trânsfugas de classe social e de gênero: trajetórias sociais de egressas de um colégio público...

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ATOS DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO - PPGE/ME ISSN 1809-0354 v. 8, n. 2, p. 756-777, mai./ago. 2013 DOI http://dx.doi.org/10.7867/1809-0354.2013v8n2p756-777 TRÂNSFUGAS DE CLASSE SOCIAL E DE GÊNERO: TRAJETÓRIAS SOCIAIS DE EGRESSAS DE UM COLÉGIO PÚBLICO DE FLORIANÓPOLIS (SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX) TURNCOATS SOCIAL CLASS AND GENDER: TRAJECTORIES OF SOCIAL FORMER STUDENT FROM A PUBLIC SCHOOL IN FLORIANÓPOLIS (SECOND HALF OF THE TWENTIETH CENTURY) VIEIRA, Letícia [email protected] Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC DALLABRIDA, Norberto [email protected] Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC RESUMO O presente artigo tem por objetivo compreender as trajetórias sociais de três trânsfugas do Ensino Secundário do Colégio Estadual Dias Velho na década de 1950, ou seja, mulheres que romperam as suas barreiras de classe social e de gênero por meio do êxito escolar. Esses trajetos sociais são compreendidos através dos indicadores origem sócio-familiar, percurso escolar e carreira profissional; e serão analisados a partir dos conceitos cunhados pelo sociólogo Pierre Bourdieu, em especial os conceitos de habitus e a visão polimorfa do capital. Tem-se por intuito perceber, a partir da análise destes indicadores, as posições ocupadas por estas mulheres nos diversos campos de que fizeram parte ao longo de suas trajetórias sociais. Toma-se como aporte teórico também os estudos de Bernard Lahire, que tornam possível compreender os mecanismos e estratégias criados no interior das famílias desprovidas de um relevante volume de capitais para desenvolver nos filhos disposições que tornem possível o sucesso escolar e o alcance de melhores posições nos campos econômico e social. PALAVRAS-CHAVE: Trajetória social. Trânsfugas. Ensino secundário. Escola pública. ABSTRACT This paper aims to understand the social trajectories of three turncoats of Secondary Education on Colégio Estadual Dias Velho in 1950, in other words, women who broke their barriers of class and gender through academic achievement. These paths are understood through the social indicators: socio-family origin, educational background and career; and will be analyzed from concepts created by

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Trânsfugas de Classe Social e de Gênero: trajetórias sociais de egressas de um colégio público de Florianópolis (segunda metade do século XX)

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  • ATOS DE PESQUISA EM EDUCAO - PPGE/ME ISSN 1809-0354 v. 8, n. 2, p. 756-777, mai./ago. 2013 DOI http://dx.doi.org/10.7867/1809-0354.2013v8n2p756-777

    TRNSFUGAS DE CLASSE SOCIAL E DE GNERO: TRAJETRIAS SOCIAIS

    DE EGRESSAS DE UM COLGIO PBLICO DE FLORIANPOLIS (SEGUNDA

    METADE DO SCULO XX)

    TURNCOATS SOCIAL CLASS AND GENDER: TRAJECTORIES OF SOCIAL

    FORMER STUDENT FROM A PUBLIC SCHOOL IN FLORIANPOLIS (SECOND

    HALF OF THE TWENTIETH CENTURY)

    VIEIRA, Letcia

    [email protected]

    Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC

    DALLABRIDA, Norberto

    [email protected]

    Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC

    RESUMO O presente artigo tem por objetivo compreender as trajetrias sociais de trs trnsfugas do Ensino Secundrio do Colgio Estadual Dias Velho na dcada de 1950, ou seja, mulheres que romperam as suas barreiras de classe social e de gnero por meio do xito escolar. Esses trajetos sociais so compreendidos atravs dos indicadores origem scio-familiar, percurso escolar e carreira profissional; e sero analisados a partir dos conceitos cunhados pelo socilogo Pierre Bourdieu, em especial os conceitos de habitus e a viso polimorfa do capital. Tem-se por intuito perceber, a partir da anlise destes indicadores, as posies ocupadas por estas mulheres nos diversos campos de que fizeram parte ao longo de suas trajetrias sociais. Toma-se como aporte terico tambm os estudos de Bernard Lahire, que tornam possvel compreender os mecanismos e estratgias criados no interior das famlias desprovidas de um relevante volume de capitais para desenvolver nos filhos disposies que tornem possvel o sucesso escolar e o alcance de melhores posies nos campos econmico e social. PALAVRAS-CHAVE: Trajetria social. Trnsfugas. Ensino secundrio. Escola pblica. ABSTRACT This paper aims to understand the social trajectories of three turncoats of Secondary Education on Colgio Estadual Dias Velho in 1950, in other words, women who broke their barriers of class and gender through academic achievement. These paths are understood through the social indicators: socio-family origin, educational background and career; and will be analyzed from concepts created by

  • ATOS DE PESQUISA EM EDUCAO - PPGE/ME ISSN 1809-0354 v. 8, n. 2, p. 756-777, mai./ago. 2013 DOI http://dx.doi.org/10.7867/1809-0354.2013v8n2p756-777 758

    sociologist Pierre Bourdieu, especially the concepts of habitus and capital's polymorphous vision. It has as purpose realizing, from the analysis of these indicators, the positions occupied by these women in different fields that they were part along their social trajectories. Are taken as theoretical support the studies of Bernard Lahire that make it possible the understanding of the mechanisms and strategies found within families deprived of a significant amount of capital to develop on their children provisions that permit school success and achievement of better positions in economic and social fields. KEYWORDS: Social trajectory. Turncoats. Secondary school. Public school.

