tratamento de efluentes contendo íon cianeto

28
Tratamento de efluentes contendo cianeto Roberto de Barros Emery-Trindade 1 – Introdução A produção industrial de ouro em todo o mundo utiliza principalmente o processo conhecido como cianetação, conforme já visto em outros capítulos. Este processo é conhecido desde o final do século XIX, quando em 1887 uma patente britânica foi concedida a John Steward MacArthur. Para o desenvolvimento daquele trabalho, MacArthur contou com a assistência e o apoio dos irmãos Robert e William Forrest (ambos médicos), os quais foram os que de fato fizeram a descoberta em um consultório médico em Glasgow, Escócia [Habashi, 1987; Trindade, 1992]. A patente, denominada “Processo de obtenção de ouro e prata de minérios” rapidamente tornou- se conhecida como o “Processo de Cianetação”, em razão de seu sucesso industrial. Com a implantação desse processo, a produção de ouro cresceu mais de quatro vezes entre 1901 e 1950, comparada com o período de 1851 a 1900. A produção acumulada total de ouro em todo o mundo é estimada em mais de 1700 t. O maior produtor é a África do Sul, onde mais de 300 mil pessoas estão diretamente envolvidas na extração e produção de ouro. Alem disso, cerca de 40% das reservas conhecidas encontram-se na África do Sul. O Brasil detém entre 25-30% das reservas mundiais conhecidas. As principais vantagens de usar o cianeto na lixiviação de ouro podem ser apontadas como as seguintes: o cianeto é seletivo na dissolução de ouro a prata também pode ser recuperada; pode ser considerado um processo simples que incorpora uma grande experiência industrial e tecnológica, sobretudo se comparado a processo que 1

Upload: roberto-emery-trindade

Post on 22-Jan-2018

151 views

Category:

Environment


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: Tratamento de efluentes contendo íon cianeto

Tratamento de efluentes contendo cianeto

Roberto de Barros Emery-Trindade

1 – Introdução

A produção industrial de ouro em todo o mundo utiliza principalmente o processo

conhecido como cianetação, conforme já visto em outros capítulos. Este processo é

conhecido desde o final do século XIX, quando em 1887 uma patente britânica foi

concedida a John Steward MacArthur. Para o desenvolvimento daquele trabalho,

MacArthur contou com a assistência e o apoio dos irmãos Robert e William Forrest

(ambos médicos), os quais foram os que de fato fizeram a descoberta em um

consultório médico em Glasgow, Escócia [Habashi, 1987; Trindade, 1992]. A patente,

denominada “Processo de obtenção de ouro e prata de minérios” rapidamente tornou-

se conhecida como o “Processo de Cianetação”, em razão de seu sucesso industrial.

Com a implantação desse processo, a produção de ouro cresceu mais de quatro vezes

entre 1901 e 1950, comparada com o período de 1851 a 1900. A produção acumulada

total de ouro em todo o mundo é estimada em mais de 1700 t. O maior produtor é a

África do Sul, onde mais de 300 mil pessoas estão diretamente envolvidas na extração

e produção de ouro. Alem disso, cerca de 40% das reservas conhecidas encontram-se

na África do Sul. O Brasil detém entre 25-30% das reservas mundiais conhecidas.

As principais vantagens de usar o cianeto na lixiviação de ouro podem ser

apontadas como as seguintes:

• o cianeto é seletivo na dissolução de ouro

• a prata também pode ser recuperada;

• pode ser considerado um processo simples que incorpora uma grande

experiência industrial e tecnológica, sobretudo se comparado a processo que

! 1

Page 2: Tratamento de efluentes contendo íon cianeto

utilizam reagentes alternativos, como por exemplo a tiouréia, o tiossulfato e o

tiocianato.

Por outro lado, o cianeto pode não ser eficiente ou econômico para ser

utilizado com minerais dito “refratários”, tais como os que contêm material orgânico

(carbono, “preg-robbing”) ou sulfetos, como arsenopirita e pirita. Além disso, o

cianeto é um reagente tóxico e, portanto, deve ser empregado e descartado com

extremo cuidado a fim de não causar danos ao meio ambiente.

A proteção ambiental é, de fato, uma prioridade para as indústrias, governos e

toda a sociedade. Dessa forma, embora o cianeto venha sendo utilizado há muitas

décadas na indústria mineral, os cuidados e o descarte posterior devem incluir o

planejamento, desde a concepção da mina, até o fechamento e reabilitação da área

minerada.

O gerenciamento ambiental sobre o uso de cianeto envolve a minimização dos

potencias riscos aos trabalhadores e/ou o meio ambiente. Isso inclui transporte,

estocagem, manuseio e procedimentos emergenciais, além do contínuo

monitoramento das condições de saúde do trabalhador. Requer ainda pessoal treinado

e equipado adequadamente, consciente dos tratamentos de combate ao

envenenamento e dos danos que o cianeto pode causar a pessoas, fauna e flora.

Alguns dos princípios fundamentais no gerenciamento do uso do cianeto na

metalurgia extrativa do ouro são (Environment Australia, 1998):

• procurar usar sempre a menor quantidade possível de cianeto para a

recuperação de ouro

• descartar o cianeto de forma a eliminar ou minimizar os impactos ambientias

associados

• monitorar todas as operações industriais, incluindo pontos de recebimento e

descarga, com o objetivo de detectar e, se for o caso, eliminar vazamentos e/ou

tratar os que eventualmente tenham ocorrido

! 2

Page 3: Tratamento de efluentes contendo íon cianeto

2-Classificação dos compostos de cianeto

Os íons áurico e auroso não são estáveis em solução aquosa, na ausência de

um agente complexantes, como já visto em capítulo anterior. A introdução do radical

CN- permite a formação do complexo Au(CN)2-, sendo o oxigênio o agente oxidante

geralmente utilizado. O CN- é, portanto, a espécie iônica ativa que possibilita a

dissolução do ouro em uma vasta região de estabilidade termodinâmica (em termos de

potencial de oxi-redução e valores de pH). A perda ou eliminação do cianeto livre por

volatilização é uma das principais formas encontradas na natureza e também nas

indústrias de mineração para tratamento de efluentes contendo cianeto. O termo

“cianeto livre” refere-se, normalmente, ao radical CN- e ao ácido cianídrico, HCN.

