transmissão n.º 6

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Reportagem na Unidade de Transplantação Cardíaca do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra A história do Prof. José Medina Pestana, nefrologista brasileiro que lidera o maior programa de transplante renal do mundo 18 Primeiro transplante de dador em paragem cardiocirculatória em Portugal foi realizado no Centro Hospitalar de São João 16 6 As novas evidências científicas e a experiência acumulada tornam premente rever os critérios de alocação de órgãos em Portugal. Com esse intuito, a Sociedade Portuguesa de Transplantação organiza, a 2 de abril, em Coimbra, o Fórum Aberto sobre Alocação de Órgãos, no qual serão discutidas as orientações atuais e as propostas de alteração das regras para a disponibilização de rins (apresentadas pela Dr.ª Cristina Jorge), fígados (Dr. Jorge Daniel) e corações (Prof. Manuel Antunes) Pág.10 Necessidade de atualizar os criterios de alocacao de orgaos Revista oficial da Sociedade Portuguesa de Transplantação | Distribuição gratuita N.º 6 | Ano 4 | Abril de 2016 | Semestral

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Revista oficial da Sociedade Portuguesa de Transplantação n.º 6 - Abril 2016

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Page 1: TransMissão n.º 6

Reportagem na Unidade de Transplantação Cardíaca do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra

A história do Prof. José Medina Pestana, nefrologista brasileiro

que lidera o maior programa de transplante renal do mundo

18 Primeiro transplante de dador em paragem cardiocirculatória

em Portugal foi realizado no Centro Hospitalar de São João

166

As novas evidências científicas e a experiência acumulada tornam

premente rever os critérios de alocação de órgãos em Portugal. Com esse intuito,

a Sociedade Portuguesa de Transplantação organiza, a 2 de abril, em Coimbra, o Fórum Aberto

sobre Alocação de Órgãos, no qual serão discutidas as orientações atuais e as propostas de alteração das regras para a disponibilização de rins (apresentadas pela Dr.ª Cristina Jorge), fígados (Dr. Jorge Daniel) e corações (Prof. Manuel Antunes) Pág.10

Necessidade de atualizar os criterios de alocacao de orgaos

Revista oficial da Sociedade Portuguesa de Transplantação | Distribuição gratuita

N.º 6 | Ano 4 | Abril de 2016 | Semestral

Page 2: TransMissão n.º 6

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transplantação. Continuaremos a divulgar e a pro-mover a transplantação junto da sociedade civil. A título de exemplo, no próximo mês de outubro, terá lugar o XIII Congresso Português de Transplanta-ção, em simultâneo com o XV Congresso Luso-Bra-sileiro de Transplantação e o II Encontro Ibérico de Transplantação. Contamos convosco para engran-decer este evento.

Bem hajam transplantadores e transplantados de Portugal!

Fernando MacárioPresidente da Sociedade Portuguesa de Transplantação

Sociedade Portuguesa de TransplantaçãoAv. de Berna, 30, 3.ºF 1050 - 042 LisboaTel.: (+351) 217 819 565Fax: (+351) 217 819 783E-mail: [email protected]: www.spt.ptSecretariado: [email protected]

Esfera das Ideias, Lda. Campo Grande, n.º 56, 8.º B1700 - 093 Lisboa Tel.: (+351) 219 172 815 Fax: (+351) 218 155 107 [email protected] www.esferadasideias.pt EsferaDasIdeiasLdaDireção: Madalena Barbosa ([email protected]) Marketing e Publicidade: Ricardo Pereira ([email protected])Coordenação: Luís Garcia ([email protected])Redação: Luís Garcia, Luísa Pereira, Marisa Teixeira, Paula Ferreira Fernandes e Sandra Diogo Fotografia: Rui Jorge Design e paginação: Susana ValeColaborações: Tozé Canaveira

PRoPRieDADe:

APoioS:

eDição:

Publicação isenta de registo na eRC, ao abrigo do Decreto Regulamentar n.º 8/99, de 6 de junho, artugo 12.º, 1.ª alíneaFIChA TéCnICA

Depósito Legal: 365266/13

Com o advento de novos ciclos políticos e sociais, é necessária uma revolução su-ave na área da transplantação. O esforço enorme que as autoridades da transplan-

tação têm colocado, com sucesso, na reversão da tendência decrescente que se observou entre 2010 e 2012 só produzirá resultados mais consistentes se forem disponibilizados os adequados meios para a deteção de dadores, colheita de órgãos e trans-plantação. não se aumentará a eficácia da deteção de dadores, se não existir reorganização dos gabi-netes de coordenação e se estes não se aproxima-rem efetivamente dos coordenadores hospitalares que com eles se articulam.

Verificam-se ainda claras dificuldades de recur-sos humanos e falta de camas de internamento em algumas unidades de cuidados intensivos. A colheita em paragem cardiocirculatória inaugurou a atividade no final de 2015, mas não pode ficar por aí e a emergência pré-hospitalar precisa de se adap-tar rapidamente a esta nova realidade.

A criação de centros de referência na área da transplantação não passará de um artifício, se esses centros não forem efetivamente munidos de recursos humanos e técnicos que permitam o seu pleno desenvolvimento assistencial e cientí-fico. Estamos convictos de que este importante passo permitirá reforçar a qualidade destes cen-tros e certos de que aqueles que não foram agora «premiados» com esta distinção poderão continuar a sua atividade com a qualidade a que nos habi-tuaram e terão novas oportunidades de concorrer noutras ocasiões.

A Sociedade Portuguesa de Transplantação (SPT) manterá a sua postura de intervenção positiva pela

VOZ ATIVA4 entrevista com o Prof. José Maria Campistol, diretor-geral do Hospital Clínic de Barcelona

IN VIVO6 Visita à Unidade de Trans-plantação Cardíaca do Serviço de Cirurgia Cardiotorácica do Centro Hospitalar e Universi-tário de Coimbra

TransFORMAR10 Fórum Aberto sobre Alo-cação de Órgãos (2 de abril, em Coimbra) discute critérios para atribuição de rins, fíga-dos e corações12 Destaques do Xiii Congresso Português/XV Congresso Luso-Brasileiro e ii encontro ibérico de Transplantação (13 a 15 de outubro, no Porto)13 Doação e colheita de órgãos de dador falecido estiveram em debate no Fórum Aberto sobre Transplantação, em novembro de 2015 14 A Dr.ª Cristina Jorge faz o balanço da reunião de consenso sobre a utilização do eculizumab na transplantação renal, em fevereiro

EM ANÁLISE15 o Dr. Fernando Macário co-menta os números da doação e da transplantação de órgãos em 2015 16 Ponto de situação do programa de transplante com dador em paragem cardiocir-culatória, depois de o Centro Hospitalar de São João ter rea-lizado o primeiro em Portugal

RETRATO18 Prof. José Medina Pestana, nefrologista brasileiro que já realizou mais de 10 000 trans-plantes renais

SumárioUma revolução suave

DIREçãOPresidente: Fernando Macário (Coimbra)Vice-presidente: Susana Sampaio (Porto)Tesoureira: Cristina Jorge (Lisboa)Vogais: André Weigert (Lisboa), Jorge Silva (Porto), Pedro nunes (Coimbra) e Rui Perdigoto (Lisboa)

ÓRGãOS SOCIAIS DA SOCIEDADE PORTuGuESA DE TRAnSPLAnTAçãO (2013-2016)

ASSEMBLEIA-GERAL Presidente: La Salete Martins (Porto)Vogais: Rui Filipe (Castelo Branco) e Manuela Almeida (Porto)CONSELhO FISCAL Presidente: Alice Santana (Lisboa)Vogais: nuno Silva (Coimbra) e Lídia Santos (Coimbra)

INICIE CERTICAN® HOJE ANTECIPE OS BONS RESULTADOS

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... COM DOSE REDUZIDA DE ICN E FUNÇÃO RENAL PRESERVADA1-6

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Referências: 1. Vitko S et al. Transplantation 2004; 78(10): 1532–1540. 2. Resumo das Características do Medicamento, data da última atualização 03/2014. 3. Tedesco-Silva H et al. Transplant Int 2007; 20: 27–36. 4. Budd K et al. Lancet 2011; 377:837-47. 5. Holdaas H et al. Clin Transplant 2008; 22:366-71. 6. Kovarik JM et al. Ther Drug Monit 2004; 26(5): 499–505.

