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Resumo. Este estudo investigou os efeitos de procedimentos de treino de mães que utilizam instruções ou instruções e fichas sobre as categorias com- portamentais “elogiar o comportamento da criança”, “instruir a criança” e “fazer o exercício pela criança”. Participaram do estudo 7 duplas de mães e filhos organizadas aleatoriamente em dois grupos (Grupos 1 e 2). Na Fase 1 do estudo, pediu-se às mães para ajudarem seus filhos a realizar tarefas constituídas por contas ou problemas de Matemática e a interação de cada dupla mãe-criança foi filmada. Na Fase 2, as mães dos Grupo 1 e 2, individu- almente, receberam instruções sobre como ajudar os filhos na realização da tarefa. As mães do Grupo 2 receberam adicionalmente, fichas como conse- qüência para ocorrências de comportamentos de elogiar acertos dos filhos e de dar instruções para a realização da tarefa. Na Fase 3, repetiram-se os pro- cedimentos da Fase 1 com todos os grupos. Os dados obtidos sugerem que a forma de treinamento empregada não produziu diferenças nos resultados obtidos. Além disso, os resultados sugerem que treinamentos individualiza- dos possibilitam o atendimento de necessidades mais específicas das mães e, com isso, revelam-se mais eficazes e interessantes do que um trabalho em grupo. Palavras-chave: treino de mães, fichas e instruções, tarefa escolar. Abstract. This study investigated the effects of instructions or instructions plus tokens training procedures, used by mothers, on the following beha- vioral categories: “praise the child’s behavior”, “instruct the child”, and “do the task for the child”. Seven (7) mother-child pairs participated in the study. Mothers were chosen randomly and placed in two groups (Group 1 and Group 2). During Phase 1 of the study, mothers were asked to help their children with one task including math figures and problems. In Phase 2, mo- thers of Group 1 and 2 received instructions about how to help their children with their homework. The mothers of Group 2 used tokens additionally, as Contextos Clínicos, 1(2):113-124, julho-dezembro 2008 © 2008 by Unisinos - doi: 10.4013/ctc.20082.07 Treinamento de mães: instruções e fichas no auxílio à tarefa escolar 1 Mothers training: Instructions and tokens in school homework assistance Silvia Regina de Souza Camila Harumi Sudo Silmara Batistela Universidade Estadual de Londrina. Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento. Rodovia Celso Garcia Cid, PR 445, KM 380 - Caixa Postal 6001, 86051-990, Londrina, PR, Brasil. [email protected], [email protected], [email protected] 1 Apoio Fundação Araucária e PIBIC/CNPQ.

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Resumo. Este estudo investigou os efeitos de procedimentos de treino de mães que utilizam instruções ou instruções e fichas sobre as categorias com-portamentais “elogiar o comportamento da criança”, “instruir a criança” e “fazer o exercício pela criança”. Participaram do estudo 7 duplas de mães e filhos organizadas aleatoriamente em dois grupos (Grupos 1 e 2). Na Fase 1 do estudo, pediu-se às mães para ajudarem seus filhos a realizar tarefas constituídas por contas ou problemas de Matemática e a interação de cada dupla mãe-criança foi filmada. Na Fase 2, as mães dos Grupo 1 e 2, individu-almente, receberam instruções sobre como ajudar os filhos na realização da tarefa. As mães do Grupo 2 receberam adicionalmente, fichas como conse-qüência para ocorrências de comportamentos de elogiar acertos dos filhos e de dar instruções para a realização da tarefa. Na Fase 3, repetiram-se os pro-cedimentos da Fase 1 com todos os grupos. Os dados obtidos sugerem que a forma de treinamento empregada não produziu diferenças nos resultados obtidos. Além disso, os resultados sugerem que treinamentos individualiza-dos possibilitam o atendimento de necessidades mais específicas das mães e, com isso, revelam-se mais eficazes e interessantes do que um trabalho em grupo.

Palavras-chave: treino de mães, fichas e instruções, tarefa escolar.

Abstract. This study investigated the effects of instructions or instructions plus tokens training procedures, used by mothers, on the following beha-vioral categories: “praise the child’s behavior”, “instruct the child”, and “do the task for the child”. Seven (7) mother-child pairs participated in the study. Mothers were chosen randomly and placed in two groups (Group 1 and Group 2). During Phase 1 of the study, mothers were asked to help their children with one task including math figures and problems. In Phase 2, mo-thers of Group 1 and 2 received instructions about how to help their children with their homework. The mothers of Group 2 used tokens additionally, as

Contextos Clínicos, 1(2):113-124, julho-dezembro 2008© 2008 by Unisinos - doi: 10.4013/ctc.20082.07

Treinamento de mães: instruções e fichas no auxílio à tarefa escolar1

Mothers training: Instructions and tokens in school homework assistance

Silvia Regina de SouzaCamila Harumi Sudo

Silmara BatistelaUniversidade Estadual de Londrina. Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento.

Rodovia Celso Garcia Cid, PR 445, KM 380 - Caixa Postal 6001, 86051-990, Londrina, PR, Brasil. [email protected], [email protected], [email protected]

1 Apoio Fundação Araucária e PIBIC/CNPQ.

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Treinamento de mães: instruções e fichas no auxílio à tarefa escolar

à maneira como lidar com o comportamento dos filhos na realização destas. De acordo com Hübner e Marinotti (2000), o rendimento pe-dagógico do aluno pode ser afetado, muitas vezes, pela sua recusa em realizar suas tarefas ou por fazê-las de qualquer maneira.