    INTRODUO

    Institudo em Florianpolis, em 1950, o Colgio Estadual Dias Velho (CEDV)

    foi a primeira instituio a oferecer Ensino Secundrio pblico, gratuito e laico na

    capital catarinense. At essa data, esse nvel de escolarizao era oferecido

    somente por duas instituies de carter elitista e confessional e distintas em

    gnero: o Colgio Corao de Jesus, dirigido pelas Irms da Divina Providncia e

    especializado na educao das filhas, moas distintas, e o Colgio Catarinense,

    dirigido por padres jesutas e frequentado pelos jovens moos pertencentes s

    elites. Neste contexto, a oferta dos dois cursos previstos pela Reforma Capanema

    para o ciclo colegial o curso clssico, que focava nas humanidades clssicas e

    modernas, e o curso cientfico, que colocava em relevo as cincias exatas e

    tecnolgicas em uma instituio gratuita e que funcionava no perodo noturno,

    configurava-se como uma proposta atraente e vivel para os jovens que no tinham

    condies financeiras para arcar com as mensalidades dos colgios catlicos que

    ofereciam este nvel de ensino e/ou para aqueles que tinham necessidade de

    trabalhar no contraturno escolar. O CEDV tambm era considerado uma instituio

    inovadora por ser coeducativo, colocar em prtica um ensino menos regulador e ter

    um corpo docente qualificado, composto por profissionais selecionados atravs de

    concursos pblicos e, por isso, marcados pela diversidade ideolgica, religiosa e

    cultural (DALLABRIDA, 2011, p. 152).

    A criao do ciclo colegial no interior do Instituto de Educao Dias Velho da

    capital catarinense enquadra-se num momento de expanso expressiva do ensino

    secundrio brasileiro, impulsionado pela Reforma Capanema. Em Santa Catarina,

    alm do Colgio Estadual Dias Velho, no final dos anos 1940, foram criados o

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    Colgio Pedro II, localizado em Blumenau, e o Colgio Estadual de Lages, que

    abriram as portas ao ensino secundrio especialmente para as classes mdias e

    para mulheres. Deve-se considerar que este momento histrico foi diferenciado por

    atribuir novos ares funo social da mulher. Estas novas concepes alavancadas

    pela atmosfera do ps-Segunda Guerra Mundial, que abandonava alguns preceitos

    de submisso feminina, passaram a permitir mulher a conquista de novos

    espaos, atribuindo sua figura funes que transcendiam o papel de boa me e

    esposa (MARTINI, 2011, p. 62). Desta forma, o oferecimento do ensino secundrio

    pblico, gratuito, laico e coeducativo no Colgio Estadual Dias Velho, a partir da

    dcada de 1950, concorreu para um avano significativo da incluso das mulheres

    neste nvel de ensino, que oportunizava o ingresso no ensino superior.

    neste espao-tempo que se inserem as trajetrias sociais de Adlia, Lcia e

    Lourdes1, mulheres provenientes de famlias que no pertenciam a grupos sociais

    privilegiados, que transcenderam os limites impostos por suas origens sociais e

    realizaram percursos escolares prolongados e carreiras profissionais de xito. Esta

    anlise tem como intuito focalizar as trajetrias dessas agentes sociais, que fizeram

    parte de uma pesquisa que investigou as trajetrias sociais de vinte e quatro alunas

    egressas do Colgio Estadual Dias Velho na dcada de 1950. Menciona-se aqui o

    fato de que em meados do sculo XX era muito raro que mulheres de classes

    desfavorecidas conclussem o ensino secundrio, conforme evidenciado pela

    trajetria destas egressas. Buscamos perceber, assim, as estratgias traadas por

    estas ex-alunas e seus familiares para driblar o dficit ocasionado pela ausncia ou

    baixo nvel capitais herdados e conquistar o acesso escolarizao mdia.

    As trajetrias sociais dessas mulheres foram estudadas, inicialmente, a partir

    da anlise das respostas obtidas atravs da aplicao de um extenso questionrio

    com questes abertas e objetivas, enviado para formadas no Colgio Estadual Dias

    Velho. No entanto, as trs egressas que integram as anlises desse artigo foram

    escolhidas devido relevncia de suas trajetrias sociais, evidenciadas a partir dos

    marcadores sociais gnero e classe social, e foram investigadas por meio da

    realizao de uma entrevista semiestruturada, cujo objetivo consistiu em obter

    informaes mais detalhadas acerca dos trajetos trilhados por essas ex-alunas. A

    1 Para preservar a identidade das entrevistadas, os nomes aqui utilizados so fictcios.

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    relevncia de fontes que permitam uma microanlise, tais como as utilizadas neste

    estudo, deve-se ao fato de que, segundo Martini (2011, p. 99), a anlise de

    contextos mais particulares revelam redes de interdependncia (familiares,

    escolares, polticas, religiosas, entre outras) que explicam fatos sociais, como por

    exemplo, a mobilidade social [...], em casos como o dessas egressas.

    A trajetria social constituda por relaes que se do entre agentes e

    foras presentes no campo (MONTAGNER, 2007, p. 254). Segundo Bourdieu

    (2003, p. 206), campo um microcosmo social que tem jogos, regras e capitais

    especficos, tendo autonomia relativa. Dallabrida (2011, p. 146) afirma que os

    campos so marcados, necessariamente, por disputas pelo controle e legitimao

    dos bens produzidos e classificados, de forma que no seu interior h relaes de

    fora entre posies dominantes e posies inferiores. Nesta direo, no presente

    estudo, intentamos compreender as trajetrias sociais a partir da anlise das inter-

    relaes entre a origem scio-familiar, o percurso escolar e a carreira profissional

    dos agentes sociais. As posies ocupadas por esses agentes no campo levam em

    conta, alm do capital econmico, sobremaneira outras formas de capital elaboradas

    por Pierre Bourdieu para flagrar as desigualdades escolares e culturais, quais sejam:

    capital cultural, capital simblico, capital social e capital informacional.

    Para Bourdieu, o capital consiste na transmisso feita principalmente na

    atmosfera scio-familiar e mais de forma indireta do que direta, de modo que os

    herdeiros adquirem disposies socialmente construdas. Assim, no seio familiar o

    agente social herda um certo capital cultural e um certo ethos, sistema de valores

    implcitos e profundamente interiorizados, que contribui para definir, entre coisas, as

    atitudes face ao capital cultural e instituio escolar (BOURDIEU, 1998a, p. 42).

