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TRANSMISSÃO DE DADOS USANDO A REDE ELÉTRICA NO CONTEXTO DE REDES SMART GRIDS E MICRO-REDES
ALAN PETRÔNIO PINHEIRO, JÚLIO CÉZAR COELHO, FELIPE A. M. CORRÊA
Laboratório LaPSE, Faculdade de Engenharia Elétrica, Universidade Federal de Uberlândia, campus Patos de Minas.
Av. Getúlio Vargas, 230 Patos de Minas, MG, BR
E-mails: [email protected], [email protected], [email protected]
Abstract With the advance of smart grids, advanced metering systems and sensor grid, the PLC has raising and obtained
importance in the technical literature and the telecommunications market. PLC covers applications since simply data transmis-
sion in metering system or control systems, until advanced communications systems involving broadband like the internet. This
paper describes and makes a revision about PLC terms, technologies, concepts and standards involving this nonconventional
data transmission method. At the end of the text, it is proposed a electronic design of a transmitter/receiver of a narrowband PLC
based on FSK modulation. This circuit may be used in power system operation (smart grids), metering systems, process monitor-
ing, smart meters and many others applications.
Keywords power line communications, data transmission, advanced metering infrastructure, physical transmission.
Resumo Com o advento das redes smart grids e micro-redes, a tecnologia de comunicação de dados PLC tem ganhado cada
vez mais destaque em aplicações que vão desde uma simples infraestrutura de comunicação para sistemas de monitoramento e
controle residencial/industrial, até serviços de internet de banda larga. Este artigo descreve e faz uma revisão de alguns dos as-
pectos mais relevantes desta tecnologia, terminologias e padrões. Ao final, também apresenta o projeto de um transceptor de da-
dos PLC de banda estreita capaz de transmitir sinais digitais usando modulação FSK em uma rede elétrica convencional e que
pode ser usado para aplicações na área de energia (smart grids), controle e automação incluindo sistemas automatizados de me-
dição.
Palavras-chave power line communication, transmissão de dados, redes de sensores, sistemas medição automatizados.
1 - Introdução
A tecnologia de transmissão de dados através da
rede elétrica, comumente conhecida como PLC (po-
wer line communication), é uma ideia antiga que foi
fomentada por décadas. Seu principal apelo advém
da possibilidade de compartilhar a estrutura de cabe-
amento da rede elétrica convencional com a transmis-
são de dados evitando assim a necessidade de uma
nova estrutura física guiada para transmitir estes si-
nais. Embora apelativa, o surgimento de novas tecno-
logias de transmissão sem fio de baixo custo mostra-
ram-se mais promissoras do que a tecnologia PLC.
Ainda, a grande complexidade envolvida no processo
de transmissão de dados via rede elétrica dificultaram
a maturidade da transmissão PLC. Segundo Zim-
mermann e Dostert (2002), a transmissão PLC é ge-
ralmente mais desafiadora do que as tecnologias con-
vencionais. Isto porque (i) a fiação da rede elétrica
não foi projetada para transmitir dados; (ii) é ampla-
mente contaminada por diferentes ruídos e (iii) apre-
senta grande flutuações em suas características
elétricas (principalmente sua impedância) que têm
influência direta na qualidade da transmissão.
Com o sucesso da rede de computadores, a ten-
dência de se ligar dispositivos em rede e a demanda
crescente de energia, os setores elétrico e de teleco-
municações se uniram na a ideia de smart grids (A-
min e Wollenberg, 2005). Embora seja um conceito
ainda em construção, as smart grids visam interligar
por uma rede de dados todas as etapas do processo de
geração, transmissão, distribuição e consumo em
tempo real. Assim, usinas geradoras, linhas de trans-
missão, centrais de distribuição e consumidores (re-
sidenciais, comerciais ou industriais) trocariam in-
formações entre si visando dar ao sistema elétrico (e
ao seu operador) maior flexibilidade e integração. A
Figura 1a ilustra o conceito.
Uma rede smart grid tem tecnicamente uma
grande amplitude e reúne uma série de outras redes
menores e locais (a exemplo da internet) que são in-
terligadas. Estas redes menores tem geralmente o
alcance de uma casa, comércio ou indústria e coletam
dados de consumo e parâmetros elétricos através de
sensores e os enviam a uma central local. Esta última
tem o controle de todo o consumo e dos dispositivos
elétricos ligado à rede sob seu alcance direto. A Figu-
ra 1b ilustra este esquema. A rede local, também
chamada de AMI (advanced metering infrastructure)
(Cunjiang et. al, 2012), é um dos muitos recursos que
compõem a smart grid e a alimenta com dados. Em
uma visão futura, cada casa, residência e industria
possuirá uma rede AMI local que enviará seus dados
- adquiridos por sua rede de sensores ao centro de
operações.