Se o envolvimento dos pais com o traba-lho escolar dos filhos parece contribuir para promover o desempenho acadêmico desses alunos (Cooper et al., 2000; Eliam, 2001; Hill e Craft, 2003; Hoover-Dempsey et al., 2002; Pez-dek, et al., 2002; Souza, 2000) e se os pais pre-cisam ser preparados para manejar contingên-cias a fim de que a interação entre eles e seus filhos, no momento da realização da tarefa es-colar, ocorra de maneira positiva (Cooper et al., 2000), então treinamentos para pais deveriam ser elaborados com a finalidade de ensiná-los a atuar como facilitadores da aprendizagem de seus filhos.

Interessados nessa questão, Sampaio et al. (2004) realizaram um trabalho cujo objetivo foi investigar os efeitos de um treinamento ofe-recido às mães por meio de palestras sobre as categorias comportamentais “dar instruções”, “conferir a tarefa”, “reforçar”, “punir”, “fazer pela criança”, “apontar erros na resposta dada pela criança” e “chamar atenção da criança”. Participaram desse estudo duas mães e os fi-lhos que cursavam a segunda série de uma escola da periferia da cidade de Londrina e que, de acordo com o relato das professoras, apresentavam dificuldades de aprendizagem. As mães foram selecionadas porque, também de acordo com o relato das professoras, apre-sentavam dificuldades na interação com o fi-lho durante o acompanhamento da tarefa de casa. O trabalho foi conduzido com cada uma das duplas e composto de três fases: na Fase 1, a tarefa encaminhada pela professora era re-alizada pela criança, na escola, com o auxílio da mãe e a interação entre elas era filmada; na Fase 2, o treinamento das mães foi realizado na forma de palestras proferidas em cinco sessões

Introdução

O grande número de adolescentes e, es-pecialmente, de crianças encaminhadas para atendimento clínico nas clínicas-escola ou clí-nicas particulares, com queixas relativas ao mau desempenho escolar, mostra que conti-nua havendo necessidade de investigar manei-ras de evitar ou reduzir esse tipo de dificulda-de. De acordo com levantamentos realizados nas clínicas-escola, a maior parte da população que procura essas instituições encontra-se na faixa etária de 6 a 10 anos, e a razão principal para essa população encontra-se nos proble-mas escolares (Carvalho e Terzis, 1988; Lopez, 1983; Santos, 1990; Silvares, 1996; Terzis e Car-valho, 1986).

Trabalhos que investigaram os efeitos do envolvimento parental sobre o desempenho escolar das crianças sugerem a importância desse envolvimento (Blechman et al., 1981; Cooper et al., 2000; Hill e Craft, 2003; Hoover-Dempsey et al., 2002; Marturano, 1999; Souza, 2000; Voorhis e Landis, 2001). A expressão “envolvimento parental” compreende muitos comportamentos apresentados pelos pais em relação à vida escolar dos filhos. Entre eles, é importante citar as interações entre pais e fi-lhos nos trabalhos encaminhados pela escola, ou seja, na tarefa escolar.

A tarefa escolar é composta de exercícios e/ou atividades, solicitados pelo professor e rea-lizados pelo aluno, fora do horário normal de sala de aula (Cooper, 1989 in Eliam, 2001) e tem por objetivo o treino dos conteúdos ensinados pelo professor, durante as aulas, visando ao desenvolvimento das habilidades acadêmicas dos alunos. São comuns as queixas da escola de que os alunos fazem mal as tarefas ou não as fazem e de que os pais não assistem os filhos. Observações não sistemáticas nas escolas mos-tram também que são comuns as queixas dos pais em relação à dificuldade e à quantidade das tarefas encaminhadas pela escola e quanto

a consequence, for the mothers’ behavior of praise the child’s behavior and instruct the child instead of doing their homework. In Phase 3, the procedu-res from Phase 1 were used with both groups. Data from the study suggest that the training method used did not have any effect on the results. In addi-tion, results show that individualized training can meet the specific needs of mothers more efficiently, and are more interesting than group training.

Key words: mothers training, tokens and instructions, school homework.

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de trinta minutos, aproximadamente, e abor-dou tópicos como a importância do elogio, os efeitos adversos da punição, a eliminação de estímulos concorrentes com a tarefa de casa, a extinção de respostas incompatíveis com a re-alização da tarefa de casa e o uso de instruções que a criança deveria seguir para a realização do exercício proposto na tarefa sem, contudo, dar a resposta para ela. Após cada palestra, as mães realizavam com os filhos a tarefa de casa encaminhada pela professora, e a interação en-tre elas e os filhos era filmada. Finalmente, a Fase 3 foi semelhante à Fase 1. Os resultados obtidos mostraram que o treinamento dado às mães foi efetivo para que: (a) a Dupla 2 aumen-tasse a taxa de ocorrência da categoria “refor-çar” (de 0,2 R/min, na Fase 1, para 0,6 R/min, na Fase 3); (b) as Duplas 1 e 2 diminuíssem a taxa de ocorrência da categoria “fazer pela criança” (de 0,6 R/min, na Fase 1, para 0,2 R/min, na Fase 3; e de 0,8 R/min, na Fase 1, para 0,4 R/min, na Fase 3, respectivamente). A taxa de respostas da categoria “dar instruções” não sofreu alteração, mas a qualidade das instru-ções dadas à criança melhorou.

