tratamento da periimplantite: uma revisÃo … · saios clínicos randomizados sobre o tratamento...

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111 R. Periodontia - Dezembro 2009 - Volume 19 - Número 04 INTRODUÇÃO O termo “periimplantite” foi introduzido no final dos anos 80 (Mombelli et al., 1987) e, posteriormen- te, foi definido como um processo inflamatório que afeta os tecidos moles e duros em torno de implan- tes osseointegrados resultando em perda do osso de suporte (Albrektsson & Isidor, 1994). Mucosites periimplantares e periimplantites são patologias in- fecciosas. Enquanto a mucosite descreve uma lesão inflamatória confinada na mucosa marginal, na periimplantite já há o osso de suporte envolvido (Lindhe & Meyle, 2008). Com relação ao diagnóstico, a mucosite periimplantar pode ser identificada clinicamente por sangramento após sondagem do tecido marginal podendo também estar associado à vermelhidão e/ou edema do tecido marginal. Já na periimplantite, há presença de profundidade de sondagem aumentada freqüentemente associada a supuração e/ou sangramento à sondagem e sempre acompanhada pela perda do osso marginal de suporte que deve ser superior a 1,5 mm no primeiro ano e maior que 0,2 mm nos anos subsequentes (Albrektsson, et al., 1986; Lindhe & Meyle, 2008). Poucos estudos fornecem dados sobre a TRATAMENTO DA PERIIMPLANTITE: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA Perimplantitis treatment: a systematic review Fabricio Batistin Zanatta 1,3,4 , Fabricio Ravanello 2 , Raquel Pippi Antoniazzi 3,4 , Cassiano Kuchenbecker Rösing 5 RESUMO Há diversificada evidência sobre o tratamento da periimplantite. Assim, o objetivo deste trabalho é sumarizar, através de uma revisão sistemática, estudos com o maior grau de evidência sobre o tema. Desta forma, apenas en- saios clínicos randomizados sobre o tratamento da periimplantite foram incluídos na revisão na qual após cri- térios de inclusão e exclusão obtiveram-se oito estudos se- lecionados. As características mais importantes, resultados e a qualidade dos mesmos foram avaliados. Os resultados demonstraram que diversos tratamentos foram eficazes, mas a comparação entre eles torna-se difícil devido à diver- sidade metodológica, o que dificulta definir um protocolo de tratamento específico que seja superior aos outros. En- tretanto, de uma maneira geral, o tratamento cirúrgico parece apresentar uma melhor resolutividade da periimplantite quando comparado a abordagens não-ci- rúrgicas. Neste sentido, enxertos ósseos, jateamento com hidroxiapatita e implantoplastia foram as abordagens tera- pêuticas com os melhores resultados. Assim, a escolha da técnica passa pela análise clínica e radiográfica da lesão, a disponibilidade de materiais e equipamentos, a experiência clínica e a discussão com o paciente da relação custo be- nefício dos procedimentos terapêuticos. UNITERMOS: Implantes dentais; terapia; ensaio clíni- co, revisão sistemática. R Periodontia 2009; 19:111-120. 1 Doutorando em Periodo ntia (ULBRA) 2 Especialista em Periodo ntia UNINGASM 3 Mestre em Periodo ntia (ULBRA) 4 Professor do Curso de Odo ntologia do Centro Universitário Fransiscano (UNIFRA) 5 Doutor em Periodo ntia (UNESP). Professor do curso de Odo ntologia da UFRGS e ULBRA Recebimento: 14/10/09 - Correção: 06/11/09 - Aceite: 18/11/09 ´

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R. Periodontia - Dezembro 2009 - Volume 19 - Número 04

INTRODUÇÃO

O termo “periimplantite” foi introduzido no final

dos anos 80 (Mombelli et al., 1987) e, posteriormen-

te, foi definido como um processo inflamatório que

afeta os tecidos moles e duros em torno de implan-

tes osseointegrados resultando em perda do osso

de suporte (Albrektsson & Isidor, 1994). Mucosites

periimplantares e periimplantites são patologias in-

fecciosas. Enquanto a mucosite descreve uma lesão

inflamatória confinada na mucosa marginal, na

periimplantite já há o osso de suporte envolvido

(Lindhe & Meyle, 2008).

