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TRANSPORTE PÚBLICO E LUTAS PELO DIREITO DE ACESSO À CIDADE:
REFLEXÕES SOBRE O TRANSPORTE FERROVIÁRIO NA REGIÃO
METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO
Aluno: Mauro Nascimento de Sousa
Orientadora: Inez Terezinha Stampa
Introdução
Este estudo teve início em novembro de 2012 e se inclui no projeto de pesquisa
“Transporte ferroviário urbano em questão: análise das políticas públicas em pauta e as
consequências para os trabalhadores da Região Metropolitana do Rio de Janeiro”, coordenado
pela professora Inez Terezinha Stampa.
A partir da aproximação com o campo empírico de pesquisa, foi possível constatar as
deficiências do sistema de transporte de massa da Região Metropolitana do Rio de Janeiro
(RMRJ), com os eventos esportivos que estão ocorrendo e ocorrerão no Brasil,
respectivamente a Copa do Mundo de Futebol e as Olimpíadas. Esta última terá a cidade do
Rio de Janeiro como sede, e existe a preocupação governamental para que haja a melhora do
sistema de transporte. Diante dessa expectativa de investimentos nos transportes públicos,
uma pesquisa de opinião junto aos usuários de trens da RMRJ foi realizada para conhecer o
que pensam dos trens da Supervia, assim como verificar como eles avaliam e se participaram
dos movimentos que tomaram conta das ruas das grandes cidades brasileiras desde junho de
2013, a princípio, relacionados aos transportes coletivos.
Objetivos
Embora o aspecto econômico seja de grande importância, este estudo busca
demonstrar que não se pode privilegiá-lo em relação ao aspecto político, tão necessário
quanto o primeiro para a análise das relações sociais na sociedade capitalista. Dessa forma,
conhecer e problematizar as consequências da privatização dos transportes urbanos para os
usuários da ferrovia na RMRJ foi o objetivo principal deste estudo.
Neste sentido, analisar as políticas públicas de transporte de massa adotadas na Região
Metropolitana do Rio de Janeiro e a influência que os grandes eventos esportivos terão nessas
políticas é outro elemento fundamental ao desenvolvimento deste estudo. Além de buscar
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conhecer se e como os usuários dos trens participaram das manifestações iniciadas em junho
de 2013.
Metodologia
Para entender a política de transportes adotada pelo governo do Estado do Rio de
Janeiro ao longo dos anos, foram adotados alguns procedimentos de pesquisa, entre eles a
leitura da bibliografia existente, diário de campo, entrevistas, buscas na internet, com o intuito
de compreender os processos históricos que vêm moldando as políticas públicas e o cenário
do transporte público no Estado do Rio de Janeiro, tendo como foco o transporte de massa
sobre trilhos da Região Metropolitana.
O material analisado abarca o processo de privatização que ocorreu no Brasil, em
especial na década de 1990, suas características e a política anti-Estado que foi instaurada
para que a população, de modo geral, não questionasse as medidas econômicas que o Governo
Federal aplicava para privatizar grande parte das empresas brasileiras, muitas delas de grande
importância econômica e estratégica.
A criação do Programa Nacional de Desestatização – PND, no começo dos anos 1990,
e sua gestão pelo BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social), no
período de maior privatização no Brasil, entre os governos de Fernando Collor de Mello e
Fernando Henrique Cardoso, são elementos a serem considerados no estudo da política
pública de transporte urbano que vem sendo adotada, que tem um claro viés privatista. Dessa
forma, destacam-se as promessas de investimentos das corporações estrangeiras que
compraram as empresas brasileiras e/ou que tiveram serviços públicos concedidos, e que
deixaram de ser cumpridas, assim como fusões mal planejadas.