Anais do XX Congresso Brasileiro de Automática Belo Horizonte, MG, 20 a 24 de Setembro de 2014
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Com o surgimento das smart grids, a comunica-
ção PLC ganhou novo impulso e tem sido considera-
da seu cerne tecnológico devido a sua intrínseca rela-
ção entre transmissão de dados e a rede elétrica. Ao
mesmo tempo, a PLC também surge como forte al-
ternativa de comunicação para redes industriais, re-
des de sensores e similares (Gungor e Lambert,
2006). Analisando todas estas possibilidades, uma
série de órgãos reguladores, empresas do setor tecno-
lógico, entidades de classe e governos tem se esfor-
çado para definir diferentes padrões de comunicação
PLC.
Neste contexto, este trabalho tem por objetivo
fazer uma compilação dos aspectos mais relevantes
da tecnologia PLC destacando os principais amadu-
recimentos tecnológicos e científicos que esta tecno-
logia vem sofrendo a fim de auxiliar o entendimento
deste desafiador modo de transmissão de dados.
Terminologias, padrões e conceitos básicos são apre-
sentados e discutidos ao longo do texto. Por fim, na
última seção deste trabalho, os autores apresentam
um projeto de transmissor e receptor PLC em banda
estreita capaz de transmitir sinais em uma rede elétri-
ca residencial.
2 - Aspectos gerais da tecnologia PLC
Na comunicação de dados, uma das questões
mais importantes diz respeito as frequências utiliza-
das para estabelecer uma comunicação. Em teleco-
municações, a frequência de um sinal é usada como
um meio de transporte de uma informação. Os valo-
res destas frequências são determinados por dois fa-
tores: questões físicas do meio de condução do sinal
e questões legais que remetem a uma legislação espe-
cífica. As questões físicas referem-se a atenuação do
sinal, alcance, facilidade de condução, ruídos etc. Já
questões legais são imposições definidas por órgãos
reguladores através de normas e padrões que visam
regulamentar as atividades de comunicação em um
meio para garantir que seu espectro seja compartilha-
do por outros equipamentos assegurando que diferen-
tes dispositivos possam trocar informações entre si.
Neste sentido, a tecnologia PLC é subdividida
em duas categorias no que diz respeito ao uso da fre-
quência: transmissão em banda estreita (NPLC - nar-
rowband power line communication) e em banda
larga (BPLC - broadband power line communicati-
on). A tecnologia PLC pode também ser subdividida
em duas categorias relativas aos níveis de tensão pre-
sentes na rede que são de baixa tensão (LVPLC - low
voltage power line communication) e média tensão
(MVPLC - medium voltage power line communicati-
on).
A tecnologia PLC de banda estreita é uma das
mais usadas para transmissões que não exigem o trá-
fego de muitos dados e tem capacidade aproximada
de poucas dezenas de kbits. A especificação
EN50065 (CENELEC, 2001), muito usada na Euro-
pa, determina uma faixa de 3KHz a 148,5kHz em
baixa tensão. Já nos Estados Unidos, esta faixa varia
entre 9kHz a 490kHz. A tecnologia PLC banda larga
abrange frequências maiores e compreende o espec-
tro de 2MHz até 50MHz.
2.1 - Parâmetros elétricos de interesse
Em um processo de transmissão de dados, co-
nhecer o meio no qual o sinal será conduzido é um
processo importante para projetar e simular o enlace
de comunicação. No caso da tecnologia PLC, o meio
de condução são os fios da rede elétrica que também
são usados para conduzir energia elétrica e não foram
originalmente projetados para transmissão de dados.
