tribunal regiona eleitoral dle santa catarin a · eleições de 2014 a condeno, ao pagamentu de...

14
Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina ACÓRDÃO N. 3 2 3 3 8 RECURSO ELEITORAL 148-24.2015.6.24.0029 - CLASSE 30 - REPRESENTAÇÃO - 29 A ZONA ELEITORAL - SÃO JOSÉ Relator: Juiz Wilson Pereira Júnior Recorrente: Ads Serviços Ltda. Recorrido: Ministério Público Eleitoral - ELEIÇÕES 2014 - RECURSO ELEITORAL - REPRESENTAÇÃO - DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL - PESSOA JURÍDICA. - PRELIMINARES: INEXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO RECONHECIDA EM TÍTULO JUDICIAL FUNDADO EM LEI OU ATO NORMATIVO CONSIDERADO INCONSTITUCIONAL PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, CONSOANTE DETERMINA O ART. 525, INCISO III, § 12, DO NOVO CPC - ABOLITIO CRIMINIS EM RAZÃO DO ADVENTO DA LEI N. 13.165/2015 QUE REVOGOU O ART. 81 E PARÁGRAFOS - ALEGADA RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA - ARGUIÇÃO DE QUE O EXCESSO DE DOAÇÃO NÃO MAIS POSSUI DESCRIÇÃO LEGAL TAMPOUCO COMINAÇÃO DE SANÇÃO - REJEIÇÃO. "[...] é impróprio afirmar a incidência do princípio da retroatividade da lei benéfica em favor do doador, seja por não se tratar na espécie de sanção penal, seja porque a retroatividade da norma não penal pressupõe a existência de regra expressa que a determina, e, principalmente, não há lei mais benéfica que permita - sem qualquer limite ou sanção - as doações realizadas pelas pessoas jurídicas. No caso, por se tratar de ato jurídico perfeito cuja prática configurou irregularidade administrativa, é aplicável o princípio 'tempus regit actum'. A revogação da norma que impõe multa não implica isenção dos responsáveis em relação às sanções vigentes no momento em que a irregularidade foi praticada". [...] [TSE. AgrReg em Al n. 11760, de 24.5.2016, Rei. Min. Henrique Neves] - MÉRITO: DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL - RECURSOS FINANCEIROS DOADOS POR MEIO DE TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA - PESSOA JURÍDICA - ART. 81, § 1 o DA LEI N. 9.504/1997 - LIMITE MÁXIMO FIXADO PELA LEI ELEITORAL EM DOIS POR CENTO DO FATURAMENTO BRUTO - CÁLCULO OBJETIVO - BONS ANTECEDENTES DA

Upload: phungkhue

Post on 26-Dec-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina ACÓRDÃO N. 3 2 3 3 8

RECURSO ELEITORAL N° 148-24.2015.6.24.0029 - CLASSE 30 -REPRESENTAÇÃO - 29A ZONA ELEITORAL - SÃO JOSÉ

Relator: Juiz Wilson Pereira Júnior Recorrente: Ads Serviços Ltda. Recorrido: Ministério Público Eleitoral

- ELEIÇÕES 2014 - RECURSO ELEITORAL -REPRESENTAÇÃO - DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL - PESSOA JURÍDICA.

- PRELIMINARES: INEXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO RECONHECIDA EM TÍTULO JUDICIAL FUNDADO EM LEI OU ATO NORMATIVO CONSIDERADO INCONSTITUCIONAL PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, CONSOANTE DETERMINA O ART. 525, INCISO III, § 12, DO NOVO CPC -ABOLITIO CRIMINIS EM RAZÃO DO ADVENTO DA LEI N. 13.165/2015 QUE REVOGOU O ART. 81 E PARÁGRAFOS -ALEGADA RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA -ARGUIÇÃO DE QUE O EXCESSO DE DOAÇÃO NÃO MAIS POSSUI DESCRIÇÃO LEGAL TAMPOUCO COMINAÇÃO DE SANÇÃO - REJEIÇÃO.