Com relação ao diagnóstico, a mucosite

periimplantar pode ser identificada clinicamente

por sangramento após sondagem do tecido

marginal podendo também estar associado à

vermelhidão e/ou edema do tecido marginal. Já

na periimplantite, há presença de profundidade de

sondagem aumentada freqüentemente associada a

supuração e/ou sangramento à sondagem e

sempre acompanhada pela perda do osso marginal

de suporte que deve ser superior a 1,5 mm no

primeiro ano e maior que 0,2 mm nos anos

subsequentes (Albrektsson, et al., 1986; Lindhe &

Meyle, 2008).

Poucos estudos fornecem dados sobre a

TRATAMENTO DA PERIIMPLANTITE: UMA REVISÃOSISTEMÁTICAPerimplantitis treatment: a systematic review

Fabricio Batistin Zanatta1,3,4, Fabricio Ravanello2, Raquel Pippi Antoniazzi3,4, Cassiano Kuchenbecker Rösing5

RESUMO

Há diversificada evidência sobre o tratamento da

periimplantite. Assim, o objetivo deste trabalho é sumarizar,

através de uma revisão sistemática, estudos com o maior

grau de evidência sobre o tema. Desta forma, apenas en-

saios clínicos randomizados sobre o tratamento da

periimplantite foram incluídos na revisão na qual após cri-

térios de inclusão e exclusão obtiveram-se oito estudos se-

lecionados. As características mais importantes, resultados

e a qualidade dos mesmos foram avaliados. Os resultados

demonstraram que diversos tratamentos foram eficazes,

mas a comparação entre eles torna-se difícil devido à diver-

sidade metodológica, o que dificulta definir um protocolo

de tratamento específico que seja superior aos outros. En-

tretanto, de uma maneira geral, o tratamento cirúrgico

parece apresentar uma melhor resolutividade da

periimplantite quando comparado a abordagens não-ci-

rúrgicas. Neste sentido, enxertos ósseos, jateamento com

hidroxiapatita e implantoplastia foram as abordagens tera-

pêuticas com os melhores resultados. Assim, a escolha da

técnica passa pela análise clínica e radiográfica da lesão, a

disponibilidade de materiais e equipamentos, a experiência

clínica e a discussão com o paciente da relação custo be-

nefício dos procedimentos terapêuticos.

UNITERMOS: Implantes dentais; terapia; ensaio clíni-

co, revisão sistemática. R Periodontia 2009; 19:111-120.

1 Doutorando em Periodontia (ULBRA)

2 Especialista em Periodontia UNINGASM

3 Mestre em Periodontia (ULBRA)

4 Professor do Curso de Odontologia do Centro Universitário Fransiscano (UNIFRA)

5 Doutor em Periodontia (UNESP). Professor do curso de Odontologia da UFRGS e ULBRA

Recebimento: 14/10/09 - Correção: 06/11/09 - Aceite: 18/11/09

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prevalência de doenças periimplantares. Uma recente revi-

são relata uma prevalência de mucosite em 80% dos paci-

entes com uma extensão média de 50% dos sítios

periimplantares. Já a periimplantite apresenta uma

prevalência entre 28% e 56% dos pacientes com extensões

que variam entre 12% e 43% dos sítios periimplantares

(Zitzmann & Berglundh, 2008).

Na literatura, a maioria dos estudos relata perdas

precoces e tardias dos implantes sem se referir à

doença periimplantar. Os seguintes indicadores de risco já

foram identificados: má higiene bucal, histórico

de periodontite, tabagismo, diabetes, consumo de álcool

e fatores genéticos, sendo os três primeiros citados os

que possuem maior grau de evidência. (Lindhe & Meyle,

2008).

A microbiota associada a periimplantite é similar aquela

que está associada à doença periodontal. Na infecção

periimplantar há uma inversão na proporção de bactérias

Gram-positivas e Gram-negativas onde se observa uma

transição da predominância de formas Gram-positivas e

pequenas quantidades de espécies Gram-negativas,

para grandes quantidades de anaeróbios Gram-negativos.

