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114 Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará TRANSITIVIDADE E OS PLANOS DISCURSIVOS: FIGURA E FUNDO, NOS CONTOS “A MÁSCARA DA MORTE RUBRA” E “O GATO PRETO” DE EDGAR ALLAN POE Francisco Fábio Marques da SILVA Raquel Alves da SILVA RESUMO: Este trabalho tem como objetivo analisar a transitividade e os planos discursivos (figura e fundo) nos contos: A máscara da morte rubra e O gato preto de Edgar Allan Poe. A pesquisa fundamenta-se na proposta de Hopper & Thompson, Transitivity in grammar and discourse (1980), que utiliza 10 parâmetros sintático- semânticos que indicam o grau de transitividade de orações e possibilitam a identificação dos relevos discursivos figura e fundo. Neste trabalho foram selecionados trechos correspondentes à estrutura da narrativa (exposição, complicação, clímax e desenlace) de cada conto e avaliado o grau de transitividade (alta e baixa transitividade), pretendendo assim, verificar a ocorrência de orações de alta transitividade (parte figura), em trechos localizados na exposição, clímax e desenlace do conto, e orações de baixa transitividade (parte fundo), na complicação da narrativa, de acordo com uma oração escalar, mais transitivo e menos transitivo. Após analisar 40 orações, consideradas como relevantes do ponto de vista do enredo e para a análise da transitividade, concluímos que as mesmas apresentaram diversos graus de transitividade nas orações, desde 0, o que caracteriza cláusulas-fundo com baixo nível de transitividade, até 10, cláusulas-figura com alto nível de transitividade. Palavras-chave: transitividade; planos discursivos; estrutura da narrativa. INTRODUÇÃO Apresenta-se neste trabalho uma análise dos contos A máscara da morte rubra e O gato preto, de Edgar Allan Poe, a partir da concepção de plano discursivo da teoria funcionalista norte-americana, calcada sobre os princípios da transitividade de Hopper & Thompson (1980), que leva em conta a transitividade não como propriedade intrínseca do verbo enquanto item lexical, mas como um complexo de dez parâmetros sintático- semânticos independentes, que focalizam diferentes ângulos da transferência da ação em uma porção diferente da oração. O escritor norte-americano, Edgar A. Poe, diferentemente da maioria dos autores de contos de terror (que se concentravam no terror externo, visual, valendo-se apenas dos aspectos ambientais), usa uma

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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará

TRANSITIVIDADE E OS PLANOS DISCURSIVOS: FIGURA E FUNDO, NOS CONTOS “A MÁSCARA DA MORTE

RUBRA” E “O GATO PRETO” DE EDGAR ALLAN POE

Francisco Fábio Marques da SILVA

Raquel Alves da SILVA

RESUMO: Este trabalho tem como objetivo analisar a transitividade e os planos

discursivos (figura e fundo) nos contos: A máscara da morte rubra e O gato preto de

Edgar Allan Poe. A pesquisa fundamenta-se na proposta de Hopper & Thompson,

Transitivity in grammar and discourse (1980), que utiliza 10 parâmetros sintático-

semânticos que indicam o grau de transitividade de orações e possibilitam a identificação

dos relevos discursivos figura e fundo. Neste trabalho foram selecionados trechos

correspondentes à estrutura da narrativa (exposição, complicação, clímax e desenlace)

de cada conto e avaliado o grau de transitividade (alta e baixa transitividade),

pretendendo assim, verificar a ocorrência de orações de alta transitividade (parte figura),

em trechos localizados na exposição, clímax e desenlace do conto, e orações de baixa

transitividade (parte fundo), na complicação da narrativa, de acordo com uma oração

escalar, mais transitivo e menos transitivo. Após analisar 40 orações, consideradas como

relevantes do ponto de vista do enredo e para a análise da transitividade, concluímos que

as mesmas apresentaram diversos graus de transitividade nas orações, desde 0, o que

caracteriza cláusulas-fundo com baixo nível de transitividade, até 10, cláusulas-figura

com alto nível de transitividade.

Palavras-chave: transitividade; planos discursivos; estrutura da narrativa.

INTRODUÇÃO

Apresenta-se neste trabalho uma análise dos contos A máscara da

morte rubra e O gato preto, de Edgar Allan Poe, a partir da concepção de

plano discursivo da teoria funcionalista norte-americana, calcada sobre os

princípios da transitividade de Hopper & Thompson (1980), que leva em

conta a transitividade não como propriedade intrínseca do verbo enquanto

item lexical, mas como um complexo de dez parâmetros sintático-

semânticos independentes, que focalizam diferentes ângulos da

transferência da ação em uma porção diferente da oração.

