surge das ideias. Para o autor, a imitação e o “faz de conta” permitem à criança alcançar a internalização, que é o processo por meio do qual ocorre a reconstrução interna daquilo que é observado externamente.

Ao assistir desenhos animados que fazem parte do cotidiano infantil, a criança cria para si um universo fantástico que mistura sonho, fi cção e aventura com a realidade. Elas assumem o papel do herói ou da heroína, acreditam que podem realizar todas as peripécias do personagem, inclusive salvar a humanidade. Consideramos, portanto, que assistir a desenhos animados é também uma brincadeira para a criança.

O processo de desenvolvimento é, então, a apropriação ativa do conhecimento disponível

Se você quiser aprofundar seu estudo em relação à interação comunicativa como ação inteligente, consulte o componente curricular: Educação Cultura e Mídia, nas Trilhas do Aprendente – Volume 3 – p. 449.

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na sociedade em que a criança se encontra. Ela aprende e integra à sua forma de pensar o conhecimento da sua cultura.

Considerando este estudo, precisamos nos deter na concepção vygotskyana da natureza cultural do desenvolvimento humano. Primeiramente, duas importantes premissas são extraídas de seus estudos: a de que a cultura é uma produção humana e que essa produção humana tem duas fontes simultâneas: a vida social e a atividade social do homem. Isso quer dizer que, para Vygotsky (2007), a cultura é o conjunto das obras humanas, dotadas de signifi cado e que, entre ela e a natureza, existe uma linha divisória que, ao mesmo tempo, separa-as e as une, pois essa linha passa pelo homem, que é, simultaneamente, obra da natureza e agente de sua transformação.

Ao dizer que o desenvolvimento humano (psicológico) é de natureza cultural, Vygotsky (1984) está postulando que as funções psicológicas superiores, que têm sua origem no plano social, e não no plano biológico, têm de se constituir no plano pessoal. Como afi rma Angel Pino (2005), ao tratar da teoria vigotskyana, “o desenvolvimento cultural do indivíduo supõe, portanto, uma transposição de planos, permanecendo o objeto dessa transformação no plano de origem”.

Para que essa transposição de planos se processe, ocorre a internalização, que corresponde no trajeto que vai do exterior para o interior do indivíduo, ou, como Vygotsky (2007) coloca, “é a reconstrução interna de uma operação externa”.

Na tentativa de maior esclarecimento, sabe-se que o que ele denominou de internalização é um processo de natureza semiótica, ou seja, está sob a ordem abstrata da signifi cação. Entender esse processo é muito importante para se entender como ocorre a constituição cultural do ser humano. O campo da signifi cação não é algo homogêneo, ou seja, todos pensam ou tendem a pensar de forma igual. O que ocorre no campo da signifi cação é o delineamento de áreas de maior estabilidade e unidade, como os signifi cados socialmente instituídos, e áreas de maior instabilidade e diversidade, que é o caso do sentido que os signifi cados culturais instituídos têm para indivíduos e grupos diferentes. Resumindo, podemos dizer que a constituição cultural do ser humano se dá quando ele converge os signifi cados culturais da sociedade em signifi cados próprios, não como simples reprodução, mas como interpretação por parte do sujeito, que pode atribuir aos signifi cados culturais um sentido próprio.

É necessário também ressaltar, na teoria histórico-cultural do desenvolvimento humano, dois pontos importantes. Primeiramente, Vygotsky apresenta, em seus escritos, que, no ser humano, existem, ao mesmo tempo, continuidade e ruptura entre o biológico e o cultural.

ATENÇÃO!

Veja se você compreendeu a diferença entre signifi cado e sentido?Caso ainda tenha dúvidas a este respeito contacte seu(sua)

mediador(a) a distância, por meio do AVA Moodle.

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“Continuidade porque o cultural supõe o biológico para poder constituir-se; ruptura porque o biológico é transformado sob a ação do cultural” (ANGEL PINO, 2005). Segundo, embora Vygostky considere as signifi cações culturais (aquelas atribuídas pelos homens às suas obras) a matéria-prima do psiquismo humano, decorrendo disso que os homens de todos os tempos têm em comum aquilo que defi nem como humano sua natureza, ele também afi rma que os homens são todos diferentes, pois cada um deles é uma versão singular da natureza cultural dos homens. Só para reafi rmar: a internalização das signifi cações culturais passa pela interpretação que cada indivíduo apresenta em relação a essas signifi cações.

Pode-se, então, afi rmar que a subjetividade fi ca salvaguardada, ou seja, não fi ca comprometida. Isso ocorre, como Vygotsky postula, porque a conversão das signifi cações culturais em signifi cações pessoais garante a subjetividade e a identidade pessoal de cada indivíduo.

Toda função aparece duas vezes, em dois níveis, ao longo do desenvolvimento cultural da criança; primeiramente entre pessoas, como categoria interpsicológica, e depois, dentro da criança, como categoria intrapsicológica (VYGOTSKY, 2007).

Tal concepção da constituição humana do homem nos liberta da temerosa coletivização do psiquismo e da ameaça de destruição da subjetividade. Em relação a essa concepção, numa das próximas aulas da unidade III, serão desenvolvidos os temas da análise da cultura na Escola de Frankfurt.

Para ler mais sobre cultura, recorra ao componente curricular: Educação, Cultura e Mídia, você pode ler mais sobre cultura, nas Trilhas do Aprendente, Volume 3.

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USOS, DESUSOS E ABUSOS DA MÍDIA

Após serem abordados os substratos teóricos, piagetianos e vygotskyanos que subsidiam os processos cognitivos de representação simbólica e de internalização, esta unidade se concentra na utilização da mídia, principalmente a televisiva, como forma de transmitir conteúdos ideologizantes e manipular a formação de uma criança consumidora.

Iniciamos com o tema da cultura das imagens, que promovem interação entre os indivíduos desde sempre e, nos dias atuais, muito mais.

De um total de quatro aulas, a presente unidade reserva a segunda para refl etirmos sobre os fenômenos sociais: globalização, indústria cultural e consumo.

As duas últimas aulas nos apresentam a relação entre mídia e educação, realizada com maestria somente através da pedagogia dos meios. Por último, apresentamos uma análise psicossocial de um fi lme de animação, intitulado Monstros S.A., com o intuito de exemplifi car como se processa a pedagogia dos meios.

AULA 8: CULTURA DAS IMAGENS

Desde a Antiguidade Clássica até o Renascimento, a tradição oral prevaleceu na organização do conhecimento. Sem registros escritos, a fala preenchia, além da função de comunicar, a de conservar o conhecimento. Era a supremacia auditiva que, mesmo após o surgimento da escrita, perdurou por muito tempo, pois o conhecimento sobre ela era, então, monopólio de uma elite de escribas alheias às massas iletradas. Até o Século XV, a literatura existia para ser narrada em público, e o manuscrito era apenas um instrumento, acessório dessa vasta e infl uente cultura oral.

A cultura tipográfi ca introduziu a visão como o primeiro dos sentidos na hierarquia, tomando o lugar da audição. A linguagem escrita liberou o homem da dependência da memória do falante para a aquisição do conhecimento. Por meio de caracteres, a escrita conservaria o conhecimento.

Séculos depois, os meios eletrônicos estenderam e extrapolaram os limites usuais da visão e da audição, alterando nossa realidade cotidiana. Uma sensibilidade nova parece se instalar no indivíduo contemporâneo, cada vez mais incapaz de viver sem estímulos audiovisuais.

Os meios de comunicação, como jornal, rádio, televisão, trem, carro, moeda etc. são verdadeiras extensões do homem, pois servem para vinculá-lo aos outros homens. Eles são mensagens que podem exercer efeitos distintos na mente.

O texto-palavra teve sua forma de expressão na literatura, revolucionando, na época, toda a estrutura da sociedade, e o modo de pensar e de sentir se alteraram.

As sociedades contemporâneas industrializadas são consideradas sociedades de massa,

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isto é, compostas por grande número de indivíduos anônimos. As instituições dominantes - escolas, igrejas etc. - provêm algumas necessidades desse universo de pessoas e criam outras, da mesma forma como desenvolvem mecanismos efi cazes para controlar essas massas humanas, fazê-las produzir, consumir e se conformar.

Uma sociedade assim exige mecanismos culturais adequados, capazes de transmitir informações com rapidez para o maior número de pessoas possível e que transmitam uma visão de mundo das diferentes populações, ultrapassando barreiras de espaço físico e social. Tais instrumentos seriam, principalmente, o rádio, a televisão, a imprensa e, mais recentemente, a informática, que fazem parte da cultura niveladora, homogeneizadora, produto da indústria cultural.

A indústria cultural centrada nesses meios de comunicação de massa tem um ritmo acelerado de produção e de consumo e constitui uma esfera da atividade econômica. Ela ainda exerce um papel fundamental na organização social e está, sem dúvida, associada ao exercício do poder e à ordenação da vida coletiva.

Os meios de comunicação de massa penetram em todas as esferas da vida social moderna, no meio urbano ou rural, na vida profi ssional, nas atividades religiosas, no lazer, na educação, na participação política. Eles também difundem maneiras de se comportar, propõem estilos de vida, modos de organizar a vida cotidiana, de se vestir, de construir sua casa, maneiras de falar e de escrever, de sonhar, de sofrer, de pensar, de lutar, de amar.

São meios de comunicação poderosos. O indivíduo considera que eles estão se dirigindo a ele de forma particular, porém os “media” funcionam de forma homogeneizadora, dirigindo mensagens comuns a todos, gerando necessidades e expectativas massifi cadas. “A lógica de sua maneira de funcionar é o amaciamento dos confl itos sociais” (SANTOS, 1987). Sabe-se, no entanto, que a própria indústria cultural também está suscetível a contradições da vida social. Sobre as mensagens transmitidas, o controle também não é total, pois, por mais homogêneo que seja o conteúdo delas, não é possível substituir integralmente a percepção das pessoas.

É consenso, porém, que os meios de comunicação e, em particular, a televisão, exerce alguma infl uência sobre quem os utiliza. Eles empregam a linguagem como instrumento. São as palavras, os gestos e as imagens que levam os indivíduos a se modifi carem. Portanto, a linguagem, em geral, além de ser um conjunto de estímulos (sinais) visuais, compreende o modo como as pessoas se organizam. Sabe-se também que a leitura de elementos idênticos ou semelhantes pode ter muitas possibilidades. Sendo assim, as consequências da linguagem podem ser tanto negativas quanto positivas, dependendo do seu uso e dos meios que são utilizados para transmiti-la. A linguagem exerce um papel importantíssimo na vida das pessoas.

“As novas tecnologias da comunicação introduziram outras linguagens, invadindo com imagens, som e informações, de maneira tão forte, intensa e insistente, quase todos os cantos e recantos do Planeta e de nossa privacidade” (CARLOS, 2006). É o texto–imagem que reeduca o olhar, o perceber do espectador. A imagem tem um papel fundamental na leitura de mundo tanto para os letrados quanto para os iletrados e, comprovadamente, mais para estes últimos.

Os programas televisivos têm o poder de ativar a percepção para os diferentes níveis de consciência crítica. A ética das imagens, transmitidas pela televisão e pelo cinema, pode inibir ou estimular estilos de conduta. O fi lósofo brasileiro, Brissac Peixoto (1992, apud PAIVA, 2005),

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mostra a potência do imaginário vigilante do cinema orientando estilos de gosto e formas de conduta, confi gurações ético-estéticas no cenário urbanizado das grandes cidades. Com certeza, o telespectador tem a liberdade de exercer sua faculdade de julgar, porém devemos nos lembrar da menor possibilidade de que dispõem as crianças de utilizar seu senso crítico. Os desenhos animados povoam o imaginário infantil de heróis e vilões que representam fi guras sedutoras e poderosas, mas, às vezes, estranhas e mesquinhas. Essa ambiguidade, quase sempre, não é percebida pela criança, pois ela não consegue discernir a “verdadeira” intenção das imagens. A TV exerce uma ação de sedução e de condicionamento sobre elas a ponto de se transformar para as mesmas uma necessidade fundamental como alimentar-se ou divertir-se. Através desse meio de comunicação, são difundidas imagens nas diversas culturas locais, como um tipo de padronização do imaginário e de estilo de vida, mobilizando momentos preciosos de investimento afetivo. O caráter da interculturalidade dos programas televisivos, exibidos internacionalmente, instiga a apreensão de percepções globalizadas.

As imagens televisivas trazem consigo outro tipo de ambiguidade, quer dizer, apresentam uma sátira dos costumes como também uma apologia das convenções (PAIVA, 2005). Estaria de acordo com o caráter ambíguo da globalização, isto é, elas inovam e conservam.

A dicotomia entre o bem e o mal torna-se, muitas vezes, banal nos desenhos animados e, para as crianças, pode não fi car claro o que é certo e o que é errado. Nota-se que, nas tramas dos desenhos animados, os humilhados e desgraçados pela ação do destino ou pela maldade dos poderosos absorvem o espírito individualista, adquirem uma consciência ressentida do mundo e, a partir de um plano pessoal, partem para destruir seus algozes.

Conveniente se faz relacionar esse item com os pressupostos teóricos de Mc Luhan (2005), que nos apresenta suas teses fundamentais na defesa da ideia do mundo como aldeia global, um mundo que, para ele, “encurtou”, isto é, por meio da comunicação, as distâncias se encurtam, as culturas se intercruzam e os contatos entre as pessoas geram e são gerados pelos assuntos pautados pela mídia. Apenas para relembrar, são três as teses por ele apresentadas como argumentos de defesa para a ideia do mundo como aldeia global:

1) Os meios de comunicação de massa são extensões do homem, por meio dos quais ele pode visualizar caracteres da cultura do mundo, sem sair da frente da tela do computador, por exemplo.

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Aprofunde seus estudos em:Trilhas do Aprendente. Vol. 3, Educação, Cultura e Mídia.

Fonte: <http://images.google.com.br>.

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2) Os meios podem ser quentes, isto é, prolongam um único dos sentidos e em alta defi nição, mas não promovem a participação ativa do público. Os meios de comunicação ainda podem ser frios, quando permitem participação e abrem canais de retroalimentação comunicativa por parte do receptor.

3) “O meio é a mensagem”. Considerada sua tese mais polêmica, McLuhan evidencia que os meios por onde as informações são emitidas funcionam não apenas como simples canais de passagem de conteúdo comunicativo ou como veículo de transmissão da mensagem, mas como elementos determinantes da comunicação. O “conteúdo” de qualquer meio ou veículo é sempre outro meio ou veículo (McLUHAN, 2005 apud BRENNAND, MEDEIROS e DIAS, 2009).

Fonte: <http://images.google.com.br>.

Fonte das imagens: <http://images.google.com.br>.

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AULA 9: GLOBALIZAÇÃO, INDÚSTRIA CULTURAL E CONSUMO

Na aula anterior, falamos sobre a cultura das imagens presente em nossas vidas cotidianamente. Um dos termos abordados na referida aula foi “aldeia global”, defi nido por McLuhan como um encurtamento do mundo devido aos meios de comunicação de massa aligeirados pela modernidade.

Na presente aula, o fato de optarmos pelo título acima citado – globalização, indústria cultura e consumo – tornou-se um dilema, pois surgiu a questão: “Qual a ordem em que os termos devem ser colocados?” A conclusão a que chegamos é de que os termos referem-se a fenômenos sociais inerentes à vida de qualquer indivíduo, com uma relação intrínseca de <retroalimentação>, em que cada um ocorre numa interdependência contínua, num movimento perene de ida e de volta. Portanto, não importa a ordem dos termos. Introduzimos nossa discussão sobre as divergências quanto ao surgimento do termo globalização. Sabemos que não é recente, porém, para aqueles que interpretam a globalização temporariamente mais modesta, ela surgiu como uma extensão global do processo de modernização iniciado pelo Estado, situando-se na segunda metade da década de 80 do século XX. Apesar das divergências, Estevão (2002) nos lembra que há uma aceitação da ideia de que globalização diz respeito, fundamentalmente, à “compressão domundo ou à intensifi cação das relações sociais de escala mundial”, como postula A. Giddens (1995, p. 2), ou, ainda, à “estruturação concreta do mundo como um todo“.

Estevão (2002) realça, ainda, que essas concepções vão implicar fundamentalmente em duas tendências opostas: a da “homogeneidade e do universalismo” versus a da “heterogeneidade e do particularismo”. Detalhando melhor essa oposição, de um lado, estariam aqueles teóricos que pregam que a globalização é um fenômeno que iguala e, do outro, os que afi rmam que ela diversifi ca.

Na verdade, a globalização é um fenômeno complexo, que mobiliza um conjunto de fatores multidirecionais de ordem econômica, política e cultural, cujos efeitos também são problemáticos. No entanto, a globalização tem reestruturado a arquitetura do Estado, das sociedades, das organizações e dos indivíduos, e sua ideologia afeta e modela as reformas sociais, entre elas, as políticas e as práticas em educação. Essa infl uência da globalização sobre a educação ocorre de forma dupla: dando oportunidades de reajustamento, face às exigências do mercado, e de resistência ou de mobilização.

Dale (2004, apud SCOCUGLIA, 2006) aponta duas abordagens da relação entre globalização e educação. Uma, que considera a propagação de uma cultura educacional mundial comum, e outra, que ele próprio denominou de “agenda globalmente estruturada para a educação”.

A primeira diz respeito aos sistemas educativos nacionais e às categorias curriculares como

Processo pelo qual se produzem modifi cações em sistema, comportamento ou programa, por efeito de respostas à ação do próprio sistema, comportamento ou programa. Um exemplo de retroalimentação seriam modifi cações no enredo de uma novela de televisão como resultado de pesquisas de opinião.Fonte: Dicionário Aurélio Eletrônico.

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oriundos de modelos universais de educação, de estado e de sociedade. Os estados, submetidos a uma ideologia dominante, têm cada vez menos autonomia e se submetem a normas e a cultura homogeneizadoras. Com clareza se percebe essa abordagem na uniformização dos currículos em todo o mundo. As instituições seriam pensadas como “instâncias culturais” fundadas na racionalidade, no progresso, no individualismo e na justiça. Daí se retirariam as categorias curriculares, nada mais do que deduções e interpretações da ideologia de nível mundial. A educação estaria ligada estritamente aos modelos emergentes de sociedade e de educação que se tornam relativamente padronizados em nível mundial. Assim, os Parâmetros Curriculares Nacionais instaurados no Brasil se encaixariam nessa abordagem.

A outra abordagem proposta por Dale (2004), ou seja, a agenda globalmente estruturada para a educação, apresenta a globalização como um conjunto de dispositivos político-econômicos para a organização da economia global, pela necessidade de manter o sistema capitalista. A educação não é um refl exo da economia, ou sua consequência, como postula a primeira abordagem. Dale considera que é necessária uma análise das relações da educação com a desigualdade social, tanto em nível global quanto nacional, e alerta para a não neutralidade da prática curricular. O currículo, ou seja, o processo de determinar o conteúdo desejável para a educação e as metodologias, é ditado pelo sistema educativo como parte de um quadro nacional regulador mais amplo. Nesse ponto, Dale (2004) reafi rma que “as variações nacionais continuam fortes, que a cultura mundial está longe de ser homogênea e que a incorporação do modelo pode acontecer a um nível meramente ritual” (apud SCOCUGLIA, 2006).

Reforçando o que afi rma Dale, podemos lembrar, ainda, que é utopia, para não dizer ingênuo pensar que não existem variações nacionais e que a cultura mundial seja homogênea. Aqui no Brasil, um país de extensão continental, essas variações são muito nítidas entre as regiões Sul-Sudeste e Nordeste. Desastrosas são as consequências quando a mídia tenta “fazer a cabeça” da população, convencendo-a das vantagens da globalização neoliberal, além de ampliar e fortalecer a ideologia do pensamento único, fundada na idolatria do mercado. O que se pode dizer, então, quando essas investidas de convencimento se dirigem às crianças? Não raro ouvimos queixas de pais, que não sabem como argumentar com seus fi lhos sobre a real necessidade de certos brinquedos e brincadeiras. As crianças tendem a copiar o que lhes é transmitido pelos programas televisivos infantis e são prejudicadas na qualidade e no conteúdo de sua capacidade criadora.

Nesse sentido, a escola não se posiciona como debatedora de tais conteúdos televisivos, mas reforça sua disseminação, colocando painéis nas paredes das salas de aula que retratam personagens de desenhos animados de maior sucesso no momento. São atrativos com que a escola conta em função do mercado, porém, sem se deter para analisar tal atitude e o conteúdo ideológico transmitido. Seria uma tentativa de homogeneização, uma verdadeira violência psicológica. Acostumamo-nos a ver apenas pelo olhar da televisão, da mídia.

A globalização nos faz mais uma exigência: a de que devemos fi car “antenados” para o que a televisão transmite aos telespectadores infantis. “Começa uma árdua, longa e incessante caminhada de aprendizagem, de auto-avaliação e de aquisição de novas atitudes por parte dos protagonistas de um processo alternativo de globalização” (CALADO, 2003).

Indústria cultural é o segundo conceito que nos propomos a analisar, porém, é

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imprescindível tratar anteriormente da Teoria Crítica da Sociedade, criada pelos membros do Instinto Für Sozialforschung (Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt), em cujo arcabouço teórico desenvolve o referido conceito.

O grupo de sociólogos e fi lósofos era composto por Max Horkheimer, Theodor Adorno, Herbert Marcuse, Leo Löwenthal, Friedrich Pollock e Walter Benjamin. Todos eles vivenciaram, na época de 1930, desencanto e frustração com o socialismo na União Soviética, com o fascismo europeu e com a destruição das comunidades judaicas da Europa. Haviam perdido as esperanças de que o capitalismo promovesse uma transformação revolucionária no seio das comunidades.

A evolução do programa de pesquisas do Instituto de Pesquisa Social pode ser dividida em três fases distintas: a fase do “materialismo interdisciplinar” (1932 – 37), a abordagem da “teoria crítica” (1937 – 40) e a “crítica da razão instrumental” (1940 – 45) (BENHABIB, 1996). Durante essa trajetória, o objetivo foi sempre o de elaborar um programa de pesquisa social interdisciplinar, para dar base a uma teoria crítica da sociedade. Nos anos 60, já com alguns membros do grupo radicalizados nos Estados Unidos, a esses teóricos e seu conjunto de ideias possibilitou-se falar na Escola de Frankfurt. A crítica à indústria cultural constitui um capítulo teórico possível dessa ciência social.