Certican 0,25 mg comprimidos, Certican 0,5 mg comprimidos, Certican 0,75 mg comprimidos, Certican 1 mg comprimidos. Apresentações: Cada comprimido contém 0,25 / 0,5 / 0,75/1 mg de everolímus. Indicações: Profilaxia da rejeição de órgãos em doentes adultos com risco imunológico baixo a moderado que receberam um transplante alogénico renal ou cardíaco. Certican deve ser usado em associação com ciclosporina para microemulsão e corticosteróides. Profilaxia da rejeição de órgãos em doentes que receberam um transplante hepático. No transplante hepático, Certican deve ser usado em associação com tacrolímus e corticosteroides. Posologia: É recomendado uma dose diária de 1,5 mg administrada duas vezes por dia (0,75 mg duas vezes por dia), para a população geral. É recomendada uma dose diária de 1,0 mg duas vezes ao dia para a população que recebeu transplante hepático com a dose inicial aproximadamente 4 semanas após o transplante. Os níveis-vale de everolímus no sangue devem ser cuidadosamente monitorizados em doentes com função hepática comprometida. A dose deve ser reduzida a aproximadamente dois terços da dose normal para doentes com compromisso hepático ligeiro, para aproximadamente metade da dose normal para doentes com compromisso hepático moderado e para aproximadamente um terço da dose normal para doentes com compromisso hepático grave. A experiência existente é insuficiente para recomendar o uso em crianças e adolescentes. Contra-indicações: O Certican está contra-indicado em doentes com hipersensibilidade conhecida ao everolímus, ao sirolímus ou a qualquer dos excipientes. Precauções/Advertências: Recomenda-se precaução com a utilização de indução com timoglobulina (globulina anti-timocito de coelho) e o regime de Certican/ciclosporina/corticosteróides. Risco aumentado de desenvolvimento de linfomas e outros tumores malignos, particularmente da pele. A supressão do sistema imunitário aumenta a susceptibilidade para as infecções, especialmente com agentes patogénicos oportunistas (bacterianas, fúngicas, virais e por protozoários). Entre estas condições encontram-se a nefropatia associada a vírus BK e a leucoencefalopatia multifocal progressiva (LMP) associada a vírus JC. Os doentes devem ser monitorizados quanto à hiperlipidémia. Certican foi associado com o desenvolvimento de angioedema. Na maioria dos casos notificados os doentes estavam a receber inibidores da ECA como co-medicação. Doses reduzidas de ciclosporina são necessárias para o uso em associação com Certican de modo a evitar disfunção renal. Recomenda-se a monitorização regular dos níveis sanguíneos de everolímus e ciclosporina, proteinúria e da função renal. O uso de Certican com ciclosporina em doentes transplantados renais de novo foi associado com aumento da proteinúria. Num estudo de transplante hepático, Certican com uma exposição reduzida ao tacrolímus não conduziu ao agravamento da função renal em comparação com a exposição padrão ao tacrolímus. Não é recomendada a coadministração de everolímus com inibidores e indutores fortes conhecidos do CYP3A4, a não ser que o benefício seja superior ao risco. Foi notificado um aumento do risco de trombose arterial e venosa, resultando em perda o enxerto, geralmente nos primeiros 30 dias após o transplante. Certican, tal como outros inibidores mTOR, pode prejudicar a cicatrização aumentando a ocorrência de complicações pós-transplante tais como a deiscência de suturas, acumulação de fluidos e infecção de feridas que podem necessitar de mais cuidados cirúrgicos. A linfocele é o efeito mais frequentemente notificado em doentes transplantados renais e tem tendência a ser mais frequente em doentes com elevado índice de massa corporal. A frequência de derrame pericárdico e pleural aumenta em doentes transplantados cardíacos e a frequência de hérnias inguinais encontra-se aumentada nos doentes transplantados hepáticos. Tem tendência a ser mais frequente em doentes com elevado índice de massa corporal. A administração concomitante de Certican com um inibidor da calcineurina (ICN) pode aumentar o risco de síndrome hemolítica urémica/microangiopatia trombótica/microangiopatia trombótica induzida por INC. Foram notificados casis de doença pulmonar intersticial (DPI), tendo ocorrido alguns casos fatais. É necessário o ajuste de dose ou a interrupção do tratamento se for diagnosticada doença pulmonar intersticial. Verificou-se que o Certican aumenta o risco de novos casos de diabetes mellitus após transplante. As concentrações de glucose no sangue devem ser monitorizadas cuidadosamente em doentes tratados com Certican. Devem ser usadas medidas contraceptivas adequadas. Não deve ser tomado durante a gravidez a não ser que seja claramente necessário. Não deve ser usado em mulheres a amamentar. Existem notificações na literatura acerca de azoospermia e oligospermia reversível em doentes tratados com inibidores mTOR, Doentes com problemas hereditários de intolerância à galactose, deficiência de lactase ou malabsorção de glucose-galactose não devem tomar este medicamento. Interacções: Deve ter-se precaução quando se coadministra everolímus com substratos do CYP3A4 e CYP2D6 que têm uma janela terapêutica estreita Deve terse precaução como uso concomitante de rifampicina, rifabutina ou cetoconazol, itraconazol, voriconazol, claritromicina, telitromicina ou ritonavir, já que pode ser necessário alterar a dose de Certican. Deve ter-se precaução com o uso concomitante da Erva de São João, eritromicina, fluconazol, fenitoína, carbamazepina, fenobarbital, bloqueadores dos canais de cálcio, inibidores da protease e fármacos anti-HIV. A utilização de vacinas vivas deve ser evitada. Efeitos indesejáveis: Os efeitos secundários muito frequentes (>10%) incluem infeções (virais, bacterianas e fúngicas), infeção do trato respiratório superior, infeção do trato respiratório inferior e infeções pulmonares (incluindo pneumonia), infeções do trato urinário, associados à administração de Certican em associação com a ciclosporina em microemulsão e com corticosteróides incluem leucopenia, hiperlipidemia (colesterol e triglicéridos), novo aparecimento de diabetes mellitus, hipocaliemia, hipertensão, acontecimentos tromboembólicos venosos, dor abdominal, vómitos, diarreia, náuseas, derrames pericárdico e pleural, leucopenia, anemia/eritropenia, trombocitopenia, insónia, ansiedade, cefaleia, dispneia, tosse. Os efeitos adversos frequentes (1 a 10%) sépsis, trombocitopénia, infeção de feridas, anemia, coagulopatia, púrpura trombótica trombocitopénica/síndrome hemolítica urémica, pancitopenia, microangiopatias trombóticas (incluindo púrpura trombótica trombocitopénica/síndrome hemolítica urémica), linfocele, epistaxes, tromboembolismo venoso, trombose do enxerto renal, taquicardia,angioedema, estomatite/aftas, dor na orofaringe, dor, dificuldade na cicatrização de feridas, pirexia, edema angioneurótico, acne, complicações de feridas cirúrgicas, pancreatite, proteinúria, necrose tubular renal, disfunção eréctil, alteração dos testes de função hepática, tumores malignos ou não especificados, neoplasias da pele malignas e não especificadas, erupção cutânea, mialgias, artralgia, edema periférico, hérnia da incisão. Os efeitos secundários pouco frequentes (0,1 a 1%) incluem hemólise, hipogonadismo masculino (diminuição da testosterona, aumento da FSH e LH), doença pulmonar intersticial, hepatite não infeciosa, perturbações hepáticas, icterícia, pielonefrite, linfomas/afeções linfoproliferativas pós-transplante. As reacções adversas raras (0,01 a 0,1%) incluem a proteinose alveolar pulmonar e vasculite leucocitoclástica. CER_RCM2014_03_IEC_v07 Medicamento sujeito a receita médica restrita. Para mais informações deverá contactar o titular da Autorização de Introdução no Mercado. Regime de Comparticipação: Escalão A. Data da última atualização: 03/2014.

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Em entrevista, o Prof. José Maria Campistol, diretor-geral do hospital Clínic de Barcelona, afirma que os principais desafios da transplantação prendem-se com a diminuição do número de dadores e com a sua idade mais avançada. De acordo com este expert em transplante renal, a possibi-lidade de criar órgãos em modelos animais, concretamente em porcos, «poderá ser a fonte inesgotável de órgãos». Em Espanha, está a decorrer um projeto neste âmbito, cujos resultados parecem positivos, pelo que há a expectativa de avançar para uma primeira fase experimental em clínica humana dentro de cinco anos.

Marisa Teixeira

«CRiAR ÓRgãoS eM MoDeLoS ANiMAiS PoDeRá SeR A FoNTe iNeSgoTáVeL PARA o TRANSPLANTe»

Trabalha há mais de 30 anos no hospital Clínic de Barcelona. Como caracteriza a área do transplante neste que é um centro de referência internacional? Em 1965, foi no hospital Clínic de Barcelona que se realizou o pri-meiro transplante renal em Espanha, sendo que, até agora, fize-mos aproximadamente 4 000. Em 1982, efetuámos um transplante hepático e, no ano seguinte, o primeiro transplante de pâncreas no país. Este hospital esteve sempre na «linha da frente» nesta área. Exemplo disso é também a criação, em 1994, da Transplant Services Foundation, que se transformou num banco de tecidos de referência e que, entretanto, se converteu no Banco de Sangre y Tejidos de Cataluña. Especificamente em relação ao transplante renal, procedimento ao qual me dedico, temos assistido a muitas novidades, a cirurgia alterou-se radicalmente e trouxe elementos importantes de investigação, diagnóstico e imunossupressão. Pas-sámos de uma época em que quase não havia imunossupressores à situação atual, com fármacos distintos, que levam a resultados muito bons, não existindo praticamente rejeição de órgãos.

Em Espanha, quais são os principais desafios da transplantação?Atualmente, há dois problemas importantes – por um lado, a redu-ção progressiva do número de dadores e, por outro, o facto de os dadores existentes terem cada vez mais idade e patologias. Con-

tudo, já atingimos a fasquia dos 100 000 transplantes realizados, mais de 60 000 renais, e Espanha encontra-se em primeiro lugar, a nível mundial, no que respeita ao número de dadores, um marco importantíssimo. Apesar das vicissitudes que enfrentamos, que são semelhantes às de muitos outros países, sabemos que temos de dar sempre o nosso melhor.

Como vê a realidade portuguesa nesta área?Portugal tem centros e unidades de transplantação importan-tes e muito bons em termos assistenciais e de investigação, com uma atividade razoável. no entanto, julgo que deveria existir um aumento no número de doações de órgãos. Em Espanha, há cerca de 47 milhões de habitantes e, em 2015, realizaram-se 3 000 trans-plantes renais, por exemplo, enquanto que, em Portugal, que tem aproximadamente 10 milhões de habitantes, decorreram perto de 500 transplantes renais no mesmo ano. na minha opinião, deve-riam ter sido pelo menos 1 500. Considero que os especialistas portugueses têm de apostar mais na incrementação do dador vivo, opção ideal em muitos casos.

Como se poderão atingir melhores resultados, nomeadamente no transplante renal?O transplante renal é um procedimento complexo, que requer um trabalho em equipa importante. O dador vivo dá muito trabalho aos nefrologistas, mas é uma fonte importante de transplantes e, para evitar a diálise, deveríamos potenciar este dador. Além disso, penso que, em relação aos dadores em assistolia ou em morte cerebral, também há margem para melhorar.

