tribunal de rua capÍtulo 01...pedro — (por cima) cê ta maluca?! eu não posso! cÁtia — e tu...

Tribunal de Rua Capítulo 1 Pag.: 1

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Tribunal de Rua (versão revisada)

CAPÍTULO 01

Uma minissérie de João Carvalho

Escrita por:

João Carvalho

Isabelle Carvalho

Direção

Lucas Luciano

Emissora

MEGAPRO

Personagens presentes neste capítulo:

APARECIDA

BENÍCIO

CÁTIA

DOGÃO

JORGE

JULIA

LEONORA

LUCAS

MARCELA

MUFASSA

NICE

NICOLAU

PEDRO

PRETA

RONALDO


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CENA 01. MORRO DA PROVIDÊNCIA. DIA. EXTERIOR.

LEGENDA: RIO DE JANEIRO – 1976

SONOPLASTIA: TENSÃO.

A CAM PASSEIA PELO LOCAL, MOSTRA AS CASAS, TODAS SEM REBOCO,

AMONTOADAS. HOMENS CONVERSANDO NA RUA. BRIGAS ENTRE

MORADORES. MULHERES ANDANDO PELO LOCAL, TENTANDO

APAZIGUAR CONFUSÕES.

PEDRO — (V.O) Nem tudo é fácil na favela. Segurança?! Isso não

existe aqui. É um teste de sobrevivência. E, infelizmente,

nem todos sobrevivem a ele. Se eu fosse definir isso tudo,

definiria como “hospício”. É, parceiro... Não é fácil...

INTERCALA COM:

CENA 02. CASA DE PRETA. SALA DE ESTAR. DIA. INTERIOR.

LOCAL SIMPLES. OBJETOS AMONTOADOS, ALGUNS RECICLADOS. PRETA

(NEGRA, ALTA, APROXIMADAMENTE TRINTA E CINCO ANOS) VARRE A

SALA. A CAM VAI ATÉ A JANELA E REVELA PEDRO BALA (ALTO, FORTE,

APARÊNCIA ASSUSTADORA, APROXIMADAMENTE UNS QUARENTA ANOS)

FUMANDO, OLHANDO PARA FORA DELA.

PEDRO — (V.O) Se aqui fosse o paraíso, não seria chamado de

favela!

PRETA SE APROXIMA DE PEDRO E BEIJA SEU PESCOÇO. ELE VIRA PARA

ELA E RETRIBUI COM UM SELINHO. SONOPLASTIA OFF.

PRETA — O que foi? To te achando preocupado.

PEDRO — E tem como não ficar, Preta? O bagulho tá todo enfiado

aqui em casa, os caras não vem buscar. Se o bando entra

aqui e vê essas encomendas da facção rival eu to fudido.

PRETA — E que obrigação tu tem de ficar segurando isso? Se

liga, Pedro. Tu não é espertalhão?! Pois então para de

pagar de otário.

PEDRO — Eu não to pagando de otário, só to fazendo um favor.

(T) Eu não posso ficar brigado com aquela gente não,

Preta.

PRETA — Tu é o chefe do seu bando, Pedro. Tu é o Pedro Bala,

cara. Tu tem noção do que cê representa pro povo todo.

Eles te respeitam. Não joga isso fora por besteira não.


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PEDRO VAI ATÉ A PORTA.

PRETA — Aonde tu vai?

PEDRO — Vou sair. Vou esfriar a cabeça!

PEDRO SE RETIRA DO LOCAL. PRETA PREOCUPADA. VOLTA A VARRER A

CASA. CORTA PARA:

CENA 03. FAVELA. RUA. EXTERIOR.

PEDRO ANDA PELO LOCAL. VÁRIAS PESSOAS OLHAM PARA ELE E O

REVERENCIAM. ELE SORRI PARA TODOS.

HOMEM#1 — E aí, Bala?! Tudo na paz?

PEDRO — Graças a Deus, irmão!

PEDRO CONTINUA ANDANDO, ATÉ QUE ENTRA EM UMA DAS CASAS.

CORTA PARA:

CENA 04. CASA DE CÁTIA. SALA DE ESTAR. DIA. INTERIOR.

CÁTIA SENTADA NO SOFÁ. PEDRO ENTRA. ELA SE LEVANTA. OS DOIS SE

BEIJAM CALOROSAMENTE.

CÁTIA — Ih, que que foi? Que cara é essa?

PEDRO — Eu tenho que entregar aquele bagulho, Cátia. O pessoal

de lá não vem buscar essa merda!

CÁTIA — Joga essa merda no lixo, ué.

PEDRO — (POR CIMA) Cê ta maluca?! Eu não posso!

CÁTIA — E tu é homem ou não é?

FOCA EM PEDRO PREOCUPADO. CÁTIA DÁ MAIS UM BEIJO NELE. CORTA

PARA:


PRETA TERMINA DE VARRER A SALA. DEIXA A VASSOURA NO CANTO.

OLHA PARA A MESINHA DE CENTRO E VÊ O CANIVETE DE PEDRO EM

CIMA DELA.


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PRETA — Esqueceu o canivete. É muito idiota mesmo.

PRETA PEGA O CANIVETE E ABRE A PORTA E DÁ DE CARA COM BENÍCIO

(ALTO, FORTE, APROXIMADAMENTE QUARENTA ANOS, OLHAR FORTE)

QUE ESTICA O BRAÇO E PARA PRETA, QUE APONTA O CANIVETE PARA

ELE NO MESMO MOMENTO, COM OLHAR DE ÓDIO.

BENÍCIO — A gente tem muito que conversar, garota!

CLOSES ALTERNADOS. CORTA PARA:

ABERTURA

TRIBUNAL DE RUA C A P Í T U L O 1

“Quem disse que o amor não mata?”

CENA 06. RIO DE JANEIRO. DIA. EXTERIOR.

SONOPLASTIA: AQUELE ABRAÇO – TIM MAIA.

IMAGENS AÉREAS DA CIDADE DO RIO. VÁRIAS PESSOAS ANDANDO PELO

LOCAL. TAKES EM OUTROS PONTOS TURÍSTICOS DA CIDADE. TAKE FINAL

EM UMA LUXUOSA MANSÃO AMARELA.

LEGENDA: ALGUNS MESES ANTES...

CORTA PARA:

CENA 07. MANSÃO DE RONALDO. SALA DE ESTAR. DIA. INTERIOR.

