transformaÇÕes do modo de morar nas … · a constituição de um submercado informal, enten-dido...

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CADERNO CRH, Salvador, v. 23, n. 59, p. 235-253, Maio/Ago. 2010 235 Nelson Baltrusis Este trabalho foi desenvolvido no âmbito da pesquisa sobre o mercado imobiliário informal em Salvador e se propõe a compreender as transformações nas formas de moradia, particularmen- te dos mais pobres, ocorridas nas grandes cidades brasileiras. Abordaremos a questão da estruturação do espaço de morar de ricos e pobres, causada pela implementação do modo de produção pós-fordista. Em seguida, será abordado o tema da mercantilização do espaço de morar dos pobres, as favelas e assentamentos irregulares, que se tornam mercadorias num submercado informal. Veremos como esse tipo de transação se estabeleceu nas cidades latino- americanas e brasileiras, destacando a ocorrência desse fenômeno nas grandes cidades brasi- leiras, entre elas São Paulo e Salvador. E, por último, trataremos da retomada dos programas de provisão habitacional em Salvador. Para tanto, realizaremos algumas considerações sobre a política habitacional nas últimas décadas e o significado dos novos programas para a constru- ção de uma cidade mais justa e democrática. PALAVRAS-CHAVE: transformações socioespaciais, cidades contemporâneas, segregação, Salvador – Bahia. DOSSIÊ TRANSFORMAÇÕES DO MODO DE MORAR NAS METRÓPOLES CONTEMPORÂNEAS - novos discursos, velhos problemas Nelson Baltrusis * INTRODUÇÃO A crise habitacional, para a população de baixa renda nas metrópoles dos países não de- senvolvidos, está associada ao modelo de cresci- mento dessas cidades no processo de industria- lização do pós-guerra. No Brasil, como assinala (Kowarick, 2009), entre 1930 e 1980, houve um deslocamento significativo da população rural e dos pequenos aglomerados para as grandes cida- des. De acordo com esse autor, tal tipo de mobili- dade territorial significou, e ainda significa, para essa população ... escapar da miserabilidade e da violência per- petrada pelos potentados agrários. Por outro lado, via de regra, ocorria no ponto de chegada, à Me- trópole, inserção nas engrenagens produtivas que podia não ser regular e frequentemente era mal remunerado, porém contínuo, o que abria uma integração na cidade através da autoconstrução, resultando em moradia própria, lentamente conectada aos serviços urbanos básicos (...) (Kowarick, 2009, p. 87-88). Esse processo foi responsável tanto por transformações ocorridas no tecido urbano como também no modo de morar da população. Elas se estabeleceram como suporte socioespacial ao mo- delo de desenvolvimento pactuado pelas elites políticas e econômicas hegemônicas, e serviram à consolidação de um planejamento funcional que organiza as cidades por códigos e regras, dividin- do-as por zonas e setores com atividades distin- tas. Mas as favelas, os loteamentos irregulares, con- siderados como a negação da cidade planejada, foram e continuam sendo vistos por arquitetos, urbanistas, engenheiros, administradores e sani- taristas, “como um erro ou deformação da cidade, ou simplesmente como a própria não-cidade, como um resumo vivo de tudo que deve ser evitado quan- do se fala em desenvolvimento urbano” (Campos, 2010). No entanto, essa tipologia de habitação, autoconstruída de forma progressiva e, muitas ve- zes, precária, foi fundamental para o desenvolvi- mento econômico dos países do capitalismo peri- férico. Caracterizada por Kowarick (1980) como * Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo. Professor do Mestrado em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social da Universidade Católica do Salvador. Pesquisador da Pontifícia Universi- dade Católica de São Paulo e do núcleo do INCT/Obser- vatório das Metrópoles de Salvador. Av. Cardeal da Silva, 205. Cep: 40231-305. Federação - Salvador - Bahia - Brasil. [email protected]

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Nelson Baltrusis

Este trabalho foi desenvolvido no âmbito da pesquisa sobre o mercado imobiliário informal emSalvador e se propõe a compreender as transformações nas formas de moradia, particularmen-te dos mais pobres, ocorridas nas grandes cidades brasileiras. Abordaremos a questão daestruturação do espaço de morar de ricos e pobres, causada pela implementação do modo deprodução pós-fordista. Em seguida, será abordado o tema da mercantilização do espaço demorar dos pobres, as favelas e assentamentos irregulares, que se tornam mercadorias numsubmercado informal. Veremos como esse tipo de transação se estabeleceu nas cidades latino-americanas e brasileiras, destacando a ocorrência desse fenômeno nas grandes cidades brasi-leiras, entre elas São Paulo e Salvador. E, por último, trataremos da retomada dos programas deprovisão habitacional em Salvador. Para tanto, realizaremos algumas considerações sobre apolítica habitacional nas últimas décadas e o significado dos novos programas para a constru-ção de uma cidade mais justa e democrática.PALAVRAS-CHAVE: transformações socioespaciais, cidades contemporâneas, segregação, Salvador– Bahia.

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SS

TRANSFORMAÇÕES DO MODO DE MORAR NASMETRÓPOLES CONTEMPORÂNEAS - novos discursos,

velhos problemas

Nelson Baltrusis*

INTRODUÇÃO

A crise habitacional, para a população debaixa renda nas metrópoles dos países não de-senvolvidos, está associada ao modelo de cresci-mento dessas cidades no processo de industria-lização do pós-guerra. No Brasil, como assinala(Kowarick, 2009), entre 1930 e 1980, houve umdeslocamento significativo da população rural edos pequenos aglomerados para as grandes cida-des. De acordo com esse autor, tal tipo de mobili-dade territorial significou, e ainda significa, paraessa população

... escapar da miserabilidade e da violência per-petrada pelos potentados agrários. Por outro lado,via de regra, ocorria no ponto de chegada, à Me-trópole, inserção nas engrenagens produtivas quepodia não ser regular e frequentemente era malremunerado, porém contínuo, o que abria umaintegração na cidade através da autoconstrução,resultando em moradia própria, lentamente

conectada aos serviços urbanos básicos (...)(Kowarick, 2009, p. 87-88).

Esse processo foi responsável tanto portransformações ocorridas no tecido urbano comotambém no modo de morar da população. Elas seestabeleceram como suporte socioespacial ao mo-delo de desenvolvimento pactuado pelas elitespolíticas e econômicas hegemônicas, e serviram àconsolidação de um planejamento funcional queorganiza as cidades por códigos e regras, dividin-do-as por zonas e setores com atividades distin-tas. Mas as favelas, os loteamentos irregulares, con-siderados como a negação da cidade planejada,foram e continuam sendo vistos por arquitetos,urbanistas, engenheiros, administradores e sani-taristas, “como um erro ou deformação da cidade,ou simplesmente como a própria não-cidade, comoum resumo vivo de tudo que deve ser evitado quan-do se fala em desenvolvimento urbano” (Campos,2010). No entanto, essa tipologia de habitação,autoconstruída de forma progressiva e, muitas ve-zes, precária, foi fundamental para o desenvolvi-mento econômico dos países do capitalismo peri-férico. Caracterizada por Kowarick (1980) como

* Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidadede São Paulo. Professor do Mestrado em PlanejamentoTerritorial e Desenvolvimento Social da UniversidadeCatólica do Salvador. Pesquisador da Pontifícia Universi-dade Católica de São Paulo e do núcleo do INCT/Obser-vatório das Metrópoles de Salvador.Av. Cardeal da Silva, 205. Cep: 40231-305. Federação -Salvador - Bahia - Brasil. [email protected]

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espoliação urbana, ela contribuiu sobremaneira paraconsolidar um processo de industrialização debaixo custo.1

Como se sabe, a década de 1980 foi marcadapor uma crise do modelo de produção fordista, as-sociada à crise dos combustíveis fósseis da décadaanterior. Nas grandes cidades, observou-se, então,uma disputa por uma localização privilegiada nahierarquia do espaço urbano, afetando a distribui-ção das oportunidades territoriais. Grandes plantasindustriais foram abandonadas, criando vazios ur-banos que se somaram a outras áreas desocupadasque aguardavam uma valorização. Esses vazios fo-ram ocupados, em parte, pelos novos pobres, de-sempregados e sem local para morar, organizadosem movimentos de luta pela terra, que promove-ram, a partir de meados de 1980 e inicio da décadade 90, grandes ocupações de terra urbana. Outrasáreas desocupadas, não utilizadas ou subutilizadas,tiveram sua utilização reconvertida por investimen-tos orientados para os negócios e o turismo.