Por isto, este compartilhamento é muitas vezes crítico
e os principais parâmetros elétricos que podem ser
medidos para caracterizar o meio de transmissão são
a impedância da linha, níveis de ruído, atenuação,
perdas eletromagnéticas, atraso de sinal, interferência
cruzada (cross talk) dentre outros. Todos estes parâ-
metros produzem informações que, quando utilizadas
por técnicas de processamento estatístico e modela-
mento, produzem um modelo genérico do meio de
transmissão. Por isto, estas medidas são importantes
e devem ser feitas em diferentes pontos da rede, em
diferentes tempos (para uma análise temporal do
comportamento da rede que é influenciada pelo com-
(a) (b)
Figura 1. (a) Figura ilustrativa de uma smart grid interligando desde o processo de geração de energia até o consumo de forma integrada
onde todos os elementos interligados à rede elétrica passam também a trocar dados entre si. (b) Exemplo de um sistema AMI residencial que
monitora continuamente os equipamentos elétricos de uma rede usando tecnologia PLC. Os dados da rede de sensores são reunidos e pro-
cessados por uma central de controle na residência que se comunicará diretamente com o centro de operações visto em (a).
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portamento humano no uso dos equipamentos elétri-
cos ligados à rede) e em variadas frequências.
No caso da PLC, a impedância da linha de
transmissão do sinal (e.g., fio elétrico) é uma das
mais importantes características e tem forte influência
no alcance da transmissão. Alguns autores (Cavdar e
Karadeniz, 2008) veem propondo um método próprio
para medir valores de impedância na rede. Como esta
rede elétrica é usada aperiodicamente por muitos
equipamentos, a impedância é um parâmetro que
sofre grandes variações sendo esta uma das principais
dificuldades da transmissão PLC. Assim, o transmis-
sor PLC tem que dinamicamente se adaptar a estas
variações da impedância da rede para manter seu
alcance de transmissão relativamente inalterado. Ge-
ralmente, a faixa de variação da impedância da rede
elétrica varia de 1 a 20Ω para a transmissão NPLC.
Outro parâmetro muito importante para avalia-
ção de uma transmissão é a análise do ruído na rede.
Este ruído é gerado devido a operação de diferentes
equipamentos elétricos ligados à rede. Pode-se citar,
como exemplo, motores elétricos, lâmpadas com rea-
tores eletrônicos, ar-condicionado, fontes de alimen-
tação elétricas chaveadas e inúmeros equipamentos
eletrodomésticos. A avaliação do espectro deste ruí-
do dá uma boa ideia de seu comportamento e permite
ao projeto do transmissor-receptor trabalharem em
uma faixa menos contaminada melhorando a relação
sinal-ruído da comunicação. Uma avaliação completa
também deve considerar uma análise no tempo já que
muitos dos equipamentos responsáveis por gerar este
ruído não tem uso contínuo. A atenuação é outro parâmetro da rede que tem
influência direta no desempenho da comunicação e
indica o esvanecimento do sinal no decorrer do per-
curso entre um transmissor e um receptor. Por isto,
ele é um parâmetro que deve ser medido entre dois
pontos da rede. Para medir a atenuação, deve-se li-
gar à rede um transmissor de potência conhecida e
em outro ponto medir a potência do sinal que chega.
A razão entre estas duas medidas, expressas em dB,
indica a taxa de atenuação do sinal.
Outro fator importante remete às perdas eletro-
magnéticas nas linhas de transmissão que convertem
parte da energia injetada na linha em radiação ele-
tromagnética. Este problema pode ser maior quando
se trabalha em maiores frequências. A interferência
cruzada (ou cross talk) é também outro fenômeno
indesejado que pode ser visto na rede elétrica. Este
efeito acontece quando a energia de uma linha influ-
encia outra linha próxima através de efeitos eletro-
magnéticos. Ou ainda, quando os sinais elétricos de
uma transmissão PLC de uma rede chegam de forma
indesejada a outra rede (já que a rede elétrica é toda
interligada) e atrapalham o funcionamento desta úl-
tima gerando interferências nesta.
2.2 - Transmissão em banda larga e estreita
A transmissão em banda larga (BPLC) em baixa
tensão (127/220V) geralmente usa frequências na
ordem de MHz. A atenuação da rede geralmente au-
menta com o incremento da frequência tendo assim o
comportamento de um filtro passa-baixas. Isto por-
que a rede elétrica foi projetada para conduzir sinais
de baixa frequência (i.e., 50-60Hz). Em frequências
acima de 2 MHz, as perdas dielétricas são as domi-
nantes.
A BPLC compreende uma larga faixa de fre-
quência que é muito influenciada por diferentes fon-
tes de ruído que exercem uma das mais fortes influ-
ências na qualidade da transmissão. O ruído impulsi-
vo é um dos tipos de ruído mais presentes na BPLC.