"[...] é impróprio afirmar a incidência do princípio da retroatividade da lei benéfica em favor do doador, seja por não se tratar na espécie de sanção penal, seja porque a retroatividade da norma não penal pressupõe a existência de regra expressa que a determina, e, principalmente, não há lei mais benéfica que permita - sem qualquer limite ou sanção - as doações realizadas pelas pessoas jurídicas. No caso, por se tratar de ato jurídico perfeito cuja prática configurou irregularidade administrativa, é aplicável o princípio 'tempus regit actum'. A revogação da norma que impõe multa não implica isenção dos responsáveis em relação às sanções vigentes no momento em que a irregularidade foi praticada". [...] [TSE. AgrReg em Al n. 11760, de 24.5.2016, Rei. Min. Henrique Neves]

- MÉRITO: DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL - RECURSOS FINANCEIROS DOADOS POR MEIO DE TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA - PESSOA JURÍDICA - ART. 81, § 1o DA LEI N. 9.504/1997 - LIMITE MÁXIMO FIXADO PELA LEI ELEITORAL EM DOIS POR CENTO DO FATURAMENTO BRUTO -CÁLCULO OBJETIVO - BONS ANTECEDENTES DA

Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina RECURSO ELEITORAL N° 148-24.2015.6.24.0029 - CLASSE 30 -REPRESENTAÇÃO - 29A ZONA ELEITORAL - SÃO JOSÉ

EMPRESA QUE NÃO PERMITEM O AFASTAMENTO DA MULTA - CÁLCULO EQUIVOCADO REALIZADO PELO JUÍZO SINGULAR, QUE RESULTOU EM MULTA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL - CORREÇÃO, DE OFÍCIO, PARA O VALOR CORRESPONDENTE AO MÍNIMO LEGAL DESPROVIMENTO DO RECURSO.

A C O R D A M os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, à unanimidade, em conhecer do recurso, rejeitar as prejudiciais de mérito e, no mérito, negar-lhe provimento e corrigir de ofício o valor da multa para o mínimo legal de R$ 144.880,30, nos termos do voto do Relator, que fica fazendo parte integrante da decisão.

Sala de Sessões do Tribunal Regional Eleitoral.

Florianópolis, 4 de abril de 2017.

Juiz WILSON PEREIRA JUNIOR Relator

2

Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina

RECURSO ELEITORAL N° 148-24.2015.6.24.0029 - CLASSE 30 -REPRESENTAÇÃO - 29A ZONA ELEITORAL - SÃO JOSÉ

R E L A T Ó R I O

Trata-se de recurso interposto pela empresa ADS SERVIÇOS LTDA. contra a sentença proferida pelo Juiz da 29a Zona Eleitoral - São José que, em razão de infração ao limite de doação para campanha eleitoral nas eleições de 2014, a condenou ao pagamento de multa no valor de R$ 112.627,50 (cento e doze mil, seiscentos e vinte e sete reais e cinquenta centavos), que corresponderia ao montante de 5 vezes o valor do excesso.

Em seu recurso (fls. 70-81), a empresa recorrente alega, preliminarmente, a inexigibilidade da obrigação reconhecida em título judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, consoante determina o art. 525, inciso III, § 12, do novo CPC; e que, no caso concreto, teria ocorrido a abolitio criminis em razão do advento da lei n. 13.165/2015, que revogou o art. 81 e parágrafos, devendo, na hipótese, ocorrer a retroatividade e a ultratividade da lei, fato este do qual resultaria a conclusão de que o excesso de doação não mais possui descrição legal tampouco cominação de sanção. Já com relação ao mérito, alega que não há nos autos prova da diferença a maior, tampouco a base de cálculo adotada, o que teria causado cerceamento de defesa. Além disso, aduz que não teria constado igualmente da representação o excesso nem o quantum devido. Afirma, também, que a empresa possui bons antecedentes, cumpre com seus deveres fiscais e sociais, e que suas certidões perante os órgãos competentes estão regulares, inclusive aquelas de natureza trabalhista. Acrescenta, por fim, que emprega dezenas de empregados que poderão ser demitidos em razão da suspensão de contratar com o Poder Público, e requer, por isso, a total improcedência dos pedidos e da ação.