Alguns patógenos periodontais como Aggregatibacter

actinomycetemcomitans, Porphyromonas gingivalis,

Tannerella forsythia, Prevotella intermedia,

Peptostreptococcus micros e Fusobacterium nucleatum

foram identificados em associação com periimplantite.

Estes agentes formam um biofilme submucoso na

lesão periimplantar resultando em ulceração do

epitélio sulcular, perda de fibras colágenas, migração apical

do epitélio juncional, atividade osteoclástica, dentre outros

(Mombelli et al., 1987, Alcoforado et al., 1991, Augthun &

Conrads, 1997, Salcetti et al., 1997, Van Winkelhof et al.,

2000).

Para o tratamento das periimplantites apresentar

sucesso, o resultado deve incluir parâmetros que

descrevam a resolução da inflamação e a preservação

do osso de suporte. O tratamento deverá incluir

medidas antimicrobianas já que o biofilme bacteriano

parece ser o fator etiológico primário (Lindhe & Meyle,

2008). Uma grande variedade de medidas terapêuticas tem

sido proposta, entretanto, é discutível o quanto estas

são baseadas em evidências de alto nível. Entretanto, em

função de ser um problema relativamente novo e com

ocorrência crescente, a profissão tem manejado sem as de-

vidas bases científicas. Assim, o objetivo do presente estudo

foi o de realizar uma revisão sistemática de ensaios clínicos

controlados e/ou comparativos sobre o tratamento da

periimplantite.

MATERIAS E MÉTODOS

Estratégias de busca

A estratégia de busca foi realizada em base de dados

eletrônica (Pubmed - Biblioteca nacional de Medicina US/

Bireme – Biblioteca virtual em saúde e Biblioteca Cochrane).

Primeiramente foi realizada uma busca nos seguintes ter-

mos e palavras chaves: “Peri-implantitis” OR “periimplantitis”

OR “Peri-implant” OR “periimplant”.

Adicionalmente, utilizando estratégias de limites, foi ain-

da selecionado: Data: todos os artigos publicados até mar-

ço de 2009; grupos experimentais: apenas humanos (ani-

mais excluídos). Tipo de estudo: ensaios clínicos controlados

randomizados. Com estas características foram encontrados

95 estudos.

Seleção dos estudosApós esta primeira fase de busca foi realizada uma ava-

liação de todos os títulos e resumos dos artigos seleciona-

dos. Nesta fase, uma nova seleção dos artigos foi realizada

de acordo com os critérios de inclusão/exclusão dos estudos

na revisão sistemática. Esta avaliação foi feita em duplicata

por dois revisores independentes. Em caso de dúvidas, cada

caso era discutido até que se chegasse a um consenso.

Critérios de inclusão dos estudos:1. Apenas ensaios clínicos controlados ou comparati-

vos (Utilizando delineamento em paralelo ou de boca

dividida);

2. Alguma terapia para tratamento da periimplantite

devia ser instituída nos grupos experimentais;

3. Acompanhamento de, no mínimo, 6 meses.

Critérios de exclusão dos estudos:

1. Estudos que relatassem alguma forma de tratamen-

to da periimplantite que fosse anterior ao tratamento expe-

rimental empregado;

2. Ausência de tratamento ou tratamento periodontal

incompleto antes da colocação dos implantes.

3. Pacientes que utilizaram antibióticos por um período

anterior a três meses do início do estudo;

4. História de radioterapia na região de cabeça e

pescoço;

Avaliação da qualidade dos estudos selecionados

A avaliação do grau de evidência dos estudos seleciona-

dos após a segunda etapa foi realizada por dois dos reviso-

res independentes seguindo os critérios propostos

por Esposito et al. (2001) e Roccuzzo et al. (2002), ligeira-

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Tabela 1 – Artigos não selecionados para revisão sistemática/motivos

mente modificados, tendo sido classificados conforme

listado abaixo:

(A) Cálculo amostral, estimando o número mínimo de

participantes necessário para detectar uma diferença signifi-

cativa entre os grupos comparados no estudo.

