transição e queda

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TRANSIçãO E QUEDA eduardo montelli jonas arrabal mayra martins redin *

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Eduardo Montelli Jonas Arrabal Mayra Martins Redin

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Transição

E QuEda

e d u a r d o m o n t e l l i

j o n a s a r r a b a l

m a y r a m a r t i n s r e d i n

— * —

Transição e Quedajonas ar rabal, eduardo monte l l i

& mayra mar t ins redin

Transição e Queda: exposições

acidentes Geográficosgabr ie la mot ta

Transição e Queda: leituras e experiências

danie la mat tos

Proposições para construção de meios

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O presente livro faz parte do projeto de intercâmbio artístico “Transição e queda: proposições para construção de meios” selecionado na 11ª Edição do Programa Rede Nacional Funarte. Este projeto foi desenvolvido por nós, Eduardo Montelli, Jonas Arrabal e Mayra Martins Redin, em colaboração com as curadoras Daniela Mattos e Gabriela Motta e com o apoio das instituições Fundação Ecarta e Largo das Artes.

A ideia do projeto “Transição e queda” surgiu de um desejo compartilhado por nós três: podermos desenvolver proposições artísticas juntos, apesar de vivermos em cidades distantes – Porto Alegre e Rio de Janeiro. Pensamos em investigar as possibilidades de uma prática artística coletiva à distância, compreenden-do a noção de “intercâmbio” para além do deslocamento e encontro físico, tendo como motor a própria distância geográfica e o afastamento que o ritmo veloz da vida cotidiana nos impõe. Ao longo do desenvolvimento do projeto,

jonas ar rabal, eduardo monte l l i & mayra mar t ins redin

Transição e queda— * —

nos dedicamos a um exercício constante de trocas fazendo uso dos diversos meios de comunicação à distância (principalmente correios, internet e telefo-nes). Este processo foi um desafio que nos estimulou a inventar modos e meios de nos comunicarmos e de trabalhar coletivamente, enfrentando e resistindo à tendência de afastamento. “Transição e queda” é, então, um projeto que ins-taura um espaço para a reflexão poética sobre o fazer artístico e suas possi-bilidades de alcance do outro. Através de um movimento complexo, partimos de nossos próprios processos e poéticas, passamos pela busca das possí-veis relações entre eles e exploramos maneiras de compartilhar nossas ideias e ações. Além de um blog (www.transicaoequeda.tumblr.com) e deste livro, re-alizamos uma exposição intitulada “Transição e queda” que se expandiu entre dois espaços expositivos diferentes e distantes geograficamente (galeria Largo das Artes, no Rio de Janeiro/RJ, e galeria ECARTA, em Porto Alegre/RS) em maio de 2015.

Este livro foi pensado como um livro-catálogo experimental que apresenta registros fotográficos de trabalhos presentes na exposição, textos escritos pelas curadoras Daniela Mattos e Gabriela Motta sobre suas visões acerca do projeto e uma série de outras proposições artísticas selecionadas por nós a partir do que desenvolvemos em diálogo durante o processo. A maneira como as imagens e textos surgem ao longo das páginas sugere relações imprecisas, diálogos incompletos, pontos de identificação e diferença entre nossos pensa-mentos e práticas. Gostaríamos de compartilhar esse processo com os leitores, entendendo que este é um dos principais meios de endereçamento e troca de nosso projeto. O livro não representa a conclusão de nosso intercâmbio, mas uma das partes desse múltiplo movimento que segue vivo e deseja incorporar seus tropeços, falhas, incompletudes e tentativas.

Esquecido da intenção, o homem conhece. Como alguém que cai.

— gonçalo tavares —

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um

Entre os trabalhos de Jonas Arrabal, há uma série de emails enviados à empresa Porto do Forno, lugar em que seu avô trabalhou e seu pai ainda trabalha como “conferente portuário”. Ao iniciar essa correspondência, a ideia do artista era ingressar na empresa a fim de aprender o mesmo ofício que seu avô e seu pai. Continuaria, assim, uma espécie de tradição que se daria não pela lógica da herança involuntária e, no caso, árdua pelas características do trabalho por-tuário. O que seu avô e pai lhe deixaram foi a possibilidade de seguir um outro caminho cuja tônica não é marcada por horários rígidos e obrigações precisas. De todo modo, Jonas queria voltar nos passos deles, talvez em busca da sabe-doria de imaginar a despeito das rotinas, talvez atrás de um cotidiano que não é seu, mas no qual desenrolaram-se os sonhos que lhe deram muitas histórias construídas com sal e o nome do profeta que viveu na barriga de uma baleia. Ninguém da Porto do Forno lhe responde. E os emails, que começam solíci-tos e explicativos – “por favor”, “gostaria de lhes apresentar um projeto”, “à quem devo escrever para” – acabam por se tornar um exercício de especulação e criação. De processo necessário para se chegar a um objetivo, essa corres-

pondência transforma-se na coisa em si, vira presença e vivência especulativa do artista. Imagino que esses emails chegavam ao destinatário, alguém equiva-lente ao chefe do seu pai e do seu avô, como uma tormenta. Como delírios de um desatinado querendo um emprego que não se deseja, se precisa. Em uma dessas mensagens, Jonas escreve: essa comunicação é um monólogo.

dois

Nas trocas de emails que antecederam a abertura da exposição Transição e Queda, Mayra Redin anuncia uma pergunta e arrisca uma solução para o que identifica como questão fundamental do seu trabalho: como compartilhar aquilo que é por natureza incomunicável? Ando experimentando como resposta pensar que a afirmação junto ao outro dessa impossibilidade é o que nos resta. Sua réplica ao seu questionamento é um pensar. E seu pensar manifesta-se em dese-nhos e objetos que se acolhem mutuamente. O trabalho da artista, mais do que uma leitura, pede e propõe uma escuta sensível do mundo.