Nas contrarrazões, o Ministério Público Eleitoral de primeiro grau manifestou-se pela manutenção da sentença, no que foi acompanhado pela Procuradoria Regional Eleitoral.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR JUIZ WILSON PEREIRA JÚNIOR (Relator): Senhor Presidente, trata-se de recurso interposto pela empresa ADS SERVIÇOS LTDA. contra a sentença proferida pelo Juiz Eleitoral da 29a Zona - São José, que a condenou ao pagamento de multa no valor de R$ 112.627,50 (cento e doze mil, seiscentos e vinte e sete reais e cinquenta centavos), que corresponderia ao montante de 5 vezes o valor do excesso, por infração ao

3

Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina RECURSO ELEITORAL N° 148-24.2015.6.24.0029 - CLASSE 30 -REPRESENTAÇÃO - 29A ZONA ELEITORAL - SÃO JOSÉ

limite de doação para campanha eleitoral nas eleições de 2014 (art. 81 da Lei 9.504/1997).

Antes de adentrar na matéria de fundo, analisarei as prejudiciais de mérito levantadas pelo recorrente, quais sejam: a) inexigibilidade da obrigação reconhecida em título judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, consoante determina o art. 525, inciso III, § 12, do novo CPC; e, b) a abolitio criminis em razão do advento da Lei n. 13.165/2015 que revogou o art. 81 e parágrafos, devendo, no caso, ocorrer a retroatividade e a ultratividade da lei.

Vejo que ambas as alegações estão relacionadas e serão afastadas com a mesma argumentação.

É que o Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.650/DF, decidiu pela inconstitucionalidade de doações realizadas por empresas por entender que "a doação por pessoas jurídicas a campanhas eleitorais, antes de refletir eventuais preferências políticas, denota um agir estratégico destes grandes doadores, no afã de estreitar suas relações com o poder público, em pactos, muitas vezes, desprovidos de espírito republicano

O acórdão foi assinado digitalmente em 17/09/2015 e constou da parte dispositiva o seguinte:

"[...] acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal [...] por maioria e nos termos do voto do Ministro Relator, em julgar procedente em parte o pedido formulado na ação direta para declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que autorizavam as contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais, vencidos, em menor extensão, os Ministros Teori Zavasckí, Celso de Mello e Gilmar Mendes, que davam interpretação conforme, nos termos do voto ora reajustado do Ministro Teori Zavasckí. O Tribunal rejeitou a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade por não ter alcançado o número de votos exigido pelo art. 27 da Lei 9.868/99, e, consequentemente, a decisão aplica-se às eleições de 2016 e seguintes"

Alguns dias depois, em 29/09/2015, foi assinada a Lei n. 13.165, que revogou integralmente o art. 81 da Lei 9.504/97.

Diante dessa situação, não vejo, no ponto, como acolher o argumento de que, como o STF reputou inconstitucionais os dispositivos legais que autorizavam doações por empresas em campanhas eleitorais, passaria a ser inexequível a multa pela violação ao art. 81 da Lei n. 9.504/97.

4

TRESC

Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina

RECURSO ELEITORAL N° 148-24.2015.6.24.0029 - CLASSE 30 -REPRESENTAÇÃO - 29A ZONA ELEITORAL - SÃO JOSÉ

Isso porque o que o Supremo quis foi excluir do mundo jurídico a possibilidade de pessoas jurídicas doarem dinheiro a campanhas eleitorais pelo fato de essas doações serem nefastas à democracia e à política brasileira.

Assim, aquelas empresas que incorreram na prática de doação acima do limite durante a vigência do art. 81 da Lei n. 9.504/1997 - ou seja, inclusive na eleição de 2014, como no caso concreto devem sim pagar a multa. A aplicação do novo entendimento ocorreria somente a partir das Eleições de 2016. Em outras palavras, as doações efetuadas para a campanha eleitoral de 2014 não são alcançadas pela decisão do Supremo que declarou inconstitucional o referido dispositivo. Portanto, não se pode afastar a multa com base no fundamento da inconstitucionalidade.

Importante ressaltar que a Lei n. 13.165/2015, por sua vez, não trouxe nenhuma disposição benéfica em relação à norma anterior, consubstanciada no art. 81 da Lei n. 9.504/1997, uma vez que simplesmente proibiu fossem feitas doações de pessoas jurídicas para a campanha eleitoral. Entendo, portanto, que o fato de ter sido declarada inconstitucional a multa correspondente foi uma consequência natural da revogação de todo o dispositivo.