0: Não existia / não mencionado / não claro

1: Foi relatado, mas não confirmado

2: Relatado e confirmado

(B) Randomização

0: Não existia / não descrito / não claro

1: Claramente inadequado: Quando o método de

randomização foi diferente de uma tabela de números alea-

tórios, de números aleatórios gerados por computador, jogo

de moedas ou cartas embaralhadas;

2: Possivelmente adequado: No caso um método de

randomização adequado foi aplicado, mas o(s)

examinador(es) foi (foram) informado(s) sobre a sequência

da randomização antes ou no início do processo e,

consequentemente, poderia ser distorcido durante a(s) in-

tervenção (ões).

3: Claramente adequado: No caso um método de

randomização adequado foi aplicado e o(s) examinador (es)

foi (foram) mantidos (s) sem conhecimento da seqüência da

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Tabela 2 – Ensaios Clínicos randomizados controlados e suas principais características

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randomização até imediatamente antes do procedimento

terapêutico ser executado.

(C) Definição clara dos critérios de inclusão e / ou

exclusão

0: Não

1: Sim

(D) Acompanhamento completo (razões especificadas

para a retirada e abandono em cada grupo de estudo)

0: Não / não mencionadas / não claro

1: Sim / não ocorreram retiradas ou abandonos

(E) Grupo experimental e controle comparáveis no

baseline para importantes fatores de prognóstico

0: Não

1: Imprecisão / possivelmente não são comparáveis para

um ou mais importante fator de prognóstico

2: Sim

(F) Presença de mascaramento (cegamento)

0: Não

1: Imprecisão / não completo: Não é para todas medi-

ções ou avaliações do estudo

2: Sim

(G) Adequada análise estatística

0: Não

1: Imprecisão / talvez não o melhor método aplicado

2: Sim

(H) Calibragem dos examinadores

0: Não

1: Sim

RESULTADOS

A partir da metodologia empregada, 87 artigos foram

excluídos (tabela 1) e selecionados oito artigos, cujas princi-

pais características estão descritas na tabela 2.

A tabela 3 mostra a qualidade dos estudos selecionados

conforme os critérios descritos.

O foco maior dessa revisão está apresentado na tabela

4, com os principais resultados, dos quais destacam-se al-

guns pontos a seguir.

Karring et al. (2005) comparam o tratamento não cirúr-

gico com aparelho ultrassônico Vector® com pontas de fibra

de carbono e posterior jato de hidroxiapatita com raspagem

não-cirúrgica com curetas de fibra de carbono. O índice de

placa, sangramento à sondagem e a profundidade de son-

dagem (PS) não apresentaram reduções estatisticamente

significantes tanto intragrupo quanto intergrupo. O nível clí-

nico de inserção (NIC) não foi relato neste estudo.

Após compararem duas modalidades de tratamento não

Tabela 3 – Valores da avaliação da qualidade dos estudos selecionados

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cirúrgico da periimplantite laser Er:YAG versus raspagem

subgengival não-cirúrgica com curetas plásticas, Schwarz et

al.(2005) demonstraram que a redução de sangramento à

sondagem foi maior no grupo que utilizou o laser Er:YAG,

sem haver diferenças na PS e NIC. O mesmo grupo de pes-

quisadores (Schwarz et al.,2006a) compararam o uso de laser

Er:YAG com raspagem subgengival não-cirúrgica com curetas

plásticas e irrigação com gel de clorexidina 0,2% A redução

de sangramento à sondagem foi mais favorável no grupo

que recebeu laser. A diferença foi estatisticamente

significativa. Com relação a PS e o NIC, não houve diferença

estatisticamente significante entre as duas modalidades

terapêuticas.

Romeo et al.(2005) compararam o tratamento da

periimplantite através de cirurgia ressectiva com cinzéis, gel

de metronidazol 25%, solução de tetraciclina 50mg/ml e soro

fisiológico associado à implantoplastia (uso de brocas

diamantadas a 15.000 rpm para plastia das roscas) tendo o

grupo controle os mesmos procedimentos com exceção da

implantoplastia. Após 24 meses de acompanhamento, os

dois grupos apresentaram reduções estatisticamente signifi-

cativas nos índices de sangramento à sondagem e na PS. Na

comparação entre as duas modalidades, o grupo onde a

implantoplastia foi realizada apresentou melhores resulta-

dos com reduções estatisticamente significativas dos

parâmetros analisados.