    Em sua anlise, o socilogo francs define trs diferentes estados para o capital

    cultural, de maneira que este pode ser internalizado no estado incorporado, por meio

    de crenas, valores, hbitos, condutas disposies; no estado objetivado, via

    apropriao de bens culturais como livros e obras de arte; ou, ainda, no estado

    institucionalizado ou capital escolar atravs da posse de ttulos e certificados

    escolares (BOURDIEU, 1998c). O capital cultural incorporado considerado um

    habitus, isto , um sistema de disposies durveis estruturadas a partir do meio

    social que vinculam as prticas e os bens de um agente singular ou de uma classe

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    de agentes (BOURDIEU, 1996, p. 21), sendo definido por Bourdieu (1996, p. 22)

    como:

    princpios geradores de prticas distintas e distintivas [...] esquemas classificatrios, princpios de classificao, princpios de viso e de diviso e gostos diferentes. Eles estabelecem as diferenas entre o que bom e mau, entre o bem e o mal, entre o que distinto e o que vulgar etc., mas elas no so as mesmas. Assim, por exemplo, o mesmo comportamento ou o mesmo bem pode parecer distinto para um, pretensioso ou ostentatrio para outro e vulgar para um terceiro [grifo nosso].

    Para flagrar desigualdades sociais, especialmente nas carreiras profissionais

    e em trajetrias de agentes sociais que integraram s elites, Bourdieu cria o conceito

    de capital social, que constitudo por uma rede de relaes sociais durvel e til

    manuteno e ampliao dos capitais ainda que, para isso, exija-se do sujeito um

    trabalho de instaurao e manuteno (DALLABRIDA, 2012). O capital simblico,

    por sua vez, definido pelo autor como responsvel por dar visibilidade aos sujeitos

    que dele dispem bem como a ttulos, certificados ou instituies conferindo

    prestgio ao indivduo dentro de dado grupo social e atuando, consequentemente,

    como mecanismo de distino nos campos. Em verdade, h efetivamente efeitos

    simblicos em diferentes campos do espao social, que tm capitais, regras e jogos

    especficos.

    Na perspectiva bourdieusiana, o xito escolar e socioprofissional dependem

    do acmulo e inter-relao de diferentes capitais, de maneira que os sujeitos

    pertencentes s classes sociais desfavorecidas tm desvantagem no mercado

    profissional e social. Contudo, contrrio ao determinismo bourdieusiano, Bernard

    Lahire (2004) desenvolveu estudos de cunho microssociolgico, a partir dos quais

    constatou ser possvel a alunos provenientes de camadas sociais desfavorecidas

    atingirem xito escolar e profissional na mesma medida que indivduos nascidos em

    meios sociais favorveis, desde que sejam mantidas condies familiares e/ou

    sociais que favoream o desenvolvimento de caractersticas valorizadas socialmente

    e pelas instituies escolares. Ele argumenta que, ainda que as condies

    econmicas e culturais sejam, indubitavelmente, fatores que exercem fortes

    influncias sob a relao do sujeito com o saber, a presena dos capitais s faz

    sentido e surte efeitos quando se encontram formas adequadas para a transmisso

    dos mesmos.

  • ATOS DE PESQUISA EM EDUCAO - PPGE/ME ISSN 1809-0354 v. 8, n. 2, p. 756-777, mai./ago. 2013 DOI http://dx.doi.org/10.7867/1809-0354.2013v8n2p756-777 762

    Os instigantes conceitos bourdieusianos que permitem compreender as

    desigualdades sociais movimentadas na esfera microssociolgica, tal qual a

    concebe Bernard Lahire, so a clave terica construda para ler as trajetrias sociais

    das trs egressas do Colgio Estadual Dias Velho. Estas mulheres, objetos do

    presente artigo, so consideradas nesta leitura como trnsfugas, isto , agentes

    sociais que, por meio do xito escolar, romperam as suas barreiras de classe social

    e de gnero.

    2 UMA ASSDUA LEITORA AJUDADA POR MEDIADORAS SOCIAIS

    A entrevista realizada com Adlia ocorreu em sua residncia, localizada em

    uma rea relativamente privilegiada da cidade de Florianpolis2, onde residem,

    sobretudo, famlias de classes mdias e mdias altas. A casa, cuidadosamente

    organizada e decorada com fotos da famlia e objetos relacionados religio

    catlica, deixava transparecer, em seus detalhes, muito sobre a trajetria de vida

    desta egressa. Na mesa central da sala de estar encontrava-se uma bblia aberta e,

    nos demais mveis, estavam tambm dispostas algumas imagens de santos e

    anjos. Em um destes mveis havia um quadro de formatura do marido de Adlia j

    falecido. Junto a este quadro, trofu que atestava o sucesso escolar do marido.

    Estavam tambm posicionadas algumas fotografias da famlia. Cada detalhe da

    residncia reflete a trajetria desta trnsfuga, cuja histria hoje marcada

    principalmente por sua dedicao famlia.

    Adlia nasceu em 1932 na cidade de Canoinhas (Santa Catarina) e

    permaneceu nesta pequena cidade at a idade de oito anos, quando migrou para

    Florianpolis. Durante o perodo em que viveu em sua cidade natal, teve sua

    infncia marcada por dois rompimentos biogrficos marcantes: a morte de sua

    me, em 1937, quando tinha apenas cinco anos de idade, e a infeco de seu pai

    2O local onde as trnsfugas aqui analisadas residiam poca das entrevistas consiste em um

    possvel indicativo da posio social que ocupavam no campo, uma vez que, por serem percebidos

    na cidade como locais onde residia um seleto grupo de sujeitos, funcionavam como propriedade

    distintiva. Segundo Bourdieu (1996, p. 23), uma propriedade s se torna uma diferena visvel,

    perceptvel, no indiferente, socialmente pertinente, se ela percebida por algum capaz de

    estabelecer a diferena.

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    pelo mal de Hansen, fato este que fez com os dois fossem obrigados a abandonar a

    chcara em que viviam na cidade natal para tornarem-se internos de

    estabelecimentos destinados ao tratamento de hansenianos e de observao dos

    filhos de infectados. Fato ocorrido ainda no incio de sua infncia, este internamento

    compulsrio tornou-se um divisor de guas na trajetria social desta ex-aluna, pois,

    ainda que no fosse portadora da doena do pai, o desconhecimento mdico acerca

    da maneira como ocorria o contgio fez com que acabasse por ser tambm retirada

    do contexto familiar e internada em um educandrio destinado a filhos de pais

    hansenianos, onde a levavam a centros mdicos para realizar exames peridicos.

    Aps o internamento do pai de Adlia, a situao financeira da famlia agravou-se,

    uma vez que ambos passaram a ser sustentados pelos cofres pblicos, pois no

    tinham casa, bens ou quaisquer valores que pudessem destinar sua subsistncia.