Em “A escuta da escuta”, Mayra reúne uma série objetos que se conectam e se complementam. Desenhos de pianos e casas se encaixam, ouvidos devem ser aproximados num exercício de conhecimento do corpo. As conchas mais comuns de um litoral qualquer encontram um rebatimento harmônico, um eco metafísico que revela-se enquanto intuição e desejo no que tange a possibilidade de apro-ximação harmônica entre todos os seres e coisas do mundo. Ao olhar para esses encaixes e composições lembro da teoria de Pitágoras conhecida como harmo-nia das esferas. Em sua teoria, o filósofo grego presumia ser possível deslindar um sistema de equivalências e proporcionalidades para todo o universo.

Três Sozinho, Eduardo Montelli perambula pelo pátio da casa onde cresceu. Remexe no quarto dos fundos cheio de entulhos de algumas gerações, nas folhas secas acumuladas no chão, nos insetos e frutos que nascem e morrem diariamente. Des-se lugar é que surge boa parte de suas proposições artísticas. No entanto, por mais particular que seja esse universo o artista sabe que as recordações, quando tomam forma, são reconstruções cheias de novas versões sobre a experiência

gabr ie la mot ta

aCidenTes GeoGrÁFiCos

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arte. Penso que Eduardo, Jonas e Mayra estão atentos ao risco que correm, compartilham com o artista americano inquietações sobre a condição para o experimental. O que se reconhece quando Jonas assume transformar uma troca de emails necessária para a realização de um projeto (procedimento que se revela infrutífero?) no próprio trabalho. Ou quando Montelli faz cartões postais de animações e de fotografias que seriam (e são) “obras acabadas”. Ou ainda nas instruções de Mayra sobre um desenho a ser feito na parede da galeria em Porto Alegre, um dos braços de Transição e Queda.

Mas é sobretudo na criação e proposição do projeto Transição e Queda como um todo que os três artistas mostram-se efetivamente conectados com o que problematiza Kaprow. Esse projeto revela uma preocupação e uma tentativa de responder aquilo que se coloca como uma das importantes questões da arte contemporânea: como transformar os contextos de apresentação da arte? Como criar exposições que não “matem” a arte, que permitam a respiração dos traba-lhos? O que esperamos de uma exposição? O quanto estamos dispostos a ir em uma mostra assumidamente inacabada e parcial?

Transição e Queda foi uma só exposição realizada em duas cidades distantes. O que se via em Porto Alegre ou no Rio de Janeiro era parte de uma mesma mostra organizada de forma a conter em sua estrutura a ausência. Estar em um desses lugares era ver e experimentar as proposições desses artistas. Mas acima de tudo reconhecer, tanto nas proposições individuais quanto no projeto como um todo, aspectos como a porção monólogo de toda comunicação; a aceita-ção necessária do incomunicável; em que medida a impossibilidade é matéria da experiência?

Nada está dado ou resolvido. Antes, é um caminho que se insinua. De fato, a exposição não pretendia apresentar soluções para perguntas complexas. Em todo caso, o projeto assumia inteiramente o experimental como partido, bor-rando o máximo possível os limites entre os trabalhos, a noção de exposição e mesmo a ideia de curadoria. Isso tudo sem negar as especificidades de cada conceito em pauta.

do passado. Assim, seu olhar, que procura sem parar por lembranças, atualiza essas memórias em imagens simultaneamente conexas e independentes de histó-rias privadas.

Em sua busca, Montelli reconhece como intransponível a operação de presentifi-car o passado e assume, como ele mesmo diz, a impossibilidade como matéria da obra. Daí que vemos uma fotografia na qual uma noz azul destaca-se no tapete de folhas mortas. Essa noz irreal, sua imagem, sugere que estamos diante de uma tentativa de ver o mundo com a lente da infância, um olhar que encontra singularidades incontestáveis em pedrinhas, folhas, botões, cascas, e mais uma infinidade de coisas ordinárias. Em outra proposição do artista, uma noz nova-mente aparece. Mas agora, no lugar de uma imagem, a própria noz está presa à parede da galeria por uma fita adesiva. É como se a queda inevitável do fruto (a passagem do tempo) pudesse ser estancada no meio do caminho.

ConjunTo aberTo

Coleções de sabonetes, de conchas, de dentes de leite. Tais procedimentos de acumulação e ordenação, ainda que respondam à diferentes preocupações, se replicam nas obras de Eduardo, de Jonas e de Mayra. De todo modo, são expedientes contemporâneos já há bastante tempo legitimados no sistema da arte. Em práticas como essas, é a aproximação entre arte e vida que se quer acentuar. No entanto, em parte por ter se tornado tão frequente, a operação de transfigurar elementos do cotidiano em arte corre o risco de perder justamente o risco que a alimentaria.

Em uma das anotações reunidas no ensaio Just Doing (1997), Allan Kaprow pon-tua que apropriações de elementos do lugar comum são as estratégias tradicionais que transformam vida em arte. Não importa o quanto de vida há nelas, seus contextos padronizados nunca nos permitem esquecer a posição elevada da arte. (...). Ao contrário, o artista experimental que joga com o lugar comum, o faz atra-vessando a rua ou amarrando o sapato. (...) A arte é assim facilmente esquecida. E esta é a condição para o experimental: a arte é o esquecimento da arte 1.

