cê viu? - novembro 2013

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Edição de novembro de 2013 do jornal Cê Viu?

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1 Cê viu?

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edição nº 7243550 novembro de 2013

Quase verão C25_CA50

equipe

Antônio César Alves Teixeira Beatriz Beccari Barreto Daniel Agostini Cruz Estevão Sabatier Gabriela Gonçalves Marques Karol Costal Raul Maciel Ricardo Castro

diagramação

Daniel Agostini Cruz

Estevão Sabatier

F 12,5mm

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A vida no Brasil não é bonita para todos. A maior parte da população desse país vive em péssimas condições de vida. Pouquíssi- mos têm acesso à educação de qualidade, a um bom sistema de saúde e lazer. Muitos vivem em condições precárias de habitação e constantemente presenciam episódios como assassinatos na porta de casa.

Aqui, na USP, vivemos numa bolha, iso- lados do mundo. A extensão popular, e não a Universidade, me propiciou um vislumbre da realidade. Em uma favela da Zona Sul, deparei-me com a notícia do assassinato de um jovem de 17 anos, próximo à associação com que temos parceria. Uma semana após esse evento, mais dois jovens foram assas- sinados. Outra vez, quando visitamos um terreno, onde possivelmente seria instalada uma cooperativa de triagem de material re- ciclável, deparamo-nos com um corpo, des- cartado no local. Tais atrocidades não devem ser vistas como eventos pontuais causados pela ação de um policial ou criminoso, mas sim como um problema estrutural do nosso sistema de organização social.

Uma coisa que muito me incomoda é a apatia da maior parte dos estudantes e do- centes com essa situação. Muitos assumem a postura de que não têm nada a ver com isso. Posicionam-se dizendo que esse tipo de discussão não cabe a uma escola de en- genharia. Que não cabe a eles a discussão sobre tais assuntos. Ninguém percebe, ou não quer perceber, que nós temos uma con- tribuição significativa para o que acontece ao nosso redor.

Para exemplificar, vou dar um panora- ma sobre os casos das favelas das regiões mais centrais de São Paulo. Você já pergun- tou para um habitante desses espaços por que ele mora ali? A periferia tem pouquís- simos empregos, e portanto grande parte da população tem que se deslocar para o centro para trabalhar, num trajeto que pode durar mais de três horas. Morar próximo das regiões centrais é extremamente benéfico.

O problema é que os altíssimos valores do terreno nessas regiões não são acessíveis para a maior parte da população. Opta-se assim pela realização de ocupações e cons- tituição de favelas.

O maior responsável por tal valorização fundiária é o mercado imobiliário (do qual fa- zem parte muitos politécnicos) e que visa ao lucro, e não ao bem estar social. Esse merca- do briga com unhas e dentes pelos espaços mais urbanizados da cidade, não abrindo espaço para a moradia popular. Nas regiões com mais infra-estrutura é mais interessan- te, do ponto de vista do lucro, construir ca- sas para as classes altas em detrimento das classes baixas.

Um grande absurdo é que a Escola Po- litécnica, cuja maior fonte de financiamen- to é o ICMS, imposto que possui o formato “paga mais quem ganha menos”, ensina seus estudantes a continuarem com essa prática. Grande parte dos docentes e estu- dantes não procuram a solução e muitas ve- zes até contribuem para o agravamento dos problemas sociais. A explicação para esse fenômeno é complexa, mas certamente um ponto relevante é a acomodação de gran- de parte da comunidade politécnica. Temos que lembrar que a condição de vida da po- pulação em geral não é comparável com a condição da maior parte dos membros da Poli.

A Universidade deveria ser crítica aos processos que ocorrem hoje na sociedade. A USP tem a obrigação de produzir conheci- mento e formar cidadãos capazes de com- preender e propor soluções para os proble- mas da sociedade. Enquanto projetos como os de extensão popular forem jogados às traças e os nossos cursos forem focados na aprendizagem dos processos já realizados na sociedade, sem se posicionar criticamen- te em relação a eles, isso jamais irá aconte- cer.

João Pedro Salva Geddo

Algumas coisas que queria dizer sobre a poli, a USP e a sociedade

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Marx, no século XIX, estudando o modo de produção capitalista, chegou à conclu- são de que, de acordo com a produção do espaço dessa sociedade, a tendência geral era a de aumento de eficiência nos transpor- tes e melhor acomodação dos trabalhadores de acordo com os postos de trabalho. Tais fatores se deveriam à uma pressão para o barateamento do trabalho por parte das in- dústrias. Trabalhadores morando mais perto das fábricas e sistemas de transporte bara- tos e rápidos, além de uma maior velocida- de no fluxo de capital, contribuiriam para um ganho financeiro dos capitalistas. Por que então, se olharmos para a cidade de São Paulo não notamos tais características? Te- ria Marx errado escandalosamente em suas previsões?

A verdade é que ele analisou uma so- ciedade capitalista baseada na produção fabril, que sofreu uma radical transformação ao longo dos anos. Durante o século XX e principalmente depois da década de 70 os investimentos em mercados especulativos se tornaram mais lucrativos do que investi- mentos na indústria no geral. Na cidade de São Paulo o mercado imobiliário se tornou uma forma de retorno financeiro cada vez mais interessante com o passar dos anos. Passaram pela prefeitura diversas gestões que viram no incentivo ao mercado imobiliá- rio uma grande forma de aumentar o cresci- mento econômico da cidade.

O problema, entretanto, é que os inte- resses do capital imobiliário normalmente

Capital imobiliário X Capital industrial

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entram em conflito com os interesses do ca- pital industrial. Enquanto a não regulamenta- ção do uso do solo é de extrema importância para o primeiro, vai de encontro com os in- teresses do segundo. Tais regulamentações, que melhorariam a mobilidade urbana e con- tribuiriam para uma melhor disposição dos trabalhadores no território da cidade, cau- sando uma diminuição no preço do trabalho para as indústrias, restringem os campos de atuação do mercado imobiliário, diminuem a quantidade de investimentos baseados na especulação e, portanto, seus lucros. As prefeituras usaram ferramentas como essa, além de outros incentivos, para assegurar os ganhos do mercado de especulação. Não é de se admirar que o crescente ganho de importância do capital imobiliário afastou a indústria de São Paulo.

A maior parte dos empreendimentos são feitos no centro expandido, área que recebe maior investimento de infraestrutura por parte do Estado, favorecendo a especu- lação imobiliária. Isso se deve, entre outras coisas, ao fato de a prefeitura entender que o mercado imobiliário causa maior circu- lação de capital do que a indústria, de as imobiliárias e grandes construtoras serem as maiores financiadoras das campanhas elei- torais na cidade, e também à corrupção di- reta promovida por esses setores. As habita- ções da população mais rica da cidade bem como a maior parte dos postos de trabalho se concentram, então, nessa área do centro expandido. Disso decorre a necessidade da realização de grandes deslocamentos por parte dos trabalhadores e uma grande piora em suas condições de vida.

A imensa concentração de investimen- tos nas regiões mais centrais acarretam outras consequências gravíssimas. O pre- ço do terreno na periferia é baixíssimo se comparado com as regiões centrais, pois o mesmo se deve aos investimentos reali- zados no local, como a realização de obras de infraestrutura, instalação de equipamen- tos culturais, estabelecimento de escolas, etc.. Disso decorre um grande problema: qualquer investimento que se faça em uma

favela, por exemplo, causa uma grande va- lorização do terreno nos entornos. Com isso, o investimento resulta em um ganho para os proprietários de terra no local, mas tam- bém a necessidade de deslocamento dos mais pobres que ocupam irregularmente o território ou que alugam uma casa no local. A população se desloca para regiões mais distantes que, possuem condições iguais ou piores de infraestrutura e empregos. Qual- quer investimento isolado em regiões como essa, que deveria melhorar a qualidade de vida da população, na verdade representa um ganho para alguns (proprietários) e uma piora de vida para outros. Tal problema só poderia ser driblado com o desenvolvimento massivo de toda a periferia, pois não ocasio- naria uma valorização excessiva em um só local. A luta pela melhora de vida dos traba- lhadores da metrópole e para a melhora da mobilidade na cidade é, portanto, uma luta contra o capital, que tem como um de seus grandes representantes o mercado imobili- ário.

Em suma, o capital industrial, que vê na terra uma forma de assegurar ganhos de produção, entra em conflito com o capi- tal imobiliário que, por sua vez, vê na terra a mercadoria em si. Tal fato demonstra que nosso sistema de organização social possui contradições internas graves. No caso de São Paulo, tal contradição poderá levar a ci- dade à uma grande crise. A imensa quanti- dade de contradições no sistema capitalista gera crises recorrentes, já observadas por economistas marxistas à muitos anos.

Enquanto não despertarmos e enxer- garmos a ineficiência e crueldade de nosso sistema de organização social, seremos, em São Paulo, vítimas da violência que decorre da periferização e falta de investimentos nas favelas, do crescente problema na mobilida- de que resulta do não planejamento de nos- so território, da imensa desumanidade de nossa metrópole e tantas outros problemas que nos destroem durante o cotidiano.