Esse tema foi perfeitamente abordado pelo então Presidente deste Tribunal, Eminente Desembargador Cesar Augusto Mimoso Ruiz Abreu, na declaração de voto feita no Acórdão 31.277 (RE 78-19, de 1°/06/2016), da relatoria da ínclita Juíza Ana Cristina Ferro Blasi:

"Antes da reforma promovida pela Lei n. 13.165/2015, a Lei n. 9.504/1997 estabelecia que as pessoas jurídicas poderiam doar até 2% de seu faturamento bruto do ano anterior à eleição (art. 81, § 1o), sendo que a doação acima desse limite sujeitava o infrator ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso (art. 81, § 2o), sem prejuízo de aplicar à pessoa jurídica doadora a penalidade de proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos, por força do § 3o do mesmo dispositivo legal.

O referido artigo foi integralmente revogado.

No entanto, tenho que a situação em comento é bastante particular, não havendo falar em retroação da lei mais benéfica, porque o que houve foi alteração legislativa para afastar do mundo jurídico a possibilidade de doação de pessoa jurídica para as campanhas eleitorais — que se revelou inconstitucional a partir do julgamento do Supremo Tribunal Federal na ADI n. 5.394/DF —, de sorte que a infração praticada não desapareceu ou foi mitigada a sua penalidade pela sobrevinda da 'Minirreforma Eleitoral'.

5

Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina RECURSO ELEITORAL N° 148-24.2015.6.24.0029 - CLASSE 30 -REPRESENTAÇÃO - 29A ZONA ELEITORAL - SÃO JOSÉ

Não se trata, aqui, de um excesso sancionatório depois reconhecido e reduzida a respectiva cominação, como ocorreria caso permanecesse a possibilidade de doação de pessoa jurídica, com redução da penalidade. Tampouco se pode afirmar que se esteja diante do reconhecimento ou consenso social de a citada prática não ser mais reprovável; ao contrário, a doação de pessoa jurídica para as campanhas eleitorais foi extirpada justamente pela compreensão de que refletia negativamente no processo eleitoral.

Assim, tendo-se em conta que os fatos ilícitos e o aiuizamento da ação ocorreram durante a vigência da norma ora revogada, remanesce a responsabilidade da empresa pela doação acima do limite legal efetuada nas eleições de 2014, quando vigente a permissão de doação de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais, com as respectivas sanções, caso fosse desrespeitado o limite legal."

Vejamos também o seguinte precedente do TSE, que reforça esse entendimento:

ELEIÇÕES 2010. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL PARA CAMPANHA. 1. No extrato do julgamento da ADI n° 4.650/DF, rei. Min. Luiz Fux, em 17.9.2015, consta que o Supremo Tribunal Federal, por maioria, julgou procedente em parte o pedido formulado na ação direta para declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que autorizavam as contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais, notadamente "do art. 81, caput e § 1o da Lei n° 9.504/97, [...] com eficácia ex tunc salvaguardadas as situações concretas consolidadas até o presente momento". 2. Mantém-se incólume a aplicabilidade às eleições de 2010 do § 2o do art. 81 da Lei n° 9.504/1997, que prevê multa por doação acima do limite legal feita por pessoa jurídica às campanhas eleitorais. 3. Revogação do art. 81 da Lei n° 9.504/1997 pela Lei n° 13.165/2013. Em regra, tem-se a impossibilidade de uma nova legislação retroagir para modificar as regras de uma disputa eleitoral finda, como a questão que envolve doação para campanha, pois, além de ocasionar uma grave violação à ideia de igualdade de chances, possibilitaria a eventual manipulação de regras em benefício de candidatos ou agremiações partidárias, verdadeiro casuísmo. 4. Não há omissão, contradição ou obscuridade no acórdão embargado. Pretensão de novo julgamento da causa. 5. Questão de ordem indeferida. Embargos de declaração rejeitados. [TSE. Embargos de Declaração em Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 15716, Acórdão de 03/05/2016, Rei. Min. Gilmar Mendes]

6

TRESC

Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina

RECURSO ELEITORAL N° 148-24.2015.6.24.0029 - CLASSE 30 -REPRESENTAÇÃO - 29A ZONA ELEITORAL - SÃO JOSÉ

Extrai-se do voto condutor: [...]