O escritor norte-americano, Edgar A. Poe, diferentemente da

maioria dos autores de contos de terror (que se concentravam no terror

externo, visual, valendo-se apenas dos aspectos ambientais), usa uma

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espécie de terror psicológico em suas obras, vindo do interior dos

personagens, que oscilam entre a lucidez e a loucura, quase sempre

cometendo atos infames ou sofrendo de alguma doença. As obras mais

conhecidas de Poe são Góticas, entrando para a literatura sobrenatural

(Maravilhoso e Fantástico), e seus temas mais recorrentes lidam com

questões do fantasmagórico, da morte, incluindo sinais físicos dela, os

efeitos da decomposição, interesses por putrefação, a reanimação dos

mortos e o luto.

A máscara da morte rubra e O gato preto são os contos escolhidos

nesse estudo por apresentarem uma intriga linear e objetiva, resumindo-

se a um único núcleo narrativo, onde a grande força se concentra no

desenlace (desfecho). Edgar A. Poe atinge uma gradação, visando o ponto

culminante, inicialmente de maneira vaga, a seguir mais e mais

diretamente. Assim, tal característica contribui para o nosso objetivo aqui

proposto, que é comprovar a presença de cláusulas-figura com alto nível

de transitividade no clímax e desenlace dos contos.

1. FUNDAMENTAÇÃO

A transitividade de Hopper & Thompson (1980) difere da noção de

transitividade presente na gramática tradicional. Enquanto que esta

associa o termo apenas a verbos, os teóricos funcionalistas americanos

consideram não só o verbo presente em uma sentença, mas a todos os

termos que a compõe. Os verbos são agrupados em transitivos e são

tratados como se fossem iguais, ou seja, da mesma natureza, o que não

ocorre na gramática tradicional, onde se tem a ocorrência dos três

elementos, sujeito, verbo e objeto.

A transitividade é formulada como uma noção contínua, escalar,

não-categórica e escalar, expresso em um componente sintático e um

componente semântico ligado à efetividade com a qual uma ação ocorre.

O termo ―transitividade‖ é usado porque se trata de uma ação que

―transita‖ do agente para o paciente, por isso, quanto mais trânsito,

quanto mais efetiva e mais individual é a ação, mais transitiva é a

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sentença.

O objetivo desses autores é mostrar que as propriedades que

definem a transitividade são determinadas discursivamente e que a

transitividade é uma relação crucial na língua, envolvendo um número de

consequências previsíveis universalmente na gramática.

A transitividade é expressa de acordo com dez parâmetros, estes

por sua vez são independentes (no entanto funcionam juntos e articulados

na língua), representam propriedades semânticas, focalizam diferentes

ângulos da transferência da ação em uma porção diferente da oração e

são divididos em alta transitividade e baixa transitividade, conforme

mostra o quadro 1 a seguir:

Quadro (1): Componentes considerados em relação à Transitividade

PARÂMETROS TRANSITIVIDADE

ALTA

BAIXA

TRANSITIVIDADE

1. Participantes Dois ou mais Um

2. Cinese Ação Não-ação

3. Aspecto do verbo Perfectivo Não-perfectivo

4. Pontualidade do verbo Pontual Não-pontual

5. Intencionalidade do

sujeito Intencional Não-intencional

6. Polaridade da oração Afirmativa Negativa

7. Modalidade da oração Modo realis Modo irrealis

8. Agentividade do sujeito Agentivo Não-agentivo

9. Afetamento do objeto Afetado Não-afetado

10. Individualização do

objeto Individuado Não-individuado

Acerca dos parâmetros acima podemos ter tais aspectos:

Participantes: não pode haver transferência a menos que dois

participantes estejam envolvidos.

Cinese: ações podem ser transferidas de um participante para outro,

enquanto que estados não.

Aspecto: uma ação é mais afetivamente transferida quando é vista como

completa do que quando está em progresso.

Pontualidade: ações que se dão sem uma fase de transição são mais

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efetivas que as que envolvem uma duração maior. Dessa maneira, um

verbo como "chutar" é pontual e um verbo como "carregar" é não-

pontual.

Intencionalidade do sujeito: quando o agente tem o propósito de fazer

algo, a ação se dá mais efetivamente do que quando não há uma intenção

definida.