João Pedro Salva Geddo

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Eis que chegou o momento de escrever sobre a nossa boa viagem ao Rio durante a Cúpula do Povos e outros eventos paralelos à Conferência oficial da ONU. Adiei, enrolei, adiei, mas não teve jeito, chegou o momento de relatar os fatos. Mas não adiei por preguiça não galera (tá, um pouquinho), e sim porque condensar uma viagem toda em duas páginas a partir de minha falha memória é algo com- plicadíssimo de fazer (se esquecer de algo, me perdoem). Enfim, deixo os choramingos para lá porque começa a descrição da loucu- ra toda. Suando para que aconteça

Não me recordo exatamente quando é que surgiu a ideia de irmos ao Rio, acredito que os sete organizadores (eu, Lari, Oi, Mar- cello, Dé, Lucca e Gustavo 1 ) tiveram essa ideia de maneira separada, alguns se inspiraram num evento que ocorreu na FEA em março que tratava da Rio +20, outros por ter colegas de outras faculdades se organizando para ir e se empolgaram de ir também, enfim, no final das contas, começamos a nos reunir para or- ganizar essa ida ao Rio. No início parecia algo inviável; depois possível, embora longínquo; para então ser totalmente realizável. E acon- teceu. A passos de formiguinha conseguimos levar a cabo o projeto. Disponibilizamos listas de interesse em alguns pontos da Poli e nos surpreendemos com a quantidade de gente que estava a fim de participar. Fomos atrás de apoio financeiro e conseguimos com a Escola e os departamentos do PMI, PHA e PEF. E as inscrições se iniciaram, um ônibus e 41 inscri- tos. E o ziriguidum começa

Sábado - Partimos em uma sexta-feira de bixopp perto das 23h. E no busão foi a bagun- ça boa de sempre, violão e cantorias boas de boa música durante o trajeto. Dormimos afinal e chegamos ao Rio para a primeira atividade 2

1 Comissão organizadora da viagem ao Rio: Débora Carvalho, Gustavo Tanaka, Karoline Costal, Larissa Rahmilevitz, Luciana Mascarenhas, Lucca Pérez e Mar- cello Walter.

2 Atividade Painel 1 - A Transição Para uma Nova Economia concebido como parte do Fórum de Em- preendedorismo Social da Nova Economia vinculado ao evento Humanidade 2012. Com Marina Silva, ex-ministra

logo pela manhã no Forte de Copacabana. Muito bacana o evento, com a participação da Marina Silva, Ricardo Abramovay, Eduardo Giannetti, Brooke Barton, entre outros. Balan- ço do evento: Colocações importantes como a de Giannetti sobre crescimento do PIB e qua- lidade de vida não serem a mesma coisa e a de Cáceres sobre a necessidade de se criar uma Declaração de Deveres Humanos; notó- ria diferença de pensar do “Norte” e do “Sul”; e a necessidade de se rever paradigmas da sociedade contemporânea. Logo após, segui- mos para a Cúpula dos Povos, onde o grupo se dispersou e cada um foi para tenda, ativi- dade, palestra que melhor lhe conviesse. Ao final da tarde, fomos para o camping organi- zado por estudantes da UFRJ, na Urca. Trans- crevendo palavras da Lari (não consigo des- crever melhor): “O terreno era do tamanho de dois campos de futebol, lotado de barracas, no qual ocupamos um cantinho. Cada dois dividiram uma barraca e assim passamos a noite ao pé do Morro da Urca, envolvidos com muita discussão, alto astral e energia positiva.”

Domingo - Metade do grupo permaneceu no campus da UFRJ para atividades e pales- tras e a outra metade, eu no meio, voltamos ao Forte de Copacabana. Lá rolava a exposição (tudo de bom!) Humanidade com curadoria de Bia Lessa 3 e patrocínio de fundações que nada tem de preocupação sócio-ambiental e sim de marketing ecológico, porém o resulta- do final foi lindo de se ver, show de bola mes- mo. Subíamos de andar a andar e trocávamos de salas temáticas, ao todo 9 ou 10, não me recordo, e em cada espaço abria-se um mun-

do meio ambiente e ex-senadora, Eduardo Giannetti, professor do IBMEC e autor do livro “Vícios privados, benefícios públicos”, Tim Jackson, autor do livro Prosperi- dade sem Crescimento - Economia para um planeta finito, Brooke Barton, diretora de água e corporações do Sistema de Avaliação dos Recursos Ambientais da Califórnia (Ceres) e o sociólogo Milton Cáceres, diretor da Escola de Educação e Cultura Indígena, do Equador. A mesa de dis- cussão foi mediada pelo economista Ricardo Abromovay, Professor da Faculdade de Economia e Administração da USP.

3 Exposição Humanidade, realizada pela FIESP, SESI-SENAI, Fundación Avina, Ashoka, Skoll Foundation e Fundação Roberto Marinho e desenvolvida pela artista e cenógrafa Bia Lessa.

Delegação Politécnica à Rio +20 - parte II

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do de sensações táteis, visuais, olfativas, au- ditivas que nos levavam a questionar o meio ambiente em que vivemos, tanto da perspecti- va ambiental quanto da social.

À tarde, fomos até a Cúpula dos Povos, onde estava rolando as Plenárias de Conver- gência, com o intuito de se discutir temas le- vantados no sábado nas tendas. Os temas fo- ram: Soberania Alimentar; Energia e indústrias extrativas; Defesa dos bens comuns contra a mercantilização; Direitos, por justiça social e ambiental; Trabalho: por outra economia e no- vos paradigmas. Balanço: Muito pouco tempo para a exposição, porém foi interessante de ver pessoas dos mais diversos cantos tentando dialogar sobre esses diversos temas. Lembro que fiquei confusa, sem foco com tanta coisa ao meu redor. No fim, fui parar no MAM e lá havia uma galera no Clube da Engenharia, um cara que parecia mais com o Tíbio e/ou o Pe- rônio, mas que falava da “Casa Sustentável”, uma realização do INPTS (Instituto Nacional de Pesquisa em Tecnologias Sustentáveis). 4

De volta ao camping, cansadões, nos preparávamos para a volta. De volta para casa

Cansadões depois de um fim de semana cheio de atividades, não houve a bagunça da ida. Alguns conversaram sobre a estada no Rio, suas impressões e outros descansaram num sono de pedra. Próximo das 5h da ma- nhã, chegamos à USP e assim acaba a nossa viagem. A viagem apenas, porque as impres- sões dela ficaram na nossa lembrança e nos preparamos para começar preparativos de atividades pós-Rio. As atividades pós-Rio

Galerinha, alguns de nós se organizaram para a realização de atividades pós-viagem, debate, exposição, relatório, vídeo. O vídeo foi postado na nossa página do facebook, mas pode ser encontrado no You Tube (Delegação Politécnica na Rio +20) e no site do PHA, aba disciplinas subaba Análise de Sistemas Am- bientais. O relatório será disponibilizado para os departamentos patrocinadores, no Escritó- rio Piloto e quem quiser, é só mandar e-mail para qualquer um de nós ou mesmo para o jornal que fornecemos sem o menor problema. O debate Rio +20 e Nós já ocorreu em setem-

4 Stand do Clube da Engenharia na Cúpula dos Povos com resultados de uma pesquisa do INPTS (Insti- tuto Nacional de Pesquisa em Tecnologias Sustentáveis), para o desenvolvimento de uma casa sustentável e inteli- gente, denominada Reprocessed House.

bro. E, por fim, a exposição sobre a nossa jor- nada se encontra exposta durante o mês de novembro no prédio da Civil. Lá, há fotogra- fias, livretos, reportagens que separamos para mostrar aos nossos coleguinhas de faculdade e dividir um pouco do que vivenciamos por lá. Se você que está aí ler tal texto antes de ela acabar, vai lá e dá uma conferida. Impressões pessoais e agradecimentos

E o meu balanço geral de tudo isso é que foi uma viagem ótima com muita gente ani- mada que já conhecia e muita gente animada que passei a conhecer, não só animada para ziriguidundear, mas também para conversas boas de serem feitas, discussões necessárias, ideias a serem refletidas, outras colocadas em prática. Foram momentos agradáveis e propo- cionaram um olhar diferente para uma porção de coisas que aprendi, ouvi, li, vivi. Enfim, vol- tei outra e melhor, p recisa dizer algo mais?!

Agradecimentos especiais: - à minha companheira de barraca, Oiii,

que dormiu sossegadamente porque eu não ronco, falo o mesmo dela, eu que tenho sono leve não podia ter escolhido melhor.

- ao Marcello que aguentou meu mau-hu- mor no domingo, depois passou né Waltão, ami- go que é amigo tem que aguentar, fazer o que?!

- ao Phil e à Mari que acompanharam a mim, ao Straat e ao Ale no sábado.

- ao Straat e Ale, meus companheiros de Cúpula e todo o mais, sem dizer o ótimo almo- ço no sábado, experiência gloriosa a franga- da com farofa de vocês na calçada (só faltou o milho!) e o almoço de domingo com vocês, Rubão, Lê, Edil, Layla, Carol.

- á organização, suamos e conseguimos, Lari, Gus, Oi, Marcello, Dé e Lucca.

- e, em nome de todos os organizadores, agradecer a todos que nos ajudaram e apoia- ram essa nossa empreitada, especificamente ao diretor José Roberto Cardoso e aos chefes de departamento: Mario Thadeu Leme de Bar- ros (PHA), Laurindo de Salles Leal Filho (PMI) e Waldemar Hachich (PEF), que acreditaram e apoiaram nosso projeto. Agradecemos tam- bém o apoio e credibilidade que nos foi dado pelo Prof. Luis Enrique Sánchez, e pela dispo- sição dos professores Maria Eugenia Gimenez Boscov, José Jorge Nader e Arisvaldo Vieira Méllo Jr. em nos acompanhar, apesar de não terem podido estar conosco. Ao Escritório Pi- loto, CEC e Grêmio pelo apoio.