Este é um ácido fraco e o equilíbrio com o CN- pode ser dado pela reação:

CN- + H2O = HCN + OH- (1)

O equilíbrio dessa reação é, como se vê, dependente do pH da solução. As proporções

relativas de cada espécie são vistas na Figura 1.

! pH

! 3

% re

lativ

as d

e C

N- /

HC

N

Page 4: Tratamento de efluentes contendo íon cianeto

Figura 1 - % relativas de CN e HCN em função do valor de pH (adaptado de Smith and Mudder, 1991)

A relação é importante porque a extração de ouro com cianeto é conduzida em meio

alcalino, pH ! 10, com o objetivo de manter alta a concentração do agente

complexante (CN-) e diminuir a presença do HCN, o qual é tóxico e possui elevada

pressão de vapor.

Observa-se que a espécie CN- não é termodinamicamente estável em solução

aquosa, a 25˚C. A decomposição pode ser representada por

2CN- = (CN)2 (g) + 2e- (2)

ou

CN- + H2O = CNO- + 2H+ + 2e- (3)

Em temperaturas mais elevadas (~ 70˚C), a cinética de decomposição é

acelerada e o cianeto é transformado em amônia, hidrogênio e dióxido e carbono

conforme a equação abaixo:

CN- + 3H2O = NH3 + CO2 + H2 + OH- (4)

Na ausência de um catalisador heterogêneo, a cinética dessa reação é sempre

lenta. Se, por um lado, esse fato permite o uso de cianeto na hidrometalurgia do ouro,

por outro as soluções contendo cianeto devem ser oxidadas antes de serem lançadas

ao meio ambiente ou descartadas.

Os compostos de cianeto presentes na solução do processo de cianetação e nos

efluentes incluem o cianeto livre e vários ciano-complexos formados com ouro,

mercúrio, zinco, cádmio, prata, entre outro metais. Tais complexos podem ser

classificados em 5 categorias gerais, apresentadas na Tabela 1 (Smith e Mudder,

1991).

Tabela 1 – Classificação de cianetos e compostos em solução de cianeto de acordo com a estabilidade

! 4

Page 5: Tratamento de efluentes contendo íon cianeto

A classificação dos complexos metal-cianeto é feita de acordo com a força

(estabilidade) da ligação correspondente. Cianeto livre, como já visto, refere-se às

formas mais tóxicas de cianeto: o anion cianeto (CN-) e o ácido cianídrico. Os

chamados dissociáveis em meio ácido fraco (WAD – weak-acid dissociable) referem-

se aos complexos de cianeto com metais como o cobre, níquel e zinco. Os

dissociáveis em meio ácido forte (SAD-strong-acid dissociable) referem-se aos

compelxos de cianeto com metais como o ferro, ouro, cobalto e prata.

A reação de complexação do íon metálico pode ser genericamente descrita

pela reação a seguir:

pM + qCN- + rH+ = Mp(CN)pHr (5)

onde M = metal

H+ = próton

A reação pode ainda ser simplificada como

pM + qCN- = Mp(CN)+q (6)

Classificação Composto/Espécie

Cianeto livre CN-, HCN

Compostos simples: a) rapidamente solúveis b) relativamente insolúveis

KCN, NaCN, Ca(CN)2

CuCN, Zn(CN)2, Ni(CN)2

Complexos fracos Cd(CN)42-, Zn(CN)42-

Complexos moderadamente fortes Ni(CN)42- , Cu(CN)2- , Cu(CN)32- , Cu(CN)43, Ag(CN)2-

Complexos fortes Fe(CN)64-, Fe(CN)63-, Au(CN)2-

Tiocianato SCN-

Cianato CNO-

! 5

Page 6: Tratamento de efluentes contendo íon cianeto

Esses equilíbrios significam que a presença de outros metais, além do ouro, no

minério provocará uma diminuição da disponibilidade de o cianeto agir como agente

lixiviante (para o ouro). Para aumentar a eficiência do processo é, portanto,

fundamental conhecer a presença de outros metais. Por outro lado, os equilíbrios

paralelos podem ser vantajosos, já que mantém o cianeto em uma forma mais estável,

não tóxica ao meio ambiente.

Em razão da grande variedade de complexos que podem ser formados com o

cianeto, é importante especificar o tipo de cianeto que está sendo analisado. De forma

pouco precisa, o termo “cianeto” é utilizado para grande número de compostos. As

seguintes definições tem o objetivo de evitar incorreções:

• Cianeto livre: a soma dos cianetos livres (CN-) como o ácido cianídrico

aquoso (HCN). É esta forma de cianeto que é geralmente dosada (medida)

apos o tratamento da amostra. Pode-se empregar um eletrodo específico, com

resultados quantitativos (ver ao final do capítulo metodologia de análise com

eletrodo específico de cianeto).

• Cianeto titulável: concentração de cianeto determinada por titulação com

nitrato de prata (AgNO3). Inclui, além do cianeto livre aquele oriundo da

dissolução de complexos.

• Cianeto simples: contem apenas um tipo de íon metálico, geralmente um metal

alcalino ou alcalino terroso, e dissocia quando dissolvido em água, liberando o

cianeto livre e o íon metálico (ex.: NaCN);

• Cianeto complexo: contém mais de um tipo de íon metálico e dissocia quando

dissolvido em água liberando um íon metálico e um complexo cianeto-metal

em uma reação como exemplificada abaixo:

Ca2Fe(CN)6 (s) = Fe(CN)64- + 2Ca2+ (6)

(ciano complexo) complexo cianeto-metal íon metálico

• Cianeto total: a soma de todas as diferentes formas de cianeto presente em um

sistema. A avaliação demanda tratamento da amostra para quebra dos

complexos antes que o cianeto possa ser medido.

• Dissociáveis em meio ácido fraco (sigla em inglês, WAD): já citados. São

medidos tratando a amostra com uma solução tampão de ácido fraco, como a

! 6

Page 7: Tratamento de efluentes contendo íon cianeto

mistura acetado de sódio/ácido acético em pH 4,5 a 6,5. É considerada a

melhor forma de avaliar a toxicidade do cianeto em humanos e animais.

