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A Douglas disputou a primazia do mercado no início da era dos jatos criando o DC-8. No Brasil, a Panair escolheu o DC-8 para suas linhas internacionais, mas após seu fechamento a Varig herdou os aviões e acabou operando-os por cerca de dez anos. Esta matéria mostra a história do DC-8 e sua operação no Brasil. Transportando Passageiros no Brasil Por: Mario Sampaio Daniel Carneiro FLAP INTERNACIONAL 66 FLAP INTERNACIONAL 67

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Page 1: Transportando Passageiros no Brasil - revistaflap.com.br · os DC-8 operavam na época no Aeroporto de Viracopos (Campinas). Os serviços com os DC-8 seguiam normal-mente até que,

A Douglas disputou a primazia do mercado no início da era dos jatos criando o DC-8. No Brasil, a Panair escolheu o DC-8 para suas linhas internacionais, mas após seu fechamento a Varig herdou os aviões e acabou operando-os por cerca de dez anos. Esta matéria mostra a história do DC-8 e sua operação no Brasil.

Transportando Passageiros no Brasil

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A Douglas criou o DC-8 como uma forma de entrar para a era do jato e manter a liderança na venda de aviões comerciais.

O fabricante da Califórnia, durante toda a década de 1950, se destacou como o maior vendedor de aeronaves comerciais em todo o mundo com os seus DC-6 e DC-7 (1.042 aviões vendidos contra 856 da família Constellation) e queria se manter à frente dos concorrentes.

A Douglas começou a estudar a criação de um jato comercial em 1952, quando os primei-ros Comet iniciaram os voos em rotas. E desde 1953 diretores das empresas aéreas tiveram acesso ao projeto básico e a uma maquete em tamanho natural do avião.

A Boeing na ocasião estava mais adiantada em relação aos jatos e em julho de 1954 conse-guiu voar o protótipo quadrirreator designado Model 367-80. O avião foi financiado com recursos próprios do fabricante, mas empregava

lançou e continuou a desenvolver o DC-8 e em outubro do mesmo ano a Pan American reve-lou que havia adquirido 25 DC-8 e 20 B-707. Como a empresa aérea havia escolhido a versão Intercontinental com turbinas JT-4A, ela sabia que, apesar de ser a primeira compradora do avião, não seria a primeira a recebê-lo, já que a versão doméstica com turbinas JT-3C seria entre-gue mais cedo. Desde esse negócio, o DC-8 passou a ter uma relação com o nosso país. A Pan American era a maior acionista da Panair do Brasil, uma empresa que operava todas as rotas entre nosso país e a Europa.

A Panair havia sido uma pioneira da era do jato, ao encomendar, em 1953, quatro Comet II e ao fazer opções sobre dois Comet III. Como é amplamente sabido, os Comet I sofreram sérios acidentes por fadiga de material e foram retirados de serviço definitivamente em 1954 e os problemas encontrados condenaram também o Comet II.

A Panair, entretanto, manteve seus planos de introduzir jatos em sua frota e em 1958 encomendou dois DC-8-33, que faziam parte do negócio inicial da Pan American para 25 aviões, feito três anos antes.

As duas primeiras aeronaves da Panair foram entregues em março de 1961, num pacote que incluiu sobressalentes e envolveu um financiamento de 2,4 milhões de dólares, feito pela própria Douglas, e outro de 13,8 milhões de dólares, oferecido pelo Eximbank. Os aviões começaram a fazer três voos sema-nais para a Europa em abril daquele ano, sendo duas frequências para Lisboa (via Recife) e Paris,

uma delas prosseguindo para Londres e outra para Frankfurt. Um terceiro serviço semanal escalava em Dacar, continuando para Lisboa, Roma e Beirute. Além disso, os DC-8 da Panair efetuavam três frequências semanais Buenos Aires-São Paulo-Rio (uma parava em Montevi-déu). E uma vez por semana ligavam Santiago e Assunção a São Paulo e Rio. Em São Paulo, os DC-8 operavam na época no Aeroporto de Viracopos (Campinas).

Os serviços com os DC-8 seguiam normal-mente até que, na noite de 20 de agosto de 1962, o PP-PDT teve a decolagem abortada no Galeão, ultrapassou a pista, saltou sobre

tecnologia derivada dos bombardeiros estratégi-cos dos EUA, feitos pela mesma Boeing.