Em relação ao fenômeno das manifestações populares que ocorreram no Brasil, a
pesquisa buscou investigar mais de perto esse acontecimento, tendo como foco o Estado do
Rio de Janeiro. O objetivo foi buscar a opinião dos usuários dos trens da SuperVia quanto a
seus posicionamentos políticos. Para isso, foi elaborado um questionário com perguntas semi-
estruturadas, em que os usuários dos trens pudessem responder, mas também refletir sobre
suas respostas.
O questionário, composto de dez perguntas, respondido por 100 usuários, procurou
abordar vários fatores e características que envolvem esse transporte de massa, conhecer o
que os usuários acham do trem, comparado a outros meios de transporte, bem como eles
percebem os serviços que a SuperVia oferece, a relação entre eles próprios, questões que
envolvem segurança e acessibilidade, como avaliam a atuação do governo do Estado do Rio
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de Janeiro no que concerne à política de transportes, e também conhecer a possível
participação dos usuários nos movimentos sociais iniciados em junho de 2013, buscando
avaliar o que foi modificado depois desses eventos. Para o desenvolvimento dessa pesquisa
foi necessário percorrer de trem os diversos ramais que a SuperVia opera, o que revelou
outras deficiências apresentadas nesse sistema de transporte.
Nesta fase da minha participação no PIBIC meu interesse de estudo esteve mais
voltado para estas questões, razão pela qual as entrevistas realizadas tiveram mais destaque
dentre as atividades desenvolvidas.
As abordagens aconteceram nas estações de trem nos ramais de Belford Roxo,
Deodoro, Japeri, Santa Cruz, Saracuruna (estação onde se faz baldeação para os ramais de
Magé-Guapimirim e Vila Inhomirim), com pessoas que estavam aguardando o trem. Grande
parte dessas entrevistas ocorreu no período da tarde, horário em que muitos desses
entrevistados, que são trabalhadores, estavam voltando de sua jornada diária.
A entrevista tinha de acontecer de maneira mais ágil e dinâmica possível, porque as
pessoas estavam frequentemente tensas aguardando os trens, para disputar um lugar, na
esperança de conseguir viajar sentadas. Um dos critérios que a pesquisa de opinião procurou
se basear foi que o perfil da próxima pessoa a ser abordada fosse diferente da que foi
entrevistada anteriormente, para que pudessem ser contempladas faixas etárias variadas,
gêneros, etnias, entre outras particularidades da população do Estado do Rio de Janeiro.
Durante o processo de coleta e dados a observação e o uso de diário de campo foram
utilizados para registro de situações, dados e até mesmo dos silêncios, no intuito de servirem
como elementos complementares para a análise dos dados.
As respostas foram sistematizadas em quadros, tabelas e gráficos, tendo como forma
de organização as perguntas formuladas. Na sequência, a análise dos dados levou em conta os
elementos teóricos e empíricos que já haviam sido trabalhados na primeira fase da pesquisa,
de novembro de 2012 a junho de 2013. Os eixos de análise foram as políticas públicas de
transporte de massa adotadas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, a questão da
mobilidade para o acesso à cidade e as manifestações iniciadas em junho de 2013.
Dados da Pesquisa de Opinião
As pessoas que aceitaram participar dessa pesquisa de opinião puderam emitir todo o
tipo de expressão, muitas das quais não tem, no cotidiano, com quem falar e expor suas
insatisfações, sugestões, reclamações, observações, e estas foram algumas das muitas
questões que apareceram. Algumas entrevistas superaram as expectativas, pois as respostas
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eram dadas imediatamente e recheadas de observações, como se a pessoas estivessem falando
com o representante da SuperVia, sendo que eu sempre fazia a introdução sobre do que se
tratava o questionário.
As perguntas eram compostas das seguintes indagações: como viam o trem como meio
de transporte; o que achavam dos trens que são colocados para circular; o que pensavam sobre
a SuperVia; se a concessionária favorecia algum ramal; quanto à segurança no transporte; o
respeito aos idosos; como eles vêem as estações de trem; qual a percepção que eles têm sobre
os investimentos que o governo do Estado do Rio de Janeiro tem feito em relação aos
transportes públicos; e, por fim, se participaram e o que acharam das manifestações populares
que aconteceram a partir de junho de 2013 devido ao aumento anunciado das passagens e pelo
Passe Livre.