SONOPLASTIA OFF. LEONORA (ELEGANTE, UNS QUARENTA ANOS,

CABELOS LOIROS, MAGRA) COM UMA BOLSA. APRESSADA. NICOLAU

(ALTO, MAGRO, DEZOITO ANOS, CABELOS JOGADOS, DE UNIFORME

ESCOLAR) DESCE AS ESCADAS RAPIDAMENTE. RONALDO (ALTO,

CINQUENTA ANOS, ELEGANTE) VEM ATRÁS DELE.

LEONORA — E mais uma vez você vai chegar atrasado na escola.

Quantas vezes eu vou ter que te avisar pra se arrumar mais

rápido, Nicolau?!

NICOLAU — Ai, mãe. Não exagera, vai... Foi só um atrasinho.

LEONORA — E já vou avisando... Hoje é aniversário de casamento

dos seus avós. A família toda vai estar lá. Eu quero você

bem vestido.


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RONALDO — E nada de mulambice, moleque. Não quero você

demorando na rua com esses seus amiguinhos, que, aliás,

você já sabe muito bem o que eu penso.

NICOLAU — Mais alguma coisa, generais? Acho que cês tão

aprendendo direitinho a lição com essa ditadura nojenta...

LEONORA — Um dia você vai aprender que é pro seu bem...

NICOLAU — Tchau.

NICOLAU SAI NA FRENTE DELES. BENÍCIO DÁ UM BEIJO EM LEONORA E

SAI EM SEGUIDA. ELA SOBE AS ESCADAS NOVAMENTE. CORTA PARA:

CENA 08. BAR. DIA. INTERIOR.

VÁRIOS HOMENS SENTADOS. ELES BEBEM E BRINCAM DE DIVERSOS

TIPOS DE JOGOS DE AZAR. RIEM ALTO. PEDRO ENTRA NO LOCAL. ELE SE

ASSUSTA UM POUCO COM AS PESSOAS AO REDOR, MAS SE APROXIMA DO

BALCÃO.

PEDRO — (AO BALCONISTA) A de sempre, por favor...

O BALCONISTA PEGA UMA GARRAFA DE PINGA E DESPEJA EM UM COPO

PEQUENO. PEDRO VIRA DE UMA VEZ SÓ.

PEDRO — Só mais uma...

O BALCONISTA REPETE A DOSE. PEDRO SE VIRA E OLHA PARA AS

PESSOAS JOGANDO AO REDOR. SORRI. UM SENHOR DE

APROXIMADAMENTE SESSENTA ANOS SE LEVANTA DA MESA E VAI ATÉ

O BALCÃO. PEDRO O OBSERVA.

HOMEM — (AO BALCONISTA) Uma dose...

O BALCONISTA ENTREGA UM COPO DE PINGA PARA ELE, QUE VIRA O

COPO. ENCARA PEDRO.

HOMEM — É a primeira vez que vem aqui? Nunca tinha te visto.

PEDRO — Não, não. Já tinha vindo aqui outras vezes.

HOMEM — Mas parece que eu te conheço de algum lugar. E esse

lugar não é aqui.

PEDRO — Eu sou irmão do Benício... Ele é advogado. Talvez

você já tenha escutado falar no nome dele.

HOMEM — Isso mesmo... Agora eu to lembrando. Mas tu parece

mesmo com seu irmão, hein. (ri)


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PEDRO — Já ouvi isso algumas vezes.

HOMEM — Cê não quer jogar com a gente não? Te garanto... Tu

não vai perder.

PEDRO — Não... Eu não gosto muito dessas coisas.

HOMEM — Ah, deixa de bobagem. Só uma vez. Vamo?

PEDRO PENSA. CLOSE NELE.

PEDRO — Ta bem. Mas só uma vez, hein.

HOMEM — Você quem manda, chefia!

O HOMEM VAI COM PEDRO ATÉ A MESA. PEDRO SENTA NA CADEIRA

DESCONFIADO.

HOMEM — Eu aposto as minhas fichas que ele vai ganhar...

HOMEM# — Olha lá, hein. Ta apostando alto...

HOMEM — Eu tenho certeza que ele vai ganhar!

PEDRO COMEÇA A ESCOLHER AS CARTAS E COMEÇA A JOGAR. NELE.

CORTA PARA:

CENA 09. ESCOLA. SALA DE AULA. DIA. INTERIOR.

OS ALUNOS SENTADOS EM SUAS RESPECTIVAS CARTEIRAS, FORMADAS

EM QUATRO FILAS. A CAM MOSTRA A PROFESSORA NICE (CABELOS

PRETOS, ALTA, UNS CINQUENTA ANOS) EXPLICANDO NA LOUSA. DEPOIS

VAI ATÉ NICOLAU E MOSTRA SEU DESINTERESSE, DESENHANDO UMA

MULHER NUA NA FOLHA DE CADERNO.

A PROFESSORA CONTINUA EXPLICANDO A MATÉRIA ATÉ QUE PERCEBE A

DESATENÇÃO DE NICOLAU. ELA SE APROXIMA DE SUA CARTEIRA E VÊ O

DESENHO. SE ESPANTA.

NICE — Mas o que significa esse ato obsceno na minha sala de

aula?

NICOLAU — E a senhora queria o quê? Que eu começasse a bater

punheta dentro da sala de aula, na frente de todo mundo?

TODOS RIEM. NICE FICA CONSTRANGIDA.

NICE — Pode sair da minha sala de aula... Enquanto não

aprender a ter modos não vai assistir a minha aula. Ouviu

bem?


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NICOLAU — Pra mim tanto faz!

NICOLAU PEGA A SUA MOCHILA E SE RETIRA DA SALA. NICE SE

RECOMPÕE E VOLTA A EXPLICAR A MATÉRIA.

NICE — Como eu estava dizendo...

CORTA PARA:

CENA 10. ESCOLA. DIRETORIA. DIA. INTERIOR.

SALA VAZIA. NICOLAU ENTRA E SE SENTA NA CADEIRA, DE FRENTE AO

DIRETOR. ELE OBSERVA OS DETALHES DO LOCAL. O DIRETOR ENTRA E

SE ASSUSTA COM SUA PRESENÇA.

DIRETOR — O que você ta fazendo aqui, rapaz?

NICOLAU — Seria melhor o senhor perguntar pra dona Nice.

O DIRETOR VAI ATÉ A ENTRADA DA DIRETORIA. UMA INSPETORA PASSA

POR ALI.

DIRETOR — Dulcinéia, chama a dona Nice, por favor...

DULCINÉIA — Pode deixar...