Em seu artigo, Kaprow critica a padronização dos contextos de apresentação das manifestações artísticas afirmando que estes reforçam a posição elevada da

1 KAPROW, Allan. Essays on the blurring of art and life. Los Angeles: University of California

Press, 2003. p.249

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danie la mat tos

Transição e queda leituras e experiências

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Conchas, dente de leite, cascas de nozes, livros, restos de sabonetes usados, desenhos, fotografias, vídeos, memórias, encontros, anotações, textos... Esses são alguns dos elementos materiais e procedimentos que aparecem nos trabalhos de Mayra Martins Redin, Eduardo Montelli e Jonas Arrabal. Em suas investigações poético-plásticas os artistas capturam traços do mundo que, ao serem realocados em suas obras e ressignificados pelos procedimentos de cada um, compõem uma nova constelação de imagens, sugerem reflexões, oferecem proposições e reela-boram o que está dado, nos oferecendo outras formas de tomar contato com aqui-lo que nos cerca, já que suas obras operam aí sutis e potentes transformações.

A realização do projeto “Transição e Queda” permitiu a criação de campos de interlocução entre os artistas, alimentando as exposições mostradas no Rio de Janeiro e em Porto Alegre, bem como esta publicação. As conversas eram feitas à distância via e-mails, cartas, um blog dedicado ao projeto e mensagens de texto por celular, explorando questões de interesse de cada um, servindo tam-bém para fomentar o compartilhamento de suas investigações. Ao conjugarem possibilidades de debater, produzir e mostrar seus trabalhos neste projeto, os artistas fazem com que uma nova camada discursiva se forme justamente pela

oportunidade de suas obras serem aproximadas, fazendo emergir pontos de con-tato e interseções poéticas entre suas criações. O interesse de que suas práticas encontrem plataformas de diálogo é, portanto, um dos traços fundamentais da concepção deste projeto.

É importante reforçar que o projeto foi concebido e gerido pelos próprios artistas participantes. Com isso, também foi necessário construir, criar processualmente o espaço da atuação curatorial, inventá-lo de acordo com as demandas do projeto e não o contrário, como acontece tradicionalmente. Por não haver um direcionamento curatorial prévio no escopo do projeto, as posições ocupadas por artistas e curadoras nessa exposição puderam ser articuladas segundo o desejo e as necessidades de cada um dos envolvidos, dando espaço para deslo-camentos. Em um dado momento chegamos inclusive a debater se o crédito mais adequado para mim e Gabriela Motta, seria o de “curadoras”. Minha posição foi a de manter esta denominação, por entender que o lugar da curadoria é algo tão híbrido e passível de invenção, de experimentação, quanto o da prática artística. Não que as práticas de ambos sejam equiparadas: há de fato, no cam-po da curadoria uma responsabilidade para com as especificidades já colocadas pelas poéticas de cada artista envolvido numa exposição e, portanto, diferente da criação artística, é necessário que o olhar curatorial se debruce primeiramen-te sobre tais aspectos, mesmo se tratando de uma curadoria de cunho autoral. Ainda assim, em minha participação em “Transição e Queda” tomei partido de uma licença poética artístico-curatorial. Isso parece já ter sido previsto pelos artistas, que me fizeram o convite para ocupar a posição de curadora da seção carioca do projeto, sendo uma das interlocutoras dos processos e das conversas que o alimentaram, apontando seu interesse de que minha atuação pudesse estar contaminada por noções trazidas de minha prática artística, que tenho desenvol-vido como contígua à curatorial. Um conceito que aparece nas cartas de Jonas Arrabal a Mayra Redin e Eduardo Montelli, e que pode ser relacionado aos procedimentos de realização do projeto, é a noção de didascália (uma rubrica, marca textual, que indica no corpo do texto teatral qual o caminho, qual o ges-tual a ser seguido por cada personagem numa situação cênica). No contexto de “Transição e Queda” estas supostas marcas ou indicações da gestualidade, das ações dos “personagens” - seja no caso da ação curatorial ou das ações artísticas - se faziam no sentido de nos liberar de posições fixas, estanques, fazen-

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do com que cada um fosse descobrindo seu repertório de atuação durante seu próprio percurso no projeto.

Em uma das viagens que Jonas fez para produzir seu trabalho, fui com ele até a cidade de Cabo Frio, litoral do Rio de Janeiro. Compartilhamos esse fato: ambos temos um passado na tal cidade da costa carioca. Minha memória já imersa em uma opacidade formada pelas mais de duas décadas que me separavam de minha última ida ao balneário frustrou o desejo de rememorar minhas experiências naquele lugar. Mas tudo ali era outro. Nesse desterro de não reconhecer diretamente meu passado ali, resolvi seguir o que Jonas me apre-sentava como uma possibilidade de aproximação com a cidade, ao construir sua arqueologia íntima dali. Depois de um mergulho no mar entendi que a cida-de de Cabo Frio, especialmente naquela viagem, ia se descortinando por meio da atenção que Jonas direcionava para cada detalhe capturado fotograficamen-te na feitura de seu trabalho, o que tornava mais e mais opaca minha memó-ria anterior daquele lugar. Isso me lembra, por exemplo, o quão desconcertante foi ver o prédio onde por mais de dez anos passei minhas férias na infância: a construção era a mesma mas parecia não se relacionar com a que guardo em minha memória; ao caminhar na praia, ainda que fosse a mesma que frequentei tantos anos, aquela parecia mais ser a “Praia do Forte de Jonas” e não tinha quase nada da que já tinha sido um dia também a minha. Eu é um outro, ou em minha tradução, Eu é outrem - como diz a frase de Rimbaud que tenho tatuada em meu ante-braço e que aparece em uma das fotografias polaroid que com-põem “Monumento para #1”. Naquele dia fui outrem, fui um espécie de “stalker” de Jonas (tal qual performei para seu trabalho de mesmo nome que cita Tarko-vski), fui a espectadora que experimentou de um lugar privilegiado a realização e o surgimento de um trabalho de arte, co-habitando o espaço de atuação da-quele artista. Entendi naquela viagem, numa ida breve à cidade costeira do Rio de Janeiro, que podemos nos recobrir de outras memórias, fazê-las proliferar para além das nossas e permitir que os gestos de um artista nos faça ver um lugar no qual que passamos mais de uma década, pela primeira vez.