3-Tratamento de efluentes contendo cianeto

Existem vários procedimentos para tratar o cianeto, incluindo métodos físicos,

de adsorção, complexação e oxidação. Os processos são predominantemente de

separação ou destruição e podem ocorrer naturalmente ou não. A separação inclui

processos que são empregados usualmente para concentrar e posteriormente recuperar

o cianeto para reciclagem. Os processos de destruição são usados para produzir

espécies não tóxicas ou menos tóxicas do que a solução original. Os principais

métodos utilizados para remediação de efluentes contendo cianeto da metalurgia

extrativa do ouro estão listados a seguir.

Métodos físicos:

Diluição

Separação com membranas

Eletro-recuperação

Hidrólise e destilação

Métodos com complexação

Acidificação / volatilização / recuperação (AVR)

Adição de metais

Flotação

Métodos por adsorção

Minerais industriais ou naturais

Carvão ativado

Resinas

Métodos por oxidação:

Bio-oxidação

Catalise

! 7

Page 8: Tratamento de efluentes contendo íon cianeto

Eletrolise

Adição química de agentes oxidantes

Métodos físicos de remediação de efluentes contendo cianeto

Diluição

Este método não destrói ou separa o cianeto. Neste caso, mistura-se o efluente tóxico

com o cianeto a outro efluente cuja concentração de cianeto é inferior ou inexistente.

O objetivo é produzir um terceiro efluente com níveis de cianeto dentro do limite

estabelecido pela legislação em vigor. O método é, em princípio, simples e barato.

Contudo, a diluição pura e simples não é considerada aceitável atualmente, uma vez

que a quantidade de cianeto que será descartada não se altera. Alem disso, outros

fenômenos físico-químicos como adsorção, precipitação e reações com outros

componentes presentes podem elevar a concentração de cianeto no solo ou em

aqüíferos subterrâneos (Young e Jordan, 1995; Marsden e House, 1992).

Separação com membranas

O cianeto pode ser separado da solução aquosa na qual se encontra pelo emprego de

membranas em eletrodiálise ou osmose reversa. No primeiro caso, um potencial é

aplicado a dois eletrodos separados por uma membrana permeável ao cianeto. A

solução com cianeto é colocada na semi-célula contendo o catodo (eletrodo negativo).

O cianeto, carregado negativamente, irá difundir através da membrana e se

concentrará na semi-célula contendo o anodo (eletrodo positivo). No caso da osmose

reversa, aplica-se uma pressão à solução contendo o cianeto mas, nesse caso, a água é

forçada a passar através da membrana que é impermeável ao cianeto.

! 8

Page 9: Tratamento de efluentes contendo íon cianeto

Eletro-recuperação

Os complexos metálicos de cianeto podem ser reduzidos às formas metálicas

correspondentes pela aplicação de um potencial entre dois eletrodos imersos na

solução. A reação genérica pode ser representada por:

M(CN)ny-x + ye- = M0 + xCN- (7)

O cianeto é liberado, e a solução pode ser submetida a um outro processo para

recuperação ou destruição do cianeto (Nicol et al, 1987). Essa reação envolve a

redução de um anion no catodo e, portanto, tanto a recuperação do metal quanto a

eficiência de corrente são baixas. Essas dificuldades podem ser compensadas

utilizando lã de aço ou esponjas porosas como catodos de alta área superficial,

aumentando a agitação para melhorar o transporte de massa aos eletrodos e/ou

elevando a temperatura do banho. Resultados satisfatórios são obtidos quando essas

modificações são investigadas caso a caso, inicialmente em escala de laboratório.

Hidrólise e destilação

O ânion CN- hidrolisa naturalmente em água, produzindo o ácido cianídrico

(HCN) aquoso. A reação pode ser representada por:

CN- + H+ = HCN (aq) (8)

Esse ácido cianídrico, aquoso, pode volatilizar como gás hidrociânico, HCN (g):

HCN (aq) = HCN (g) (9)

A volatilização depende do pH no qual se encontra a solução, conforme já visto na

Figura 1. O HCN gasoso tem uma pressão de vapor de cerca de 100kPa a 25˚C, que é

quase 3 vezes superior à da água (34kPa a 25˚C) e ponto de ebulição de 79˚C,

! 9

Page 10: Tratamento de efluentes contendo íon cianeto

inferior, portanto, ao da água (100 ˚C). Dessa forma, a separação do cianeto pode ser

efetivada em temperaturas não muito elevadas e/ou à pressão reduzida. O gás

cianídrico pode ser capturado e concentrado para reciclagem em torres de absorção. A

vaporização para a atmosfera também pode ocorrer naturalmente em bacias de rejeito,

especialmente nas temperaturas mais altas do verão. Os dissociáveis em meio ácido

forte ou fraco não são afetados pro esse processo.

Métodos com complexação

Acidificação / volatilização / recuperação

Como já visto, em valores de pH inferiores a cerca de 9 começa a ocorrer a

formação do HCN (g); o cianeto tem predominânica até valores de pH de cerca de 11,

o que explica o fato de as operações de metalurgia extrativa do ouro serem realizadas

nessa faixa de pH. Por outro lado, o cianeto irá volatilizar-se em valores de pH

inferiores a cerca de 8, aumentando a taxa dessa volatilização com a diminuição do

pH. Caso o valor de pH seja inferior a 2, o gás cianídrico também será produzido a

partir dos WAD:

M(CN)xy-x + xH+ = xHCN(g) + My+ (10)

O processo de acidificação e volatilização ocorre tipicamente em valores de pH entre

1 e 2. Após a acidificação, a solução está predominantemente isenta de cianeto mas

deve ser re-neutralizada de forma a permitir sua reciclagem. A re-neutralização

provoca a precipitação de metais liberados pela reação indicada acima. Caso seja

utilizado calcário [Ca(OH)2] e ácido sulfúrico (H2SO4) para neutralização e

acidificação, respectivamente, haverá a precipitação de gipsita (CaSO4.xH2O). A

presença de outros metais concorrerá para a formação de uma lama difícil de separar e

de desidratar. Esse problema pode ser contornado, ou minimizado, com o emprego de

outras bases, como NaOH, e ácidos como o HNO3. Estes reagentes, contudo, são mais

! 10

Page 11: Tratamento de efluentes contendo íon cianeto

caros e uma análise econômica confrontando a utilização deles com o tratamento da

lama deve ser realizada antes da decisão final.