CORTES DESCONTÍNUOS: NICE CHEGA NO LOCAL. NICOLAU DISTRAÍDO

COM O GRAMPEADOR DA MESA DO DIRETOR. OS TRÊS SE ENCARAM.

DIRETOR — Dona Nice, eu mandei te chamar aqui pra que a senhora

preste melhores esclarecimentos do motivo do aluno

Nicolau ter sido expulso da sala de aula. A senhora sabe

que expulsar um aluno da sala de aula é péssimo pro nosso

colégio.

NICE — Eu tive os meus motivos, diretor.

DIRETOR — Pois então fale eles...

NICE — É até constrangedor pra mim falar uma coisa como

essa, mas/

NICOLAU — Vai falar que a senhora nunca sentou numa tromba?

Ah, por favor, dona Nice. Por favor...

NICE — (AUMENTA A VOZ) Me respeita, garoto!

O DIRETOR FICA APAVORADO. ENCARA NICOLAU.


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DIRETOR — Mas o senhor passou dos limites, Nicolau. (T) Eu vou

exigir a presença dos seus pais na escola. Eles precisam te

vigiar melhor.

NICOLAU — (NERVOSO) Pois eu já sou monitorado nessa droga

dessa escola e ainda vou ter que ser monitorado em casa?!

DIRETOR — Pode ir pra casa. Você não vai terminar de assistir as

aulas de hoje.

NICOLAU — E é um favor que o senhor me faz.

NICOLAU SE LEVANTA E SAI REVOLTADO. CORTA PARA:

CENA 11. EMPRESA DE ADVOCACIA. SALA DE BENÍCIO. DIA. INTERIOR.

BENÍCIO ENTRA NO LOCAL ACOMPANHADO DE RONALDO. OS DOIS

DIALOGAM.

BENÍCIO — Mas o que você acha dessa surpresa que eu to querendo

fazer?

RONALDO — Acho perfeita. E você vai falar com o Pedro?

BENÍCIO — Eu? Pra quê?

RONALDO — Sei lá, pra ele ficar sabendo ué.

BENÍCIO SE SENTA EM SUA CADEIRA. RONALDO FICA EM PÉ, A FRENTE

DE BENÍCIO.

BENÍCIO — O Pedro não sabe guardar segredo. É uma puxa saco da

mamãe e eu não quero que isso vaze. Portanto, nada de

falar pro Pedro. Ouviu bem?

RONALDO — Não, ta tranqüilo. Eu não vou falar nada. (T) E o seu

casamento? Como ta?

BENÍCIO — Eu já não sei mais o que fazer com a Marcela, Ronaldo.

Essa mulher ta louca. Ela compra compulsivamente. Não

tem um descanso. E adivinha quem paga tudo isso?

Euzinho aqui.

RONALDO — Sei bem como é. No meu caso é diferente. Até que a

Leonora não me dá tanto problema não, mas o Nicolau.

Esse aí é problema todo dia!

FOCA EM RONALDO. CORTA PARA:


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CENA 12. APTO. DE APARECIDA E JORGE. SALA DE ESTAR. DIA.

INTERIOR.

APARECIDA (IDOSA, SETENTA ANOS, CABELOS GRISALHOS) ARRUMA

ALGUNS DETALHES NA CASA. JORGE (IDOSO, SETENTA E CINCO ANOS,

CABELOS GRISALHOS) VEM DO INTERIOR DO APARTAMENTO. ABRAÇA

APARECIDA.

JORGE — Parabéns pra nós, meu amor.

APARECIDA — É hoje, Jorge, é hoje... To arrumando tudo aqui pra

quando o meu neto e os meus filhos chegarem.

APARECIDA PEGA UM VASO DE PLANTA NAS MÃOS. FECHA EXPRESSÃO.

CLOSE NELE. O VASO CAI NO CHÃO E QUEBRA. JORGE FICA

PREOCUPADO.

JORGE — O que é isso, Aparecida?! Ta passando mal...

APARECIDA — Eu não to com bom pressentimento, Jorge.

CLOSE EM APARECIDA. TENSÃO. CORTA PARA:

CENA 13. PRAÇA. DIA. EXTERIOR.

NICOLAU SENTADO EM UM BANCO, EM SILÊNCIO. JULIA (LOIRA, VINTE

ANOS, BAIXA) SE APROXIMA DELE, QUE LEVA UM SUSTO COM ELA.

LUCAS (ALTO, VINTE ANOS, MORENO) SE APROXIMA DELE TAMBÉM.

LUCAS — Não era pra tu está na escola, parceiro?

NICOLAU — Fui suspenso!

JULIA — Com certeza é coisa da dona Nice. Acertei?

NICOLAU — Uhum.

LUCAS — Hoje a noite nós vamos dar um rolê. Topa?

NICOLAU — Não posso. É aniversário de casamento dos meus avós

e/

LUCAS — (POR CIMA) Mas é uma saidinha rápida, rapá. Vai dar

tempo de fazer as duas coisas. Fechou?

NICOLAU — Ta, mas eu não vou demorar!

JULIA — Então a gente te espera aqui... Oito da noite... Sem

falta!


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NICOLAU — Uhum!

JULIA E LUCAS SAEM DE PERTO DE NICOLAU. A CAM MOSTRA NICOLAU

CONFUSO E IRRITADO. CORTA PARA:

CENA 14. EMPRESA DE ADVOCACIA. SALA DE RONALDO. DIA.

INTERIOR.

RONALDO NO TELEFONE.

RONALDO — (TEL.) Suspenso? Como assim “suspenso”? (T) Mas é

um desgraçado mesmo! (T) Tudo bem, diretor! Eu vou até

a escola!

BENÍCIO ENTRA NA SALA. RONALDO CORRENDO PARA IR ATÉ A ESCOLA.

BENÍCIO — Trouxe uns relatórios pra você avaliar.

RONALDO — Depois, Benício. Depois. Agora eu tenho que resolver

um problema.

BENÍCIO — Que problema?

RONALDO — Se você adivinhar...

RONALDO SE RETIRA DA SALA. CLOSE EM BENÍCIO.

BENÍCIO — Nicolau!

CORTA PARA:


INTERIOR.

APARECIDA SENTADA NO SOFÁ. JORGE VEM DA COZINHA COM UMA

ÁGUA EM MÃOS. ENTREGA PARA ELA.

JORGE — Você tem certeza que não quer ir ao médico?

APARECIDA — Tenho, Jorge. Eu já disse que eu não to doente. Só to

preocupada. Esses pressentimentos me assustam. Sempre.