A evolução do projeto do DC-8 levou a um corte seccional de fuselagem em bolha dupla ou “8” (como agora nos E-jets), permitindo obter largura máxima na cabine de passageiros, ao mesmo tempo em que tornava o porão de bagageiros o mais alto possível.

Para ajudar a levar adiante os projetos dos jatos americanos era esperada uma encomenda da Força Aérea (USAF), que seguindo os casos semelhantes anteriores deveria ser dividida entre dois fornecedores de aviões. Mas, em fevereiro de 1955, a USAF, antes de receber propostas, anunciou a aquisição de 21 KC-135, baseado no 367-80, e eliminou a Douglas do negócio.

O fabricante da Califórnia, entretanto,

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Os anúncios da Panair procuravam enaltecer as qualidades do DC-8, o jato por ela escolhido.

O PP-PDT teve vida breve, tendo se acidentado em 1962 no Rio.

O PP-PEA foi o terceiro DC-8 recebido pela Panair e a foto mostra as linhas avançadas do quadrirreator.

A Panair cresceu muito seu tráfego para a Europa com a introdução dos DC-8.

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uma rua e projetou-se no mar. Nesse acidente, faleceram uma tripulante e 13 passageiros. Posteriormente, foi verificado que o compensa-dor do estabilizador horizontal fora colocado em posição errada, impedindo a decolagem.

Mas apenas 35 dias após esse evento trágico, a Panair recebeu outro DC-8-33, com o prefixo PP-PEA, o que permitiu manter todas as rotas voadas por esses jatos.

Em novembro de 1963 chegou o PP-PEF, que, assim como o PEA, veio da frota da Pan American e que completou três unidades desse avião em operação na Panair.

Em janeiro de 1965, um mês antes do fechamento da Panair, os três DC-8 voavam quatro vezes por semana para o continente eu-ropeu. Duas dessas frequências serviam Lisboa (uma delas sem escalas) e Paris, seguindo uma vez por semana para Londres e a outra para

Frankfurt. Um outro voo semanal ligava o Brasil a Monróvia (Libéria), Madri e Milão. Por último, era executada uma viagem semanal para Lisboa, Roma, Milão e Frankfurt. Alguns dos voos para o Cone Sul eram agora feitos pelos Caravelle, em substituição aos DC-8.

A Panair do Brasil chegou a divulgar planos para transformar seus DC-8 para a versão -50, equipada com turbofans JT-3D, mais econômi-cos, mas eles não chegaram a se materializar.

Após o fechamento da Panair, em fevereiro de 1965, os DC-8 da empresa tiveram desti-nos diferentes. A partir de 15 de julho daquele ano dois dos aviões foram arrendados à Varig por 75 mil dólares mensais cada. A terceira aeronave (PP-PEF) foi devolvida à Pan American em outubro de 1965.

A nova operadora brasileira de DC-8 voava quatro vezes por semana para a Europa, sendo duas para Lisboa (direto) e Paris, continuando uma vez por semana para Londres e outra para Frankfurt. A terceira frequência semanal servia Monróvia, Madri, Roma e Beirute e a quarta ia a Recife, Madri, Roma e Milão.

Em 4 de julho de 1967, o DC-8 PP-PEA ope-rado pela Varig, ao efetuar uma aproximação noturna em Robertsfield, Monróvia, chocou-se

com o solo numa região coberta por um co-queiral e um manguezal. O acidente vitimou 51 pessoas a bordo e três no solo.

O curioso é que um jornal do Rio noticiou o acidente como se ele tivesse sido com um avião da Panair, sem mencionar o nome Varig na matéria. Sem dúvida, um ótimo trabalho de relações públicas.

A frota brasileira de DC-8-30 ficou reduzi-da após esse acidente a uma única aeronave, que passou à propriedade da União em 1969 e continuou arrendada à Varig.

O DC-8 remanescente (PP-PDS) passou a voar três vezes por semana do Rio para Miami, duas vezes com escala em Belém e uma vez pousando em Caracas.

Esse último DC-8 continuou em operação de passageiros até 1975, quando foi estaciona-do em Porto Alegre esperando um comprador.

Em 1977, uma empresa americana adquiriu a aeronave e a utilizou até 1981, ou seja, 20 anos depois de ser fabricado.