Quanto à questão de ordem suscitada, ressalto que no extrato do julgamento da ADI n. 4.650/DF, rei. Min. Luiz Fux, em 17.9.2015, consta que o Supremo Tribunal Federal, por maioria, julgou procedente em parte o pedido formulado na ação direta para declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que autorizavam as contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais, notadamente "do art. 81, caput e § 1o da Lei n° 9.504/97 [...], com eficácia ex tunc salvaguardadas as situações concretas consolidadas até o presente momento". Como se observa, não houve declaração de inconstitucionalidade do § 2o do art. 81 da Lei n. 9.504/1997, que prevê a aplicação de multa por doação acima do limite legal feita por pessoa jurídica às campanhas eleitorais, mantendo-se incólume sua aplicabilidade às eleições de 2010. Nem se diga que a revogação do art. 81 da Lei n° 9.504/1997 pela Lei n° 13.165/2015 afastaria sua incidência nas eleições de 2010. Ora, se se concluiu que a competição eleitoral se inicia exatamente um ano antes da data das eleições e, nesse interregno, o art. 16 da Constituição estabelece que qualquer modificação nas regras do jogo não terá eficácia imediata para o pleito em curso, com maior razão -como regra geral - a impossibilidade de uma nova legislação retroagir para modificar as regras de uma disputa eleitoral finda, como a questão que envolve doação para campanha. Isso, além de ocasionar uma grave violação à ideia de igualdade de chances, possibilitaria à maioria a eventual manipulação de regras em benefício de candidatos ou agremiações partidárias, verdadeiro casuísmo. [•••]

Nesse mesmo norte, descabe falar em abolitio criminis no caso concreto, ou aplicar entendimento no sentido de necessidade de retroação de norma supostamente mais benéfica para afastar a condenação ao pagamento de multa.

Friso isso, porque apesar de ter natureza potencialmente sancionatória, este feito não pertence à esfera criminal, razão pela qual remanesce a responsabilidade da recorrente em razão do princípio da irretroatividade das normas em matéria cível, na qual os fatos são regidos pela lei vigente à época de sua ocorrência.

Nesse ponto, importante trazer a conclusão do Eminente Ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, em recentíssima decisão

7

TRESC

Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina

RECURSO ELEITORAL N° 148-24.2015.6.24.0029 - CLASSE 30 -REPRESENTAÇÃO - 29A ZONA ELEITORAL - SÃO JOSÉ

monocrática em processo de prestação de contas de partido político, onde asseverou que o princípio da retroatividade da norma mais benéfica é princípio exclusivo do Direito Penal, devendo-se, nas demais matérias, aplicar-se a legislação vigente à época. Ou seja, mutatis mutandis, a compreensão havida pelo Min. Lawandowski em processos de prestação de contas cabe perfeitamente nos processos em que se apura doação acima do limite. Vejamos:

[...] O processo de análise de contas partidárias está contido no conjunto da jurisdição cível, na qual impera o princípio do tempus regit actum. Ou seja, na análise de um fato determinado, deve ser aplicada a lei vigente à sua época. Tal princípio também rege a aplicação de normas no direito civil, tributário e previdenciário, conforme a jurisprudência dominante deste Supremo Tribunal Federal [...] [•••]

Verifica-se, portanto, que a retroatividade da norma mais benéfica em favor do réu é um princípio exclusivo do Direito Penal, onde está em jogo a liberdade da pessoa, admitindo, até mesmo, o ajuizamento de revisão criminal após o trânsito em julgado da sentença condenatória, há qualquer tempo.

Ademais, verifica-se que a questão há de ser interpretada com base na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/1942), sendo esta a norma que trata da aplicação e da vigência das leis, uma vez que não há violação frontal e direta a nenhum princípio constitucional, muito menos o princípio da não retroatividade da lei penal (art. 5o, XL), apontado pelo recorrente.

Assim, firmar entendimento diverso implicaria em revisão da interpretação conferida àquela legislação pelo TSE. Eventual violação ao texto constitucional, que no presente caso entendo inexistente, se daria de forma meramente reflexa, circunstância que torna inviável o recurso extraordinário.

[STF. ARE n. 1.019.161, decisão monocrática de 23/02/2017, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, pub. DJE 03/03/2017]

E há ainda o seguinte precedente, que se amolda com perfeição ao caso concreto:

ELEIÇÕES 2010. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL REPRESENTAÇÃO. CAMPANHA ELEITORAL. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL PESSOA JURÍDICA.