    Filha nica e alvo de grande apreo por parte de seu pai um homem

    considerado muitssimo inteligente e que havia concludo o ensino primrio em uma

    escola confessional privada e bem conceituada na cidade de Canoinhas Adlia foi

    iniciada nas letras muito cedo. Segundo ela, seu pai era uma referncia na cidade

    onde vivia, onde era constantemente consultado pelos lavradores de terras para que

    realizasse clculos referentes aos hectares de terras, plantao e colheitas.

    Preocupado com a escolarizao da filha, em seu aniversrio de seis anos, o pai a

    presenteia com a cartilha com a qual ele aprendera a ler e passa a ensinar Adlia

    as lies de primeiras letras e nmeros, de forma que, ao entrar no ensino primrio

    do grupo escolar do Educandrio Santa Catarina, ela j sabia ler e contar com

    destreza e diferenciava-se das demais colegas. Diz ela:

    [...] ele [o pai], apesar de a gente est l naquele interior, ele fazia questo, assinava revistas, que chegavam muito atrasadas, jornal tambm chegava atrasado, mas chegava. O almanaque ento era sagrado! Naquela poca sempre se recebia tambm. E tudo isso ele lia e eu tambm lia. Ele foi me ensinando muito. E a leitura eu tirava sempre bem porque tive esse princpio. Desde os seis anos eu estava acostumada. Mesmo quando eu era pequena ele fazia as leituras, fazia leituras da bblia, fazia leituras instrutivas... Eu me lembro que o primeiro livro, ento eu lia de fio a pavio o livro que ele me deu, que foi a cartilha dele [...] o hbito eu herdei acho que do papai (VIEIRA, 2011, p. 04).

    Ao analisar a origem social e o incio do percurso escolar desta egressa fica

    claro que o constante incentivo leitura, inicialmente feito pelo pai e depois

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    retomado por aquelas que passaram a ser responsveis por sua educao e

    escolarizao, foi interiorizado e permitiu a ela que agregasse ao seu habitus de

    classe popular uma disposio reservada principalmente s moas de elite, o que

    figurou como um aspecto favorvel aos seus estudos: o domnio da cultura escrita. A

    incorporao desta disposio de gosto pela leitura e pelos estudos foi o primeiro

    fator favorvel ao sucesso escolar para esta egressa, vindo a figurar como

    caracterstica de destaque em seu percurso escolar e sendo o motivo pelo qual foi

    incentivada pela irm3 diretora do educandrio a prosseguir nos estudos e ingressar

    no ginasial, distinguindo-se das demais alunas, que no seguiram o mesmo

    caminho.

    Adlia no fazia parte de uma famlia com elevado capital econmico,

    tampouco havia sido criada em uma famlia de grande prestgio social ou munida de

    amplas redes de relaes sociais das quais poderia beneficiar-se, mas contou com

    os esforos do pai para transmitir por vias familiares e fazer multiplicar com auxlio

    da escola, sua nica herana: um modesto volume de capital cultural. No

    possvel, contudo, analisar a trajetria social desta ex-aluna tomando como base

    apenas o capital cultural da famlia e seu percurso escolar exitoso. Neste sentido,

    faz-se necessrio mencionar que, no primeiro momento da trajetria social da

    egressa, que compreende o percurso escolar e se passa, portanto, no campo das

    instituies de ensino, o capital cultural tem um maior valor simblico agregado.

    Contudo, tendo concludo o curso ginasial no CEDV e, tendo em vista sua

    necessidade de comear a trabalhar para a prpria subsistncia, fez-se necessrio,

    alm do capital cultural, a movimentao de outros capitais que Adlia no possua.

    Passou a ser decisiva, neste sentido, a atuao de mediadores sociais que a

    auxiliassem e permitissem que fosse em frente.

    A trajetria social desta egressa contou com a presena de duas importantes

    mediadoras sociais, mulheres que, percebendo a desenvoltura e capacidade que

    possua, colocaram seus capitais em movimento nos campos para propiciar seu

    progresso escolar e, posteriormente, profissional. A primeira destas mediadoras foi a

    irm diretora Joaquina Feuser, que, fazendo uso do capital informacional4 que

    3 Freira de uma congregao religiosa ligada Igreja Catlica catarinense.

    4Bourdieu (1998a, p. 45), denomina capital de informaes ou capital informacional, como aqui

    denominado o conjunto de informaes sobre o funcionamento da escola, do sistema universitrio e

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    detinha, incentivou a egressa a dedicar-se aos estudos e tentar o ingresso no

    Colgio Estadual Dias Velho. Incentivando-a tambm para alm do campo escolar,

    essa irm ensinava-a ofcios que considerava importantes e, colocando em

    movimento o capital social de que dispunha, indicou-a ao seu primeiro emprego

    como secretria da esposa do ento governador do Estado de Santa Catarina Irineu

    Bornhausen. A segunda mediadora social apontada pela egressa foi Marieta

    Bornhausen, primeira dama catarinense, por quem a egressa foi chamada para

    trabalhar na Legio Brasileira de Assistncia (LBA) e, aps alguns anos de atuao,

    foi tambm incentivada a fugir da instabilidade dos cargos comissionados e polticos

    e buscar ingresso no funcionalismo pblico, o que a levou a prestar concurso no ano

    de 1955 e ingressar no servio pblico estadual.

    No dia 25 de maro de 1955 ocorreu a solenidade oficial da instalao da

    Faculdade Catarinense de Filosofia e, logo, tiveram incio as aulas do curso de

    Letras Clssicas. Ao buscar relembrar este perodo, Adlia afirma que j nos

    primeiros dias de aula as dificuldades comearam a se fazer presentes. Os

    obstculos enfrentados pela egressa dificuldades de locomoo e horrio, que se

    agravaram principalmente aps o casamento fazem com que a trajetria

    universitria de Adlia seja logo interrompida. Ainda que contasse com disposies

    que facilitavam o domnio da cultura escrita, o que, sem dvidas, facilitaria sua

    trajetria universitria no Curso de Letras Clssicas, Adlia forada a abrir mo

    dos estudos e passa a se dedicar ao emprego e, de forma especial, famlia. O

    discurso desta egressa acerca de sua trajetria social torna possvel percebermos

    os limites de expanso deste espao dos possveis (BOURDIEU, 2004, p. 307).