O termo “indústria cultural” foi empregado, pela primeira vez, em 1947, quando foi publicado o livro Dialética do Iluminismo de Horkheimer e Adorno. Esse termo, explicaram eles, visava substituir “cultura de massa”, pois essa expressão induz ao engodo que satisfaz aos interesses dos detentores dos veículos de comunicação de massa. Esses últimos querem dar a entender que cultura de massas é como uma cultura que surge, espontaneamente, das próprias massas. Para Adorno, tal não ocorre, pois a indústria cultural é quem adapta seus produtos ao consumo das massas e determina o próprio produto.

Adorno e Horkheimer expõem, de modo bem claro, que a cultura se converteu em mercadoria. A proposição advém da expressão desenvolvida por eles de indústria cultural, a qual se refere às indústrias interessadas na produção em massa de bens culturais, ressaltando que a expressão não diz respeito às empresas produtoras nem às técnicas de difusão de bens culturais, mas a um movimento histórico-universal.

Com a civilização, os indivíduos foram retirados do barbarismo, pois ela é geradora de avanços, mas, ao mesmo tempo, de “novas sujeições e de pendências responsáveis pelo aparecimento de sintomas regressivos na cultura e de uma silenciosa coisifi cação da humanidade” (RUDIGER, 1999).

A racionalidade instrumental ganhou status de paradigma da sobrevivência e passou a dominar todas as esferas da sociedade, principalmente na passagem do Século XIX para o XX. O capitalismo passou, então, do estágio da livre iniciativa para o da competição corporativa, tendo o Estado como interventor. Tudo concorria para que os novos burgueses fossem abalados por um processo de massifi cação, pois os fatos sociais passariam a ter como explicações ideias industrializadas. Por essa razão, foi preciso criticar o fato de a economia política ser suplantada por uma crítica da indústria cultural.

A cultura, como mercadoria, faz com que nasça a ideia de que é possível fazer-se por meio da compra de bens de consumo. Quanto mais se consome, mas a indústria tem de produzir

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ou vice-versa, criando um círculo vicioso cada vez mais abrangente, que compõe o princípio do “consumo estético massifi cado”. Já não se detecta um único produto, mas uma produção em série. Também não se diferencia mais entre criação fi ccional e prática de mercado. Nas obras de fi cção, encaixam-se os produtos a ser vendidos, o que se denomina merchandising ou estratégias de mercado.

No desenho animado, vários elementos que o compõem são pensados e produzidos para encantar, mas também fazem parte de “uma estratégia comercial e discursiva, que a emissora chama de entretenimento” (NAZARETH PIROLA, 2007). Os elementos a que me refi ro dizem respeito à plástica corporal, loccus frequentado, características de personalidade dos personagens centrais ou heróis dos desenhos. São sujeitos padronizados que só mudam na imagem, mas que se repetem em quase todo o desenho animado. As pesquisas de mercado identifi cam os valores e as expectativas do “leitor modelo”, seja ele criança, jovem ou adulto. Usam técnicas de captura, de aproximação e de identifi cação do telespectador com o desenho. Esse telespectador, do outro lado da telinha, migra, discursivamente, para dentro da trama, porque se identifi ca com os valores ali colocados (está no seu imaginário). Além do mais, esse encantamento está revestido de valores positivos. Em se tratando do desenho animado, a imagem é um espetáculo recheado de cores, brilho, formas, fi guras, embaladas pelo som e pelo movimento. É, também, um entretenimento, e esse aspecto lúdico advém do fato de ser simplesmente uma imagem. Os recursos tecnológicos estão cada vez mais refi nados, como a perolização dos corpos em computação gráfi ca, por exemplo, a linha transparente e brilhosa que circunda os desenhos em três dimensões e o contraste das cores.

Resumindo, as mercadorias culturais deixam de ser sinônimo de criações artísticas e literárias e englobam, a partir de então, o conjunto da atividade econômica. Os meios de comunicação cumprem um papel determinante nessa dinâmica, quando promovem publicamente os artigos que “devem” ser consumidos como veículos de determinados valores comuns. Os produtos da indústria passam a ser produzidos e vendidos como bens simbólicos e, pouco a pouco, assumem o caráter de mercadorias culturais tecnológicas. As propagandas de automóveis, veiculadas pela televisão, por exemplo, transmitem imagens belíssimas de pessoas alegres, bem sucedidas, saudáveis e que “sabem” o que querem, pois fi zeram uma boa escolha ao comprar aquele carro. Assim se procede com todas as mercadorias, sejam produções tecnológicas ou culturais.

Percebemos essa última situação quando se aproxima a exibição de um novo programa televisivo. A televisão utiliza anúncios insistentes e chamativos (daí o nome técnico de chamada), que o telespectador se sente impelido a assistir, fi cando impossível de se distinguir o que é arte e o que é anúncio. Esse processo é o que denominamos de indústria cultural, “o conjunto de práticas através das quais se expressam as relações sociais que os homens entretêm com a cultura no capitalismo avançado” (RUDIGER, 1999).

Para Debord (apud PORTELA, 2006),

o desenvolvimento das técnicas de escrita, som e imagem, submetidas ao comando dos monopólios, separou a arte da práxis produtiva das pessoas, reduzindo-a a um bem de consumo, à forma do espetáculo. Dessa forma as expressões artísticas são ao mesmo tempo mercadorias, pois a arte renega sua própria autonomia quando é considerada um bem de consumo.

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Vivenciamos, em pleno Século XXI, a era da imagem que, como já disse, produzida por especialistas torna-se impactante. Também é bom lembrar que, no caso dos desenhos animados, eles são produzidos, principalmente, nos Estados Unidos da América, na França e no Japão e que, além de transmitidos em seus países de origem, são exportados para tantos outros através das TVs abertas e por assinatura. Tal fato, pode-se dizer, caminha para a universalização e, talvez, o pior, para a padronização dos discursos.

Em última instância, constatamos, pois, que é cada vez mais difícil distinguir se estou cantarolando uma música da moda porque gosto de sua melodia ou porque, insistentemente, a campanha publicitária “me convenceu a gostar”. Embora concordando com essa ideia, é bom lembrar que o capitalismo criou um mercado de bens culturais que permitiu que os artistas e os intelectuais se libertassem das autoridades políticas e religiosas e passassem, onde pudessem, a viver por conta de sua atividade criadora. Por outro lado, o artista poderá conquistar espaços por meios inescrupulosos, como assinar obras que não são suas. O mercado da cultura sempre foi ambivalente na medida em que permitiu a liberdade de criação dos bens culturais. Por outro lado, suscitou a necessidade de esses bens darem lucro para os que com eles negociavam, levando à sua adaptação ao padrão de gosto dos compradores. O homem torna-se vítima, quando, ao se considerar que se instauraria o seu poder sobre a ciência e sobre a técnica, vê-se dominado por elas.

Nas palavras do próprio Adorno, a indústria cultural “impede a formação de indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e de decidir conscientemente“ (ADORNO, 2002). Até mesmo fora do ambiente de trabalho, na diversão e no lazer, a indústria cultural utiliza esse espaço com o fi m de mecanizar o indivíduo. Ele absorve o conteúdo como um prolongamento do trabalho, isto é, tudo ocorre numa lógica contínua de: preciso do lazer, preciso do trabalho. Assim sendo, para Adorno, “a diversão é buscada pelos que desejam esquivar-se ao processo de trabalho mecanizado para colocar-se, novamente, em condições de se submeterem a ele”. Exemplifi cando, podemos lembrar os conteúdos temáticos dos programas televisivos, das peças de teatro, dos fi lmes ou de atividades físicas de lazer. Todos são fabricados como cópias ou reproduções do trabalho. O suposto conteúdo é uma simples fachada: o que lhe é dado é regulado. Parece sinistro e aterrorizante perceber que sempre haverá uma ideia subjacente aos produtos culturais e que o homem está sob o poder da mecanização até no seu tempo livre. Adorno (2002) refere que “só se pode escapar ao processo de trabalho na fábrica e na ofi cina, adequando ele ao ócio.”

A indústria cultural cria condições para a implantação de um comércio, e os consumidores são continuamente enganados em relação ao que lhes é prometido, mas não é cumprido. Como exemplo disso, podemos voltar à propaganda do automóvel. Ela anuncia que “algumas pessoas já nascem sabendo o que querem” e apresentam um bebê dormindo muito confortavelmente no interior do carro. Porém, a situação demonstra a atitude dos pais para expressarem seu desejo de “ter” o automóvel e de fazerem calar o choro do fi lho. O bebê irá continuar a não saber o que quer, e os pais a se dobrarem pela ilusão do “ter” ser sinônimo de “poder”.

Criando “necessidades” para o consumidor, a indústria cultural organiza-se para que ele compreenda sua condição de mero consumidor, instaurando-se a dominação natural e ideológica. Essa dominação está intimamente ligada ao desejo de posse, constantemente renovado pelo

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progresso técnico e científi co e controlado efi cazmente pela indústria cultural. Portanto, o universo social é um universo de “coisas”, e o homem estaria fascinado com os mistérios do valor e o poder do dinheiro dessas “coisas”. É o caráter alienado da produção, refl exo subjetivo da separação entre a capacidade de trabalho do homem e sua maneira de se apropriar dos seus resultados na sociedade capitalista.

De acordo com Adorno, o movimento da indústria cultural coincide com o da publicidade: “a publicidade é o exibir da vida da indústria cultural” (apud RUDIGER, 1999). Com isso, as pessoas atribuem um valor muito maior às obras de arte do que elas têm, pois o que estão consumindo é a imagem social que lhes deu a máquina da propaganda.

Observando as pessoas, nos grandes magazines ou “shoppings centers”, onde são despendidas muitas horas, e não se percebe o tempo passar, vê-se, em seus rostos, um prazer no ato de comprar. Essas pessoas se confundem com os bens simbólicos, pois esses bens, através da indústria cultural, assemelham-se a elas mesmas.

As necessidades passam a coincidir com o exercício, direto ou indireto, do poder de compra. Os valores culturais passam a ser gerados pelo próprio mercado através dos mecanismos de oferta e de procura e da ação da publicidade.

Todos os hábitos de consumo do homem moderno encontram-se precondicionados pelos esquemas da cultura mercadológica. Todos nós já nos tornamos, hoje, fi lhos da indústria cultural.

Por fi m, vamos falar sobre consumo, que, por sinal, já foi abordado quando falamos de globalização e de indústria cultural.

Ana Olmos (2006) nos alerta que a criança, nos dias atuais, é educada para o consumo, pois, quando assiste à televisão, é submetida às estratégias de entretenimento e à aceitação de produtos veiculados pela mídia no interior da programação televisiva.

Nesse processo, educada para o consumo, permite a construção de valores a partir de modelos que lhe são apresentados por uma sociedade que só reconhece quem tem poder de compra e exclui quem não pode ter acesso aos bens de consumo (OLMOS, 2006, p. 173).

Dessa forma, desde cedo, a criança é tratada como um consumidor e existe um mercado poderoso destinado a ela. Os estímulos dos meios de comunicação bombardeiam crianças e jovens, criando neles uma necessidade imperiosa de consumir.

O mercado contempla a todos, pois oferece uma resposta para cada ansiedade, seja qual for, desde aqueles que seguem o padrão “novela das oito”, que corresponde à grande massa, até àqueles que contestam esses modelos e não se identifi cam com os personagens.

Fonte: <http://images.google.com.br>.

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A oferta do mercado é não somente algo externo, que atua de fora para dentro, mas também uma representação interna no mundo mental das crianças e dos jovens. Quando eles não conseguem comprar um determinado produto que comporia a imagem ideal, sentem-se excluídos do grupo de “pertença”. Essa é uma estratégia de indução ao consumo, em que <griffes> se confundem com identidades. A experiência de não ser adequado(a) é devastadora, e o mercado oferece o objeto que produz a adequação. Dessa forma, os objetos adquirem características humanas, e seu consumo preenche desejos, vazios, carências, sensação de abandono.

A imagem, que está ligada ao produto, é central, nesse mecanismo de colocar um objeto no lugar da carência, de adicionar prazer à sensação de vazio, de trazer alívio ao sentimento de desamparo, de sentir euforia no lugar da dor mental (OLMOS, 2006, p. 179).

Se relembrarmos o que foi colocado na Unidade II deste componente curricular, veremos o posicionamento teórico de Jean Piaget sobre o desenvolvimento cognitivo infantil: a criança é um ser em processo de desenvolvimento, com necessidades próprias em cada faixa etária, e o meio ambiente deve proporcionar estímulos para que esse desenvolvimento seja integral. O mercado, no entanto, procura estratégias mais efi cientes para conduzir essa criança ao consumo, estimulando-a a não pensar.

Enquanto Piaget queria alimentá-la com estímulos que potencializassem sua própria capacidade de pensar, o mercado conta com o inverso, a sua atitude passiva de não pensar: “STOP THINKING: DRINK COCA-COLA” ou “NIKE: DO IT!” (OLMOS, 2006, p. 180).

Os meios de comunicação concorrem signifi cativamente para conduzir a criança ao consumo, gerando modelos de identifi cação de atitudes, valores, procedimentos, costumes, música, comportamento, ritmo, cotidiano. Quando se publica a propaganda de um produto, ela só é lícita se o consumidor puder identifi cá-la de forma imediata. Com a criança telespectadora, na maioria das vezes, essa identifi cação não ocorre, pois ela nem distingue o programa da mensagem comercial nem reconhece o caráter persuasivo da publicidade. É um crime invisível, porém, muito poderoso, pois a criança não pode se defender da publicidade diluída no entretenimento.

Nos episódios do desenho animado Bob Esponja, ele trabalha para a lanchonete Siracascudo, fazendo hambúrguer de siri, cuja fórmula só o seu patrão, o Sr. Sirigueijo, sabe e guarda como um tesouro, pois dela depende seu lucro na lanchonete. A mensagem comercial embutida nos conteúdos incentiva as crianças a frequentarem lanchonetes de fast-food, onde além dos sanduíches são vendidos brindes que formam um kit (McLanche Feliz, por exemplo). Esse acompanhamento de sanduíche e brinde com o boneco Bob Esponja, vestido como caipira, lembrando as festas juninas comemoradas, principalmente, no nordeste do Brasil, fez parte das vendas da rede de lanchonetes Burger King entre os meses de maio e junho de 2009 em todo o Brasil.

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(Francês) S. M. Marca de certos artigos de luxo, em especial, dos de vestuário, por via de regra, com a assinatura do fabricante.Fonte: FERRERIA, A. B. H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

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Essa propaganda compõe a campanha publicitária elaborada pelo criador e pelos produtores para a comemoração dos 10 anos de criação do Bob Esponja. O personagem das aventuras marinhas de um local no fundo do mar, chamado a Fenda do Biquíni, tornou-se presente de uma forma acintosa em muitos produtos destinados ao público infantil. Bob Esponja tornou-se marca de DVDs, roupas, shampoos, cremes para bebês, sem falar em inúmeros alimentos, como sucrilhos, leite fermentado com lactobacilos etc. Portanto, tornou-se um ciclo vicioso, pois assistir ao desenho animado leva a criançada a comprar produtos ligados ao desenho e vice-versa.

Quanto à venda de lanches e aos brindes, o Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), no ano de 2008, serviu de referência para o projeto de lei nº 4815/09, em tramitação na Câmara dos Deputados, aqui no Brasil, que proíbe a venda de lanches ou de refeições em conjunto com brinquedos ou brindes. De autoria do Dr. Nechar (PV – SP), essa prática atinge diretamente o público infantil, induzindo-o ao consumo e violando o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que proíbe “o uso profi ssional e calculado da fraqueza ou da ignorância do consumidor infantil” (JORNAL CORREIO DA PARAÍBA – 24/05/2009, p. E6).

O uso gradual da cultura infantil para vender produtos diretamente para as crianças é uma tendência que se desenvolveu desde o início da era industrial.

Antes, os brinquedos e jogos industrializados direcionavam-se para os pais como mercado, mais do que para as próprias crianças. Com o passar dos anos, as companhias desenvolveram linhas de brinquedos que eram criadas para se transformar em programas de televisão (MCALLISTER, 2009).

Na era moderna, a cultura infantil está cada vez mais mercantilizada. Um fator que acentua esse fenômeno é a utilização de novas tecnologias de mídia, como a internet, os sistemas de videogames, os DVDs, as mídias móveis, como os tocadores de mp3, e os telefones celulares com opções de mídia para <download>. Todas essas técnicas podem ser usadas para transmitir comerciais de produtos, gerando lucros indiretos por meio da propaganda, o que possibilita, inclusive, a mercantilização da cultura infantil.

Fonte das imagens: acervo pessoal da autora

Transferência de arquivo de um determinado servidor para o computador do usuário. Copiar arquivo. Baixar da internet.

Fonte: <http://www.dicionarioinformal.com.br/buscar.php?palavra=download>.

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Nos países em que há legislação de proteção à infância, quanto à programação televisiva, o tempo da propaganda e o merchandising dirigido às crianças são regulamentados. No Brasil, os programas infantis são repletos de inserções publicitárias (TV Globinho, TV Xuxa e outros).

No Brasil, o Ministério da Justiça, entre 2005 e 2008, promoveu vários debates sobre aspectos relacionados, direto ou indiretamente, ao dever constitucional de exercer a classifi cação, para efeito indicativo, de diversões públicas e programas de rádio e de televisão. Duas publicações de livros foram realizadas sobre esses debates, tratando da necessidade de uma Nova Classifi cação Indicativa: material imprescindível para os profi ssionais que lidam “com a complexa relação entre liberdades e responsabilidades no universo da comunicação e da cultura” (CHAGAS et al., 2006).

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Fonte das imagens: panfl etos publicitários de lojas e supermercados

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AULA 10: MÍDIA–EDUCAÇÃO: PEDAGOGIA DOS MEIOS

Na aula anterior, ao falar dos fenômenos sociais: globalização, indústria cultural e consumo, fi camos a “matutar”: O que fazer? Será que temos uma saída?

Primeiramente, mais uma vez, tomamos como ponto de partida o reconhecimento de que as mídias ocupam um lugar cada vez mais signifi cativo na cultura de nossas crianças e jovens. Por isso, a escola pode e deve promover a interação entre a cultura midiática e a cultura escolar.

Maria Isabel Orofi no (2005), ao escrever o livro, <Mídias e mediação escolar: Pedagogia dos meios, participação e visibilidade>, fundamenta-se em uma pedagogia participativa e libertadora, bastante infl uenciada pelos estudos de Paulo Freire. Sendo assim, ela propõe uma educação tecnológica em que se utilize a tecnologia como um “poderoso meio para ressignifi cação do mundo através da produção de conhecimento e para o investimento na autoria das crianças e adolescentes” (OROFINO, 2005, p. 30).

A referida autora comenta diferentes iniciativas sobre o tema, lembrando que, no início dos anos 60 do Século XX, o projeto Leitura Crítica dos Meios de Comunicação, realizado pela União Cristã Brasileira de Comunicação (UCBC), foi um dos pioneiros. A partir daí, outros projetos surgiram, e Orofi no aponta três deles:

1) A pedagogia da linguagem total, que propunha que a escola utilizasse diferentes linguagens em seu cotidiano;

2) A educação para a mídia, difundida no Brasil por Maria Luiza Belloni, como uma proposta de alfabetização para a mídia e

3) A educomunicação, no Brasil, sob orientação dos professores Ismar de Oliveira Soares e Adilson Citelli, que propõem uma nova refl exão epistemológica sobre o campo, com ênfase nos processos de produção midiática na escola.

Com base em Schaun (2002), os autores do componente curricular citado acima colocam que educomunicação não é a comunicação de informações midiáticas na escola,

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Fonte: <http://www.livrariasaraiva.com.br/

imagem/imagem.dll?pro_id=1162823>.

Você já ouviu falar sobre educomunicação? Consulte o componente curricular Educação, Cultura e Mídia, no Trilhas do Aprendente, Volume 3, e leia mais para aprofundar-se no assunto.

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... é a possibilidade de se entender a realidade e suas verdades postas, criadas pela mídia, desvendando a produção do discurso e suas formas de fazer, rumo à construção de outras verdades (argumentos) possíveis (BRENNAND et al., 2009, p. 459 e 460).

O grande objetivo da educomunicação é não somente buscar desvendar o caráter ideológico das mensagens, mas também propiciar à criança, ao jovem ou ao adulto a oportunidade de se tornarem mais participativos diante dos processos comunicativos.

Orofi no (2005) utiliza o conceito de pedagogia dos meios como uma proposta metodológica e síntese das diferentes iniciativas críticas desenvolvidas no Brasil. Para a autora, o objetivo maior da pedagogia dos meios é

ampliar as <mediações escolares> por meio de novos enfoques pedagógicos que visem um consumo cultural crítico e que possibilitem a criação de estratégias de uso destes meios para fi ns de construção da cidadania ativa, participativa, atuante no contexto da comunidade na qual a escola se insere (p. 32).

A autora classifi ca sua proposta como multimetodológica, que busca integrar o novo sem excluir o que já foi produzido anteriormente, analisando-o criticamente e o integrando na medida de suas contribuições. Dessa forma, ela não estipula um passo a passo, porém indica alguns pontos que podem ser problematizados como questões geradoras:

1) Leitura crítica dos meios;

2) Fundamentação teórica: teorias dos usos sociais das tecnologias e das mídias e mediações escolares;

3) Sintonia com o projeto político-pedagógico fundamentado numa perspectiva de gestão democrática e de construção da cidadania.

Devemos promover na escola a educação para a mídia televisiva com dupla intenção: de torná-la instrumento pedagógica e de ser objeto de estudo de professores e alunos, favorecendo a ambos adquirir uma postura crítica diante dela.

Entrelaçamento das mediações institucional, situacional e individual; a escola é um local de mediações onde e por meio das trocas de saberes entre os pares, crianças e adolescentes dão continuidade ao seu papel de telespectadores ativos e criativamente produzem novos sentidos sobre os produtos midiáticos que consomem todos os dias (OROFINO, 2005).

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AULA 11: ANÁLISE PSICOSSOCIAL DO FILME MONSTROS S.A.

O objetivo desta aula é analisar o conteúdo subjacente transmitido pelo fi lme de animação, Monstros S.A, para proporcionar ao aprendente uma experiência didático-pedagógica.