O processo de acidificação, volatilização e reneutralização é comumente conhecido

como Processo AVR e é utilizado em algumas usinas no mundo, incluindo

aperfeiçoamentos operacionais do processo (Silva, A.L., et al, 2002).

Adição de metais

O cianeto pode se tornar não reativo pela adição de metais e cátions metálicos que

promovam a formação de complexos (ciano-complexos) ou que precipitem. O

processo Merrill-Crowe, desenvolvido no final do século 19 para recuperação de

ouro, adiciona o zinco em pó a uma solução contendo o complexo ouro-cianeto,

resultando na precipitação ou cementação do ouro. A reação pode ser representada

por:

2Au(CN)2- + Zn0 = 2Au0 + Zn(CN)4- (11)

O complexo ouro-cianeto é trocado por outro menos estável (WAD) como o com

zinco e, portanto, mais disponível para tratamentos de remediação. A cementação do

ouro em solução de cianeto também pode ser efetivada com a adição de outros metais

como alumínio, cobre e ferro.

Existe ainda a possibilidade de adicionar íons ferroso ou férrico, um processo

empregado pela primeira vez em 1909. Neste caso ocorre a formação dos complexos

Fe(CN)64- ou Fe(CN)63-. Embora considerados não tóxicos em razão da alta

estabilidade, existem atualmente restrições a essa prática em razão da foto-

decomposição desses complexos, pela ação de raios solares. Estudos (Botz, M.M.,

2001) empregando essa metodologia envolvem a precipitação desses anions como

sais duplos, como o azul da Prússia por exemplo:

! 11

Page 12: Tratamento de efluentes contendo íon cianeto

Fe(CN)64- + 4Fe3+ = Fe4[Fe(CN)6]3 (s) (12)

Essa metodologia, entretanto, tem recebido pouca aplicação atualmente.

Flotação

Empregada pela primeira vez em 1808, a flotação pode ser utilizada para separar os

complexos e /ou precipitados formados naturalmente ou durante a adição de metais. O

processo deve ser conduzido rapidamente para evitar a redissolução das espécies que

se quer eliminar. No caso da flotação iônica, uma amina como o tricaprilmetil cloreto

de amônia (R4NCl) é adicionado para reagir com o complexo aniônico e precipitar o

como um sal orgânico (R):

(y-x)R4NCl + M(CN)xy-x = (R4N)y-xM(CN)6(s) + (y-x)Cl- (13)

Para o caso da prévia adição de FeSO4, o produto básico formado é o Fe4[Fe(CN6)]3.

Outros reagentes podem ser utilizados, e ainda há ainda muita margem para

aperfeiçoamento e otimização do processo.

Métodos por adsorção

Vários minerais, resinas e o carvão ativado são capazes de adsorver o cianeto

contido em solução. Uma vez adsorvido, o material que adsorveu o cianeto é

separados da solução por filtragem, flotação ou separação gravimétrica. É então

colocado em outro recipiente onde o cianeto pode ser dessorvido utilizando-se

pequeno volume de uma solução podendo ser, dessa forma, concentrado. O material

de adsorção pode ser então novamente separado e reativado para ser reutilizado.

Exemplos de minerais empregados para essa adsorção: ilmenita (FeTiO3), bauxita

[AlO.OH. Al(OH)3], feldspatos, zeólitas e argilas.

O carvão ativado é preparado por meio de uma decomposição termoquímica

parcial do material carbonoso, seja madeira, carvão mineral, casca de côco, entre

! 12

Page 13: Tratamento de efluentes contendo íon cianeto

outros. O carvão ativado possui alta porosidade e grande área superficial. Essas

propriedades conferem altas velocidade e capacidade de adsorção. Um dos problemas,

entretanto, reside no fato de que a adsorção não é seletiva e, portanto, cátions, ânions

e espécies neutras podem ser adsorvidas simultaneamente em vários sítios

superficiais.

Embora o uso de carvão ativado seja mencionado já no antigo Egito e Índia, a

primeira aplicação comercial foi na adsorção de gás por volta de 1915 ( Young and

Jourdan, 1995; Adams, M.D., 1990). Para o tratamento de efluentes contendo cianeto,

o uso do carvão ativado tem sido mencionado com freqüência para utilização de

concentrações diluídas de cianeto e complexos de cobre e prata (Sato, O.A.J. et al,

2005). Na metalurgia extrativa do ouro com cianeto, utiliza-se mais frequentemente a

operação contínua de CIC (carbon in column) e CIL (carbon in leach), conforme já

visto em outro capítulo. Embora esses métodos sejam originalmente voltados para a

recuperação do complexo ouro-cianeto, eles podem também ser aplicados para

remediação de efluentes contendo cianeto livre ou contendo complexos metálicos.

Neste caso, os reagentes básicos são, alem do carvão ativado, o ar/oxigênio e um

catalisador, que pode ser o Cu.

Já as resinas são pequenas esferas poliméricas contendo uma variedade de um

grupo funcional na superfície. Podem ser seletivas e possuir grande capacidade de

adsorção (Correa, T.C. et al, 2002). A forma de aplicação pode ser por coluna (RIC –

resin in column) ou em polpa (RIP- resin in pulp), de forma análoga à utilizada com

carvão ativado. Não há notícia de grande emprego comercial dessa tecnologia.

embora Whittle (citado por Young and Jordan, 1995) tenha realizado um teste piloto

com a resina comercial Vitrokele para recuperação de cianeto em duas minas de ouro

no Canadá.

Métodos por oxidação

Os métodos vistos até aqui, com exceção da diluição, deixam um produto concentrado

em cianeto que deve ser ainda tratado ou então reciclado. Para destruir o cianeto, uma

subseqüente oxidação é necessária.