Polaridade da oração: sentenças afirmativas indicam que as ações de

fato ocorreram, enquanto que sentenças negativas indicam que as ações

não se efetivaram.

Modalidade da oração: uma ação que não ocorreu ou que é possível de

ocorrer é menos efetiva que uma que ocorreu ou que corresponde a um

evento real.

Agentividade do sujeito: um participante que é mais ativo pode

transferir uma ação mais efetivamente que um participante não tão ativo

assim.

Afetamento do objeto: uma ação é transferida num grau maior se o

objeto é afetado completamente do que se ele é parcialmente afetado.

A cerca da Individualização do objeto, Hopper & Thompson

(1980) consideram os fatores presentes no quadro 2 a seguir:

Quadro (2): Fatores considerados na Individuação do Objeto

Individuado Não-individuado

Próprio Comum

Humano, animado Inanimado

Concreto Abstrato

Singular Plural

Contável Incontável

Referencial, definido Não-referencial

Orações com objetos mais individuados são mais transitivas do que

aquelas com objetos mais gerais, ou seja, uma ação pode ser transferida

mais efetivamente para um paciente individuado do que para um não-

individuado, estando, portanto, relacionado ao penúltimo parâmetro,

afetamento do objeto.

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Hopper & Thompson (1980) atribuem pontuação 1 para cada

componente que confere alta transitividade à cláusula e pontuação 0 para

cada componente que confere baixa transitividade à cláusula. É então a

partir da baixa ou alta transitividade que é possível enquadrá-los nos

planos discursivos figura e fundo.

Figura (foreground), segundo Hopper (1979), é tudo aquilo que é

mais importante para as metas do falante/escritor, podendo ser

comparada ao ―esqueleto‖ de um texto, ou seja, à sua estrutura base do

discurso, seu plano mais saliente. Têm-se ainda como principais

características uma sequência cronológica, com eventos reais, dinâmicos e

completos, assim como sujeitos previsíveis (tópicos), humanos e

agentivos. Sua codificação morfossintática caracteriza-se por apresentar

orações coordenadas, principais ou absolutas, além de formas verbais

perfectivas.

Ao contrário de fundo (background), que seria aquilo que serve de

cenário, ajudando, amplificando ou comentando o que é mais importante

em um texto, sendo um plano discursivo que dá suporte para o que está

sendo relatado pela figura, não representa a sequencialidade da narrativa

e, por isso mesmo, constitui as ações que ocorrem de modo concorrente

às ações de figura. O fundo tem também como principais características

os eventos simultâneos, não necessariamente completos e reais; com

situações estáticas e descritivas, igualmente como situações necessárias

para a compreensão de atitudes (subjetividade), além de frequentes

trocas de sujeitos. Sua codificação morfossintática caracteriza-se por,

frequentemente, conter orações subordinadas e verbos não-perfectivos,

sem deixar de ressaltar que, o fundo também pode ser codificado por

orações coordenadas, absolutas e principais.

Sobre a noção de figura e fundo Martelotta e Palo Mares (2009, p.

184) afirmam: ―alinhamento de figura e fundo diz respeito à maior

proeminência que nós atribuímos a um dos elementos de uma cena,

colocando-o em primeiro plano de nossa atenção, ou seja, em figura.‖. É

necessário salientarmos a importância da parte fundo (segundo plano,

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secundário), que às vezes é confundido como menos importante, porém é

de grande utilidade para a fundamentação do texto, porque, como já

destacamos, é ela que define a noção de figura.

Assim como a transitividade, Hopper e Thompson (1980) faz um

ressalvo a respeito de ―figura‖ e ―fundo‖, estes também devem ser

analisados a partir de um conjunto de propriedades, e não de forma

separada, independente.

2. METODOLOGIA

Propondo-nos neste capítulo fazer a descrição dos métodos e

procedimentos da pesquisa adotada para a análise da transitividade e dos

planos discursivos nas orações dos já referidos contos de Edgar A. Poe.

Para melhor visualização, organização e compreensão do conteúdo

do corpus, oferecemos um modelo tradicional, no qual, antes de tudo, é

possível observar e conhecer o desenvolvimento do enredo e como este se

divide na estrutura narrativa.

―A máscara da morte rubra‖

1.Exposição - O problema apresentado, o da morte rubra, peste terrível e

fatal como jamais se vira. Os personagens são o príncipe Próspero e seus

súditos. O ambiente soturno se dá na abadia fortificada no príncipe, onde

os personagens tentam se proteger da morte rubra.