Primeiramente, desenvolveremos a sinopse do fi lme para que o leitor se inteire da história, colocando as características dos personagens principais, a trama da história e seu desfecho.

A análise apresenta a lógica da indústria cultural e sua infl uência na cultura infantil, nas concepções sobre gênero, família etc. e no comportamento diante do consumo, com base teórica em Giroux (2003) e Adorno (2002).

O fi lme Monstros S.A. é rico em elementos que serviram de base para esta análise e para outras divergentes do olhar a que este texto se propõe.

1 – SOBRE O FILME

O fi lme Monstros S.A. foi criado pela equipe dos estúdios de animação Disney Pictures, nos Estados Unidos da América, em 2004. Toda a trama transcorre em Monstrópolis, cidade cuja principal fonte de energia do mundo dos monstros provém da coleta de gritos das crianças humanas, processada na fábrica Monstros S.A.

Para que os monstros preguem susto nos humanos, eles saem de seu mundo, ou seja, do mundo da imaginação, através de uma porta, para o mundo real. São milhares de portas, pois cada uma se destina a uma criança diferente. São, portanto, milhares de crianças assustadas produzindo gritos – isto é, fonte de energia para Monstrópolis.

Dois personagens se destacam na fábrica: um como astro do susto, o Sulley, e outro, como assistente de Sulley, o Mike Koloviski. Caracteristicamente, esses dois monstros são bem diferentes, porque apresenta o Sulley como um grande urso azul, de andar desajeitado e voz mansa, e seu amigo Mike Koloviski, que é falante, criativo e se apresenta como uma bola verde, com um só olho, brilhante e esbugalhado, boca pequena, pernas e braços que brotam de seu corpo redondo e dão ao seu dono uma tremenda agilidade.

Fonte: <http://images.google.com.br>.

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Sulley bate recorde como assustador de crianças e é considerado um excelente produtor dos maiores gritos. Isso desperta inveja num dos seus colegas monstros, o Random, que, para boicotá-lo, causa-lhe alguns transtornos. Random detém a habilidade de se metamorfosear e de se tornar invisível. É um verdadeiro camaleão.

Os monstros acreditam que as crianças são tóxicas, podem causar sua morte, e entram em pânico quando uma menininha, Bu, invade seu mundo. Ao contrário da maioria das crianças, Bu não tem medo dos monstros Sulley e Mike e os toma como seus amigos. A fábrica entra em alerta geral à procura da criança, porém seus amigos fazem de tudo para protegê-la e levá-la de volta para casa.

O fi lme, a partir daí, mostra como a dupla de amigos enfrenta desafi os “monstruosos” e algumas situações hilárias em suas atrapalhadas aventuras para “salvar” a menina Bu que, por sua vez, brinca à vontade com os monstros Sulley e Mike e juntos dão boas risadas.

A dupla dos monstros heróis, com o objetivo de proteger a garota, acaba descobrindo um esquema fraudulento de produção de gritos. Essa descoberta ocorre quando a garota já fora para casa. Sulley fi ca triste, pois não poderá mais vê-la. Porém, Mike havia conseguido recompor a “porta” de acesso ao mundo real. Sulley não pensa duas vezes e vai ao encontro da garota com um grande sorriso, e ela o recebe afetuosamente, chamando-o de gatinho. A fábrica de gritos, após a expulsão dos fraudadores, transforma-se numa fábrica de sorrisos. O riso agora é quem produz energia para a cidade dos monstros.

2 – MERCANTILIZAÇÃO DA FANTASIA

Os desenhos animados, além da função de entreter e de promover lazer, têm a função mítica e fabuladora características das obras de fi cção. Eles constituem os líderes de preferência entre crianças de diferentes faixas etárias. Como os desenhos animados veiculam imagens de violência, expressão de poder, de assuntos os mais variados, eles estão conquistando um público que inclui adolescentes e adultos.

Seguindo a lógica da indústria cultural, que produz os fi lmes de desenhos animados periodicamente, novos personagens e enredos são lançados. Muitos desses fi lmes eram transmitidos como episódios pela TV e passaram a ilustrar uma série de outros produtos, como capas de caderno, mochilas, chaveiros, camisetas, bonés etc.

Os produtores dos fi lmes de desenhos animados trabalham para grandes empresas da mídia, como a Disney, que constitui uma corporação multinacional. Entre outras empresas, ela representa a força motriz por trás da cultura da mídia, tornando cada vez mais difícil manter aquilo a que a indústria do entretenimento se propõe, que é proporcionar os momentos de prazer e de fuga que as pessoas desejam. Dessa forma, a cultura empresarial está reescrevendo a natureza da cultura infantil. A indústria cultural, com as múltiplas formas de mídia e de tecnologias, transformou a cultura em uma força fundamental, a ponto de “moldar o signifi cado e o comportamento humanos e regular nossas práticas sociais a todo momento” (STUART HALL, apud GIROUX, 2003).

O que nos resta fazer, diante dessas máquinas de ensinar, tamanho é seu impacto e alcance, é conduzir as crianças e os adolescentes a fazerem uma leitura crítica das mensagens

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(GIROUX, 2003, p. 126).

Imagens massifi cadas preenchem nosso cotidiano e condicionam nossos mais íntimos desejos e percepções. O que está em questão, para os pais, os educadores e outras pessoas, é a maneira como a cultura, particularmente a cultura da mídia, tornou-se uma força educacional substancial, senão a principal, na regulação de signifi cados, de valores e de gostos, que estabelecem as normas e as convenções que oferecem e legitimam determinadas posições de sujeito.

Crianças do mundo inteiro têm acesso às produções midiáticas. Sabe-se, no entanto, que, estatisticamente, a distribuição é de forma bastante desigual. Em muitos países europeus, na América do Norte, no Japão e na Austrália, é comum que as crianças tenham todas as formas possíveis e imagináveis de tecnologia de mídia em suas casas. Em outros países, no entanto, a mídia é bem menos difundida, como nas áreas rurais da África, da Ásia e da América Latina.

Nos lares brasileiros, temos constatado a preferência pela televisão, entre outras tecnologias de mídia. Nas pesquisas sobre crianças e mídia, foram detectadas muitas infl uências benéfi cas, como a intensifi cação do aprendizado, das capacidades percepto-motoras, da competência social e da tolerância. Porém, as pesquisas concentram seus estudos sobre as infl uências nocivas, principalmente, no tópico violência e mídia. Outras infl uências também são investigadas, como, por exemplo, quais concepções são passadas às crianças sobre os papéis dos gêneros, idosos, famílias etc. e se seus conteúdos levam ao isolamento, à negligência das tarefas escolares e das atividades ao ar livre, a distúrbios alimentares e ao consumismo (BUCHT e FEILITZEN, 2002).

A Disney constitui uma megacorporação produtora de fi lmes infantis e de desenhos animados, como também é produtora de correlatos da indústria da propaganda. Dessa forma, ela transforma os sonhos de uma criança em lucros potenciais. A Disney Corporation controla 20 estações de televisão, 21 estações de rádio, possui canais de televisão, TV a cabo, editora de livros, parques temáticos, companhias de seguro, revistas etc. Crianças, jovens e adultos do mundo todo gostariam de conhecer a Disney World.

A Disney consegue mercantilizar a inocência e a explora quando promove o aquecimento do mundo brutal através da fantasia, evocando a criança que existe em cada indivíduo.

Ainda se soma a tudo isso a perda de fé nas instituições públicas e na política democrática participativa, pela exacerbação da propriedade privada como também a “sugestão” de que aqueles envolvidos com a cultura da Disney se tornam cidadãos “calmos” e condescendentes.

O fi lme Monstros S.A. foi produzido pela Walt Disney Pictures, nos estúdios de animação Pixar. Igualmente a tantos outros fi lmes produzidos pela Disney, ele estimula ao consumo, faz um verdadeiro merchandising do capitalismo quando evidencia que quanto maior a produção, maiores serão os lucros.

Algo que poderia ser passado como infl uência benéfi ca é o fato de o fi lme mostrar que muitos dos “monstros” que existem no nosso imaginário apenas parecem ser perigosos. A mensagem positiva de que o riso, ao invés dos gritos, é bom também ressaltar apesar de que a sociedade é representada como uma, estática, harmônica, sem antagonismo de classe e a “ordem natural” do mundo é quebrada apenas pelos vilões que, encarnando o mal, atenta

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geralmente contra o patrimônio. Os “bons” defendem a si mesmos e aos outros, derrotando os “maus”. Essa é uma forma simplista que reduz todo confl ito à luta entre o bem e o mal, sem considerar quaisquer opiniões e interesses divergentes entre as pessoas.

3 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

O fi lme Monstros S.A. reproduz e expande valores e práticas da nossa sociedade, e seus expectadores legitimam essa prática. Na infância, os desenhos animados são os preferidos - seja na televisão ou no cinema, seja também qual for o seu conteúdo (violento, tecnológico, imaginário).

Os conteúdos dos desenhos animados proporcionam diferentes níveis de infl uência que, na maioria das vezes, não correspondem ao que os pais e educadores desejam. Com certeza, os adultos esperam que os desenhos animados e outros programas infantis promovam a estimulação do pensamento, a refl exão sobre o mundo, e que essas crianças entendam o que é apresentado no programa. No entanto, o panorama que se vê compõe-se de pais superatarefados e que, por falta de tempo, não tomam conhecimento do conteúdo dos programas televisivos assistidos pelos fi lhos. Assim também agem os educadores que, na tentativa de cumprir o conteúdo programático, não estimulam seus alunos a refl etirem sobre os programas a que assistem. Tanto a família quanto a escola podem desempenhar um papel determinante em relação aos signifi cados da TV.

Como já foi enfatizado anteriormente, a pedagogia crítica questiona como a mídia dissemina valores que podem infl uenciar na construção do conhecimento social. O educador crítico tem a responsabilidade de formar cidadãos, capazes de questionar os conteúdos exibidos pela mídia e transformar a sociedade.

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SUMÁRIO

Palavras da professora-pesquisadora ......................................................... 364364

Croqui do percurso .................................................................................. 365365

Mapa Conceitual ...................................................................................... 370370

Desempenho do percurso ......................................................................... 371371

UNIDADE I: A GESTÃO DE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS CENTRADAS NA PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA .................................................................. 372372

Visões sobre a criança: breve explanação histórica ...................................... 372372

Do direito à educação no cenário internacional ............................................ 378378

Panorama nacional: a doutrina do direito penal do menor e o código de menores .................................................................................................

385385

O direito à educação consagrado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente .... 391391

UNIDADE II: A PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA .......................................... 394394

Doutrina da proteção integral: conceito e características ............................... 394394

Cidadania e educação: uma articulação necessária ....................................... 399399

Promoção da cidadania na educação infantil: uma articulação entre direitos e deveres ..................................................................................................

3535402402

O pleno desenvolvimento da pessoa ........................................................... 405405

UNIDADE III: A GESTÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICANA EDUCAÇÃO INFANTIL .................................................................................. 407407

Trabalhando com projetos didáticos ........................................................... 407407

Projeto didático “respeitar os direitos humanos também é coisa de criança” .... 409409

Projeto didático “direitos e deveres da criança” ............................................ 413413

Projeto didático “meio ambiente e desenvolvimento humano sustentável” ....... 417417

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Palavras da professora-pesquisadora

Caros(as) aprendentes, Parabéns! Um novo percurso se inicia. Sua especifi cidade consiste na realização de uma síntese entre as Trilhas do Estágio Supervisionado e na adoção da educação em direitos e deveres da criança como eixo temático, que articula as discussões e os desafi os desse percurso.No componente curricular Estágio Supervisionado VI, estudaremos a problemática da construção de práticas pedagógicas, na educação infantil, centradas na educação em direitos humanos, especifi camente, na educação em direitos e deveres da criança. Enfatiza-se a perspectiva de que a criança é uma pessoa em desenvolvimento, que necessita de cuidados e proteção especiais, mas se constitui como um sujeito de direitos e deveres. Afi rma-se, portanto, uma perspectiva de cidadania infantil, que articula direitos e responsabilidades.

A educação em direitos humanos consiste numa temática já tratada no componente curricular Estágio Supervisionado II, momento em que refl etimos sobre a necessidade de promoção dos direitos humanos na escola, sob a ótica dos documentos que afi rmam e reconhecem os direitos da criança, tais como a Declaração dos Direitos da Criança, de 1959, e a Convenção dos Direitos da Criança, de 1989. Agora, no Estágio Supervisionado VI, aprofundaremos o que iniciamos em Estágio II, destrinchando e detalhando as questões ligadas à formação da criança como um sujeito de direitos, mas que assume responsabilidades perante a escola, a família e a comunidade. Aprofundam-se, portanto, refl exões iniciadas outrora. Lembramos da necessidade de dedicação de vocês, aprendentes, pois este componente exige uma postura mais ativa e mais estudo sobre as questões aqui colocadas. Portanto, para que se amplie a qualidade de nossas discussões, faz-se necessária a sua participação, por intermédio do estudo dos objetos de aprendizagem, do posicionamento nos fóruns e debates, na realização das atividades requeridas. A interação é fundamental, pois precisamos acompanhar o processo de aprendizagem e nos informar das dúvidas que vocês vivenciam. Informamos, também, que, nessa etapa do percurso, nos debruçaremos nos projetos didáticos, uma forma de gestão do trabalho pedagógico que possibilita a construção do conhecimento de maneira interdisciplinar e contextualizada. Estamos à disposição para esclarecer quaisquer dúvidas e nos comprometemos com a constante melhoria da qualidade do nosso curso. Tenham um bom percurso e que, neste marco, possamos ampliar, aprofundar e qualifi car nossas interações!

Com compromisso,

Profa. Dra. Maria Creusa de A. Borges

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Croqui do Percurso

UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASILUNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CURSO DE PEDAGOGIA - MODALIDADE A DISTÂNCIAESTÁGIO SUPERVISIONADO EM MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO INFANTIL VI

Professora: Dra. Maria Creusa de Araújo BorgesColaboradora: Taísa Caldas Dantas (advogada e mestranda em Educação – PPGE/UFPB)E-mail: [email protected]

MARCO VII

Componente Curricular: Estágio Supervisionado em Magistério da Educação Infantil VI

60 horas/aula 04 créditos

Ementa: Gestão de práticas pedagógicas na educação infantil, fundamentadas na educação em direitos humanos e na concepção de criança como pessoa em desenvolvimento, que precisa de cuidados e proteção especiais, e, sobretudo, numa perspectiva de cidadania infantil que articula direitos e deveres.

Objetivo Geral: Problematizar a gestão da prática pedagógica na educação infantil, fundamentada na construção da cidadania infantil e na concepção de criança como um sujeito de direitos e deveres.

Objetivos Específi cos:- Compreender as noções necessárias à construção de uma prática pedagógica baseada na educação em direitos e deveres da criança na educação infantil;

- Enfatizar o papel da educação formal, na primeira etapa da educação básica, na promoção dos direitos humanos da criança;

- Construir práticas pedagógicas críticas e refl exivas, baseadas na articulação entre teoria e prática, cujo eixo temático focalize a educação em direitos e deveres da criança.

Competências e habilidades a ser desenvolvidas:- Produção, análise e síntese de textos; - Leitura crítica de fi lmes e imagens;- Interação, no Moodle, entre os aprendentes, professor e mediadores;- Elaboração de projetos didáticos.

Etapas do percurso:

UNIDADE I: A GESTÃO DE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS CENTRADAS NA PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA

- Visões sobre a criança: breve explanação histórica- Do direito à educação no cenário internacional- Panorama nacional: a doutrina do direito penal do menor e o código de menores- O direito à educação consagrado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente

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UNIDADE II: A PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA

– Doutrina da proteção integral: conceito e características– Cidadania e educação: uma articulação necessária – Promoção da cidadania na educação infantil: uma articulação entre direitos e deveres– O pleno desenvolvimento da pessoa

UNIDADE III: A GESTÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

– Trabalhando com projetos didáticos– Projeto didático “respeitar os direitos humanos também é coisa de criança”– Projeto didático “direitos e deveres da criança” – Projeto didático “meio ambiente e desenvolvimento humano sustentável”

Metodologia: Este componente curricular está fundamentado num conjunto de estratégias que buscam articular as etapas do percurso, por intermédio do estudo dos objetos de aprendizagem, da análise de videoaula e de fi lme; análise e construção de práticas pedagógicas críticas e refl exivas; realização dos desafi os colocados ao fi nal de cada unidade, elaboração de projetos didáticos.

Recursos técnico-pedagógicos: objetos de aprendizagem; videoaula; fi lmes; desafi os; fóruns.

GPS:Os instrumentos de avaliação dos(as) aprendentes são diversifi cados, de modo a atender aos objetivos de um acompanhamento sistemático, numa perspectiva global, articulando-se as etapas do percurso de aprendizagem. Assim, fazem parte da avaliação os seguintes instrumentos: respostas aos desafi os e participação nos fóruns de cada unidade; prova escrita presencial; elaboração dos projetos didáticos e vivência na educação infantil. Os desafi os de cada unidade devem ser postados no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), dentro do prazo estipulado pelo(a) professor(a)-pesquisador(a), juntamente com os mediadores pedagógicos, e os fóruns perpassam todo o percurso, devendo, também, ser postados no AVA (Moodle). Na avaliação da participação dos(as) aprendentes, são considerados como critérios de avaliação: a interação no Moodle, avaliada por intermédio da “presença” dos(as) aprendentes no ambiente virtual (fóruns; postagem dos desafi os); domínio do referencial teórico a ser demonstrado nas interações; capacidades de análise e síntese na produção dos textos.

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REFERÊNCIAS

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COELHO, João Gilberto Lucas. In: CURY, Munir (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 8. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.

Convenção dos Direitos da Criança de 1989. Disponível em: <http://www.unicef.pt/docs/pdf_publicacoes/convencao_direitos_crianca2004.pdf>. Acesso em: 04/08/2009.

COSTA, Antônio Carlos Gomes da. In: CURY, Munir (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 8. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.

CURY, Munir (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 8. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.

Declaração dos Direitos da Criança de 1959. Disponível em: <http://www.culturabrasil.pro.br/direitosdacrianca.htm>. Acesso em: 04/08/2009.

Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em: 14/08/2009.

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Estágio Supervisionado em Magistério da Educação Infantil VI

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ISHIDA, Valter Kenji. A infração administrativa no Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Atlas, 2009.

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OLIVEIRA, Romualdo Portela (Org.). Organização do ensino no Brasil: níveis e modalidades na Constituição Federal e na LDB. 1.ed. São Paulo: Xamã, 2002.

PEREIRA, Tânia da Silva. O princípio do “melhor interesse da criança”: da teoria à prática. Disponível em: <http://www.gontijo-familia.adv.br/2008/artigos_pdf/Tania_da_Silva_Pereira/MelhorInteresse.pdf>. Acesso em: 04/08/2009

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RANGEL, Vicente Marotta. Direito e relações internacionais. 8.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

RASI, Mauricio Sponton. Criança e adolescência: risco e proteção. Leme: BH Editora, 2008.

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1997. v. 1.

UNICEF. A Convenção sobre os Direitos da Criança. Assembléia Geral nas Nações Unidas, 1989. Disponível em: <http://www.unicef.pt/artigo.php?mid=18101111&m=2)>. Acesso em: 04/08/2009.

VASCONCELOS, Hélio Xavier. In: CURY, Munir (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 8. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.

Bibliografi a complementar:

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 9ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

COMPARATO, Fábio Konder. A afi rmação histórica dos direitos humanos. IV edição. São Paulo: Saraiva, 2005.

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Lista de sites indicados:

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=290&Itemid=816

http://www.dhnet.org.br/

www.direitoshumanos.usp.br

www.mec.gov.br

http://www.unicef.org/brazil/pt/

http://www.scslat.org/web/index.php

http://www.promenino.org.br/DireitoseDeveresnaEscola/tabid/173/Default.aspx?gclid=CNme35CCm6ECFQuB5QodGiqZRQ

http://www.portaldafamilia.org.br/datas/criancas/direitosdacrianca.shtml

www.direitosdacrianca.org.br/

http://www.culturabrasil.org/direitosdacrianca.htm

www.fundabrinq.org.br/

http://www.mds.gov.br/programas/rede-suas/protecao-social-especial/programa-de-erradicacao-do-trabalho-infantil-peti

www.direitonet.com.br/

http://www.canalkids.com.br/cidadania/direitos/crianca.htm

www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php

www.safernet.org.br

www.presidencia.gov.br/sedh/

www.gddc.pt/direitos-humanos/.../universais.html

CORRAL, Benito Aláez. Nacionalidad, ciudadanía y democracia. A quién pertenece la constitución? Madrid: Tribunal Constitucional/Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2005.

MARSHALL, Thomas. & BOTTOMORE, Tom. Ciudadanía y clase social. 1ª ed. Buenos Aires: Losada, 2004. OLIVEIRA, Romualdo Portela de. O direito à educação na Constituição Federal de 1988 e seu restabelecimento pelo sistema de justiça. Revista Brasileira de Educação, nº 11, mai/jun/ago, 1999.

SANTOS, Boaventura de Sousa. (Org). A globalização e as ciências sociais. São Paulo: Cortez, 2002.

SARLET, Ingo Wolfgang. A efi cácia dos direitos fundamentais. 7. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Estágio Supervisionado em Magistério da Educação Infantil VI

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UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASILUNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CURSO DE PEDAGOGIA - MODALIDADE A DISTÂNCIAESTÁGIO SUPERVISIONADO EM MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO INFANTIL VI

Professora-pesquisadora: Maria Creusa de Araújo Borges

DESEMPENHO NO PERCURSO

Aulas Desafi os Pontuação Desempenho obtido

Prazo de fi nalização

UNIDADE I

Aula 1 Resolução e postagem de desafi os 2,5 2ª semana

Aula 2 Resolução e postagem de desafi os 2,5 3ª semana

Aula 3 Fóruns e participação no MOODLE 2,5 4ª semana

Aula 4 Fóruns e participação no MOODLE 2,5 5ª semana

Total de pontos na Unidade I 10,0

UNIDADE II

Aula 5 Resolução e postagem de desafi os 2,5 7ª semana

Aula 6 Resolução e postagem de desafi os 2,5 8ª semana

Aula 7 Fóruns e participação no MOODLE 2,5 9ª semana

Aula 8 Fóruns e participação no MOODLE 2,5 10ª semana

Total de pontos na Unidade II 10,0

UNIDADE III

Aula 9 Resolução e postagem de desafi os 3,0 13ª semana

Aula 10 Resolução e postagem de desafi os 3,0 14ª semana

Aula 11 Fóruns e participação no MOODLE 2,0 15ª semana

Aula 12 Fóruns e participação no MOODLE 2,0 16ª semana

Total de pontos na Unidade III 10,0

Avaliação presencial (prova escrita) 10,0 Final doPercurso

TOTAL DE PONTOS OBTIDOS NO PERCURSO

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UNIDADE I

A GESTÃO DE PRÁTICAS PEDAGÓGICASCENTRADAS NA PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA

AULA 1: VISÕES SOBRE A CRIANÇA: BREVE EXPLANAÇÃO HISTÓRICA

Até o Século XVII, não era possível se falar de infância ou de uma concepção de criança. Somente a partir da Modernidade, a criança passou a ser considerada como um ser que precisava obedecer às normas da sociedade e, por essa razão, foram criadas as instituições assistenciais, com o fi m de educá-la na ordem moral e religiosa. Os Séculos XVIII e XIX foram protagonistas de grandes transformações na concepção de sociedade, de família, de escola e, consequentemente, de criança e de infância (DIAS, 2008).