Foram os mais diversos tipos de entrevistados e a pesquisa contemplou as faixas
etárias de 16 a 70 anos, sendo que a maior parte dos entrevistados, 76%, se concentrou na
faixa etária entre 20 e 49 anos, ou seja, população economicamente ativa. Do total de 100
entrevistados, 40 se declararam negros, 32 pardos e 20 brancos. Porém, um dado bastante
peculiar foi a constatação do grau de instrução dos entrevistados, já que a pesquisa foi feita
com pessoas abordadas de modo aleatório, sem pré noções ou juízo de valores, enfim, eram
abordadas somente por estar nas estações à espera do trem. Das 100 pessoas entrevistadas, 40
tinham o ensino médio completo e 16 estavam cursando; 18 tinham superior completo e 16
estavam cursando; com apenas o ensino fundamental completo foram 7 pessoas e incompleto,
apenas 6. Tal dado revela que os usuários de trens da RMRJ possuem, em média, o ensino
médio completo.
Em algumas perguntas podemos constatar que a população tem consciência de qual é
o melhor meio de transporte que toda cidade grande deve comportar, como percebemos no
gráfico abaixo:
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Fonte: Pesquisa de campo.
No total de 100 pessoas que responderam sobre o que achavam do trem, 80% emitiram
as opiniões de satisfação, ressaltando que o trem é o melhor meio de transporte, pois percorre
grandes distâncias com maior velocidade, portanto mais rápido, sem engarrafamentos,
contrastando com o transporte rodoviário, ou seja, o transporte de massa ainda é a melhor
opção para os passageiros. Mesmo assim, nos finais de semana a SuperVia suspende a
circulação dos trens que se destina à Central do Brasil por volta das 20 horas do ramal Japeri,
e às 21 horas a circulação do trem voltando para esse mesmo ramal. Importante destacar que
não obstante o trem ser o meio de transporte que os moradores e/ou usuários deste ramal
possuem, não há interesse por parte da concessionária em mantê-lo ativo fora dos horários de
pico, por ser considerado pouco lucrativo.
Boa parte dos entrevistados destacou a relação custo/benefício, pois o trem ainda é
mais barato se comparado ao ônibus intermunicipal para a Região Metropolitana do Rio de
Janeiro, sendo que para muitos o trem é a única opção de transporte.
Entretanto, as opiniões divergem quando perguntadas a respeito dos trens postos para
circulação pela concessionária SuperVia, e também como eles avaliavam essa concessão. O
que ficou explícito foi a insatisfação da população, em geral, como na comparação expressa
nos gráficos das perguntas abaixo:
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Fonte: Pesquisa de campo.
Geralmente a resposta da pergunta anterior se refletia na seguinte, o que implicava na
percepção do modo de administração da SuperVia, pois a maior parte das pessoas que
responderam sobre satisfação deram a entender que falta comprometimento da concessionária
com os passageiros, já que não se pode confiar plenamente nos serviços por ela oferecidos,
pois atrasam, ficam retidos nas estações ou sinais.
O total de pessoas que nunca ou quase nunca estão satisfeitos com os trens postos para
circulação chega a 39%, um número muito elevado para uma concessionária que começou a
operar em 1998, ou seja, há 16 anos, mais de uma década, apesar de ser regulada pelo governo
estadual. Aqui é preciso destacar que já foram seis governadores diferentes desde a
concessão1. Essa insatisfação se deve principalmente aos trens já muito velhos, muitos ainda
sem sistema de ar condicionado, vazamentos em dias de chuva, janelas quebradas, ou mesmo
com uma queixa constante dos passageiros, que observam que a SuperVia coloca trens com ar
condicionado nos dias frios e nos quentes os sem esse sistema, contrastando com as
necessidades dos usuários.