JORGE — Eu vou ligar pros meninos/

APARECIDA — (POR CIMA) Não, não. Eu não quero incomodar eles

com bobagem minha. Deixa como está, Jorge. Eu já to

melhorando. Vai passar!


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APARECIDA SE LEVANTA.

APARECIDA — (CONT.) Eu vou na cozinha... Quer um suco?

JORGE — Não, obrigado!

APARECIDA VAI ATÉ A COZINHA. CLOSE EM JORGE PREOCUPADO.

CORTA PARA:

CENA 16. ESCOLA. SALA DO DIRETOR. DIA. INTERIOR.

RONALDO E LEONORA SENTADOS A FRENTE DO DIRETOR.

RONALDO — O senhor pediu pra gente vir até aqui. E nós estamos

aqui! O que aconteceu?

DIRETOR — O aluno Nicolau estava desenhando partes íntimas em

uma folha de papel enquanto a professora Nice dava a sua

aula. Isso é um insulto com a professora. E ainda manteve

o desrespeito com ela dentro da diretoria. Por isso, solicitei

a presença dos senhores aqui. Pra esclarecer o que

aconteceu.

LEONORA — E isso era motivo pra expulsar um aluno? Francamente,

diretor... O senhor já foi jovem, já teve a idade do meu

filho, e sabe que os hormônios ficam todos à flor a pele.

Ele não fez por mal. E vocês deveriam aprender a lidar

melhor com os alunos.

RONALDO — Até o momento me mantive ao lado do senhor, diretor.

Mas não dá pra aceitar um absurdo como esse. Fazer o

aluno deixar de assistir uma aula, porque a professora

“santinha” nunca viu um órgão genital na vida. Faça-me o

favor, né.

DIRETOR — Os senhores só estão vendo o lado do rapaz/

RONALDO — Estamos vendo o lado do nosso filho, que é o único que

nos interessa.

DIRETOR — Bom, os senhores tiveram aqui da forma que eu

chamei, e pelo menos estão avisados. Da próxima vez eu

expulso o Nicolau da minha escola!

FOCA NO DIRETOR. CORTA PARA:



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ENTRAM RONALDO, LEONORA E NICOLAU. TODOS ALTERADOS.

LEONORA — E como você faz uma merda dessas, Nicolau?!

RONALDO — Aprende que as coisas têm limites. Não funcionam da

forma que você quer não. Se liga!

NICOLAU — Se for possível, me deixem em paz!

NICOLAU SOBE AS ESCADAS RAPIDAMENTE. FOCA EM LEONORA

NERVOSA. CORTA PARA:

CENA 18. RIO DE JANEIRO. NOITE. EXTERIOR.

SONOPLASTIA: CORPITCHO – MARIA RITA.

ANOITECE NA CIDADE. PESSOAS VOLTANDO PARA SEUS RECINTOS.

OUTRAS NO PONTO DE ÔNIBUS ESPERANDO PARA IR PARA CASA. TAKES

PELOS PONTOS TURÍSTICOS. TAKE FINAL NA FACHADA DO PRÉDIO DE

APARECIDA E JORGE.

APARECIDA — (OFF) Ai, ta tudo pronto!

CORTA PARA:


INTERIOR.

SONOPLASTIA OFF. A CASA TODA DECORADA. APARECIDA CONTENTE

OLHANDO PARA AS COISAS A SUA VOLTA. JORGE SE APROXIMA E DÁ UM

SELINHO NA ESPOSA.

JORGE — 50 anos, meu amor. 50 anos!

APARECIDA — Eu lembro como se fosse ontem do dia em que nos

casamos!

JORGE — Você toda linda... Com aquele vestido de noiva! (ri)

Emprestado, é claro. A gente não tinha dinheiro nem pra

comprar uma roupa.

APARECIDA — Eu dando aulas e você trabalhando como jardineiro.

Ah, meu bem... Quantas coisas nós não vivemos juntos,

né?

JORGE — Acho que esse momento merece uma música...


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JORGE VAI ATÉ O APARELHO DE SOM E LIGA. MÚSICA AMBIETE – SÓ EM

TEUS BRAÇOS. JORGE SE APROXIMA DE APARECIDA E OS DOIS COMEÇAM

A DANÇAR AGARRADINHOS. CORTA PARA:

CENA 20. BAR. NOITE. INTERIOR.

GRITARIA. TODOS JOGANDO CARTAS. PEDRO JÁ EMBRIAGADO, COM UMA

BOLADA DE DINHEIRO AO LADO. ALEGRE.

PEDRO — (GRITA) Cê ta roubando, caralho!

HOMEM# — Não to não!

PEDRO SE LEVANTA NERVOSO.

PEDRO — Ta roubando sim! E se não gostou vem aqui resolver

comigo na porrada!

HOMEM#1 — Você ta me desafiando?

NESSE MOMENTO ENTRA UM HOMEM DE CAPUZ. ELE TIRA UMA ARMA

DO BOLSO E APONTA PARA OS DOIS. TODOS FICAM NERVOSOS, MAS

SILENCIAM. O HOMEM QUE LEVOU PEDRO ATÉ O JOGO ATRÁS DO

BANDIDO. TENTA SAIR. O BANDIDO VIRA E DÁ UM TIRO NA CABEÇA

DELE, QUE CAI MORTO NO CHÃO. UMA POÇA DE SANGUE SE FORMA EM

VOLTA. PEDRO ASSUSTADO. O BANDIDO COMEÇA A ATIRAR. TODOS

COMEÇAM A CORRER. PEDRO VAI EM DIREÇÃO AO BALCÃO E SE

ABAIXA.CORTA PARA:

CENA 21. PRAÇA. NOITE. EXTERIOR.

JULIA E LUCAS ESPERAM NA PRAÇA COM UM BANDO DE RAPAZES.

NICOLAU VAI EM DIREÇÃO A ELES. CUMPRIMENTA TODOS. ABRAÇA

JULIA. LUCAS SORRI.

LUCAS — Pensei que ia desistir, parceiro!

NICOLAU — Eu não sou de desistir das coisas que prometo fazer.

LUCAS — É isso aí... To gostando de ver.

NICOLAU — E o que a gente vai fazer?

LUCAS — Explodir um banco!

NICOLAU — (NERVOSO) O que? Cê ta doido? Se o meu pai

descobre isso ele me mata. E se a polícia pegar a gente?!


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LUCAS — Calma... Vai dar tudo certo. Fica tranqüilo. A polícia

não vai pegar a gente.