Silêncio. Essa é a primeira palavra que me ocorre quando penso nos trabalhos de Mayra. Mas o silêncio exercitado por seus trabalhos não é aquele que cria distância em relação à obra, pelo contrário, ele nos faz experimentar as pausas como articulações: o encaixe entre as conchas, a “escuta da escuta”, o intervalo desde a primeira até a última luz de um dia no horizonte. As ações propostas

nas obras de Mayra, ainda que pareçam ser, não são repetições: cada movi-mento é único, cada traço é um, cada encaixe é contiguidade. Na inauguração da exposição dividi com Mayra a realização de uma ação que é parte de um de seus trabalhos, “Exercício para infinito”. O ponto de partida é uma pe-quena concha colocada no que será o centro ou ponto de partida para iniciar o desenho. A concha começou por moldar meu olhar para a realização da ação; entendi que aquele objeto originaria as formas desenhadas. No entanto, quando o desenho se fez, já não há uma referência direta para aquele suposto ponto de origem: cada traço guarda, como na palavra, “a extensão tranquilizadora de uma economia”, apropriando uma citação de Barthes que a artista usa em uma de suas conversas com Eduardo Montelli aqui publicada. Quando Mayra me passou o lápis litográfico que foi usado para traçar o desenho, pensei comigo: acho que preciso apenas fazer um mesmo gesto e pouco a pouco ampliá-lo. De-mos início ao trabalho e percebi que cada gesto era único (aqui também não há repetição), a forma desenhada ia se transformando delicadamente no percurso e o traço (às vezes mais forte, outras mais fraco) ia configurando a imagem que per-maneceria demarcada ali. Depois de finalizada a ação, era clara a produção de diferença, de uma grafia específica de quem realiza a ação – as formas dese-nhadas por fim eram visivelmente diferentes, na escala, nos intervalos articulados entre as linhas, nas junções entre início e final de cada traço; e mais uma vez o silêncio apareceu como articulação das partes, como referência de ritmos próprios presentes em cada obra, espaços de articulação para o olhar de outrem. “E o que é teu, é meu?” - essa pergunta é feita por Eduardo no trabalho “Carta para o futuro”. A questão, inicialmente colocada aos espectadores em papéis pautados, pode ser apropriada para pensarmos de modo mais geral em relação às práticas artísticas contemporâneas, onde há um eclipsar entre arte e vida, mas também me faz lembrar um conto de Borges, de nome “o Outro”. Reli esse texto durante a realização do projeto, talvez por entender que há ali algo que dialoga com as práticas dos três artistas, tangenciando a construção de duplos não simé-tricos. No conto, um sujeito se encontra consigo próprio em um banco de praça e precisa de uma série de informações para se dar conta de que estava diante de si próprio, em tempos diferentes. Em um dado momento no texto percebe-mos que os dois são partes de um mesmo sujeito, mas que poderiam também ser homens distintos, dado o intervalo de tempo que os separa e demarca suas particularidades. A questão que Eduardo coloca ao futuro está literalmente enterrada em dois contextos diferentes: um quintal em Porto Alegre e uma

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praia no Rio de Janeiro. Me pergunto se estes objetos não são um pouco como “o outro” de Borges, um mesmo trabalho que se singulariza e se define pelos contextos onde foi deixado; partes que se tornam diversas por estarem intrinse-camente vinculadas aos contextos em que foram escolhidos para sua dispersão. A noção de dispersão como passagem, como transformação, está presente tanto nesta como em diversas outras obras de Eduardo presentes em “Transição e Queda”, seja nos cartões com links de internet para trabalhos em vídeo (que o artista nomeia como “Inventário”) e de modo especial também em “Para nada” (duas formas de gelo cheias que vão pouco a pouco se encaixando, pelo derreti-mento da água contida nelas). “E o que é teu, é meu?” - num dia qualquer alguém anda distraído e encontra uma garrafa plástica, que é desenterrada. Retirada da garrafa, a pergunta ecoa entre tempos, o da criação, do endereçamen-to, da exposição, e mesmo deste livro. Desejo poder ouvir, ainda que como “um sussurro a quilômetros de distância”, parafraseando o artista, a resposta do futuro.

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proposições para

ConsTrução de meios

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a esCuTa da esCuTa

MAyRA MARtins REdin — 2014

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a esCuTa da esCuTa

MAyRA MARtins REdin — 2015

JUAtAMA, CE

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Caramujos recolhidos e lavados por Marita Redin no quintal de sua casa em São Leopoldo, RS e caramujos encontrados e fotografados por Eduardo Montelli em seu quintal em Porto Alegre, RS — 2015

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exerCíCio para inFiniTo (mar e deserTo)

MAyRA MARtins REdin — 2015

JUAtAMA, CE

Um sussurro é ouvido a quilômetros de distância por um telescópio.

Uma aderência é percebida por um momento e permanece, mas é tão pequena que não cabe em lugar algum da memória. Que grafia é capaz de dar forma ao som das paisagens microscópicas? Que história será contada sobre a experiência que não foi descrita? Que significados poderão fixar em palavras impronunciadas?