Algumas entrevistas ocorreram na estação Central do Brasil, local onde estão
concentrados todos os terminais dos ramais que a SuperVia opera. Alguns desses ramais são
mais movimentados do que outros, entre eles os de Japeri e o Santa Cruz. Na pesquisa ficou
comprovada certa rivalidade entre os respectivos ramais, expressa em respostas dos usuários.
Perguntados se a SuperVia favorecia algum ramal, os entrevistados do ramal de Japeri
1 Marcello Alencar - PSDB - 1º de janeiro de 1995 a 1º de janeiro de 1999; Anthony Garotinho - PDT1 - 1º de
janeiro de 1999 a 6 de abril de 2002; Benedita da Silva - PT - 6 de abril de 2002 a 1º de janeiro de 2003;
Rosinha Garotinho - PSB- 1º de janeiro de 2003 a 1º de janeiro de 2007; Sérgio Cabral Filho - PMDB - 1º de
janeiro de 2007 a 1º de janeiro de 2011; Sérgio Cabral Filho - PMDB - 1º de janeiro de 2011 a 3 de abril de
2014; Luiz Fernando de Souza - PMDB - 4 de abril de 2014 – atualidade.
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observaram e criticaram a concessionária por colocar as melhores composições no ramal de
Santa Cruz, melhores em diversos pontos, como ar condicionado, os trens reformados e os
recém comprados, etc. Os entrevistados do ramal Santa Cruz, entretanto, reclamam que no
ramal de Japeri as composições saem com mais frequência.
Portanto, os números não negam certo favorecimento da SuperVia para com os ramais
que operam exclusivamente dentro do município do Rio de Janeiro, capital estadual, segundo
os próprios entrevistados, como podemos observar no gráfico abaixo:
Fonte: Pesquisa de campo.
Apesar de esse gráfico apresentar o maior percentual de pessoas que acreditam que a
SuperVia não favoreça nenhum ramal, pois para os entrevistados que responderam dessa
maneira “todos eles estão a mesma porcaria”, a soma dos percentuais dos ramais de Deodoro
e Santa Cruz, que operam exclusivamente dentro do município do Rio de Janeiro apontam o
contrário, pois 47% deles, quase a metade, responderam que esses ramais são beneficiados
justamente por se localizarem dentro da capital do Estado. O que de certo modo revela a
consciência política dos entrevistados.
Algumas questões da entrevista obtiveram variados tipos de interpretação, que denota
a preocupação dos entrevistados em diversos aspectos do cotidiano. Quanto se pergunta sobre
um meio de transporte qualquer, que seja sobre segurança, num primeiro momento referimos
se ele é algo estável, no sentido de firmeza, livre de acidentes, ou até se proporciona algum
conforto. No entanto, quando perguntados sobre segurança ao andar de trem, 57% das pessoas
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se referiram à violência urbana, dizendo se sentirem seguras de assaltos, furtos e outros atos
criminosos. Eles acreditam que isso se deva a grande quantidade de pessoas que os trens
comportam, e também devido em parte, pelos agentes de segurança nas estações de trem.
O total de 31 pessoas entrevistadas que responderam que não se sentem seguros,
lembraram, além do fator violência urbana, da questão de trens velhos sem manutenção de
rotina, dormentes podres, descarrilamentos, roubo de fios nas estações, inexperiência dos
maquinistas, sinalização problemática, passagens de nível (alguns ramais ferroviários são
cortados por cancelas, onde passa todo tipo de transporte rodoviário e pessoas a pé). O gráfico
abaixo tem os números:
Fonte: Pesquisa de campo.
A insatisfação dos entrevistados não é apenas com os serviços da SuperVia, a relação
entre os passageiros é um fator a ser destacado. Questões relacionadas aos tratamentos
preferenciais no que se refere aos idosos, deficientes físicos e gestantes, expõem uma rotina
de desrespeito que começa com a superlotação, provocada pelos atrasos constantes até incidir
sobre o respeito a quem tem direito aos acentos preferenciais.