2.Complicação - O badalar do relógio que anuncia algo ruim. A chegada do

indivíduo estranho, vestido de morte rubra.

3.Clímax - Perseguição do príncipe Próspero por parte do estranho através

dos salões da abadia.

4.Desenlace - O príncipe morre, logo após todos os foliões caem atingidos

pela morte rubra, o fantasma esvanece no ar e a morte rubra pousa sobre

todas as coisas.

―O gato preto‖

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1.Exposição - O problema apresentado, o narrador imaginando que iria

morrer no dia seguinte, e querendo deixar à posteridade os seus

pensamentos mais pesados, conta uma série de fatos ―estranhos‖ que lhe

aconteceram. O ambiente se passa na própria casa dos personagens, que

são o narrador, sua esposa e o gato Plutão.

2.Complicação - O olho de Plutão ter sido arrancado e logo depois sua

brutal morte a sangue-frio.

3.Clímax - A polícia vai à adega investigar a morte da esposa e quando

estão saindo ouvem gemidos e gritos da parede onde estava o corpo.

4.Desenlace - Os agentes desmantelam a parede e sobre a cabeça do

cadáver, já decomposto, veem o gato.

Dentro desse desenvolvimento e dessa estrutura narrativa, foram

selecionadas 40 orações e depois analisadas de acordo com a proposta

defendida por Hopper & Thompson (1980), na qual se utiliza de 10

parâmetros sintático-semânticos que indicam o grau de transitividade das

orações e possibilitam a identificação dos relevos discursivos figura e

fundo.

Ainda dentro da relação figura e fundo, Silveira (1990) propõe uma

revisão do conceito Fundo, proposto por Hopper & Thompson (1980).

Segundo a autora, as funções das cláusulas Fundo – ampliar e comentar

as afirmações feitas pela Figura – são muito amplas e poderiam ser mais

bem especificadas. Assim sendo, ela propõe uma Hierarquia de Fundidade.

Essa hierarquia está organizada em uma gradação que vai da

Figura (nível mais relevante) até um Fundo com menor grau de

Relevância. Em resumo, o Fundo é que estaria elencado em mais de um

nível, uns mais próximos da Figura, sendo mais objetivos, icônicos, e

outros mais distantes.

Ainda nesse tema a autora faz outra observação a respeito do

relacionamento funcional que se estabelece entre alguns tipos de fundo.

Sendo assim, Silveira (1990) postulou cinco níveis de Fundo:

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Hierarquia de Fundidade

Categoria

Grau de

objetividade

(do mais para o

menos icônico)

Como são

Tipo de cláusulas-

Fundo (relação

funcional entre as

cláusulas)

Fundo 1

Mais próximo do

real, mais

concreto.

Cláusulas-Fundo que

apresentam

informações concretas

sobre o evento.

Apresentação do

evento;

Apresentação do

cenário;

Apresentação dos

participantes;

Apresentação da

fala dos participantes.

Fundo 2 Ainda mais

próximo do real.

Cláusulas-Fundo que

através de

circunstancias,

especificam o âmbito

em que os fatos se

deram.

Especificação do tempo;

Especificação de modo;

Especificação de

finalidade.

Fundo 3

Próximo da

estrutura do

texto (mais

abstrato e

elaborado

linguisticamente)

Cláusulas-Fundo que

especificam vocábulos

da cláusula anterior.

Especificação do

referente;

Especificação de

processo/ação.

Fundo 4

Próximo da

interpretação do

falante ao

assistir ao

evento

Cláusulas-Fundo que

especificam relações

inferidas dos fatos

narrados.

Especificação de causa;

Especificação de

consequência;

Especificação de

adversidade.

Fundo 5 Próximo do ato

de narração.

Cláusulas-Fundo que

apresentam

interferências do

falante no evento que

está narrando.

Apresentação de

opinião;

Apresentação de

resumo;

Apresentação de

duvida;

Apresentação de

conclusão;

Apresentação de canal.

A partir das cinco categorias que compõem a Hierarquia de

Fundidade, proposta por Silveira (1990), decidimos, para essa pesquisa,

reorganizá-las em três categorias, considerando níveis de fundidade.