E é isso, fim!

Karol Costal

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Quem aqui está satisfeito com o gover- no¿ E quem se sente por ele plenamente re- presentado¿ Embora eu ache que satisfação plena nunca ocorrerá (e nem deve), isso é apenas uma opinião minha, como várias ou- tras. Já representação plena é um paradoxo, e isso, pelo contrário, é uma afirmação; não é possível pensar como outra pessoa, che- gar às mesmas conclusões que ela, esco- lher sempre o que a outra pessoa escolheria. Mesmo um indivíduo, em diferentes momen- tos, pode vir a pensar e “dizer o oposto da- quilo tudo que ele disse antes”, como diria Raul. Ninguém melhor (ou menos pior) pra te representar do que você mesmo, se fazer ouvido, marcar sua posição. Portanto vou afirmar, sem delongas, o que o meu eu de agora vem pensando (já há tempos): demo- cracia representativa não significa o poder na mão de todos, muito menos representa a maioria! Os nossos ta-ta-ta-tataravós não devem ter lido as cláusulas de letras miúdas

quando “assinaram” o contrato social ilumi- nista, que está vigente até hoje. Tampouco eu ou você assinamos. Como abdicar de quase todo nosso poder e eleger alguns (lo- bos) com mais poder pode nos tornar mais livres e melhorar nossa vida¿ A verdade é que a democracia representativa é um gran- de avanço comparando-se com o antigo re- gime, onde os reis mandavam simplesmente “por que sim”, e um grande aprendizado. No entanto, após séculos dessa representa- ção, podemos perceber que coisas absur- das como aumentos abusivos de salários de parlamentares, redução de seus expedien- tes, inúmeras leis e políticas que favorecem minorias e interesses que não são os da po- pulação, foco no crescimento econômico sem foco, entre outras, acontecem costu- meiramente. Portanto é simples a conclusão de que: do jeito que está, não está bom. Eu não quero propor nenhuma solução, muito menos mágica ou utópica com base em ne-

Além da representatividade existe a Liberdade

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nhuma teoria com esse texto, mas apenas expor a minha convicção que qualquer que seja essa solução, se ela existir, passa por uma sociedade participativa, construída por todos que nela vivem, pois só assim o que as pessoas pensam de fato estará sen- do posto em prática. Pode parecer impos- sível de imaginar um mundo em que todos tenham acesso às tomadas de decisões e gestão da sociedade, mas nada deve pare- cer impossível, nada deve parecer natural. As coisas não são assim por que sempre foram, ou porque o homem é assim. E não serão assim para sempre. Afinal, várias coi- sas consideradas naturais e inquestionáveis no passado, como machismo e escravidão, hoje em dia são totalmente repudiadas por (pelo menos quase) todos. Mas como par- ticipar das decisões, conciliar vida pessoal, trabalho, política, esse turbilhão turbulento que é a vida¿ Acho que não estamos na imi- nência de conseguir essa autonomia e nem saberíamos como lidar com ela, pois não temos essa cultura (ainda). No entanto, no- vas iniciativas vêm surgindo. Por exemplo, as cooperativas, onde os trabalhadores ge- rem, participam, debatem, e votam as de- cisões empresariais, burocráticas e como será realizado o trabalho. Um cooperado sabe para quem está trabalhando, porque, toma as decisões e divide a renda da forma que a maioria achar justa, não necessaria- mente igualmente, mas justa. Ele debate as decisões, sempre aprendendo e discutin- do novos conceitos e não se alienando na produção. Essa forma horizontal e coletiva de viver a vida, com respeito à individuali- dade de cada um e reconhecimento de que o outro é tão ser humano e potencialmente capaz quanto você, pode ser assimilada e conquistada aos poucos, através de pe-

quenas mudanças culturais. Instituições, organizações e comportamentos serão aos poucos transformados em estruturas eman- cipadoras, dependendo apenas das pesso- as, e não de guerras, fatores externos ou im- posições, sendo uma construção natural da libertação humana. Concordo que nem sem- pre foi possível a existência de uma socieda- de participativa, mas atualmente com novas ferramentas de comunicação, isso se tornou mais fácil (ou menos complicado). Além dis- so, nós perdemos muito mais tempo traba- lhando para pagar impostos que achamos mal utilizados e salários de políticos, do que gastaríamos para governarmos todos, discu- tirmos políticas coletivamente, nos dedicar- mos a cuidar de nós. Aliás, perdemos muito, mas muito tempo da nossa vida trabalhan- do por ideais que não são os nossos, ideais que são mantidos pela ausência de poder que temos para muda-los. Isso é liberdade¿ Definir liberdade á algo que julgo além das minhas capacidades, mas sei que a respos- ta dessa pergunta é negativa. Só seremos livres quando escolhermos coletivamente, sem imposições de nada e de ninguém, os rumos do que é feito conosco, sobre como nos devemos organizar, sobre como deve- mos agir, sobre como, quanto, para que e para quem devemos trabalhar (nós). Assim seremos livres para escolher como utilizar as tecnologias, em favor de nós mesmos, e não de alguns apenas. Livres para compartilhar o conhecimento, que por sua vez aumenta ainda mais liberdade, entre nós. Livres para viver e usufruir uma vida íntegra e saudá- vel, para poder escrever nosso destino, pois isso, entre tantas coisas, é liberdade!

Lucca Pérez

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A espaçonave estava bem longe de casa. Eu pensei que seria uma boa idéia, logo depois de Saturno, fazer ela dar uma ultima olhada em direção de casa.

De saturno, a Terra apareceria muito pe- quena para a Voyager apanhar qualquer de- talhe, nosso planeta seria apenas um ponto de luz, um “pixel” solitário, dificilmente dis- tinguível de muitos outros pontos de luz que a Voyager avistaria: Planetas vizinhos, sóis distantes. Mas justamente por causa dessa imprecisão de nosso mundo assim revelado valeria a pena ter tal fotografia.

Já havia sido bem entendido por cien- tistas e filósofos da antiguidade clássica, que a Terra era um mero ponto de luz em um vasto cosmos circundante, mas ninguém jamais a tinha visto assim. Aqui estava nossa primeira chance, e talvez a nossa última nas próximas décadas.

Então, aqui está - um mosaico quadri- culado estendido em cima dos planetas, e um fundo pontilhado de estrelas distantes. Por causa do reflexo da luz do sol na espa- çonave, a Terra parece estar apoiada em um raio de sol. Como se houvesse alguma im- portância especial para esse pequeno mun- do, mas é apenas um acidente de geometria e ótica. Não há nenhum sinal de humanos nessa foto. Nem nossas modificações da superfície da Terra, nem nossas maquinas, nem nós mesmos. Desse ponto de vista, nossa obsessão com nacionalismo não apa- rece em evidencia. Nós somos muito peque- nos. Na escala dos mundos, humanos são irrelevantes, uma fina película de vida num obscuro e solitário torrão de rocha e metal.

Considere novamente esse ponto. É aqui. É nosso lar. Somos nós. Nele, todos que você ama, todos que você conhece, todos de quem você já ouviu falar, todo ser humano que já existiu, viveram suas vidas. A totalidade de nossas alegrias e sofrimen- tos, milhares de religiões, ideologias e dou- trinas econômicas, cada caçador e saque- ador, cada herói e covarde, cada criador e

destruidor da civilização, cada rei e plebeu, cada casal apaixonado, cada mãe e pai, cada crianças esperançosas, inventores e exploradores, cada educador, cada políti- co corrupto, cada “superstar”, cada “lidere supremo”, cada santo e pecador na história da nossa espécie viveu ali, em um grão de poeira suspenso em um raio de sol.

A Terra é um palco muito pequeno em uma imensa arena cósmica. Pense nas infin- dáveis crueldades infringidas pelos habitan- tes de um canto desse pixel, nos quase im- perceptíveis habitantes de um outro canto, o quão frequentemente seus mal-entendidos, o quanto sua ânsia por se matarem, e o quão fervorosamente eles se odeiam. Pense nos rios de sangue derramados por todos aque- les generais e imperadores, para que, em sua gloria e triunfo, eles pudessem se tornar os mestres momentâneos de uma fração de um ponto. Nossas atitudes, nossa imagina- ria auto-importancia, a ilusão de que temos uma posição privilegiada no Universo, é de- safiada por esse pálido ponto de luz.

Nosso planeta é um espécime solitário na grande e envolvente escuridão cósmica. Na nossa obscuridade, em toda essa vasti- dão, não ha nenhum indicio que ajuda pos- sa vir de outro lugar para nos salvar de nos mesmos. A Terra é o único mundo conheci- do até agora que sustenta vida. Não ha lu- gar nenhum, pelo menos no futuro próximo, no qual nossa espécie possa migrar. Visitar, talvez, se estabelecer, ainda não. Goste ou não, por enquanto, a terra é onde estamos estabelecidos.

Foi dito que a astronomia é uma expe- riência que traz humildade e constrói o ca- ráter. Talvez, não haja melhor demonstração das tolices e vaidades humanas que essa imagem distante do nosso pequeno mundo. Ela enfatiza nossa responsabilidade de tra- tarmos melhor uns aos outros, e de preser- var e estimar o único lar que nós conhece- mos... o pálido ponto azul.