Para onde caminha o futuro da transplantação?uma boa opção será, certamente, a medicina regenerativa. Creio que esta se irá introduzir progressivamente e que poderá ajudar a prevenir a insuficiência renal e a evitar o tratamento dialítico. Por outro lado, a possibilidade de criar órgãos em modelos animais, concretamente no porco, poderá ser, no futuro, a fonte inesgo-tável de órgãos, mas é algo que ainda se encontra em fase expe-rimental. neste sentido, em Espanha, estamos a desenvolver, em colaboração com o Dr. Juan Carlos Izpisúa Belmonte [investigador no Instituto Salk, na Califórnia, EuA], um projeto importante, cujos resultados estão a ser positivos. Esperamos que, em cerca de cinco anos, possamos avançar para uma primeira fase experimental em clínica humana.

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OZ ATIVA

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UM PeRCURSo De ReFeRêNCiA Em 1983, o Prof. José Maria Campistol licenciou-se, pela Faculdade de Medicina da Universidade de Barcelona. Depois do internato em Medici-na Interna, realizou um fellowship em medicina renal no hospital Clínic de Barcelona. Depois desta formação, continuou o seu trabalho clínico na Unidade de Transplante Renal da mesma unidade hospitalar. Desde 1988 que se dedica, enquanto nefrologista, a esta área e, até hoje, já acompanhou mais de 1 000 doentes transplantados. A par disso, José Maria Campistol desenvolveu investigações na área da patogénese da amiloidose associada à diálise, matéria que também esteve patente na sua tese de doutoramento, obtido em 1990, na Boston University School of Medicine.

Entretanto, já exerceu vários cargos no hospital Clínic de Barcelona, incluindo o de diretor do Instituto Clínico de Nefrologia e Urologia, e assumiu a função de diretor-geral no início deste ano. Este especialis-ta também já publicou mais de 500 trabalhos em jornais de referência internacional e, atualmente, no que se refere à investigação, dedica-se especialmente a novos regimes imunossupressores na transplantação renal, a mecanismos de aloenxerto e à medicina regenerativa renal.

DATA EvEnTo LocAL +Info

Abril

13 a 16 Encontro renal 2016 Hotel Tivoli Marina, Vilamoura spnefro.pt

22 a 25 4th ELPAT Congress – Ethical, Legal and Psychosocial Aspects of Transplantation Roma, Itália esot.org

MAiO

5 a 7 SEDYT’16 – XXXVIII Annual Congress of the Spanish Society of Dialysis and Transplantation Burgos, Espanha congresosedyt.

com

6 a 8 IV Congreso de la Sociedad Española de Trasplante (SET) Santander, Espanha setrasplante.org

21 a 24 ERA-EDTA 53rd Congress – European Renal Association-European Dialysis and Transplant Association Congress Viena, Áustria era-edta.org

25 a 27 8th Annual Living Donation Conference Clearwater, EUA amfdt.org

JUNHO

11 a 15 2016 American Transplant Congress (ATC) Boston, EUA atcmeeting.org

AgOsTO

18 a 23 26th International Congress of the Transplantation Society Hong Kong, Japão tts2016.org

OUTUbrO

13 a 15 Xiii Congresso Português/XV Congresso luso-brasileiro/ /ii Encontro ibérico de Transplantação Porto Palácio Hotel spt.pt

28 e 29 2016 European Organ Donation Congress Barcelona, Espanha esot.org

28 e 30 XiV simpósio APU (Associação Portuguesa de Urologia) 2016 Centro de Cong. de Troia apurologia.pt

NOVEMbrO

10 a 12 American Society of Transplantation (AST) + European Society for Organ Transplantation (ESOT) Joint Basic Science Meeting Fort Lauderdale, EUA esot.org

15 a 20 Kidney Week 2016 Chicago, EUA asn-online.org

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AGENDA

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A equipa multiprofissional da unidade de Transplantação Cardíaca (uTC) do Serviço de Cirurgia Cardiotorácica do Centro hospitalar e universitário de Coimbra (ChuC) cria uma relação de respeito, proximidade e confiança tal com os seus doen-tes, que acabam por falar uns dos outros como se fossem família. Aqui, aposta-se no tratamento e no acompanhamento individualizados, envolvendo os cuidadores e sempre com o foco no bem-estar dos doentes. Uma fórmula de sucesso, a avaliar pelos resultados obtidos.

Marisa Teixeira

MANUEL ANTUNES (DIRETOR) COM A SUA EqUIPA: Fila da frente: Eduarda Pinheiro (enfermeira do bloco operatório), Sofia Santos (perfusionista), Emília Sola (enfermeira-chefe), Cátia Sá (perfusionista), Rosa Lourenço (enfermeira do bloco operatório), Manuel Carreira (anestesista) e Manuel Cuervo (anestesista). Fila de trás: Gonçalo Coutinho (cirurgião), David Prieto (cirurgião), Pedro Antunes (cirurgião), Carlos Almeida (enfermeiro da Unidade de Cuidados Intensivos) e Manuel Batista (internista)

À hora marcada para o início da reportagem, o Prof. Manuel Antunes, diretor do Serviço de Cirurgia Cardio-torácica do ChuC, esperava-nos na sala de reuniões do 3.º piso deste edifício contíguo ao central, criado de raiz em 2002, para nos dar conta da história e do

desenvolvimento da uTC, aqui fundada no ano seguinte e também por ele liderada. Todavia, este responsável surpreendeu-nos ao sugerir que iniciássemos o trabalho com a entrevista a um doente. «O Sr. Mário Carvalhosa é de Lisboa, tem 70 anos e foi transplan-tado há 50 dias. Poderia ser interessante ouvir do próprio a sua experiência, o que acham?» uma ideia que desde logo aprovámos e que acabou por resumir o que move a equipa de transplantação cardíaca de Coimbra: o bem-estar dos seus doentes.

«Ressuscitei! não esperava sentir uma diferença tão exponen-cial… é de louvar todo o trabalho, profissionalismo, disciplina e

respeito desta equipa, que está longe do espírito de “funcionalismo público” que se nota noutros sítios. Aqui, sentimo-nos em famí-lia, mas somos tratados com muito profissionalismo», frisou Mário Carvalhosa. A prova de que este recém-transplantado se sente «lindamente» está no exercício físico que faz diariamente. Quatro dias depois de ser submetido ao transplante cardíaco, já pedalava na bicicleta estática da uTC e, na manhã desta reportagem, andou 12 km na bicicleta emprestada por um amigo, sendo que, muitas vezes, chega a pedalar 20 km.

eNFeRMAgeM PARTiCiPA eM ToDo o PRoCeSSo

De regresso à sala, e depois de agradecer ao seu doente pelo tes-temunho, Manuel Antunes apresentou-nos a enfermeira-chefe Emília Sola e o Dr. Manuel Batista, internista, que fazem parte

FAMíLIA DO CORAçãO(tranSplantado)

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vivo

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do «núcleo duro» desta uTC, embora toda a equipa do Serviço de Cirurgia Cardiotorácica participe nesta área, obviamente, uns mais do que outros. «Os enfermeiros estão presentes em todas as fases do processo de transplantação cardíaca», refere Emília Sola, que costuma participar logo na primeira reunião disciplinar em que se discute cada caso.

«na consulta de pré-transplante, o foco principal do enfermeiro é a avaliação da capacidade de autocuidados do doente e de cumpri-mento terapêutico», salienta Emília Sola. E sublinha: «Além do rece-tor, os cuidadores, geralmente familiares, também estão presentes nesta consulta, a quem também esclarecemos dúvidas e damos orientações, pois o seu envolvimento é extremamente importante.»

Depois do transplante efetuado, a segurança do doente passa a primeiro plano, assegurando o seu isolamento para prevenir infe-ções. Por outro lado, a rejeição crónica do enxerto está, muitas vezes, dependente dos fatores de risco dos doentes, logo, há tam-bém que assegurar o seu controlo, bem como dos efeitos secundá-rios da própria medicação. Assim, no 3.º piso do Serviço de Cirurgia Cardiotorácica do ChuC existe uma área mais reservada, onde se encontram três camas destinadas aos doentes nos primeiros dias de pós-transplante. A seguir, estes doentes passam para o interna-mento que se encontra no mesmo piso, no qual também funciona a sala de hemodinâmica, onde se efetuam as biópsias endomio-cárdicas e a monitorização dos doentes, existindo ainda outra sala destinada aos cuidadores.

Geralmente, a partir do quinto dia pós-transplante, «a educa-ção para a saúde, dirigida tanto ao doente como aos cuidadores, assume o papel principal, no sentido de preparar o regresso a casa», explica a enfermeira-chefe. E, se tudo correr como previsto, o doente tem alta hospitalar 9 ou 10 dias após o transplante e passa a frequentar uma consulta, na qual a enfermagem também está envolvida. neste âmbito, a organização e os cuidados são distintos de uma consulta geral, pelo que é sempre o mesmo enfermeiro a acompanhar o doente.