A cidade ao redor é ficção. Aquilo que está ausente brota entre as frestas de um espaço em branco. Pessoas encostam ouvidos em conchas e edificam um cenário de negações: tudo aquilo que não. O calor tátil da escuta ameniza o estranha-mento das expectativas deslocadas. Um ouvido adere ao outro.

ouvir o Fora

EdUARdO MOntELLi —2014/2015

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assunTo: Transição e queda_invenTÁrio

dAtA: 12 dE fEvEREiRO dE 2015 15:34

dE: JOnAs ARRAbAL

PARA: EdUARdO MOntELLi

MAyRA MARtins REdin

Edu, estava revendo o trabalho das nozes. Lindo!

Me lembrou um outro trabalho (e que nunca exibi), em que parto te uma obser-vação do quintal da casa dos meus pais em Cabo Frio. Eu fotografei cada objeto que tem nesse quintal e são coisas meio aleatórias: engradados de refrigerante, uma piscina tony velha, garrafa de querosene enferrujada, boia de privada... tudo meio corroído pela ação do tempo.

E lindo como os trabalhos conversam, essas fotografias e o teu filme do quin-tal, daquela catalogação de objetos que não faço ideia do porquê daquilo tudo guardado ali, mas que são coisas que cumpriram suas funções e que se tornaram obsoletos.

Você conhece o Stalker do Tarkovski? Eu amo esse filme e me lembro de você quando lembro desse filme. Não sei se te falei isso, mas a imagem que tenho de Fundos e Inventário é de um lugar ainda a ser penetrado, cheio de surpresas e obstáculos, lembranças, reconstituição de imagens... Stalker é um lugar impenetrável, de difícil acesso, e os personagens avançam essa zona, mesmo sen-do proibido.

No filme, o personagem stalker guia outros dois personagens por esse lugar. E o lugar é cheio de armadilhas e há a informação de que no interior desse espaço há um quarto capaz de realizar todos os desejos de quem chegar lá e ultrapassar as armadilhas.

Eu acho muito bonito isso, porque também é uma impressão que tenho do quintal da casa que cresci, como se eu tivesse descobrindo sempre alguma coisa nova, que tá na minha memória e surge em lampejos. Lembro de cada planta que tinha, de cada árvore de fruta, de tudo que foi derrubado e cimentado em seguida, e depois colocado ardósia em cima. Hoje a ardósia está quebrando, pedindo uma nova reforma. (Propus ao meu pai que, quando ele for trocar o piso do quintal, eu queria retirar o piso velho e registrar essa ação).

Enfim. Quando te vejo “em cena”, a impressão que me dá é que você nos guia, mostrando as próprias “armadilhas”, as nozes pecã, os passarinhos que nun-ca nasceram, os pedaços de tijolo, as gaiolas... mas que pra você também é um redescobrir.

Mayra, em alguma medida vejo isso também no trabalho dos livros queimados, uma zona privada que é compartilhada pelo registro da fotografia. Mas depois falo sobre isso, porque acho que tem a ver com outra coisa que tava pensando, sobre lugares que desaparecem mas que não desaparecem por completo e a sua “biblioteca de Alexandria” tem algo a ver com isso =)

pensando, pensando, pensando.

BjsJonas

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jonas, eduardo (da série sTalker)

JOnAs ARRAbAL — 2015

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invenTÁrio

JOnAs ARRAbAL — 2012

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inFormar esTado de Conservação

EdUARdO MOntELLi — sEM dAtA

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para vô esTÁCio,PROPOsiçãO PARA REsgAtAR O tERREnO dE dEntRO dA ágUA

MAyRA MARtins REdin — 2015

tAvAREs, Rs

Acordar antes do sol nascer. Ir até o mar. Tentar capturar sua primeira luz no horizonte.

Deixar o dia passar.Não importa o que será feito entre o sol nascer e o sol se pôr. Não importa e deverá tornar-se realmente desimportante. Deveremos esquecer. Deveremos esforçar--nos para tornar aquelas horas completamente desinteressantes. Nenhuma ima-gem deve permanecer deste deslocamento no tempo entre o nascer e o se pôr. Ao final de um dia, teremos apenas: a primeira réstia do sol ao nascer, a última réstia do sol ao se pôr. No mar e na lagoa, respectivamente.

Perto do final do dia, ir até a lagoa. Tentar capturar a última luz visível do sol que se põe no horizonte.

proposição para seCar a ÁGua do mar

JOnAs ARRAbAL — 2014

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assunTo: proposTa - Filme de rubriCaiMPORtAntE sEgUndO nOssA POçãO MágiCA

dAtA: 5 dE MARçO dE 2015 10:32

dE: JOnAs ARRAbAL

PARA: EdUARdO MOntELLi

MAyRA MARtins REdin

Fiquei pensando nas didascálias e no que o Eduardo falou da nossa relação e atravessamento com o teatro, literatura, cinema... Fiz faculdade de teatro, durante muito tempo escrevi e dirigi peças. No meu trabalho sempre teve uma relação com isso, seja por uma dramaticidade (e que eu acho que a piscina do IBEU tem com a sua iluminação e a ideia de representação que tomou conta para pensar naquela exposição), pelas interferências e apropriações de filmes para a produção de outros trabalhos, enfim. Não sei se cheguei a comentar com vocês, mas a minha monografia de final da graduação foi sobre Tchekhov e sobre Tarkovski, uma tentativa de aproximação entre esses dois russos para se pensar em tempo e memória.

Fiquei pensando nas didáscalias e não tem como não pensar no Beckett e na peça que eu mais amo dele, Última Gravação de Krapp. Essa é a primeira peça dele em que já apresentava uma quantidade enorme de didascálias. O personagem é mostrado em vários momentos da sua vida através de gravações que ele faz num gravador velho sempre no dia do seu aniversário.