Com o fim das operações na Varig, o DC-8 encerrou uma fase gloriosa no Brasil, onde era um avião de primeira linha para passageiros.

A quantidade de DC-8 para passageiros em-pregada em nosso país certamente teria sido bem maior caso a Panair do Brasil não tivesse sido fechada por ato governamental. Naque-la empresa ele havia sido escolhido como o equipamento para voar as rotas internacionais e o crescimento do tráfego exigiria o aumen-to da frota. Na Varig, o B-707 era o modelo escolhido e o DC-8 representou apenas uma oportunidade de aumentar a frota com aviões já existentes no país.

Mas, em novembro de 1994, uma com-panhia de vida curta, a Air Vias, arrendou um

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O PP-PEF voou por um ano e depois foi devolvido a Pan Americam.

Este DC-8 PP-PEA operado pela Varig, se acidentou com perda total na Monrovia.

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DC-8-62H (com hush kit), que recebeu o prefixo PP-AIY. O avião antes tinha sido operado pela Hawaiian Airlines e pertencia à International Air Leases, de Miami. Esse DC-8-62H já veio para nosso país em mau estado de conservação e a falta de recursos de sua operadora piorou a situação. A Air Vias utilizava o PP-AIY em fretamentos para operadoras turísticas, servindo principalmente destinações no Caribe. Como o avião não tinha APU, a refrigeração a bordo se processava lentamente após a decolagem. E esse problema era muito acentuado devido ao calor normalmente encontrado nas escalas no Caribe. Além disso, a alta taxa de ocupação que caracteriza os voos fretados, piorava a situação. O resultado dessa deficiência de refrigeração era atroz, sendo comum passageiros se sentirem mal e as reclamações apareceram na imprensa.

Um ex-funcionário da Air Vias informou que, além da refrigeração defeituosa, o DC-8 apresentava muitos outros problemas técnicos, sendo comum o avião decolar com panes em vários itens “no go”. Ou seja, um desrespeito à segurança.

O DC-8-62H acabou recebendo o apelido de Dino (abreviação de dinossauro), dado pelos

funcionários da Air Vias, com certeza devido à grandeza dos problemas que apresentava. A falta de sobressalentes e de infraestrutura da Air Vias acentuava sobremaneira as deficiências enfrentadas, provocando baixos índices de con-fiabilidade técnica.

Finalmente, no segundo semestre de 1995, a IAL, proprietária do PP-AIY, retomou o avião por falta de pagamentos. E encerrou de forma melancólica a operação de DC-8 de passageiros em nosso país.

A história do Douglas DC-8A Douglas anunciou o lançamento do DC-8

em junho de 1955, ou seja, cerca de um ano após o primeiro voo do Boeing 367-80, o prede-cessor do B-707.

O jato da Douglas externamente se asseme-lhava muito ao 707, tendo também asas enflecha-das e quatro turbinas suspensas sob as mesmas.

Mas a semelhança desaparecia ao se exami-nar detalhes do projeto. O DC-8 tinha asas com enflechamento de 30 graus (35 graus no 707), o que permitia obter menores distâncias para decolagem e pouso. Além disso, o DC-8 tinha

uma fuselagem mais larga que o 707 inicial e o KC-135, permitindo colocar na classe econômi-ca seis poltronas por fila.

Um aspecto que diferenciava externamente o DC-8 do 707 eram as janelas bem maiores do pri-meiro, que ofereciam mais visibilidade aos passa-geiros. A Boeing retrucava argumentando que as janelas menores, mas em maior quantidade, per-mitiam que os passageiros tivessem visão externa com qualquer configuração de interior. Mais de 50 anos depois, a Boeing mudou de opinião, aceitou a idéia de janelas grandes e as introduziu no 787.

Nos primórdios do projeto, a Douglas oferecia apenas versões com turbinas PW JT-3C, que não permitiam cruzar o Atlântico Norte sem escalas. Por isso, pouco tempo depois e antes das primeiras vendas, o fabricante americano introduziu turbinas JT-4A, com empuxo muito maior (+30%), numa nova versão com maior peso de decolagem e maior alcance.

Quando o projeto foi finalmente congelado, o DC-8 tornou-se um avião maior que as especi-ficações inicialmente divulgadas.