Quando perguntados sobre respeito aos idosos, 56% dos entrevistados disseram que
não há, muitos dos quais culpabilizaram os passageiros, isentando de qualquer
responsabilidade a SuperVia, que na opinião deles reserva os acentos preferenciais.
Entretanto, o que se percebe é um cotidiano de correrias para se conseguir viajar sentado.
Pessoas quase que atropelam umas as outras, com o intuito de um lugar nos trens, alguns
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chegam até mesmo a pular as janelas (nos trens mais antigos). A pergunta que fica é a
seguinte: Como respeitar os lugares preferenciais, se a própria SuperVia não respeita os
passageiros, principalmente nos horários de pico?
À primeira vista, uma pergunta sobre idosos pode parecer não ter muita ligação com a
que diz respeito às estações de trem, que, para muitos entrevistados, 33 deles, parecem
conservadas, principalmente se comparada com a gestão anterior mantida pelo Estado do Rio
de Janeiro, na antiga Flumitrens, pois era quase inexistente a limpeza diária nas estações, e
uma campanha educativa sobre lixo e reciclagem raramente era feita.
Nesse sentido, aparentemente houve uma melhora, pois além de limpeza das estações
a concessionária mantém uma campanha vinculada pela rádio de sua propriedade, a Rádio
SuperVia, que funciona nas estações diariamente, com informes, propagandas e músicas.
Fonte: Pesquisa de campo.
Fazendo uma comparação entre os gráficos acima, percebemos que o somatório dos
entrevistados que acham as estações precárias com os que responderam mal cuidadas chegam
a 59 pessoas, quase o mesmo número de pessoas que responderam que idosos não são
respeitados. Isso implica em questões que os próprios entrevistados levantaram, e que estão
visíveis para quem precisa utilizar os trens.
Quando alguém precisa acessar as plataformas de embarque dos trens, a maioria das
estações apresenta problemas relacionados à acessibilidade. Escadarias com mais de 4 metros
de alturas precisam ser vencidas para conseguir chegar às estações, algumas sem transferência
interna, apenas 5 (cinco) estações têm banheiros (uma reclamação recorrente dos
entrevistados), pessoas com deficiências físicas precisam do apoio e ajuda de outros
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passageiros para descerem e subirem as escadarias da quase totalidade das estações. Algumas
situações ficam evidentes, como podemos visualizar nas fotos abaixo:
Estação de Edson Passos, Mesquita RJ. Estação Corte 8, Duque de Caxias, RJ.
Fonte: Acervo do autor. Pesquisa de campo.
A pesquisa quis saber a opinião dos entrevistados sobre a percepção que eles tinham
sobre os investimentos que o governo do Rio de Janeiro faz nos transportes públicos. 41
pessoas responderam que não é feito, e 52 responderam pouco. Se tratando de transporte
ferroviário, os investimentos do governo estadual é lento, a compra de composições novas
assim como reformas de trens demoram muito tempo, e a população que viaja diariamente
não percebe esses investimentos, pois não são suficientes para absorver o crescimento da
demanda de passageiros.
Os entrevistados lembraram ainda que enquanto alguns lugares têm transportes em
demasia, algumas localidades carecem de transporte, ou, se tem, é precário. Os municípios de
Magé e Guapimirim, pertencente à Região Metropolitana do Rio de Janeiro continuam
sofrendo com transporte insuficiente e trens ainda funcionando com máquinas a diesel, sem
previsão de eletrificação desses ramais. A foto abaixo ilustra como os horários são distantes:
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Foto: Acervo do autor. Pesquisa de campo, maio de 2014.