! 13

Page 14: Tratamento de efluentes contendo íon cianeto

A bio-degradação (bio-oxidação) utiliza o fato de que várias espécies de bactérias,

fungos, algas e plantas são capazes de oxidar o cianeto naturalmente (Emery-

Trindade, R.B, 1994, Akcil, 2003). O mecanismo predominante é a conversão de

cianeto em cianato, uma espécie menos tóxica que o cianeto, seguido da degradação a

amônia, bicarbonato e outras espécies. Das várias biomassas já investigadas, as

bactérias são provavelmente as mais conhecidas. O processo de oxidação, por

bactérias, do cianeto contido em efluentes foi desenvolvida em Homestake, Dacota do

Sul (EUA) em uma mina de ouro (Smith and Mudder, 1991) Em outros processos,

bactérias anaeróbicas foram utilizdas para oxidar o cianeto em um ambiente isento de

oxigênio. Neste caso, o processo poderia ser aplicado a águas subterrâneas e lagos

com águas paradas.

Com o oxigênio as reações de oxidação podem ser representadas por:

CN- + 1/2O2 (aq) = CNO- (14)

M(CN)ny-x + 3xH2O + x/2O2(aq) = MY+ + xNH4+ + xHCO3- + xOH- (15)

O tiocianato também pode ser oxidado:

SCN- + 2H2O + 2O2(aq) = SO32- + NH4+ + HCO3- + H+ (16)

Para as reações com bactéria anaeróbica, as reações ocorrem com água no lugar do

oxigênio.

A reação 14 pode ser catalisada pelo carvão ativado, com a formação do cianato. Isso

se deve ao fato de o carvão ativado ser um poderoso adsorvente do cianeto, sobretudo

na presença de cobre, seja em solução ou previamente adsorvido no carvão. Esse

processo entretanto não foi desenvolvido para a destruição de cianeto.

! 14

Page 15: Tratamento de efluentes contendo íon cianeto

Eletrólise

Os princípios da eletro-recuperação podem ser aplicados na remediação de soluções

contendo cianeto. Uma característica importante é que o interesse é oxidar o

complexo metal –cianeto e não reduzir como é o caso da eletro-recuperação. Note-se

ainda que o cianeto e o anodo tem cargas opostas, concorrendo para uma melhor

eficiência de corrente. O radical cianato pode ser produzido por eletro-oxidação ou

eletro-cloração. Na primeiro caso a reação é

CN- + 2 OH- = CNO- + H2O + 2e- (17)

Na eletro-cloração a reação global é a mesma, porém ocorre em outras etapas (Botz,

M.M., 2001; Arikado et al., 1976)

2Cl- = Cl2(g) + 2e- [18]

CN- + Cl2(g) = CNCl(aq) + Cl- [19]

CNCl(aq) + 2OH- = CNO- + H2O + Cl- [20]

O gás cloro cianogênio (CNCl), ou gás lacrimogêneo, é formado pela regeneração dos

íons cloreto, atuando portanto como um catalisador. A reação é normalmente

conduzida a uma temperatura entre 40 e 50˚C.

Notar que, embora ambos os processos sejam capazes de oxidar o cianeto, não

conseguem oxidar os complexos fortes, os quais permanecem estáveis em solução.

Adição química de agentes oxidantes

A forma mais amplamente adotada para destruição de cianeto é pela adição de agentes

oxidantes. Os mais comuns são oxigênio, ozônio, peróxido de hidrogênio, cloro,

hipoclorito de sódio, este como agente único ou associado a peróxido de hidrogênio.

! 15

Page 16: Tratamento de efluentes contendo íon cianeto

A degradação natural do cianeto ocorre com oxigênio gasoso e aquoso. A Figura 2

mostra o diagrama de estabilidade termodinâmica do cianeto.

! Figura 2 – Diagrama de estabilidade termodinâmica CN-H2O a 25˚C

As linhas tracejadas delimitam a região de estabilidade termodinâmica da água. Vê-se

que o cianeto não é termodinamicamente estável. A cinética de oxidação, entretanto, é

lenta e permite a utilização desse reagente na metalurgia extrativa do ouro. A reação

ocorre rapidamente em reatores agitados e lentamente em bacias de decantação. Pode

ser catalisada pela presença de carvão ativado e algumas bactérias, como já visto.

O ozônio é um poderoso oxidante e dois mecanismos de oxidação do cianeto foram

propostos (Carrillo-Pedroza e Soria-Aguilar, 2001) de acordo com as reações

seguintes:

CN- + O3 (aq) = CNO- + O2 (aq) (21)

3CN- + O3 (aq) = 3CNO- (22)

! 16

Page 17: Tratamento de efluentes contendo íon cianeto

No primeiro caso, a reação com ozônio produz oxigênio, o qual por sua vez pode

também oxidar o cianeto. A segunda reação apresenta alta eficiência mas foi

observada mais raramente. A adição continuada de ozônio irá converter o cianato em

carbonato e nitrogênio (gasoso).

2CNO- + 3O3 (aq) + H2O = 2HCO3- + N2(g) + 3O2(aq) (23

2CNO- + 3O3 (aq) + H2O = 2HCO3- + N2(g) (24)

O uso de ozônio, entretanto, não é eficiente para destruir os complexos fortes. Além

disso, o processo torna-se menos eficiente em valores de pH próximos a 11, o que

dificulta a utilização, já que o este valor deve ser mantido para prevenir a formação do

gás HCN, altamente venenoso. A utilização do ozônio é ainda prejudicada pelo alto

custo de produção desse reagente.

O peróxido de hidrogênio é um oxidante mais poderoso do que o oxigênio, embora

inferior ao ozônio (em termos de potencial de oxi-redução). É um reagente

considerado conveniente, já que não é caro e o produto da reação é apenas água e

oxigênio. Várias investigações (Wyborn, P.J. et al, 1991; Teixeira, L.A., 2002)

mostram que o peróxido reage com o cianeto para formar cianato e, com adição em

excesso, forma ainda nitrito, nitrato e carbonato, de acordo com as reações a seguir:

CN- + H2O2 = CNO- + H2O (25)

CNO- + 3H2O = NO2- + CO32- + 2H2O + 2H+ (26)

NO2- + H2O2 = NO3- + H2O (27)

Tiocianato e os complexos fortes não são atacados. Mesmo assim, este é um processo

que tem sido amplamente aplicado em várias minas como um tratamento primário

para destruição de cianeto. A adição de outros reagentes pode ser feita com o objetivo

! 17

Page 18: Tratamento de efluentes contendo íon cianeto

de aumentar a cinética da reação do cianeto com peróxido de hidrogênio. Alguns

desses reagentes são íons cúprico, formaldeído, ácido sulfúrico e hipoclorito de sódio.