Renvert et al.(2006) compararam a raspagem subgengival

não-cirúrgica mais uma dose de Arestin® (1mg de minociclina

em microesferas) com raspagem subgengival não-cirúrgica

mais 1ml de gel de clorexidina 1%. Com relação as redução

do índice de placa e sangramento à sondagem não

houve diferença estatística significativa entre os dois grupos.

Em relação a PS houve diferença estatística a favor do

grupo que recebeu o Arestin®. De forma muito semelhante,

duas modalidades de tratamento não-cirúrgico foram

comparadas por Renvert et al.(2008) com raspagem

e alisamento radicular mais uma dose de Arestin® (1 mg

de minociclina em microesferas) versus raspagem e

alisamento radicular mais gel de clorexidina 1% (Corsodyl®).

A comparação intergrupos demonstrou sangramento à son-

dagem significativamente favorável ao grupo que usou

Arestin® enquanto em relação à frequência de placa e PS

não apresentaram diferenças estatisticamente significantes.

O NIC não foi relatado nesse estudo.

Schwarz et al.(2006b), (2008) compararam acesso cirúr-

gico (raspagem com curetas plásticas mais soro fisiológico) e

jato de hidroxiapatita (Ostim®) com acesso cirúrgico (raspa-

gem com curetas plásticas mais soro fisiológico) e enxerto

de osso bovino (BioOss®) mais membrana colágena

(BioGide®). Após 24 meses, a taxa de sobrevivência foi de

81,81% (dois implantes apresentaram supuração severa e

foram perdidos) no grupo que utilizou jato de bicarbonato e

de 100% no grupo de enxerto ósseo. A despeito do índice

de placa ter aumentado nos dois grupos após 24 meses o

exsudado subgengival, PS e NIC diminuíram após 24 meses

nos 2 grupos. Não foi realizada análise estatística dos

resultados.

Com relação à qualidade, pode-se ressaltar que todos

os estudos selecionados apresentavam um critério de

randomização adequado, definição clara dos critérios de in-

clusão e/ou exclusão e acompanhamento completo. O es-

tudo de Romeo et al.(2005) não apresentava cegamento.

Nos estudos de Karring et al.(2005), Romeo et al.(2005),

Renvert et al.(2006), (2008) a calibragem dos examinadores

não era relatada. Os estudos de Schwarz et al.(2006b), (2008)

não apresentavam adequada análise estatística dos resulta-

dos. O cálculo amostral não foi mencionado em nenhum

estudo. Desta forma, o risco estimando de viés é alto em

todos os estudos.

DISCUSSÃO

Com o expressivo número de publicações científicas na

literatura sobre o tratamento da periimplantite, é preciso

reunir e sintetizar as informações, a fim de nortear condutas

diagnósticas e terapêuticas. Desta forma, as revisões

sistemáticas, com base em uma hipótese claramente formu-

lada, empregam métodos explícitos e sistemáticos de

identificação e seleção de estudos, coletando os dados de

artigos originais para análise crítica (Esposito et al., 2001).

O presente estudo realizou uma revisão sistemática de

ensaios clínicos randomizados sobre o tratamento da

periimplantite seguindo os princípios da Odontologia base-

ada em evidências, onde a melhor evidência disponível na

literatura deve ser utilizada para auxiliar no processo de to-

mada de decisão. Neste sentido, os ensaios clínicos

randomizados (ECR) representam o gold standard para ava-

liação de uma intervenção. No ECR há a comparação de

duas ou mais modalidades de intervenção, as quais o inves-

tigador distribui as inter venções de forma aleatória

objetivando distribuir igualmente nos grupos experimentais

variáveis conhecidas ou mesmo desconhecidas que

poderiam influenciar nos resultados do tratamento (Susin &

Rösing, 1999).