No estudo de Sampaio et al. (2004) verifi-cou-se, contudo, que o treinamento não foi suficiente para a Dupla 1 conseguir mudanças em todas as categorias investigadas (ex., cate-goria “reforçar”). Com essa dupla, Sampaio et al. introduziram um procedimento adicional de ensino no qual a pesquisadora ficava pre-sente na sala enquanto a mãe realizava a ati-vidade com a criança, e reforçava os compor-tamentos adequados da mãe na interação com o filho. Os resultados obtidos com esse proce-dimento sugeriram que um treinamento – no qual os comportamentos da mãe na interação com o filho pudessem ser modelados direta-mente – seria mais efetivo que um treinamento que envolvesse apenas instruções em forma de palestras sobre como as mães deveriam agir.

Scarpelli et al. (2006) investigaram os efei-tos de um procedimento de treino de mães que envolveu instruções e fornecimento de conse-qüências para o comportamento delas. As cate-gorias comportamentais estudadas foram “re-forçar o comportamento da criança”, “punir o comportamento da criança”, “dar instruções para a criança” e “fazer o exercício pela crian-ça”. Participaram duas duplas de mães e seus filhos. Tarefas de Matemática eram entregues à dupla, e a criança deveria realizá-las sob su-pervisão da mãe (Fase 1). A interação entre mãe e criança era filmada. Na Fase 2, a pesquisado-ra ficava na sala, mas sem intervir, enquanto a

mãe realizava a tarefa com seu filho. Na Fase 3, inicialmente, a pesquisadora reunia-se com a mãe e discutia conceitos importantes para que ela pudesse ser mais efetiva no auxílio a seus filhos na tarefa escolar. Nessas reuniões, discutia-se com as mães a importância do re-forço positivo contingente ao comportamento adequado do filho, a importância das instru-ções para que a criança chegue ao resultado correto de um exercício e os efeitos do uso constante de punição sobre os comportamen-tos da criança. Após cada sessão de orientação, as mães eram instruídas a auxiliar seus filhos na realização da tarefa e um procedimento de economia de fichas foi usado. Nesse procedi-mento, fichas de cores diferentes eram libera-das ou retiradas como conseqüência para os comportamentos de cada uma das mães. Ou seja, os comportamentos das mães de elogiar ou de instruir os filhos na realização da tarefa eram seguidos pela apresentação de uma ficha e os comportamentos de punir comportamen-tos da criança ou de fazer o exercício por ela eram seguidos pela retirada de fichas ganhas. No final de cada sessão, as fichas recebidas eram contadas, e o total de pontos ganhos pela mãe, registrados. As sessões eram conduzidas individualmente com cada mãe. Ao final de cada etapa dessa fase, os pontos ganhos com as fichas poderiam ser trocados por prêmios. Após o término da Fase 3, as Fases 2 e 1 foram reimplementadas. Verificou-se que, para am-bas as duplas, houve uma diminuição na taxa de respostas com a entrada da experimentado-ra na sala. Todavia, de maneira geral, com o início da intervenção, houve um aumento na freqüência de comportamentos “adequados” e uma diminuição dos “inadequados”. Ou seja, a Dupla 1 obteve um aumento na taxa média de respostas na categoria “reforçar” e uma diminuição nas categorias “punir” e “fazer o exercício pela criança”. A Dupla 2 mostrou um ligeiro aumento na taxa média de respostas na categoria “reforçar” e uma diminuição na ca-tegoria “fazer o exercício pela criança”.

Conquanto os estudos desenvolvidos por Sampaio et al. (2004) e Scarpelli et al. (2006) tenham apresentado resultados interessantes (i.e., aumento da taxa nas categorias “refor-çar” e diminuição na taxa da categoria “fazer o exercício pela criança”), eles foram conduzi-dos individualmente com as duplas. Uma vez que o envolvimento dos pais na tarefa escolar pode contribuir para melhorar o desempenho acadêmico dos filhos, estudos que possibili-tem a um maior número de pais beneficiar-se

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Treinamento de mães: instruções e fichas no auxílio à tarefa escolar

de semelhantes treinamentos parecem ser uma linha de pesquisa promissora.

Interessados em avaliar se um treinamen-to de mães em grupo produziria resultados semelhantes aos obtidos por Sampaio et al. (2004) e por Scarpelli et al. (2006), Sudo et al. (2006) investigaram se mães melhorariam a in-teração com os filhos durante a tarefa escolar com um treinamento que utilizasse instruções e modelação. Participaram dessa pesquisa quatro duplas de mães e seus filhos. O estudo foi composto de três fases. Na Fase 1, as mães auxiliaram os filhos na realização de tarefas es-colares; a interação entre eles foi filmada. Na Fase 2, inicialmente, foram ensinados conceitos importantes para que as mães pudessem ser mais efetivas em auxiliar os filhos na tarefa es-colar. Em seguida, o filho de uma das mães era chamado, e a pesquisadora auxiliava a crian-ça na execução da tarefa, enquanto todas as mães assistiam à interação entre pesquisadora e criança. Posteriormente, a pesquisadora saía da sala e a mãe daquela criança era chamada. A mãe deveria auxiliar seu filho a completar a tarefa. Enquanto isso, as outras mães assis-tiam à interação entre aquela mãe e seu filho (mães-observadoras). Finalmente, as crianças das “mães-observadoras” eram chamadas e, em salas individuais, eram auxiliadas por suas mães na execução da tarefa. A cada nova ses-são, a pesquisadora interagia com uma criança diferente, e a cada nova sessão, uma mãe di-ferente fazia o papel de “mãe-modelo”. Até o final do estudo, todas as mães passaram pela condição de “mãe-modelo” e de “mãe-obser-vadora”. Na Fase 3, foi retirada a intervenção. Os resultados sugeriram que o procedimento foi efetivo apenas para reduzir a taxa de res-postas da mãe da Dupla 4 na categoria “fazer pela criança” bem como parece ter contribuído para aumentar a taxa de respostas da mãe da Dupla1 na categoria “elogiar”.