Carl Sagan

Nós Estamos Aqui: O Pálido Ponto Azul (tradução)

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No dia 14 de fevereiro de 1990, a pedido de Carl Sagan, a sonda Voyager 1 voltou-se e tirou várias fotografias, entre elas a histórica fotografia da Terra, do tamanho de um pixel azul, suspensa num raio de sol, refletido pela nave. Esta encontrava-se a 6,4 Bilhões de Kiló- metros de distância, nos confins do sistema solar. “Toda a história humana aconteceu neste pequeno pixel, que é o nosso único lar”. Uma visão de futuro do homem no espaço. Em 2001, esta foto foi selecionada como uma das dez melhores imagens de ciência espacial.

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O Açúcar

O branco açúcar que adoçará meu café nesta manhã de Ipanema não foi produzido por mim nem surgiu dentro do açucareiro por milagre. Vejo-o puro e afável ao paladar como beijo de moça, água na pele, flor que se dissolve na boca. Mas este açúcar não foi feito por mim. Este açúcar veio da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira, dono da mercearia. Este açúcar veio de uma usina de açúcar em Pernambuco ou no Estado do Rio e tampouco o fez o dono da usina. Este açúcar era cana e veio dos canaviais extensos que não nascem por acaso no regaço do vale. Em lugares distantes, onde não há hospital nem escola, homens que não sabem ler e morrem de fome aos 27 anos plantaram e colheram a cana que viraria açúcar. Em usinas escuras, homens de vida amarga e dura produziram este açúcar branco e puro com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.

Ferreira Gullar

Enviado por Lucca Pérez

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O Engenheiro

A Antônio B. Baltar

A luz, o sol, o ar livre envolvem o sonho do engenheiro. O engenheiro sonha coisas claras : superfícies, tênis, um copo de água.

O lápis, o esquadro, o papel ; o desenho, o projeto, o número : o engenheiro pensa o mundo justo, mundo que nenhum véu encobre.

(Em certas tardes nós subíamos ao edifício. A cidade diária, como um jornal que todos liam, ganhava um pulmão de cimento e vidro).

A água, o vento, a claridade, de um lado o rio, no alto as nuvens, situavam na natureza o edifício crescendo de suas fôrças simples.

João Cabral de Melo Neto

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Vamos treinar a imaginação. Imagina comigo. Imagine que você carregue sempre contigo uma mala, e que essa mala repre- sente a sua vida. A vida começa fácil, come- ça leve, livre e solta. Com o passar do tempo vamos crescendo e vão surgindo problemas e responsabilidades. A mala fica maior, mais pesada. Mas nada demais, ainda posso ir aonde quiser! Sou livre. Chega então aque- le momento. Algum aspecto de nossa vida não vai nada bem, aliás, começa a virar um incomodo. Pesado. E o problema vai se pro- longando, a mala vai se alargando e ficando pesada com o tempo. E cada vez mais, vai ficando mais difícil de carrega-la. Até que se chega ao ponto que simplesmente não po- demos mais nos mover. Paramos no lugar. Nós e nossas malas. Estagnamos a vida.

Meu sábio pai me contou uma pegadi- nha que ele fez no trabalho há muito tem- po atrás. No escritório, ele tinha um colega que levava todos os dias uma maleta enor- me. Todos desconfiavam que o rapaz nunca abria a maleta. Certo dia, durante o horário do almoço, meu pai abriu-a e colocou um tijolo dentro (sim, um tijolo), sem a presen- ça e muito menos consentimento do amigo. Alguns dias depois, graças a boatos, conta- ram o que tinha na mala para o infeliz, que fi- nalmente descobriu o porquê de sua maleta ter ficado mais pesada.

Como podemos nos conformar com a situação que nos encontramos a ponto de não perceber o que se passa ao nosso re- dor? Como podemos chegar ao ponto de estagnar na vida, e não ter parado nem um segundo para abrirmos nossas malas? Ao simplesmente abri-la, veríamos que muitos de nossos problemas que carregamos todos os dias são tão importantes quanto o tijolo para o infeliz. Ou seja, insignificantes. Mas continuamos nos arrastando dia após dia esperando uma luz que nos liberte desse peso. Sem esforço, sem reflexão. Pior ainda, nos arrastamos esperando pelo carnaval.

Estamos todos desequilibrados, com sensação de vertigem. Milan Kundera escre- veu: “O que é vertigem? Medo de cair? Mas

porque temos vertigem num mirante cerca- do por uma balaustra sólida? Vertigem não é o medo de cair, é outra coisa. É a voz do vazio debaixo de nós, que nos atrae e nos envolve, é o desejo da queda do qual nos defendemos aterrorizados”. Nós somos atra- ídos pelo peso. E consideramos mais fácil nos conformarmos, sentarmos a bunda no sofá. E não discordo, é mais fácil. Mas é sim- plesmente sadomasoquismo. Acredito que podemos reverter todos nossos problemas, nossas angustias. Não deveríamos levar a vida como se fosse uma mala inconveniente.

Rosa Luxemburgo dizia: “Quem não se

move, não sente as correntes que lhe pren- dem”. Não quero me rebaixar a escrever qualquer coisa relacionada a como solucio- nar problemas. Livros de autoajuda estão ai aos montes. E nem vou entrar no mérito se é baboseira ou não. O meu ponto é outro e mais simples. Olhamos demasiadamente para o exterior. Peço-lhe apenas para reser- var mais tempo para o interior. Por que esta- mos respirando mais rápido? Por que estou tenso? O que ele faz que me incomoda tan- to? Por que isso me incomoda? Isso pode ser relevado? Não devemos deixar passar essas pequenas sensações. Sim, elas se acumulam, pesam e doem. Mas melhor co- meçar agora, antes que acumule mais sen- timentos negativos. E quando tudo parecer resolvido, não adianta negar, teremos sem- pre algum novo aspecto da vida para rever. O sapiente Heráclito, há muito tempo atrás, disse: “Nada é permanente, senão a mudan- ça”. Ele acreditava que nunca poderíamos atravessar o mesmo rio duas vezes, pois o rio nunca seria o mesmo. Isso reforça a ideia de que exige-se que fiquemos o tempo todo em alerta, prontos para mudanças. Isso não é fácil. Isso é vida. Abra-se para seus ami- gos. Não há maneira mais fácil de começar. E como não vivemos sozinhos, que tal co- meçarmos a fazer nossos amigos também abrirem suas malas?

Renato Dallora

O peso de viver

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O Museu de Arte de São Paulo (MASP) oferece todo primeiro sá- bado do mês uma aula de história da arte. Fantástica. O curso é inteiro gratuito. Tive a oportunidade de participar, nesse mês de outubro cujo tema foi a pintura “A canoa sobre o rio Epte” (1890) de Monet.

Apesar de se ter um quadro como principal, o professor __ pre- cisa explicar os antecedentes de Monet e suas reflexões para poder definir os por quês do quatro. Para lecionar um único tema, são feiras referências desde século XVI até o seu antecessor Edoward Manet, o primeiro modernista. A aula começa pontualmente as 10h00 e dificilmente termina as 13h00, horário previsto. Por que escrevo sobre isso?

Nessa aula aprendi que o importante não é apenas o con- teúdo, mas principalmente a abordagem desse. Aqui na es- cola, se um de nosso professores utiliza powerpoint e apaga uma das luzes, somos impelidos a nos desligar. Lá, mal via as pessoas piscarem. Durante a manhã, fui levada a pensar como Monet de uma maneira clara e objetiva, simplesmente para entender o quadro, que ficava projetado ao fundo.

Usando seu maior recurso, a fala, o professor foi ca- paz de me transportar entre os anos e me interessar por arte, ou melhor, pela história da arte, um assunto que eu detestava. Agora eu vos pergunto: por que, então, passo a desgostar dos meus antigos interesses ao frequentar minhas aulas na faculdade? Partindo do princípio que os alunos tem alguma curiosidade sobre as matérias, não deveria ser tão difícil mantê-los entretidos nos es- tudos. Com o passar dos anos, vejo a queda de as- siduidade e a falta de motivação tanto minha quanto de meus colegas.

sso me faz crer que poderíamos ter um cur- so melhor. Se Monet foi capaz de fazer oitenta e seis interpretações da “Ponte sobre o Lago”, uma mais bonita que a outra, nossos professores po- deriam imitá-lo, ou seja, recriar interpretações de uma ideia, aula ou tema para nos inspirar.

O que aprendi com Monet

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Era um menino homem. Já se vestia como um, mas comportava-se como outro. Estava a estudar engenharia. O ano não se lembrava mais, o momento que era importante. Lembra- -se que estava sol. Caminhava de uma sala a outra. Os livros calam por debaixo do braço, os papeis amassavam. Suas pernas mantinham o movimento enquanto tentava equilibrar os perten- ces. Estava atrasado.

Nesse mesmo instante, ela vinha em sua dire- ção. Com seu cabelo preso e suas roupas impecá- veis. Já era uma mulher. Estava linda como sempre. Suas pastas e seus livros devidamente organizados em seus braços, sua postura a deixava deslumbran- te.

Ele lembrou-se de olhar para onde andava. A dis- tância entre os prédios era de um quarteirão. Levantou os olhos. Viu-a. Viu-a, mas não foi visto. Suas pernas, que andavam por si, pararam. Seu pescoço começou a virar-se para que ela ficasse no centro da visão. Era ela. Os livros começaram a escorregar. Até suas mãos sabiam da importância da situação, desaguava.