O íon cúprico pode agir como um catalisador para as reações acima (Marsden e

House, 1992)]. O uso do formaldeído é patenteado pela Du Pont e os produtos finais

incluem cianato e amônia. Quando ácido sulfúrico e peróxido de hidrogênio são

misturados, uma reação altamente exotérmica ocorre, com a formação de ácido

persulfúrico ou ácido de Caro, H2SO5 (Teixeira, L.A., 2002). Este reage com o cianeto

para produzir cianato:

CN- + H2SO5(aq) = CNO- + H2SO4(aq) (28)

Os complexos fortes não são atacados e não há evolução do gás hidrociânico, apesar

da adição de um ácido. Isso é explicado pela alta cinética de reação e pelo fato de os

complexos fortes não volatilizarem já que o equilíbrio se estabelece entre valores de

pH de 6-8.

A cloração tem sido utilizada desde os primórdios do processo de cianetação, por

volta de 1890. A cloração remove os complexos fracos e o cianeto livre, mas não os

complexos fortes. Além disso, o processo tem um elevado consumo de reagentes em

razão do controle de pH e consumo de gás cloro. A reação básica de oxidação é:

CN- + Cl2(g) + 2OH- = CNO- + H2O + Cl- (29)

O tiocianto também reage com o cloro, assim como os complexos metal - cianeto:

SCN- + 4Cl2(g) + 10OH- = CNO- + SO42- + 8Cl- + 5H2O (30)

M(CN)xy-x + xCl2(g) + (2x+y)OH- = XCNO- + 2xCl- + M(OH)y + xH2O (31)

Os óxidos e sulfetos precipitam em razão do elevado valor de pH. Entretanto, apenas

os complexos metálicos fracos reagem conforme a reação 31. Quando adicionado em

! 18

Page 19: Tratamento de efluentes contendo íon cianeto

excesso, o cloro gasoso pode reagir com cianato e produzir nitrogênio e dióxido de

carbono de acordo com:

2CNO- + 3Cl2(g) + 4OH- = N2(g) + 2CO2(g) + 6Cl- + 2 H2O (32)

Neste caso, o consumo de cloro e hidróxido pode se tornar excessivo, aumentando a

dificuldade em manter a alcalinidade em valores de pH acima de 10, com o objetivo

de evitar a evolução de HCN gasoso. Pra evitar esse excesivo consumo, algumas

adaptações ao procsso foram feitas, como a adição de hipoclorito (Inglês e Scott,

1951, MArsden e House, 1992)

A destruição do cianeto pelo processo conhecido como INCO envolve a mistura de

dióxido de enxofre e ar com cianeto livre e como complexo metálico, alem do

tiacianto. As reações provocam a formação do cianato (Devuyst, E.A., 1989)

CN- + SO2(g) + H2O + O2(g) = CNO- + H2SO4(aq) (33)

M(CN)xy-x + XSO2(g) + XH2O + XO2(g) = xCNO- + xH2SO4(aq) + My+ (34)

SCN- + 4SO2(g) + 5H2O + 4O2(g) = CNO- + 5H2SO4 (aq) (35)

Os complexos fortes não são destruídos, mesmo com a adição de um catalisador como

íons cúprico ou níquel. As reações geram, como se vê, ácido sulfúrico e são eficientes

em valores de pH próxmo a 9. Por essa razão, na prática adiciona-se cal para o

controle do pH, o que gera uma lama em razão da precipitação dos hidróxidos

metálicosbem como gipsita (sulfato de cálcio). Essa tecnologia vem sendo utilizada

em minas no Canadá e nos EUA desde a década de 80, quando o processo foi

impelementado pela 1a vez. (Botz, M.M.,2001). A Tabela 2 apresenta resumidamente

as principais tecnologias para remoção/destruição do cianeto.

TABELA 2 – Principais tecnologias para tratamento de efluente contendo cianeto (adaptado de Environment Australia, Best Practice Environmental Management in Mining, 1998)

Tecnologia Breve descrição Principais reagentes

Principais produtos da reação

! 19

Page 20: Tratamento de efluentes contendo íon cianeto

Cloração alcalina (químico)

Oxidação a CNO-

com Cl2 ou ClO- em pH > 11

Cl2 / ClO-, NaOH CNO-, CO32-

SO2 / ar – processo INCO (químico)

Oxidação a CNO-

com SO2/ar e Cu2+ como catalisador

SO2, ar e Cu2+

catalisador CNO-

Peróxido de hidrogênio (H2O2)

– processo Degussa (químico)

Oxidação a CNO-

com H2O2 e Cu2+ H2O2 CNO-, CO32-, NH4+

Ácido de caro (químico)

Oxidação a CNO-

com H2SO5H2SO5 CNO-

Carvão ativado (químico; físico)

Oxidação a CNO- e parcialmente a

CO32-, NH4+ com carvão ativado e

Cu2+ como catalisador

Carvão ativado, ar, O2 e Cu2+

catalisador CNO-, CO32-, NH4+

Biodegradação (biológico)

Oxidação a CO32-, NH4+ e NO3-

usando bactérias locais

Na2CO3, H3PO4CNO-, CO32-, NH4+, SO42-

Ozônio (químico) Oxidação a CO32- e N2

O3 CO32-, N2

Degradação natural (biológico,

químico, físico)

Volatilização do HCN nas barragens

de rejeito--

HCN principalmente

AVR (químico e físico)

Acidificação-Volatilização-

Reneutralização. Após acidificar a

pH<8, HCN evolui e ‘absorvido por

solução de NaOH. Metais precipitam.