Nessa reorganização tivemos como baseamento à maneira da

estrutura na qual Anderson Godinho Silva trabalha em Orações modais:

Uma proposta de análise (2007). No entanto em nossa pesquisa essa

estrutura vai sofrer mais uma mudança, pois no trabalho de Godinho foi

possível observar apenas modais com grau de transitividade 0 a 7, o que

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não ocorreu em nossa análise, verificamos orações com grau de

transitividade 2 a 10.

Grupo 1 (Fundidade Máxima): são as orações que se afastam

mais do plano da figura. Elas recebem graus 0, 1, 2 e 3 de transitividade;

Grupo 2 (Fundidade Intermediária): são as orações que se

aproximam um pouco mais do plano da figura, mas ainda carregam um

grau intermediário de transitividade. Elas recebem graus 3, 4, 5 e 6 de

transitividade;

Grupo 3 (Fundidade Mínima): são as orações que se aproximam

mais do plano da figura. Elas recebem graus 7, 8, 9 e 10 de

transitividade.

Resolvemos fazer assim desse modo, pois desta forma facilitará a

análise de figura e fundo no âmbito da estrutura narrativa dos contos em

questão.

3. ANÁLISE E DISCURSÃO DOS RESULTADOS

Trataremos neste capítulo a apresentação dos resultados da

análise dos contos: A máscara da morte rubra e O gato preto, de Edgar

Allan Poe, análise essa pautada na teoria da transitividade dos

funcionalistas teóricos norte-americanos Hopper & Thompson (1980). E

para conclusão, a apresentação de uma tabela que mostra de forma clara

e sucinta o resultado final de toda nossa pesquisa.

Após termos analisados as 40 orações, verificamos na estrutura

narrativa a ocorrência de orações com grau de transitividade 2 até 10,

caracterizando-se como cláusulas-fundo com baixo nível de transitividade

e cláusulas-figura com alto nível de transitividade.

Ainda tomando como sequencia a estrutura narrativa, mostraremos

agora exemplos de orações com alta transitividade (figura) e baixa

transitividade (fundo), e enquadrando-os na hierarquia de fundidade.

I. Exposição –

Sequencia: 9-7-8-9-2-2-7-7-6-7.

Das dez orações analisadas, seis apresentaram alto nível de

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transitividade, aproximando-se mais do plano da figura, e se esquadrando

na Hierarquia de Fundidade Mínima, grupo 3.

Exemplo 1 de oração com grau 9. (A máscara da morte rubra):

1. Ao perceber o despovoamento de seus estados [convocara um

milheiro de amigos alegres e sadios, cavalheiros e damas da corte]

(...).

Participantes (1): o sujeito pode ser resgatado em orações anteriores e

o verbo exige um agente, ―convocara‖;

Cinese (1): sendo o verbo ―convocara‖ de ação;

Aspecto (1): a ação é vista como completa, ―ele convocou‖;

Pontualidade (1): a ação é vista como pontual dentro da oração

―convocar os amigos‖; Intencionalidade (1): ―convocar‖ exige uma

intenção;

Polaridade (1): é uma sentença afirmativa;

Modalidade (1): a sentença é real, tendo efetivamente o ocorrido;

Agentividade (1): o agente é humano e tem condições de exercer a ação

de ―convocar‖; Afetamento do objeto (1): ―os amigos‖ são totalmente

afetados pela convocação;

Individuação do objeto (0): ―um milheiro de amigos‖ é comum, plural,

incontável e não determinado.

II. Complicação –

Sequencia: 3-3-4-5-9-4-4-3-5-3-6-5-10-9-9

Das quinze orações analisadas, dez apresentaram baixo nível de

transitividade, aproximando-se um pouco mais do plano da figura, mas

ainda carregam um grau intermediário de transitividade, se esquadrando

na Hierarquia de Fundidade Mínima, grupo 2.

Exemplo 2 de oração com grau 5. (O gato preto):

2. Uma fúria diabólica apossou-se instantaneamente de mim.

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Participantes (0); Cinese (0); Aspecto (1); Pontualidade (1);

Intencionalidade (0); Polaridade (1); Modalidade (1); Agentividade

(0); Afetamento do objeto (1); Individuação do objeto (0).

III. Clímax –

Sequencia: 8-10-9-8-7-10-8-8-7-9

Das dez orações analisadas, todas se apresentaram no alto nível de

transitividade, aproximando-se mais do plano da figura, e se esquadrando

na Hierarquia de Fundidade Mínima, grupo 3.