O presente trabalho segue a linha de inves-tigação proposta pela pesquisa de Sudo et al. (2006). Naquele estudo, os autores realizaram um treinamento que utilizou instruções e mo-delação em um procedimento realizado com grupo de mães e não individualmente, como em estudos anteriores. Na presente pesquisa, dois procedimentos foram avaliados: o uso de instruções e fichas ou apenas o uso de instru-ções, destacando que ambos os procedimentos

foram adotados em grupo. Questiona-se, por-tanto, se os diferentes procedimentos empre-gados nesta pesquisa (instruções e fichas ou apenas o uso de instruções) produzem mu-danças na interação das mães com seus filhos durante a realização da tarefa de casa.

Método

Participantes

Participam do estudo aqui relatado dois grupos compostos por quatro e três mães, res-pectivamente, de crianças de uma escola públi-ca da cidade de Londrina. De acordo com re-lato das professoras, as crianças apresentavam dificuldades escolares2. Essas crianças tinham entre 6 e 8 anos de idade, no início do estudo, e cursavam as primeiras séries do ensino funda-mental (1ª e 2ª séries).

Local

O trabalho foi realizado em uma sala de aula de aproximadamente 12 m2, localizada na própria escola.

Material e equipamento

Foram usados livros didáticos, papel, lápis e fichas de cartolina. Em seguida, houve seleção de tarefas de Matemática, retiradas de livros didáticos de 2ª e 3ª séries, a partir das quais fo-ram confeccionadas folhas de tarefas. As tare-fas foram organizadas de acordo com o grau de dificuldade de cada exercício e para isso, foi pe-dido auxílio das professoras das crianças, que classificaram as tarefas em graus “muito fácil”, “fácil”, “difícil” ou “muito difícil”. Todas as ses-sões foram filmadas, usando-se, para isso, fitas de vídeo e filmadora. Nas tarefas de gravação, transcrição e análise das sessões fez-se uso de um videocassete e um computador. Fantoches, fitas de vídeo VHS, quadro-negro e um manual confeccionado para esta pesquisa foram utiliza-dos nas sessões de treinamento das mães e dis-tribuídos a cada um delas na primeira sessão. O manual elaborado contém figuras retiradas do livro “Pais Perfeitos” (Guhl e Fontenelle, 1997, p. 12-13, 28-29, 38-39, 70-71, 74-75), histórias em quadrinhos, além de textos obtidos em um site da Internet (www.bugigangue.com.br).

2 Crianças que tiravam notas baixas, e/ou se esquivavam de fazer as atividades em sala de aula e as tarefas de casa. Considerando-se a ampla literatura nacional e internacional sobre a temática relativa às “dificuldades de aprendizagem”, esta expressão, neste estudo, foi utilizada mais como uma estratégia para a seleção dos participantes.

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Silvia Regina de Souza, Camila Harumi Sudo, Silmara Batistela

Procedimento geral

Após autorização da diretora da escola para a realização do trabalho, a pesquisadora con-versou com as professoras da primeira e segun-da séries e pediu que elas indicassem algumas crianças que apresentavam dificuldades na re-alização das atividades em sala de aula e que, com freqüência, não traziam seus deveres de casa corretamente feitos. Em seguida, estabele-ceram-se contatos com as mães dessas crianças, e aquelas que aceitaram participar da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido3. As mães foram distribuídas alea-toriamente em dois grupos (Grupo 1 e Grupo 2). Para o Grupo 1, o treinamento foi feito por meio de sessões de orientação, e, para o Grupo 2, além das sessões de orientação, liberaram-se fichas como conseqüência para ocorrências de comportamentos como elogiar acertos dos fi-lhos e dar instruções para a realização da tarefa. O estudo foi composto por três fases descritas com mais detalhes nas seções abaixo

Procedimento específico

Fase 1 (Linha de Base): nesta fase, as mães eram instruídas a se dirigirem a uma sala e uma tarefa, que continha contas ou problemas de Matemática, era entregue a elas. Em segui-da, a pesquisadora pedia-lhes que auxiliassem seus filhos na realização da tarefa e que, de-pois de concluída, devolvessem a folha para a pesquisadora, que esperaria do lado de fora da sala. A interação entre elas e os filhos foi filma-da. As tarefas foram feitas pelas duplas sepa-radamente. Em seguida, os comportamentos observados e registrados foram avaliados de acordo com as categorias elaboradas por Scar-pelli et al. (2006)4. A Figura 1 apresenta as cate-gorias comportamentais das mães que foram registradas e analisadas com base nesses auto-res. O término da Fase 1 dar-se-ia após análise visual das taxas de resposta de cada categoria comportamental. Entretanto, esse critério não pôde ser mantido devido à restrição do calen-dário escolar. Em uma determinada data do período letivo, a Fase 2 foi iniciada indepen-dentemente do número de sessões realizadas pelos participantes.