E o que é interessante é que pensar nessa peça, pensar em didascálias, é ir ao encontro de coisas que me interessam, nessa relação com o tempo, nesse retorno ao passado que vem simplesmente através de um áudio que narra algo que já aconteceu.

Queria propor escrever uma peça com vocês. Uma peça gravada, uma peça meio Krapp. Eu me coloco na primeira pessoa através de uma lembrança que tenho e depois me distancio e narro em terceira pessoa, tal qual uma rubrica que comenta essa cena.

Engraçado foi que isso surgiu ao acaso, antes de dormir. Assim que deitei me pe-guei conversando, falando, com...Deus? não sei, mas fazia tempo que não rezava - conversava - antes de dormir. E essa memória me levou há um tempo atrás, e me lembrei que sempre rezava antes de dormir, e comecei a me lembrar de cada coisa que pedia.Uma tradição católica que sempre estava ali muito próximo.

Pensei nos muitos momentos que lembramos de alguma coisa, por influência de algum fator externo. E isso é tão Beckett, de novo. rs.

Queria brincar disso com vocês. Queria catalogar essas lembranças com vocês.

BjsJonas

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esCambo

JOnAs ARRAbAL — 2015

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exerCíCio para inFiniTo

MAyRA MARtins REdin — 2015

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25/02/2015 - 02:07 Me lembro que quando eu criança eu rezava todas as noites antes de dormir. Eu pedia para Deus proteger todas as pessoas que eu amava, listava o nome dessas pessoas, e depois pedia para que todos os meus desejos fossem realizados, e que quando eu me tornasse grande eu queria já ter todos esses pedidos atendidos (Ele vai até o final do seu quarto, num canto entre a parede e a cama. O espaço é minusculo. Ele pega um pedaço de madeira que deixa escondido e um cotoco de vela. Acende a vela, com a cera quente cola a vela no pedaço de madeira e reza). Não sei quantas vezes eu rezava. Me lembrava que fazia isso até dar uma volta completa no terço.

26/02/2015 - 09:17 Quando eu era pequeno queria ficar loiro. (vai na praia e passa creme de camomila, shampoo de camomilia, chá de camomila no cabelo, pois assim o sol iria queimar mais rápido ) Mas nada disso deu certo. Hoje eu resolvi descolorir o cabelo

27/02/2015 - 00:37 Me lembro que entre os 12-15 anos eu li todos os livros da Agatha Christie, do Jonh Millington Singe, e outros. Minha avó morava comigo e tinha sido assinante do circulo do livro. (Ele vai até a estante e escolhe um livro novo, fica lendo no quarto numa posição mais desconfortável possível enquanto os outros parentes estão na sala no almoço de domingo) Eu li tantos livros, mas hoje eu não me lembro de nada.

27/02/2015 - 15:26 Quando eu era pequeno, ia até o quintal da minha casa e, na minha solidão de criança, a principal diversão era jogar areia lavada na mi-nha cabeça. (Ele pega a areia amarela, de grão razoavelmente grande, a quan-tidade que a sua pequena mão comporta, leva até a cabeça dele e solta. Ele passa a maior parte do tempo tirando a areia da cabeça, grão por grão.)

27/02/2015 - 16:42 Sempre gostei de água, principalmente salgada. Sempre vivi na praia, chegava cedo com meus pais, naquele tempo ninguém morria com

didÁsCalias

JOnAs ARRAbAL

o buraco na camada de ozônio. (Ele chega na praia e vai direto para a água. Só sai da água quando seus pais gritam o seu nome da areia. Ele percebe que seus dedos estão enrugados. Lembra que parece já estar idoso)

8/02/2015 - 12:02 Eu sempre gostei de ficar mexendo no cabelo e ficar enrolando. (Ele gosta de arrancar cabelos, fio por fio. Depois de adulto passou a arrancar os fios da barba. Ele arranca, os observa e depois joga for a)

28/02/2015 - 19:42 Eu sempre assisti muitos filmes, ou que era possível ver de interessante nas videolocadoras de uma cidade do interior. (Sempre vai em videolocadoras para compensar a solidão).

01/03/2015 13:23 Quando morava com meus pais nunca soube cozinhar, ou esquentar a própria comida. (Ele esquenta a água para preparar o macarrão. É instantâneo, fica pronto em menos de três minutos. Ele adora comer cru. Enquanto a água ferve ele come metade).

Daniela, Jonas (Da série Stalker) — 2015

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fOtOgRAfiA dE dAniELA MAttOs PARA MAyRA MARtins REdin

CAbO fRiO, RJ — 2015

exerCíCio para inFiniTo 3

MAyRA MARtins REdin — 2015

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Transição

EdUARdO MOntELLi — 2015

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deus ex maCHinaM - MáQUinA

P - PERsOnAgEM

JOnAs ARRAbAL — 2014

(MUSICA. TRECHOS DE FILMES EM QUE PERSONAGENS APARECEM DE COSTAS)

(PRIMEIRO, SEGUNDO, TERCEIRO SINAL)

P - Há aqui esse espaço. Esse recorte, esse tablado. Esse lugar de ensaio.M: Espaço de onde se vê. Espaço de onde você se olha. P - Aqui não irei representar nada.M - Aqui não irá representar nada. P - A rubrica é clara, como é claro o meu personagem. O dia é guiado pelas rubricas, pelas pausas, pelas intenções.M - E como faz para improvisar diante disso? P – Porque eu não vivi todos os personagens pois eu quero continuar vivendo. M: Tudo em sua volta está totalmente tomado, impregnado de lembranças. Tudo em sua volta tem uma marca, cúmplice e ao mesmo tempo atordoada. A cor das parede, a rotunda, os refletores que te dão a ilusão de vida. E nessa disposi-ção, e nessa cenografia, difícil imaginar as coisas de outro jeito. Difícil imaginar uma janela que não retratará o mesmo quadro que você fora sempre retratado, o mesmo tablado que você fora sempre representado, o mesmo recorte de vida.