Com isso, tem início uma disputa pelo es-paço. Áreas outrora abandonadas pelo capital eque serviam para a moradia de populações de bai-xa renda passaram a ser objeto de desejo pelosempreendimentos de nova economia urbana.2

Vivencia-se, então, a era urbana dos “rês” – reno-vação, revitalização, reurbanização –, entre outros,objetivando reestruturar o espaço das cidades,valorizar áreas degradadas, tornar visíveis eaprazíveis os centros urbanos, enfim, preparar acidade para a competição mundial. Para Garnier(2010), essa terminologia “visa, sobretudo, dissi-mular uma lógica de classe”, reservando os espa-ços requalificados a uma determinada categoria depessoas, uma vez que

... todos esses que começam por “RE” são a prioripositivos para as cidades, mas excluem comple-tamente a questão social [...] quando um bairro setorna descolado e entra na moda, isso implica queparte dos moradores será descartada. A Regiãomelhora, mas não para as mesmas pessoas (p.10).

A cidade, agora na sua forma mercadoria ecom o rótulo de mundial, adapta-se às necessida-des emergentes do capital mediante projetos estra-tégicos, cuja finalidade é a de atender às novasdemandas por espaço, e a elaboração de projetosurbanos que redesenham as cidades. Partes esque-cidas das cidades, habitadas por uma populaçãode baixa renda, tal como a área central de Salva-dor, o Pelourinho, vivenciam um processo dereestruturação socioespacial cujo objetivo é criaruma competição via mercado, quase nunca favorá-vel aos mais pobres. Como consequência, eles sãoempurrados para áreas precárias, distantes do cen-tro tradicional, agravando o problema da moradianas periferias urbanas.

Levando em conta essas questões, o pre-sente artigo se propõe a compreender as transfor-mações em curso nas formas de moradia da popu-lação de baixa renda nas metrópoles brasileiras.Para isso, ele aborda, inicialmente, a questão daestruturação do espaço para a habitação dos ricose pobres na etapa pós-fordista. Analisa, em segui-da, a mercantilização do espaço de moradia dospobres, as favelas e assentamentos irregulares, coma constituição de um submercado informal, enten-dido no sentido que Gordilho-Souza (2008, p.17)dá ao termo: áreas que se conformam “fora dospadrões formais previstos para parcelamentoshabitacionais e, portanto, à revelia dos códigos enormas urbanísticas estabelecidas”. Assinala comoesse tipo de transformação vem ocorrendo nas gran-des cidades latino-americanas e brasileiras, a exem-plo de São Paulo e Salvador e, finalmente, consi-dera a retomada dos programas de provisãohabitacional e o seu significado para a construçãode uma cidade mais justa e democrática.

1 Autores como Maricato e Singer, entre outros, destacamcomo os trabalhadores de baixa renda, ao suprirem suasnecessidades de morar, ainda de que forma precária emuitas vezes não-legal, nas proximidades da indústria,reduziam os custos de implantação de polos de desen-volvimento industriais.

2 Para efeito deste trabalho, consideramos Nova EconomiaUrbana o modelo pós-fordista responsável pela mudan-ça de modos e processos produtivos, com umrebatimento significativo no espaço urbano e rural, quetiveram de se adaptar e se reestruturar para dar repostasàs novas demandas de produção e consumo.

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O ESPAÇO DE MORAR DOS RICOS E DOSPOBRES NAS CIDADES CONTEMPORÂNEAS

Desde a década de 1980, o modelo deestruturação do espaço urbano para atender àsdemandas da reprodução do capital transnacionalvem contribuindo sobremaneira para aprofundaras desigualdades socioespaciais. Nas últimas trêsdécadas do século XX, os condomínios fechadose os apartamentos de luxo, tipo loft e duplex, nãoapenas se expandiram como passaram a incorpo-rar uma série de serviços diferenciados, como aca-demias, espaços gourmet, salas de vídeo, etc.,transformando a necessidade básica de morar emum conceito comportamental. Nos apartamentos,um dos cômodos se transforma em ambiente detrabalho, ou em uma sala multiuso de lazer. Essespadrões são renovados a cada dia, de acordo coma necessidade do consumidor de espaço para ha-bitar, e essas demandas ampliam sobremaneira oconceito racional-funcionalista.

A casa não é mais a máquina de morarcorbusiana, pelo menos para a classe média alta,pois ela se associa ao lócus de lazer ou do traba-lho. Já não existe mais a separação entre o local detrabalho e o local da residência, o que orientouboa parte da produção dos edifícios e espaços ur-banos na cidade modernista. A cidade se transfor-ma, de acordo com Logan e Molotch (1996), emuma máquina do crescimento. Utilizando o con-ceito desses autores, Fernandes destaca que elapode ser caracterizada “... pelos interesses vela-dos não publicamente defensáveis, dos promoto-res e outras frações das elites urbanas do governoda cidade.” (2001, p. 36).

Objetos de fetiche, os artefatos que se re-produzem na cidade pós-moderna contemporâneaexpressam um estilo de vida pautado numa classesocial, e refletem a forma como essa cidade éreproduzida. Não se trata mais da lógica racional-funcionalista, mas da exacerbação das escolhasindividuais de artigos imobiliários para satisfazergostos e necessidades mais diversas. Esse com-portamento é caracterizado por Lipovetsky (2007)como uma necessidade paradoxal de se encontrar

a felicidade naquilo que ele classifica comohiperconsumo. Baltrusis e Otaviano (2009) obser-vam um comportamento similar nos novos em-preendimentos do mercado imobiliário em SãoPaulo, mas poderíamos ampliar essa observaçãopara outras grandes cidades, como Salvador.

De acordo com Fernandes, essa necessida-de de reproduzir novos empreendimentos para oconsumo de espaço se apoia no fato de que, paraesses hiperconsumidores,

... a cidade é uma máquina do crescimento, apartir da qual se pode promover o uso mais in-tenso da terra, coletar rendas mais elevadas oucapturar riquezas ali produzidas por aqueles naposição adequada para tanto. Sem crescimentoda cidade, desvalorizam-se os ativos nela imobi-lizados – propriedades, comércio, serviço àsempresas e às pessoas, anúncios no jornal, rádioe TV, salários – enfim, a cidade perde valor comoqualquer outra mercadoria quando não encon-tra demanda no mercado e não consegue passaradiante os efeitos da crise de sobre-acumulação(2001, p. 36).

Para Kowarick, uma boa parte dos empre-endimentos voltados para a moradia das classesde rendimentos mais elevados se reproduziu, viade regra, como fortificações urbanas, cujo objetivoera evitar o outro,

... pois a mistura social é vivenciada como confu-são, desarmonia ou desordem [...] trata-se de umasociabilidade enclausurada e defensiva,alicerçada no retraimento da vida privada – acasa –, que rejeita as esferas públicas – a rua –,tida como espaço da adversidade [...] espaço so-cial do anonimato, onde tudo pode acontecer, e,portanto, o local de perigo e da violência (2009,p. 90, grifos do autor).

Podemos dizer que esse comportamento foiresponsável pela fragmentação do tecido urbano.Condomínios de luxo e favelas, enclaves e guetos(Marcuse, 2007) se apresentam como uma novaconfiguração das cidades. Para Caldeira (2008, p.9),isso acontece porque os indivíduos que compõemos segmentos mais ricos das classes sociais “... sesentem ameaçados com a ordem social que tomacorpo (nas cidades) e constroem enclaves fortifica-dos para sua residência, lazer e consumo”.

Ao mesmo tempo em que o espaço de mo-rar das classes mais abastadas se transformava,

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observou-se um crescimento do número de fave-las e da população favelada. Estima-se que um ter-ço da população residente em áreas urbanas dasgrandes metrópoles brasileiras resida em assenta-mentos precários. As favelas e a produção de mo-radias em loteamentos irregulares nas periferias,as ocupações em edifícios abandonados, sob via-dutos, em áreas ambientalmente frágeis e áreas derisco foi o que sobrou aos mais pobres na disputapelo espaço urbano. Os processos de terceirizaçãoe até de quarteirização do setor produtivo indus-trial tornaram precárias as condições de trabalho,pois muitas tarefas, outrora executadas nas gran-des plantas industriais, passaram a ser exercidasem pequenos galpões e até nas vielas de favelas,como observamos nas favelas da Região Metropo-litana de São Paulo, particularmente em Diadema,São Bernardo do Campo e Santo André.