«Este método tem vantagens, pois estabelece-se uma relação de confiança mais próxima. Em inquéritos que temos aplicado, verifi-camos que cada doente encara de forma diferente as dificuldades, por isso, a individualização dos cuidados de saúde é relevante»,

destaca Emília Sola. é de referir que 95% dos doentes aqui seguidos continuam a cumprir integralmente o regime terapêutico, mesmo depois de se sentirem melhor, facto que a enfermeira-chefe consi-dera «revelador de que a informação passa».

oBSeRVAR o DoeNTe «Ao MiLíMeTRo»

Em Coimbra, os doentes são seguidos no mesmo serviço e local onde foram submetidos ao transplante cardíaco. «Chegámos à conclusão de que, depois do transplante, o que estes doentes têm de melhor é o coração. Portanto, seria necessário alguém para fazer frente a outros problemas diversificados, como a insuficiên-cia renal, a vasculopatia ou as infeções. Estes doentes têm de ser

4 cirurgiões

73 enfermeiros, dos quais 4 estão alocados especialmente à UTC

1 internista

1 899 consultas de pós-transplante

225 doentes em tratamento

80 internamentos

20 transplantes

Exames complementares de diagnóstico: Eletrocardiograma em praticamente todas as consultas

380 ecocardiografias transtorácicas

350 biópsias endomiocárdicas

85 cateterismos

NúMEROS DE 2015

No pós-transplante, os doentes são internados inicialmente numa zona mais isolada para evitar as infeções – um dos grandes desafios atuais na fase de recuperação

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ÚnICO CEnTRO DE REFERênCIA nA TRAnSPLAnTAçãO CARDíACA

O Prof. Manuel Antunes assumiu a direção do Serviço de Cirurgia Cardiotorácica do ChUC em março de 1988. quando chegou a Coim-bra, os jornais anunciavam que se mudara para a cidade um grande especialista em transplantação cardíaca. «Desiludi tudo e todos, porque, quando cá cheguei, considerei que havia outras prioridades», lembra o responsável. Na época, existiam três centros dedica-dos à transplantação cardíaca em Portugal, que davam resposta às necessidades. Por outro lado, no ChUC, assistia-se a uma intensa atividade da cirurgia cardíaca, que fez com que as instalações do Serviço de Cirurgia Cardiotorácica, localizadas no hospital central, se tornassem insuficientes. Em 1991, com o internamento alargado e uma nova sala de operações, a situação melhorou, mas só se resolveu no ano 2000, quando as novas instalações foram inauguradas.

Foi, então, no final de 2002 que se começou a ponderar a ideia de avançar com o programa de transplante cardíaco. «O número total de transplantes de coração realizados em Portugal entre 1992 e 2002 foi, em média, de 11 por ano. Tendo em conta a estimativa de 60 a 70 por ano, as necessidades estavam a ser satisfeitas em menos de 20%. Além disso, entre 1997 e 2002, nenhum dos doentes referenciados pelo nosso hospital para outros centros tinham sido transplantados. Por isso, concluí que teríamos de avançar com a transplantação cardíaca no ChUC. Expus a situação aos restantes colegas e considerámos ter condições logísticas e qualidade para o fazer, estabelecendo logo a meta de 20 a 25 transplantes por ano», conta Manuel Antunes.

Desde então, a Unidade de Transplantação Cardíaca (UTC) do ChUC tem assumido quase dois terços do total de transplantes cardí-acos realizados anualmente em Portugal. Aliás, este ano, o Serviço de Cirurgia Cardiotorácica foi considerado como o único centro de referência na transplantação cardíaca no nosso País, o que confirma o seu papel ativo nesta área. Mas, apesar dos bons resultados, o diretor considera que há desafios a vencer: «É necessário identificar mais dadores, por exemplo, utilizando aqueles que são conside-rados mais marginais. O Dr. David Prieto, que fez a sua tese de doutoramento sobre a nossa experiência aqui na UTC, concluiu que não existem grandes diferenças na sobrevivência, pelo menos nos primeiros cinco anos, entre os recetores que receberam corações mais novos ou mais velhos.» No entanto, Manuel Antunes acredita que o futuro desta área será o coração artificial, que poderá auxiliar o coração humano ou substituí-lo na totalidade. «Os corações artificiais já estão a ser utilizados em algumas regiões do mundo (haverá 100 ou 200 implantados), mas os doentes sobrevivem pouco tempo, pelo que há ainda um longo caminho a percorrer até que esta seja a melhor solução.»

vistos “ao milímetro” e, mesmo quando surge algum problema que não parece estar relacionado com o transplante, preferimos ser nós a observá-los. Por isso, agora, contamos com o apoio de um internista a tempo inteiro (o Dr. Manuel Batista) e esta parece-nos a melhor abordagem», defende Manuel Antunes.

Andar de bicicleta é uma das primeiras atividades físicas que os doentes fazem poucos dias depois do transplante. A bicicleta que aparece nesta fotografia é utilizada especificamente para este fim desde 2003

A trabalhar na uTC desde 2010, Manuel Batista diz, modesta-mente, que tem «um papel muito secundário». Palavras que fize-ram a enfermeira-chefe e o diretor acenarem negativamente com a cabeça. Pelos vistos, a opinião da restante equipa é completamente diferente. Este internista, que tem como principal função fazer todo o follow-up dos doentes transplantados, afirma: «O meu papel acaba por ser o de aglutinar conhecimentos, tendo uma visão mais holística do doente.» E, pelos vistos, «vestiu a camisola» desde o primeiro momento, como confirma Emília Sola: «Além de compe-tente, o Dr. Manuel Batista é muito humano e até dá o seu número de telefone a todos os seus doentes.»

na opinião da enfermeira-chefe, o sucesso da uTC do ChuC «deve-se ao trabalho, ao empenho e à competência de uma equipa multiprofissional, associados a uma boa dose de humanismo». E conclui: «na transplantação, acabamos por criar laços muito fortes entre profissionais, doentes e seus cuidadores – passamos a ser a família do coração (transplantado).»

40

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02

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3

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20032004

20052006

20072008

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20132014

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nÚMERO DE TRAnSPLAnTES POR AnO

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VIVO

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Pela segunda vez, a SPT promove uma reunião dedicada à alocação de órgãos, mas, desta feita, o alvo de análise não é apenas o rim, sendo que o fígado e o coração tam-bém foram chamados à discussão. De acordo com o Dr. Fernando Macário, presidente da SPT, «é urgente rever

os critérios de alocação de órgãos, que têm um enquadramento já antigo e claramente ultrapassado por novas evidências científicas e pela experiência acumulada até à data». Este responsável acre-dita que se trata de «um hot topic que, com certeza, suscitará um aceso debate, do qual emergirão novas propostas».

A Dr.ª Cristina Jorge, nefrologista no Centro hospitalar de Lis-boa Ocidental/hospital de Santa Cruz, vai apresentar a sugestão da SPT quanto à disponibilização de rins. Atualmente, um doente que está há mais tempo a realizar hemodiálise é prioritário na lista de espera para transplante. «Provavelmente, esta ponderação do tempo em diálise tem de passar a ter menos impacto. hoje em dia, acabamos por transplantar as pessoas que estão mais doen-tes, o que implica, habitualmente, mais tempo de internamento e,

por outro lado, são doentes mais frágeis, muitas vezes com mais complicações, podendo ter até repercussões negativas no próprio enxerto», explica a especialista. Os órgãos são um bem escasso e, de acordo com esta alteração, passariam a ser reservados a doen-tes em melhores condições de os receber, com o intuito de maxi-mizar o tempo de funcionamento dos enxertos.

«Os critérios atuais também não dão muita relevância à compati-bilidade hLA [antigénios leucocitários humanos, na sigla em inglês] , nomeadamente nos doentes hiperimunizados, nos doentes com mais anticorpos anti-hLA, o que se reflete na sobrevida dos enxer-tos», refere Cristina Jorge. E sublinha: «hoje em dia, é possível transplantar doentes hipersensibilizados que se encontram em lista ativa normal, sem compatibilidades hLA, algo que não é muito cor-reto, pois, nestes casos, a compatibilidade ainda tem mais impacto.» neste sentido, a nefrologista acredita que existe margem de mano-bra para melhorar consideravelmente o cenário da alocação de rins para transplante em Portugal.

DiSTRiBUição geogRáFiCA MAiS eqUiTATiVA

Já os critérios quanto à alocação de fígado vão ser comentados pelo Dr. Jorge Daniel, diretor da unidade de Transplantação hepá-tica do Centro hospitalar do Porto/hospital de Santo António, que se irá focar, especialmente, nas questões relacionadas com a distribuição de órgãos. Existem três centros nacionais dedicados ao transplante de fígado, nomeadamente o Centro hospitalar do Porto/hospital de Santo António, o Centro hospitalar e universi-tário de Coimbra e o Centro hospitalar de Lisboa Central/hospi-tal de Curry Cabral. neste contexto, Jorge Daniel considera pre-ponderante otimizar a distribuição geográfica, para que seja mais equitativa. «não se compreende, por exemplo, que Santa Maria da Feira, a 18 quilómetros da cidade do Porto, esteja adstrita a Coim-bra. Por outro lado, a região norte é a mais prejudicada, pois é a que tem menos hospitais com unidades de Cuidados intensivos», refere.

O hotel Vila Galé Coimbra acolhe, no dia 2 de abril, entre as 14h30 e as 17h30, o Fórum Aberto sobre Alocação de Órgãos, promovido pela SPT. Debater os critérios existentes neste âmbito, nomeadamente em relação ao rim, ao fígado e ao coração, e as propostas de revisão que podem contribuir para a otimização de todo o processo são os principais objetivos.

Marisa Teixeira

CRiTéRioS PARA ALoCAção De ÓRgãoS eM DiSCUSSão

381 dadores, o maior número nos últimos cinco anos, refletindo um aumento de 9,5% O número de transplantes aumentou em 11,1%, correspondendo a um total de 830 transplantes

Os valores máximos ocorreram nos transplan-tes pancreáticos (aumento de 38,5%), seguidos pelos hepáticos (aumento de 20,6%), cardíacos (aumento de 18,6%) e renais (aumento de 5,8%)

O programa de doação de rim de dador vivo registou um aumento de 5,1%

NúMEROS DE 2015

Dr. Fernando Macário Prof. Manuel AntunesDr. Jorge DanielDr.ª Cristina Jorge

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no que respeita aos apelos urgentes, Jorge Daniel sublinha que há também questões a colocar. «nestas situações, obviamente, o primeiro fígado vai para a unidade hospitalar que lança o pedido. Posteriormente, esse órgão será “pago” pelo hospital que o rece-ber com o primeiro fígado que lhe apareça. Em Espanha, também se procede desta forma, no entanto, é obrigatório que o fígado “de pagamento” seja, pelo menos, da mesma década que o oferecido. Será esse um melhor caminho, e mais lógico, a seguir?»

neste panorama, algo eventualmente a ponderar no futuro, na opinião de Jorge Daniel, será a criação de uma lista única de doen-tes. «Fala-se há muito tempo desta hipótese, em que o órgão seria atribuído ao primeiro doente da lista, independentemente de onde estivesse o fígado. Depois, esse doente teria de ser seguido na sua região de residência, independentemente do local onde fora trans-plantado», explica. uma solução «interessante, mas complexa, que, obrigatoriamente, tornaria necessário muito planeamento e adaptações entre as três unidades nacionais», daí este especialista considerar que, atualmente, «não é essa a prioridade».