Ele é causado por chaveamentos contínuos de equi-
pamentos elétricos e fontes de alimentação chavea-
das. Já os ruídos impulsivos não-cíclicos, muito simi-
lar ao ruído anteriormente mencionado, é também um
forte componente de ruído presente na rede. Ele não
é periódico e geralmente é causado pelo ligamen-
to/desligamento de aparelhos elétricos aleatoriamen-
te, lâmpadas e fenômenos transitórios.
A atenuação de um canal em BPLC, especial-
mente em ambientes domésticos, é mais influenciado
pela distância do que pela frequência. Geralmente, o
fator que determina uma maior atenuação está ligado
à estrutura (i.e. topologia) e complexidade da rede
(número de ramificações, por exemplo). Ainda, as
redes domésticas são geralmente mais poluídas por
ruído por estarem próximas das fontes que geram
estes ruídos. Os ruídos gerados por equipamentos
domésticos geralmente diminuem com o aumento da
frequência.
Uma das técnicas de modulação mais usadas pa-
ra BPLC é a OFDM (orthogonal frequency-division
multiplexing) onde múltiplos sinais são enviados em
diferentes frequências. Esta técnica possibilita a
transmissão de grande quantidade de informação no
canal além de apresentar ótima resistência à interfe-
rência por ruídos. Por isto, redes BPLC conseguem
taxas de transmissão que alcançam a ordem de Mb/s.
As principais padronizações BPLC são a IEEE
P1901 (HomePlug/Panasonic), que prevê uma rede
de alta velocidade (>100 Mbit/s) em frequências a-
baixo de 100MHz, e a G.hn da (ITU - International
Telecommunication Union).
Na transmissão em banda estreita (NPLC) em
baixa tensão (127/220V), a topologia da rede é o
elemento que mais tem influência em sua transmis-
são. É muito comum encontrar redes com topologia
de barramento, anel, estrela e similares. Contudo, em
ambientes reais, o mais comum é encontrar redes
com uma combinação destas topologias gerando uma
topologia mista similar a configuração mesh. A im-
pedância da rede também é muito importante porque
ela deve determinar a impedância de saída do trans-
missor NPLC. Por ter uma banda estreita e frequên-
cias mais baixas do que a BPLC, os ruídos são mais
presentes e dificultam a comunicação. Por isto, é
comum em redes NPLC a presença de repetidores (ou
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concentradores) para reforçar o sinal da rede entre
um transmissor e um receptor. O padrão EN55022
determina os níveis máximos de potência de um sinal
PLC em um canal NPLC. Vale destacar que parte da
energia injetada é transformada em radiação eletro-
magnética e por isto deve haver limitações.
Na NPLC, a atenuação também cresce com a
frequência. Destaca-se, contudo, que em casos espe-
cíficos a atenuação pode ser muito alta em baixas
frequências devido a conexão de muitos equipamen-
tos de baixa impedância à rede.
Figura 2. Modulação FSK. Os bits 1 e 0 podem ter suas frequên-
cias controladas dentro da faixa de 3kHz até 148,5kHz na NPLC.
Contudo, a distância mínima em frequência destes bits deve ser de
pelo menos 10kHz.
Na transmissão NPLC, o tipo de modulação mais
usado é a FSK (frequency shift keying) ou alguma de
suas derivadas. A Figura 2 ilustra este tipo de modu-
lação digital. A sincronização de bits entre receptor e
transmissor na transmissão NPLC é ilustrada na Figu-
ra 3. Nota-se que o transmissor usa a própria rede
elétrica (cruzamentos do sinal de 60Hz por zero) para
retirar uma constante de tempo do próprio sistema de
energia elétrica e enviar uma certa quantidade de bits
neste intervalo.
Figura 3. Sincronização de bits entre receptor e transmissor na
modulação FSK. Neste exemplo, entre um cruzamento por zero e
outro, o receptor envia 12 bits. Em uma rede de 60Hz, a taxa de
transmissão pode chegar a 1,4kb/s. É possível também enviar
48bits por ciclo gerando uma transmissão de 2,8kb/s.
Uma comparação entre a BPLC e NPLC revela
que a principal diferença entre estas duas formas de
transmissão PLC estão vinculadas à (i) faixa de fre-
quências usadas sendo estas maiores na BPLC; (ii)
capacidade de transmissão de informação do canal
que é maior na BPLC; (iii) níveis de potência; (iv)
atenuação do sinal que também é maior na BPLC e
(v) técnicas de modulação que geralmente são mais
complexas na BPLC para aproveitar de melhor forma
sua ampla faixa de frequências.