No estudo de Karring et al. (2005), que comparou duas

terapias não-cirúrgicas para o tratamento da periimplantite

(aparelho ultrasônico Vector® com pontas de fibra de carbo-

no e aerossol de hidroxiapatita e a raspagem subgengival

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Tabela 4 – Ensaios Clínicos Randomizados Controlados e / ou comparativos e seus principais resultados

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não-cirúrgica com curetas de fibra de carbono), após seis

meses de acompanhamento, os autores não encontraram

diferenças estatisticamente significantes na comparação dos

parâmetros clínicos supra e subgengivais, o que demons-

trou claramente que estas duas formas de tratamento não

se mostraram eficazes no resolução da patologia

periimplantar. A utilização de instrumentos ultra-sônicos

poderia trazer vantagens principalmente quanto à redução

da fadiga do operador. Infelizmente, este estudo apresenta

validade interna pequena já que os autores utilizaram uma

amostra bastante reduzida, ausência de calibração dos exa-

minadores e diferentes examinadores para as medições ini-

ciais e finais.

O estudo de Schwarz et al. (2005) que comparou o uso

do laser Er:YAG com raspagem subgengival não-cirúrgica

associado à solução de clorexidina 0,2%, apresentou uma

amostra pequena e com altos índices de placa e sangramento

no início do estudo o que sugere pacientes com precária

higiene oral. Os resultados foram favoráveis e estatisticamen-

te significativos em ambos os grupos. Da mesma forma,

Schwarz et al. (2006a) após compararem o laser Er:YAG versus

raspagem subgengival não-cirúrgica associado a clorexidina

0,2% (gel e solução) em lesões moderadas e avançadas en-

contraram melhores resultados para a redução de

sangramento à sondagem com o grupo que utilizou laser,

sem haver diferenças entre os grupos em relação aos outros

parâmetros avaliados. Vale ressaltar que o controle de placa

dos pacientes não era satisfatório, observando-se um au-

mento no índice de placa em 12 meses. É importante colo-

car que esses dois estudos apresentaram medidas finais de

PS ainda bastante altas, o que parecefalta ser clinicamente

de pouca resolutividade. Estes resultados podem ser devido

a uma limitação do tratamento não-cirúrgico em lesões ini-

cialmente profundas já que este não permite um acesso ade-

quado para a descontaminação adequada da superfície

periimplantar.

Os estudos de Renvert et al.(2006) e Renvert et al.(2008)

que compararam a raspagem subgengival não-cirúrgica mais

uma dose de Arestin® (1mg de minociclina em microesferas)

com raspagem não-cirúrgica mais 1ml de gel de clorexidina

1%, apresentaram resultados semelhantes quando compa-

radas as duas modalidades terapêuticas. Após um ano de

acompanhamento, ambas as terapias apresentaram melhoria

nos parâmetros clínicos supragengivais (sem diferenças es-

tatisticamente significativas entre os dois grupos). Entretan-

to, com relação à profundidade de sondagem e sangramento

à sondagem houve uma pequena vantagem ao grupo que

utilizou antibiótico quando comparado ao grupo que utili-

zou clorexidina. Cabe também colocar que as médias de PS

iniciais foram bastante baixas, o que limita a validade exter-

na deste estudo quando da necessidade de tratamento em

lesões periimplantares com profundidades de sondagem

maiores.

O estudo de Romeo et al. (2005) que comparou duas

terapias cirúrgicas para o tratamento da periimplantite (ci-

rurgia ressectiva com uso de cinzéis, desinfecção com gel de

metronidazol 25%, uso de solução de tetraciclina 50mg/ml,

soro fisiológico versus a mesma terapia mais a implantoplastia,

apresentou resultados superiores estatisticamente significa-

tivos, nos parâmetros clínicos supra e subgengivais no gru-

po onde foi realizada a remoção das roscas dos implantes

(implantoplastia), ao final de dois anos de acompanhamen-

to. Nesse estudo ocorreu um alto índice de recessão gengival

nos pacientes, o que é explicado pela discrepância entre va-

lores de PS e NIC. Outro aspecto a ser observado é a falta de

informações sobre as possíveis conseqüências do uso de

brocas nos implantes como, por exemplo, o calor gerado e a

extrema modificação da superfície implantar, situação esta

que deve ser atentamente pesada na indicação desta

técnica.

Os estudos de Schwarz et al.(2006b) e Schwarz et al.