    Adlia tinha poucas possibilidades de prosperar nos campos escolar e profissional,

    mas contou com certo grau de capital cultural, herdado via socializao paterna e

    com o auxlio de mediadoras sociais que a auxiliaram na busca por novas e

    melhores posies nestes campos. Contudo, ainda que tivesse conquistado os

    espaos e disposies necessrias para que pudesse quebrar a lgica social em

    que se encontrava por condio sociofamiliar, h um momento em que o avano

    desta trnsfuga estancado.

    sobre a dinmica das carreiras, bem como as sanes e recompensas que fazem parte do jogo

    colocado em prtica nestas instituies, que possibilita que o sujeito vislumbre escolhas adequadas

    dentro das possibilidades dispostas no campo.

  • ATOS DE PESQUISA EM EDUCAO - PPGE/ME ISSN 1809-0354 v. 8, n. 2, p. 756-777, mai./ago. 2013 DOI http://dx.doi.org/10.7867/1809-0354.2013v8n2p756-777 766

    Embora Adlia tenha desenvolvido no meio familiar e no internato algumas

    das disposies necessrias para o ingresso no ensino superior e o sucesso

    profissional, as limitaes advindas do baixo volume de capitais herdados e as

    condies relacionadas s questes de gnero poca fizeram com que a egressa

    desistisse e abrisse mo de sua vida acadmica em favor da carreira do marido. Ela

    retorna ento suas aspiraes para aquelas possibilidades que se encontram dentro

    de suas condies, tornando-se inconscientemente cmplice dos processos que

    tendem a realizar o provvel (BOURDIEU, 1999, p. 91).

    3 AUTOMOTIVAO E CONCENTRAO DE INVESTIMENTOS

    A entrevista realizada com a egressa Lourdes, formada no Curso Clssico do

    Colgio Estadual Dias Velho no ano de 1957, ocorreu tambm em sua residncia,

    um amplo apartamento localizado em um dos bairros mais nobres da cidade de

    Florianpolis, onde se agrupa uma parcela estritamente selecionada da populao

    da cidade. A sala onde ocorreu a conversa era ampla, arejada, iluminada e contava

    com belos mveis, cuidadosamente dispostos. A atmosfera evidenciava a forte

    formalidade do encontro, fruto do habitus professoral da entrevistada, evidenciado a

    partir de uma hexis corporal diferenciada: a egressa expressava-se muitssimo bem

    e demonstrava uma natural elegncia nos gestos.

    Nascida na cidade de Florianpolis em 1939, Lourdes residiu desde a infncia

    em Blumenau (Santa Catarina), onde seu pai, funcionrio pblico do Banco do

    Brasil, atuava como bancrio, proporcionando-lhe o que Lahire (2004, p.24)

    denominou economia domstica estvel. Filha nica em uma famlia de classe

    mdia, Lourdes sempre foi alvo de todos os investimentos dos pais, que no

    mediam esforos para que a mesma pudesse ter uma vida confortvel e livre de

    privaes. Buscando investir na vida escolar da nica filha, o pai, que era esprita,

    ao perceb-la entrando em idade escolar, busca coloc-la em uma escola privada

    confessional da cidade de Blumenau, mas tem sua tentativa de matrcula rejeitada

    devido ao fato de a famlia no seguir a doutrina catlica o que no foi visto com

    bons olhos pelas irms que conduziam o colgio. Impedida de frequentar o colgio

    privado da regio foi ento matriculada no Grupo Escolar Luiz Delfino, onde concluiu

    o curso primrio.

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    Desde os primeiros anos de socializao, Lourdes foi incentivada a dedicar-se

    aos estudos e desenvolveu disposies e prticas favorveis ao sucesso escolar.

    Seus pais, detentores de certo nvel de capital escolar ambos haviam concludo o

    curso complementar, o que, para a poca, era distintivo contando com a ajuda de

    uma tia que era professora e residia junto famlia, alfabetizaram-na antes do

    ingresso no curso primrio, bem como proporcionaram-lhe aulas de francs e

    incentivavam-na leitura, presenteando-a com gibis e livros, despertando na menina

    a curiosidade e o desejo pelos livros. No discurso da ex-aluna, fica evidente,

    sobretudo, a importncia do incentivo do pai para a construo de uma disposio

    de gosto pela leitura:

    Eu tirava sempre notas boas e meu pai sempre me estimulou leitura, principalmente quando era pequena. Tinha gibis, gibizinhos, e os gibis tinham continuao na outra semana... O gibi era semanal e vinha ento, continuava na semana seguinte. E eu ficava ansiosa que ele trouxesse a nova edio para eu ler a continuao das historias de gibis (VIEIRA, 2012a, p. 01).

    Lahire (2004) d nfase importncia da interveno e do investimento

    familiar para que o ambiente domstico crie uma atmosfera favorvel construo

    de disposies que concorram ao sucesso escolar. No caso de Lourdes, alm de um

    constante incentivo prtica de leitura, que proporcionou grande familiaridade com a

    cultura escrita, a egressa recebeu dos pais e familiares bons sentimentos a respeito

    da escola e do saber. A partir do momento em que o aprendizado e as prticas de

    leitura e de estudos configuravam-se como momentos de socializao familiar e

    ocasies em que recebia o afeto dos pais e da tia, ensinava-se a ela que aprender

    era algo positivo, diminuindo-se, assim, as possveis tenses da criana frente

    escola (LAHIRE, 2004, p. 20).

    Aps a concluso do curso primrio, Lourdes ingressou no Curso Ginasial do

    Colgio Pedro II, estabelecimento de ensino pblico e gratuito localizado em

    Blumenau. Segundo essa ex-aluna, a aprovao no exame de admisso artefato

    de seleo cuja aprovao na poca, era imprescindvel para o acesso ao ensino

    secundrio , foi marcada por muitas tenses, exigindo grande dispndio de tempo e

    esforos. O ingresso dela no Colgio Estadual Dias Velho ocorreu em 1951, quando,

    devido transferncia de seu pai para Florianpolis, a famlia obrigou-se a mudar

    para a capital catarinense. Segundo a egressa, a escolha pelo Colgio Estadual

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    Dias Velho deu-se, sobretudo, pelo fato de j terem passado pela experincia de ter

    a matrcula rejeitada em uma escola confessional privada, de forma que seus pais

    no cogitaram transferi-la para o Colgio Corao de Jesus, optando ento pelo

    ensino pblico e laico. A egressa ressaltou, ainda, que a qualidade do ensino

    ministrado no Colgio Estadual Dias Velho era equivalente ao do Colgio Pedro II

    ambos eram colgios mantidos pelo governo estadual que detinham capital

    simblico no subcampo do ensino secundrio catarinense de modo que a

    transferncia se deu sem problemas.