Fase 2 (Intervenção): na primeira parte da in-tervenção, foram realizadas três sessões de orien-tação de, aproximadamente, uma hora cada, das quais participaram tanto as mães do Grupo 1 quanto as do Grupo 2. Essas sessões foram conduzidas apenas com a presença das mães e, nesses momentos, foram discutidos os seguintes temas: (a) a importância do elogio após a execu-ção correta da tarefa ou do esforço empreendi-do pela criança para a realização da tarefa; (b) os problemas relacionados ao uso excessivo de contingências aversivas durante a realização da tarefa escolar; (c) as vantagens do uso de instru-ções, em vez de respostas prontas passadas para as crianças; e (d) o manejo de variáveis ambien-tais que favorecem o ato de estudar como, por exemplo, local de estudo, estabelecimento de ho-rário para a realização da tarefa escolar e dispo-nibilização dos materiais necessários para a re-alização da tarefa, entre outras. Em cada sessão de orientação, o material impresso relacionado ao tema daquela sessão era lido, com as mães, pela pesquisadora. Em seguida, a pesquisadora pedia que as mães dessem exemplos de aconte-cimentos do seu dia-a-dia, envolvendo situações semelhantes àquelas apresentadas no material impresso. Caso não conseguissem pensar em exemplos, elas eram ajudadas pelas pesquisa-doras. Os exemplos dados pelas mães eram dis-cutidos, e as dúvidas, esclarecidas. Ao final de cada sessão, a pesquisadora perguntava se havia alguma questão e fazia perguntas para avaliar a compreensão das mães sobre o tema.

Após cada sessão de orientação, conduzida em grupo, as mães foram encaminhadas, indi-vidualmente, a uma sala e instruídas para con-duzir a tarefa com os filhos. A interação entre mãe e filho foi filmada para posterior análise.

Para as mães do Grupo 2, após a sessão de orientação, foi dito que, enquanto elas estives-sem auxiliando os filhos na execução da tare-fa, a pesquisadora ficaria na sala e sinalizaria com uma ficha cada comportamento adequa-do apresentado por elas na interação com os filhos. Para isso, usou-se um procedimento em que se liberaram fichas a cada ocorrência de comportamentos de elogiar e de dar instruções para a criança, durante a realização da tarefa. As fichas tinham cores diferentes e foram libe-radas conforme descrito nas etapas a seguir.

3 Trabalho aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UEL, parecer nº 177/03.4 Todas as sessões foram filmadas. O registro dos comportamentos das mães, a partir das fitas, foi realizado por duas assis-tentes de pesquisa. As assistentes desconheciam os objetivos da pesquisa e não participavam das sessões experimentais. As assistentes receberam treinamento para a realização dos registros. A concordância entre os registros foi calculada e eram considerados os registros cuja concordância fosse maior que 80%.

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Treinamento de mães: instruções e fichas no auxílio à tarefa escolar

CATEGORIA DESCRIÇÃO EXEMPLOSPO

SITI

VAS

Instruir

Verbalizações sobre os passos que a criança deve seguir para a reali-zação do exercício proposto na ta-refa, porém não disponibilizando a resposta. Inclui perguntas que levam a criança a refletir sobre as atividades da tarefa.

Pegue o caderno; passe o traço; pule uma linha; leia novamente; apague o que escre-veu; o que está escrito aqui?; como será que se faz este problema?; como a professora en-sinou fazer esta continha?; coloque isto que você disse aqui; verifique se está certo etc.

ElogiarApresentação de elogio verbal e/ou físico.

Elogios verbais: Isso mesmo; certo; ótimo; você é muito inteligente; jóia; muito bem; parabéns, etc.Elogios físicos: administração de cari-nhos (passar a mão na cabeça e em ou-tras partes do corpo), sorrir, piscar os olhos, beijar, abraçar etc.

NEG

ATI

VAS

Punir

Uso de agressões físicas e/ou ver-bais. Esta categoria engloba agres-sões que causam constrangimento na criança agredida. O agressor é irônico e repressivo diante das res-postas dadas pela criança.

Inclui tapas, beliscões, puxão pelo bra-ço, broncas e gritos: Não é assim que se faz; faça direito; fique quieta!; sua burra; incompetente; nunca vai conseguir apren-der desse jeito; parece que você está no mundo da lua etc.

Fazer pela criança

Verbalizações diretas que indicam a resposta correta ou mesmo a re-alização da atividade para a crian-ça.

A mãe fornece a resposta do exercício: É quatro; estava alegre; na cidade etc. ou executa a tarefa pela criança – escreve no livro, no caderno, faz cópia, resolve o problema, responde a pergunta, apa-ga o exercício etc.

Figura 1. Categorias comportamentais utilizadas para registro e análise das interações entre as mães e filhos durante a realização da tarefa escolar (adaptadas de Scarpelli et al., 2006).Figure 1. Behavioral categories used for registration and analysis of interactions between mothers and children during the completion of school homework (adapted from Scarpelli et al., 2006).