8

Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina

RECURSO ELEITORAL N° 148-24.2015.6.24.0029 - CLASSE 30 -REPRESENTAÇÃO - 29A ZONA ELEITORAL - SÃO JOSÉ

5. Na hipótese em exame, é impróprio afirmar a incidência do princípio da retroatividade da lei benéfica em favor do doador, seja por não se tratar na espécie de sanção penal, seja porque a retroatividade da norma não penal pressupõe a existência de regra expressa que a determina, e, principalmente, não há lei mais benéfica que permita -sem qualquer limite ou sanção - as doações realizadas pelas pessoas jurídicas. 6. No caso, por se tratar de ato jurídico perfeito cuja prática configurou irregularidade administrativa, é aplicável o princípio tempus regit actum. A revogação da norma que impõe multa não implica isenção dos responsáveis em relação às sanções vigentes no momento em que a irregularidade foi praticada. [...] [TSE. Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 11760, de 24.5.2016, Rei. Min. Henrique Neves].

Ademais, este Tribunal já tem diversos julgados a respeito da remanescência da sanção prevista no § 1o do art. 81, devendo a penalidade ser aplicada às doações irregulares efetuadas no pleito de 2014, inclusive considerando sua posterior revogação pela Lei n. 13.165/2015, a saber:

- ELEIÇÕES 2014 - RECURSO ELEITORAL - REPRESENTAÇÃO -DOAÇAO ACIMA DO LIMITE LEGAL - PESSOA JURÍDICA. [•••]

- QUESTÃO EXAMINADA DE OFÍCIO - EFEITOS DA REVOGAÇÃO DO ART. 81 DA LEI N. 9504/1997 PELA LEI N. 13165/2015 -APLICAÇÃO DA LEI NOVA A FATOS PRETÉRITOS -IMPOSSIBILIDADE. "Revogação do art. 81 da Lei n. 9504/1997 pela Lei n. 13165/2015. Em regra, tem-se a impossibilidade de uma nova legislação retroagir para modificar as regras de uma disputa eleitoral finda, como a questão que envolve doação para campanha, pois, além de ocasionar uma grave violação à ideia de igualdade de chances, possibilitaria a eventual manipulação de regras em benefício de candidatos ou agremiações partidárias, verdadeiro casuísmo" (TSE. Embargos de Declaração em Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 15716, Acórdão de 3/5/2016, Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes). [TRESC. RE 37-76, Ac. 31.325, de 25/07/2016, Relator Juiz João Batista Lazzari]

- ELEIÇÕES 2014 - RECURSO ELEITORAL - REPRESENTAÇÃO -DOAÇAO ACIMA DO LIMITE LEGAL - PESSOA JURÍDICA. [...]

- INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 81, § 1o, DA LEI N. 9504/1997 -ART. 5o, XXII, DA CR - DISPOSITIVOS CONSIDERADOS

9

TRESC

Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina

RECURSO ELEITORAL N° 148-24.2015.6.24.0029 - CLASSE 30 -REPRESENTAÇÃO - 29a ZONA ELEITORAL - SÃO JOSÉ

INCONSTITUCIONAIS PELO STF, SEM MODULAÇÃO DE EFEITOS -LIMITAÇÃO E MULTA PELA EXTRAPOLAÇÃO QUE SE APLICAM ÀS DOAÇÕES EFETUADAS NO PLEITO DE 2014 - ARGUIÇÃO REJEITADA. Muito embora o Supremo Tribunal Federal tenha declarado inconstitucional o art. 81 da Lei n. 9504/1997, não houve modulação dos efeitos da decisão, devendo ser aplicada às doações irregulares efetuadas no pleito de 2014 a sanção prevista no § 1° daquele artigo, inclusive considerando sua posterior revogação pela Lei n. 13165/2015, que não pode ser considerada mais benéfica. [...] [TRESC. RE 116-98, Ac. 31.285, de 13/06/2016, Relator Juiz Alcides Vettorazzi]

Por todas essas considerações, rejeito as arguições de inexigibilidade da obrigação reconhecida em título judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (art. 525, inciso III, § 12, do novo CPC), e de abolitio criminis pelo advento da Lei n. 13.165/2015 que revogou o art. 81 e parágrafos, e tenho como aplicável ao feito sub judice sua redação original, inclusive as sanções previstas, a saber:

Art. 81. As doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais poderão ser feitas a partir do registro dos comitês financeiros dos partidos ou coligações. § 1o As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição. § 2o A doação de quantia acima do limite fixado neste artigo sujeita a pessoa jurídica ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso. § 3o Sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, a pessoa jurídica que ultrapassar o limite fixado no § 1o estará sujeita à proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos, por determinação da Justiça Eleitoral, em processo no qual seja assegurada ampla defesa. § 4o As representações propostas objetivando a aplicação das sanções previstas nos §§ 2o e 3o observarão o rito previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990, e o prazo de recurso contra as decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial.