    Desde jovem, Lourdes nutria o sonho de prestar vestibular para o Curso de

    Matemtica. Contudo, tolhida pela escassez de ofertas de cursos superiores na

    capital catarinense at a dcada de 1960, quando foi criada a Universidade Federal

    de Santa Catarina, e ciente de que, por questes de gnero, no poderia sair de

    Florianpolis para frequentar curso superior em outra cidade, abdicou de ingressar

    no curso cientfico, que a direcionaria para as cincias exatas, e optou pelo curso

    clssico, tendo em vista o ingresso no Curso de Histria na Faculdade de Filosofia

    de Florianpolis, alternativa esta que figurava como uma opo menos atrativa e

    distante de suas expectativas, mas que se aproximava mais de suas reais

    possibilidades.

    Limitando-se ao espao dos possveis (BOURDIEU, 2004, p. 307) que se

    configurava por sua condio de mulher, Lourdes ingressou no Curso de Histria da

    Faculdade de Filosofia no ano de 1957. Iniciou-se, ento, sua trajetria como

    docente: antes mesmo de concluir o Curso de Histria, em 1960 a egressa passa a

    dar aulas no Colgio Estadual Dias Velho, dividindo espao no campo profissional

    com aqueles que haviam sido seus professores poucos anos antes. No ano

    seguinte, Lourdes conclui esse curso superior e, em 1972, presta concurso para

    ingressar como docente na recm fundada Universidade Federal de Santa Catarina,

    vindo a ser aprovada e passando a fazer parte, ento, da elite intelectual

    florianopolitana.

    A atual situao econmica privilegiada desta trnsfuga de classe no se

    deve, contudo, apenas ao seu triunfo profissional como docente. A carreira de

    sucesso angariada pela egressa, ainda que pudesse oferecer certo status

    econmico e social, por tratar-se de uma ocupao como professora de nvel

    superior em uma universidade pblica, tornou-se mais rentvel a partir de uma

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    aliana matrimonial favorvel manuteno e multiplicao dos capitais que at

    ento dispunha: seu esposo era auditor fiscal da Receita Federal, carreira de grande

    prestgio e cuja remunerao proporcionava, j naquela poca, um relevante nvel

    de capital econmico. As escolhas do casal, da mesma forma, concorreram tambm

    para uma maior acumulao de capitais, conforme ela rememora:

    Financeiramente eu melhorei, lgico. Porque eu me casei, meu marido era auditor fiscal da Receita, tinha um alto salrio... Ento tudo isso no s da minha parte, mas da dele tambm. Eu tive s uma filha, ento tudo isso levou a um nvel econmico e social melhor (HUBENER, 2012, p. 07)

    A disposio de desejo pelos estudos, construda na infncia a partir da

    socializao familiar e fortalecida pela passagem por estabelecimentos de ensino

    pblico de qualidade, fez-se presente durante toda a trajetria de Lourdes, de forma

    que, enquanto professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a

    egressa prosseguiu aperfeioando-se, concluindo cursos de ps-graduao em nvel

    de especializao e de mestrado. Pode-se afirmar que o sentimento que a motivava

    a estudar que por diversas vezes durante a entrevista denominado pela egressa

    de automotivao nada mais do que expresso de um habitus ou uma

    disposio que, enquanto produto incorporado de uma socializao (LAHIRE,

    2004, p. 28), surtiu seus efeitos durante toda a trajetria da egressa, mesmo nos

    momentos em que deixou de existir interveno direta dos pais. Em outras palavras,

    os sistemas de preferncias adquiridos a partir da socializao familiar, passaram

    a orientar diretamente seus comportamentos, suas condutas, suas escolhas e seus

    gostos (BOURDIEU; CHARTIER, 2010, p.57-9), principalmente no que dizia

    respeito escolarizao, conduzindo-a ao sucesso escolar e profissional.

    Lourdes pertencia a uma famlia com volume mediano de capitais cultural e

    econmico e pouco volume de capital social. Contudo, fez-se valer a estratgia

    familiar de concentrar seus investimentos em uma nica filha, que deteve todos os

    privilgios de uma configurao familiar onde se tem um nico herdeiro. Ainda que

    quando jovem no pertencesse a uma elite econmica ou intelectual, ela pde

    dedicar-se exclusivamente aos estudos at a concluso do Ensino Secundrio no

    Colgio Estadual Dias Velho, pois contava com o apoio financeiro da famlia, o que

    no era uma realidade comum a todas as jovens que cursavam esse nvel de

    escolarizao naquela instituio no perodo pesquisado. Deve-se destacar ainda

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    que, embora contasse com alguns privilgios prprios de sua configurao familiar,

    Lourdes sofreu tambm com limitaes advindas de sua condio de mulher: no

    pde cursar a faculdade que desejava por estar limitada aos cursos oferecidos na

    cidade onde residia ainda que tenha vindo, mais tarde, a encarar tal falta de opo

    com certo otimismo, considerando-se profissionalmente realizada.

    Por outro lado, para alm das limitaes prprias da situao das mulheres

    poca, pde-se perceber a importncia de uma aliana matrimonial favorvel

    manuteno e multiplicao de capitais uma vez que muito do alcanado pela

    egressa no que diz respeito a questes econmicas e sociais, deveu-se

    estabilidade proporcionada pela juno dos benefcios do seu excelente salrio

    como professora universitria, bem como do status do marido.

    Segundo Bourdieu (1996, p. 29) preciso construir o espao social como

    estrutura de posies diferenciadas, definidas, em cada caso, pelo lugar que

    ocupam na distribuio de um tipo especfico de capital. Menciona-se, nesta

    direo, que ainda que a trajetria social desta egressa no permita defini-la como

    uma trnsfuga radical, visto que em sua infncia desfrutou dos benefcios de ser a

    nica filha em uma famlia pertencente classe mdia, o volume de capitais

    acumulado por Lourdes ao longo de sua trajetria permitiu que esta alcanasse uma

    melhor posio no campo em que se movimentava, passando esta a fazer parte da

    elite da cidade de Florianpolis. importante ressaltar que quando a denominamos

    pertencente elite desta capital, temos em mente a configurao de um campo

    onde as famlias abastadas so compostas, sobretudo, por funcionrios pblicos que

    ocupam cargos elevados e empresrios, no sendo fator comum neste espao

    social a presena macia de elites agrrias ou fabris. Levou-se em considerao

    para esta anlise, portanto, os princpios de diferenciao prprios do campo

    analisado.