O ramal de Guapimirim apresenta várias deficiências e algumas situações
embaraçosas. Na pesquisa de campo foi possível constatar mais de perto uma dessas
situações, pois em algumas estações dos municípios de Magé e Guapimirim o embarque não é
cobrado, devido às condições precárias das estações (após reforma existe a cobrança). Então,
quem desembarca na estação de Saracuruna com destino à Central do Brasil, precisa pagar
passagem, mesmo se o passageiro pagou anteriormente (o valor cobrado nesse ramal é de R$
2,00).O pior é que mesmo se a pessoa quiser descer em Saracuruna precisa pagar o valor de
R$ 3,20, caso contrário, é necessário descer por detrás da plataforma e atravessar uma
cancela, seja essa pessoa criança ou idosa, um verdadeiro absurdo. Lembrando que a
passagem não é cobrada na baldeação sentido Magé-Guapimirim.
Um entrevistado em particular respondeu que não existe investimento por parte do
Estado, pois todos os transportes coletivos estão sempre lotados, e quando acontece algum
incidente como uma greve, por exemplo, o outro meio de transporte não consegue comportar
o contingente deixado pelo outro. O sucateamento dos transportes públicos reflete no excesso
de carros nas principais avenidas das grandes metrópoles brasileiras, causando enormes
engarrafamentos, resultando muitas vezes em estresse e brigas de trânsito. Vejamos:
As montadoras têm, evidentemente, interesse em manter a sociedade dependente dos carros
que fabricam. Para garantir seus lucros precisam manter essa dependência e investem para
pressionar os governos locais e federal de forma a preservar seu controle sobre o sistema de
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transporte. No Brasil, têm alta capacidade de pressão, pois contam com políticos aliados em
posições chave, na Comissão de Viação e Transporte da Câmara dos Deputados, e potencial de
chantagem sobre o governo, ameaçando demitir trabalhadores se seus interesses não forem
atendidos (PESCHANSKI apud HARVEY et all., 2013, p.62).
Devido aos recentes protestos que aconteceram a partir de junho de 2013, a pesquisa
percebeu que precisava dialogar com essa questão, fazendo uma consulta popular sobre esses
acontecimentos. Apesar de os protestos terem começados com o aumento das passagens dos
ônibus, queríamos saber como se deu essa questão no transporte ferroviário, que vem
sofrendo aumentos sucessivos ano a ano, desde que SuperVia assumiu a concessão em 1998,
e elevou a passagem de R$ 0,40, à época da concessão, ao preço de R$ 3,20 recentemente.
As manifestações populares repercutiram na imprensa e na opinião pública de diversas
maneiras, e queríamos saber se desta vez a imprensa influenciou também a opinião dos
passageiros que realmente convivem com os transtornos diários dos transportes públicos. “Em
mobilizações pacíficas, importa ocupar os espaços públicos, difundir as ideias, ampliar o
debate, unir as pessoas, participar” (VIANA apud HARVEY et all., 2013, p.57). As
manifestações tomaram conta das ruas das grandes cidades brasileiras, e no Estado do Rio de
Janeiro não foi diferente, além da capital ocorreram manifestações em Nova Iguaçu, Duque de
Caxias, São João de Meriti, Niterói, São Gonçalo, entre outras.
A população usuária dos trens foi consultada e os entrevistados estavam conscientes
sobre essas manifestações. Comparando os gráficos abaixo temos noção de como esse
movimento despertou o interesse:
Fonte: Pesquisa de campo.
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Apesar da grande maioria, 90% dos entrevistados, não terem participado dos protestos,
muitos alegaram falta de tempo devido ao trabalho, 70% deles apoiaram o movimento, que
gostariam de poder participar, reclamaram que a passagem é alta e aumenta sem a melhora
dos serviços, que visa apenas o lucro, nunca o bem estar dos passageiros, o que demonstra que
a população está cada vez mais inteirada com os acontecimentos e, de certa forma, ciente de
sua cidadania, pois são sujeitos de direitos e se algo não está acontecendo em consonância
com o sentido democrático podem ir às ruas reivindicar:
O Movimento Passe Livre é um grupo de dezenas de jovens que diante do aumento das
passagens, resolveu, junto a outros movimentos e partidos, arriscar a pele. Os militantes
impediram frontalmente, e tendo por instrumento o próprio corpo, nosso sagrado direito de ir e
vir, em nome da criação do direito de outros irem e virem (VIANA apud HARVEY et all.,
2013, p.57).