Passo, então, à análise do mérito.

O contrato social inserto às fls. 43-48 e o comprovante de fl. 49 informam que a empresa Ads Serviços Ltda. EPP tem natureza jurídica de

10

TRESC

Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina

RECURSO ELEITORAL N° 148-24.2015.6.24.0029 - CLASSE 30 -REPRESENTAÇÃO - 29a ZONA ELEITORAL - SÃO JOSÉ

sociedade empresária limitada, possuindo como sócios Luciana Oliveira Cordeiro Fleischmann (administradora e representante da sociedade, com 99% das cotas) e Murilo Silveira Fleischmann (sócio com 1% das cotas), tratando-se, portanto, de pessoa jurídica.

Pois bem. A recorrente efetuou duas doações no valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) cada, totalizando R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), ao candidato a Deputado Estadual Marcos Luiz Vieira, referente à Eleições de 2014.

A informação apresentada pela Receita Federal por solicitação do Juízo da 29a Zona - São José (processo anexo) atesta que, no ano-calendário de 2013, ela obteve um faturamento bruto de R$ 2.551.197,02 (dois milhões, quinhentos e cinquenta e um mil, cento e noventa e sete reais e dois centavos).

Assim, seu limite para doações eleitorais no ano de 2014 era de R$ 51.023,94, conforme estabelecia o art. 81 da Lei n. 9.504/1997, vigente à época dos fatos e já transcrito em linhas pretéritas deste voto.

Portanto, como facilmente se constata, a recorrente poderia ter doado no máximo o valor de R$ 51.023,94, porém, efetuou doação no valor de R$ 80.000,00, ultrapassando, sem qualquer dificuldade matemática, em R$ 28.976,06 a quantia permitida pela Lei 9.504/1997.

Há, ainda, nesse ponto, alguns argumentos que a empresa invocou em seu recurso que merecem ser analisados.

A recorrente aduz que não haveria prova nos autos da diferença a maior, tampouco a base de cálculo adotada, o que teria causado cerceamento de defesa. Além disso, não teria constado igualmente o excesso nem o quantum devido.

Contudo, essas alegações não procedem.

A inicial e os documentos com ela apresentados mostram o montante doado (R$ 80.000,00 - fl. 17). O ofício encaminhado pela Receita Federal (fl. 24 do processo principal e conteúdo do processo anexo), por sua vez, mostra o rendimento bruto no ano de 2013 (R$ 2.551.197,02). Esses dados são suficientes para se calcular o valor doado em excesso, pois o limite de 2% é previsto em lei, bastando, assim, a realização de uma simples regra de três para se chegar ao valor máximo que a empresa poderia ter doado (R$ 51.023,94).

11

TRESC

Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina

RECURSO ELEITORAL N° 148-24.2015.6.24.0029 - CLASSE 30 -REPRESENTAÇÃO - 29a ZONA ELEITORAL - SÃO JOSÉ

A empresa alega também que a pena de suspensão de contratar com o Poder Público poderia ocasionar a demissão de seus empregados.

Todavia, analisando a sentença, verifico que à empresa não foi aplicada a sanção de proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público. Aliás, a sentença expressamente afastou essa penalidade, tendo ficado consignado que a pena pecuniária é suficiente para reprimir o ilícito em tela (fl. 64-verso).

Observo, no entanto, que houve equívoco na sentença ao efetuar o cálculo do montante devido a título de multa. Explico: a empresa doou à campanha eleitoral do Deputado Estadual Marcos Luiz Vieira a quantia de R$ 80.000,00. Porém, como já analisado anteriormente, o valor máximo da doação poderia ter sido R$ 51.023,94. Assim, tem-se como claro que o valor do excesso doado é de R$ 28.976,06. Portanto, o valor correto da multa aplicada é de R$ 144.880,30, já que a lei determina o mínimo legal de 5 (cinco) vezes o valor do excesso. Todavia, a sentença, equivocadamente, chegou a uma multa de R$ 112.627,50.