    4 A ADVOGADA QUE SE DEDICOU AO LAR

    A entrevista realizada com a egressa Lcia ocorreu em sua residncia, uma

    ampla casa localizada em uma rea muitssimo privilegiada do centro de

    Florianpolis. A residncia, ainda que discreta e pintada em tons sbrios,

    denunciava sua imponncia em meio a prdios e conceituados estabelecimentos de

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    sade de Florianpolis. A conversa ocorreu na sala de jantar da sua casa, um amplo

    cmodo bem arejado e mobiliado, onde era possvel encontrar um grande nmero

    de fotos da famlia da egressa.

    Lcia nasceu em 1933 na cidade de Porto Alegre, onde residiu durante parte

    considervel de sua infncia. Integrante de uma famlia com cinco filhos e cujo pai

    era funcionrio da Companhia Telefnica de Porto Alegre, pde desfrutar de alguns

    privilgios educacionais, ainda que estes dependessem de certo esforo por parte

    de seus pais: desde os primeiros anos de escolarizao, ela e seus irmos

    frequentaram os melhores colgios de Porto Alegre e Florianpolis, entre eles o

    Colgio Corao de Jesus e o Colgio Catarinense. Sendo a filha mais nova de seu

    ncleo familiar, essa egressa tinha cinco anos quando, por ocasio do afastamento

    do pai da Companhia Telefnica de Porto Alegre, devido a uma acusao poltica

    que recebera e nunca fora comprovada, relacionada ao governo de Getlio Vargas,

    mudou-se para Florianpolis para que o pai trabalhasse na Empresa Telefnica.

    A egressa relata que, embora as mensalidades dos educandrios que ela e

    os irmos frequentavam fossem altas e o pai fosse um profissional cuja situao

    financeira no permitia luxos, nenhum membro da famlia fora contemplado com

    bolsas. As dificuldades, contudo, faziam-se presentes, pois, segundo ela: s vezes

    as freiras, a tesoureira, mandavam perguntar e falar. Ento s vezes que a gente

    ficava realmente vendo a situao [...] (VIEIRA, 2012b, p. 02). Por outro lado,

    mesmo aps a inaugurao do CEDV e a oferta de ensino secundrio gratuito na

    instituio, a transferncia passou a ser considerada uma opo vivel apenas aps

    algumas dificuldades de aprendizagem da egressa fazerem-se presentes, fato que

    figurou como um dos motes para que a aluna tentasse ingresso no CEDV aps

    concluir o curso Ginasial no Colgio Corao de Jesus, cursando um ano do Curso

    Normal na instituio e, posteriormente, transferindo-se para o Curso Cientfico.

    A hiptese de que o sucesso escolar de Lcia decorreu do fato de seus pais

    priorizarem a educao dos filhos e concentrarem a maior parte do capital

    econmico que detinham em investimentos para este fim evidenciada a partir da

    fala da egressa, quando afirma que [...] ns no tivemos casa. Em Porto Alegre at

    tnhamos, aqui no comprou, pagava aluguel. E, com o trabalho dele [do pai] na

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    Telefnica, ele sempre procurou custear, realmente. Minha me era dona de casa5

    (GOMES, 2012, p. 02). Nesta direo, fica evidente que, ainda que seus pais no

    detivessem alto nvel de capital econmico, encontraram vias de transmisso e de

    reconverso deste em capital escolar a partir de um superinvestimento na educao

    dos filhos. Como resultado desta grande dedicao tem-se o fato de que todos os

    irmos de Lcia seguiram nos estudos, concluindo cursos universitrios de prestgio

    e conquistando espaos de destaque nos campos social e profissional. Seguindo

    esta tendncia, a egressa prestou vestibular e ingressou no curso de Direito da

    UFSC, concluindo a graduao apenas em 1962, devido a algumas interrupes e

    obteve o registro na Ordem dos Advogados de Santa Catarina, mas no atuou

    profissionalmente.

    Nesta direo, interessante destacar o fato de que a dificuldade em inserir-

    se no mercado de trabalho um dos fatos de maior destaque na trajetria social de

    Lcia. Ainda que a egressa tenha concludo um dos cursos de maior capital

    simblico no subcampo de ensino universitrio de Florianpolis, no encontrou vias

    de tornar rentvel o capital escolar acumulado. No primeiro momento da trajetria

    desta ex-aluna, a escolha pela famlia prevaleceu, uma vez que a egressa relata

    que, devido ao fato de ter contrado matrimnio quando estava no segundo ano do

    curso de Direito, teve de trancar a matrcula por alguns anos. Ela relata que:

    [...] aconteceu que quando eu estava no segundo eu casei, ns fomos para o interior, ai eu fui obrigada a trancar a matrcula. A voltamos em sessenta, eu fiz os dois anos, mas me arrependi. Porque eu acho que eu deveria ter esperado, como depois eu esperei dez anos pra fazer novamente o estgio, mas engravidei outra vez e fiquei, ns tivemos sete [filhos] e eu fui cuidar da pequena (VIEIRA, 2012b, p. 04).

    Aps dez anos de dedicao ao lar e famlia, Lcia busca ingressar no

    mercado de trabalho, firmando parceria com colegas formadas em Direito. Contudo,

    a demanda de trabalho familiar advinda da opo da egressa de ter um grande

    nmero de filhos tolhe sua vontade de consolidar carreira, fazendo com que, ao

    5 Pode-se considerar, neste sentido, que a transferncia do pai em decorrncia de acusaes de

    natureza poltica configurou-se como um rompimento biogrfico para esta egressa, uma vez que a situao social da famlia modificou-se radicalmente (devido ao afastamento da famlia e amigos) e a situao financeira fora levemente agravada, devido a impossibilidade de adquirem imvel prprio na capital.