A moça sentia o olhar pousado sobre ela. Manteve- -se em seu caminho. Mas a intensidade puxou-a incons- cientemente. Levemente, inclinava-se na direção daquele menino. Era um homem.

O encontro de um olhar. Não roubaria a descrição de Machado de Assis se não fosse extremamente necessária: eram olhos de ressaca. Ele ficou preso a eles. Todo seu mate- rial foi ao chão. Era ela. Descontrolou-se.

Ela voltou a seu caminho, se afastava cada vez mais. O encontro durou na mente dele. Teve vontade de gritar, chamar, correr atrás. Devíamos casar, pensava. Um milhão de ações poderia ter tomado. Ficou ali parado. Olhando-a ir. Ia aonde? Deslumbrante.

Ele ficou ali, após o encontro. Parado com seus livros ao chão. O corpo estava ali. Sua alma havia sido levada com as on- das do mar.

Karina Piva

O Encontro

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Fui a São Paulo, a convite do Grêmio dos Politécnicos, bater um papo com os rapazes em sua Faculdade. Recusei-me a fazer uma palestra, pois sou homem de língua emperra- da; mas os motivos para a minha ida, como me foram apresentados pelos futuros enge- nheiros paulistas, pareceram-me bastante válidos, além de modestos. Têm eles que a carreira escolhida oferece o perigo de canali- zar o pensamento para problemas puramen- te tecnológicos, em prejuízo de uma humani- zação mais vasta, tal como a que pode ser adquirida em contato com o homem em geral e as artes em particular.

Há muito não me sentava diante de tan- tos moços, com um microfone na mão, para lhes responder sobre o que desse e viesse. “Quem sou eu”, perguntei-me, não sem uma certa amargura, “quem sou eu, que não sei sequer consertar uma tomada elétrica, para arrogar-me o direito de vir responder às per- guntas destes jovens que amanhã estarão construindo obras concretas e positivas para auxiliar o desenvolvimento deste louco país?” Mas eles, aparentemente, pensavam o con- trário, pois puseram-se a bombardear-me de perguntas que, falar verdade, não dependiam em nada de cálculos, senão de experiência, bom-senso e um grão de poesia. Providen- ciaram mesmo uma bonita cantorazinha de nome Mariana, que estreava na boate Cave (de onde partiram para a fama Almir Ribeiro e Morgana) para cantar coisas minhas e de Antônio Carlos Jobim: o que era feito depois de eu responder se acreditava ou não em Deus, como explicava a existência de mulhe- res feias e o que pensava de João Gilberto.

A homenagem foi simpática, mas no meio daquilo tudo comecei a ser tomado por uma sensação estranha. Aqueles rapa- zes todos que estavam ali, cada um com a sua personalidade própria - João gostando de romance Lolita, Pedro detestando; Luís preferindo mulatas, Carlos louras; Francis- co acreditando em Karl Marx, Júlio em Jânio Quadros; Kimura preferindo filme de moci- nho, Giovanni gostando mais de cinema francês - já não os tinha visto eu em outras circunstâncias, em outros tempos? Aquele painel de rostos desabrochando para a vida,

aqueles olhos sequiosos ao mesmo tempo de amor e de conhecimento, não eram eles o primeiro plano de uma imagem que se ia perder no vórtice de uma perspectiva inter- minável, como num jogo de espelhos? Atrás de cada uma daquelas faces não havia o fotograma menor de outra face, como ela ávida de saber o porquê das coisas, e atrás dessa outra, e mais outra, e outra ainda? Vi- -os, de repente, todos fardados me olhan- do, atentos às instruções de guerra que eu lhes dava em voz monótona: “Os três grupos decolarão em intervalos de cinco minutos, e deixarão cair sua carga de bombas nos ob- jetivos A, B e c, tal como se vê no mapa. É favor acertarem os relógios...” Mariana can- tava, um pouco tímida diante de tantos rapa- zes, a minha “Serenata do adeus”:

Ai, vontade de ficar mas tendo de ir em- bora...

Qual daqueles moços seria um dia mi- nistro? Qual seria assassino? Quem, dentre eles, trairia primeiro o anjo de sua própria mocidade? Qual viraria grã-fino? Qual ficaria louco?

Tive vontade de gritar-lhes: “Não acre- ditem em mim! Eu também não sei nada! Só sei que diante de mim existe aberta uma grande porta escura, e além dela é o infini- to - um infinito que não acaba nunca. Só sei que a vida é muito curta demais para viver e muito longa demais para morrer!”

Mas ao olhar mais uma vez seus rostos pensativos diante da canção que lhes falava das dores de amar, meu coração subitamen- te se acendeu numa grande chama de amor por eles, como se eles fossem todos filhos meus. E eu me armei de todas as armas da minha esperança no destino do homem para defender minha progênie, e bebi do copo que eles me haviam oferecido, e porque estávamos todos um pouco emocionados, rimos juntos quando a canção terminou. E eu fiquei certo de que nenhum deles seria nunca um louco, um traidor ou um assassi- no porque eu os amava tanto, e o meu amor haveria de protegê-los contra os males de viver.

Vinicius de Moraes

Os Politécnicos

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Haicai é um estilo de poema de origem japonesa, que chegou ao Brasil no início do século 20. Suas características principais são a forma concisa (3 versos), o conteúdo rela- cionado à natureza, e o tempo da narrativa (sempre narrando o agora). Poderia copiar dos sites as mais variadas exigências de um “verdadeiro haicai”, mas de fato não me inte- resso por tais formalidades. O que realmente me encanta nesses poeminhas é a simplicida- de e a capacidade de descrever sentimentos apenas apresentando cenas (ou são pura- mente os retratos que nos puxam da memória os sentimentos?). Me encantam mais ainda as adaptações (ah, essas sempre me encantam) feitas por escritores (e amadores, ¡Hola!) bra- sileiros. É curtinho, demora nada pra ler! [e de repente, você se vê pensando em blocos de 3 frases.. ] Deliciem-se!

Algo faz barulho — Cai sozinho, sem ajuda, O espantalho.

Bonchô

Esnobar É exigir café fervendo E deixar esfriar.

Millôr Fernandes

Você deixou tudo a tua cara Só pra deixar tudo Com cara de saudade

Alice Ruiz

Viver é super difícil o mais fundo está sempre na superfície

Paulo Leminski

Achei que ia ter ânimo pra estudar por horas a fio

dias a fio vou pegar esse fio e me enforcar isso sim.

de uma politécnica : )

Haicais e hai-quases

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Rita Lee: O Rock’N’Roll da Babilônia Uma entrevista apaixonante e apaixonada....

Quando chegamos ao teatro Bandeiran- tes, a noite tépida de fim de setembro caía sobre nós, J. Fernando Lee, Rick Jagger e Kochinha que estávamosexcitadíssimos com a espera. Após um longo tempo (atenuado por uma pizza très, très jolie do Speranza), o Dodginho amarelo da Rita chegou; Rober- to (seu marido, pianista e guitarrista do Cães e Gatos), numa rápida manobra, estacionou loucamente, batendo de leve (não era na con- tra-mão) num carro atrás. Mas como diria um amigo nosso: tudo bem... a caravana passa e os cães ladram. Rita e seu grupo nem liga- ram para o evento e passaram depressinha a entrar no teatro. Perguntamos, uníssonos: e a entrevista? Ela respondeu: não esqueci, não. Esperem um pouquinho só. Esperamos qua- se meia hora. Nesse ínterim tentamos com- me matti penetrar no tenebroso castelo Ban- deirantes, num processo que faria Anthony Perkins invejar-nos em seu respectivo filme. Falamos com o seu Pedro, um canalha mui- to grande: não deu. Falamos com o porteiro: não deu. Falamos com o Wellington (nada neo-zelandês): não deu. Até que chegou um cara finíssimo, o Martino que, gentilmente nos deixou entrar para falar com o maior supers- tar do Brasil. É lógico que estávamos exta- siados, liquidificados numa sensação de mis- ticismo, amor e glória. Quando vimos a Rita Lee se maquiando em seu camarim dizendo oi! pra gente, sentimos ter atingido o Nirvana, ou mesmo até, a Babilônia, não importa: foi uma emoção que só os adoradores do rock podem ter ao se deparar com seus ídolos... Foi um verdadeiro musí! Rita é linda em tudo, estranhamente natural, quase mortal. Apaixo-

namo-nos por ela imediately. Estava sentada, de frente pro espelho, passando rímel (faltava meia hora pro show) ao lado de sua percur- sionista (Naila) de uma beleza embriagado- ra. Tínhamos cinco minutos, mas nosso papo durou vinte. Para aqueles que a amam, eis aqui, na íntegra, a entrevista (para os que não amam, apenas um desprezo)

José Fernando Lee

Rick: Eu sei que você está ocupada, mas vamos levar um papo super-rápido...

Rita: (olhando-se no espelho) Tá legal. Rick: Como você sabe, nós somos uni-

versitários e você pode falar o que quiser, sem frescuras, inclusive contra nossa clas- se. Pra começar, o que você acha do públi- co universitário? Eu sei que eles te podam muito...

Rita: Às vezes, às vezes... Meu maior contato com eles foi com o show da Refes- tança. Com o Gil; o Gil está mais perto de- les... A coisa ficou mais ou menos em equí- vocos...