Nessa sociedade do espetáculo e do hiper-consumo, as favelas e os assentamentos irregula-res se transformam também em mercadoria a serconsumida, Em um texto sugestivamente denomi-nado de Favela.com, Valladares descreve as diver-sas atividades da nova economia urbana existen-tes na favela da Rocinha, como sistema de TV acabo, Internet rápida e outras orientadas para oturismo e o lazer, destacando que

... em algumas favelas do Rio de Janeiro, ocorremtransformações sociais e econômicas ligadas àglobalização de uma forma diferente, e tambémque a mesma globalização atua sobre esses mes-mos pobres como fator de integração de tais popu-lações (Valladares, 2004, p. 121, grifo da autora).

Podemos dizer que, atualmente, a popula-ção de baixa renda das favelas ou de assentamen-tos irregulares tem mais condição de acesso aosbens de consumo duráveis que integram a vidacotidiana da sociedade pós-industrial do que mo-

ravam em espaços semelhantes até 1990. Pasternak(1982) também destaca como no município de SãoPaulo houve uma melhoria nas condições de mo-radia dessa população, no que se refere ao acessoaos referidos bens, a serviços urbanos básicos eaos materiais de construção utilizados para erguersua moradia.

Podemos observar que essa mudança tam-bém atingiu domicílios na Região Metropolitanade Salvador, com uma melhora significativa entre1991 e 2001, conforme os dados da Tabela 2.

Em uma pesquisa sobre o mercado imobili-ário na Região Metropolitana de Salvador, Gordilho-Souza e Monteiro constataram como essa melhoriase estendeu às áreas faveladas, assinalando que,

... ao longo da década de 1990, os domicíliosbaianos experimentaram uma melhoria na co-bertura do abastecimento de água à custa, basi-camente, da extensão dos serviços em rede: em2000, cerca de 69,5% das moradias estavam li-gadas à rede geral, contra 52,2% delas, em 1991(Gordilho-Souza; Monteiro, 2009, p.109).

No entanto, não se pode interpretar essasmelhorias vivenciadas por parte da população maispobre como um sinal de que a situação da pobrezase reverteu, e que as favelas e os assentamentos ir-regulares se transformaram, como querem alguns,na solução espontânea para o problema habitacional.Autores como o ambientalista Brand (2010), emum artigo publicado pela revista Prospect, deno-minado “How slums can save the planet”, chega acomparar a solução habitacional encontrada pelos

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países não-desenvolvidos com os ditames do novourbanismo, considerando que esse tipo de assen-tamento poderia contribuir para a preservação domeio ambiente. Segundo ele, o adensamento veri-ficado nas favelas e em outras formas de assenta-mentos populares espontâneos contribuiria para apreservação do meio ambiente, pois a reutilizaçãode material de construção, ou a utilização de mate-riais alternativos, serviria para diminuir os resídu-os, a proximidade entre as moradias viabilizaria umadistribuição mais racional de água, gás e energia, e avida comunitária, reflexo da dinâmica social na fa-vela, poderia ser considerada como um capital so-cial que agregaria vantagens a seus moradores.

O discurso que valoriza as soluções encon-tradas pela população de baixa renda para o seuproblema de moradia não deve ser totalmente des-cartado, principalmente quando se compara com aalternativa dos conjuntos habitacionais produzidosao longo do tempo para atender a esse segmento.No entanto, não devemos nos enganar. Esse discur-so não é recente e, apesar das suas boas intenções,algumas delas remontam à década de 1970, tendosido propostas por Turner (1976) no seu clássicoFreedon to Bult, que reforça a ideia da autoconstruçãocomo a solução para o problema habitacional dospobres, e cujas premissas serviam de inspiração parao discurso de desmonte do Estado.

Como destaca Baltrusis (2005), os organis-mos internacionais utilizam o referido argumentopara desmobilizar as políticas e programas de pro-visão habitacional para a população de baixa ren-da. Partindo da premissa de que essa populaçãotinha capacidade de autoconstruir suas moradiasde forma mais eficiente do que os programas go-vernamentais, por que o Estado deveria aportarrecursos para manter esses programas?

Por conta disso, na década de 1980, come-çam a ser difundidos os programas-piloto de urba-nização e legalização da posse, desenvolvidos deforma pontual e no âmbito local, sem envolver gran-des recursos e procurando dar suporte técnico paraa construção e melhoria do imóvel, prover os as-sentamentos de serviços básicos como água, luz eesgotamento sanitário, assim como promover a

mobilidade, criando ou melhorando o sistema vi-ário da localidade. Nesse sentido, destacamos asexperiências de Recife, Belo Horizonte, Salvador eDiadema.

O recuo das políticas de provisão habitacionalpara baixa renda também pode ser associado à cri-se econômica que o Brasil vivenciava na época e àfalência do Banco Nacional de Habitação em 1986.

Nesse contexto, o espaço das (e nas) favelasse mercantilizou, pois o acesso a um assentamen-to irregular e precário nas grandes cidades brasi-leiras já não se dá pela simples ocupação do solo ea edificação de um barraco, mas via produção,comercialização e locação de imóveis. A carênciade políticas públicas para prover a necessidadehabitacional de baixa renda e o desinteresse domercado imobiliário formal em produzir ecomercializar unidades para atender a essa deman-da criaram um mercado paralelo, informal, capazde produzir, comercializar ou alugar moradias emassentamentos não regularizados, com pouco ounenhum tipo de infraestrutura ou acesso à cidade.O crescimento da informalidade agora passa, ne-cessariamente, pela mercantilização do espaço pro-duzido irregularmente pelos ou para os pobres,muitas vezes com a conivência ou omissão do po-der público constituído, diminuindo, dessa for-ma, a possibilidade de se reduzir a desigualdadesocioespacial de nossas cidades e contribuindo,de modo significativo, para a consolidação de me-trópoles insustentáveis (Baltrusis, 2005).

INFORMAL: o mercado imobiliário para ospobres urbanos

As referências sobre a comercialização deimóveis em assentamentos favelados são recentes.No Brasil, podemos destacar o trabalho de LíciaValladares (“Passa-se uma casa”) sobre o processode comercialização de barracos em uma favela cari-oca que seria atendida com o programa de remo-ção e reacomodação dos moradores no conjuntohabitacional, e o de Maria Ruth de Amaral Sampaiosobre o processo de comercialização surgido du-

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rante a urbanização da favela na década de 1980.Destacam-se, ainda, os trabalhos de Pedro Abramo(2001 e 2003) sobre comercialização e locação deunidades em favelas cariocas, e em várias metró-poles brasileiras e latino-americanas, bem como ostrabalhos de Baltrusis (2000 e 2004) sobrecomercialização e locação de favelas em seis cida-des da região metropolitana de São Paulo.

Nos últimos 40 anos, a população residen-te nas grandes metrópoles latino-americanas au-mentou em mais de 60 milhões de habitantes. Deacordo com Baltrusis (2005), desde os anos 1950,as principais cidades latino-americanas crescem demaneira dramática. Se juntarmos a população dequatro dessas mega-cidades (Cidade do México,São Paulo, Buenos Aires e Rio de Janeiro), a popu-lação total, que era de 13 milhões em 1950, passoua somar 60 milhões em 1990. Esse crescimentopopulacional trouxe significativas consequênciaspara essas cidades no que se refere à questão daprovisão habitacional. Os assentamentos precári-os do tipo favela se consolidaram como uma alter-nativa, diante da falta de alternativas de moradiapara a população de baixa renda nos países domundo não-desenvolvido.

Durante os anos 1980 – que, no Brasil, fica-ram conhecidos como a década perdida –, as con-dições econômicas e de moradia da maior parte dapopulação de baixa renda se deterioraram. Issoaconteceu, de acordo com Davis (2006), porqueessas cidades vivenciaram um processo de exten-sa urbanização sem industrialização, ou seja, umcrescimento populacional sem um adequado cres-cimento econômico.