Etapa 1. Após a sessão de orientação na qual discutiu-se a importância do reforço contingente ao comportamento adequado da criança (Sessão de Orientação 1), foi dito às mães que todas as vezes, durante a ses-são em que elas elogiassem os filhos pelo acerto de um exercício, a pesquisadora iria mostrar uma ficha.Etapa 2. Na segunda sessão (Sessão de Orientação 2), após discussão sobre a im-portância das instruções dadas à criança para que ela chegasse ao resultado correto de um exercício, as mães foram informadas de que, quando dessem à criança instru-ções que possibilitassem a execução correta do exercício sem que elas o fizessem para a criança ou dessem a resposta, a pesquisa-dora mostraria fichas. Nessa etapa, ainda, as fichas também eram mostradas às mães,

quando elogiavam a criança pela realiza-ção correta do exercício, sendo que as mães eram informadas a respeito disso.Etapa 3. Nessa etapa, após a terceira ses-são de orientação, na qual se discutiram os efeitos da punição sobre os comportamen-tos da criança, as mães eram informadas de que a pesquisadora continuaria a sina-lizar todas as vezes que elas elogiassem o desempenho dos filhos e também quando dessem instruções que os conduzissem à realização da tarefa.

Fase 3 (Retorno à Linha de Base): a Fase 3 foi realizada para conferir a manutenção dos com-portamentos emitidos pelas mães durante as sessões após a intervenção, sem a presença da pesquisadora. O mesmo procedimento da Fase 1 foi empregado nessa fase para todas as mães.

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Silvia Regina de Souza, Camila Harumi Sudo, Silmara Batistela

Resultados

As Figuras 2, 3 e 4 apresentam o número de respostas por minuto e as taxas médias de respostas das mães dos Grupos 1 (instrução) e 2 (instrução e fichas) nas três categorias anali-sadas: “elogiar o comportamento da criança”, “instruir a criança” e “fazer o exercício pela criança”, respectivamente. Foram necessárias em média 14,7 (de 11 a 17) e 15,6 (de 13 a 18) sessões para que as duplas do Grupo 1 e do Grupo 2, respectivamente, concluíssem o estu-do. A seguir, serão apresentados os resultados obtidos por cada dupla de acordo com a cate-goria em questão.

Categoria “elogiar o comportamento da criança”

No caso das duplas que receberam somen-te instrução, verificou-se que apenas a mãe da Dupla 3 apresentou um aumento da taxa mé-dia nessa categoria (0,55 R/min, na Linha de Base, para 1,5 R/min, na Intervenção). As mães das Duplas 2 e 4 apresentaram uma redução da taxa média nessa categoria, durante o perí-odo da intervenção, de 0,47 R/min para 0,2 R/min e de 0,5 R/min para 0,29 R/min, respectiva-mente. Com referência à mãe da Dupla 1, não se observaram mudanças expressivas da taxa média (0,58 R/min, na Linha de Base, para 0,56 R/min, na Intervenção). A análise dos dados, sessão a sessão, sugere que, com exceção da mãe da Dupla 3, o desempenho das duplas na etapa de Linha de Base se manteve nas sessões de Intervenção. A Figura 2 apresenta o número de respostas por minuto dadas pelas mães dos Grupos 1 (instrução) e 2 (instrução e fichas) ao longo das sessões.

Na fase de retorno à Linha de Base, obser-va-se que as mães das Duplas 1 e 2 tiveram au-mento da taxa média de respostas, em relação à fase de Intervenção. As mães das Duplas 3 e 4, contudo, mostraram uma redução.

Verifica-se que as mães das Duplas 5 e 6 do Grupo 2 (instrução e fichas) apresentaram, respectivamente, um aumento na taxa média de respostas de 0,34 R/min, na Linha de Base, para 0,56 R/min, na Intervenção, e de 1,08 R/min, na Linha de Base, para 3,6 R/min na fase Intervenção. A mãe da Dupla 7 apresentou redução na taxa média (0,95 R/min, na Linha de Base, para 0,46 R/min, na Intervenção). Na fase de Retorno à Linha de Base (Fase 3), todas as mães apresentaram redução na taxa média, quando se compara essa fase com a da Inter-

venção (Fase 2). É importante lembrar que, na Fase 3, a pesquisadora não estava mais pre-sente na sessão, e a mãe conduzia a atividade com seu filho sozinha. Ressalta-se, aqui, o de-sempenho da mãe da Dupla 6, na Sessão 13. Provavelmente, o grau de dificuldade da tare-fa pode ter interferido nos dados dessa sessão. A análise da fita mostrou que a criança dessa dupla, na Sessão 13, realizou a tarefa mais ra-pidamente do que de costume, e isso pode ter diminuído as oportunidades de a mãe elogiar o desempenho do filho. Esses dados sugerem a necessidade de uma investigação mais cri-teriosa sobre o grau de dificuldade que cada criança apresenta antes do início das sessões. Os dados obtidos corroboram os de Sudo et al. (2006), nos quais o treinamento em grupo envolvendo instrução e modelação conduziu a um aumento da taxa de resposta na categoria “elogiar” apenas numa dupla entre as quatro participantes de seu estudo, mostrando-se di-ferentes dos de Sampaio et al. (2004) e Scarpelli et al. (2006), que conduziram um treinamento individual.