Rick: O Raul Seixas é que tem bronca com eles...

Rita: É, mas eu não tenho muito contato... Rick: Certo, me diz um negócio: e o

rock nacional, sumiu? Só tem você e uns ga- tos pingados... (risadas curtinhas). Ficam os grandes e morrem os pequenos...

Rita: (indecisa) O que eu entendo de rock é uma coisa que para mim significa...

J. Fernando: Refestança? Rita: Não, não... É algo que deve atin-

gir o maior número de pessoas possível, que deve ser um lance popular. Eu acho que as pessoas que se intitulam roqueiros, que pegaram bandeiras do rock não pensaram justamente neste lado, nessa coisa feita pro

Remexida no Baú/Entrevista Idos da década de 80

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povo. Ficou uma música de músico pra mú- sico, “vamos tirar um som”... Não se preocu- param, desprezaram as letras...

Rick: A língua portuguesa dificulta a le- tra de rock?

Rita: Eu não sei se dificulta agora. Acho que não. Uma vez que a gente fala portu- guês, tem muito a ver... É legal sofrer influ- ências, ouvir muita coisa, tudo, se possível. Sofrer influências de tudo também é ótimo.

Rick: Você escutou muito Stones - você escuta ainda?

Rita: Ainda. Rick: O J. Fernando te viu no festival de

jazz e até levou um papo com você... Que é que você achou do festival? Sem essa de “grande evento” - Acho que não tem nada a ver esse tipo de resposta.

Rita: Aaah... Foi um barato... J. Fernando: Você só foi à tarde, não é?

Só viu o John McLaughlin? Rita: É, como eu tava fazendo show

todas as noites, então não dava... Eu achei bom, por exemplo, para as pessoas que ti- nham um lance musical seguro, forte. Ou fa- ziam maravilhas ou desastres, como o Milton Nascimento, ou melhor, Milton Falescimento, certo (risadas quilométricas, berrinhos, sus- surros lúbricos). E o HERMETO, um grande bruxo, roubou o show de todos...

J. Fernando: Eu tava lá com o Ezequiel Neves e, no meio do show do Milton, ele deu o maior berro, foi uma loucura...

Rita: Pro pessoal de fora foi mais lou- cura ainda... Mas foi muito Rock esse show de Jazz (a fazer caretas deliciosas). A Etta James fez rock puro...

Rick: Rita, agora uma pergunta meio chata: qual a importância da Rede Globo em sua vida?

Rita: (misteriosa, piscando os dedos, em posição de bote): Plin-Plin! (gargalhadas rumorejantes).

Rick: Por que acabou o Tutti Frutti? Você brigou com o Carlini (guitarrista)?

Rita: (gozativa) Não, absolutamen-

te, somos grandes amigos... (séria) Não posso dizer porque a briga

não foi comigo, nem posso dizer que houve briga, numas de quem é esperto, se vira... Foi um lance com o Tutti, o Si, o Serginho. Então o Luís registrou o nome e propôs às outras pessoas... e ficou triste a coisa. No fundo era lance pra ser de todo mundo.

Rick: Como é que é seu dia? (é uma pergunta tipo Capricho, essa!)

Rita: Meu dia? Depende... Quando eu estou fazendo show, eu acordo muito tarde, lá pras 2 da tarde e eu acho isso horrível...

Rick: Quando nós marcamos a entre- vista para as 7 horas, o J. Fernando pensou “será que é 7 horas da manhã?” (risos tími- dos) Eu disse “nem a pau”...

Rita: Não, por mais bagunça que a gente faça, essa bagunça deve ser discipli- nada... Mas aí, durante o dia eu faço muita coisa: massagem, ginástica, troco fraldas, faço música, escrevo...

J. Fernando: E os teclados, você lar- gou?

Rita: Não, eu curto. Mas é que o piano está num lugar tão esquisito da casa.

J. Fernando: E tem o Roberto, que toca mais...

Rita: Não, ele gosta mais de guitarra... Rick: Fale alguma coisa de São Paulo. Rita: São Paulo? Quem pode falar mais

é aquela música do Caetano, Sampa... J. Fernando: A tua mais completa tra-

dução... Rita: (pop-star) De fato, eu sou apenas

a mais completa tradução (risadas estrepi- tosas).

Rick: Agora é moda, você falou numa música, ocupar o mercado estrangeiro...

Rita: (irônica) É a Rede Globo da minha vida. (gargalhadas irresistíveis)

Rick: Como é, tem mercado lá fora? Uruguai, Paraguai...

Rita: Tem sim. Mas as pessoas sempre botam culpa em alguma coisa, tão é mais chic, de um cunho intelectual, político, so-

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cial, ocupar o mercado estrangeiro, certo? (risos)

Rick para J. Fernando: Ela tá politiza- da, não é Odara!

Rick: Me diz uma coisa: qual o segredo da sua juventude - você é mais nova do que eu... (risadas e mais risadas, Rita cantarola algo)

Rita: (felicíssima) Você me ganhou agora! (risos) Não tem segredo, não.

Rick agora para a Rita Lee mãe: que você quer que o teu filho seja?

Rita: Eu quero que ele seja feliz. Se ele for feliz vai fazer o que gosta.

Rick para J. Fernando: Como todo papo de mãe.... (risos)

Rick: E o punk? Rita: O punk é engraçado lá fora. Se eu

fosse inglesa, eu acharia muito engraçado, mas no Brasil é muito esquisito.

Rick: Agora vamos dizer alguns nomes e você vai dizer o que passar pela cabeça.

John Travolta Rita: Só me traga o João na volta (risinhos) Zeca (Ezequiel Neves) Rita: O Zeca Jagger? Que é o Zeca... É

o conde de são Genaro! (risos) Keith Richards Rita: Ele é ótimo... Um macaquinho

(franzindo o rosto) um macaquinho drogado Rick: Figueiredo... Rita: Ele é um cava...lheiro (risadas

medrosíssimas) Rick: Marlon Brando... Rita: Ah, o mar está tão brando... Rick: Sílvio Santos... Rita: Não sei, o Sílvio Santos já pegou

fogo (risos calorosos) Rick: Sônia Braga... Rita: (cantando como criança) Eu visi-

tei a dama da lotação, mas minas do rei Sa- lomão. (risos)

Rick: Karl Marx... Rita: (séria) Tudo bem, sou corinthiana. Rick: Woody Allen... Não vale dizer que

é divertido ou gozado. Rita: Justamente, eu não acho nada

disso, acho ele um chato, um neurótico... (ri- sos paranóicos)

Rick: Bom, pra acabar o papo, sua ficha: Rick: Signo? Rita: Capricórnio, ascendente: aquário. Rick: Prato predileto? Rita: (imitando com cabeça e gestos)

Caranguejo. Rick: Cor?

Rita: (como uma criança chata): o azul, cor dos meus olhos.

Rick: Música predileta de sua autoria? J. Fernando: É Modinha? Rita: Não, eu gosto dela, mas sou mais

“não sei se estou piorando ou se as coisas estão melhorando”. É bem mais eu.

Rick: Teu disco favorito é Babilônia? Rita: É. Rick: E “Hoje é o 1º dia do resto de sua

vida” Rita: Esse aí marcou uma época muito

confusa... Rick: Agora a pergunta chavão de todo

roqueiro: qual o melhor conjunto do mundo? Se falar “Stones” ganha um beijo...

Rita: Eu gosto deles, mas sou mais Ste- vie Wonder (é felicidade geral)

Rick: Não adianta, vai ganhar um beijo do mesmo jeito...

O que você achou da entrevista? Faltou alguma coisa?

Rita: Foi ótima, não faltou nada. De onde vocês são mesmo?

Rick: Nós fazemos o 3º ano da Poli, na USP. Rita: Eu fiz um ano de comunicações

na USP. Quase faleci... J. Fernando: Nós já estamos meio mor-

tos... Rick: É uma escola que enche o saco...

Agora, off the record, porque esta puta buro- cracia para entrar aqui no teatro?

Rita: (brincando de pop-star outra vez) Eu tenho os meus guarda-costas.

J. Fernando: Aquele seu Pedro é um chato, se não fosse o Martino...

Rick, J. Fernando e Cochinha: Bom nós vamos indo. Obrigado. Tchau! (beijos alucinógenos)

Perguntas propostas por: Rick Jagger, J. Fernando Lee Koxinha Benvenutti.

Fotografia: Koxinha

Som: Koxinha

* Infelizmente, as fotografias se perde- ram no tempo.

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Nelson Rodrigues, considerado o maior dramaturgo brasileiro, é famoso por sua lín- gua ácida tanto nas ficções quanto por ele mesmo. Quando se indignava com a platéia, não economizava impropérios. Amado, odia- do e sempre endividado, encomendavam- -lhe textos e ele os fazia. O resultado? Qua- se sempre chocava. Registrou com esmero a classe média brasileira e a desnudou, es- cancarando a hipocrisia presente nos idos das décadas de 40, 50 e 60. Tinha por ma- nia implicar com pessoas que conhecia, que o diga Otto Lara Resende, seu amigo. Lem- brado também por ter sido admirado pelos militares em plena Ditadura Militar, mas não lembrado por ter um filho caçado por esta. Nelsinho, seu filho, foi um dos “terroristas” mais procurados durante os anos de Chum- bo. Usando de seu prestígio para com os militares, de 1969 a 1970, ajudou na locali- zação, libertação e fuga de vários militantes da época.