MeLHoRAR A iDeNTiFiCAção De PoTeNCiAiS DADoReS

A apresentação sobre os atuais critérios de alocação relativos ao coração ficará a cargo do Prof. Manuel Antunes, diretor do Serviço de Cirurgia Cardiotorácica do Centro hospitalar e universitário de Coimbra, que vai falar, por exemplo, sobre a identificação de poten-ciais dadores de coração e a sua distribuição no âmbito nacional. «Seja onde for que apareça um coração, ele será atribuído em primeiro lugar, caso seja compatível, a recetores que estejam em apelo e urgência ou de emergência, existindo seis graus, sendo 1 o mais urgente e 6 o menos urgente», esclarece este especialista. Em caso de empate, ou seja, perante duas situações com o mesmo nível de gravidade, Manuel Antunes explica que o coração irá para o recetor em urgência há mais tempo ou para aquele que se encontra na mesma região do dador, com o intuito de diminuir o tempo de isquemia.

«na minha opinião, temos de discutir a necessidade de melhorar a identificação de potenciais dadores, tendo em conta a sua escas-sez, e redefinir responsa-bilidades e estratégias quanto a estas maté-rias», avança Manuel Antunes. E acrescenta:

EVOLuçãO DOS TRAnSPLAnTES DE ÓRGãOS (últimos 5 anos)

600

500

400

300

200

100

0

46 55 514330

T. Cardíaco T. Renal T. hepático

530

429450450

477

219188

243 251

209

2011 2012 2013 2014 2015

«Para encorajar essa identificação, poderiam ser atribuídas, por exemplo, melhores compensações aos centros hospitalares.» Outro dos pontos que deverá ser abordado neste Fórum prende-se com os dadores mais marginais. Manuel Antunes considera premente estu-dar a hipótese de, em determinadas circunstâncias, recorrer a cora-ções que, à partida, não seriam escolhidos para transplante, especial-mente em situações muito críticas.

«A desigualdade entre os números de transplantes efetuados nos vários centros hospitalares, um dos temas provavelmente mais polémicos neste âmbito, e a necessidade de uma redefinição de critérios, pelo menos geográficos, serão, obviamente, também discutidos», remata Manuel Antunes. é de referir que, antes do Fórum Aberto sobre Alocação de Órgãos, que arranca às 14h30,

vai decorrer a Assembleia-Geral e Elei-toral para os órgãos sociais da SPT

no triénio 2016-2019, entre as 9h30 e as 12h30, seguida de

um almoço de trabalho.

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O XIII Congresso Português/XV Congresso Luso-Brasileiro e II Encontro Ibérico de Transplantação vai realizar-se de 13 a 15 de outubro próximo, no Centro de Congressos do Porto Palácio hotel. Além de temas comuns às realidades dos três países, como as infe-ções fúngicas e bacterianas multirresistentes no pós-transplante, serão discutidos tópicos mais específicos, como as estratégias para aumentar a doação de órgãos em cada país. A presidente do encontro, Dr.ª Susana Sampaio, e o presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, Dr. Roberto Manfro, desvendam alguns destaques desta edição.

Paula Ferreira Fernandes

PoRTUgAL, BRASiL e eSPANHA NoVAMeNTe ReUNiDoS

O Dr. Roberto Manfro tomou posse como presidente da ABTO em janeiro último. Como principal projeto da sua presidência destaca o facto de continuar «no sentido de prover transplan-tes com as maiores quantidade e qualidade possíveis para as pessoas que deles necessitem». A aposta na formação é outros dos objetivos a prosseguir, através da promoção de «cursos educacionais, difusão de conhecimentos e auxílio às políticas públicas essenciais». Além disso, no seu mandato de dois anos, Roberto Manfro pretende «auxiliar na solução de entraves e problemas enfrentados na prática dos transplan-tes no Brasil». A título de exemplo, aponta «a necessidade de aumentar a efetividade das doações e a redução das diferen-ças regionais no que toca à oferta de transplantes».

DESAFIOS nO BRASIL

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A Dr.ª Susana Sampaio, nefrologista no Centro hospita-lar de São João, no Porto, avança alguns dos principais assuntos que serão debatidos no XIII Congresso Portu-guês/XV Congresso Luso-Brasileiro e II Encontro Ibé-rico de Transplantação: hipersensibilização e dessen-

sibilização; infeções no pós-transplante, com particular ênfase nas infeções fúngicas e bacterianas multirresistentes; saúde oral na transplantação; hepatite C no transplante renal e hepático, entre outros. «Dado que este é um  congresso que abrange os vários órgãos que podem ser alvo de transplantação, serão abordadas questões transversais», nota a presidente deste encontro científico.

na escolha do conteúdo programático, que neste momento está em curso, a principal preocupação «é tentar abranger os temas da atualidade na transplantação e convidar para oradores espe-cialistas de referência na área». Alguns dos tópicos já definidos, como a saúde oral na transplantação, podem, segundo a nefro-logista, parecer pouco relevantes, «mas têm muita importância, sobretudo no pós-transplante». A responsável adianta também que, «no âmbito do II Encontro Ibérico, serão destacadas as infe-ções, nomeadamente as multirresistentes, as fúngicas e a infeção por Clostridium dificille, e abordados temas relacionados com as terapêuticas emergentes, como as do vírus da hepatite C».

Em relação aos palestrantes convidados, Susana Sampaio subli-nha: «Teremos oradores de referência nacional e internacional, sendo que contaremos com as preciosas intervenções dos nossos colegas brasileiros e espanhóis.» uma das presenças já confirma-das é a do Prof. Rui nunes (docente na Faculdade de Medicina da universidade do Porto e fundador da Associação Portuguesa de Bioética), que conduzirá a conferência dedicada ao tema «Dador vivo, dador altruísta – considerações éticas». Dos convidados estrangeiros, já está confirmada a presença do Prof. Faouzi Saliba, do Centro hepato-Biliar do hospital Paul Brousse, em Paris, que irá dissertar sobre as infeções fúngicas. A presidente do Congresso acrescenta ainda que se vai manter o modelo das comunicações orais breves, uma vez que  «foram um sucesso na edição anterior».

Também entrevistado pela TransMissão, o presidente da Asso-ciação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), Dr. Roberto Manfro, afirma que esta reunião conjunta constitui «uma impor-tante oportunidade de interação entre os especialistas dos três paí-ses envolvidos». na sua opinião, este é um momento ímpar para «troca e ampliação de conhecimentos e para estabelecer projetos conjuntos na área da transplantação». Apesar das diferenças entre Portugal, Espanha e Brasil, ao nível populacional, territorial, social e económico, «a troca de experiências e conhecimentos permite e facilita a aprendizagem mútua».

Sobre os temas que estarão em análise, Roberto Manfro frisa que «a discussão deverá recair sobre as questões que trazem maiores dificuldades em todo o mundo». neste sentido, há um tópico que se impõe: «A coordenação de transplantes e a efetivi-dade nas doações por parte dos familiares de pacientes em morte encefálica são assuntos importantes.»

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Ao longo do debate, ficaram patentes várias preocupa-ções em relação, por exemplo, ao futuro da doação e da colheita de órgãos. na opinião do Dr. José Guerra, nefrologista no Centro hospitalar Lisboa norte/hospi-tal de Santa Maria, existe algum desfasamento entre o

planeado e o concretizado. «há três anos, começámos a trabalhar em conjunto com o IPST [Instituto Português do Sangue e da Trans-plantação] e ainda não se verificaram alterações consistentes no “terreno”. Fala-se muito em colheitas, mas pouco nos resultados dos respetivos transplantes», advertiu.

José Guerra comentou também que «não há falta de legislação para que o Executivo obrigue os hospitais a funcionarem segundo as boas práticas» e lamentou a «falta de maior apoio por parte do IPST». Por sua vez, a Dr.ª Ana França, responsável pela Coorde-nação nacional de Transplantação do IPST, avançou que, a partir de janeiro de 2016, a sua equipa ficou reduzida à própria e a uma jurista. «não sei se esta será a base de sustentação de uma Coor-denação nacional de Transplantação que se quer ativa e interven-tiva», lastimou.

Já o Prof. André Weigert, nefrologista no Centro hospitalar de Lisboa Ocidental/hospital de Santa Cruz, realçou que «não se pode aumentar a eficácia de certas medidas sem investimento». E sublinhou: «O transplante é bastante custo-eficaz, traduzindo-se numa economia significativa a longo prazo.» A título de exemplo, em Espanha, os números apontam para cerca de 46 milhões de euros de poupança por ano. Este especialista defendeu que «não se trata só de qualidade de vida, mas também de quantidade e, a longo prazo, a diálise é mais cara do que o transplante».

UNiDADeS De ReFeRêNCiA LeVANTAM PoLéMiCA «Apesar de o nível de transplantação ser razoável em Portugal, há falhas em termos de organização estrutural e os profissionais de saúde desta área sentem-se incomodados com a informação difusa acerca das unidades de referência», avançou Fernando Macário.

E José Guerra citou algumas das dúvidas: «não sabemos quem elaborou os critérios para se ser incluído nessas unidades, nem qual o retorno de pertencer ou não a uma delas. A que propósito foi estabelecido que é necessário fazer mais de 45 transplantes por ano para se ser eficaz? não é consensual.»