JULIA — Ta indo uma turma com a gente, Nicolau. Eles não vão

nos pegar.

CLOSE EM NICOLAU. CORTA PARA:

CENA 22. BANCO. FACHADA. NOITE. EXTERIOR.

NICOLAU, JULIA E LUCAS A FRENTE. OS OUTROS ATRÁS. A CAM MOSTRA

LUCAS COM A BOMBA NAS MÃOS.

LUCAS — E aí, ta preparado?

NICOLAU — Preparado pra que?

LUCAS — Pra explodir o banco ué.

NICOLAU — Eu?

LUCAS — Você... (JOGA A BOMBA NAS MÃOS DELE) Taí...

Vai rápido! Essa é a chance!

NICOLAU OLHA PARA A BOMBA E A JOGA PELO VIDRO DO BANCO, QUE

FICA TODO ESTILHAÇADO. UM GRANDE BARULHO. UMA SENHORA PASSA

PELO LOCAL E GRITA. UMA GRANDE EXPLOSÃO ACONTECE. NICOLAU,

LUCAS, JULIA E O BANDO SAEM CORRENDO. CORTA PARA:

CENA 23. APTO. DE APARECIDA E JORGE. SALA DE ESTAR. NOITE.

INTERIOR.

RONALDO ENTRA COM LEONORA. APARECIDA E JORGE RECEPCIONAM.

MARCELA (ALTA, CABELOS PRETOS, TRINTA E CINCO ANOS, ELEGANTE)

ENTRA EM SEGUIDA, ACOMPANHADA DE BENÍCIO. APARECIDA A BEIJA.

APARECIDA — Que bom que você veio, meu amor.

MARCELA — A coisa ta complicada no escritório, dona Aparecida.

Mas graças a Deus tudo se tranqüilizou. E cadê o Nicolau?

APARECIDA — Ainda não chegou!

BENÍCIO SE APROXIMA DE RONALDO.

BENÍCIO — Cadê o seu filho?


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RONALDO — Foi resolver alguma coisa de trabalho na casa de uma

colega!

BENÍCIO — Eu preciso de todo mundo aqui pra fazer a surpresa!

RONALDO — Ele já deve ta chegando!

FOCA EM RONALDO PREOCUPADO. CORTA PARA:

CENA 24. BAR. NOITE. INTERIOR.

CONTINUAÇÃO IMEDIATA DA CENA 20.

A POLÍCIA CHEGA. APONTA A ARMA PARA OS BANDIDOS. PEDRO

ESCONDIDO.

POLÍCIAL# — Abaixa essa arma! (GRITA) Eu to mandando abaixar a

arma, porra!

O BANDIDO DEIXA A ARMA NO CHÃO. O POLICIAL# FALA COM O OUTRO.

POLICIAL# — Leva esse bandido pro camburão.

O POLICIAL#1 VAI ATÉ O BANDIDO, ALGEMA ELE E O LEVA PARA O

CAMBURÃO. PEDRO SAI DE ONDE ESTÁ E VAI SAINDO. O POLICIAL# PARA

ELE.

POLICIAL# — Vocês vão pra delegacia. Quero que expliquem

direitinho o que esse estabelecimento tava fazendo com

jogo de bicho!

PEDRO — Mas a gente não tava/

POLICIAL# — (POR CIMA) E não me interrompe, bandido de merda!

Lá na delegacia vocês se explicam. Bora!

CLOSE EM PEDRO. CORTA PARA:


INTERIOR.

TODOS CONVERSANDO. TOCA O TELEFONE. BENÍCIO OLHA PARA ELE.

BENÍCIO — Deixa que eu atendo.

BENÍCIO ATENDE O TELEFONE.

BENÍCIO — (TEL.) Alô? Quem fala?


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CORTA PARA:

CENA 26. DELEGACIA. SALA DE ESPERA. NOITE. INTERIOR.

VÁRIAS PESSOAS AO REDOR. PEDRO NO TELEFONE.

PEDRO — (TEL.) Sou eu, Benício. O Pedro. Eu preciso da sua

ajuda! Eu to preso!

CORTA PARA:


INTERIOR.

BENÍCIO — (TEL.) Preso?! Como assim “preso”? (T) Como de

costume, você se envolveu em mais uma. Pedro, até

quando você vai continuar tendo essas atitudes de criança?

Cresce, cara... Já ta na hora! (T) Eu to indo praí...

BENÍCIO DESLIGA O TELEFONE. TODOS OLHAM PARA ELE, QUE ESTÁ

NERVOSO.

JORGE — O que aconteceu?

BENÍCIO — O Pedro. Ele foi preso!

RONALDO — Preso? Ham?

BENÍCIO — Parece que foi em um bar e tão acusando ele e uma

turma que participarem de jogo de bicho. Eu to indo pra lá.

RONALDO — Eu vou com você!

RONALDO E BENÍCIO SAEM. NICOLAU ENTRA SEM ENTENDER.

NICOLAU — O que aconteceu?

APARECIDA — (TRISTE) O seu tio, meu filho. Ele foi preso!

NICOLAU — O que?

CLOSE EM NICOLAU. CORTA PARA:

CENA 28. CARRO DE BENÍCIO. NOITE. INTERIOR.


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BENÍCIO DIRIGINDO E RONALDO NO BANCO AO LADO. ELES NA

ESTRADA.

BENÍCIO — E no dia do aniversário de casamento dos nossos pais!

RONALDO — Sinceramente, eu já não sei mais o que o Pedro tem na

cabeça.

BENÍCIO — Esterco, com certeza!

OS DOIS RIEM. CORTA PARA:


INTERIOR.

NICOLAU NO CANTO. MARCELA SE APROXIMA DELE COM UM COPO DE

VINHO NAS MÃOS.

MARCELA — Pensei que você não vinha mais...

NICOLAU — Aqui não, Marcela. Por favor...

MARCELA — Vai dizer agora que não sentiu falta de mim? Falta do

meu corpo...

NICOLAU — Vamos conversar lá dentro. É melhor!

MARCELA E NICOLAU VÃO EM DIREÇÃO AO QUARTO DE APARECIDA E

JORGE. LEONORA OBSERVA A MOVIMENTAÇÃO DOS DOIS E ESTRANHA.

CORTA PARA:

CENA 30. APTO. DE APARECIDA E JORGE. QUARTO. NOITE. INTERIOR.

MARCELA E NICOLAU ENTRAM. ELE SE SENTA NA CAMA.