Seus escritos? Um inventário riquís- simo dos recônditos humanos. Inventário atemporal porque a capa de verniz social que cavoucou e pôs a vista, essa não muda nunca.

Para quem quiser saber mais sobre a vida desse grande homem, o site http://www. releituras.com/nelsonr_bio.asp é muito bem detalhado e bem elaborado.

“Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o bu- raco da fechadura é, realmente, a minha óti- ca de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico.”

Karol Costal

Um anjo Pornográfico

DELICADO - Primeiro, o casal teve sete filhas! O pai, que se chamava Macário, co- çava a cabeça, numa exclamação única e consternada:— Papagaio!Era um santo e obstinado homem. Sua utopia de namora- do fora um simples e exíguo casal de filhos, um de cada sexo. Veio a primeira menina, mais outra, uma terceira, uma quarta e outro qualquer teria desistido, considerado que a vida encareceu muito. Mas seu Macário in- cluía entre seus defeitos o de ser teimoso. Na quinta filha, pessoas sensatas aconse- lharam: “Entrega os pontos, que é mais ne- gócio!”. Seu Macário respirou fundo:— Não, nunca! Nunca! Eu não sossego enquanto não tiver um filho homem! Por sorte, casara- -se com uma mulher; d. Flávia, que era, aci- ma de tudo, mãe. Sua gravidez transcorria docemente, sem enjôos, desejos, tranquila, quase eufórica. Quanto ao parto propria- mente, era outro fenômeno estranhíssimo. Punha os filhos no mundo sem um gemido, sem uma careta. O marido sofria mais. Digo “sofria mais” porque o acometia, nessas ocasiões, uma dor de dente apocalíptica, de origem emocional. O caso dava o que pen- sar, pois Macáriotinha na boca uma chapa dupla. Quando nasceu a sétima filha, o ma- rido arrancou de si um suspiro em profun- didade; e anunciou:— Minha mulher, agora nós vamos fazer a última tentativa!

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Page 25: Cê viu? - Novembro 2013

25

EUSEBIOZINHO- Assim nasceu o Eu- sebiozinho, no parto mais indolor que se possa imaginar. Uma prima solteirona veio perguntar, sôfrega: “Levou algum ponto?”. Ralharam:— Sossega o periquito!O fato é que seu Macário atingira, em cheio, o seu ideal de pai. Nascido o filho e passada a dor da chapa dupla, o homem gemeu: “Tenho um filho homem. Agora posso morrer!”. E, de fato, quarenta e oito horas depois, estava almoçando, quando desaba com a cabeça no prato. Um derrame fulminante antes da sobremesa. Para d. Flávia foi um desgosto pavoroso. Chorou, bateu com a cabeça nas paredes, teve que ser subjugada. E, na rea- lidade, só sossegava na hora de dar o pei- to. Então, assoava-se e dizia à pessoa mais próximo:

— Traz o Eusebiozinho que é hora de mamar!

NOVO PARTO - No dia que d. Flávia ia ter o oitavo filho, os nervos de seu Macário estavam em pandarecos. Veio, chamada às pressas, a parteira, que era uma senhora de cento e trinta quilos, baixinha epatusca. A parteira espiou-a com uma experiência de mil e setecentos partos e concluiu: “Não é pra já!”. Ao que, mais do que depressa, replicou seu Macário:— Meus dentes estão doendo! E, de fato, o grande termômetro, em qualquer parto da esposa, era a sua dentadura. A parteira duvidou, mas, daí a cinco minutos, foi chamada outra vez. Houve um incidente de última hora. É que a digna profissional já não sabia onde estava a luva. Procura daqui, dali, e não acha. Com uma tremenda dor de dentes postiços, seu Macá- rio teve de passar-lhe um sabão:— Pra que luvas, carambolas? Mania de luvas!

FLOR DE RAPAZ - Eusebiozinho criou- -se agarrado às saias da mãe, das irmãs, das tias, das vizinhas. Desde criança, só gostava de companhias femininas. Qual- quer homem infundia-lhe terror. De resto, a mãe e as irmãs o segregavam dos outros meninos. Recomendavam: “Brinca só com meninas, ouviu? Menino diz nomes feios!”. O fato é que, num lar que era uma bastilha de mulheres, ele atingiu os dezesseis anos sem ter jamais proferido um nome feio, ou tentado um cigarro. Não se podia desejar maior doçura de modos, idéias, sentimen- tos. Era adorado em casa, inclusive pelas criadas. As irmãs não se casavam, porque deveres matrimoniais viriam afastá-las do rapaz. E tudo continuaria assim, no melhor dos mundos se, de repente, não aconteces- se um imprevisto. Um tio do rapaz vem visi- tar a família e pergunta:— Você tem namo- rada?— Não.— Nem teve?— Nem tive. Foi o bastante. O velho quase pôs a casa abaixo. Assombrou aquelas mulheres transidas com osvaticínios mais funestos: “Vocês estão querendo ver a caveira do rapaz?”. Virou-se para d. Flávia:— Isso é um crime, ouviu?, é um crime o que vocês estão fazendo com esse rapaz! Vem cá, Eusébio, vem cá! Im- placável, submeteu o sobrinho a uma exibi- ção. Apontava:— Isso é jeito de homem, é? Esse rapaz tem que casar, rápido!

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Page 26: Cê viu? - Novembro 2013

26

PROBLEMA MATRIMONIAL- Quando o tio despediu-se, o pânico estava espalha- do na família. Mãe e filhas se entreolharam:”É mesmo, é mesmo! Nós temos sido muito egoístas! Nós não pensamos no Eusebio- zinho!”.Quanto ao rapaz, tremia num canto. Ressentido ainda com a franqueza bestial do tio, bufou:— Está muito bem assim!A ver- dade é que já o apavorava a perspectiva de qualquer mudança numa vida tão doce. Mas a mãe chorou, replicou: “Não, meu filho. Seu tio tem razão. Você precisa casar, sim”. Atô- nito, Eusebiozinho olha em torno. Mas não encontrou apoio. Então, espavorido, ele per- gunta:— Casar pra quê? Por quê? E vocês? — Interpela as irmãs: — Por que vocês não se casaram? A resposta foi vaga, insatisfató- ria:— Mulher é outra coisa. Diferente.

A NAMORADA- Houve, então, uma conspiração quase internacional de mulhe- res. Mãe, irmãs, tias, vizinhas desandaram a procurar uma namorada para o Eusebio- zinho. Entre várias pequenas possíveis, acabaram descobrindo uma. E o patético é que o principal interessado não foi ouvido, nem cheirado. Um belo dia, é apresentado a Iracema. Uma menina de dezessete anos, mas que tinha umas cadeiras de mulher ca- sada. Cheia de corpo, um olhar rutilante, lábios grossos, ela produziu, inicialmente, uma sensação de terror no rapaz. Tinha uns modos desenvoltos que o esmagavam. E começou o idílio mais estranho de que há memória. Numa sala ampla da Tijuca, os dois namoravam. Mas jamais os dois ficaram sozinhos. De dez a quinze mulheres forma- vam a seleta e ávida assistência do roman- ce. Eusebiozinho, estatelado numa inibição mortal e materialmente incapaz de segurar na mão de Iracema. Esta, por sua vez, era outra constrangida. Quem deu remédio à si- tuação, ainda uma vez, foi o inconveniente e destemperado tio. Viu o pessoal femini- no controlando o namoro. Explodiu: “Vocês acham que alguém pode namorar com uma assistência de Fla-Flu? Vamos deixar os dois sozinhos, ora bolas!”. Ocorreu, então, o se- guinte: sozinha com o namorado, Iracema atirou-lhe um beijo no pescoço. O desgra- çado crispou-se, eletrizado:— Não faz assim que eu sinto cócegas!

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Page 27: Cê viu? - Novembro 2013

27

O VESTIDO DE NOIVA- Começaram os preparativos para o casamento. Um dia, Iracema apareceu, frenética, desfraldando uma revista. Descobrira uma coisa espeta- cular e quase esfregou aquilo na cara do Eusebiozinho: “Não é bacana esse mode- lo?”. A reação do rapaz foi surpreendente. Se Iracema gostara do figurino, ele muito mais. Tomou-se de fanatismo pela gravu- ra:— Que beleza, meu Deus! Que maravi- lha! Houve, aliás, unanimidade feroz. Todos aprovaram o modelo que fascinava Iracema. Então, a mãe e as irmãs do rapaz resolveram dar aquele vestido à pequena. E mais, re- solveram elas mesmas confeccionar. Com- praram metros e metros de fazenda. Com um encanto, um élan tremendo, começaram a fazer o vestido. Cada qual se dedicava à sua tarefa como se cosesse para si mesma. Ninguém ali, no entanto, parecia tão interes- sado quanto Eusebiozinho. Sentava-se, ao lado da mãe e das irmãs, num deslumbra- mento: “Mas como é bonito! Como é lindo!”. E seu enlevo era tanto que uma vizinha, mui- to sem cerimônia, brincou:— Parece até que é Eusebiozinho que vai vestir esse negócio!