(2008) compararam a duas modalidades de tratamento

cirúrgico da periimplantite (acesso cirúrgico para raspagem

com curetas plásticas mais soro fisiológico e jato de

hidroxiapatita versus acesso cirúrgico para raspagem com

curetas plásticas mais soro fisiológico e enxerto de osso bo-

vino (BioOss®) mais membrana colágena (BioGide®). Os dois

estudos apresentaram resultados favoráveis em ambos os

grupos após seis meses. Entretanto após dois anos, a des-

peito de não ter havido diferenças estatísticas, os resultados

do grupo do enxerto ósseo pareceram terem sido mais es-

táveis com relação à PS e o NIC. No caso da indicação de

um destes procedimentos, o jato de hidroxiapatita parece

ser preferível por ser um procedimento tecnicamente mais

simples e menos oneroso, apresentando um melhor custo

benefício. Contudo, um maior número de ensaios clínicos

randomizados, com maior número de participantes, são

necessários para gerar maior grau de evidência das duas

modalidades terapêuticas e a manutenção dos resultados

em longo prazo.

O número de ensaios clínicos randomizados sobre o tra-

tamento das periimplantites é limitado com curtos períodos

de acompanhamento e número de participantes relativamen-

te pequenos. Diversos tipos de tratamentos foram eficazes

no tratamento da periimplantite. A comparação entre os

estudos fica difícil devido à diversidade metodológica (uso

de antibióticos sistêmicos; fatores de risco; diferentes for-

mas de desinfecção da superfície periimplantar; diagnóstico

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de periimplantite; desfechos clínicos e radiográficos avalia-

dos), dificultando assim definir um protocolo de tratamento

específico que seja superior aos outros.

Outro fato a ser considerado na presente revisão siste-

mática é que existe um fator relacionado ao grupo de pes-

quisa, na medida em que os mesmos grupos de investiga-

ção são responsáveis por mais de uma publicação no tema,

o que aumenta o chamado efeito do centro de pesquisa,

tão importante no processo de análise da literatura.

Entretanto, com os dados disponíveis, o tratamento ci-

rúrgico das lesões periimplantares parece apresentar uma

melhor resolutividade da patologia quando comparados com

abordagens não-cirúrgicas. Na escolha de um procedimen-

to cirúrgico, dentro das limitações já colocadas, a

implantoplastia, a utilização de jato de hidroxiapatita ou a

utilização de enxertos ósseos parecem ser alternativas tera-

pêuticas viáveis. A escolha da técnica passa pela análise da

característica clínica e radiográfica da lesão, da disponibilida-

de de materiais e equipamentos, do domínio e experiência

clínica com a técnica a ser utilizada e da discussão com o

paciente da relação custo benefício dos procedimentos

terapêuticos. É importante que seja ressaltada a necessida-

de de mais estudos do tipo ECR sobre o tópico para que se

possa ter uma prática baseada em evidências. Aumentar a

qualidade do método e da redação dos estudos também é

mandatório para que a profissão possa ter subsídios para

escolher a melhor alternativa terapêutica.

ABSTRACT

There is a highe diversity in the evidence about

periimplantitis treatment. Thus, the purpose of this study

was to summarize, by means of a systematic review, the

highest level of evidence based approach concerning the

issue. Taking this into consideration, only randomized clinical

trials about treatment of periimplantitis were included in the

review. After applying inclusion and exclusion criteria eight

studies were selected. Main study methodology

characteristics, results and quality were analyzed. Results

demonstrated that different treatments were effective, but

comparison between them was difficult due to

methodological heterogeneity, which difficults to define if a

specific treatment protocol was better than others. However,

generally, surgical treatments seemed to present better

outcomes compared with non-surgical approaches. In this

way, mineral bone grafts, hydroxyapatite jet or implantoplasty

were therapeutic approaches that presented the most

promising results. Ultimately, choice of therapeutic approach

should be based on clinical and radiographic lesion analysis,

availability of materials and equipment, clinical experience

and discussion with the patient the cost benefit of therapeutic

procedures.

UNITERMS: Dental implants, therapy, clinical trial,

systematic review

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Fabrício B. Zanatta

Rua Humberto de Campos, 250/302

CEP: 97095-230 - Santa Maria - RS - Brasil

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