No que diz respeito à padronização NPLC,
pode-se destacar o padrão IEC 61334-5 que é dividi-
do em cinco partes que especificam diferentes técni-
cas de modulação. O padrão 61334-5-1, por exem-
plo, especifica uma modulação S-FSK sendo esta
uma das mais comuns para sistemas NPLC. É tam-
bém definido um padrão de pacote com bits de pré-
âmbulo voltados para a sincronização da comunica-
ção, vários serviços de comunicação, meios de acesso
ao canal, métodos de checagem de erro e um modelo
de comunicação mestre-escravo descrito na seção 3.3
deste artigo.
A norma CENELEC EN50065 é voltada para
regulamentação para sistemas AMI usando NPLC.
Ela é especialmente difundida na Europa e prevê
requisitos para comunicação de diferentes dispositi-
vos em suas bandas, especialmente as de 3kHz a
148,5kHz. Esta faixa é subdividida em quatro sub-
bandas (A=[3-95kHz]; B=[95-125kHz]; C=[125-
140kHz]; D=[140-148,5kHz]) para aplicações espe-
cíficas onde também são especificadas as regras ge-
rais de transmissão, compatibilidade eletromagnética,
requerimentos de impedância, níveis de potência,
acoplamento, filtragem, etc.
3 - Transmissão de dados via PLC
Uma transmissão de dados confiável e bem pro-
jetada envolve diversas etapas ou fases onde cada
uma delas tem funções muito bem definidas. O obje-
tivo principal é assegurar a correta transmissão de
dados em um cenário complexo de inúmeras possibi-
lidades. Este processo pode ser entendido em partes
específicas. Um modelo de referência amplamente
difundido é o OSI (open system interconnection) que
divide o processo de transmissão de dados em sete
camadas (ver Figura 4a). De forma resumida, cada
camada tem uma determinada função específica na
comunicação confiável de dados.
Figura 4. (a) Modelo OSI de camadas para transmissão de dados.
(b) Modelo de camadas simplificado sugerido pelo padrão IEC
61334 para aplicações smart grids e AMI onde a tecnologia PLC
representa a camada física.
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A comunicação PLC propriamente dita é apenas
um meio de transferência de bits entre um transmis-
sor e receptor estando ela mais relacionada à camada
física do modelo de referência da Figura 4a. Note que
no modelo idealizado, um transmissor e receptor es-
tão diretamente ligados pela camada física que no
caso da tecnologia PLC são os fios da rede elétrica.
Quando os bits chegam da rede elétrica e são
processados pela camada física, que implementa a
técnica de comunição PLC, estes bits recebidos e
identificados na rede elétrica tem que ser repassados
para as camadas superiores para que elas possam
verificar se estes bits recebidos chegaram sem erros,
se estão na ordem correta, o que representam, como
devem ser processados, etc.
Apesar da sofisticação do modelo OSI de sete
camadas, nem toda transmissão necessita de todas
suas funções. Muitas das camadas podem ser supri-
midas para facilitar o projeto de transmissão e recep-
ção de dados. Contudo, esta simplificação depende
dos requerimentos do projeto para o qual a comuni-
cação PLC servirá de meio de transporte de bits. Em
sistemas AMI a transmissão de dados é geralmente
resumida ao que se vê na Figura 4b.
Na camada de enlace de dados do modelo da
Figura 4b, são executados os protocolos LLC (logical
link control) que controlam o fluxo de mensagens da
rede e o MAC (media access control) que provê me-
canismos de endereçamento de dados na rede. Cabe a
camada física PLC enviar e receber bits da rede, fil-
trar sinais, possuir uma interface elétrica com a rede,
codificar eletricamente sinais (modulação) para que
possam ser injetados na rede. Contudo, ela também
pode ter partes implementas por software. As próxi-
mas seções descrevem as características de hardwa-
re e software utilizadas para implementação de uma
interface física PLC.
3.1 - Hardware
A rede elétrica foi originalmente projetada para
prover constantemente centenas de volts (a baixa
frequência) aos dispositivos nela conectados. Por
outro lado, o sinal de PLC é somado ao sinal da rede
ainda que ele possua apenas alguns poucos milivolts
e uma frequência que varia de alguns dezenas de kHz
até MHz. Isto exige que o circuito de transmissão e
recepção de dados PLC, aqui denominado de trans-ceptor (transmissor e receptor de dados) ou modem
(modulador-demodulador), uma capacidade de sepa-
rar o sinal de comunicação do sinal de potência. De-
ve ainda ter proteção contra estas altas tensões e ser
capaz de injetar valores adequados de corrente e ten-
são na rede apesar de suas grandes flutuações.