O LADRÃO- Uns quatro dias antes do casamento, o vestido estava pronto. Medita- tivo, Eusebiozinho suspirava: “A coisa mais bonita do mundo é uma noiva!”. Muito bem. Passa-se mais um dia. E, súbito, há naquela casa o alarme: “Desapareceu o vestido da noiva!”. Foi um tumulto de mulheres. Puse- ram a casa de pernas para o ar, e nada. Era óbvia a conclusão: alguém roubou! E como faltavam poucos dias para o casamento su- geriram à desesperada Iracema: “O golpe é casar sem vestido de noiva!”. Para quê? Ela se insultou:— Casar sem vestido de noiva, uma pinóia! Pois sim!Chamaram até a po- lícia. O mistério era a verdade, alucinante: Quem poderia ter interesse num vestido de noiva? Todas as investigações resultaram inúteis. E só descobriram o ladrão quando dois dias depois, pela manhã, d. Flávia acor- da e dá com aquele vulto branco, suspenso no corredor. Vestido de noiva, com véu e gri- nalda — enforcara-se Eusebiozinho, deixan- do o seguinte e doloroso bilhete: “Quero ser enterrado assim”.

Nelson Rodrigues

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28 foto: Martim Passos

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Nossa saúde está nas mãos do merca- do há muito tempo e assim não se pratica a saúde preventiva, a forma mais eficiente de melhorar a saúde de uma nação. Nossos médicos nem são educados para isso, já que devem se inserir no cenário da saúde atual.

Nossa educação é péssima, mes- mo nas mais caras escolas particulares. É enorme a quantidade de professores que afirmam abrir mão de alguns conteúdos e métodos de ensino para garantir a competi- tividade da escola frente à seleção do vesti- bular e aos sistemas de avaliação.

Nossas cidades são planejadas pelo mercado imobiliário. A terra é mais uma mer- cadoria do que um meio para garantir boas condições de vida para a população. Sendo assim, nossas cidades são um caos. As con- dições de vida são péssimas. A insegurança e a desigualdade reinam.

Nosso sistema de produção de alimen- to é globalizado. Os países subdesenvolvi- dos possuem enormes plantações para ex- portação, mas não dão conta da produção para eles mesmos. Assim, são dependentes da importação de alimentos, e os compram com o dinheiro recebido das multinacionais que possuem plantações em seu território. Configura-se uma espécie de neo-colonia- lismo.

Muitos líderes mundiais hoje reconhe- cem que as recentes ondas de fome na Áfri- ca se devem ao fato de tratarmos o alimento como mercadoria e não como premissa para a vida. A alimentação é demasiada impor- tante para ser controlada pelo mercado, di- zem. Pois então a saúde, a educação e o planejamento urbano também.

Não conseguimos enxergar esses pon- tos, pois vivemos na era da ideologia. Nunca estivemos tão convencidos de nossa ideolo- gia frente à realidade. A ideologia neolibe- ral, que se diz pragmática e pós-ideológica, é tão forte que se mantém viva durante a cri- se causada por ela mesma. A liberação de

700 bilhões de dólares para salvar os ban- cos estadunidenses foi realizada de forma muito mais rápida do que a liberação de 2,2 bilhões de dólares pela OMC para desenvol- ver a agricultura no terceiro mundo. O rees- tabelecimento na fé do mercado é tratado com mais urgência do que a erradicação da fome, da mortalidade infantil e do analfabe- tismo.

As premissas ideológicas de nossos tempos embutem nas pessoas a fé na mais irrealizável de todas as utopias: os proble- mas da sociedade podem ser resolvidos dentro do capitalismo. Todos estão cegos ao fato de que, na verdade, a maior parte des- ses problemas é estrutural ao capitalismo e não casos de mau funcionamento acidental do sistema.

Temos de abrir os olhos e pensar outra forma de organizar a sociedade.

A ideologia nos coloca num estado de negação da realidade. A realidade é que o capitalismo jamais acabará com a pobreza, já que funciona à custa da desvalorização do trabalho e, portanto, precisa de muita mão de obra barata para que sobreviva; a realidade é que as favelas não são espaços de não desenvolvimento capitalista, mas crescem com a entrada de mercados capi- talistas em países periféricos; a realidade é que o macro planejamento e o fim do consu- mismo são as formas mais eficientes de nos salvar da catástrofe ambiental, mas contra- riam os interesses e a lógica capitalista; a realidade é que não devemos ter medo de nos dizer anticapitalistas, que o nosso siste- ma é cheio de contradições, e não um ciclo fechado como prega a ideologia de nossos tempos.

Definição de ideologia usada nesse texto: Falsa consciência, ideias capazes de deformar a compreensão sobre o modo como se processam as relações de produ- ção. Surge a partir da divisão entre trabalho manual e intelectual.

João Pedro Salva Geddo

Vivemos na era da ideologia

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USP e o Pseudo-Maniqueísmo

À luz dos acontecimentos recentes

(greves, protestos, assembleias, debates

calorosos, trancaços) que vêm moldando o

cotidiano do cidadão vinculado ao mundo

universitário, seja acadêmica ou

espacialmente, é natural que surja a

indagação pessoal de quais são os agentes

dessas transformações. É evidente que,

diante da complexidade do tema e da

percepção atrelada à cada um, existem

pontos de vista muito distintos. Divididas em

grandes grupos, as opiniões já estabelecidas

acabam influenciando a reflexão, escolha e

posicionamento individual do aluno mais

desinformado, que acaba adotando uma

visão dicotomizada. Fica como proposta,

portanto, a exposição do atual panorama

político da universidade para que, livre e de

forma consciente, possa-se definir quais as

intenções que melhor representam a vontade

do leitor.

Segundo a diretoria do Diretório

Central dos Estudantes da USP (DCE), as

propostas de intervenção podem ser

divididas em três grandes blocos:

“democracia, permanência e contra a

repressão”. Ou seja, por exemplo, as diretas

para reitor encaixam-se no primeiro, a

devolução dos blocos K e L para moradia no

segundo e a não-intervenção da PM nas

manifestações no terceiro. É defendido por

este também que é inadmissível que a

reitoria não atenda imediatamente suas

reivindicações. Logo, neste ponto de vista, é

culpa da reitoria o transtorno causado na

Universidade, haja vista que não acatou as

decisões do DCE.

Não obstante, é preciso notar

que muitos estudantes queixam-se de não

estarem engajados com o DCE e, muitas

vezes, nem de acordo com as decisões

tomadas. Assim, um empecilho para

qualquer modificação na estrutura da

Universidade, ou simplesmente para um

consenso pacífico, é a falta de união entre os

estudantes. Logo, sendo as propostas justas

ou não, necessárias ou não-conforme a

variabilidade das opiniões-, fica evidente que

ambos os lados estão descontentes. A falta

de sucesso no movimento é simultânea e

proporcional à infelicidade daqueles que se

sentem prejudicados por não poderem, por

exemplo, entrar no Campus em dia de prova.

Não só as propostas, mas as críticas

da oposição podem também ser agrupadas

em dois blocos: autoritarismo e

cerceamento da liberdade. O primeiro

argumenta que o DCE não é amplamente

apoiado pelos alunos e que, ao decidir em

nome dos mesmos, acaba sendo autoritário.

Assim, a luta pela implementação das

melhorias (segundo o DCE) pros estudantes

acaba sendo questionada, sendo vista mais

como um prejuízo que uma representação

pelos outros alunos. E é exatamente este

impasse que acaba fragmentando-nos e

inviabilizando qualquer concordância entre

as partes: ninguém assume que está

errado.

No que tange a questão das diretas

para reitor, tema predominante e o

“estopim” para a ocupação da reitoria e

outros protestos, esperamos esclarecer o

mecanismo de eleição para que possam

tirar suas conclusões.

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Dados retirados de uma reportagem feita pelo Jornal do Campus. (Link: http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2009/10/como-e-eleito-o-reitor/ ).

O caráter democrático ou não do sistema atual é questionado por várias esferas da universidade. Os defensores afirmam que a eleição indireta não consiste em um método autoritário, a lista tríplice representaria os candidatos preferenciais da comunidade universitária e a escolha final nas mãos do governador também seria democrática, uma vez que este foi eleito pela população do Estado de São Paulo, a qual mantém a faculdade e para a qual ela foi criada.

Muitos opositores, por sua vez,

afirmam que o modelo da lista tríplice e a

decisão final do governador, que pode vir a

escolher o candidato menos votado dentre os

que compõe a lista, teria caráter autoritário.

Além disso, a atual distribuição dos

processos de escolha no primeiro e segundo

turno tem uma participação mínima da

comunidade universitária, diversas

comissões e assembleias acontecem a

portas fechadas, assim o aluno é impedido

de participar efetivamente da escolha de seu

reitor e de outras discussões importantes. O

maior requerimento, portanto, seria a

abertura de um canal direto de comunicação

com a reitoria, para que assim, seja possível

arquitetar um novo sistema.

Em meio a tudo isso é preciso notar,

todavia, que talvez ninguém esteja certo

mesmo. Seja nas ideias, no forma de se

expressar, na atitude perante a coletividade,

todos erraram em algum ponto. Ou pelo

menos, a entidade que representa o aluno

errou. É fundamental, portanto, que todos

tenham seus posicionamentos muito bem

definidos, a fim de que a escolha da entidade

que nos representa seja o mais absoluta

possível e possa, de fato, representar a

maioria do corpo de estudantes da USP.

Assim, qualquer erro cometido por esta

deveria ser questionado, com intuito que um

reposicionamento seja feito. E é essa

cobrança segundo uma entidade

representativa que ilustra um quadro de

democracia no campus. E é neste ponto em

que poderíamos todos concordar.

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