No Século XIX, começou a se delinear um modelo universal de criança, assentado no papel que ela passou a assumir no interior da sociedade burguesa. Com a Revolução Industrial e a consequente necessidade de mão de obra, a criança passou a ser percebida como um ser que precisa de mais proteção e escolarização, para que pudesse exercer o seu papel na sociedade. Dessa forma,

com o processo de industrialização e a consequente necessidade de especialização da mão de obra, a criança, que antes possuía um papel produtivo direto, passa a ser percebida como um ser que necessita ser preparado e escolarizado para exercer seu papel na sociedade (DIAS, 2008, p. 211).

O intenso processo de industrialização, desencadeado a partir do Século XVIII, repercute na concepção de família e de criança. As mudanças advindas dessa re(organização) familiar e societal provocam a emergência de um novo sentido para os direitos da criança. As funções de cuidado e de assistência dos fi lhos foram, paulatinamente, sendo substituídas, quando as mulheres ingressaram no mundo do trabalho, e a questão da guarda e da educação das crianças ganhou destaque no debate político, na legislação e nas reformas escolares. Nesse sentido, Kuhlmann Jr. afi rma:

O fi nal do Século XIX e início do Século XX demarcaram um período em que a infância e sua educação integraram os discursos sobre a edifi cação dessa sociedade moderna. São parte do modelo geral referencial das instituições e das estruturas do estado para uma nação avançada, que se difunde no processo de transformação ocorrido (...) Os cuidados com a infância tornam-se um aspecto a ser considerado nesse modelo de nação moderna, com suas políticas sociais e instituições (KUHLMANN JR, apud DIAS, 2008 p. 213).

UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 1 Aula 2 Aula 3 Aula 4

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UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 1 Aula 2 Aula 3 Aula 4

Desde então, as formas de perceber a criança vêm assumindo novos contornos, e sua visibilidade social tem sido constantemente afi rmada. Intensifi cam-se estudos fundamentados na noção de criança, não mais como um ser indefeso ou incapaz, mas como sujeito ativo de sua aprendizagem, recolocada como sujeito de direitos e, consequentemente, o reconhecimento da educação como um direito da criança (DIAS, 2008).

Compreendida como um ser humano criativo e inteligente, a criança passa a ser valorizada pela sua singularidade, como categoria social e, mais ainda, a ser considerada, na sociedade, como cidadã, e, portanto, detentora de direitos e de deveres. Como explana Kramer,

crianças são sujeitos sociais e históricos, marcados, portanto, pelas contradições das sociedades em que estão inseridas. Crianças são cidadãs, pessoas detentoras de direitos, que produzem cultura e são nela produzidas (...) (KRAMER, apud DIAS, 2008, p. 215).

Com o advento da concepção de criança como sujeito de direitos, seus direitos e a preocupação social com a população infantil foram as principais conquistas do início do Século XX, cujo marco principal foi a promulgação, em 1959, da Declaração Universal dos Direitos da Criança, documento que resulta do trabalho legislativo da Organização das Nações Unidas (ONU).

A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA

A inspiração de reconhecer proteção especial para as crianças não é nova. Em 1924, sob a égide da Liga das Nações, por intermédio da Constituição de Genebra, afi rma-se a necessidade de proporcionar à criança uma proteção especial, inaugurando-se uma nova fase de reconhecimento dos seus direitos, com a assunção de obrigações por parte dos Estados de elaborarem uma legislação específi ca, voltada para a proteção das crianças (RASI, 2008). A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, afi rmava que “a maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais”.

Como resultado da visão da criança como sujeito de direitos, inspirada na Constituição de Genebra de 1924, e tendo como principal fundamento a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclama a Declaração dos Direitos da Criança, no dia 20 de novembro de 1959, por aprovação unânime. Por intermédio desse instrumento, constitui-se uma enumeração de direitos e liberdades a que faz jus toda e qualquer criança.

Integrando o movimento de especifi cação dos direitos humanos, cujo marco principal consiste na Declaração Universal de 1948, a Declaração dos Direitos da Criança, de 1959, signifi cou um marco histórico-legal na consagração da criança como sujeito de direitos e como um documento necessário à efetivação de seus direitos.

Apesar dos direitos e das garantias fundamentais afi rmados na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, oponíveis a todos os cidadãos indistintamente, alvitrou-se, no entanto, que as condições especiais da criança exigiam uma declaração à parte. A Declaração dos Direitos da Criança, então, enuncia princípios e diretrizes que todos devem observar, incluindo os pais, as organizações voluntárias, as autoridades locais, os governos e a escola, no sentido de reconhecer e concretizar os direitos e as liberdades enunciados.

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Tal declaração trouxe visibilidade à criança como ser humano distinto de seus pais e da família, cujos interesses podem, inclusive, contrapor-se aos de seus genitores. Ou seja, a criança deixou de ser considerada extensão de sua família e passou a ter direitos próprios, oponíveis, inclusive, aos de seus pais ou aos de qualquer outra pessoa (RANGEL & CRISTO, s/d).

Redigida em 10 princípios, a Declaração afi rma os direitos da criança, com o objetivo de que lhe seja dada proteção especial e para que lhe sejam asseguradas oportunidades que permitam o seu desenvolvimento em condições de liberdade e dignidade. O dever de protegê-la foi posto mais especifi camente em seu Princípio 2º, nos seguintes termos:

A criança deve gozar de proteção especial, e a ela devem ser dadas oportunidades e facilidades, pela lei e outros meios, para permitir a ela o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social de um modo saudável e normal e em condições de liberdade e dignidade. Na edição de leis para esse propósito, o melhor interesse da criança deve ser a consideração superior.

Sua importância consiste no fato de ter sido a semente da construção fi losófi ca da Doutrina da Proteção Integral das Nações Unidas para a Infância, em que foi erigido o princípio norteador de todas as ações voltadas para a infância, em que a base para todas elas deveria ser o melhor interesse da criança. Dessa forma, o preâmbulo da Declaração de 1959 afi rma, prioritariamente, que “a criança, por motivo da sua falta de maturidade física e intelectual, tem necessidade de uma proteção e cuidados especiais, nomeadamente de proteção jurídica adequada, tanto antes como depois do nascimento”. E prossegue, afi rmando que à criança a humanidade deve prestar o melhor de seus esforços (DECLARAÇÃO, 1959). Trata-se do surgimento da semente que, posteriormente, iria ser consagrada como a Doutrina da Proteção Integral.

Tais princípios enumeram estes direitos: o direito a um nome e a uma nacionalidade, a partir do nascimento; o direito a gozar os benefícios da previdência social, inclusive alimentação, habitação, recreação e assistência médica adequadas; o direito a criar-se num ambiente de afeto e segurança e, sempre que possível, sob os cuidados e a responsabilidade dos pais; e o direito de todos à educação.

O Princípio 7 da Declaração, reafi rmando e aprofundando o direito à educação, determinando a sua gratuidade e o lazer infantil, dispõe:

A criança terá direito a receber educação, que será gratuita e compulsória pelo menos no grau primário. Ser-lhe-á propiciada uma educação capaz de promover a sua cultura geral e capacitá-la a, em condições de iguais oportunidades, desenvolver as suas aptidões, sua capacidade de emitir juízo e seu senso de responsabilidade moral e social, e a tornar-se um membro útil da sociedade.

Os melhores interesses da criança serão a diretriz a nortear os responsáveis pela sua educação e orientação; essa responsabilidade cabe, em primeiro lugar, aos pais.

A criança terá ampla oportunidade para brincar e divertir-se, visando os propósitos mesmos da sua educação; a sociedade e as autoridades públicas empenhar-se-ão em promover o gozo deste direito (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA, 1959).

UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 1 Aula 2 Aula 3 Aula 4

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Ao dispor do direito à educação, conforme explicitado acima, algo importante a destacar é que a Declaração coloca o ensino escolar como meio para desenvolver aptidões, a capacidade de emitir juízo e o senso de responsabilidade moral e social, ou seja, assim como na Declaração Universal de Direitos Humanos, consagra uma educação voltada para a cidadania.

Outro ponto a ressaltar é que a Declaração coloca, primeiramente nos pais, a responsabilidade pela educação e orientação da criança, diferentemente dos instrumentos legais posteriores, tanto no plano internacional quanto local, conforme explanaremos adiante. A Declaração prescreve, ainda, que a diretriz norteadora dos responsáveis pela educação da criança será o seu melhor interesse.

Assim, ao tratar do direito à educação, a Declaração de 1959 coloca, como um dever das autoridades públicas e da sociedade, a garantia do direito da criança ao lazer e à diversão, visando aos propósitos da sua educação. Isso signifi ca que garantido está o direito a uma educação lúdica. A respeito dessa questão da ludicidade na educação como um direito, Muller expressa:

Entre os direitos fundamentais, não podemos deixar de reivindicar também que se cumpra a condição para a arte, a brincadeira, a diversão, o movimento, a oportunidade da criação em amplos níveis como fazendo parte do cotidiano infantil (MÜLLER, apud DIAS, 2008, p. 221).

Ao integrar o movimento de especifi cação dos direitos humanos do documento-símbolo de 1948 (a Declaração Universal dos Direitos Humanos), consagrando a criança como sujeito de direitos, a Declaração foi o fundamento de diversas outras leis, que vieram ampliar ainda mais a proteção integral da criança e o seu direito à educação, conforme explanaremos a seguir.

DA CONVENÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA

A consolidação da Doutrina da Proteção Integral efetiva-se na Convenção Interamericana de Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica, em 1969, cujo artigo 19 estabelece: “Toda criança tem o direito de proteção que sua condição de menor requerer, por parte da família, da sociedade e do Estado”.

Nesse caminho, em 1979, proclama-se o Ano Internacional da Criança. Tendo como fundamento a necessidade de se garantir uma proteção especial à criança, como foi enunciada pela Declaração dos Direitos da Criança de 1959 e pelo Pacto acima enunciado, foi promulgada, em 20 de novembro de 1989, a Convenção dos Direitos da Criança (CDC), documento normativo no qual a proteção integral dispensada à criança encontra suas raízes mais próximas.

A Convenção de 1989 enuncia um amplo conjunto de direitos fundamentais – os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais – de todas as crianças, bem como as respectivas disposições para que sejam aplicados. Esse tratado internacional é um importante instrumento legal, não apenas por ser uma declaração de princípios gerais, mas devido ao seu caráter universal e vinculante que, quando ratifi cado, representa um vínculo jurídico para os Estados que a ela aderem, os quais devem adequar as normas de direito interno às da Convenção, para a promoção e a proteção efi caz dos direitos e das liberdades nela consagrados (UNICEF, 1989).

UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 1 Aula 2 Aula 3 Aula 4

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Estágio Supervisionado em Magistério da Educação Infantil VI

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UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 1 Aula 2 Aula 3 Aula 4

Na Convenção, pela primeira vez, a criança foi conceituada como <qualquer pessoa com menos de 18 anos de idade>. Esse documento proclama a proteção aos direitos da criança à sobrevivência e ao pleno desenvolvimento; à oferta do melhor padrão de saúde possível; a ter um nome, uma nacionalidade; a brincar; à proteção contra todas as formas de exploração; à educação da melhor qualidade, entre outros (DIAS, 2008). Como se observa, grande parte dos direitos elencados no referido documento foi fundamentada na Declaração dos Direitos da Criança de 1959, representando um instrumento de efetividade dos direitos da criança, já que tem força jurídica obrigatória para todos aqueles que pactuaram com o tratado.

A Convenção, especificamente em seu artigo 3º, representa um marco para o desenvolvimento histórico-legal dos direitos da criança, ao determinar, expressamente, que todas as ações relativas às crianças (conceituadas como menores de 18 anos) devem considerar, primordialmente, seu interesse superior, quer dizer, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança consagrou a Doutrina da Proteção Integral. Dessa forma, a criança é reconhecida como sujeito de direitos, mas também vulnerável e hipossufi ciente, e o seu interesse superior deve ser considerado prioridade. Nesse sentido, assim dispõe o artigo 3º da Convenção:

Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança.

Um desses direitos fundamentais, consagrados pela Convenção e que merece, de forma incontestável, proteção integral da família, da sociedade e do Estado, é o direito à educação. Os quatro pilares, sob os quais estão fundamentados todos os direitos da Convenção, também se aplicam ao direito à educação, quais sejam: a não discriminação; seu interesse superior; a sobrevivência e o desenvolvimento e sua opinião.

O direito à educação, embasado nos pilares acima expostos, é disciplinado pelo artigo 28 da CDC e impõe, como responsabilidade dos Estados Partes, o reconhecimento do direito da criança à educação, especialmente:

a) Tornar o ensino primário obrigatório e disponível gratuitamente para todos; b) estimular o desenvolvimento do ensino secundário em suas diferentes formas, inclusive o ensino geral e profi ssionalizante, tornando-o disponível e acessível a todas as crianças, e adotar medidas apropriadas tais como a implantação do ensino gratuito e a concessão de assistência fi nanceira em caso de necessidade; c) tornar o ensino superior acessível a todos, com base na capacidade e por todos os meios adequados; d) tornar a informação e a orientação educacionais e profi ssionais disponíveis e acessíveis a todas as crianças; e) adotar medidas para estimular a frequência regular às escolas e a redução do índice de evasão escolar (CONVENÇÃO, art. 28).

Existem as e s p e c i f i c i d a d e s nacionais quanto à faixa de idade a ser considerada na defi nição de uma pessoa como criança.

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Em relação ao direito à educação, previsto na Declaração de 1959, a Convenção apresenta novas dimensões e desafi os para o ensino. Primeiramente, confi rma que o ensino deverá ser obrigatório e gratuito para todos, o que nos leva a considerar a educação, ao mesmo tempo, um direito e um ônus, já que se torna indisponível para as crianças do ensino primário. Segundo, pela primeira vez, um instrumento legal trata do ensino secundário, fazendo menção ao geral e ao profi ssionalizante, em vigor ainda na década de 80, quando foi promulgada a Convenção. Terceiro, o tratado estabelece o acesso ao ensino superior baseado na capacidade, colocando também como direito das crianças o acesso à informação e à orientação educacionais. Por último, a Convenção demonstra uma preocupação acerca da frequência escolar e redução do índice de evasão, problemas recorrentes na rede pública de ensino.

No artigo 23 da Convenção dos Direitos da Criança, há uma grande conquista no que se refere ao direito à educação, ao fornecer os elementos legais para a elaboração de estratégias de inclusão e formas de garantir que todas as crianças, incluindo aquelas com defi ciência, tenham acesso à escolarização (FERREIRA, 2003). Como se observa, a consagração, no plano internacional, dos primeiros alicerces da Doutrina da Proteção Integral e do reconhecimento de inúmeros direitos à criança, consiste nos primeiros passos em direção ao reconhecimento do interesse da criança como prioridade.

Após a promulgação da Convenção, no ano de 1990, a ONU convocou uma reunião da Cúpula Mundial da Criança, que aconteceu na Tailândia. Entre as principais metas estabelecidas para o bem-estar da criança, no decênio seguinte, estavam: a garantia do desenvolvimento integral da criança; o apoio à família e a Escola para todos. Todo esse universo histórico internacional foi também recepcionado pela legislação interna brasileira, ao longo dos anos, com o objetivo de assegurar os direitos à criança.

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AULA 2: DO DIREITO À EDUCAÇÃO NO CENÁRIO INTERNACIONAL

Nos últimos anos, a temática referente ao direito à educação alcança centralidade no debate político internacional, com repercussões no âmbito interno dos Estados. O resultado desse debate é a proliferação de documentos normativos que realçam a centralidade da educação, em todas as etapas, na sociedade contemporânea, onde o conhecimento assume valor fundamental. A ampliação desse direito tem sido a tendência marcante no processo histórico de reconhecimento dos direitos humanos. No Brasil, presencia-se a ampliação desse direito no âmbito de reconhecimento da educação infantil como uma etapa necessária ao processo de escolarização das crianças. Essa etapa não pode mais ser entendida como um cuidado dissociado da formação pedagógica.

Considerando esses aspectos, é necessário compreender um dos documentos mais importantes no processo de afi rmação dos direitos humanos, sobretudo do direito à educação, o qual tem infl uenciado o debate internacional e local, para podermos repensar o planejamento da gestão das práticas pedagógicas na educação infantil.

A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

O movimento contemporâneo relativo aos direitos humanos toma impulso decisivo com a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), em 10 de dezembro de 1948, em Paris, pela Assembleia Geral das Nações Unidas. A partir desse documento, os países ocidentais, os aliados, vencedores da Segunda Grande Guerra, intitulados de <Nações Unidas>, estabelecem uma agenda, no cenário internacional, de reconhecimento e de proteção dos direitos humanos.

Por intermédio do trabalho legislativo da Organização das Nações Unidas (ONU), da atuação de seus diversos órgãos e das agências especializadas, os direitos humanos passam a ser objeto de preocupação internacional, cuja proteção é assumida como propósito das Nações Unidas.

Na condição de documento-símbolo, “(...) ponto de partida do processo de generalização da proteção internacional dos direitos humanos (...)” (TRINDADE, 1997, p. 28), padrão comum de reconhecimento e de proteção dos direitos humanos (ALVES, 2007), a Declaração representa o registro histórico, político e jurídico

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Fonte: <http://1.bp.blogspot.com/_h3tZ6zQA7Hc/R1kpZNF1vBI/AAAAAAAAAC0/6t0yu33qhL8/s400/Direito+%C3%A0+educa%C3%A7%C3%A3o.jpg>.

A DUDH foi adotada e proclamada pela Resolução 217A (III) da Assembleia Geral da ONU.

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da repulsa às violações aos direitos humanos cometidas por Estados totalitários no âmbito da Segunda Grande Guerra. Indica, portanto, a construção de uma nova ordem mundial, baseada em relações democráticas e pacífi cas entre os Estados. Essa ordem tem por fundamento a proteção dos direitos do ser humano.

Essa nova ordem se baseia, juridicamente, na Carta da ONU, um documento que estabelece os propósitos e as diretrizes de atuação das Nações Unidas no cenário internacional e consiste numa referência no processo de formulação dos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, que resultam tanto do trabalho legislativo das Nações Unidas quanto de outras organizações de caráter regional, como é o caso da Organização dos Estados Americanos (OEA). Esses instrumentos, de natureza e efeitos jurídicos variáveis, são infl uenciados pelos princípios assumidos na Carta, a qual é explicitada em vários <preâmbulos> de instrumentos internacionais de direitos humanos desde a aprovação da Declaração de 1948. Portanto, a compreensão da Declaração requer a sua articulação com os princípios, objeto e propósitos afi rmados na Carta das Nações Unidas.

Na Carta, não estão descritos e catalogados os direitos humanos, tarefa levada a cabo pelo comitê de redação, responsável pela elaboração da DUDH. Diante da lacuna presente nos dispositivos da Carta da ONU, em relação à defi nição dos direitos humanos a serem objetos de proteção, a Declaração passa a se constituir em fonte de interpretação dos dispositivos acerca dos direitos humanos afi rmados na Carta.

A escrita da Declaração envolveu o trabalho de vários órgãos, antes de sua submissão à Assembleia Geral. Assim, o Conselho Econômico e Social (ECOSOC) encaminhou a sua subseção, a Comissão de Direitos Humanos (CDH), sob a liderança de Eleanor Roosevelt, o trabalho de escrita de uma declaração internacional, pois o plano geral era de elaboração de uma Carta Internacional de Direitos Humanos, da qual a DUDH seria uma parte, considerada mais como uma declaração de princípios, no estilo de preâmbulo, complementada por disposições substantivas, constantes dos instrumentos obrigatórios, tais como o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o de Direitos Civis e Políticos, ambos de 1966.

A CDH encarregou o comitê de redação - composto por representantes de países como Austrália, China, Chile, Filipinas, França, Iugoslávia, Líbano, Reino Unido, a então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e Uruguai - de elaboração de um esboço da Declaração para ser submetido ao ECOSOC, que encaminhou a proposta à Assembleia Geral, órgão legislativo principal da ONU, onde cada membro tem direito a voto, com peso igual (ALVES, 2007).

No processo de escrita da Declaração, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) desempenhou papel relevante (TRINDADE, 1997; POOLE et al, 2007). Ao examinar os principais problemas teóricos relativos à formulação da Declaração, essa agência especializada da ONU explicitou questões referentes às relações entre liberdades individuais e responsabilidades coletivas, questões que perpassam a problemática dos direitos humanos na contemporaneidade e interferem no seu processo de reconhecimento.

A Declaração, elaborada em menos de dois anos, nas três primeiras sessões da CDH, foi aprovada na primeira sessão da Assembleia Geral a que foi submetida (a III Assembleia Geral

fonte: <http://pt.wiktionary.org/wiki/preâmbulo>.

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das Nações Unidas). Dos 58 Estados-membros, 48 votaram a favor, nenhum contra, oito se <abstiveram> e dois se ausentaram da ocasião (RANGEL, 2005). Portanto, a relevância desse documento não advém do quantitativo dos Estados que a aprovaram, mas, sobretudo, do fato de que representa a formulação jurídica da noção de direitos inerentes ao ser humano - afi rmada, mas não detalhada na Carta da ONU -, formulação alçada ao plano internacional a partir da aprovação da DUDH (TRINDADE, 1997). Na qualidade de “(...) primeira expressão dos direitos humanos de forma abrangente em escala internacional” (POOLE et al, 2007, p. 91), a DUDH, defi nitivamente, coloca o ser humano no cerne do debate político internacional,reconhecendo que a proteção dos direitos humanos se constitui em preocupação dos Estados, independentemente da condição desfrutada pelo ser humano (nacional ou estrangeiro; rico ou pobre).