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    contrrio das outras colegas com que manteve sociedade por este curto perodo de

    tempo, acabasse por abandonar a atividade profissional:

    [...] Eu tentei advogar com mulheres, ns samos na poca para advogar, tentei, comecei, mas realmente foi... Era muita criana, naquela poca tinha filho, n? Apesar de que tem pessoas que com filho conseguiram trabalhar, se aposentar e ter carreira, fazer carreira [...] at minhas colegas que estavam conosco saram. Uma deu aula no [Colgio] Catarinense, s uma ficou sozinha advogando, outra fez concurso, outra tambm encaminhou para o concurso pblico [...] (VIEIRA, 2012b, p. 04).

    A privilegiada situao econmica e social da egressa no fora, contudo,

    significativamente prejudicada pelo abandono da carreira. Casada com um ex-aluno

    do Colgio Catarinense, mdico e vinculado maonaria, Lcia relata nunca ter tido

    dificuldades financeiras devido ao esforo do marido. importante destacar a

    importncia da aliana matrimonial firmada pela egressa, uma vez que, ainda que

    seu esposo no tivesse uma origem social privilegiada, encontrou, a partir da

    apropriao do ensino de qualidade recebido no Colgio Catarinense e,

    posteriormente, no Curso de Medicina, vias de converter o capital escolar que

    possua em capital econmico e social, podendo oferecer uma vida de conforto

    esposa e aos sete filhos.

    Lcia fazia parte de uma famlia de classe mdia que, devido ao grande

    nmero de integrantes, tinha dificuldades em manter o custeio da escolarizao dos

    filhos. No entanto, a importncia dada pelos pais escolarizao e, certamente, o

    capital cultural do pai contador , fez com que todos os filhos conclussem os

    estudos e ingressassem em bons cursos universitrios. Ao contrrio das demais

    egressas cujas trajetrias sociais so analisadas neste escrito, que atuaram

    profissionalmente e obtiveram carreiras exitosas, a aliana matrimonial de Lcia e

    sua opo por dedicar-se ao cuidado dos filhos acaba por ser o fator que torna

    possvel a superao da condio econmica e social de seu ncleo familiar de

    origem. Assim, a partir do sucesso profissional do marido que essa ex-aluna

    conquista novas e melhores posies nos campos econmico e social.

    5 ANOTAES FINAIS

  • ATOS DE PESQUISA EM EDUCAO - PPGE/ME ISSN 1809-0354 v. 8, n. 2, p. 756-777, mai./ago. 2013 DOI http://dx.doi.org/10.7867/1809-0354.2013v8n2p756-777 774

    A anlise da trajetria social das trnsfugas aqui estudadas torna possvel a

    compreenso dos efeitos e da importncia de um ambiente de socializao familiar

    que concorra ao desenvolvimento de um habitus de desejo pelos estudos e

    construo de disposies favorveis ao sucesso escolar. Durante o perodo de

    escolarizao, no caso das egressas Adlia e Lourdes, a situao de xito esteve

    intimamente ligada motivao e concentrao dos investimentos familiares. Por

    serem filhas nicas, essas mulheres foram alvos de todas as estratgias e

    dedicao dos pais, o que fez com que se percebessem investidas de grande

    importncia e se dedicassem com afinco s obrigaes escolares, mesmo quando

    deixou de haver vigilncia por parte de seus responsveis. No caso Lcia, o sucesso

    escolar esteve vinculado, especialmente, ao investimento econmico dos pais em

    instituies de ensino de prestgio, o que tornou possvel egressa o acmulo de

    capital escolar.

    A prtica de leitura foi tambm uma constante em duas trajetrias sociais. O

    hbito cultivado no ambiente domstico desempenhou um importante papel na

    construo da imagem formulada por Adlia e Lourdes acerca da importncia da

    escola e ofereceu condies para que alcanassem xito nos campos em que se

    inseriram ao longo de seus percursos escolares e carreiras profissionais. Assim

    como as meninas provenientes de classes sociais abastadas, essas egressas

    iniciaram na corrida pelo sucesso escolar com vantagens que se refletiram por todo

    o percurso por elas traados: ambas entraram nos primeiros anos de escolarizao

    dominando com desenvoltura a leitura e a escrita e liam com muita frequncia, alm

    de estarem revestidas de um sentimento de valorizao do saber escolar que as

    projetava para o sucesso. Destaca-se tambm que, ainda que essas egressas no

    fizessem parte de famlias com volumes elevados de capitais, em ambos os casos

    encontraram-se condies, a partir do superinvestimento afetivo que a elas era

    direcionado, para que se apropriassem da herana familiar e superassem a

    condio social e cultural dos pais.

    O estudo do caso dessas trnsfugas permitiu-nos auferir tambm os limites

    da condio social feminina na dcada de 1950 e a influncia das alianas

    matrimoniais no delinear da trajetria social de mulheres detentoras de volumes

    pouco considerveis de capitais. Nos trs casos analisados a condio social e

    econmica alcanada pelas egressas devia-se tambm e principalmente ao fato

  • ATOS DE PESQUISA EM EDUCAO - PPGE/ME ISSN 1809-0354 v. 8, n. 2, p. 756-777, mai./ago. 2013 DOI http://dx.doi.org/10.7867/1809-0354.2013v8n2p756-777 775

    de terem casado com homens que angariaram xito em suas carreiras. Todavia, no

    caso das ex-alunas Lcia e Adlia, o casamento figurou tambm como o mote para

    que finalizassem os sonhos de concluir um curso universitrio ou atuar

    profissionalmente, o que denuncia casos onde, ainda que houvesse todas as

    condies e disposies necessrias transgresso, opta-se pelas escolhas mais

    palpveis e condizentes com as condies scio-familiares.

    Por fim, gostaramos de mencionar o fato de que de um modo mais ou menos

    intenso as trajetrias dessas egressas examinadas indicam que elas foram ao

    mesmo tempo trnsfugas de classe social e de gnero. Em dois dos casos

    colocaram-se tambm outros aspectos, como o fato de Lourdes e Adlia

    reproduzirem o ambiente familiar em que foram socializadas e direcionarem seus

    investimentos e capitais em uma nica filha herdeira que foi alvo de investimentos

    concentrados.

    LETCIA VIEIRA Mestranda no Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). NORBERTO DALLABRIDA Doutor em Histria Social pela Universidade de So Paulo (USP) com Ps-Doutorado na Universit Rene Descartes (Paris V). Professor efetivo e pesquisador no Curso de Pedagogia e no Programa de Ps-Graduao em Educao (Mestrado e Doutorado) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).

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