Deve ser corrigido de ofício, portanto, o erro material existente na sentença, uma vez que o magistrado de primeiro grau, claramente em sua fundamentação e dispositivo, quis aplicar a multa mínima do valor de 5 (cinco) vezes o valor do excesso da doação.

A multa mínima, portanto, deve ser corrigida para o valor total de R$ 144.880,30.

Por fim, a alegação, ademais, de que a empresa possui bons antecedentes e encontra-se com suas certidões regulares perante os órgãos competentes, não permite o afastamento da multa nem a sua redução, uma vez que já foi aplicada no mínimo legal, aliás, abaixo do mínimo legal, conforme tratado acima.

Assim concluo porque que neste tipo de processo não se pondera eventual boa ou má-fé do doador, já que a aferição da transgressão da lei é feita de maneira objetiva; e da mesma forma é realizado o cálculo do valor da multa, descabendo a aplicação de atenuantes.

Ante as considerações expostas, conheço do recurso, afasto as preliminares e, no mérito, a ele nego provimento, e corrijo de ofício a multa para o mínimo legal de R$ 144.880,30, por infração ao disposto no art. 81 da Lei n. 9.504/1997, vigente à época dos fatos.

Destaco ainda que, embora o magistrado de primeiro grau tenha deferido o parcelamento da multa em até 10 (dez) vezes, nada impede que o

12

TRESC

Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina

RECURSO ELEITORAL N° 148-24.2015.6.24.0029 - CLASSE 30 -REPRESENTAÇÃO - 29a ZONA ELEITORAL - SÃO JOSÉ

recorrente requeira o pagamento em mais parcelas, conforme sua necessidade.

Comunique-se desta decisão a Corregedoria Regional Eleitoral para fins de anotação no cadastro da eleitora Luciana Oliveira Cordeiro Fleischmann - dirigente da empresa recorrente (fls. 43-48) - , em virtude do disposto no art. 1o, inciso I, "p", da Lei Complementar n. 64/1990.

Por fim, mantenho o sigilo somente com relação aos documentos fiscais juntados ao processo, retirando o segredo de justiça aplicado aos atos processuais (Precedente: Acórdão TRESC n. 31.313, de 13.7.2016, Relator Desembargador Antonio do Rêgo Monteiro Rocha).

É como voto.

I

13

Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina

EXTRATO DE ATA

RECURSO ELEITORAL N° 148-24.2015.6.24.0029 - RECURSO ELEITORAL - REPRESENTAÇÃO -DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL - PESSOA JURÍDICA - 29a ZONA ELEITORAL - SÃO JOSÉ RELATOR: JUIZ WILSON PEREIRA JÚNIOR

RECORRENTE(S): ADS SERVIÇOS LTDA. ADVOGADO(S): FERNANDA GABRIELA VIEIRA; DENNIS JOSÉ MARTINS RECORRIDO(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL

PRESIDENTE DA SESSÃO. JUIZ ANTONIO DO RÊGO MONTEIRO ROCHA PROCURADOR REGIONAL ELEITORAL: MARCELO DA MOTA

Decisão: à unanimidade, conhecer do recurso, afastar as prejudiciais aventadas, negar provimento ao apelo e, de ofício, corrigir erro material no cálculo da multa, nos termos do voto do Relator. Foi assinado o Acórdão n. 32388. Participaram do julgamento os Juízes Antonio do Rêgo Monteiro Rocha, Cesar Augusto Mimoso Ruiz Abreu, Hélio David Vieira Figueira dos Santos, Ana Cristina Ferro Blasi, Stephan Klaus Radloff, Luísa Hickel Gamba e Wilson Pereira Júnior.

PROCESSO JULGADO NA SESSÃO DE 04.04.2017.

R E M E S S A

Aos dias do mês de de 2017 faço a remessa destes autos para a Coordenadoria de Registro e Informações Processuais - CRIP. Eu,

, servidor da Seção de Preparação, Acompanhamento e Registro das Sessões Plenárias, lavrei o presente termo.