Mais recentemente, as soluções adotadaspara atender às necessidades de moradia da po-pulação de baixa renda não foram pautadas pelademanda efetiva, mas sim por uma agenda mundi-al gerada pela competição entre as cidades. (Baltrusis,2004). Diante disso, as municipalidades, muitasvezes, abriram mão de arrecadar recursos e adota-ram uma política de isenção fiscal, investindo partedo orçamento para prover as cidades cominfraestrutura de ponta, como redes informacionais,e estrutura de apoio logístico, para que as empre-

sas nelas instaladas passassem a integrar a rede dochamado mundo “globalizado”. Agindo dessa for-ma, acabam comprometendo os investimentos ne-cessários ao equilíbrio socioterritorial. Além dis-so, outras intentaram superar a crise da falta derecursos com a utilização de instrumentos deflexibilização da legislação urbanística e acabaramcontribuindo para o agravamento das desigualda-des socioespaciais.

A crise de financiamento da cidade pós-fordista, nos países do terceiro mundo, e a incapa-cidade de os governos nacionais e locais atende-rem às demandas básicas da população de baixarenda têm levado, como destaca Baltrusis (2004), auma mudança de paradigmas. Até a década de1970, os financiamentos das agências internacio-nais aos grandes projetos habitacionais ou de ur-banização eram repassados aos estados nacionais,pois as soluções faziam parte de uma estratégianacional e priorizava-se a construção de grandesconjuntos habitacionais próximos a polos produ-tivos. A partir de meados dos anos 1980, porém,as agências de fomento começam a financiar dire-tamente as municipalidades e elas passam a dis-putar recursos entre si e com outras esferas de go-verno, provocando uma verdadeira guerra.

Nessa nova lógica, não se trata mais de ado-tar políticas universalistas e redistributivas, e simde elencar as demandas, priorizá-las e eleger aque-las que podem se transformar em exitosas. Essa éa nova ordem da intervenção urbana em assenta-mentos precários. Não se cuida mais de construirgrandes conjuntos habitacionais, e sim de trans-formar as ações de requalificação do espaçoconstruído em algo que contribua para a melhoriada imagem da cidade. Os programas de constru-ção de novas unidades ou de requalificação dasunidades construídas para pobres, em favelas eassentamentos irregulares, ganham nome e sobre-nome: Cingapura, em São Paulo, e Favela-Bairro,no Rio de Janeiro na década de 1990. Na Bahia, ogoverno do Estado implantou o Programa Viver

Melhor (2008) e, mais recentemente, o governo fe-deral está realizando, em diversas comunidades,o programa Minha Casa, Minha Vida. Nesse perí-

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odo, podemos destacar outras marcas, como Papel

Passado, sobre a regularização fundiária, ou Habi-

tar-Brasil, entre outros.

Habitação para baixa renda

Atualmente os investimentos em programasde provisão habitacional no país se destacam, pois,desde os anos 1970, no auge do Banco Nacionalde Habitação (BNH), não se via um volume de re-cursos com a diversidade de programas dessa na-tureza. Os efeitos desses investimentos, com a ofer-ta de novas unidades ou a recuperação de assenta-mentos precários, refletem-se diretamente nas con-dições de moradia dos mais pobres, bem como naprópria estruturação das cidades. Pasternak (2005)demonstra que, entre 1991 e 2000, à medida queos investimentos em programas criam oportuni-dades de moradia para essa população, asmelhorias físicas ocorridas nas favelas metropoli-tanas de São Paulo contribuem para melhorar oacesso a bens e serviços públicos da populaçãonelas residentes.

Os programas locais de urbanização de as-sentamentos precários e de regularização fundiáriada posse eram embrionários na década de 1980,como demonstram as experiências realizadas emRecife, Belo Horizonte, Diadema e Salvador, entreoutras cidades. Os programas-piloto de provisãohabitacional por meio de mutirões autogestionários,como os ocorridos em São Paulo no governo deLuiza Erundina, a criação e o fortalecimento deConselhos e Fundos Municipais de Habitação,possibilitando o financiamento de moradias paraa baixa renda, o fortalecimento de assessorias téc-nicas para as autoconstruções e intervenções emcortiços e pautando a discussão da habitação emáreas centrais, podem ser apontados como respon-sáveis por diversas melhorias, pois contribuíramsobremaneira para a reestruturação da política na-cional. A proposta de um Plano Nacional de Habi-tação que articule planejamento, participação e fi-nanciamento direto à demanda, bem como os in-vestimentos e obras previstas no Programa de Ace-

leração do Crescimento (PAC) para a habitação,apresenta algumas perspectivas para a questãohabitacional no país.

Apesar dessa retomada de investimentos,porém, não se pode dizer que a questão esteja pres-tes a ser resolvida. O processo de reprodução dasdesigualdades socioespaciais ainda continua a pro-mover assentamentos irregulares e precários, e osnovos programas continuam contribuindo para apersistência da segregação socioespacial. Muitosdeles são localizados nas periferias e produzidoscom material de péssima qualidade, dando sequênciaa uma expansão urbana desordenada. Afinal, osproblemas estruturais responsáveis pela “espolia-ção urbana” (Kowarick, 1979) e pela configuraçãodas grandes metrópoles ainda estão presentes emnossa sociedade. Bolafi (1979), em um texto clássi-co, já demonstrava, na década de 1970, que os ver-dadeiros problemas para a solução da questãohabitacional estavam diretamente relacionados àconcentração fundiária e à distribuição de renda.

Os novos padrões de reprodução do capi-tal, agora em sua forma mundializada, tambémpodem ser apontados como elementos responsá-veis pela precarização das condições de morar dospobres em várias cidades do mundo globalizado.Davis (2000) demonstra que as soluções informaise irregulares têm se reproduzido em várias cida-des, inclusive nos chamados países desenvolvi-dos. Conforme matéria publicada pelo jornal OEstado de São Paulo (17/02/2008), “... os subúrbi-os americanos símbolos do american way of life, acada dia atraem mais pobres e imigrantes e pas-sam a se parecer mais com centros degradados dasmetrópoles, do que com os paraísos da classe mé-dia dos anos 1960”. Na França, de acordo com ojornal El Pais (09/02/2008), o governo Sarkosi de-verá investir 500 milhões de euros para recuperarbairros degradados.

As novas formas de apropriação do espaçona sociedade pós-industrial, aliadas ao discursoneoliberal de intervenção mínima do Estado nocampo social, têm contribuído para o aumento donúmero de assentamentos irregulares e soluçõesinformais em todo o mundo. No Brasil, observa-

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mos o abandono de áreas centrais e industriais, aampliação de fronteiras urbanas com a criação deenclaves em zonas rurais e a instalação de resorts

em áreas ocupadas por comunidades tradicionaisem localidades de interesse turístico, como é o casode muitas localidades da Bahia, particularmentena região metropolitana de Salvador.

O discurso do mercado e a reprodução dasdesigualdades sócio-espaciais

O discurso do mercado reforça a tese daspolíticas pontuais. Trabalhos como os de Mayo,Malpezzi e Gross (1986) e Soto (2000) apontampara soluções via mercado e flexibilização da legis-lação urbana. Esses autores fundamentam seu dis-curso nos trabalhos de Turner, que também prega-va algum tipo de desregulamentação, já que o Es-tado não teria condições de suprir de formasatisfatória as necessidades de moradias da popu-lação de baixa renda. Como foi visto, esse autorentende que as favelas não devem ser vistas comoum problema urbano pelos países não-desenvol-vidos, mas como uma solução criativa da popula-ção pobre para resolver sua necessidade básica demorar. De acordo com Davis, para Turner, a cons-trução por conta própria e “a legalização da urba-nização espontânea era exatamente o tipo de abor-dagem pragmática e de baixo custo.” (Davis, 2006,p. 80). No entanto, Turner é enfático, ainda que aseu modo, no valor de uso da mercadoria mora-dia, enquanto os trabalhos de Soto e de Mayo etall. enfatizam o seu valor de troca da moradia.