Aprovada sob a forma de uma resolução não impositiva da Assembleia Geral, a Declaração não tem força vinculante. Contudo, na mesma lógica de Alves (2007), Poole et al (2007) reconhecem a existência de elementos coativos, tanto interna quanto externamente, na DUDH. No plano interno, distinguem-se, na Declaração, preâmbulo e artigos, muitos desses se constituindo em obrigações, a base dos artigos obrigatórios dos Pactos de 1966. Externamente, a DUDH consiste numa grande referência no cenário internacional, infl uenciando a produção normativa sobre a matéria, constituindo-se em referência explícita em diversos instrumentos internacionais que a sucedem.

A DUDH é um instrumento decisivo, ao servir como modelo e ponto de partida para o processo de generalização da proteção internacional relativa aos direitos humanos. É um processo de generalização marcado pela proteção do ser humano, não mais restrita a determinadas condições ou a setores delimitados, como no caso da proteção aos trabalhadores sob a égide das primeiras convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Nesse processo, presencia-se a proliferação de diversos tratados sobre a matéria, em que a DUDH se constitui numa referência explícita, sendo citada literalmente nos preâmbulos de diversas <convenções>.

A Declaração Universal afi gura-se, assim, como a fonte de inspiração e um ponto de irradiação e convergência dos instrumentos sobre direitos humanos em níveis tanto global quanto regional. Esse fenômeno vem a sugerir que os instrumentos globais e regionais sobre direitos humanos, inspirados e derivados de fonte comum, se complementam (...) (idem, p.43).

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Convención relativa a la lucha contra las discriminaciones en la esfera de la enseñanza (1960); Convención Internacional sobre la Eliminación de todas las Formas de Discriminación Racial (1965); Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales (1966); Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos (1966); Convención Internacional sobre la Represión y el Castigo del Crimen de Apartheid (1973); Convención sobre la Eliminación de todas las Formas de Discriminación contra la Mujer (1979); Convención sobre los Derechos del Niño (1989).

Abstenções da África do Sul, Arábia Saudita, Bielorrússia, Iugoslávia, Polônia, Tchecos lováqu ia , Ucrânia e União Soviética.

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Portanto, o valor jurídico da DUDH não pode ser minimizado. A interação interpretativa entre a Declaração e a Carta da ONU e outros instrumentos constitutivos de organizações internacionais e de base convencional, além de sua incorporação nos ordenamentos jurídicos estatais, indica a posição de destaque da DUDH no sistema normativo internacional e no nacional relativo aos direitos humanos.

Nesse âmbito, os direitos humanos, afi rmados na Declaração, são objetos de várias propostas de classifi cação. Uma delas é a sugerida por Donnelly (1986), que a classifi ca em: direitos pessoais, direitos judiciais, liberdades civis, direitos de subsistência, direitos econômicos, direitos sociais e culturais e direitos políticos.

Integram os direitos pessoais (arts. 2º a 7º e 15): o direito à vida; à nacionalidade; ao reconhecimento da personalidade jurídica, à igualdade de proteção perante a lei, à proteção contra tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, à proteção contra a discriminação racial, étnica, sexual ou religiosa (idem).

Os direitos judiciais (arts. 8º a 12) referem-se: ao acesso a remédios por violações de direitos reconhecidos em lei, à presunção da inocência, à garantia de um processo público, imparcial, dirigido por um tribunal competente e independente, à irretroatividade das leis penais, à proteção contra prisões ou exílios arbitrários, à proteção contra ingerências na privacidade, na família, no domicílio, na correspondência e na reputação (idem).

As liberdades civis (art. 13 e arts. 18 a 20) são estas: liberdade de circular livremente no território de um Estado, de pensamento, de consciência, de religião, de reunião e associação pacífi cas (idem).

Os direitos de subsistência (art. 25) são os referentes à alimentação, a um padrão de vida adequado, à saúde e ao bem-estar próprio e da família (idem).

Integram os direitos econômicos (arts. 22 a 26): o direito ao trabalho, com remuneração equitativa e condições adequadas, à associação sindical, ao descanso e ao lazer (idem). Nessa classifi cação, o autor exclui o direito à propriedade, regulado no artigo 17 da Declaração Universal.

Os direitos sociais e culturais (arts. 26 a 28) são constituídos pelos direitos à educação, à participação livre na vida cultural da comunidade e nos resultados do progresso científi co (idem).

Os direitos políticos (art. 21): à participação livre no governo, por intermédio de representantes eleitos, ao acesso, em condições de igualdade e às funções públicas (idem).

Os direitos humanos, reconhecidos na Declaração, ainda podem ser relacionados em dois grupos: os direitos civis e os políticos (arts. 3º a 21) e os direitos econômicos, sociais e culturais (arts. 22 a 28) (ALVES, 2007). Essa categorização é largamente utilizada na doutrina e na jurisprudência internacionais de direitos humanos.

Distinguem-se, na DUDH, o preâmbulo, em que se encontram as motivações políticas - base da Declaração -, e trinta artigos, nos quais são objetos de regulação os direitos civis, os políticos, os econômicos, os sociais e os culturais. Adota-se a concepção de que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos (DUDH, art. 1º), e os direitos humanos consistem em direito de todos, sem distinção alguma (idem, art. 2º).

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Em relação à ‘educação’, trata-se de uma matéria discutida, inicialmente, no preâmbulo. Nessa parte, destaca-se que “el desconocimiento y el menosprecio de los derechos humanos han originado actos de barbarie ultrajantes para la conciencia de la humanidad” (idem, Preâmbulo). O texto também faz referência, <mais uma vez> , às atrocidades cometidas com os seres humanos no contexto da Segunda Grande Guerra, às violações dos direitos humanos e à ausência de conhecimento sobre esses direitos. A Declaração, portanto, confere à educação um papel relevante na construção de uma nova ordem internacional, pautada no respeito aos direitos humanos. Assim, exige um trabalho educativo voltado para a conscientização sobre os direitos do ser humano, para evitar que haja outros atos de barbárie, tais como aqueles ocorridos no supracitado confl ito mundial.

Reconhece-se, no preâmbulo da Declaração, que “una concepción común de estos derechos y libertades (...)” (DUDH) assume relevância fundamental para que os Estados, em cooperação com as Nações Unidas, cumpram com o compromisso de assegurar o respeito universal e efetivo aos direitos humanos. Assim, o conhecimento e a conscientização sobre os direitos humanos são colocados, reiteradamente, como uma forma de prevenção de novas violações a eles.

Com base nessa compreensão, a Assembleia Geral da ONU proclama a DUDH, como um ideal comum, uma fonte de inspiração para que as nações promovam, por intermédio do ensino e da educação, o respeito a esses direitos (idem). A noção de ensino remete às atividades realizadas na escola, no âmbito formal. Por sua vez, a educação, compreendida como uma prática social, que se realiza além do espaço escolar, abrange as práticas culturais, os movimentos sociais, o trabalho, entre <outras>.

No ordenamento jurídico nacional brasileiro, a concepção de que a educação é um direito de todos, é reiterada:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da <família>, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualifi cação para o trabalho (CF/88, art. 205).

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Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96, em seu artigo 1º, afi rma-se uma concepção ampla de educação, compreendida como uma prática social que extrapola os ‘muros’ da escola, não obstante a referida Lei regular as práticas que se desenvolvem, predominantemente, em espaços escolares.

Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), essa relação se inverte, e a educação passa a se constituir, primeiramente, em dever da família (art. 2º).

A primeira referência explícita encontra-se na Carta das Nações Unidas.

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Não obstante a afi rmação da concepção de educação como um direito de todos, reconhece-se, de forma restrita, o princípio da gratuidade. Esse princípio deve nortear toda a educação, mas se estabelece que essa gratuidade deve ser concretizada pelo menos na instrução elementar e na fundamental. No ordenamento jurídico nacional, há uma especifi cidade. A gratuidade é reconhecida como um princípio, de hierarquia constitucional, que deve nortear toda a educação pública. Consiste, como afi rma o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, em parecer de 2008, em núcleo axiológico do sistema de ensino brasileiro. Portanto, não se restringe a uma etapa da educação, devendo estar presente na educação básica e na superior.É o que se afi rma na CF, art. 206, IV: “O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: (...) IV- gratuidade do ensino público nos estabelecimentos ofi ciais (...)”.

A afi rmação da obrigatoriedade é enfática na Declaração de 1948, quando se refere à instrução elementar. No caso brasileiro, essa obrigatoriedade incide no ensino fundamental, que deve ser obrigatório e gratuito (CF, art. 208, I). O acesso ao ensino obrigatório e gratuito constitui direito público subjetivo, e o seu não oferecimento ou sua oferta irregular por parte do Estado implica responsabilidade da autoridade competente (idem, art. 208, 1º e 2º).

O ensino profi ssionalizante, na DUDH, deverá ser generalizado. No Brasil, essa modalidade de ensino não é contemplada no art. 208 da CF, artigo que regula o dever do Estado em relação à educação. Na LDB/96, Capítulo III, é feita referência à educação profi ssional, que deve ser oferecida de forma integrada às diferentes formas de educação e visa ao desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva (art. 39).

Na DUDH, o acesso aos estudos superiores é possibilitado, de forma igual, a todos, orientando-se pelo mérito individual. Na CF/88, o acesso aos níveis mais elevados de ensino pauta-se na capacidade individual. Reitera-se a concepção de educação superior como um direito de todos, cujo acesso depende da capacidade do indivíduo. Assim, a responsabilidade do Estado de garantir o acesso aos estudos superiores é retirada e passada para o indivíduo.

A Declaração traz, também, os objetivos da educação, que deverá promover o desenvolvimento da personalidade humana e, tendo por referência os propósitos das Nações Unidas, deve fortalecer o respeito aos direitos humanos e colaborar com as atividades da ONU em prol da manutenção da paz. Aos pais cabe a escolha do tipo de educação para os seus fi lhos, e a família torna-se a responsável por participar do processo educativo.

Percebe-se que o reconhecimento do direito à educação na DUDH se dá de forma ampla, abarcando várias etapas e níveis de educação. Entretanto, esse reconhecimento não ocorre de maneira igual, pois se restringe à garantia desse direito aos níveis elementares, deixando a responsabilidade de acesso aos níveis superiores para o indivíduo, com base no critério da capacidade.

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A educação, nesse documento, assume papel fundamental no desenvolvimento dos propósitos das Nações Unidas: promoção do respeito aos direitos humanos, por meio de um trabalho educativo de conhecimento e de conscientização; atividades em prol da manutenção da paz e da segurança internacionais, por intermédio, inclusive, da cooperação de caráter científi co e educacional, liderada pela UNESCO.

Na DUDH, a afi rmação do direito à educação, mesmo não se constituindo em obrigações de caráter convencional para os Estados, infl uencia, como visto, a regulação desse direito nos ordenamentos jurídicos nacionais. Questões referentes à gratuidade e à obrigatoriedade, colocadas na Declaração, repercutem na confi guração do dever do Estado em matéria educacional. No Brasil, não obstante a obrigatoriedade se restringir ao nível do ensino fundamental, como na DUDH, o princípio da gratuidade constitui a referência fundamental do sistema de ensino, abarcando todas as etapas do percurso educacional em estabelecimentos ofi ciais.

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AULA 3: PANORAMA NACIONAL: A DOUTRINA DO DIREITO PENAL DO MENOR E O CÓDIGO DE MENORES

O Direito da Criança e do Adolescente, conhecido, inicialmente, como Direito do Menor, passou por três fases marcantes: a doutrina do Direito Penal, concentrada nos Códigos Penais de 1830 e 1890; a doutrina jurídica da situação irregular, aplicada no Código de Menores; e a doutrina da proteção integral, que passou a vigorar a partir da década de 80, consubstanciada na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

A Doutrina do Direito Penal do Menor, concentrada nos Códigos Penais de 1830 e 1890, preocupou-se, especialmente, com a delinquência, baseando a imputabilidade no discernimento do menor. Ou seja, a imputação da responsabilidade ao menor ocorria em função de seu entendimento quanto à prática de um ato criminoso. Ao Juiz era atribuída a competência para determinar se o jovem era ou não capaz de dolo, considerando, para isso, sua vida pregressa, seu modo de pensar e sua linguagem, pois não se justifi cava basear-se, apenas, numa razão, obrigando-o, assim, a pesquisar o conjunto dos elementos informadores.

No início da República, iniciam-se os primeiros passos sobre a normatização do direito da infância e da juventude. Dessa forma, a primeira legislação sobre a matéria ocorreu com a Lei n. 4.242, de 1921, que autorizava o governo a organizar o serviço de assistência e proteção à infância. Em seguida, os Decretos nº 16.272 e 16.273, de 1923, instituíram o primeiro juizado de menores. E nesse sentido, o Decreto 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, consolidou toda a legislação promulgada até o momento, denominando-se Código de Menores, também conhecido por Código Mello Matos (ISHIDA, 2009).

Essa legislação, que antecede o Estatuto da Criança e do Adolescente, tem um caráter discriminatório, que associa pobreza à “delinquência”, e encobria as reais causas das difi culdades vividas por esse público, tais como a desigualdade de renda e a falta de alternativas de vida. Havia a ideia de que os mais pobres tinham um comportamento desviante e certa “tendência natural à desordem”, por isso não podiam se adaptar à vida em sociedade. Os meninos e as meninas que pertenciam a esse segmento da população, considerados “carentes, infratores ou abandonados”, eram, na verdade, vítimas da falta de proteção.

A doutrina da situação irregular, que vigorava no Código de Menores, revelava uma situação trágica:

Veja o texto completo em: <http://www.g o n t i j o - f a m i l i a .a d v . b r / 2 0 0 8 /art igos_pdf/Tania_da_S i l va_Pere i ra /MelhorInteresse.pdf>.

Veja mais em: <http://www.redeandibrasil.org.br/eca/sobre-o-eca/o-antigo-codigo-de-menores>.

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Os “menores” eram sempre objeto de alguma política pública, mas nunca eram verdadeiramente objetos de direitos, e, por tal razão, supondo o Estado ser o melhor para a sociedade e também para o menor, priorizava as privações de liberdade, ora em internatos, ora em instituições totalmente despreparadas para o atendimento daquele “menor”, o qual passava a ser tratado como uma “coisa” e denominado “menor delinquente abandonado” (RASI, 2008, p. 79).

Um dos grandes problemas da doutrina da situação irregular era que o menor era visto como objeto de compaixão e de repressão, e toda a preocupação era voltada para os “delinquentes” que estavam nas instituições e nos internatos e que eram vistos como carentes, infratores, abandonados, e todos aqueles que não se encontravam em situação irregular não precisavam de proteção, conforme preconizava o Código de Menores. A dimensão preventiva não era prioridade, interessando-se a repressão e a intervenção direta do Estado-Juiz. As instituições eram vistas como um meio inibitório para evitar o crescimento de delitos infanto-juvenis, e o magistrado poderia determinar indistintamente a internação, desde o menor carente ao infrator (RASI, 2008).

Essa formulação de modelos de atendimento não signifi cava a diminuição da pobreza ou de seus efeitos. Nesse sentido, a assistência destinada aos menores estava longe de concorrer para a mudança nas condições concretas de vida da criança, constituindo-se muito mais em uma estratégia de criminalização e medicalização da pobreza (ARANTES, 1999).

Em 1979, foi instituído um novo Código de Menores, por meio da Lei nº 6.697, de 10 de dezembro de 1979, o qual não representou, em si, mudanças expressivas, mas trouxe pressupostos e características que colocaram as crianças e os jovens pobres como elementos de ameaça à ordem vigente (idem). O novo Código passou a dispor sobre a assistência ao menor de 18 anos e, excepcionalmente, os maiores de 18 e menores de 21 anos, nos casos expressos em lei. As medidas supressoras da liberdade poderiam ser impostas independentemente da prática de ato infracional. O Código atuava no sentido de reprimir, corrigir e integrar os supostos desviantes de instituições como FUNABEM, FEBEM e FEEM, valendo-se dos velhos modelos correcionais (ALVES, apud ISHIDA, 2009). Importante afi rmação faz Arantes (1999, p. 258) acerca desse Novo Código de Menores, ao dispor que

(...) todas as crianças e jovens tidos como em perigo ou perigosos (por exemplo: abandonado, carente, infrator, apresentando conduta dita anti-social, defi ciência ou doente, ocioso, perambulante) eram passíveis, em um momento ou outro, de serem enviados às instituições de recolhimento. Na prática, isto signifi ca que o Estado podia, através do Juiz de Menor, destituir determinados pais do pátrio poder através da decretação de sentença de “situação irregular do menor”. Sendo a “carência” uma das hipóteses de “situação irregular”, podemos ter uma idéia do que isto podia representar em um país onde já se estimou em 36 milhões o número de crianças pobres.

Diante da perversidade de tais práticas nas instituições, bem como da inefi cácia de seus resultados, houve, nos segmentos das sociedades, ao longo dos anos, indignações éticas e políticas, principalmente no que se refere aos direitos humanos. Nesse cenário, a legislação pátria do menor foi, paulatinamente, sofrendo infl uência da doutrina propagada pela Organização das Nações Unidas, através de suas declarações e convenções referentes à infância, que passaram

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a enfocar a criança e o adolescente como sujeitos de direitos e não, apenas, como objetos de proteção, como explanado acima.

A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Conforme posto anteriormente, a sociedade brasileira, durante muitos anos, colocou as crianças e os adolescentes em polo de dominação dos adultos, tratando-os como “coisas” ou “objetos”, desrespeitando seus direitos fundamentais e submetendo-os a tratamentos desumanos, sob a justifi cativa de corrigi-los. Porém, marcada pelas diretrizes internacionais em relação aos direitos das crianças e dos adolescentes, a legislação brasileira foi se transformando no sentido de reconhecer a criança como sujeito de direitos, adotando a doutrina de proteção integral como expoente dessa nova fase.

Dentro desse panorama, o primeiro marco do ordenamento jurídico pátrio, nesse sentido, foi a aprovação, em 1988, da Constituição Federal, conhecida como <Constituição Cidadã>.

O texto constitucional de 1988 representou um grande avanço no campo de normatização de direitos e garantias fundamentais, resultado do processo de democratização do Estado de Direito.

Em decorrência da Carta Magna de 1988 é que se reconheceram a criança e o adolescente como titulares de interesses juridicamente protegidos. Assim, passaram a ser sujeitos de direitos relacionados ao desenvolvimento saudável e de garantias atinentes à sua integridade. Esse novo panorama surge em contraposição ao modelo do antigo Código de Menores, onde havia uma legislação assistencialista voltada ao menor infrator (ISHIDA, 2009).

Quando se faz a leitura da Constituição Brasileira, especialmente do artigo 227, compreende-se o desejo do legislador de criar um novo modelo de Justiça e de atendimento voltados para as crianças e os adolescentes brasileiros, respeitando os fundamentos do Estado democrático de Direito, especialmente a cidadania e a dignidade do ser humano (SAUERBRONN apud RASI, 2008, p. 29).

A Constituição foi minuciosa na previsão de direitos e situações subjetivas de vantagens para crianças e adolescentes, estendendo, no artigo 227, uma série de garantias e normas tutelares de proteção que, se efetivadas, trariam uma nova perspectiva de construção de uma sociedade menos violenta (RASI, 2008). O referido artigo consagra a Doutrina de Proteção Integral no âmbito nacional, assim dispondo:

Fonte: www.afogadosdaingazeira.pe.gov.br

Disponível em: <www.p l a n a l t o . g o v . b r /ccivil_03/Constituicao/Constituicao htm>.

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É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à Criança e ao Adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profi ssionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-la a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, art. 227, grifo nosso).

Pela primeira vez, na história da realidade brasileira, a Constituição Federal de 1988 traz a criança como prioridade absoluta e trata da sua proteção sob esse prisma, como responsabilidade da família, da sociedade e do Estado. Portanto, o apoio e a proteção à infância e à juventude devem fi gurar, obrigatoriamente, entre as prioridades dos governantes, cabendo ainda à família e à sociedade igual responsabilidade pela execução dos direitos fi xados no dispositivo constitucional mencionado (RASI, 2008).

Antes da promulgação da Constituição de 1988, era garantida às crianças e aos adolescentes apenas uma proteção relativa, já que o Código de Menores, atualmente revogado, restringia-se a garantir os direitos dos menores delinquentes e infratores. Com o advento da Magna Carta de 1988 e, posteriormente, do Estatuto da Criança e do Adolescente, ao ser consagrada a doutrina de proteção integral, colocou-se em prática o preceito de que as leis internas e todo o sistema nacional devem satisfazer às necessidades de todas as crianças e adolescentes, incluindo não só o aspecto penal, como na legislação anterior, mas todos os direitos fundamentais do ser humano, tais como o direito à vida, à liberdade, à educação, ao lazer, à saúde, à profi ssionalização, além de diversos outros, tendo como fi m precípuo a busca do melhor interesse da criança.

Tendo como fundamento tais preceitos constitucionais, visando ampliar a proteção aos direitos da criança, o Brasil sanciona a Lei n. 8069/90, que institui o <Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA> que substituiu o anterior Código de Menores. Importante observação faz Ishida (2009, p. 08), ao afi rmar que

O Estatuto da Criança e do Adolescente contrapõe-se à lógica do Direito do Menor, representado pelo anterior Código de Menores, que se baseia na concepção de que crianças e adolescentes são meros objetos de intervenção do mundo adulto e da teoria da situação irregular, baseado na situação de patologia social, na ausência de rigor procedimental, com desprezo às garantias relacionadas ao princípio do contraditório e o elevado grau de discricionariedade da autoridade judiciária.

O ECA ratifi ca o que o constituinte prescreveu, estabelecendo, em seu art. 1º, a doutrina de proteção integral, como diretriz única e principal no atendimento de crianças e adolescentes, rompendo defi nitivamente com a doutrina da situação irregular, presente no antigo Código de Menores (Lei 6.697/79) (CURY, 2006).

Oportuna observação faz Luciano Mendes de Almeida a respeito da importância dessa doutrina para o Brasil, qual seja:

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Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>.