Categoria “instruir a criança”

Verifica-se que as mães das Duplas 1 e 2, do Grupo 1, e a mãe da Dupla 7, do Grupo 2, apresentaram redução na taxa média de res-postas após o início da intervenção. Quando se analisam os dados, sessão a sessão, observa-se que a mãe da Dupla 2, na Sessão 7, alcançou um aumento expressivo no número de res-postas por minuto (12 R/min), e isso explica a maior taxa média de respostas na etapa de Linha de Base. Nessa sessão, a mãe dessa du-pla teve dificuldade para entender o que esta-va sendo proposto no primeiro exercício (que envolvia cálculo de quilometragens entre duas cidades) e teve dificuldades para explicá-lo para a criança. No segundo exercício em que o menino teve dificuldades para compreensão da atividade, foi usada a medida em dúzias. Isso pode ter contribuído para o aumento no número de instruções dadas pela mãe nessa sessão. Também a mãe da Dupla 1 teve dife-renças na taxa média de respostas e na fase de linha de base e na intervenção possivelmente em razão do desempenho apresentado por essa dupla na Sessão 1, aproximadamente 7 R/min, indicando valor superior ao apresen-tado em todas as outras sessões. As Duplas 3 e 4 (Grupo 1) e 6 (Grupo 2) não apresentaram alterações expressivas na taxa média de res-postas (de 4,82 R/min para 4 R/min – Dupla

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Treinamento de mães: instruções e fichas no auxílio à tarefa escolar

Figura 2. Respostas por minuto apresentadas pelas mães dos grupos Instrução (Duplas 1, 2, 3 e 4 da coluna da esquerda) e Instrução e fichas (Duplas 5, 6, e 7 da coluna da direita), na cate-goria “Elogiar o comportamento da criança”, em cada uma das fases (Legenda: LB=Linha de Base; INT=Intervenção; RLB=Retorno linha de base; X= taxa média de respostas em cada fase).Figure 2. Answers per minute presented by mothers in the Instruction groups (Couples 1, 2, 3 and 4 in the left column) and Instructions and tokens (Couples 5, 6, and 7 in the right col-umn), in the category “Praise the child’s behavior”, in each of the phases (Subtitles: LB=Baseline; INT=Intervention; RLB=Baseline return; X= average answer rate in each phase).

3; de 1,82 R/min para 2,3 R/min – Dupla 4 e de 2,41 R/min para 2,1 R/min – Dupla 6). A Dupla 5 (Grupo 2) apresentou na taxa média, nessa categoria, aumento de 4,16 R/min, na Linha de Base, para 5,6 R/min, na intervenção. A Figura 3 apresenta o número de respostas por minuto

dadas pelas mães nos Grupos 1 (Instrução) e 2 (Instrução e fichas) ao longo das sessões.

Após a intervenção (Fase 3), a taxa média de respostas alcançada pelas mães no Grupo 1 foi de 2,23 R/min; 2,75 R/min; 3,56 R/min e 1,96 R/min, respectivamente. Verifica-se, por-

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tanto, que a mãe da Dupla 1 obteve uma re-dução na taxa média de respostas, quando se compara o seu desempenho na Fase 3 com seu desempenho na fase de Intervenção. As mães das Duplas 2, 3 e 4 não obtiveram mudanças expressivas na taxa média, após o término da intervenção.

Com referência ao Grupo 2, verifica-se que a mãe da Dupla 5 apresentou aumento na taxa média de respostas nessa categoria ao longo do estudo (de 4,16 R/min, na Fase 1, para 5,6 R/min, na Fase 2, e 6,86 R/min, na Fase 3). A mãe da Dupla 6 não mostrou mudanças ex-pressivas na taxa média ao longo das fases

Figura 3. Respostas por minuto apresentadas pelas mães dos grupos Instrução (Duplas 1, 2, 3 e 4 da coluna da esquerda) e Instrução e fichas (Duplas 5, 6, e 7 da coluna da direita), na categoria “Instrução”, em cada uma das fases (Legenda: LB=Linha de Base; INT=Intervenção; RLB=Retorno linha de base; X= taxa média de respostas em cada fase).Figure 3. Answers per minute presented by mothers in the Instruction groups (Couples 1, 2, 3 and 4 in the left column) and Instructions and tokens (Couples 5, 6, and 7 in the right column), in the category “instruct the child”, in each of the phases (Subtitles: LB=Baseline; INT=Intervention; RLB=Baseline return; X= average answer rate in each phase).

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Treinamento de mães: instruções e fichas no auxílio à tarefa escolar

do estudo (2,41 R/min, na Fase 1, para 2,1 R/min, na Fase 2, e 2,07 R/min, na Fase 3). Fi-nalmente, a taxa média alcançada pela mãe da Dupla 7, apesar de ter obtido um pequeno aumento na Fase 3 (1,55 R/min), ficou abaixo da apresentada na fase de Linha de Base (3,65 R/min).

Como nas pesquisas realizadas por Sam-paio et al. (2004), Scarpelli et al. (2006) e Sudo et al. (2006), neste estudo também se observou uma mudança na forma das instruções dadas pelas mães. Após a intervenção, elas passaram a verbalizar instruções mais elaboradas para que as crianças chegassem à resposta correta. Por exemplo, antes as instruções restringiam-se apenas a orientações sobre como fazer o cál-culo do exercício, verbalizações como “ahan”; “não é assim”; “pense melhor, está certo?”; “agora some esse com esse, filho”; “isso, agora faça a continha”. Após a intervenção, as ins-truções passaram a ser mais elaboradas, como “Ó filho, se você tem sete balas e dá três para a Claudinha, com quantas balas você fica?”, ou “Olhe, vamos fazer assim, vamos usar os seus lápis de cor para fazer as contas. Pegue dez lápis. Agora pegue mais sete. Agora conte com quantos lápis você ficou”, ou “Olhe, use os dedos da mamãe para fazer a conta”.