NICOLAU — Você não ta percebendo o risco que a gente ta correndo

ficando junto, Marcela. E se meu tio descobre? Ham? Cê

já pensou nisso?

MARCELA — Seu tio só tem cabeça pra aquele escritório... Mas

você... Você me leva a loucura!

MARCELA SE APROXIMA DE NICOLAU E O BEIJA. ELA COMEÇA A SEDUZI-

LO. EMPURRA-O. COMEÇA A TIRAR A SUA BLUSA. ELA COMEÇA A SE

DESPIR. OS DOIS COMEÇAM A TRANSAR. CLOSE NA CARA DELE DE

SATISFAÇÃO AO MORDER OS LÁBIOS. A PORTA ENTRABERTA. VEMOS

LEONORA OLHANDO AQUILO ASSUSTADA. CORTA PARA:


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CENA 31. FAVELA. NOITE. EXTERIOR.

TOMADA RÁPIDA. CORTA PARA:

CENA 31. FAVELA. CASA DE PRETA. SALA DE ESTAR. NOITE. INTERIOR.

PRETA ASSISTINDO TV. CÁTIA ENTRA NA CASA.

CÁTIA — Ta sozinha aí, amiga?

PRETA — Tentando sobreviver da forma que posso, né.

CÁTIA — E aquele negão que tu tava pegando? Sumiu?

PRETA — Nunca mais ouvi falar.

CÁTIA — Essa televisão que arrumaram pra tu é boa mesmo,

hein.

PRETA — Dá uns probleminhas de vez em quando, mas dá pra

usar.

CÁTIA SE SENTA AO LADO DE PRETA. CORTA PARA:

CENA 32. DELEGACIA. CELA. NOITE. INTERIOR.

ALGUNS DETENTOS EM CELAS. O CARCEREIRO LEVA PEDRO ATÉ LÁ. ELE

ENTRA EM UMA DAS CELAS. O CARCEREIRO SAI. UM HOMEM OLHA PARA

ELE.

HOMEM# — Ué, parceiro...

PEDRO — Dogão? Não acredito que é você!

OS DOIS SE ABRAÇAM.

DOGÃO — Mas o que que cê ta fazendo aqui?

PEDRO — Me meti numa furada, irmão. Fui dar uma jogada em

um bar aí e acabaram me pegando. Me trouxeram pra cá

me acusando de participar de jogo de bicho. Vê se pode.

DOGÃO — Jogo de bicho? Eu tenho sobrevivido disso, maluco. To

nadando no dinheiro. Daqui a pouco alguém vem me

soltar. (T) Tu não quer mudar de vida não?


19

PEDRO — Mudar de vida? Como assim?

DOGÃO — Ir pro jogo de bicho, porra! Dá muito dinheiro,

parceiro. Eu to lá no Morro da Providência. Tenho um

bando lá.

PEDRO — Não, não. Isso é contra a lei!

DOGÃO — Ah, larga de ser careta... Ó, vamos fazer assim...

Amanhã tu aparece por lá e fala que quer falar com o

Dogão. Eu te apresento tudo. Pode ser?

CLOSE EM PEDRO. CORTA PARA:

CENA 33. DELEGACIA. SALA DO DELEGADO. NOITE. INTERIOR.

RONALDO E BENÍCIO A FRENTE DO DELEGADO.

DELEGADO — A fiança é de quinze mil cruzeiros.

BENÍCIO — Mas tudo isso?

DELEGADO — Esse é o valor...

BENÍCIO TIRA O DINHEIRO DO BOLSO E COLOCA NA MESA DO

DELEGADO.

BENÍCIO — Agora mande buscar o irresponsável!

FADE OUT.

CENA 34. RIO DE JANEIRO. DIA. EXTERIOR.

SONOPLASTIA: AZUL DA COR DO MAR – TIM MAIA.

AMANHECE NA CIDADE. IMAGENS AÉREAS DOS DOIS LADOS DA CIDADE

– A FAVELA E O CENTRO. TAKES PELO COMÉRCIO E PELOS PONTOS

TURÍSTICOS DO LOCAL. TAKE FINAL NA FACHADA DA MANSÃO DE

RONALDO. SONOPLASTIA OFF. CORTA PARA:


LEONORA E RONALDO CONVERSANDO.

RONALDO — Você tem certeza que viu isso, Leonora? Isso é uma

acusação muito séria.


20

LEONORA — Eu vi com esses olhos, Ronaldo... Eu vi. Os dois

estavam transando na cama da sua mãe. O Nicolau e a

piranha da sua cunhada.

RONALDO — Mais essa bomba... Se o Benício descobre nós estamos

fudidos.

LEONORA — Por favor, Ronaldo. Faz alguma coisa... Conversa com

a Marcela e pare isso... O Benício vai nos matar!

CLOSE EM RONALDO. CORTA PARA:

CENA 36. MANSÃO DE BENÍCIO. SALA DE ESTAR. DIA. INTERIOR.

MARCELA DESCE AS ESCADAS DE PIJAMA. TOCA A CAMPAINHA.

MARCELA — O tonto do Benício deve ter esquecido a chave...

MARCELA ATENDE. É RONALDO. ELA SE ASSUSTA.

RONALDO — Eu preciso conversar com você!

CLOSES ALTERNADOS. CORTA PARA:

INTERVALO 1

TRIBUNAL DE RUA – PARTE II

CENA 37. MANSÃO DE BENÍCIO. SALA DE ESTAR. DIA. INTERIOR.

CONTINUAÇÃO IMEDIATA DA CENA 36.

RONALDO ENTRA NA CASA DE BENÍCIO. MARCELA ESTRANHA A VISITA

DO CUNHADO.

MARCELA — Eu só to um pouco ocupada, mas pode falar...

RONALDO — Eu vim te pedir, te implorar, pra você ficar longe do

meu filho.

MARCELA — Ham?

RONALDO — A Leonora viu tudo, Marcela. Você e o Nicolau

estavam transando no quarto da minha mãe. Uma falta de

respeito com a nossa família. Uma vergonha.

MARCELA — Escuta aqui, Ronaldo... O Nicolau ta bem grandinho,

ta? E ele sabe o que faz da vida dele. Portanto pare de se

meter em assuntos que não lhe dizem respeito.


21

RONALDO — Assuntos relacionados ao meu filho me dizem respeito

sim. E eu não quero saber mais desses encontros. Se eu

ficar sabendo, vocês dois vão se ver comigo... Ah, e com o

Benício também.