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O Estatuto tem por objetivo a proteção integral da criança e do adolescente, de tal forma que cada brasileiro que nasce possa ter assegurado seu pleno desenvolvimento, desde as exigências físicas até o aprimoramento moral e religioso. Esse estatuto será semente de transformação do País. Sua aplicação signifi ca o compromisso de que, quanto antes, não deverá haver mais no Brasil vidas ceifadas no seio materno, crianças sem afeto, abandonadas, desnutridas, perdidas pelas ruas, gravemente lesadas em sua saúde e educação (ALMEIDA, 2006, p. 17).

Esse conjunto de normas relativas à criança e ao adolescente é formado por inúmeros dispositivos, que contêm proteção de direitos coletivos e individuais da infância e da juventude. Incluem-se, entre esses interesses, o direito à vida, à saúde, à educação, à cultura, ao lazer, à dignidade, à convivência familiar e comunitária, entre outros. Nesse sentido, o artigo 3º do Estatuto dispõe:

A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata essa Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fi m de lhes facultar o desenvolvimento físico e mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.

Numa explanação acerca do referido artigo, Coelho (2006, p. 35) esclarece:

O art. 3º do Estatuto inicia por proclamar a abrangência dos direitos fundamentais da pessoa humana à criança e ao adolescente, vinculados à “proteção integral”, para a qual destina-se a própria lei (...). Reafi rma os direitos e cuida de que tenham, no caso da criança e do adolescente, uma aplicação ajustada à condição de pessoa em desenvolvimento.

O Estatuto é um importante instrumento na efetivação dos direitos da criança e do adolescente e no reconhecimento dela como sujeito de direitos, posto que representa um complemento da Constituição Cidadã de 1988. O ECA defi ne criança como qualquer pessoa entre 0 e 12 anos de idade, e adolescente, a pessoa entre 12 e 18 anos, colocando os seus interesses como absoluta prioridade, como consagra o artigo 4º:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profi ssionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (ECA, art. 4, grifo nosso).

Como se observa, a doutrina de proteção integral é a fonte inspiradora do Estatuto. Essa lei, fundamentada tanto na Declaração dos Direitos da Criança, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, quanto na Convenção Internacional de 1990, dos quais o Brasil é signatário, preconiza a garantia aos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes.

A adoção da referida Doutrina no ECA representou um grande avanço para o Brasil, já que o enfoque de proteção integral à criança e ao adolescente, com responsabilidade jurídica e

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social, supera em muitos aspectos o anterior Código de Menores, em que a condição de “menor infrator” levava-o a ser enxergado como um objeto, alguém que deveria sofrer a intervenção do poder estatal e, na maioria das vezes, era recomendável sua segregação dos laços sociais e afetivos (RASI, 2008).

Se, antes, a proteção do Governo era destinada ao menor que fosse infrator ou delinquente, a vigência do ECA trouxe afastamento da doutrina da situação irregular, que compreendia como objeto de atenção apenas as crianças e os adolescentes em situação irregular, quer dizer, aqueles em confl ito com a lei ou privados de assistência (DEL CAMPO; OLIVEIRA, 2008). A partir do Estatuto, essa proteção integral se tornou universal para todas as crianças e adolescentes, indistintamente. Essa proteção é destinada também aos direitos relativos à criança, como ocorre com o direito à educação.

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AULA 4: O DIREITO À EDUCAÇÃO CONSAGRADO PELO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

No tocante à garantia do direito das crianças à educação, o Estatuto assegura uma educação voltada para o pleno desenvolvimento da pessoa, tornando clara a prática para a cidadania e a capacitação para o trabalho. Nesse sentido, o artigo 53 dispõe:

Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualifi cação para o trabalho, assegurando-se-lhes: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - direito de ser respeitado por seus educadores; III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores; IV - direito de organização e participação em entidades estudantis; V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência. Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da defi nição das propostas educacionais.

Como se observa, ao garantir o direito à educação, o Estatuto coloca, prioritariamente, o pleno desenvolvimento do educando como pessoa, em segundo lugar, o preparo para o exercício da cidadania e, por último, a qualifi cação para o trabalho. Nesse mesmo sentido, a <Lei nº 9394/96, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB>, em seu art. 22, acrescenta, como fi nalidades da educação básica, uma educação voltada para a cidadania, para o trabalho e para o prosseguimento em estudos posteriores, quando assim dispõe:

A educação básica tem por fi nalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores (BRASIL, 1996, art. 22).

Fonte: <http://www.cutceara.org.br/images/conteudo/%7B1C882EAA-7182-4285-9CB9-BF48AF207C90%7D_EDUCAO.JPG>.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l9394.htm>.

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Acerca do tema, Costa faz esta importante afi rmação:

Essa hierarquia estabelece o primado da pessoa sobre as exigências relativas à vida cívica e ao mundo do trabalho, reafi rmando o princípio basilar de que a lei foi feita para o homem e não o contrário. Isto signifi ca que a pessoa é fi nalidade maior, devendo as esferas da política e da produção levarem em conta esse fato na estruturação e no funcionamento de suas organizações (COSTA, 2006, p. 194).

Além de efetivar o valor do desenvolvimento da pessoa como prioridade sobre o exercício da cidadania e sua qualifi cação para o trabalho, os cinco incisos em que se desdobra o artigo ora analisado asseguram direitos de “acesso e permanência na escola”, o de “ser respeitado por seus educadores”, de poder “contestar critérios avaliativos”, “direito de organização e participação em entidades estudantis” e o “acesso a escola pública e gratuita”.

Assegurando tais direitos, o Estatuto objetiva que todas as crianças brasileiras tenham acesso a uma escola pública gratuita, de boa qualidade, e que seja realmente aberta e democrática, capaz, portanto, de preparar o educando para o pleno e completo exercício da cidadania (VASCONCELOS, 2006).

Importante destacar, ainda, que, no inciso I, o artigo garante não apenas a igualdade de acesso à escola, mas também de permanecer nela. A luta pela permanência na escola é hoje o grande desafi o do sistema educacional. É imprescindível, pois, que todos os que se engajam nesse combate saibam que esse direito está juridicamente tutelado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Resumindo, pois, o artigo 53, é ele que traz as conquistas básicas do estado democrático de direito em favor da infância para o interior da instituição escolar (COSTA, ibid, 2006).

O direito à educação ainda está assegurado no artigo 54, onde é posto o dever do Estado no que concerne à educação. O dispositivo tem sete incisos e três parágrafos, que guardam inteira simetria com a Constituição Federal, ampliando o seu signifi cado. O inciso I, que representa uma inovação, garante o ensino fundamental obrigatório e gratuito para todos, indistintamente, inclusive aqueles que não tiveram acesso na idade própria, fazendo desaparecer toda e qualquer discriminação em relação àqueles que não estão na faixa etária adequada (VASCONCELOS, ibid, 2006).

Assim como na Convenção dos Direitos da Criança, explanado anteriormente, o ECA também garante, através do referido artigo, o atendimento educacional especializado, preferencialmente, na rede regular de ensino, aos portadores de defi ciência, efetivando, mais uma vez, uma escola inclusiva, onde desapareça toda forma de preconceito e discriminação por qualquer motivo.

Outro avanço para a educação brasileira também está posto no referido artigo, em seu inciso VII, em que prevê a existência de programas suplementares para suprir as necessidades dos alunos das camadas populares para que permaneçam na escola, como material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. Isso signifi ca que o Estado tem o dever de proporcionar todo o suporte didático que seja necessário para o bom desempenho dos alunos.

Todos esses serviços estabelecidos pela Constituição brasileira fazem parte dos deveres do Estado relativos à garantia do direito à educação, uma vez que, para grande parcela dos alunos,

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esses serviços são essenciais à frequência e à permanência na escola. É preciso realmente entender a garantia desses serviços auxiliares como constitutivos do próprio direito à educação ou a exclusão escolar continuará a ser gerada por fatores econômicos (OLIVEIRA, 2002).

Como se observa, no âmbito da proteção aos direitos fundamentais dada pelo Estatuto, o direito à educação foi especialmente assegurado e disciplinado. Tal direito humano, consagrado pelo ECA como de natureza obrigatória, tem a peculiaridade de ser indispensável, o que demonstra o valor que a ele foi atribuído para o desenvolvimento pleno da criança.

Apesar do longo caminho que ainda precisa ser percorrido para efetivar o direito da criança à educação, que vai desde a ampliação do acesso e passa pela permanência e pela oferta de uma educação de qualidade, é possível afi rmar que o Estatuto representou, no plano nacional, um grande avanço para o País, no que se refere à proteção dos direitos da criança, e expressa, claramente, que o apoio e a proteção à infância e à juventude devem fi gurar, obrigatoriamente, como prioridade do Poder Público, e estender também essa responsabilidade à família, à comunidade e à sociedade em geral. Tal exigência constitucional demonstra o reconhecimento da necessidade de ser destinado um cuidado especial às pessoas que, devido à sua fragilidade natural, correm maiores riscos. Ou seja, a criança passou da condição de objeto, de dominação dos adultos, para ser prioridade das políticas públicas e de toda a população de um modo geral.

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UNIDADE II

A PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA

AULA 5: DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL: CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

O Estatuto da Criança e do Adolescente tem por objetivo proteger integralmente a criança e o adolescente, de forma que, desde o seu nascimento, possam ter assegurado o seu pleno desenvolvimento, desde as exigências físicas até o aprimoramento moral (ALMEIDA, 2006). Segundo Ishida (2009, p. 07), pode-se conceituar proteção integral

(...) como um sistema em que crianças e adolescentes fi guram como titulares de interesses subordinantes frente à família, à sociedade e ao Estado. Signifi ca a imposição de obrigações aos mesmos entes, colocando a criança e o adolescente como sujeitos ativos das relações jurídicas.

A Doutrina ora comentada tem como fundamento a defesa da dignidade do ser humano criança, concebido como sujeito de direitos civis, sociais e coletivos e, nas palavras de Castro,

afi rma o valor intrínseco da criança como ser humano; a necessidade de especial respeito à sua condição de pessoa em desenvolvimento; o valor prospectivo da infância e da juventude, como portadores da continuidade do seu povo, da sua família e da espécie humana e o reconhecimento da sua vulnerabilidade, o que torna as crianças e os adolescentes merecedores de proteção integral por parte da família, da sociedade e do Estado, o qual deverá atuar por meio de políticas específi cas para o atendimento, a promoção e a defesa dos seus direitos (CASTRO, apud, RANGEL & CRISTO, s/d).

Para Tânia da Silva Pereira, a vigência da Doutrina de Proteção Integral consagra a ideia de que “a população infanto-juvenil, em qualquer situação, deve ser protegida, e seus direitos,

Fonte: <www.cidadedosaber.org.br/.../2009/07/eca.gif>.

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garantidos, além de terem reconhecidas prerrogativas idênticas às dos adultos”, isto é, a principal característica da Doutrina consagrada pelo Estatuto é reconhecer crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, os quais têm a seu favor uma proteção jurídica adequada, caso esses direitos não sejam efetivados.

Ainda nesse sentido, Roberto João Elias (1994) manifesta-se acerca do que seria essa Proteção Integral, afi rmando que é “(...) aquela que abranja todas as necessidades de um ser humano para o pleno desenvolvimento de sua personalidade”. Ou seja, através da Doutrina de Proteção Integral, que se baseia no princípio do melhor interesse da criança, o Estado tem o dever de garantir todas as necessidades da pessoa em desenvolvimento (de até 18 anos de idade), com o objetivo de garantir o seu desenvolvimento em todas as áreas, seja ela física, mental, espiritual ou social, conforme dispõe o art 3º do Estatuto.

Na fase da infância até a adolescência, é quando se estrutura a personalidade e a defi nição do que o ser humano será por toda a vida. Também é durante esse período que ocorre o desenvolvimento físico da criança e do adolescente, e o bem-estar da criança depende da estrutura que se constrói durante essa fase. Sendo assim, com o atendimento integral dos direitos desses indivíduos, garante-se a passagem para a vida adulta com um mínimo de qualidade de vida, eliminando-se todos os riscos para a esfera física e psíquica, que os envolve em estágio de desenvolvimento (LAMENZA, 2008). Rangel e Cristo (s/d) fazem uma importante observação quando afi rmam:

Proteção integral porque, ao reconhecer, amparada em dados biológicos, psicológicos e sociais, a infância como uma fase específi ca da vida humana e a condição peculiar da criança como pessoa em desenvolvimento, ainda não apta a se auto determinar e manter, sustenta a imprescindibilidade de se assegurar a essa população cuidados e proteção especiais, diferenciadas, em virtude dessas diferenças, dessas peculiaridades

Para que esses interesses da infância e da juventude sejam plenamente efetivados, o ECA adotou o Princípio da Cooperação, cujo ponto principal é estabelecido pelo artigo 18 do Estatuto, dispondo que “é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.

Nesse contexto, o trinômio família-sociedade-Estado apresenta-se como decisivo para a implementação e o respeito aos direitos da criança e do adolescente, sem que haja a exclusão de um deles quando da atuação do outro. Mas, por outro lado, com a colaboração de todos, somam-se esforços para o alcance de uma vida satisfatória para as crianças e os adolescentes. Se do ponto de vista fi losófi co, é construída uma visão solidária a respeito dessa parceria, do ponto de vista legal, deve haver plena responsabilidade dos três atores no plano de atendimento das necessidades infanto-juvenis (LAMENZA, 2008). Discorrendo a respeito desse princípio da cooperação, o autor afi rma que

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não apenas a família é responsável, com a atribuição inicial dos valores fundamentais a respeito do bem agir no meio comunitário. Temos a obrigação concorrente por parte do Estado, na condição de ente com poder superior, que atuará sempre que houver necessidade, e da sociedade, na qualidade de agente cooperativo, e todos com o objetivo comum de propiciar aos infantes e jovens um ambiente sadio e livre de riscos de toda espécie.

É importante destacar que família é toda entidade familiar derivada do matrimônio, da união estável e de qualquer núcleo formado por qualquer dos pais e os fi lhos (art. 226, CF). Sociedade, por sua vez, é o conjunto de pessoas físicas ou jurídicas. O Estado, como ordem jurídica soberana, tem por fi nalidade o bem comum de um povo situado em determinado território (ISHIDA, 2009). Nesse sentido, deve haver todo um encaminhamento da atividade estatal, através da consecução de políticas públicas, para que seja garantida à criança e ao adolescente uma proteção da forma mais ampla possível.

Portanto, dentro do conceito de proteção integral, é preciso considerar todas as iniciativas por parte da família, da sociedade e do próprio Estado, no sentido de garantir à criança e ao adolescente um ambiente propício a seu regular e peculiar desenvolvimento. Lamenza (2008) considera que

o paradigma da proteção integral dos infantes e jovens é estabelecido numa tomada de atitudes positivas, amplas e irrestritas por todos os envolvidos nesse processo ligado intimamente à vida das crianças e dos adolescentes, de modo que não se excluam quaisquer gestos tendentes a assegurar seus direitos fundamentais.

Convém enfatizar que essas atitudes não se limitam a uma forma positivista, mas vão além do texto legal do Estatuto, ao assegurar à criança e ao adolescente, “por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades”. Ou seja, além da lei, destacam-se também outras iniciativas, desde que sejam compatíveis com os ideais de moralidade e de ética, em favor das crianças e dos adolescentes. A proteção a que se refere o Estatuto da Criança e do Adolescente é aquela total, sem limitação no campo da ação nos parâmetros éticos, do ponto de vista lógico-formal (ibidem, 2008).

Em relação à proteção integral aos interesses infanto-juvenis, o artigo 6º do ECA apresenta-se como imprescindível na compreensão de que os direitos das crianças e dos adolescentes não se encontram restritos ao Estatuto, já que o referido artigo dispõe que,

na interpretação desta Lei, levar-se-ão em conta os fi ns sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.

Dito de outra forma, para o cumprimento das metas estabelecidas pela Lei nº 8069/90, no que se refere à proteção integral, devemos fazer uma leitura cuidadosa desse conjunto de normas, de modo que não se aja sob a ótica meramente formalista. Se determinado direito da criança e do adolescente não estiver porventura previsto na legislação (vista de um modo global, não se restringindo apenas ao Estatuto da Criança e do Adolescente), isto não servirá de óbice para o atendimento das necessidades infanto-juvenis (ibidem, 2008).

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Nessa perspectiva, uma das dimensões da doutrina de proteção integral é atender a todos os interesses necessários ao desenvolvimento da criança e do adolescente, mesmo se alguns desses interesses não estiverem claramente descritos no ECA.

Não basta que se proceda à população infanto-juvenil apenas visando a uma boa ação por parte da sociedade, de boa conduta ou de caridade comunitária. A proteção a que se refere o ECA é aquela total, sem limitação no campo da ação nos parâmetros éticos do ponto de vista lógico-formal (LAMENZA, 2008).

Justifi ca-se a inteira tutela dos direitos das crianças e dos adolescentes, pelo fato de serem pessoas em peculiar estágio de desenvolvimento, que estão crescendo para enfrentar todas as difi culdades que o mundo impõe e, portanto, necessitam de um meio circundante que lhes propicie elementos sufi cientes para que direitos básicos como vida, saúde, convivência sócio-familiar e educação lhes sejam garantidos na integralidade (ibidem, 2008). Assim, a grande razão e justifi cativa da Doutrina de Proteção Integral,

(...) reside na necessidade de garantir a petizes e jovens todos os direitos fundamentais que lhes são inerentes enquanto pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, removendo-se todos os obstáculos que eventualmente surjam no caminho vital que estão a trilhar, mediante a adoção de medidas (nas órbitas comunitária, administrativa, judicial etc.) para a defesa intransigente de seus interesses.

Portanto, a Doutrina da Proteção Integral compreende todas as ações voltadas para a criança, dispensadas pela família, pela sociedade e pelo Estado, no sentido de lhes proporcionar um desenvolvimento seguro e sadio, tendo como princípio o melhor interesse da criança.

DO DIREITO À EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A CF/88 constitui um avanço em relação à introdução de instrumentos jurídicos voltados para a efetivação do direito à educação pública e gratuita. Quanto à possibilidade de se exigir concretamente esse direito, na Carta Magna brasileira, são introduzidos mecanismos que podem ser acionados no processo de cobrança judicial, quando negada pelo Estado a garantia do direito à educação.

No dispositivo legal em tela, o direito à educação é declarado de forma mais precisa e detalhada, priorizando, como enfatiza Oliveira (1999), os outros direitos sociais <(art. 6º/CF/88)>. No <art. 205>, do mesmo dispositivo legal, a educação é defi nida como dever do Estado e da família . No art. 208, é especifi cada a efetivação, por

“Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” “Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualifi cação para o trabalho”. Na lei específi ca da educação, Lei de Diretrizes e Bases, LDB nº 9.394/96, há uma inversão, pois o dever da família vem antes do dever do Estado.

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parte do Estado, do direito à educação, por intermédio de algumas garantias. Há, também, a enumeração de metas e objetivos a ser alcançados (incisos I ao VII, incluindo os parágrafos 1º e 2º). No parágrafo primeiro, o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é considerado como um direito público subjetivo; no parágrafo 2º, é regulada a responsabilidade do Poder público, no caso do não oferecimento do ensino obrigatório pela autoridade competente. O ensino considerado obrigatório e gratuito é o fundamental <(art. 208, I)>. Por sua vez, o acesso à educação superior baseia-se na capacidade de cada um <(art. 208, V, CF/88)>, reafi rmando-se o princípio contido na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (art. 26, I).

A educação, como um direito de todos, que poderá ser cobrado judicialmente, importando a responsabilidade do Poder Público, somente abarca o ensino fundamental, pois esse é o único nível de ensino considerado obrigatório a ser garantido pelo Estado. O ensino médio é tratado como um nível ainda a ser universalizado, de forma progressiva, e o acesso à educação superior depende da capacidade individual.

E, por fi m, os direitos humanos, no plano normativo internacional, são tratados como direitos universais, universalidade compreendida em relação a três aspectos: titularidade, aspecto temporal e cultural. A titularidade diz respeito ao fato de que os direitos humanos devem ser titularizados por todos os seres humanos, sem distinções de qualquer natureza. Além de se referirem ao ser humano, sem discriminações, os direitos humanos devem permear todas as culturas, e o fator cultural não pode ser alegado para obstaculizar o gozo desses direitos, não obstante a justifi cativa cultural ser utilizada para desencadear possíveis violações de direitos humanos.

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“I – ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria.” “V- acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um.”

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AULA 6: CIDADANIA E EDUCAÇÃO: UMA ARTICULAÇÃO NECESSÁRIA

Compreender o papel da educação na promoção da cidadania requer, primeiramente, o exame de algumas concepções desse termo. Parte-se do pressuposto de que a cidadania não é efetivada sem a ocorrência de processos formativos próprios da educação formal, da educação infantil à educação superior. Para isso, a ação do Estado consiste numa ação fundamental no sentido de concretizar o direito à educação na perspectiva de formar para a cidadania, que consiste numa das fi nalidades da educação, explicitadas na CF/88, art. 205:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualifi cação para o trabalho.

A cidadania é uma condição que possibilita ao indivíduo participar plenamente da sociedade. Não se restringe, portanto, à participação política, que envolve os aspectos sociais, econômicos e culturais (CORRAL, 2006; MARSHALL & BOTTOMORE, 2004). Isso signifi ca dizer que somente a existência da garantia legal de participação do indivíduo nos processos eleitorais de uma sociedade não é sufi ciente para a efetivação da cidadania, visto que ela se encontra “(...) asociada con el concepto de membresía plena de una comunidad (...)” (MARSHALL & BOTTOMORE, op. cit., p. 19).

A condição do indivíduo de se integrar à sociedade como membro pleno signifi ca “(...) la pretensión de poder compartir la herencia social (...)”MARSHALL & BOTTOMORE, op. cit., p. 19), sem a qual a integração do indivíduo fi ca limitada à questão política e, nesse sentido, a educação fi caria restrita à preparação do cidadão, apenas, para votar. Essa preparação é imprescindível, pois a capacidade de votar, de maneira consciente, requer uma formação educacional voltada para a construção dessa capacidade, mas essa preparação não garante a inserção plena do indivíduo como cidadão, a qual se articula aos aspectos socioeconômicos e culturais.