Na lógica “desotiana’, a regularização damoradia irregular serviria de aval para possíveisempréstimos. Em conformidade com o discursoneoliberal, a solução proposta por Soto seriaflexibilizar a legislação urbanística e dar títulos depropriedade formal aos moradores que já ocupamáreas informais, uma vez que esse título de propri-edade daria a seus detentores meios de levantarrecursos financeiros tanto para melhorar a suahabitação como para dar início a algum negócio.Sua tese é de que as ocupações irregulares formam

um ativo de “capital morto”. A partir da pura esimples regularização, esse “capital” passaria a in-tegrar o “circuito do capital”, gerando riquezas paraos moradores e, consequentemente, para a cidade.Nas palavras do autor,

... os habitantes pobres destas nações – a grandemaioria – possuem bens, mas falta-lhes o proces-so de representar suas propriedades e geral capi-tal. Possuem casas, mas não escrituras; colheitas,mas não os documentos de posse da terra; em-presas, mas não os estatutos da incorporação. É aindisponibilidade dessas representações essen-ciais que explica por que esses povos que adap-taram todas as outras invenções ocidentais, doclipe de papel ao reator nuclear, não foram capa-zes de produzir o capital suficiente para fazerfuncionar o seu capitalismo doméstico. (Soto,2000, p. 21-22).

Esse seria, segundo de Soto, o mistério docapital. Seguindo esse receituário, o governo pe-ruano emitiu, na década de 1990, durante o gover-no de Fujumori, cerca de um milhão de títulos depropriedade, beneficiando um grande número defamílias que viviam em habitações irregulares eimprovisadas nos arredores de Lima. No entanto,o “milagre do capital” propagado por esse econo-mista não aconteceu. Cockburn (2003), apoiado emanalise estatística realizada pelo Instituto Nacionalde Estadística e Informática del Peru (INEI) em2000, com informações obtidas na EncuestasNacionales de Hogares (ENAHO) de 1998 e 1999,demonstra que essas políticas não funcionavamconforme o previsto, concluindo, dessa forma, que

… las familias con titulo de propiedad otorgadopor la Comisión de Formalización de la PropiedadInformal (COPROFI) prácticamente no hanobtenido préstamos de la banca privada. En laciudad de Lima en 1999 de un total de 129 milviviendas beneficiadas por COPROFI sólo un18% accedieron a financiamiento paraaplicaciones o modificaciones de la vivienda. Asu vez, sólo un 9% de estos mismos hogaresobtuvieron un préstamo para realizar otros gas-tos para el hogar. En las otras ciudades del paísde un total de 48 mil viviendas formalizadas en1999 sólo un 23% obtuvo préstamos paraampliaciones de la vivienda y 13% para otrosgastos del hogar. De manera que la mayoría delas ampliaciones y mejoras de la vivienda eranrealizadas, como antes, a través de recursospropios. En el caso de Lima, por ejemplo, un 62%de familias recurrían a esta modalidad. El res-tante 38%, que sí obtuvo préstamos (unas 9.000viviendas – hogares) obtuvo los préstamos de dos

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entidades públicas: el Banco de Materiales (84%)y la Empresa Nacional de Edificaciones (16%).Ambas instituciones públicas ofrecían préstamosaltamente subsidiados (tasa de 7% de interésanual).En cambio la situación de las familias que nocontaban con título de propiedad resultaba dife-rente. En Lima en 1999 de un total de 462.587viviendas no formalizadas sólo un 14% realizaronampliaciones, para vivienda. Sin embargo, aquíel recurso de los préstamos públicos que en otrocaso había dominado el panorama, eraminoritario pues atendía sólo 31%, mientras lamayoría recurría al crédito privado a través de labanca (28%) y de prestamistas o usureros (42%)(Cockburn, 2003, p. 173-174).

Fica claro, portanto, que não basta que ospaíses implementem políticas de titulação da pos-se da terra se não existir uma política integrada deurbanização, titulação e prevenção de novos as-sentamentos irregulares. Em outras palavras, polí-ticas que gerem trabalho e renda e promovam umajusta distribuição de benefícios entre os cidadãos.Smolka (2003) destaca que, mesmo em países quepromoveram políticas de urbanização seguidas deregularização fundiária, como foi feito em muitascidades brasileiras, a situação da irregularidade nãodiminuiu. Pelo contrário, aumentou.

As teses produzidas por Mayo et al. sãomais sofisticadas que as de Soto e estão centradasnos problemas do mercado de moradias, buscan-do identificar os limites que se colocam a essemercado do ponto de vista da oferta e da deman-da. Para que tal mercado funcione, os autores con-sideram que, do ponto de vista da oferta, é neces-sária a existência de três fatores: a ação do setorpúblico na provisão de infraestrutura; a ação dosetor público no estabelecimento do marcoregulatório; e o desempenho da indústria de cons-trução. Do ponto de vista da demanda, o gasto commoradia cresce juntamente com o desenvolvimen-to econômico, ou seja, existiria uma forte elastici-dade do lado da demanda, tendo como limite adisponibilidade de renda, considerando-se os gas-tos básicos (prioritários) com alimentação, vestuá-rio, transportes, etc.

Para Cardoso (2003), os autores que traba-lham com essa premissa devem pressupor que odesenvolvimento econômico, por si só, implicariadistribuição de renda, “senão reduzindo as desi-

gualdades, pelo menos mantendo-as no mesmopatamar e, portanto, permitindo o crescimento dorendimento dos setores mais pobres.” (Cardoso,2003, p. 3). Infelizmente, porém, para a maioria dapopulação pobre residente nesses assentamentos,o tão propagado milagre do desenvolvimento e aampliação das oportunidades de negócios não acon-teceram. Os mistérios do capital, digamos que sãosegredos de polichinelo. A questão da informalidadena produção de moradias no espaço urbano esbar-ra em problemas estruturais presentes em quasetodas as sociedades do mundo não-desenvolvido:a má distribuição de renda, que inviabiliza aimplementação de programas habitacionais susten-táveis (para usar uma palavra da moda) e os pro-blemas oriundos da propriedade privada da terra.Acrescente-se a falta de fiscalização, aliada a umaburocracia estatal ineficiente, alimentada pelacorrupção, e encontraremos alguns elementos paraentender a persistência dos territórios ilegais.

O funcionamento dos mercados de solo e airregularidade

O preço da terra é apontado como o meca-nismo responsável pela constituição do solo urba-no e pela segregação espacial. Ao refletir sobre osefeitos que a concorrência provoca nas cidades,percebemos que o preço da terra, no processo deurbanização, realizada por agentes capitalistas, nadamais é do que a transformação socioeconômica dosobrelucro da localização. A renda da terra é o re-sultado de uma série de relações especiais que seestabelecem entre capitalistas e proprietários deterra, numa sociedade capitalista. Para se compre-ender a questão da renda fundiária na sociedadecapitalista, precisamos pensar que as mercadoriassão sempre vendidas pelo seu preço de produção.A renda vem da diferença entre os preços de pro-dução e os preços de custo.3

3 Neste trabalho, não pretendemos aprofundar a questãoda renda da terra. Isso pode ser feito em autores comoAbramo, Villaça, Jaramillo, ou Topalov, entre outros.

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A terra urbana só adquire um preço porqueseu uso permite aos agentes econômicos obteremganhos extraordinários. Para Marx, o valor do usoda terra, conforme citado por Lojkine, poderia serreduzido a duas funções: a primeira como um ins-trumento de produção – minas, quedas d’água,terra agrícola, e a segunda como simples suportepassivo dos meios de produção (fábricas) de cir-culação (armazéns, bancos) e de consumo (resi-dências) (1981, p. 163). Diante dessa constatação,Lojkine propõe um terceiro valor, que adquire cres-cente importância:

... [com a] socialização das condições gerais deprodução, i.e. aquilo que chamamos capacidadeaglomerativa de combinar socialmente meios deprodução e meios de reprodução de uma forma-ção social. Este valor de uso reside na proprieda-de que o próprio espaço tem de fazer com que osdiferentes elementos da cidade se relacionementre si (Lojkine, 1981, p.164).