H2SO4, NaOHHCN,

possivelmente SCN-

Precipitação com ferro (azul da

Prússia-químico)

Precipitação de Fe4[Fe(CN)6]3 pela adição de FeSO4

FeSO4 Fe4[Fe(CN)6]3

! 20

Page 21: Tratamento de efluentes contendo íon cianeto

Osmose reversa (físico)

Remoção física do cianeto e

complexos com uma membrana

semipermeável em processo sob

pressão

-- CN-

Flotação (físico-químico)

Adsorção de partículas de CN precipitadas sobre pequenas bolhas de

ar

FeSO4, surfatante Fe4[Fe(CN)6]3

! 21

Page 22: Tratamento de efluentes contendo íon cianeto

APÊNDICE

Determinação de Cianeto com eletrodo seletivo de íon

A análise de cianeto com um eletrodo de íon seletivo é um método rápido e

preciso para determinação de cianeto livre. A seguir são apresentadas instruções

básicas para a aplicação dessa técnica com sucesso.

Princípios da operação

A determinação é baseada no comportamento da parte sensível do eletrodo de

cianeto. Essa parte encontra-se na ponta inferior do eletrodo e consiste em uma

membrana contendo um haleto de prata, misturado a um material de suporte

apropriado, que pode ser silicone, borracha ou uma mistura de sais inorgânicos.

Quando esta membrana entra em contato com a solução de cianeto, os íons de prata

contidos na superfície da membrana dissolvem formando um complexo de acordo

com:

AgX +2CN- = Ag(CN)2- +X-

Como conseqüência, os íons de prata contidos na membrana irão mover para

preencher o espaço daqueles que foram complexados. Isto determinará a diferença de

potencial que corresponde à concentração de cianeto na solução. O potencial é então

medido contra um eletrodo padrão e é determinado pela equação de Nernst:

E= Eo-S.log[CN]-

onde E é a leitura do potencial

Eo é o potencial do eletrodo padrão

S é declividade da equação

[CN]- é a concentração de íons cianeto na solução

! 22

Page 23: Tratamento de efluentes contendo íon cianeto

Rigorosamente, o termo de [CN] – deveria ser substituído pela atividade do

cianeto, a qual relaciona-se com a concentração de cianeto pelo coeficiente de

atividade γ. Este coeficiente é variável e depende da força iônica da solução.

Entretanto, se a força iônica é muito alta e constante com relação à concentração do

íon que está sendo medido, γ pode ser considerado constante e portanto a atividade

torna-se diretamente proporcional à concentração. Por esta razão, uma solução de

ajuste da força iônica (AFI) é sempre adicionada tanto à solução padrão quanto à

amostra contendo cianeto. Nestas condições, a força iônica permanece alta e constante

com relação ao cianeto. Para o caso dos eletrodos sensíveis ao cianeto, a solução AFI

recomendada é de 10 M NaOH.

Reagentes

A determinação do cianeto é realizada com o auxílio de uma curva de

calibração. Para construir esta curva alguns reagentes devem ser preparados:

A. Pelo menos 100ml da solução AFI. Essa é uma solução muito corrosiva e deve

ser manuseada com extremo cuidado. É também recomendado que esta

solução seja mantida em um frasco de plástico.

B. Uma solução padrão 10-2 molar de cianeto preparada no mínimo

semanalmente (0,65g de KCN em 1L de água destilada). Adicione 1ml da

solução AFI para cada 100ml de solução padrão.

C. 00ml de uma solução 10-3 molar de cianeto, a qual é preparada pela diluição

da solução padrão acima. Adicione 1ml para cada 100ml preparado. Esta

solução deve ser preparada diariamente.

Aparelhagem e faixa de determinação

Qualquer potenciômetro capaz de fazer leituras de potencial e pH pode ser

utilizado. No presente caso um modelo 654 da METROHN foi utilizado para todas as

leituras. O eletrodo seletivo foi o modelo 94-4096 da RUSSELL e um eletrodo de

calomelano tipo CRL/DJ/NaNO3 da RUSSELL foi utilizado como eletrodo de

! 23

Page 24: Tratamento de efluentes contendo íon cianeto

referência (caso este não esteja disponível um eletrodo de Ag/AgCl também pode ser

utilizado).

Teoricamente, é possível usar o eletrodo de cianeto em soluções cuja

concentração varia de 10-1 M a 10-6 M. Entretanto, medidas em soluções contendo

mais do que 10-3M de CN-, diminuem acentuadamente a vida útil do eletrodo e

devem ser realizadas apenas ocasionalmente. Aconselha-se portanto, sempre que

possível diluir as amostras para abaixo desta concentração.

Procedimento

Para determinações dentro da faixa de concentração entre 10-6M e 4x10-5M

aproximadamente deve se proceder como se segue. (OBS: Como já visto é sempre

aconselhável analisar baixas concentrações de cianeto. Portanto, o procedimento que

será descrito pode ser utilizado mesmo se a amostra tiver concentração de cianeto

acima de 4x10-5M; neste caso a amostra deverá apenas ser diluída).

1. Adicione 100ml de água destilada e 1ml de solução AFI a um bécher agitando

com um agitador magnético;

2. Coloque ambos eletrodos nesta solução;

3. Adicione incrementos do reagente descrito no item C acima de acordo com a

Tabela 3 e anote o potencial apos cada adição (aguarde cerca de 2 min para a

leitura se estabilizar).

Tabela 3 – Valores guias usados para construção da curva de calibração para determinação de cianeto com eletrodo de íon seletivo

Volume adicionado de reagente C (ml) Concentração no bécher (Mx10-6)

0,1 1,0

0,1 2,0

0,2 4,0

0,2 6,0

0,4 9,9

2,0 29,0

2,0 48,0

! 24

Page 25: Tratamento de efluentes contendo íon cianeto

4. Coloque em um gráfico semi-logartítmico os valores da concentração (abcissa,

eixo logarítmico) e do potencial (eixo linear). Um gráfico típico é apresentado

na Figura 3. Exemplos de dados práticos são apresentados ao final do texto na

Tabela 4.