Já o Dr. Domingos Machado, coordenador da unidade de Trans-plantação Renal do Centro hospitalar de Lisboa Ocidental/hospital de Santa Cruz, salientou a assimetria entre os dois gabinetes coor-denadores de colheita e transplantação na capital. «Julgo que seria melhor existir apenas um, sediado no Centro hospitalar de Lisboa Central/hospital de São José, que tem sido sempre muito mais produtivo do que a do Centro hospitalar Lisboa norte/hospital de Santa Maria.» Foi também debatida a relevância de se efetuarem auditorias às unidades de coordenação, bem como aos hospitais onde se realizam menos colheitas do que o expectável.

Fernando Macário salientou ainda o facto de não existir sempre disponibilidade para realizar biópsias aos órgãos colhidos. Como solução, André Weigert sugeriu um esquema de prevenção rota-tivo entre hospitais, «até porque a impossibilidade de realizar um exame anatomopatológico pode fazer com que não sejam aprovei-tados órgãos válidos». Quanto à doação em vida, um dos assun-tos focados foi o «dador altruísta». «Sim ou não? no caso de se avançar com esse projeto, deveria haver um escrutínio feito pelo menos por duas equipas de transplantação, para que o presumível “dador altruísta” seguisse todo o processo de avaliação. A lei não é impeditiva, mas, da nossa parte, existe algum cuidado», concluiu Fernando Macário.

De referir que os especialistas presentes neste Fórum Aberto sobre Transplantação pretendem enviar um documento para a Dire-ção-Geral da Saúde e para o IPST, com as seguintes questões: O que são as unidades de referência e porque foram definidas desta forma? Que implicações vão ter em termos de atividade futura? Quais as consequências de ser ou não uma unidade de referência?

A doação e a colheita de órgãos de dador falecido e as unidades de referência foram alguns dos tópicos discutidos no Fórum Aberto sobre Transplantação, que teve lugar na Batalha, nos dias 20 e 21 de novembro, com a presença de diversos especialistas.

Marisa Teixeira

CoNTRoVéRSiAS e CoNSeNSoS NAS PoLíTiCAS De SAúDe DA TRANSPLANTAção

SABIA QuE…

…os hospitais pertencentes ao Gabinete Coorde-nador de Colheita e Transplantação do ChUC con-tinuam a destacar-se pelos resultados? Em 2015, atingiram as 100 colheitas.

…em 2015, os hospitais pertencentes ao Gabinete Coordenador de Colheita e Transplantação do Centro hospitalar de Lisboa Central realizou 107 colheitas de órgãos? Esta foi a primeira vez que ultrapassou as 100.

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no dia 26 de fevereiro passado, decorreu, em Lisboa, a primeira reunião de consenso sobre a utilização do eculizumab na transplantação renal. Esta foi promo-vida pela SPT, com o apoio da Alexion, e contou com a presença de vários especialistas de todas as unida-

des de transplantação renal do País. no arranque, o Prof. José Maria Campistol, diretor-geral do hospital Clínic de Barcelona, falou sobre a microangiopatia trombótica, com especial enfâse na síndrome hemolítico-urémica [Shu] atípica, sobre a qual frisou tratar-se de um diagnóstico de exclusão, associado a fatores genéticos e ambientais.

Esta entidade ocorre, habitualmente, após um trigger ambiental num indivíduo com predisposição genética, por exemplo, como con-sequência de mutações num ou vários fatores do complemento ou pela presença de anticorpos anti-fator h. Trata-se de um diagnóstico de exclusão, o resultado do estudo genético nunca é imediato ao iní-cio dos sintomas, mas a precocidade do tratamento tem importante impacto no prognóstico. Portanto, aconselha-se o início da terapêu-tica assim que haja evidência de microangiopatia com atividade de ADAMTS13 (>5-10%) mantida ou pesquisa de toxina Shiga da Esche-richia coli negativa.

na opinião dos colegas espanhóis, o tratamento da Shu atípica deve incluir sempre o eculizumab, associado ou não à plasmaferese ou infusão de plasma. na realidade, este fármaco veio melhorar signi-ficativamente o prognóstico destes doentes. O Prof. Josep Campistol mostrou-nos o processo de obtenção do documento de consenso espanhol sobre o uso do eculizumab nesta patologia, incluindo no pós-transplante, e apresentou as suas principais conclusões.

Seguiu-se a discussão entre os participantes, já sem a presença do especialista espanhol. Foi enfatizada a necessidade de disponibilizar precocemente o eculizumab, perante o diagnóstico de Shu atípica, mas este fármaco ainda não está autorizado em Portugal para esse fim. Foi também abordada a utilidade de elaborar um documento de consenso português baseado no que já existe na literatura, com indi-

cações práticas sobre os passos para o diagnóstico, incluindo o labo-ratório de referência para a pesquisa das mutações dos fatores do complemento, e as indicações terapêuticas, nomeadamente sobre o uso do eculizumab. Este documento poderia incluir um fluxograma, ou via verde, com orientações práticas sobre a Shu atípica.

NECESSIDADE DE CRIAR UM GRUPO DE TRABALhO

nesta reunião, foi também relatada a experiência bem-sucedida do Centro hospitalar do Porto/hospital de Santo António, onde um caso clínico foi apresentado inicialmente à Comissão de Farmácia e Terapêutica do hospital e, posteriormente, levado à Comissão nacional de Farmácia e Terapêutica (CnFT), que acabou por apro-var a utilização do eculizumab, mesmo sem a deteção de mutações do complemento, embora se tratasse mesmo de uma Shu atípica. no entanto, por vezes, as administrações hospitalares atrasam o envio dos casos à CnFT, perdendo-se a oportunidade do trata-mento precoce. A possibilidade de, no mesmo documento, se enfa-tizar a vantagem económica do uso precoce e a longo prazo deste fármaco, que pode evitar a entrada ou a permanência do doente em diálise, foi também discutida.

uma vez que o uso do eculizumab tem de ser precoce, no pré- -transplante renal de dador vivo e, se possível, também no de dador falecido, deveria existir uma autorização potencial, para ser utili-zada no caso de o doente em lista de espera ser chamado para transplante. Assim, concordámos que seria muito útil a existência de um registo nacional de Shu atípica e que se deve criar um grupo de trabalho sobre esta matéria, embora alguns dos especialistas presentes considerassem que o enfoque deveria estar apenas na utilização do eculizumab no período peri ou pós-transplante renal. Concluiu-se que esta equipa deverá incluir, pelo menos, nefrologis-tas, nomeadamente da área da transplantação renal, e especialis-tas em nefrologia Pediátrica, histopatologia renal e laboratorial.

OPINIãO

BALANçO DA PRIMEIRA REUNIãO DE CONSENSO SOBRE A UTILIZAçãO DO ECULIZUMAB

DR.ª CRISTINA JORGE | nefrologista no Centro hospitalar de Lisboa Ocidental/hospital de Santa Cruz

PERITOS qUE PARTICIPARAM NA REUNIãO (da esq. para a dta.): Dr. Domingos Machado, Prof. Aníbal Ferreira, Dr.ª Rosário Stone, Dr.ª Alice Santana, Prof. Fernando Nolasco, Prof. José Maria Campistol, Dr. Fernando Macário, Dr.ª Ana Azevedo, Dr.ª Joana Santos, Dr. Carlos oliveira, Dr.ª Cristina Jorge, Prof. André Weigert e Dr.ª Lídia Santos

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Page 15: TransMissão n.º 6

TOTAL DE TRAnSPLAnTES REALIzADOS EM PORTuGAL

900

800

700

600

5002011 2012 2013 2014 2015

838

680

789747

830

O número de transplantes de órgãos realizados em Portugal no ano passado aumentou 11,1% e o número de dadores 9,5% relativamente a 2014. Embora reconheça que esta é uma melhoria significativa, o presidente da SPT, Dr. Fernando Macário, considera que «muito mais há por fazer», dado que Portugal está ainda aquém do seu potencial máximo de colheita e transplantação.Luís Garcia

TRANSPLANTAção AUMeNToU eM 2015, MAS AiNDA Há MARgeM PARA MeLHoRiA

Em 2015, foram realizados 830 transplantes (versus 747 no ano anterior) e houve 381 dadores de órgãos (contra 348 em 2014). na opinião de Fernando Macário, estes números refletem «um esforço grande de reorganiza-ção da equipa de coordenação de transplantação do

Instituto Português do Sangue e da Transplantação [IPST]», mas não são ainda suficientes. «Se se tivesse mantido a tendência cres-cente de 2009 e 2010, seguramente, estaríamos melhor, mas uma discutível reformulação das responsabilidades da Tutela na trans-plantação e algum desinvestimento em 2011 e 2012 fizeram parar e perder muito do trabalho que já estava feito pela antiga Autoridade para os Serviços de Sangue e da Transplantação. Ainda hoje não são completamente claras as fronteiras entre as responsabilida-des da Direção-Geral da Saúde e do IPST, que reconhece não ter os meios adequados para coordenar efetivamente este campo de atividade.»

na ótica do presidente da SPT, as medidas tomadas na área da transplantação nos últimos anos são importantes, mas repre-sentam um investimento insuficiente. «Se o transplante em paragem cardiocirculatória não tivesse demorado tantos anos a arrancar, teríamos seguramente mais dadores e mais trans-

plantes», exemplifica. Para este responsável, além do esforço que está a ser feito ao nível da colheita de órgãos, também é necessário apostar na formação de recursos humanos na área da transplantação e na melhoria das condições de algumas unida-des transplantadoras.

DiSPARiDADeS RegioNAiS

Fernando Macário alerta também para as discrepâncias regionais no transplante de dador cadáver. «Temos unidades hospitalares que não detetam todos os potenciais dadores e colhem órgãos muito aquém do que deveriam. é também necessário repensar a rede de coordenação da colheita, uma vez que as estruturas oficiais não têm capacidade para auditar e vigiar esta atividade. Os registos ainda são arcaicos e a informação não circula entre os profissionais da área», alerta.