RONALDO SE RETIRA DO LOCAL. MARCELA COM RAIVA. CORTA PARA:


INTERIOR.

PEDRO SAI RAPIDAMENTE DE CASA E NEM CUMPRIMENTA OS PAIS.

APARECIDA — O Pedro ta cada dia mais estranho!

CORTA PARA:

CENA 39. ESCOLA. PÁTIO. DIA. INTERIOR.

JULIA VAI EM DIREÇÃO A NICOLAU, NERVOSA. ENTREGA UM JORNAL EM

SUAS MÃOS.

JULIA — Cê viu isso?

PV DE NICOLAU: ELE LÊ A MANCHETE ESCRITO: “VÂNDALOS INVADEM

UM DOS MAIORES BANCOS DE SÃO PAULO.” ABAIXO UMA FOTO DE

NICOLAU NO MOMENTO DA EXPLOSÃO.

NICOLAU RASGA O JORNAL COM ÓDIO.

NICOLAU — (GRITA) Droga! Eu vou matar quem fez isso!

JULIA — Calma... A gente tem que manter a calma!

NICOLAU — Calma, Julia? Que calma? Você ta falando isso, porque

não é a sua cara que ta estampada nesse jornal de merda.

JULIA — Ei, calma... Eu sou tão vítima quanto você. Eu só to

querendo te ajudar.

OS OLHOS DE NICOLAU FICAM MAREJADOS. ELE GRITA. O GRITO ECOA.

CORTA PARA:


PRETA VEM DO INTERIOR DA CASA. BATIDAS NA PORTA. ELA ATENDE. É

BENÍCIO, QUE ENTRA BEIJANDO-A E AGARRANDO-A.


22

PRETA — Eu já tava com saudades!

BENÍCIO — Eu tava doido pra beijar essa sua boca!

PRETA — E as coisas pela cidade? Ta tudo bem?

BENÍCIO — Meu irmão como sempre arrumando problema. Cê

acredita que ontem ele se envolveu nesse negócio de jogo

de bicho. Foi parar na cadeia. Tive que pagar uma fortuna

pra ele sair de lá.

PRETA — Ih, relaxa. Isso é normal!

BENÍCIO — Normal... Normal pra você que não teve que pagar essa

dinherama toda.

PRETA — E a sua esposinha? Será que ta desconfiando de alguma

coisa?

BENÍCIO — Aquela lá é uma santa, coitada. Nem imagina as

puladas de cerca que eu dou.

PRETA — A pulada de cerca, porque se eu fico sabendo que tem

outra galinha ciscando no meu milho... Ah, meu amor...

Eu meto bala na testa. Cê sabe como eu sou.

BENÍCIO — E eu só tenho olhos pra você, minha gostosa! Vamo pra

cama, vamo?

PRETA — Mas já?

BENÍCIO — Eu to com um tesão do caramba. Hoje eu te faço

delirar.

PRETA E BENÍCIO VÃO SE AGARRANDO EM DIREÇÃO AO QUARTO.

CORTA PARA:

CENA 41. FAVELA. RUA. DIA. EXTERIOR.

PEDRO SOBINDO ASSUSTADO. DOGÃO ENCONTRA COM ELE E O ABRAÇA.

ELES VÃO EM DIREÇÃO A UM BAR. CORTA PARA:

CENA 42. FAVELA. BAR. DIA. INTERIOR.

VÁRIAS PESSOAS FAZENDO JOGO DE BICHO. RISADAS ALTAS. PEDRO E

DOGÃO OBSERVAM TUDO. CLOSE NO OLHAR DE PEDRO APAIXONADO

PELA PRÁTICA.


23

PEDRO — (V.O) E assim tudo começou em minha vida... Da

coincidência tudo mudou. Me tornei um homem

respeitado e temido em pouco tempo. Até me deram um

apelido: Bala... Pedro Bala. Isso, em referência ao livro do

Jorge Amado. Guerreiro e quis mudar de vida. E tudo

mudou... De verdade!

CLOSE EM PEDRO. FADE OUT:

CENA 43. FAVELA. RUA. NOITE. EXTERIOR.

VÁRIAS MULHERES SAMBANDO. PEDRO PASSA POR ELAS. NICOLAU

APARECE. ELE SE APROXIMA DE PEDRO E O ABRAÇA.

PEDRO — (GRITA) Para tudo aí...

O SOM PARA.

PEDRO — (FALA ALTO) Apresento pra vocês o meu sobrinho...

O meu sucessor... Nicolau Bala!

NICOLAU SORRI.

NICOLAU — Cadê a Cátia?

PEDRO — Ta em casa...

NICOLAU — Já deu um trato nela? (ri)

PEDRO — (ri) Já... A bichinha ta até cansada. Vai lá!

NICOLAU SORRI E VAI EM DIREÇÃO A CASA DE CÁTIA. CORTA PARA:

CENA 44. CASA DE CÁTIA. SALA DE ESTAR. NOITE. INTERIOR.

NICOLAU ENTRA. CÁTIA NO SOFÁ SE MASTURBANDO. ELE SE ASSUSTA.

ELA TAMBÉM, VESTE A TOALHA RAPIDAMENTE.

NICOLAU — Pra que fazer isso se você tem o Nicolau aqui...

NICOLAU SE JOGA EM CIMA DE CÁTIA. COMEÇA A BEIJA-LA. ELE

COMEÇA A SE DESPIR. OBSERVAMOS A MOVIMENTAÇÃO E O GEMIDO

DELES.

CÁTIA — Soca, vai! Soca com tudo! Mete!

CONTINUAM TRANSANDO. CORTE IMEDIATO PARA:


24

CENA 45. FAVELA. RUA. NOITE. EXTERIOR.

MUFASSA (ALTO, CABELOS COMPRIDOS, VINTE ANOS, APARÊNCIA DE

SURFISTA) SE APROXIMA DE PEDRO.

MUFASSA — To precisando ter uma palavrinha com você!

MUFASSA E PEDRO VÃO PARA UM CANTO.

PEDRO — Se for provocação do seu bando, avisa eles que/

MUFASSA — (POR CIMA) Ei, calma... Você ainda nem sabe o que

é!

PEDRO — Então fala!

MUFASSA — É um favor que eu preciso que tu faça. Tenho umas

encomendas pra entregar e eu preciso que tu guarde na

casa da Preta.

PEDRO — Da Preta?

MUFASSA — Lá é mais seguro! Eu tenho certeza que ninguém vai

desconfiar.

PEDRO — E o que eu ganho com isso?