5. Apos as leituras, lave e seque completamente os eletrodos;

6. Adicione 1ml da solução de AFI para cada 100ml de amostra a ser medida;

7. Coloque a amostra, preparada como o item 6 acima, em um bécher e insira os

dois eletrodos;

8. Agite com um agitador magnético e aguarde uma leitura estável (normalmente

esta tempo não é superior a um minuto);

9. A concentração de cianeto na amostra é dada pelo potencial medido

comparado com a curva de calibração.

! Figura 3 – Curva típica de calibração para determinação de cianeto com eletrodo de íon sensível

Precauções gerais

• Todas as amostras e soluções padrão devem ser mantidas à mesma

temperatura. Para uso intermitente o eletrodo pode trabalhar em uma faixa de

temperatura de 5 a 100oC;

• A agitação não deve causar vórtex no bécher;

• Para obter melhor precisão o bécher deve ser coberto.

! 25

Page 26: Tratamento de efluentes contendo íon cianeto

Tabela 4: Exemplos de dados para curva de calibração com eletrodo sensível

Volume de reagente C adicionado

(ml)

Concentração de cianeto (M

x10-6)

L e i t u r a d e p o t e n c i a l 1 (mV)

L e i t u r a d e p o t e n c i a l 2 (mV)

L e i t u r a d e p o t e n c i a l 3 (mV)

0,1 1,0 -12,5 -14,5 -4,0

0,1 2,0 -22,0 -29,0 -16,5

0,2 4,0 -38,5 -43,5 -31,5

0,2 6,0 -47,0 -52,5 -41,5

0,4 9,9 -59,8 -64,3 -53,0

2,0 29,0 -87,0 -91,5 -80,5

2,0 48,0 -99,0 -102,5 -94,0

! 26

Page 27: Tratamento de efluentes contendo íon cianeto

BIBLIOGRAFIA

• Adams, M.D., The chemical behaviour of cyanide in the extraction of gold. 1. Kinetics of cyanide loss in the presence and absence of activated carbon, Journal of South African Institute of Mining and Metallurgy, v. 90, no.2, pp. 37-44, Feb, 1990.

• Akcil, A., Destruction of cyanide in gold mill effluents: biological versus chemical treatment, Biotechnology Advances, 21, p.501, 2003.

• Arikado, T.; Iwakura, C.; Yoneyama, H.; Tanura, H., Anodic oxidation of potassium cyanide on the graphite electrode, Electrochimica Acta, v.21, pp 1021-1027, 1976.

• Botz, M.M., Overview of cyanide treatment methods, Mining Environmental Management, Mining Journal Ltd., London, IK, pp. 28030, May 2001)

• Carrillo-Pedroza, F.R.; Soria-Aguiar, M.J., Destruction of cyanide by ozone in two gas-phase contacting systems, The European Journal of Mineral Processing and Environmental Protection, 1, p.55, 2001.

• Correa, T.C.; Wallerstein, C.A.; Leite, J.V.p.; Cunha, O.A.A., Redução na geração de resíduos no tratamento de efluentes com o uso de resina de troca iônica, XIX Encontro Nacional de Tratamento de Minérios e Metalurgia Extrativa, vol.2, pg. 338, Recife, PE, novembro, 2002.

• Costa, A.C.A., Degradação de cianetos por hipoclorito de sódio, Série Tecnologia Mineral, no. 60, CETEM/MCT, www.cetem.gov.br, 1992.

• Devuyst, E.A.; Conard, B.R.; Vergunst, R.; Tandi, B., A cyanide process using sulfur dioxide and air, JOM, vol.41, no. 12, pp 43-45, 1989.

• Emery-Trindade, R.B., Catalysed cyanidation of gold, PhD thesis, Imperial College, Londres, 1992.

• Emery-Trindade, R.B., Tiouréia e bromo como lixiviantes alternatives à cianetação do ouro, Série Tecnologia Mineral, no. 67, CETEM/MCT, www.cetem.gov.br, 1994.

• Emery-Trindade, R.B.; Monhemius, A. J., The use of anthraquinone as a catalyst in the cyanide leaching of gold, Minerals Engineering, no. 531, ano 58, p. 24, 1994.

• Environment Australia (EA), Best practice environmental management in mining, ISBN 064254563-4, 1998.

• Habashi, F., One hundred years of cyanidation, CIM Bulletin, v.80, p.108, September, 1987.

• Ingles, J.C.; Scott, J.S., Overview of cyanide treatment methods, Cyanide in Gold Seminar, Ontario, Canada, 1981.

• Marsden, J. and House, I., The chemistry of gold extraction, Ellis Horwood, New Yourk, NY, 1992.

• Nicol, N.J.; Fleming, C.A.; Pane, R.L., The chemistry of gold, in Extraction Metallurgy of Gold in South Africa, editado por G.C. Stanley, South African Institute of Mining and Metallurgy, 1987.

• Sato, O.A.J., Torem, M.L., Trindade, R.B.E., Palygorskyte as a sorbent in the removal of manganese (II) from water mine effluents, XIII International

! 27

Page 28: Tratamento de efluentes contendo íon cianeto

Conference on Heavy Metals in the Environment, CETEM/MCT, Rio de Janeiro, RJ, 2005.

• Silva, A.L.; Costa, R.A.; Martins, A.H., Regenaração de cianetaos pelo processo ARV associado ao emprego de resinas poliméricas de troca iônica, REM: Revista Escola de Minas, v.55, no. 2, Ouro Preto, MG, abril, 2002.

• Smith, A.; Mudder, T., The chemistry and treatment of cyanidation wastes, Mining Jornal Books Ltd., East Sussex, England, ISBN 090011751-6, 1991.

• Teixeira, L.A.C., Novos desenvolvimentos em tratamentos de soluções de processos e efeluentes com peróxido de hidrogênio, XIX Encontro Nacional de Tratamento de Minérios e Metalurgia Extrativa, vol.2, pg. 370, Recife, PE, novembro, 2002.

• Wyborn, P.J.; McNeille, A.; Wilton, E.N., Peroxygens – The golden opportunity, Innovations in Precious Metals Recovery and Refining, Society of Chemical Industry, SCI, Londres, 3 July, 1991.

• Young, C.A.; Jordan, T.S., Cyanide remediation: current and past technologies, Proc. 10th Annual Conference on Hazardous Waste Research, p.104, May, 23-24, 1995.

! 28