O presidente da SPT chama ainda a atenção para a existência de uma média de 130 órgãos, principalmente rins, que são colhidos mas não aproveitados. A elevada idade média e a morbilidade dos dadores não explica tudo: «nas zonas Centro e norte, os hospitais com transplantação têm capacidade para fazer exames de Ana-tomia Patológica aos rins colhidos e, assim, avaliar se podem ser utilizados. Isto é fundamental nos dadores de critérios expandidos (com mais idade ou patologia prévia), que são a maioria nos dias de hoje. Mais grave é o facto de a zona de Lisboa – onde se localiza a maioria das unidades de transplantação – não ter capacidade de resposta para a realização de biópsias do enxerto renal sempre que necessário. Assim, são rejeitados alguns dos rins de dadores mais idosos ou com patologias, que poderiam ser aproveitados», conclui Fernando Macário.

NúMEROS DE 2015 11% mais transplantes e 9,5% mais dadores (face a 2014)

130 órgãos colhidos, mas não aproveitados (em média)

EM ANÁLISE

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O início de 2016 foi comemorado de forma sui generis no Centro hospitalar de São João (ChSJ), no Porto, «palco» do primeiro transplante de rim com dador em paragem cardiocirculatória, que decorreu na noite da passagem de ano. Um procedimento que permite aumentar o número de dadores de órgãos e que, em breve, será realizado em outros centros hospitalares portugueses. Marisa Teixeira

16 | ABRIL 2016

M ANÁLISE

Entre os fatores essenciais que contribuíram para que se pudesse realizar o primeiro transplante de rim com dador em paragem cardiocirculatória no Centro hospi-talar de São João (ChSJ), o Prof. José Artur Paiva, inter-nista, intensivista e diretor clínico deste centro hospita-

lar, destaca as recentes alterações legislativas, o protocolo entre o Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST) e os hos-pitais com Gabinete de Coordenação de Colheita e Transplantação, a interação entre a urgência/emergência pré-hospitalar e a hos-pitalar, a larga experiência e imediata disponibilidade da equipa/ /programa de ECMO (oxigenação por membrana extracorpórea, na sigla em inglês) do ChSJ, e a rápida resposta da equipa de colheita de órgãos.

«Este resultado só foi possível devido à articulação entre a equipa de emergência pré-hospitalar da viatura médica de emergência e reanimação do InEM [Instituto nacional de Emergência Médica] e o Departamento de urgência e Medicina Intensiva do ChSJ na pres-tação dos cuidados de reanimação da vítima em paragem cardio-circulatória; à resposta imediata da equipa de ECMO com os proce-dimentos necessários à preservação do órgão para transplantação, assim como à articulação entre os Serviços de urologia, nefrolo-gia e Anestesiologia para a colheita e transplantação renal, sob a orientação do Gabinete de Coordenação de Colheita e Transplanta-ção deste hospital», explica José Artur Paiva.

uma opinião partilhada pelo Prof. Roberto Roncon de Albuquer-que, intensivista e coordenador do Programa de ECMO do ChSJ, que sublinha os desafios deste transplante. A primeira reflexão a fazer, de acordo com este especialista, é se a vítima em paragem

cardiocirculatória é um potencial dador ou um candidato a reani-mação avançada. «não é uma decisão fácil, porque há muitos casos em que precisamos de mais informação, mas temos pouco tempo para decidir. Quando não temos dúvidas sobre a futilidade da reani-mação, vemos se todas as condições do Manual de Operacionaliza-ção são observadas para podermos avançar.»

CRiTéRioS DeVeM SeR BeM DeFiNiDoS

Roncon de Albuquerque alerta, por outro lado, para alguns critérios a ter em conta neste procedimento. «Muitas vezes, o InEM é cha-mado devido a uma suposta paragem cardiocirculatória, mas, na verdade, esse colapso ocorreu durante a noite e, quando chega ao local, já está na presença de um cadáver. Esse caso não tem indi-cação para reanimação, mas também não tem para doação, pois os órgãos estão muito deteriorados», explica. Para ser possível recu-perar os órgãos, deve tratar-se de uma paragem cardiocirculatória presenciada ou que tenha ocorrido há pouco tempo, na qual sejam iniciadas as manobras do suporte avançado de vida, que têm de ocorrer pelo menos durante 30 minutos para se poder assumir que a paragem é refratária.

Além disso, Roncon de Albuquerque adianta que, «no ChSJ, há um terceiro critério: o doente não pode ser candidato a reanima-ção avançada, porque será então tratado como tal». Já no caso de uma paragem extra-hospitalar, o doente tem de chegar ao hospi-tal, no máximo, até duas horas após o colapso e ter sido alvo de, no mínimo, 30 minutos de manobras de reanimação. Em seguida, devem decorrer, no máximo, mais duas horas para o procedimento, desde a técnica de preservação dos órgãos à colheita em si.

Agora que foi dado o «pontapé de saída», a expectativa no ChSJ é a de se alcançar entre 16 a 24 transplantes deste tipo por ano. O Prof. Manuel Pestana, diretor do Programa de Transplante Renal e do Serviço de nefrologia do ChSJ, projeta que, se se conseguir um dador em paragem cardiocirculatória por mês, seriam 24 trans-plantes num ano, pois cada um doará potencialmente dois rins. «Este é um valor otimista e talvez ainda seja algo prematuro avan-çar com números. As condições estão criadas, mas há uma série de condicionantes que vão determinar a maior ou menor eficácia de aumentar o número de transplantes por intermédio desta alterna-

TRANSPLANTe De DADoR eM PARAgeM CARDioCiRCULATÓRiA Já é ReALiDADe eM PoRTUgAL

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uMA ALTERnATIVA, MAS nãO A «PAnACEIA»

A opinião da Dr.ª Ana França, responsável pela Coordenação Nacional de Transplantação do IPST: «os dadores em paragem cardiocirculatória são mais uma hipótese, porém, é uma situação que implica grande neces-sidade de recursos e limita-se a alguns hospitais, portanto, não vai ser a “panaceia”. Além disso, este procedimento seria mais proveitoso se o grupo iii da classificação de Maastricht fosse também envolvido. Trata-se de um parecer da comunidade científica e médica, do âmbito da ordem dos Médicos. Todavia, o iPST [instituto Português do Sangue e da Transplantação] continuará a fazer as diligências necessárias de sensibilização, quer da população quer dos profissionais de saúde, para que, em sede própria, se possa discutir a situação e tomar decisões de acordo com o que é feito inter-nacionalmente. Por outro lado, há que pensar em outros meios alternativos, como a doação em vida, sobretudo para os doentes mais jovens, aposta que tem vindo a ser seguida por outros países. De qualquer modo, a recuperação dos órgãos do dador falecido será sempre o objetivo primeiro e o alvo da preocupação e trabalho dos Coordenadores Hospitalares de Doação, para que possamos responder melhor às necessidades dos doentes em lista de espera»

I – Morte à chegada ao hospital: falecido fora do hospital, vítimas de morte súbita e de etiologia traumática ou não, que não são ressuscitadas;

II – Ressuscitação infrutífera: falecido fora ou dentro do hospital, sujeito a manobras de reanimação adequadas e em tempo, mas sem êxito;

III – Portadores de doença de evolução irreversível: falecido após suspensão do suporte às funções vitais;

IV – Paragem após diagnóstico de morte cerebral, em que a assistolia se verificou antes da doação;

V – Paragem cardíaca súbita de doentes internados em Unida-des de Cuidados Intensivos/Serviços de Medicina Intensiva.

CLASSIFICAçãO DE MAASTRIChT

Prof. José Artur Paiva, Prof. Roberto Roncon de Albuquerque, Prof. Manuel Pestana, Dr.ª Susana Sampaio, Dr. João Paulo Almeida e Sousa, Dr. Ricardo Matos, Dr. Lucas Batista e Dr.ª Ana França

DR

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tiva», refere Manuel Pestana. Quanto ao procedimento em si, este nefrologista confirma que «não é muito diferente dos transplantes com outro tipo de dadores», acrescentando que «a principal dife-rença está na agilidade com que se tem de trabalhar em articula-ção com a equipa de colheita, para que o tempo de isquemia seja menor».

Como explica a Dr.ª Susana Sampaio, também nefrologista no ChSJ, «no dador em paragem cardiocirculatória, o rim é mais afe-tado pela isquemia do que em colheitas de dadores em morte cere-bral». A necrose tubular é a lesão que ocorre quando os rins sofrem pela isquemia prolongada e poderá atrasar a recuperação da fun-ção. Por este motivo, a também vice-presidente da SPT sublinha que «a escolha da imunossupressão mais adequada é importante, na medida em que se deve optar por fármacos menos nefrotóxicos e que possam prolongar este período». Assim, o melhor é «esco-lher uma imunossupressão com anticorpos policlonais, que  per-mite atrasar o início dos inibidores de calcineurina para que a recu-peração da função do rim seja mais rápida», explica.

UM eXeMPLo A SegUiR

na opinião do Dr. João Paulo Almeida e Sousa, intensivista e diretor da unidade de Gestão Intermédia da urgência e Cuidados Intensivos no Centro hospitalar e universitário de Coimbra (ChuC), enquanto centro transplantador de relevo, o ChuC tem a obrigação acres-cida de se preocupar com toda a atividade de doação. «Por isso, o desenvolvimento de um programa de doação a partir de dadores em paragem cardiocirculatória inscreve-se nas nossas preocu-pações, estando a ser dados os passos organizacionais e técnicos que permitam a instalação desse programa a breve trecho, porque temos capacidades e recursos para isso», afirma.