Difícil imaginar os cheiros que não continuarão no ambiente, difícil imaginar as manias que não serão mais compartilhadas... O importante é você viver toda essa marcação do tempo sem ligar para o tempo... a sucessão de fatos... É preciso encontrar um interlocutor, mesmo que esse não esteja na plateia.P - Mas o personagem, a função personagem...M: O seu personagem flui e acontece naturalmente. Tudo está aqui, tudo devida-mente desenhado.P – Pois esse desenho que é danoso. É difícil se desgrudar dessa rubrica, então eu preciso... eu preciso da sua ajuda. M - O seu personagem está aí, sobre a sua pele. P - Na superfície da minha pele. A minha linguagem é o acontecimento da minha peça, mas já sei as minhas rubricas, as minhas deixas, as marcações, as marcas de fita crepe no chão. O cenário de papelão, a maquiagem pesada, a intenção que não é intenção. M - Você veio até aqui...P - Por causa do desaparecimento. M e P (juntos) - Do desaparecimento inevitável.(pausa. Blackout)

(...)

M - E você ainda me pede uma carruagem de fogo...P - Por que ser um se poderia ser todos?M- E são todos os que você gostaria de viver? P - Sim. A gente se aproxima como um enxerto que dá vida a uma outra pessoa. M - Você quer saber do futuro.P - Das suas artes divinatórias e das suas soluções inesperadas.M - Mas o seu corpo... você é responsável por esculpir o teu corpo, e o que você me pede é que eu te imortalize. P - Por que a vida não é uma só. Estou correto? porque a minha vida não precisa ser uma só.

(...)

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seCar a ÁGua do mar

thEAtROn #1/ 2014

Madeira, ferro, resina, refletor, cabo

de aço e água da praia de Copacabana

JOnAs ARRAbAL

queda

EdUARdO MOntELLi — 2015

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junTando CaCos

MAyRA MARtins REdin — 2011

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éCouTe s’il pleuT

PROJEtO E AnOtAçõEs PARA AçãO E instALAçãO

MAyRA MARtins REdin — 2009 E 2015

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TroCo dediCaTória por dediCação

MAyRA MARtins REdin — 2015

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esCambo #2

JOnAs ARRAbAL — 2015

POEMA dE MAyRA MARtins REdin — 2015

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suGesTão para desTruir um seGredo

MAyRA MARtins REdin — 2013

4/24/13 Gmail - Fale com os Correios - Resposta da manifestação: 11245986

https://mail.google.com/mail/ca/u/0/?ui=2&ik=96a99d9209&view=pt&q=fcorreios&qs=true&search=query&msg=1357d9c5b8a0770e 1/1

Mayra Martins Redin <[email protected]>

Fale com os Correios ­ Resposta da manifestação: 11245986

[email protected] <[email protected]> 14 de fevereiro de 2012 18:44Para: [email protected]

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Resposta:

Senhora Mayra,

É considerado como de refugo o objeto que após todas as tentativas, não foi entregue ao destinatário oudevolvido ao remetente, bem como aqueles que estiverem em desacordo com a legislação postal.

Agradecemos seu contato.

Atenciosamente,

Central de Atendimento aos Clientes dos Correios

Seu(s) questionamento(s) foi (foram):

Olá, gostaria de saber o que acontece com as cartas que tem o endereço do remetente e do destinatárioinexistentes. Obrigada, Mayra

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­ Internet: www.correios.com.br ­ Fale com os Correios: Clique aqui

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Mayra, Nessa lógica de pensar o percurso, fiquei com vontade de saber como e quando a “coisa da poesia” apareceu no teu processo.

Eduardo

Edu, Diz Barthes: “numa palavra, a extensão tranquilizadora de uma economia”. e depois: “há que se lembrar que a estrutura é o depósito de uma duração”. Por enquanto precisei de Barthes pra falar sobre a minha relação com a poesia. Talvez não seja com a poesia, mas com a palavra, minha relação.

Mayra

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Partilhar essa liberdade sem partilha

Mayra, Hoje eu estava me perguntando sobre como se começa uma família. Então pensei que esta poderia ser uma boa pergunta para iniciar uma escrita sobre nossos pro-cessos. Este projeto surge do nosso desejo de construir algo que possa pertencer a nós e também aos outros, desejo de partilhar intimidades. Será que é este desejo o que faz começarmos uma família? Será que o que faz um artista quando se junta a outro para dialogar, selecionar ideias, escrever e desenvolver uma apre-sentação pública de suas práticas artísticas pode ser pensado como a construção de uma família? E que espécie de família seria essa?

Penso que dois pontos importantes e em comum em nossos processos são a noção de “família” e, principalmente, os processos através dos quais esta recebe sen-tidos e valorações. Nossas práticas artísticas são permeadas de diálogos entre semelhanças e diferenças, silenciamentos, narrativas, memórias e contato. E é a partir do contato que as reações acontecem e as cadeias se formam - talvez uma família comece com uma espécie de contato que produz vínculos, transforma-ções mútuas e continuidade. É preciso justificar o surgimento de uma família? É preciso explicar as razões pelas quais um elemento se liga a outro? Acredito que nosso trabalho procura menos as razões e as justificativas destes processos e mais o vivenciar, as interações e as possibilidades de sentidos. O fato é que colocamos em contato uma série de trabalhos nossos e agora é preciso pensá-los juntos, neste contexto, como uma família.