Categoria “fazer pela criança”

A Figura 4 apresenta o número de respos-tas por minuto apresentadas pelas mães dos Grupos 1 (Instrução) e 2 (Instrução e fichas), ao longo das sessões para a categoria “Fazer pela Criança”.

Observa-se que a taxa média de respostas nessa categoria já era baixa para todas as mães dos Grupos 1 e 2 (abaixo de 1 R/min). Como o objetivo da intervenção para esse comporta-mento era reduzi-lo, os efeitos da intervenção ficaram pouco evidentes devido às baixas ta-xas registradas na Linha de Base.

Discussão

Comparando-se os resultados obtidos pelas mães de ambos os grupos (Instrução – Grupo 1 e Instrução e fichas – Grupo 2), verifica-se que os diferentes procedimentos adotados para o ensino não parecem ter produzido diferenças na maneira como elas interagiram com seus fi-lhos durante a realização da tarefa. Embora al-gumas duplas tenham produzido aumento na taxa média de respostas na categoria “elogiar”, os resultados desta pesquisa são diferentes dos

verificados em estudos anteriores (Sampaio et al., 2004; Scarpelli et al., 2006), que registraram aumento na taxa média na categoria “elogiar” para quase todas as duplas.

Também é preciso dizer que alguns aspec-tos deste trabalho diferiram dos citados. Neste estudo, as sessões de orientação foram condu-zidas em grupo do qual participavam tanto as mães do Grupo 1 como as do Grupo 2. Além disso, para as mães do Grupo 2, ao contrário do que aconteceu no estudo de Scarpelli et al. (2006), não houve uma fase na qual a pesqui-sadora ficasse presente na sala enquanto elas conduziam a tarefa com as crianças, pois, se esta ocorresse, poderia ter permitido uma vi-sualização melhor dos efeitos da presença da pesquisadora na sessão.

No estudo de Scarpelli et al. (2006), ainda, a pesquisadora não apenas sinalizava o com-portamento adequado das mães, mas, caso não apresentassem o comportamento espe-rado, elas perdiam uma ficha. Ao final, as fi-chas eram contadas e poderiam ser trocadas por prêmios. Esta é uma diferença importante entre o presente estudo e o de Scaperlli et al. (2006), pois, no estudo que se relata neste ar-tigo, as fichas eram apenas contadas, e elogios verbais eram feitos às mães pelo número de fi-chas conquistadas na sessão. Como afirmaram Critchfield et al. (2000), encontrar reforçadores efetivos tem sido um dos desafios na condução de análises experimentais do comportamento com humanos, sugerindo que o tipo de refor-çador empregado nas pesquisas experimentais – básicas ou aplicadas – pode exercer impor-tante influência sobre os resultados obtidos. Pesquisas básicas sobre o desempenho de humanos em programas de reforço apontam que o tipo e a forma de liberação da conse- qüência programada podem afetar o padrão de respostas emitidas por humanos (e.g., Costa et al., 2005; Costa et al., 2007; Weiner, 1972). Es-ses resultados, observados na pesquisa básica com humanos, também remetem à importân-cia da escolha dos eventos conseqüentes sobre a aquisição e manutenção dos comportamen-tos de interesse do presente estudo. Pesquisas com treino de pais que manipulem diretamen-te o evento conseqüente utilizado no procedi-mento, para avaliar seu impacto na aquisição e manutenção dos comportamentos dos pais, ainda precisam ser realizadas. Até lá, os resul-tados de Scarpelli et al. (2006) sugerem que a opção de trocar fichas, ao final do trabalho, por algum prêmio, parece ser a mais adequada ao controle experimental.

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Os resultados obtidos nesta pesquisa asse-melham-se aos obtidos por Sudo et al. (2006), nos quais o trabalho com as mães também foi conduzido em grupo. Os resultados de am-bos os estudos, quando comparados aos de Sampaio et al. (2004) e Scarpelli et al. (2006) – realizados com cada mãe individualmente – sugerem que um procedimento de treino

Figura 4. Respostas por minuto apresentadas pelas mães dos grupos Instrução (Duplas 1, 2, 3 e 4 da coluna da esquerda) e Instrução e fichas (Duplas 5, 6 e 7 da coluna da direita), na catego-ria “Fazer pela criança”, em cada uma das fases (Legenda: LB=Linha de Base; INT=Intervenção; RLB=Retorno linha de base; X= taxa média de respostas em cada fase).Figure 4. Answers per minute presented by mothers in the Instruction groups (Couples 1, 2, 3 and 4 in the left column) and Instructions and tokens (Couples 5, 6, and 7 in the right column), in the category “do the task for the child”, in each of the phases (Subtitles: LB=Baseline; INT=Intervention; RLB=Baseline return; X= average answer rate in each phase).

de pais em grupo não é tão eficaz quanto um treino realizado individualmente. Contudo, a maneira como o estudo foi organizado difi-culta avaliar se foi o ensino individualizado ou se foi o efeito dos reforçadores que produ-ziu diferenças nos resultados. Dessa maneira e nessa direção, novas investigações deveriam ser conduzidas.

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Treinamento de mães: instruções e fichas no auxílio à tarefa escolar

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Submetido em: 12/09/2008Aceito em: 03/11/2008