Para atender a estas questões, o circuito de um
transceptor PLC deve possuir uma interface de aco-
plamento à rede comumente denominada de analog
front-end (AFE). O AFE pode ser subdividido em
duas partes: circuito de recepção de sinais e circuito
de transmissão. A parte de recepção deve possuir
basicamente um filtro adaptativo passa-banda sinto-
nizado na frequência de transmissão de dados que
permita a passagem da máxima energia possível do
espectro que faz parte da banda de transmissão PLC.
As outras faixas de frequência devem ser atenuadas
ao máximo possível. Já a segunda parte do AFE deve
cuidar do envio de sinais para a rede elétrica. Para
isto ele deve ter um circuito capaz de amplificar o
sinal FSK gerado para injetá-lo na rede. Vale desta-
car que, geralmente, a transmissão PLC em banda
estreita (NPLC) o canal é half-duplex o que implica
dizer que os dados não podem ser transmitidos e re-
cebidos ao mesmo tempo.
O projeto de um AFE deve também apresentar
em um de seus primeiros estágios um transformador
(especialmente projetado para conduzir sinais PLC)
para isolar eletricamente os circuitos de transmissão e
recepção do AFE além de diodos supressores de ten-
são para proteger o circuito de surtos. Capacitores
também são empregados para acoplamento do AFE à
rede. Os níveis de tensão e corrente que podem ser
injetados pelo transceptor PLC na rede para transmis-
são determinados pelo padrão CENELEC. Outro
problema, essencialmente ligado ao circuito trans-
missor da AFE que injeta sinais na rede, é a variação
da impedância da rede. Assim, uma parte do trans-
ceptor PLC deve passar boa parte do tempo reconfi-
gurando o amplificador do AFE para lidar com im-
pedâncias muito baixas que acabam gerando a neces-
sidade de prover uma alta corrente. Isto geralmente é
conseguido com um circuito integrado de ganho pro-
gramável.
3.2 - Software
O software geralmente está associado a assuntos
vinculados à modulação e a tamanho de pacotes de
dados. Ambos são geralmente feitos por um progra-
ma dedicado executado por um microcontrolador
especialmente projetado para este propósito específi-
co com circuito de modulação integrado.
A versatilidade da modulação é conseguida atra-
vés da programação que permite a um microcontro-
lador dedicado mudar sua frequência fundamental
buscando faixas menos contaminadas por ruído. Des-
ta forma, a banda de transmissão é configurável as-
sim como a taxa de transmissão de bits. Estas versati-
lidades permitem ao software da camada de enlace
(ver Figura 4b) controlar melhor a qualidade da
transmissão negociando dinamicamente a banda que
oferece melhor tráfego.
Outro aspecto vinculado ao software no projeto
de um transceptor PLC está no tamanho dos pacotes.
As camadas inferiores recebem das camadas superio-
res mensagens para serem enviadas. Contudo, geral-
mente estas mensagens são grandes e por isto preci-
sam ser quebradas em pedaços menores conhecidos
como "pacotes". Um pacote não transmite só dados
da aplicação. Ele pode também transmitir informa-
ções vitais para se estabelecer uma comunicação en-
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tre transmissor e receptor. Por exemplo, os pacotes
iniciais de uma transmissão indicam a taxa de bits da
transmissão e informações de sincronismo. Esta pri-
meira parte deve ser transmitida com redundância a
baixa velocidade para garantir que chegue ao seu
destino e a conexão possa ser estabelecida. Uma vez
sincronizada e configurada, os dados são transmitidos
através de pacotes até que toda a mensagem seja en-
viada e tenha seu reconhecimento assegurado por
algum tipo e protocolo específico (por exemplo, o
TCP) também implementado por software.
3.3 - Configuração de uma rede PLC
Independente da arquitetura da rede, um sistema
PLC com aplicações voltadas às smart grids (ou sis-
temas AMI), micro-redes e afins geralmente apresen-
tam dois tipos de dispositivos: a unidade central (CU
- central unit ou initiator) e unidades remotas (RU -
remote unit ou remote node). Estas nomenclaturas
podem variar amplamente. Contudo, seus significa-
dos e funções em uma rede mantêm-se. Na ilustração
da Figura 1b (modelo de um sistema AMI), a 'central
de controle' faz o papel de uma CU e os sensores de
unidades RU pois eles são ligados à transceptores
PLC que enviam à central a informação lida para que
ela tome alguma providência.