Este responsável sublinha que, «dada a previsível escassez de órgãos, no futuro, os dadores em paragem cardiocirculató-ria constituirão um “contingente” complementar de órgãos para transplantar, sobretudo rins, apesar de a lei portuguesa limitar essa colheita à classe II de Maastricht [ver caixa acima]». uma opinião partilhada pelo Dr. Ricardo Matos, intensivista no Centro hospitalar de Lisboa Central/hospital de São José, coordenador hospitalar de doação, e pelo Dr. Lucas Batista, cirurgião geral no

Centro hospitalar Lisboa norte/hospital de Santa Maria, respon-sável pela transplantação.

«Sou defensor desta política, mas ainda há margem de cresci-mento para podermos otimizar a colheita em dador falecido. Esta é só mais uma via. Em Espanha, a partir de dadores em para-gem cardiocirculatória, assistiu-se a um aumento das doações na ordem dos 10%», refere Ricardo Matos. Por sua vez, Lucas Batista lamenta por não se ter aproveitado a oportunidade para ir mais além: «Tendo em conta a experiência de outros países, é pena não se ter abarcado já todas as classes de Maastricht. Desta forma, penso que se torna mais dispendioso e menos rentável o trans-plante com dador em paragem cardiocirculatória. no entanto, no nosso centro, estamos a trabalhar para que, em menos de dois meses, consigamos dar resposta a este procedimento.»

Quanto aos desafios de arrancar com um programa de dadores em paragem cardiocirculatória, Ricardo Matos ressalva: «As admi-nistrações hospitalares têm as suas preocupações. Por outro lado, a Coordenação nacional de Transplantação tem uma visão mais pre-cisa sobre o assunto, mas é preciso pôr tudo a funcionar. Os hospitais têm, geralmente, orçamentos limitados e passa tudo pela planifica-ção. Para se chegar a boas soluções, tem de haver diálogo.»

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Todos o conhecem por Medina, porém, este apelido só surgiu quando frequentou um curso pré-universitário… Mas já lá vamos. José Osmar Pestana nasceu em 1953, no município de Ipaussu, arredores da cidade de São Paulo. uma zona do interior, de onde tinha vontade de

sair, pois, desde criança, desejava ser médico. Essa aspiração nasceu por observar o médico da zona onde vivia, Dr. Rafael de Souza, que era «respeitado pela sua dedicação e disponibilidade». «na altura, não existia o SuS [Sistema Único de Saúde], mas ele atendia todos os que o procuravam, pagando ou não. Além de médico, fazia orientação profissional, resolvia conflitos familiares e emitia boas cartas de apresentações. Essa atuação cativava--me», lembra.

no entanto, tudo apontava para outro caminho. «Aos 8 anos, comecei a ajudar o meu pai enquanto pedreiro. Mas, três anos mais tarde, a minha mãe decidiu inscrever-me num curso pro-fissional, que terminei com 15 anos, podendo exercer a função de torneiro mecânico. nessa época, era legal trabalhar com essa idade e arranjei logo emprego em Ipaussu», recorda. Embora pudesse fazer carreira nesta área, como muitos acon-selharam, inclusive o seu pai, aos 19 anos, Medina Pestana decidiu mudar-se para a grande cidade – São Paulo. Tinha uma meta por cumprir.

REFERêNCIA MUNDIAL NO

TRANSPLANTE DE RIM

As origens humildes do Prof. José Medina Pestana não o impediram de lutar pela aspiração de ser médico. Aos 8 anos, começou a ajudar o pai como pedreiro; aos 15, passou a exercer a profissão de torneiro mecânico. Mas, aos 19 anos, deci-diu não adiar mais o seu sonho: mudou-se do município de Ipaussu para a grande cidade de São Paulo, com o objetivo de se formar em Medicina. E conseguiu, sempre a trabalhar em paralelo para sustentar os estudos. hoje, é o diretor do hos-pital do Rim e da hipertensão da Universidade Federal de São Paulo, um centro de referência mundial na transplantação renal, e já ultrapassou a fasquia dos 10 000 transplantes no seu currículo.

Como precisava de recursos financeiros para pagar o curso de preparação para o exame de admissão à universidade, traba-lhou como torneiro mecânico e como administrativo para, no ano seguinte, se dedicar somente aos estudos. «Foi nesse curso que ganhei o apelido de Medina, o nome de um professor de portu-guês com quem eu era fisicamente parecido. Por graça, costu-mava imitá-lo, outros professores até me convocavam para o fazer perante alunos de outras classes e todos me passaram a conhecer por Medina, pelo que, mais tarde, acabei por incorporar este ape-lido oficialmente no meu nome», conta.

o ReALizAR Do SoNHo DA MeDiCiNA

Em 1974, José Medina Pestana cumpriu o seu objetivo, ao ingres-sar na Escola Paulista de Medicina da universidade Federal de São Paulo (unIFESP), com alívio financeiro, pois trata-se de uma instituição pública. Todavia, como precisava de se sustentar, pouco tempo antes, começou a trabalhar no laboratório da mesma uni-versidade, onde catalogava os doentes que chegavam à emergên-cia, cargo que desempenhou ao longo de todo o seu percurso na faculdade.

Quanto à escolha da especialidade, inicialmente, Medina Pestana enamorou-se pela Ortopedia, até por ser uma área, de certa forma,

Marisa Teixeira

18 | ABRIL 2016

ETRATO

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o Prof. José Medina Pestana junto a alguns dos alunos admitidos no curso de Medicina pelo sistema de quotas raciais, a quem presta tutoria em regime de voluntariado

mecânica, mais em linha com a sua formação anterior. Mas, inspi-rado pelo Prof. Oswaldo Ramos, «o grande líder da unIFESP, que tinha um pensamento muito avançado», acabou por seguir as suas pisadas, optando pela nefrologia. «Ele estimulava muito as pes-soas que o rodeavam e eu acostumei-me naquele ambiente.»

Depois de, em 1983, ter concluído o Internato em nefrologia no hospital São Paulo, Medina Pestana permaneceu ligado à institui-ção como chefe do Serviço de Emergência e responsável pelo grupo de transplante renal. Entre e 1987 e 1988, já especialista em nefro-logia e transplante renal, fez uma pós-graduação na área clínica do transplante renal, na Cleveland Clinic, e, no ano seguinte, foi para a universidade de Oxford, em Inglaterra, para realizar outra pós- -graduação em transplante experimental.

MAiS De 10 000 TRANSPLANTeS No CURRíCULo

«Quando regressei ao Brasil, em 1990, reassumi a liderança do programa de transplantes de órgãos da unIFESP e, desde então, participo em todo o processo de consolidação legal e logística dos programas de transplantes de órgãos no Brasil», explica Medina Pestana. Entretanto, em 1998, coordenou o início das atividades clínicas, assistenciais e de ensino do hospital do Rim e hiperten-são – Fundação Oswaldo Ramos, que também pertence à unIFESP e onde, atualmente, ocupa o cargo de diretor superintendente. O expert brasileiro conta que, «até à data, efetuaram-se cerca de 12 500 transplantes renais neste hospital», tendo o próprio reali-zado mais de 10 000. números que fazem com que este programa de transplantação renal seja o maior do mundo.

Questionado sobre o segredo do seu sucesso, Medina Pestana mostra-se humilde, referindo que só a cidade de São Paulo tem 20 milhões de habitantes, logo, o volume de candidatos a trans-plante e de dadores de órgãos é grande. Mas acaba por revelar que, no hospital do Rim e hipertensão, foi montado um sistema de orga-nização eficiente. «Basta o doente candidato a transplante ligar para o hospital e, na semana seguinte, já tem consulta. Depois, o doente não precisa de ir a vários sítios, tudo é feito no mesmo local. Médicos oriundos de todo o mundo vêm aprender aqui, por causa do número de transplantes realizados. Isto fez com que este hos-

pital se tornasse um centro de referência, quer de assistência quer de formação e investigação.»

O voluntariado também esteve sempre presente na vida de José Medina Pestana. Começou por prestar assistência à saúde de índios do Xingu, indígenas brasileiros, e foi voluntário no hospital de Ipaussu durante mais de 30 anos. Por outro lado, há uma década que faz tutoria voluntária a alunos admitidos no curso de Medicina pelo sistema de cotas raciais. Além de falarem, obviamente, sobre Medicina, «há muito diálogo sobre vários temas da atualidade», refere Medina Pestana, adiantando que tenta também «incentivar estes alunos à aprendizagem de outras línguas e ao intercâmbio internacional».

Desafiado a olhar para trás e a comentar o rumo da sua carreira, Medina Pestana remata: «Acho que me dediquei às oportunidades que me foram oferecidas e foi dando tudo certo, sendo que o acaso também foi ajudando. Eu tinha perfil para o transplante, mas penso que poderia dedicar-me a qualquer outra área que desse tão certo como esta e, então, estaria também satisfeito e feliz.»

José Medina Pestana sempre gostou de futebol. Apesar de torcer pelo Palmeiras, aprecia ver um bom jogo, independentemente das equipas em campo. No nosso País, já assistiu a uma partida do Sporting, clube português que mais admira, e ao jogo de Portugal frente à Grécia, que nos valeu o segundo lugar no Euro 2004. «Eu gosto, inclusive, de jogar futebol com os amigos, algo que fiz até há pouco tempo. Entretanto, comecei a dedicar-me mais à bicicleta», partilha. Agora, esta é a sua grande paixão, que o faz percorrer grandes distâncias, como os 840 quilómetros que percorreu entre a cidade francesa de Saint Jean Pied de Port e Santiago de Compostela, em Espanha. Ainda para este mês de abril, tem previsto pedalar a Via Cláudia Augusta, ente Munique e Veneza.

Este nefrologista brasileiro consegue gerir de tal forma os seus dias que, a par do tempo que despende com a família, o tra-balho e a bicicleta, dedica-se à leitura, principalmente de obras relacionadas com a Medicina, a Política e questões da atualidade. A Ordem Mundial, de henry Kissinger, uma reflexão sobre as razões da harmonia internacional e da desordem global, é o livro que está a ler de momento.

uM MéDICO COM «PEDALADA»

DR

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