O primeiro DC-8 (um série -10) saiu do hangar em abril de 1958 e no mês seguinte efetuou seu voo inaugural. O curioso é que esse DC-8 (já era um modelo de série) tinha no início freios aerodi-nâmicos na fuselagem, logo após a interseção das asas. Mas os testes mostraram que seu efeito era negligível e eles foram substituídos pelo uso dos reversores das turbinas internas, que podiam ser abertos em voo, reduzindo a velocidade de des-cida. No final de agosto de 1959, o DC-8-10 foi homologado e em seguida entrou em operação.

O curioso é que as principais vantagens ori-ginalmente oferecidas pelo DC-8 frente ao B-707 foram mais tarde igualadas pela Boeing. O B-707 comercial teve a fuselagem alargada, per-mitindo colocar seis poltronas por fila ainda na fase

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A Air Vias foi uma empresa de vida curta que operou por pouco tempo um DC-8-62H de passageiros.

O anúncio do lançamento do Douglas DC-8 no Brasil.

de projeto. E a inclusão de vários novos dispositivos hipersustentadores nos bordos de ataque, feita alguns anos depois, reduziu a velocidade de pouso, mesmo com o maior enflechamento do 707.

O DC-8 tinha, entretanto, uma vantagem que não podia ser imitada. O trem de pouso era bem alto, permitindo alongar a fuselagem sem provocar grandes problemas na rotação durante a decolagem.

A Douglas tirou partido dessa característica para desenvolver três versões esticadas do DC-8, que ficaram conhecidas como Série 60. O DC-8-61 tinha as asas e pesos do -50 com a fuselagem mais longa (+11,18 metros), reforços estruturais, alterações nos flaps e nos freios. O DC-8-61 podia transportar até 259 passageiros, mas como tinha

O DC-8 voou nas cores da Varig na rota de Bogotá. Nesta foto ele está se preparando para pousar no Aeroporto Eldorado

O único sobrevivente foi o PP-PDS

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o mesmo peso de decolagem do -55, era limitado em alcance. O DC-8-61CF era oferecido como o modelo conversível carga/passageiros.

O DC-8-62 era outra versão que recebeu inúmeros refinamentos para reduzir o arrasto aerodinâmico. As pontas das asas foram es-tendidas, as naceles das turbinas eram novas, encobrindo-as continuamente até a descarga, e os suportes das turbinas e seus encaixes foram alterados. A capacidade de combustível foi aumentada e a fuselagem era 2,03 metros mais longa que a do DC-8-55. O DC-8-62 tinha na época o alcance mais longo entre aviões de sua categoria e o peso de decolagem alcançava até 350 mil libras.

O DC-8-63 tinha a fuselagem longa dos -61 com os refinamentos aerodinâmicos e pesos do -62, oferecendo longo alcance (menor que o do -62) com alta capacidade de passageiros.

Em 1967, no início da produção dos DC-8-60, a Douglas enfrentou problemas financeiros e foi obrigada a fundir-se com a McDonnell.

A McDonnell-Douglas encerrou a produção do DC-8 em maio de 1972, após produzir 556 unidades, sendo 294 com a fuselagem standard

e 262 da Série 60. E, curiosamente, mesmo com a grande quantidade de aviões vendidos, o pro-jeto foi deficitário segundo diferentes fontes.

O DC-8 e o B-707 foram provavelmente os dois concorrentes que apresentaram caracterís-ticas mais semelhantes entre si, numa mesma categoria. Mas as vendas do DC-8 foram bem menores, sendo prejudicadas inicialmente pelo lançamento posterior do projeto. E depois porque a Douglas perdeu a concorrência para fornecer aviões-tanque e de transportes para a USAF. Sem esse contrato, os custos de desen-volvimento foram amortizados internamente, ocasionando mais tarde dificuldades de caixa para o fabricante e atrasando de novo o desen-volvimento do avião. O primeiro DC-8-30 Inter-continental só entrou em operação em 1960, dois anos depois do 707-120, a primeira versão do avião da Boeing.

Atualmente, ou seja, 37 anos depois de encerrada a produção deste avião, ainda voam em serviços cargueiros 124 DC-8, sendo 74 da Série -70 (67% dos aviões convertidos), 45 da Série -60 e cinco da Série -50. Certamente um reconhecimento das qualidades do projeto.

Os primeiros DC-8 eram extremamente poluidores em matéria de emissão de gases e de ruído.

O protótipo do DC-8 em seu primeiro vôo de teste.

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