Foram as mais diversas opiniões a respeito desse movimento, que ele mostrou a força
do povo, que também é um enfrentamento político, etc. Contudo, todos os entrevistados que
responderam que este movimento foi importante, tiveram um ponto em comum: todos
discordam da violência excessiva em alguns protestos, e que a melhor maneira de se protestar
é pacificamente.
A gratuidade do transporte público pode ser defendida por dois outros aspectos
econômicos. Por um lado, cobranças de tarifas envolvem custos de operação e fiscalização, ao
passo que um sistema de transporte público gratuito os elimina. Por outro, a gratuidade
funciona como um incentivo aos cidadãos para que usem meios públicos de locomoção,
aumentando os benefícios sociais (PESCHANSKI apud HARVEY et all., 2013, p.62).
Conclusões
O estudo teórico e empírico permitiu maior compreensão sobre o processo de
reestruturação dos meios de transporte urbanos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro,
bem com reflexões sobre políticas públicas de transporte de massa, com ênfase para as mais
recentes. Permitiu, em sua fase inicial, conhecer como foi o processo de privatização e como
ele ocorreu, de maneira a percebermos que a população carece de melhor sistema de
transporte.
O que parece claro é que a alegação do governo que vender bens públicos à iniciativa
privada é garantia de investimentos e progresso, assim como desoneração da máquina pública,
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nem sempre resulta em melhorias para a população, e também não significa que investimentos
serão realizados.
Essa pesquisa mostrou a insatisfação com a SuperVia, empresa concessionária que
assumiu um meio de transporte ferroviário já sucateado, foi beneficiada com incentivos ficais,
assumiu com um discurso de rápidas melhorias, investimentos anuais, reformas de trens,
diminuição dos intervalos dos trens, etc.
Entretanto, essa pequena, mas expressiva amostra de pessoas, considerou a empresa
regular na maior parte dos quesitos, depois de passados mais de uma década e meia de
concessão, para um total de 25 anos, ou seja, falta menos da metade para acabar ou renovar.
Salvo alguns investimentos por parte dos grandes eventos que estão programados para
acontecer na cidade do Rio de Janeiro, não se fala em ampliação do sistema ferroviário, como
para outros municípios além da Região Metropolitana, ramais desativados, mudança de bitola,
eletrificação, escadas rolantes, banheiros, passagens subterrâneas, só para citar alguns
problemas que persistem em todos os ramais.
As grandes manifestações populares que ocorreram mostrou a insatisfação, por que
não dizer indignação das pessoas? O tempo passa e as coisas se repetem em prol do capital e
de quem tem influência, sem levar em consideração a classe trabalhadora que faz a
engrenagem girar, que movimenta a economia. O social é esquecido e desprezado em nome
do lucro. Como fica a saúde do trabalhador que levanta às 4 horas da manhã, pega um trem
lotado em pé para chegar ao serviço e retorna para casa às 17hs da mesma forma? Será que é
melhor pegar um ônibus e ficar 3 horas no trânsito engarrafado e ouvindo o barulho das
buzinas?
As expressões da “questão social” são maiores do que podemos imaginar quando
pensamos que os investimentos se concentram na cidade do Rio de Janeiro. Enfim, as grandes
manifestações populares influenciaram na busca por respostas que correspondam às
necessidades da população que carece de meios de transportes com mais conforto e dignidade,
em que possa, depois de um dia de trabalho, viajar com tranquilidade e segurança, condições
que estão, infelizmente, distante da realidade, pois o que se observa é uma rotina de atrasos e
superlotação, denotando descaso com este tipo de transporte e, consequentemente, com a
população usuária, formada pela classe trabalhadora.
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Referências
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