Devemos destacar que essa capacidade oupropriedade de que nos fala Lojkine é produto dotrabalho humano, da força de trabalho coletiva,social. Trivelli denomina essa propriedade comocapacidade aglomerativa, que poderia provocar um

... [padrão de] crescimento no preço da terra, bemcomo o crescimento espacial que provocara umimpacto diferencial no bem estar humano e nosistema urbano, fazendo com que um grandenúmero de pessoas sejam excluídas do mercadoformal de terras (1986, p. 5)

Via de regra, o processo de produção dacidade se relaciona com a distribuição desigual derenda. Essa desigualdade produz uma dualidadenos aspectos da vida urbana. O processo de valo-rização do preço da terra é bem conhecido nos gran-des centros urbanos. Esse processo afasta os tra-balhadores das proximidades do local de traba-lho. Sem opção de escolher a melhor localização,eles vão morar nos terrenos da periferia da cidade,o que, de acordo com Rolnik se deve ao fato de

... o próprio espaço urbano ser uma mercadoriacujo preço é estabelecido em função de seus atri-butos físicos (tais como declividade de um terre-no ou qualidade de construção) e locacionais(acessibilidade a centros de serviços ou negóciose/ou proximidade a áreas valorizadas da cidade)(1994, p. 63).

No Brasil, existem cerca de 42 milhões depessoas que vivem abaixo do nível da linha de po-breza. De acordo com Maricato (1996), 1% da po-pulação mais rica detém 14,4% do total da rendado país, enquanto os 50% mais pobres possuem13,3%. Essa desigualdade se expressa na violênciaque se reproduz nos grandes centros urbanos, nadesigualdade territorial e na exclusão social.

Em relação à política habitacional, notamosque, depois da falência do BNH, as iniciativas estãovoltadas para atender àqueles que possuem pelomenos o lote regularizado. Mas, infelizmente, “agrande parte das moradias foi e continua sendo pro-duzida à margem da legislação e do que se costumachamar de mercado imobiliário informal” (Silva;Castro, 1997, p. 1), o qual se desenvolve sem a in-tervenção do Estado. O Estado e os agentes do mer-cado só se preocuparão com a informalidade, “apartir do momento em que os imóveis adquiremvalor de mercado (hegemônico) por sua localização,as relações passam a ser regidas pela legislação epelo direito oficial” (Maricato, 1996, p. 26).

SALVADOR – BREVE CARACTERIZAÇÃO DAQUESTÃO HABITACIONAL

Salvador é o terceiro município mais populo-so do Brasil, com 2.443.107 habitantes, segundo oúltimo Censo (IBGE, 2000), e um déficit habitacionalquantitativo4 estimado em 85.000 unidades, o quesignifica que 17,5% da população soteropolitananecessitam de uma moradia. A população residentenos seus 172 aglomerados subnormais perfazia umtotal de 40.000 pessoas e, se considerarmos o déficitqualitativo, observaremos que 6,92% dos domicíliospossuem algum tipo de irregularidade fundiária; 8,5%são extremamente densos e 19,47% possuem carên-cia de infraestrutura. O déficit no município é con-centrado na população mais pobre, atingindo 83%do total.

4 A Fundação João Pinheiro define como Déficit Quantita-tivo a carência de novas unidades habitacionais; já o Dé-ficit Qualitativo seria a carência de uma ou mais necessi-dades, tais como irregularidade jurídica, adensamento daunidade, ou falta de infraestrutura, entre outras.

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Villagra e Oliveira (2006) destacam que essapopulação só consegue acesso a uma moradia atra-vés da

... autoconstrução, normalmente edificada emloteamentos clandestinos ou irregulares, em áreassujeitas a fortes restrições quanto ao uso e à ocu-pação do solo, portanto, ilegais, do ponto de vistajurídico. Sabe-se, hoje, que mais de 50% dos as-sentamentos em Salvador estão classificadosdentro dos parâmetros da irregularidade (Villagra;Oliveira, 2006, p. 30).

Com isso, um processo de urbanizaçãodesordenado consolidou um padrão de desigual-dade socioespacial semelhante ao de outras gran-des cidades brasileiras. A ineficácia das políticasde provisão em atender às demanda populares e aincapacidade de o mercado produzir unidadesvoltadas para a baixa renda, bem como a não-apli-cação plena dos mecanismos de controle e uso dosolo, podem ser apontados como responsáveis poresse quadro. Via de regra, os investimentos e alegislação de uso, controle e gestão do solo urbanoelegeram e privilegiaram investimentos em deter-minadas áreas que são apropriadas pelo mercadoimobiliário, tanto o residencial de classe médiacomo o de comércio e serviços, particularmenteaqueles ligados ao setor hoteleiro, em detrimentodas localizações dos mais pobres.

Podemos definir a área metropolitana deSalvador pela polarização existente entre a cidadelegal e a cidade ilegal, entre o formal e o informalimplantados, muitas vezes, em espaços contíguos.A percepção dessa polarização dá-se a olhos nus,pelos diferentes padrões urbanísticos, como tam-bém a partir dos indicadores socioeconômicosdessas duas cidades distintas e distantes do pon-to de vista socioeconômico, embora fisicamentepróximas.

O processo de ocupação da cidade do Sal-vador se destaca na década de 1940, quando pas-sou a receber um fluxo de migrantes, “formadospor trabalhadores rurais dispensados pela deca-dente cultura açucareira do Recôncavo e a estabili-zação da cultura do cacau no sul da Bahia.”(Villagra; Oliveira, 2006, p. 32). As mudanças naestrutura socioespacial ocorridas na capital baiana

também contribuíram como fator de atração. Car-valho e Pereira destacam que a cidade de Salvadorse modificava,

... em função de vários fatores, como areestruturação do centro da cidade, que ia tendosuas funções, até então predominantementeresidenciais, substituídas. A população de altarenda, que, até os anos quarenta, ali se concen-trava, passou a ocupar outros espaços; já a popu-lação de baixa renda ocupou as velhas edificaçõese fez crescer a demanda por novas áreasresidenciais, forçando a expansão da periferiaurbana, então representada pelos fundos de valenão drenados e por outras áreas não urbanizadas,particularmente nas encostas (2006, p. 85-86).

Entre 1960 e 1970, a população cresceu de400.000 para mais de um milhão de habitantes, ea maior parte desse acréscimo se deu nos extratosde baixa renda, agravando os problemas de mora-dia para essa população. Além disso, como vimosanteriormente, na contemporaneidade, os progra-mas de provisão habitacional deixaram de ser umapolítica de Estado Nacional, sendo substituídospor ações pontuais, que demonstraram incapaci-dade de resolver os problemas históricos e estru-turais no que tange à habitação.

A construção histórica da informalidade emSalvador

Podemos dizer que a irregularidade urbanaem Salvador é uma construção histórica. A partirdos anos 40, mais precisamente entre 1940 e 1950,cerca de 14.000 casas foram construídas em Salva-dor sem nenhum tipo de licença, contribuindo parao processo de expansão irregular da cidade, parti-cularmente em áreas precárias, com pouco ou ne-nhum valor para o mercado fundiário.

Tonhá (2006) destaca que, a partir da décadade 1950, houve um crescimento urbano espontâ-neo e desordenado, e que, por conta disso, “a cida-de entrou em processo de deterioração, com utiliza-ção de sua infraestrutura além dos limites da capa-cidade instalada e surgimento de diversos aglome-rados habitacionais subnormais”, ou seja, as ocu-pações de terra também denominadas de invasões.

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Entre 1960 e 1970, a cidade vivenciou umprocesso de urbanização excludente. ConformeCarvalho e Pereira, a realização de grandes obrasno período “acompanharam e anteciparam osvetores de expansão urbana e uma ocupação in-formal de famílias de baixa renda na periferia.”(2006, p. 86). Nessa fase, tal processo era compro-metido com os interesses do capital imobiliário:

... a Prefeitura de Salvador, que detinha a maioriadas terras do município, transferiu sua proprieda-de para (algumas poucas) mãos privadas, atravésda Lei da Reforma Urbana, em 1968. A aberturadas avenidas de vale extirpou do tecido urbanomais valorizado um conjunto significativo de as-sentamentos de população pobre, que ocupavamtradicionalmente os fundos até então inacessíveisdos numerosos vales de Salvador. Além disso, ogoverno municipal erradicou invasões populareslocalizadas na orla marítima (p.86).