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Los derechos civiles daban poderes legales cuyo uso se veía drásticamente reducido por el prejuicio de clase y la falta de oportunidad económica. Los derechos políticos daban poder potencial cuyo ejercício demandaba experiência, organización y un cambio de ideas en cuanto a las funciones apropriadas del gobierno (MARSHALL & BOTTOMORE, op. cit., p. 52).

Percebe-se, portanto, que a concepção de cidadania aqui defendida requer a integração plena do indivíduo na sociedade. Nessa perspectiva, a educação, como um direito social, ganha relevância, assumindo papel de destaque, no sentido de formar sujeitos críticos e conscientes de sua condição social e econômica, promovendo a sua inserção como membros plenos de uma sociedade.

A integração plena dos indivíduos na sociedade, no que concerne aos aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais ou, como afi rma Corral (op. cit.), nas distintas esferas de comunicação social, requer, também, a recepção das expectativas individuais no ordenamento jurídico estatal, por intermédio dos direitos humanos fundamentais, que “(...) constityuen los mecanismos a través de los cuales el ordenamiento jurídico articula la participación del individuo en las diversas esferas de comunicación social, esto es, a través de los cuales esse se convierte en mayor o menor grado en ciudadano” (CORRAL, op. cit., p. 196).

Quanto maior o nível de complexidade social, as aspirações individuais de participação nas diferentes esferas de comunicação social serão elevadas e variáveis, fazendo-se necessária a construção de distintos níveis de cidadania contemplados pelo próprio ordenamento jurídico estatal. Assim, “(...) el individuo pertenece a la comunidad política en la medida en que el ordenamiento lo integra como sujeto, y no como mero objeto, de los procesos de comunicación social jurídicamente reglados (político, social, econômico, cultural, etc ...)” (CORRAL, op. cit., p. 199).

Nessa perspectiva, a cidadania independe da condição de nacionalidade do indivíduo, pois indica sua plena participação nos aspectos social, econômico, político e cultural de uma sociedade, o que requer a ocorrência de processos educacionais formais para favorecer essa participação. Assim, todos os integrantes de um Estado, nacionais ou estrangeiros, exerceriam a condição de cidadão, pois estariam submetidos ao mesmo ordenamento jurídico, que lhes daria a possibilidade, por intermédio dos direitos fundamentais, de usufruir da cidadania.

En la democracia contemporânea todos los ciudadanos son activos, lo que sucede es que lo son en distinto grado y en distintas esferas. Así, también menores, incapaces y otros grupos de personas privadas del ejercicio del derecho de sufragio participan en diversos âmbitos sociales y políticos (...) (CORRAL, op. cit., p. 219).

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TEXTO COMPLEMENTAR Processos de globalização e cidadania: questões para o debate

Profa. Dra. Maria Creusa de Araújo Borges

Com a intensifi cação dos processos de globalização (SANTOS, 2002), novas questões são colocadas em relação à condição de cidadania, demandando novas respostas, sobretudo, do ponto de vista educacional. Assim, problemas relativos às migrações, às diferenças de gênero, à diversidade étnica e cultural tocam na questão do exercício da cidadania e da necessidade de uma formação educacional com vistas ao favorecimento dessa condição.

Um dos relevantes problemas, de repercussão global, tem sido a questão das migrações e da necessidade de se integrarem os migrantes na sociedade na qual residem. Entretanto, a condição de cidadania tem sido negada com base em critérios excludentes ligados à nacionalidade. Como a cidadania constitui uma condição para o exercício de certos direitos fundamentais, o indivíduo, excluído dessa condição, fi ca à margem da sociedade, não participando, como membro pleno, das distintas esferas de comunicação social enfatizadas por Corral (2006).

Nesse contexto, a educação, como um direito fundamental de natureza social, assume relevância no sentido de construção de uma sociedade mais inclusiva, habilitando os indivíduos a participarem da vida em sociedade, nos aspectos políticos, sociais, econômicos e culturais.

Primeiramente, o exercício dos direitos civis e políticos só alcança plenitude se realizado por indivíduos capacitados a exercerem tais direitos. A simples existência legal desses direitos não garante o seu pleno exercício. A educação se insere nessa problemática, no sentido de formar os indivíduos para o exercício consciente dos direitos civis e políticos.

Segundo, a restrição da condição de cidadania ao exercício dos direitos civis e políticos, sem a garantia dos direitos sociais e econômicos, fere o princípio da dignidade humana. Esta não se efetiva sem a presença de um mínimo de condições sociais (educação, saúde, trabalho, entre outras). Restringir, portanto, a cidadania, apenas, aos elementos civis e políticos não garante a efetivação do princípio constitucional da dignidade humana (art. 1º, III, CF/88).

Por fi m, a efetivação da condição de cidadania requer uma ação positiva por parte do Estado. Este, por intermédio da implantação de políticas públicas, principalmente, voltadas para a promoção da educação formal, contribui para a consolidação da condição da cidadania.

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Nessa perspectiva, as crianças, mesmo não integrando a faixa de idade legal para votar, podem se constituir como cidadãs, pois se entende que a cidadania diz respeito à condição de ser membro pleno de uma sociedade em diferentes graus. Assim, a educação formal cumpre papel preponderante na perspectiva de formar os indivíduos para a cidadania, como uma condição que favorece sua integração e participação plena na sociedade. Essa integração e participação requerem uma formação que se baseie, sobretudo, em três aspectos, a saber: desenvolvimento da personalidade, formação para a cidadania stricto sensu e qualifi cação para o trabalho (art. 205, CF/88), aspectos facilitadores da integração e da participação ativa do indivíduo na sociedade.

É importante ressaltar a necessidade de se considerar a cidadania não, apenas, pelo ângulo dos direitos, mas como uma condição voltada para os direitos e os deveres. Como membros plenos de uma sociedade, os indivíduos assumem deveres em relação à organização social e política, em que os atos do cidadão “(...) estén inspirados en un vivo sentido de la responsabilidad hacia el bienestar de la comunidad” (MARSHALL & BOTTOMORE, op. cit., p. 73). A obrigação pessoal em relação à sociedade é, pois, constituinte da condição da cidadania. A educação, nesse sentido, volta-se para a formação de atitudes e de valores necessários à construção de vínculos entre o cidadão e a sociedade.

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AULA 7: PROMOÇÃO DA CIDADANIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA ARTICULAÇÃO ENTRE DIREITOS E DEVERES

A concepção contemporânea de cidadania é pensada na perspectiva de articulação entre direitos e deveres. Não podemos pensar que cidadão é aquela pessoa que usufrui de certos direitos, muitas das vezes restritos ao exercício dos direitos civis e políticos. Os direitos civis e políticos são muito importantes – não esqueçamos a luta dos negros em prol do reconhecimento de sua personalidade, de serem considerados como pessoas, e não, como uma mercadoria, avaliada e vendida no mercado lucrativo do tráfi co negreiro em tempos de latifúndio de cana-de-açúcar e de exploração da cultura cafeeira no Brasil, da Colônia ao Império. O direito a um nome e a sua proteção jurídica; a luta das mulheres pelo direito à participação política, na escolha dos governantes brasileiros; a luta pela escola pública, especialmente, pela inclusão dos pobres e das mulheres no processo educacional escolar, entre tantos direitos.

Entretanto, ao lado desses direitos, devemos ressaltar a necessidade de considerarmos os deveres correlatos. Para que a cidadania se constitua de forma plena, faz-se necessária a promoção dos direitos individuais, sociais, políticos, econômicos e culturais, juntamente com a formação dos indivíduos, na perspectiva de se construírem condutas, valores e crenças que ressaltem a dimensão do dever que cada um deverá assumir em relação à sociedade.

Vamos, então, analisar tais deveres:

1. Deveres perante a sociedade

As pessoas têm o dever de conviver com as demais. Não estamos isolados no mundo, precisamos dos outros para viver e completar/enriquecer as nossas vidas. Já dizia o fi lósofo Aristóteles, na Antiguidade Clássica, que o homem é um animal político, isto é, um ser da polis, da cidade, do espaço público. E para vivermos nesse espaço mais amplo, que é a cidade, precisamos estabelecer relações com outras pessoas, considerar os pontos de vista dos nossos pares na perspectiva de tornar as nossas vidas melhores. O sociólogo Durkheim falava de uma solidariedade orgânica, que se efetiva eminentemente por intermédio do trabalho, considerado, por excelência, uma prática social que une/fortifi ca os laços entre os seres humanos.

O desenvolvimento da personalidade humana, uma das fi nalidades da educação básica, segundo a LDB nº 9.394/96, enriquece-se por intermédio do estabelecimento de relações com os

Sobre uma concepção de cidadania,

consulte o Trilhas do Apredente v. 6,

Componente Curricular Seminários Temáticos de Prática Curricular V, e assista à videoaula

“Descobrindo a cidadania infantil”,

também, da professora Melissa

Gusmão.Fonte:<http://www.canalkids.com.br/cidadania/genteboa/imagens/cidadania2.gif>.

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outros. Basta nos lembrarmos da criança, ser em desenvolvimento e foco da prática da educação infantil, a qual necessita ser socializada para que se efetive, sem problemas, o desenvolvimento de sua personalidade. Tanto a socialização primária, construída no meio familiar, quanto a secundária, tendo a escola como agente principal, são fundamentais para o desenvolvimento integral da criança.

2. Deveres com os fi lhos e os pais

Os pais assumem deveres em relação a seus fi lhos, tais como o cuidado, a formação de atitudes e valores condizentes com uma vida digna em sociedade e a educação escolar obrigatória. Constitui dever do Estado fazer a chamada pública da matrícula na rede ofi cial de ensino, ao passo que cabe aos pais ou responsáveis o dever de matricular as crianças em idade escolar obrigatória e zelar pela sua frequência à escola. Os pais têm o dever primordial de cuidar das crianças, zelar pela sua alimentação e higiene, bem como protegê-las de possíveis agressões. Entretanto, percebemos que existem muitos casos de negligência e abandono de crianças pequenas, que terminam indo a óbito pela ausência desse cuidado. A escola, nesse caso, assume, também, papel primordial: promover o desenvolvimento integral da criança, protegendo a sua personalidade e construindo práticas preventivas que minimizem possíveis abusos. Por sua vez, a escola assume o papel de formar seres humanos capazes de retribuir e cuidar dos seus pais na ocasião em que eles precisem, dispensando o cuidado e a atenção necessários. Casos de abandonos de idosos também são constantes. A mídia noticia, cotidianamente, tais abandonos, e muitos chegam a falecer. Assim, a formação de atitudes e de valores que fortaleçam o vínculo familiar constitui uma das tarefas da educação escolar.

3. Deveres de instrução

Todas as pessoas devem ter acesso à educação escolar, pelo menos no nível obrigatório. No Brasil, essa obrigatoriedade incide sobre o ensino fundamental, do primeiro ao nono ano, na idade escolar dos seis aos quatorze anos. Assim, cabe ao Estado garantir o ensino fundamental, e à família, zelar pela frequência das crianças à escola, podendo ambos ser responsabilizados legalmente pelo não cumprimento desse dever.

4. Dever de sufrágio

A participação política, sobretudo em relação à escolha dos governantes de nossa sociedade, constitui um dever de todas as pessoas que almejam se constituir como cidadãs. Para isso, precisam estar aptas a participar, de maneira consciente e crítica, como também se habilitar para tal por intermédio do registro na condição de eleitor. Entretanto, somente o registro não garante a participação como um cidadão pleno. É necessário saber escolher o governo de uma sociedade. A educação, portanto, assume o papel de conscientizar criticamente os futuros eleitores, trabalhando na construção da cidadania desde a educação infantil.

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O texto integral desta Declaração pode ser encontrado no site: <www.dhnet.org.br/direitos/sip/oea/oeadel.htm>.

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5. Dever de obediência à lei

Toda pessoa, independentemente de condição econômica, política, cultural e social, tem o dever de respeitar a Lei maior de um país e outros mandamentos legais, elaborados por intermédio de um processo legítimo e participativo. Não deve, também, infringir as leis do país em que se encontrar. A educação, nesse aspecto, assume a tarefa de formar as crianças e jovens na perspectiva da construção de condutas adequadas à convivência em sociedade, e uma delas consiste no reconhecimento das leis legítimas de um país como um instrumento que pode favorecer a segurança e a paz social.

6. Dever de servir à comunidade e à nação

Toda pessoa, satisfeitas as devidas habilitações, tem o dever de prestar os serviços civis e militares que a pátria exigir para a sua segurança e manutenção. Nos casos de calamidade pública, prestar os serviços necessários na medida de suas possibilidades. Da mesma maneira, tem o dever de exercer os cargos políticos para os quais foi eleita no Estado em que for nacional. A educação, nessa seara, deve promover atitudes cívicas, formando seres humanos solidários e responsáveis, incrementando, assim, os vínculos sociais.

7. Deveres de assistência e previdência sociais

Toda pessoa tem o dever de cooperar com o Estado e com a coletividade na assistência e na previdência sociais, na medida de suas possibilidades e de acordo com as circunstâncias. No mesmo sentido, a educação assume a tarefa de formar atitudes e valores que fortaleçam os vínculos sociais.

8. Dever de pagar os impostos

Toda pessoa tem o dever de pagar os impostos necessários à manutenção dos serviços públicos, bem como aqueles imprescindíveis ao desenvolvimento social e econômico sustentável. A obrigação de pagar impostos deve se basear no princípio da legalidade, segundo o qual o imposto só pode ser criado pela lei. A educação escolar assume a tarefa de informar os alunos sobre o papel dos impostos na prestação dos serviços públicos e de desenvolver atitudes de fi scalização da aplicação desses impostos.

9. Dever de trabalhar

Toda pessoa tem o dever de trabalhar, dentro de suas capacidades e possibilidades, a fi m de obter os recursos necessários a sua sobrevivência ou em benefício da coletividade. A qualifi cação para o trabalho consiste numa das fi nalidades da educação escolar, ao lado do desenvolvimento pleno da pessoa e do preparo para o exercício da cidadania, tanto na educação básica quanto na superior.

Os deveres trabalhados nesta aula baseiam-se na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, aprovada na Nona Conferência Internacional Americana, em Bogotá, 1948.

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AULA 8: O PLENO DESENVOLVIMENTO DA PESSOA

Após a análise de uma das fi nalidades da educação básica – a formação para o exercício da cidadania, esta última pensada na perspectiva da articulação entre direitos e deveres –, passa-se ao estudo do desenvolvimento pleno da pessoa, como ser humano, como o cerne da educação. De fato, em todas as etapas do processo educacional escolar, a pessoa constitui o centro da prática pedagógica, que deve ser voltada para o seu pleno desenvolvimento.

Vários documentos internacionais sobre direitos humanos afi rmam o desenvolvimento pleno da pessoa como uma das fi nalidades da educação. Por exemplo, na Declaração Universal dos <Direitos Humanos> (1948), o ser humano constitui o sujeito dos direitos humanos, e o princípio da dignidade humana é a referência fundamental dos direitos humanos. Assim, o ser humano adquire valor substancial.

Nesse documento, é realçado, ainda, o valor do ser humano, que deverá ser protegido de atos de barbárie – uma referência às atrocidades cometidas por Estados no contexto da <Segunda Guerra Mundial>. Assim, afi rma-se a centralidade da proteção dos direitos humanos como paradigma para a construção de relações amistosas entre os povos, tendo por base o valor e a dignidade humana. Nesse propósito, a educação, sobretudo a escolar, assume a tarefa de promover, por intermédio do conhecimento e da conscientização, o respeito aos direitos do ser humano.

São reconhecidas a liberdade e a igualdade de todas as pessoas em relação ao exercício dos direitos humanos, <sem discriminações de qualquer natureza>, baseadas em raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou qualquer outra condição (art. 2º, 1). Nessa perspectiva, a educação escolar deve favorecer o pleno desenvolvimento da pessoa, independentemente de sua condição social, política ou econômica, contribuindo para a superação de relações discriminatórias ou de qualquer outro tipo de violência que, frequentemente, aparece sob a forma de violência simbólica. Esta, por ser dotada de sutileza, torna-se mais efi caz na produção da distinção social.

Fonte: <http://1.bp.blogspot.com/_zftZPJb3sdU/RnVkfg3n4HI/AAAAAAAAAB0/APHA9ZWpmvE/s400/imagen_pedagogia.jpg>.

Sobre os atos de barbárie supracitados, assistir aos fi lmes Olga e A Lista de Shindler.

Na Constituição Federal brasileira de 1988, afi rma-se a igualdade de todos perante a lei, sem distinções de qualquer natureza, e homens e mulheres são reconhecidos como pessoas iguais em direitos e obrigações (art. 5º).

Sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos, consultar o componete curricular Estágio Supervisionado em Magistério da Educação Infantil II, Trilhas do Aprendente vol. 3, elaborado pela professora Maria Creusa Borges.

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Assim, um dos princípios que norteiam a educação escolar é a não discriminação. Ao promover o respeito aos direitos humanos, tendo a pessoa como valor fundamental nas relações sociais, a educação escolar contribui para a superação de preconceitos, crenças e valores que distinguem e separam as pessoas, unicamente, pela sua condição.

Na LDB/1996, a educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como uma de suas fi nalidades o desenvolvimento integral da criança (0 a 5 anos), nos aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade (art. 29, atualizado com a publicação da Lei de Ampliação do Ensino Fundamental para nove anos).

Várias situações relatadas pela mídia demonstram a ausência de respeito ao ser humano criança. Os castigos engendrados, as posturas adotadas pelo docente, a não consideração dos interesses da criança realçam atitudes discriminatórias e a compreensão da criança como um objeto. A adoção dessa postura por parte do educador vai de encontro, portanto, ao entendimento de que a criança constitui um sujeito de direitos e deveres em desenvolvimento.

Como estimular esse desenvolvimento? Quais situações de ensino e de aprendizagem podem favorecer o desenvolvimento pleno da criança? Quais práticas pedagógicas realçam a criança como pessoa, um sujeito dos processos de aprendizagem?

Não esqueçamos, também, as crianças com defi ciência. Vários documentos enfatizam que as pessoas com defi ciência detêm direitos e deveres em relação aos outros. Como incrementar a inclusão dessas pessoas na escola e na sociedade como um todo?

Esses questionamentos nos direcionam para uma refl exão importante: à escola cabe um papel fundamental na formação da criança como uma pessoa, um cidadão e um trabalhador qualifi cado, produtivo e consciente de seus direitos e deveres. Surge, assim, a necessidade de se pensarem práticas pedagógicas comprometidas com a formação integral da criança, voltadas para o seu pleno desenvolvimento, seu preparo para o exercício da cidadania e a formação para o trabalho, fi nalidades da educação enunciadas na Constituição Federal de 1988 (art. 205) e LDB/1996 (arts. 22 e 29). Nesse sentido, a universidade assume a tarefa primordial de formar profi ssionais qualifi cados para o enfrentamento desses desafi os contemporâneos.

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UNIDADE III

A GESTÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICANA EDUCAÇÃO INFANTIL

Nesta unidade, será focalizada a gestão das práticas pedagógicas na educação infantil. Elabora-se uma proposta de trabalho voltada para crianças de 0 a 5 anos, fundamentada em projetos didáticos. Primeiramente, justifi ca-se a opção por essa proposta. Em seguida, são citados projetos didáticos que têm por referência os temas trabalhados nos Estágios Supervisionados das Trilhas do Aprendente. Espera-se, assim, a efetivação de uma proposta de Estágio baseada na articulação entre teoria e prática.

AULA 9: TRABALHANDO COM PROJETOS DIDÁTICOS

Os projetos didáticos constituem instrumentos efi cazes para a gestão da prática pedagógica na educação infantil, pelos motivos abaixo enumerados:

1. Centram-se numa concepção de prática pedagógica apoiada na <interdisciplinaridade>, permitindo, assim, a apreensão de conhecimentos de maneira articulada e contextualizada, em que conceitos e noções são utilizados por vários campos científi cos. Dessa forma, possibilita-se à criança, desde cedo, uma refl exão mais ampla, crítica e situada.

2. Possibilitam o trabalho com temáticas que compõem os <temas transversais> do currículo, como ética, justiça, cidadania, pluralidade cultural, entre outros, perpassando todos os componentes curriculares.

Fonte: <http://3.bp.blogspot.com/_8HQGeDaYMVI/SuYTuxbvJ-I /AAAAAAAACAE/r9cg6L9Y_Yw/s320/cidadania_escola.gif>.

Assista a vídeoaulaCiência e

Interdisciplinariedade: o conhecimento com

fronteiras abertas no século XXI, da professora Edna

Brennand.

Sobre os temas transversais, consultar o site: http://portal.m e c . g o v. b r / s e b /arquivos/pdf/livro081.pdf

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3. Permitem uma maior interação criança-criança e professor-criança no processo de ensino e aprendizagem, pois exige uma postura mais ativa da criança, sujeito do processo, e do docente, que deverá acompanhar o seu desenvolvimento.

4. Permitem um planejamento pedagógico centrado no interesse superior da criança, a ser identifi cado pelo docente, por intermédio de um diagnóstico prévio de sua turma.

5. Requerem, sobretudo, um planejamento didático-pedagógico participativo, em que o docente deverá pensar todas as etapas do processo de ensino e aprendizagem, com um necessário acompanhamento, mediante avaliação do desenvolvimento da criança.

Portanto, não restam dúvidas de que o trabalho com projetos didáticos incrementa o processo de ensino e aprendizagem e estimula a apreensão de conhecimentos, de forma articulada e contextualizada. Para isso, requer uma conduta mais ativa e uma maior intervenção da criança no seu entorno social. Mas, também, exige uma maior refl exão por parte do docente sobre sua prática, a qual reclama constantes atualizações. De fato, os projetos didáticos têm por referência a concepção de criança como um sujeito de direitos e deveres, contribuindo para o seu pleno desenvolvimento como pessoa. Exigem, pois, uma formação docente qualifi cada socialmente e apta a oferecer as ferramentas necessárias à efetivação de uma prática pedagógica transformadora e consciente das novas demandas sócio-históricas.

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AULA 10: PROJETO DIDÁTICO “RESPEITAR OS DIREITOS HUMANOS TAMBÉM É COISA DE CRIANÇA”

Justifi cativa

O trabalho pedagógico, centrado na construção de uma cultura de respeito aos direitos humanos, deve ser iniciado desde a primeira etapa da educação básica. Por se tratar de um trabalho de formação de mentalidades e atitudes, o respeito aos direitos do ser humano exige, prioritariamente, uma prática de conscientização que só a educação, sobretudo a escolar, pode promover. Conscientização e prevenção andam juntas nesse processo. As crianças, na educação infantil, por se constituírem como pessoas em desenvolvimento e por estarem no início do processo de socialização, ainda não têm preconceitos enraizados. Dessa forma, um trabalho educativo em direitos humanos, desde cedo, pode contribuir para a prevenção de atitudes que violam os direitos humanos.