Figura 5. Ilustração de uma rede PLC com várias RU coordenadas
por uma CU em uma arquitetura mista. Algumas destas RUs
podem funcionar como repetidores de sinal para que a CU possa
alcançar algumas unidades RU mais distantes aumentando o al-
cance da rede.
Os RU estão distribuídos ao longo da rede elé-
trica executando as aplicações da rede. Eles também
podem agir como dispositivos repetidores para refor-
çar o sinal PLC da rede. Todos RUs são coordenados
por uma CU com uma configuração similar a mestre-
escravo. A Figura 5 ilustra um exemplo de rede PLC
em arquitetura mista onde uma central coordena toda
troca de informação da rede e os RUs executam a
funcionalidade da rede. Como mencionado, alguns
deles podem funcionar como repetidores para aumen-
tar o alcance da rede e fazer com que RUs mais dis-
tantes consigam comunicar com a central (o sinal
PLC é limitado em potência para atender especifica-
ções e assegurar compatibilidade eletromagnética de
toda rede elétrica e por isto tem alcance limitado).
Este papel duplo permite estender o raio de ação do
sinal PLC e apresenta um comportamento similar ao
visto em redes de arquitetura mesh.
A unidade central da rede PLC, por assumir um
papel de mestre, coleta dados continuamente de suas
RUs. Esta coleta é feita através do roteamento das
mensagens que são trocadas na rede. As redes PLC
com aplicações na área de smart grids e controle
geralmente suportam os seguintes tipos de roteamen-
to de mensagens:
• ponto a ponto com conexão diretamente entre a
central e uma unidade remota;
• ponto a múltiplos pontos com conexão direta
entre a central e um grupo de unidades remotas;
• ponto a ponto com comunicação indireta entre a
central e uma unidade remota através de um re-
petidor;
• ponto a múltiplos com conexão indireta entre a
central e um grupo de unidades remotas utili-
zando um ou mais repetidores;
• conexão ponto a ponto entre duas unidades re-
motas diretamente ou através de uma central.
No modelo de rede AMI, geralmente todo tráfe-
go é controlado pela unidade central. Assim, toda
troca de dados é iniciada pela central e somente a
unidade remota requisitada pela CU pode enviar uma
resposta à central. O tráfego do canal PLC é contro-
lado por um sistema de multiplexação de divisão no
tempo (TDMA). Neste caso, a CU aloca um espaço
de tempo do canal (chamado de slot TDMA) para
cada um dos RU enviarem dados para a rede elétrica
sob a supervisão da central. Quando uma RU, ou
mesmo uma CU enviam dados para o canal, é neces-
sário um sistema de endereçamento de dispositivos
para viabilizar o envio das informações ao receptor
correto. Assim, cada elemento da rede possui um
endereço único do tipo MAC de 12 bits (ou algum
modelo próprio). Quando um novo RU é conectado à
rede, ele tem que ser registrado na central que deve
tomar seu conhecimento. Segundo o padrão IEC
61334-5-511, a central deve procurar constantemente
por novos RUs e uma vez identificados, deve dar um
endereço a este novo item conectado à rede.
4 - Projeto de um transceptor PLC
O projeto do cricuito eletrônico de um
transceptor PLC é mostrado na Figura 6. Nele é
indicado o AFE onde se pode ver um transformador
de isolação adequado para faixa de frequências PLC
em banda estreita. Neste caso, os filtros do AFE
foram projetados para trabalhar na banda A do
padrão CENELEC. O circuito integrado ST7570 é
usado para gerar sinais já modulados (em S-FSK)
para transmissão e recepção de sinais. A recepção
acontece no pino RX_IN que é ligado a um filtro
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passivo. A transmissão é feita pelo pino TX_OUT
que é ligado a um aplificador operacional de ganho
controlável que reforça o sinal para injetá-lo na rede.
Seu ganho é programável para reforçar o alcance da
rede de forma que não extrapole os limites de
potência permitidos para o sinal PLC e também possa
compensar as variações de impedância da linha.