Na década de 1990 a expansão urbana deSalvador foi influenciada por novos eixos de ex-pansão, implantados para interligar o aeroporto, onovo Centro Administrativo da Bahia e a EstaçãoRodoviária. A instalação do Shopping Iguatemi,além da “abertura de novas avenidas que se torna-ram fatores decisivos para o surgimento de con-juntos habitacionais e a ocupação de espaços, atéentão eminentemente rurais”, distantes do centroda cidade, marca a nova estruturação do espaçonos anos 80. (Villagra; Oliveira, 2006, p. 32).

O esgotamento do modelo de gestão basea-do no Estado centralizador entra em crise a partirdos anos 80. Se, do ponto de vista político, aslutas pela redemocratização do país pautam umagestão mais descentralizada, transparente do pon-to de vista da economia, as novas demandas docapitalismo, agora em sua versão mundializada,se apoiaram no discurso da competição entre ascidades e do estabelecimento de um Estado míni-mo, o que acabou por transferir ao mercado mui-tas das suas funções. Essa mudança teve reflexosnegativos sobre a produção de moradias popula-res e de interesse social, observando-se, nas gran-des cidades, a proliferação dos denominados “mo-radores de rua”, assim como da população quevive em habitações subnormais, em favelas, inva-sões ou áreas ambientalmente frágeis e de risco.

Com isso, Salvador chegou ao século XXI com cer-ca de 32% de áreas invadidas,5 ou casas construídasem terrenos de ocupação irregular.

As exigências das novas demandas do capi-talismo, agora em sua versão mundializada, que seapoia no discurso da competição entre as cidades eo estabelecimento de um Estado mínimo, acaboupor transferir ao mercado muitas das funções tradi-cionais do Estado. A adoção desse modelo fez comque a produção de moradias, sobretudo a popular ede interesse social, sentisse os reflexos negativos.Observa-se, nas grandes cidades, a proliferação deuma população identificada como moradores de rua,de favelas e ou em áreas ambientalmente frágeis ede risco que vive em moradias subnormais. Assim,Salvador chega ao século XXI com cerca de 32% deárea invadida, ou casas construídas em terrenos deocupação irregular.

Do ponto de vista socioeconômico, o aspec-to marcante dessas comunidades é que constitu-em um exemplo contundente do processo demarginalização dos setores mais pobres da popu-lação, visto que as condições em que vivem são deextrema pobreza. Aqui, pobreza é compreendidade forma ampla e abrangente, não só como ausên-cia de bens necessários à sobrevivência, como tam-bém de elementos que compõem a existência hu-mana, com relação a bens materiais, subjetivos ede valor simbólico, tão presentes no nosso mode-lo capitalista e que determinam a forma de conví-vio em sociedade.

Assim, para efeito do desenvolvimento depolíticas públicas, a pobreza pode ser entendidacomo um processo em que um conjunto de fatoresmateriais, os modos de vida, os sistemas de valo-res, acessos e oportunidades, somados, favorecema formação de um grupo populacional caracteriza-do pela sua precariedade no que diz respeito àhabitação, renda, nível educacional, acesso a bensculturais e autoestima, entre outros aspectos. As

5 Ao contrário do que acontece em outras partes do país,em Salvador utiliza-se o termo “invasão” e suas varian-tes para definir as ocupações de terras urbanas realizadaspelos movimentos de luta pela moradia.

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favelas necessariamente não podem ser vistas comosinônimos de pobreza, mesmo porque, como nosensinam Valadares e Pasternak, elas devem serapreendidas em toda a sua diversidade eheterogeneidade. Apesar dessa consideração, noimaginário social elas expressam espacialmenteonde e como essa pobreza se distribui nas cida-des. Ademais, observa-se que, nas cidades maio-res, a pobreza é mais impactante, não só em fun-ção da visibilidade que ela adquire como pelo ape-lo do consumo e pela clara expressão, nos seusespaços, de uma desigualdade acintosa e cruel.

Além da per-cepção facilmente vi-sível no cotidiano dacidade de Salvador,a questão habita-cional esteve e conti-nua presente nosmeios de comunica-ção como um graveproblema de difícilsolução. A habitaçãofoi e continua sendoum tema recorrentecomo retrato da au-sência de políticaspúblicas para o setor.Nesse quadro, a po-pulação mais pobrecontinua a se aglome-rar nos espaços dosantigos bairros po-pulosos do centro,do chamado Mioloda cidade e do Su-búrbio Ferroviário.Muitas famílias divi-dem sub-habitações,enquanto outras, ain-da mais carentes,buscam na forma his-tórica e sedimentadadas invasões soluci-onar o seu problema

de moradia. (Carvalho; Pereira, 2006).No entanto, longe de representar a solução

para seus problemas, isso constitui apenas o iniciode uma batalha travada muitas vezes com o poderpúblico, com possíveis proprietários da terra e como entorno social já estabelecido, sem o respaldo le-gal de uma política que defina, para esse contingen-te, caminhos possíveis e que apontem para umaalternativa legal e estruturada de solução.

Apesar da retomada dos investimentos nosetor, neste inicio de século, observa-se que elesse dirigem para a produção de altos padrões cons-

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trutivos, direcionados para segmentos de classesde renda com maior poder aquisitivo. O governode Estado, apoiado em programas federais, reto-mou, desde o governo de Paulo Souto, os investi-mentos em habitação para baixa renda, promoven-do conjuntos habitacionais, ou requalificando eurbanizando assentamentos irregulares em áreasdegradadas ambientalmente frágeis ou de risco.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE APOLÍTICA HABITACIONAL EM SALVADOR

Nesse panorama, Salvador adentra o séculoXXI aproximando-se de 100% de taxa de urbani-zação, e, antes da primeira década do século, per-faz uma população de quase 3.000 mil habitantes,com um déficit habitacional superior a 100 milcasas, das quais pelo menos 83% voltadas para

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famílias de baixa renda, além de 350 mil imóveis(50%, do total cadastrado em toda cidade) consi-derados precários, necessitando de requalificação.Apesar de não se repetir, a história encontra pon-tos em comum, pois 30% da sua população conti-nua pobre, com uma taxa de desemprego em tornode 15%, ainda elevada, apesar da tendência deretomada do crescimento verificada nos últimosanos (Secretaria Municipal de Habitação, 2008).

Com cerca de 60% da população instaladaem ocupações irregulares, a paisagem urbana deSalvador é caracterizada pelas casas amontoadasnas encostas de maior declividade da cidade, abri-gando uma população que tem como marca co-mum a ausência de urbanização e outras necessi-dades que possam ser traduzidas em dignidadeda moradia. O ambiente construído espelha e re-flete esse quadro. A cidade, mais que o lugar ondese estabelece a relação de cidadania, se concretizacomo espaço de reprodução de relações desiguais.A questão habitacional reflete o padrão de urbani-zação da cidade, que está atrelado a questões comoa estrutura fundiária, o patrimonialismo e a mádistribuição de renda. Tais elementos têm efeitosdiretos na composição socioespacial do tecido ur-bano, evidenciando as desigualdades sociais e assuas diferenças na produção e consumo do espa-ço entre as classes de maior poder aquisitivo e asclasses populares.

O quadro até aqui apresentado evidencia queas necessidades habitacionais, tanto no país comono estado ou no município, demandam soluçõesdiferenciadas, mas complementares. A partir de1995, o Governo do Estado implementou algunssubprogramas, derivados do Programa Viver Melhor,que introduziu, no modelo utilizado até então, al-gumas inovações. Elas vão desde a concepção e oplanejamento, até a execução, com a perspectiva dese estabelecer um processo participativo nas pro-postas e a implementação de intervenções que tra-duzissem abordagens mais adequadas ao problemahabitacional dos diversos municípios e (ou) áreas,buscando entender e respeitar as demandas e ne-cessidade reais da população.

É evidente que as necessidades habitacionais

no estado da Bahia, ainda hoje, são imensas. Osprogramas de governo chegam com um atraso depelo menos 50 anos, quando, segundo as pesqui-sas, se intensificou a expansão da cidade na dire-ção imposta não só pelas primeiras invasões cole-tivas como pela infraestrutura viária. Observa-seainda que, apesar da relevância dos referidos pro-gramas, que abrangem outros subprogramas, elesainda estão bem longe de atacar toda a problemáti-ca habitacional, ou melhor, de habitabilidade econfiguração da cidade.