Objetivos

- Conceituais

• Conhecer e compreender, de modo contextualizado, noções básicas relativas aos direitos humanos;

• Analisar as práticas sociais que violam os direitos humanos e as que respeitam esses direitos;

• Reconhecer que o respeito aos direitos humanos constitui prática fundamental para o desenvolvimento equilibrado das relações entre as pessoas.

- Procedimentais

• Demonstrar ações que favoreçam o respeito aos direitos humanos, nas relações com os outros, na escola e na comunidade.

Fonte: <http://www.panoramablogmario.blogger.com.br/AUTO_ivan_etica.jpg>.

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- Atitudinais

• Praticar atitudes de respeito aos direitos humanos;

• Comportar-se de maneira consciente de seus deveres, demonstrando senso de responsabilidade e solidariedade nas relações com os outros;

• Preocupar-se em assumir práticas na escola, em casa e na comunidade de respeito, mas, sobretudo, de promoção dos direitos humanos.

Público-alvo

Crianças de zero a cinco anos de idade.

Tempo estimado

Poderá ocorrer durante todo o ano letivo, possibilitando-se o trabalho com outros temas correlacionados.

Material necessário

• Imagens de revistas e jornais que retratam situações de violações aos direitos humanos, bem como aquelas que realçam a proteção da dignidade humana;

• Tesoura sem ponta;

• Cola;

• Lápis de cor;

• Cartolinas.

Desenvolvimento

O trabalho com o tema “direitos humanos” tem como função principal contribuir para a formação de cidadãos conscientes, aptos a atuarem na realidade social, de maneira a reconhecer, respeitar e promover os direitos humanos das outras pessoas, a começar pelas relações construídas no interior da escola e na família. No entanto, muitas crianças sentem, cotidianamente, o desrespeito aos próprios direitos. São tratadas como objetos, pessoas passivas. Essas atitudes vão de encontro a essa concepção de criança. Portanto, recomenda-se, desde cedo, que se formem crianças críticas, que se posicionam diante da realidade, para a construção de um mundo melhor.

Para isso, o educador deve garantir, em sala de aula, a problematização de situações extraídas da realidade socioeconômica, contribuindo, assim, para a construção de atitudes, valores e comportamentos eticamente adequados à convivência humana.

Nessa perspectiva, o trabalho com imagens, fotos e desenhos que demonstram situações de respeito e de violações aos direitos humanos, que possam suscitar discussões entre as

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Fonte: <http://www.fi ocruz.br/biosseguranca/Bis/infantil/

direitos_humanos4.jpg>.

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crianças, é fundamental para a construção de atitudes condizentes com os direitos humanos.

O professor constitui um modelo, um exemplo de prática a ser imitada. Por isso, deve ter certo cuidado ao falar e com as atitudes e os valores que expressa, pois as crianças, nesse momento preliminar de socialização, encontram-se bem atentas e observadoras dos acontecimentos que ocorrem no seu entorno social.

Avaliação

A avaliação será realizada considerando-se a participação e o interesse da criança diante das situações relacionadas ao tema. O docente deverá, também, avaliar como as crianças se posicionam, em relação ao respeito e à promoção dos direitos humanos, em suas relações com os outros no ambiente escolar.

Orientações ao(à) Professor(a)

• Ralize novamente o percurso do componente curricular Estágio Supervisionado do Magistério da Educação Infantil II, no Marco III. Ele contém informações e conhecimentos importantes para o(a) professor(a) trabalhar na perspectiva da educação em direitos humanos.

• As atividades propostas devem priorizar a problematização de situações que respeitem e violem os direitos humanos. O(A) docente deve levar a criança a valorizar atitudes que realcem e protejam a dignidade humana.

• É importante que as crianças sejam estimuladas a falar e a se posicionar diante das situações colocadas pelo(a) docente. Nessa fase, elas costumam falar muito e se expressam bastante, devendo, portanto, ser orientadas a se colocarem sobre determinado tema.

• As crianças devem ser estimuladas a usar técnicas diferentes para os desenhos, tais como pintura, colagem e dobradura. Nas atividades artísticas, o(a) docente poderá cantar com as crianças, utilizar-se de dramatizações de curta duração e de outras atividades que realcem o respeito aos direitos humanos.

TEXTO COMPLEMENTAR

Formação Universitária em Direitos Humanos

Profª Drª Maria Creusa Borges

A universidade assume um papel essencial na difusão de valores e concepções de mundo. É uma instituição que capitaneia todo o sistema de ensino. Por isso, não pode se abster de garantir a transmissão da herança cultural valorizada por determinada sociedade, bem como promover o debate e o conhecimento acerca de questões novas, que demandam a construção de um pensamento crítico, fundamental para o enfrentamento dessas questões.

Assim, diante dos desafi os colocados na contemporaneidade, algumas temáticas e questões devem integrar a agenda de ensino, pesquisa e extensão, a ser desenvolvida na universidade. Essa agenda se fundamenta em alguns princípios, tais como a educação superior como um direito de todos e a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Tendo como referência os princípios citados, entende-se que a universidade deve contribuir, primeiramente, para a

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formação do cidadão crítico e consciente de seu papel na sociedade. A educação, sobretudo a universitária, constitui uma prática social necessária à construção e ao desenvolvimento da condição da cidadania, que não é efetivada sem a ocorrência de processos formativos próprios da educação formal.

A condição de cidadania requer a integração plena do indivíduo na sociedade. Nessa perspectiva, a educação universitária, como um direito social, ganha relevância, assumindo papel de destaque no sentido da formação de sujeitos críticos e conscientes de sua condição social e econômica, promovendo a sua inserção como membros plenos de uma sociedade.

Assim, a educação universitária cumpre papel preponderante na perspectiva da formação para o exercício da cidadania como uma condição que favorece a integração e a participação plena do indivíduo na sociedade. Essa integração e participação requerem uma formação, que se baseia em prepará-lo, sobretudo, para a cidadania stricto sensu e a qualifi cação para o trabalho (art. 205, CF/88), aspectos facilitadores da sua integração e participação ativa na sociedade.

Importa, também, realçar a necessidade de se considerar a cidadania não, apenas, pelo ângulo dos direitos, mas como uma condição que se refere a direitos e deveres. Os indivíduos, como membros plenos de uma sociedade, assumem deveres em relação à organização social e política, em que seus atos estejam voltados para o bem-estar da comunidade (MARSHALL & BOTTOMORE, op. cit., p. 73). A obrigação pessoal em relação à sociedade é, pois, constituinte da condição da cidadania. A educação universitária, nesse sentido, se volta para a formação de atitudes e valores necessários à construção de vínculos entre o cidadão e a sociedade.

(Revista Verba Juris: Anuário da Pós-graduação em Direito, v. 7, n. 7, 2008).

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AULA 11: PROJETO DIDÁTICO “DIREITOS E DEVERES DA CRIANÇA”

Justifi cativa

No processo histórico de afi rmação dos direitos humanos, vários documentos foram elaborados com vistas à proteção dos direitos da criança, sobretudo após a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. Nesse movimento de especifi cação dos direitos humanos, as crianças passam a se constituir como pessoas em desenvolvimento, que precisam de cuidados e proteção especiais, mas, principalmente, como sujeitos de direitos e deveres. Assim, no processo de socialização escolar, elas devem ter a oportunidade de discutir sobre os seus direitos, com base nos documentos que as protegem, e, ao mesmo tempo, ser levadas a assumir responsabilidades perante a escola, a família e a comunidade.

Objetivos

- Conceituais

• Conhecer, de modo contextualizado, noções básicas relativas aos seus direitos, na condição de pessoas em desenvolvimento que necessitam de cuidados e proteção especiais;

• Analisar situações do cotidiano que demonstram o respeito aos direitos da criança;

• Compreender que os direitos das crianças exigem, em contrapartida, a assunção de responsabilidades perante a escola, a família e a comunidade.

- Procedimentais

• Valorizar e demonstrar ações que traduzam o cuidado e a proteção necessários à promoção da dignidade do ser criança.

- Atitudinais

Fonte: <http://3.bp.blogspot.com/_gjvsd8ySzh0/SpGhUFY7sSI/AAAAAAAAAFM/LY28nGcE3nk/s1600-R/cidadania.JPG>.

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Estágio Supervisionado em Magistério da Educação Infantil VI

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• Praticar atitudes de respeito aos direitos das crianças;

• Comportar-se, de maneira consciente de seus deveres, demonstrando senso de responsabilidade em relação à escola, à família e à comunidade.

Público-alvo

Crianças de zero a cinco anos de idade.

Tempo estimado

Poderá ocorrer durante todo o ano letivo, possibilitando-se o trabalho com outros temas correlacionados.

Material necessário

• Imagens de revistas e jornais que retratam situações de violações aos direitos humanos, bem como aquelas que realçam a proteção da dignidade humana;

• Cartilhas e gibis sobre os direitos e os deveres das crianças;

• Tesoura sem ponta;

• Cola;

• Lápis de cor;

• Cartolinas.

Desenvolvimento

O trabalho com o tema “direitos e deveres da criança” é de fundamental importância, pois, desde cedo, as crianças devem ser orientadas na perspectiva da conscientização sobre seus direitos, mas devem estar aptas a praticar atitudes que demonstrem um senso de responsabilidade e preocupação com o outro. A convivência humana requer a existência de direitos e deveres que reforcem os laços sociais. Assim, a construção de relações amistosas faz-se necessária para o alcance da paz social. A educação formal, nessa ótica, assume papel na formação de crianças aptas a viverem em sociedade, na condição de cidadãos conscientes de seus direitos e de seus deveres perante a comunidade.

Nessa perspectiva, as crianças devem ser estimuladas a observar o seu entorno, os jornais, as revistas, mídias eletrônica e televisiva, meios que informam e retratam situações do cotidiano em que, muitas vezes, as crianças são castigadas, submetidas a situações de violência, que agridem o desenvolvimento de sua personalidade. Muitas crianças sentem, cotidianamente, o desrespeito aos seus próprios direitos. São tratadas como objetos, pessoas passivas. Isso vai de encontro a essa concepção de criança. Portanto, recomenda-se, desde cedo, a formação de crianças críticas, que se posicionam diante da realidade, contribuindo para a construção de um mundo melhor.

UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 9 Aula 10 Aula 11 Aula 12

Fonte: <http://3.bp.blogspot.com/_u0b81TDUJ_k/R68G-hMP8II/AAAAAAAAA04/0GrY-6DstL0/s400/

clip_image001.jpg>.

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Portanto, o educador deve garantir, em sala de aula, a problematização de situações extraídas da realidade socioeconômica, que versam sobre a proteção da criança, bem como aquelas que demonstram a agressão aos seus direitos. A educação, dessa forma, poderá contribuir para a construção de atitudes, valores e comportamentos eticamente adequados à convivência humana e que possam desenvolver pessoas sadias e comprometidas com o outro.

Nesse caso, deve-se, também, iniciar o trabalho pedagógico com imagens, fotos e desenhos que problematizam situações do cotidiano, que possam suscitar conversas entre as crianças, fomentando a sua participação na construção de um texto coletivo, constituído de imagens e de poucas palavras. O professor assume um papel fundamental, como condutor do processo, fazendo as opções ética e moralmente corretas, adequando as situações à faixa etária e ao nível de desenvolvimento da turma. Por isso, o docente deverá ter certo cuidado em sua fala, atitudes e valores que expressa, pois as crianças, nesse momento preliminar de socialização, encontram-se bem atentas e observadoras dos acontecimentos que ocorrem no seu entorno social.

Avaliação

A avaliação será realizada considerando-se a participação e o interesse da criança diante das situações relacionadas ao tema. O docente deverá, também, avaliar como as crianças se posicionam diante de situações do cotidiano que demonstrem o desrespeito aos seus direitos, bem como sobre situações em que se realce a necessidade de construir responsabilidades perante o outro.

Orientações ao(a) Professor(a)

• Realize novamente os percursos dos componentes curriculares Estágio Supervisionado do Magistério da Educação Infantil II e VI dos Marcos III e IV, respectivamente, das Trilhas do Aprendente. Eles contêm informações e conhecimentos importantes para o(a) professor(a) trabalhar na perspectiva dos direitos e deveres da criança. As atividades propostas devem priorizar a problematização de situações que respeitem e agridam os direitos das crianças.

• Recomenda-se a adoção de momentos de integração entre a escola e a comunidade, que oportunizem o envolvimento dos pais na compreensão da criança como pessoa em desenvolvimento, a qual requer cuidados e proteção especiais, bem como a necessidade de se educarem as crianças na ótica da assunção de deveres perante a escola, a família e a comunidade.

• Os momentos de integração podem ser realizados por intermédio dos seguintes mecanismos: realização de debates coletivos sobre os direitos das crianças; ofi cinas para os pais e responsáveis sobre a temática; construção de cartilhas coletivas, com a participação das crianças sobre seus direitos e deveres, tendo por base a Convenção dos Direitos da Criança.

• É importante que a prática docente estimule a participação da criança, contribuindo para a sua formação como sujeito de direitos e deveres.

• As crianças devem ser estimuladas a usar técnicas diferentes para os desenhos, tais como pintura, colagem e dobradura. Nas atividades artísticas, o(a) docente poderá cantar com as crianças, utilizar-se de dramatizações de curta duração e de outras atividades que realcem o respeito aos direitos humanos.

UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 9 Aula 10 Aula 11 Aula 12

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TEXTO COMPLEMENTAR O experimento do Nepal em educação sobre os direitos da criança

Gopal Siwakoti A educação em direitos humanos, na busca por objetivos de desenvolvimento, tem sido amplamente utilizada na Ásia, especialmente entre as democracias em transição da região. A região, por vezes, é vista como mais complexa do que outras quando se trata de questões de direitos humanos devido à sua diversidade histórica, política, religiosa e cultural. O Nepal – um reino himalaico encravado entre a China, ao norte, e a Índia, ao sul – é um país singular no qual todas as ideologias políticas – monarquia, liberal e comunista – convivem sob o sistema da democracia parlamentar estabelecido pela Constituição nepalesa de 1990. Antes de 1990, o Nepal funcionava como uma monarquia absoluta que havia banido os partidos políticos, mas hoje é possível encontrar educação em direitos humanos e atividades de capacitação patrocinadas por ONGs em todos os setores e em muitas partes do Nepal (...). Após o sucesso do movimento nepalês pela democracia, em 1990, o governo de transição ratifi cou a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC), juntamente com as Convenções sobre Tortura e sobre a Mulher, assim como os pactos internacionais. Sem dúvida, esses tratados cobrem uma ampla diversidade de direitos humanos e obriga os Estados a tomar medidas efi cazes nas áreas legislativa, judicial e administrativa (...). Por exemplo, o Artigo 42 da Convenção sobre os Direitos da Criança declara: “Os Estados signatários comprometem-se a dar aos adultos e às crianças amplo conhecimento dos princípios e Dispositivos da Convenção, mediante a utilização de meios apropriados e efi cazes” (...). As crianças também participaram do Seminário Nacional de ONGs, voltando em seguida às suas comunidades para compartilhar sua aprendizagem. O Seminário das Crianças, que resultou desse trabalho, discutiu o status das crianças e suas responsabilidades, assim como os deveres dos pais, da comunidade, dos órgãos governamentais locais e dos partidos políticos.

UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 9 Aula 10 Aula 11 Aula 12

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UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 9 Aula 10 Aula 11 Aula 12

AULA 12: PROJETO DIDÁTICO “MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO HUMANO SUSTENTÁVEL”

Justifi cativa

As temáticas do <meio ambiente> e desenvolvimento sustentável encontram-se, intimamente, articuladas, pois a construção de um projeto de desenvolvimento sustentável implica que se coloque a proteção do meio ambiente no centro desse processo. O trabalho pedagógico, portanto, precisa ter como uma de suas fi nalidades essenciais a conscientização dos educandos para que se tornem agentes multiplicadores de práticas voltadas para a construção de um meio ambiente equilibrado, nos aspectos ecológicos, sociais e econômicos. Implica, também, a construção de ações preventivas, pois um dano ambiental pode ter consequências avassaladoras para uma determinada comunidade. Assim, fazer os educandos pensarem sobre ações cotidianas, na escola, na família e na comunidade, as quais sejam adequadas à proteção do meio ambiente, consiste no primeiro passo. Segundo, faz-se necessário discutir e refl etir sobre concepções de meio ambiente. Há muito tempo, não se compreende mais meio ambiente como, somente, o conjunto da fauna e da fl ora de uma determinada localidade. Além desses aspectos, integra o meio ambiente o patrimônio artístico e cultural de um dado lugar. Portanto, uma concepção ampla de meio ambiente envolve os aspectos socioeconômicos, físicos, a fauna, a fl ora, os recursos naturais e minerais e o patrimônio artístico e cultural. Assim, os projetos de desenvolvimento devem ser reconceptualizados tendo em vista a proteção desses recursos e a minimização dos impactos em termos de violação aos direitos humanos.

Fonte: <http://noolhar.fi les.wordpress.com/2008/08/meio-ambiente-rute5.jpg>.

Sobre meio ambiente, consultar o componente curricular Ciências Naturais na Educação Infantil II, no Trilhas do Aprendente Vol. 6, elaborado pelas professoras Betânia Barreto, Pamella Gusmão e Virgínia Farias.

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Trilhas do Aprendente, Vol. 7 - Estágio Supervisionado em Magistério da Educação Infantil VI

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Objetivos

- Conceituais

• Compreender o conceito de meio ambiente numa perspectiva ampla e contextualizada;

• Analisar práticas sociais que provocam danos ao meio ambiente e ações que o protegem;

• Reconhecer quais ações cotidianas são fundamentais para a construção de um meio ambiente equilibrado;

• Conhecer projetos de desenvolvimento que agridem o meio ambiente e aqueles que se baseiam numa concepção de desenvolvimento humano sustentável.

- Procedimentais

• Demonstrar ações que contribuam para a proteção do meio ambiente, na família, na escola e na comunidade.

- Atitudinais

• Praticar atitudes de respeito ao meio ambiente;

• Comportar-se de maneira consciente, demonstrando senso de responsabilidade no tocante à proteção do meio ambiente;

• Preocupar-se em assumir práticas de proteção ao meio ambiente na escola, em casa e na comunidade.

Público-alvo

Crianças de zero a cinco anos de idade.

Tempo estimado

Poderá ocorrer durante todo o ano letivo, possibilitando-se o trabalho com outros temas correlacionados.

Material necessário

• Imagens de revistas e jornais que retratem situações de dano ambiental, bem como aquelas que realcem a proteção ao meio ambiente;

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• Revistas em quadrinhos que tratem da temática da proteção ao meio ambiente (podemos encontrar exemplos desse tipo de quadrinhos no componente curricular Ciências Naturais na Educação Infantil II no Trilhas do Aprendente vol. 6);

• Filme Ilha das Flores (o(a) professor(a) poderá recortar as cenas que melhor visualizem a agressão ao meio ambiente);

• Exemplos de projetos de desenvolvimento causadores de danos ambientais, como, por exemplo, a construção de usinas hidroelétricas. As crianças podem ser estimuladas a compreender as consequências da construção de uma represa para uma determinada localidade;

• Tesoura sem ponta;

• Cola;

• Lápis de cor;

• Cartolinas.

Desenvolvimento

O trabalho com o tema “meio ambiente e desenvolvimento sustentável” tem como função principal contribuir para a formação de cidadãos conscientes, aptos a atuarem, com ações preventivas, na realidade social, de maneira a reconhecerem a necessidade de proteção do meio ambiente, no interior da família, da escola e da comunidade. Muitas crianças presenciam, cotidianamente, as consequências de ações danosas ao meio ambiente, tais como a poluição de um rio causada por indústrias, o lixo acumulado em locais impróprios. Portanto, o educador poderá começar problematizando situações, extraídas da realidade socioeconômica, que causam danos ao meio ambiente, bem como aquelas que promovem o equilíbrio ambiental.

Assim, o trabalho com imagens, fotos e desenhos que demonstrem situações de desrespeito ao meio ambiente, como também fi lmes, que possam suscitar refl exões e discussões entre as crianças, são fundamentais para a construção de atitudes conscientes e preventivas em relação ao meio ambiente.

Os simples atos de jogar papel no lixo e de não provocar poluição sonora podem servir de exemplos de atitudes de respeito ao meio ambiente. A promoção dessas atitudes constitui a fi nalidade do processo educativo na educação infantil, momento em que as crianças iniciam a sua socialização, para além da família.

Avaliação

A avaliação será realizada considerando-se a participação e o interesse da criança diante das situações relacionadas ao tema. O(A) docente deverá, também, avaliar como as crianças se posicionam na perspectiva do respeito ao meio ambiente, bem como na promoção de ações que previnam a ocorrência de sérios danos ambientais.

Orientações ao(à) Professor(a)

• Realize novamente o percurso dos componente curricular Ciências Naturais na Educação

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Aula 9 Aula 10 Aula 11 Aula 12

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Infantil II, no Marco VI das Trilhas do Aprendente. Ele contém informações e conhecimentos importantes para o(a) professor(a) trabalhar com o tema meio ambiente.

• As atividades propostas devem priorizar a problematização de situações que respeitem e agridam o meio ambiente. O(A) docente deve levar a criança a valorizar atitudes que promovam o equilíbrio ambiental em sua comunidade.

• É importante que as crianças sejam estimuladas a falar e a se posicionar diante das situações colocadas pelo(a) docente. Nessa fase, elas costumam falar muito e se expressam bastante, devendo, portanto, ser orientadas a expor seu ponto de vista sobre determinado tema.

• Incentive as crianças a valorizarem e praticarem ações que promovam o equilíbrio ambiental. Elas poderão desenhar, realizar pinturas, colagens, confecção de dobraduras, utilizando, como pano de fundo, o tema do meio ambiente. Nas atividades artísticas, o docente poderá cantar com as crianças, utilizar-se de dramatizações de curta duração, atividades que realcem o respeito ao meio ambiente.

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Aula 9 Aula 10 Aula 11 Aula 12