Na Figura 6 é destacado o circuito de detecção
de cruzamento por zero para fazer a sincronização de
bits usando como referência o sinal de 60Hz como
exemplificou a Figura 3. Além disto, o ST7570 tem
uma interface serial que deve ser ligada a um
microcontrolador para que este possa indicar a este
modem PLC quais dados transmitir e como proceder
com os dados recebidos. Este microcontrolador deve
implementar as camadas 2 e 3 da Figura 4b. O
circuto é alimentado por dois tipos de fontes de
alimentação elétrica sendo uma essencialmente
empregada para alimentar a interface digital do
modem com o microcontrolador (3,3 ou 5V) e uma
segunda essencialmente analógica (na faixa de 8 a
18V) empregada para alimentar o AFE com uma
capacidade de corrente de até 1A para injeção de
dados na rede elétrica.
5 - Resultados e discussões
Para testar a transmissão PLC, foram usados dois
transceptores baseados no projeto descrito
anteriormente em uma residência convencional
distanciados entre si por 1m, 5m e 10m. Os testes
foram repetidos em duas circunstâncias: (i) uma
classificada como de "ruído baixo" onde os
principais equipamentos eletro-eletrônicos da
residência foram desligados e (ii) um segundo
cenário classificado como de "ruído médio" onde os
eletrodomésticos mais comuns (geladeira e
eletrônicos gerais) foram usados moderadamente
segundo a rotina da residência. O resultado da
relação sinal ruído (SNR - signal noise ratio) é
mostrado na Figura 7. Note que a modulação FSK
emprega diferentes frequências para transmitir o bit 0
e o bit 1. Por isto, é mostrado a SNR para a
frequência do bit 0 e a do bit 1 uma vez que o ruído
apresenta comportamento diferente para cada faixa
de frequência. A distância espectral entre estes dois
bits é de pelo menos 10kHz.
Durante os testes foi transmitido entre os
circuitos uma mensagem de 304 bits a uma taxa de
Figura 6. Projeto esquemático do circuito transmissor e receptor PLC usando o circuito integrado ST7570.
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2,4kbps. Dos 6 testes conduzidos, a taxa de erro de
bits se mostrou inferior a 5%. Pode-se notar que no
primeiro caso (ruído baixo), a SNR se manteve
praticamente constante tanto para a frequência de
transmissão do bit 0 quanto do bit 1 apesar do
aumento da distância entre o transmissor e o receptor.
Isto acontece porque o ST7570 tem uma lógica
interna que aumenta automaticamente o ganho do
aplificador operacional programável do AFE para
compensar o aumento da distância através do
incremento da potência do sinal injetado na rede
elétrica. Deste modo, tenta-se manter
aproximadamente constante a SNR e a qualidade da
transmissão.
0 2 4 6 8 100
10
20
30
40
Distância(m)
dB
SNR - ruído baixo
bit 0
bit1
0 2 4 6 8 100
10
20
30
40SNR - ruído médio
Distância(m)
dB
Figura 7. Gráfico da SNR para a transmissão do bit 0 e do bit 1
para um cenário de baixo ruído (figura superior) e ruído médio
(figura inferior). O eixo horizontal indica a distância entre o
transmissor e o receptor que foi avaliada em 3 diferentes circuns-
tância: 1m, 5m e 10m dentro de uma residência.
No segundo cenário (ruído médio) é possível
ver para a distância de 1m no bit 0 uma SNR inferior
a 5dB. Para este mesmo teste a transmissão na
frequência do bit 1mantevê-se próxima a 30dB. Este
efeito indesejável pode ser explicado pela
contaminação de um ruído próximo à frequência de
transmissão do bit 0. Como o bit 1 é transmitido em
uma frequência 10kHz acima, ele não é tão
contaminado pelo ruído gerado. Isto demonstra a
influência dos eletrodomésticos na rede e o efeito
seletivo em frequência do canal. Nota-se também que
para os testes onde a distância é 5m e 10m, esta
interferência desaparece. Isto acontece porque
provavelmente o eletro-eletrônico que gerava a
interferência foi desligado devido a ação aperiódica
que estes elementos podem ser requisitados pela ação
humana demonstrando a variação temporal do canal
de transmissão. Mais uma vez é possível ver a SNR
relativamente constante apesar do aumento da
distância entre transmissor e receptor.
Os resultados analisados mostram que apesar da
baixa taxa de transmissão, a tecnologia PLC é eficaz
e pode ser usada em ambiente residencial para um
sistema AMI ou micro-rede que demanda uma baixa
traxa de transmissão de dados.
Agradecimentos
Este projeto foi financiado pela FAPEMIG
(processo APQ-02410-12). Os autores também agra-
decem o suporte dado pela Texas Instruments e ST
Microelectronics.
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