MUFASSA — Dinheiro... Se tu guardar a encomenda a gente te

recompensa bem.

MUFASSA ENTREGA UMA CAIXA NAS MÃOS DE PEDRO, QUE OLHA PARA

O OBJETO SEM SABER O QUE FAZER. CORTA PARA:

CENA 46. CASA DE PRETA. SALA DE ESTAR. NOITE. INTERIOR.

PRETA AJUDA PEDRO A ESCONDER A CAIXA.

PEDRO — O pessoal do bando não pode desconfiar que eu to

guardando coisa do bando rival aqui em casa.

PRETA — Só vão descobrir se você contar...

PEDRO — Eu não vou contar... Agora vamos dormir... Vamos

dormir que amanhã tem muita coisa pra fazer.

PRETA APAGA A LUZ. PEDRO E ELA VÃO EM DIREÇÃO AO QUARTO.

CORTA PARA:


25

CENA 47. RIO DE JANEIRO. DIA. INTERIOR.

SONOPLASTIA: TENSÃO.

AMANHECE NO RIO. TAKES DO LADO POBRE E DO LADO RICO DA

CIDADE. TAKE NA FAVELA DA PROVIDÊNCIA. TAKE FINAL NA FACHADA

DA CASA DE PRETA. CORTA PARA:


PRETA VARRE A SALA. A CAM VAI ATÉ A JANELA E REVELA PEDRO

FUMANDO, OLHANDO PARA FORA DELA.

PRETA SE APROXIMA DE PEDRO E BEIJA SEU PESCOÇO. ELE VIRA PARA

ELA E RETRIBUI COM UM SELINHO. SONOPLASTIA OFF.

PRETA — O que foi? To te achando preocupado.

PEDRO — E tem como não ficar, Preta? O bagulho tá todo enfiado

aqui em casa, os caras não vem buscar. Se o bando entra

aqui e vê essas encomendas da facção rival eu to fudido.

PRETA — E que obrigação tu tem de ficar segurando isso? Se

liga, Pedro. Tu não é espertalhão?! Pois então para de

pagar de otário.

PEDRO — Eu não to pagando de otário, só to fazendo um favor.

(T) Eu não posso ficar brigado com aquela gente não,

Preta.

PRETA — Tu é o chefe do seu bando, Pedro. Tu é o Pedro Bala,

cara. Tu tem noção do que cê representa pro povo todo.

Eles te respeitam. Não joga isso fora por besteira não.

PEDRO VAI ATÉ A PORTA.

PRETA — Aonde tu vai?

PEDRO — Vou sair. Vou esfriar a cabeça!

PEDRO SE RETIRA DO LOCAL. PRETA PREOCUPADA. VOLTA A VARRER A

CASA. CORTA PARA:

CENA 49. FAVELA. RUA. EXTERIOR.


26

PEDRO ANDA PELO LOCAL. VÁRIAS PESSOAS OLHAM PARA ELE E O

REVERENCIAM. ELE SORRI PARA TODOS.

HOMEM#1 — E aí, Bala?! Tudo na paz?

PEDRO — Graças a Deus, irmão!

PEDRO CONTINUA ANDANDO, ATÉ QUE ENTRA EM UMA DAS CASAS.

CORTA PARA:

CENA 50. CASA DE CÁTIA. SALA DE ESTAR. DIA. INTERIOR.

CÁTIA SENTADA NO SOFÁ. PEDRO ENTRA. ELA SE LEVANTA. OS DOIS SE

BEIJAM CALOROSAMENTE.

CÁTIA — Ih, que que foi? Que cara é essa?

PEDRO — Eu tenho que entregar aquele bagulho, Cátia. O pessoal

de lá não vem buscar essa merda!

CÁTIA — Joga essa merda no lixo, ué.

PEDRO — (POR CIMA) Cê ta maluca?! Eu não posso!

CÁTIA — E tu é homem ou não é?

FOCA EM PEDRO PREOCUPADO. CÁTIA DÁ MAIS UM BEIJO NELE. CORTA

PARA:


PRETA TERMINA DE VARRER A SALA. DEIXA A VASSOURA NO CANTO.

OLHA PARA A MESINHA DE CENTRO E VÊ O CANIVETE DE PEDRO EM

CIMA DELA.

PRETA — Esqueceu o canivete. É muito idiota mesmo.

PRETA PEGA O CANIVETE E ABRE A PORTA E DÁ DE CARA COM BENÍCIO

QUE ESTICA O BRAÇO E PARA PRETA, QUE APONTA O CANIVETE PARA

ELE NO MESMO MOMENTO, COM OLHAR DE ÓDIO.

BENÍCIO — A gente tem muito que conversar, garota!

PRETA — Eu não tenho nada pra conversar com você!

BENÍCIO — Você tem que me explicar direitinho o motivo que você

me deixou pra ficar com o meu irmão? Hein?


27

PRETA — Você é casado, Benício... Deveria dar valor a sua

mulher. A mulher que tu tem dentro de casa!

BENÍCIO — Você me traiu, sua desgraçada!

PRETA — (APONTA O CANIVETE) Você me afronta... Me

afronta pra ver. Eu enfio esse canivete na sua barriga.

BENÍCIO EMPURRA PRETA, QUE CAI NO CHÃO. ELE FECHA A PORTA. TIRA

UM REVÓLVER DO BOLSO E APONTA PARA ELA.

BENÍCIO — Que pena, Preta! Que pena que você foi fazer isso

comigo! Eu te amava... Te amava demais e você destruiu

tudo! Agora não tem mais volta, não tenho outro jeito se

não/

BENÍCIO DÁ DOIS TIROS EM PRETA, QUE GRITA E COMEÇA A AGONIZAR.

PRETA FECHA OS OLHOS LENTAMENTE E MORRE. CORTA PARA:

CENA 52. FAVELA. RUA. DIA. EXTERIOR.

SLOW-MOTION. BENÍCIO ANDA PELAS RUAS DA FAVELA COM O

REVÓLVER EM MÃOS E OS OLHOS AVERMELHADOS.

BENÍCIO — (V.O) Tudo o que eu fiz... (T) Foi por amor!

CLOSE EM BENÍCIO. CORTA PARA:

FIM DO CAPÍTULO

escrito por “BASEADA EM FATOS REAIS”

JOÃO CARVALHO

direção de

LUCAS LUCIANO

tribunal de rua capÍtulo 01...pedro — (por cima) cê ta maluca?! eu não posso! cÁtia — e tu...

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