Exemplo 3 de oração com grau 10. (A máscara da morte rubra):

3. Identificou-se então [a presença da Morte rubra, que ali entrava

como ladrão noctivago e fugitivo]

Participantes (1); Cinese (1); Aspecto (1); Pontualidade (1);

Intencionalidade (1); Polaridade (1); Modalidade (1); Agentividade

(1); Afetamento do objeto (1); Individuação do objeto (1).

IV. Desenlace –

Sequencia: 9-8-7-6-10

Das cinco orações analisadas, quatro apresentaram alto nível de

transitividade, aproximando-se mais do plano da figura, e se esquadrando

na Hierarquia de Fundidade Mínima, grupo 3.

Exemplo 4 de oração com grau 10. (O gato preto):

4. Eu havia emparedado o monstro no túmulo.

Participantes (1); Cinese (1); Aspecto (1); Pontualidade (1);

Intencionalidade (1); Polaridade (1); Modalidade (1); Agentividade

(1); Afetamento do objeto (1); Individuação do objeto (1).

A partir dos resultados obtidos, podemos afirmar a presença de

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cláusulas-figura, com maior frequência na exposição, clímax e desenlace

do conto.

Ainda na estrutura narrativa dos contos, observamos no desfecho a

predominância da presença dos verbos de ação, agente e paciente,

sequencia cronológica, eventos reais, dinâmicos e completos Na

complicação vemos que as situações estáticas, descritivas, com longos

parágrafos, descrição do ambiente e comentários do escritor narrador tem

uma forte influencia.

E para a conclusão desse capítulo, tem-se apresentação de uma

tabela que mostra de forma clara e sistemática o resultado final de toda

nossa pesquisa.

Estrutura

Transitividade

Exposição Complicação Clímax Desenlace

0-3 02 04 - -

4-6 01 07 - 01

7-10 07 04 10 04

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo desse trabalho foi analisar a transitividade e os planos

discursivos (figura e fundo) nos contos: A máscara da morte rubra e O

gato preto de Edgar Allan Poe. A pesquisa fundamentou-se na proposta de

Hopper & Thompson, Transitivity in grammar and discourse (1980), que

em sua teoria utiliza 10 parâmetros sintático-semânticos que indicam o

grau de transitividade de orações e que possibilitam a identificação dos

relevos discursivos figura e fundo.

Selecionamos 40 orações correspondentes à estrutura da narrativa

(exposição, complicação, clímax e desenlace) de cada conto, avaliamos o

grau de transitividade (alta e baixa transitividade) e verificamos a

ocorrência de orações de alta transitividade (parte figura) em trechos

localizados na exposição, no clímax e no desenlace do conto, e orações de

baixa transitividade (parte fundo) na complicação da narrativa, de acordo

com uma oração escalar, mais transitivo e menos transitivo.

Devido à complexidade e a quantidade de orações que compõe o

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corpus, salientamos que este estudo teve apenas o objetivo de contribuir

com a formação da análise do ponto de vista funcionalista por meio de um

conceito da Análise do Discurso, e não como um modelo infalível.

Variações podem ocorrer tanto quanto a um autor específico como a um

conto diferenciado, mesmo seguindo o gênero em questão, que é o

suspense.

A transitividade não é um fenômeno perfeito, mesmo porque

há muitas divergências de autores quanto à definição ou a importância da

pontuação transitiva e de um ou outro parâmetro. Por exemplo, Hopper &

Thompson (1980) consideram apenas as pontuações zero e um, já Silveira

(1990) determina escalas que vão de zero a cinco. Além disso, a autora

elimina o parâmetro polaridade e opta por unir os parâmetros

Agentividade e Individuação do objeto em um único parâmetro:

Individuação do Agente/Individuação do Objeto.

No entanto deixamos registrada a importância desse estudo por

acreditar que tal abordagem procura identificar questões a cerca da

competência linguística do escritor ao elaborar seu texto/discurso.

Resta-nos esperar que novas hipóteses semelhantes, bem ou mal

sucedidas, sejam lançadas, pois conforme Popper (apud, SIQUEIRA, 2004,

p.430):

A ciência não é um sistema de enunciados certos e bem-

estabelecidos... Nossa ciência não é conhecimento, nunca pode ter

afirmado ter alcançado a verdade, ou mesmo um substituto para

ela, tal como a probabilidade... Não conhecemos: somente

podemos conjecturar.

REFERÊNCIAS

Edgar Alan Poe. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Edgar_Allan_Poe e

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