Eduardo, Fiquei pensando sobre a palavra “família”, que você trouxe aqui nessa conversa dando um corpo (um corpo em forma de palavra) para esses contatos que vem acontecendo entre nossos trabalhos. É interessante que este corpo se dê através de uma palavra, numa busca por encontrar palavras, já que caminhamos muito nesse limiar entre imagem e palavra, e tentamos ir lá onde elas possam se con-fundir. Mas então, família é uma palavra que logo me lembra outra: “familiar”. Aquilo que é familiar é o que me lembra alguma coisa que, claro, já conheço, já vi, já tive contato. Aquilo que nos é “familiar”, que está entre eu e você, é uma espécie de denominador comum. E comum é outra palavra forte, já que dela sai a comunicação, a comunidade… Comunicar é algo que sempre me pareceu estra-nho. Me passa a ideia de que eu digo algo e o outro entende. Nunca estou certa disso, e acho que nossos trabalhos são de certa forma uma aposta e uma dúvida, sempre acontecendo ao mesmo tempo. Apostar no encontro (na partilha, no fami-liar, na escuta) e ao mesmo tempo descobrir que estas possibilidades são um tanto duvidosas. Desta “pulga atrás da orelha” nasce o desejo de apostar novamente, penso, e assim, infinito. Talvez essa dúvida nos empurre para novas tentativas e proposições de encontro com o outro. É daí que vem o desejo? Mas penso tam-bém que talvez, a partilha mais partilhável seja justamente essa da dúvida: partilhar a dúvida. Eu não sei se você me entende, você não sabe se eu te enten-do, nós sabemos que talvez não estejamos nos entendendo, assim prosseguimos tentando. Não mais numa tentativa desprovida de consciência da possibilidade de fracasso, pelo contrário, ao sabermos das impossibilidades do tornar comum acredito que estamos nos dispondo a compartilhar justo a possibilidade do fra-casso. Seria isso a intimidade? É essa a palavra que proponho para estar junto da “família”: a palavra “intimidade”.

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Mayra,Acho bonita essa idéia sobre intimidade: um contato indiferente ao possível fracasso do “comum” e que, mesmo assim, pode se tornar familiar. É mesmo uma aposta na diferença, na gratuidade, naquilo que é sempre outro, mas que se conecta. Acho que é essa liberdade de conexão sem causa a liberdade sem par-tilha que desejamos, né? Partilhar a liberdade do íntimo, daquilo que não é necessário partilhar, mas que é desejado, mesmo que não leve a nada de concreto e que se torne, no máximo, experiência, pensamento e história. Muitos dos nossos trabalhos falam dessas experiências, pensamentos e histórias. Objetos idênticos postos em contato, cascas, restos, livros proibidos, lugares esvaziados, bibliotecas queimadas, coletas e narrativas particulares… Tudo isso surge de nossas investi-gações sobre o íntimo e o comunicável. São trabalhos que construímos a partir da relação com as nossas famílias e com os objetos com os quais nos familiarizamos e que, apesar do alto grau de particularidade, acreditamos serem compartilhá-veis. Certamente é duvidoso e arriscado fazer disso tudo matéria de arte, mas, como tu disse, sabemos da possibilidade do fracasso. Apostamos em uma liber-dade sem partilha.

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enxerTia #1

JOnAs ARRAbAL — 2013

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Cavaram um buraco no chão, de forma que coubesse meu tronco todo lá dentro. Depois jogaram gesso, de forma que tapasse todo o buraco. Fiquei ali dentro - fazia muito calor - até o gesso secar. Depois de seco, jogaram mais gesso dentro do molde de gesso. Quebraram o molde de fora, deixando o gesso de dentro. O que restou foi um molde fiel do meu próprio tronco. Esculpiram uma arma-dura em cima desse molde, dessas armaduras medievais (era para uma peça de teatro). Depois que a armadura estava pronta, esse molde não servia para nada. Levei comigo e deixei na minha casa. Mas a quantidade de coisas que eu acumulava fez com que a minha mãe jogasse o meu tronco fora, colocou junto com o lixo, na porta de casa. No dia seguinte passou o caminhão coletor, retirou todo o lixo e quando o lixeiro pegou o meu molde, desistiu em seguida, pois era pesado e daria trabalho. Deixou ali o que era para ir embora. Meu pai resgatou o mol-de e deixou no quintal de casa. Eu tinha 16 anos. Ficou ali, no canto, perto de algumas mudas de Espada de São Jorge, que com o tempo cresceu e se espalhou, assim como o capim limão, assim como o confrei. E tudo isso cresceu e escondeu o molde de gesso durante muito tempo. Vira e mexe meu pai limpa o quintal e ele reaparece, mas logo desaparace quando tudo cresce novamente. Ali permanece há 15 anos.

luana, jonas (da série sTalker)

JOnAs ARRAbAL — 2015

T R A N S I Ç Ã O E Q U E DA

Arrabal, Jonas

Montelli, Eduardo

Redin, Mayra Martins

1a edição

são Paulo, 2015

1000 exemplares

isbn 978-85-98149-05-9

PROJETO GRÁFICO

E PRODUÇÃO GRÁFICA

bianca Muto

AUTORES DOS TEXTOS

daniela Mattos

Eduardo Montelli

gabriela Motta

Jonas Arrabal

Mayra Martins Redin

PRODUÇÃO DAS EXPOSIÇÕES

Andrea santiago

Camila Machado

ASSESSORIA DE IMPRENSA

bárbara secco

COEDIÇÃO

dinâmica gráf ica e Edi tora

PUblICADO POR

Pingado-prés

pingadopres.com

Este livro foi composto na fonte futrua std. O miolo foi impresso em papel Pólen bold 90g/m2, a capa foi impressa em papel Kraft 300g/m2 pela gráfica

Maistype em são Paulo.

distribuição gratuita, proibida a venda.