Essa visão panorâmica sobre a questãohabitacional no Brasil e, em especial, na cidade deSalvador nos permite constatar que o país saiu doséculo XX ainda sem uma política pública efetivapara a questão da moradia, apesar da variedade deprogramas, planos ou projetos pontuais com amarca de cada gestão, na maioria dos casos semcontinuidade. Já no século XXI, apenas se começaa construir uma proposta de política habitacionalque dê uma formatação e sistematização para oenfrentamento da referida questão, sobretudo paraa população de baixa renda. A criação do Ministé-rio das Cidades, no ano de 2003, aponta para aperspectiva de um planejamento urbano em âmbitonacional, colocando a questão da habitação em umnovo patamar como política pública de Estado.

Foi neste contexto que o Governo da Bahiasancionou, em 07 de maio de 2008, a Lei nº 17007,que instituiu a Política Estadual de Habitação deInteresse Social (PEHIS), voltada para a populaçãocom renda de até três salários mínimos e construídaem um processo de discussão com a sociedadecivil e os movimentos populares. Para a constru-ção dessa política, foram realizadas 16 audiênciaspúblicas, nas quais foram reunidos participantesoriginários de instituições públicas, privadas e doterceiro setor, dos mais diversos municípios dointerior do Estado e da capital.

A Política Estadual de Habitação de Interes-se Social tem o objetivo de direcionar ações e re-cursos para intervenções habitacionais de formamais abrangente, considerando ações integradas deacesso a serviços de uso coletivo, geração de traba-lho e renda e moradia digna, que se concretizem

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em um desenvolvimento individual e coletivo,caracterizado pela inserção dessas populações nacidade formal. Um elemento inovador nessa Polí-tica é a participação popular, por meio dos movi-mentos organizados e dos conselhos estaduais emunicipais, nas discussões e nos processosdecisórios das intervenções.

A proposta dessa nova política habitacionalinsere, nos seus pressupostos, a noção de “mora-dia digna”, com a proposta de ultrapassar o tradi-cional modelo dos conjuntos habitacionais, no quala casa, e somente ela, tem importância. Na propos-ta do PEHIS, o entorno, os equipamentos sociais ea posse legal, entre outros aspectos, são conside-rados como prioritários, apontando para uma pers-pectiva de transformação dos modelos urbanísti-cos vigentes. As intervenções que visem à melhoriada qualidade urbana devem ser vinculadas e inte-gradas a políticas sociais mais amplas, inserindo apopulação em seu espaço de forma integrada à ci-dade formal.

Assim, a política habitacional não deve seruma intervenção encerrada em si mesma, mas umaconstrução contínua, com regulamentos adequadosàs realidades diversas, considerando os seus prin-cípios e objetivos, tendo como protagonistas os agen-tes sociais alvos desse processo, cuja atribuição éde socializar a discussão das intervenções na cida-de, ampliando a participação nos processosdecisórios para a construção da cidade. Nesse sen-tido, a concepção de PEHIS estabeleceu comonorteadores os princípios da Redistributividade,Articulação, Descentralização, Controle Social, Di-versidade, Institucionalidade, Sustentabilidade eEfetividade (SEDUR, 2007, p.9). Esses princípi-os, configurados em um órgão estadual, estabele-cem como prioridade o envolvimento da socieda-de civil integrada com a gestão municipal em queserão desenvolvidas as ações. Aspectos como orespeito às diferenças, a formação de rede entretodos os agentes sociais e a promoção da partici-pação e descentralização norteiam o modelo dessanova política, que culminaria na geração de traba-lho, renda e bem estar coletivo.

Reconhecemos que é imprudente analisar

um processo ainda em construção. No entanto, épossível registrar que o modelo previsto na PEHISremete para transformação da atuação do PoderPúblico na questão habitacional, por inserir ino-vações na forma e no conteúdo de encaminhamentodo problema. No entanto, apesar dos avanços, pro-blemas estruturais, como a concentração de pro-priedade fundiária e a má distribuição de renda,continuam presentes em nossa sociedade. Os avan-ços obtidos no governo Lula ainda não se revela-ram efetivos para reverter essa situação, pois mui-tos dos instrumentos previstos no Estatuto da Ci-dade e que serviriam para democratizar o acessoao solo urbanizado ainda não se mostram eficazes.Estão entres, encontra-se a demarcação de imóveisvazios ou subutulizados, as Zonas Especiais deInteresse Social (ZEIS), a simples e eficaz defini-ção de Função Social da Propriedade, a penalizaçãopor meio do Imposto de Propriedade TerritorialUrbano Progressivo no Tempo, ou mecanismos definanciamento da cidade, como aqueles relaciona-dos à recuperação das mais-valias urbanas resul-tantes de investimentos públicos coletivos. Quan-do os municípios os incorporaram, muitos ape-nas copiam o Estatuto, sem associá-los à sua pró-pria realidade e, por conta disso, sua efetiva apli-cação necessita de uma definição precisa. Mesmoquando essa definição já existia, o instrumentoprecisa ser regulamentado.

Na metrópole soteropolitana, essa situaçãoé ainda mais grave, pois os recursos territoriaisque poderiam suprir parte da demanda por habi-tação são disputados pelo setor imobiliário-turísti-co para a produção de enclaves de alta renda emáreas de proteção ambiental.

Não poderia terminar este artigo sem comen-tar os dados do relatório do Ministério das Cida-des, apresentado às vésperas da realização doFórum Urbano Mundial, realizado no final demarço de 2010 no Rio de Janeiro. Segundo esserelatório, elaborado pela Fundação João Pinheirocom os dados do IBGE de 2007, para 2008 o défi-cit habitacional no Brasil foi reduzido de 6,3 mi-lhões para 5,8 milhões de domicílios, represen-tando uma queda de 8%. O déficit qualitativo, (do-

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micílios que apresentam alguma deficiência deinfraestrutura, regularização ou qualidade da ha-bitação, porém, aumentou em 500 mil, chegando a11 milhões de unidades – 22% dos domicíliosurbanos. Quinze dias depois da revelação dessesnúmeros assustadores, a chuva que caiu no Riode Janeiro expôs, de forma trágica, a fragilidade eprecariedade urbana em que vivem os mais po-bres, vítimas não da falta do planejamento, comomuitos querem, mas de um planejamentoexcludente. Esperamos que esses fatos não sirvampara reverter os esforços até agora realizados, e queprogramas implantados até o momento se consoli-dem como políticas de fato, servindo, no futuro,senão para reverter o quadro de desigualdadesocioespacial, pelo menos para tornar as nossascidades menos desiguais e injustas.

(Recebido para publicação em julho de 2010)(Aceito em agosto de 2010)

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CHANGEMENTS CONCERNANT LES MODESD’HABITATION DANS LES MÉTROPOLES

CONTEMPORAINES –DISCOURS NOUVEAUX,VIEUX PROBLÈMES

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Ce travail a été élaboré dans le cadre d’unerecherche sur le marché immobilier informel à Salva-dor et essaie de comprendre les changements des modesd’habitation, en particulier pour les plus pauvres, ausein des grandes villes brésiliennes. Nous aborderons laquestion de la structuration de l’espace réservé àl’habitation des riches et des pauvres, due à la mise enplace du mode de production post-fordiste. Puis nousaborderons la question de la mercantilisation de l’espacedestiné à l’habitation des pauvres, les favelas et lesoccupations illégales de territoires qui se transformenten biens dans un sous-marché informel. Nous verronscomment ce type de transaction s’est implanté dans lesvilles en Amérique Latine et au Brésil, en soulignantl’apparition de ce phénomène dans des grandes villesbrésiliennes telles que Sao Paulo et Salvador. Enfin nousaborderons la reprise des programmes de fourniturede logements à Salvador. À cette fin, nous présenteronsquelques arguments concernant la politique dulogement des dernières décennies et la significationdes nouveaux programmes pour la construction d’uneville plus juste et démocratique.

MOTS-CLÉS: transformations socio-spatiales, villescontemporaines, ségrégation, Salvador-Bahia.

CHANGES IN THE WAY OF LIVE ON THECONTEMPORARY METROPOLIS - NEW SPEECHES,

OLD PROBLEMS

Nelson Baltrusis

This paper was developed within the scope ofresearch on the informal housing market in Salvadorand aims to understand the changes in the forms ofhousing, particularly the poorest ones, that haveoccurred in large Brazilian cities. We will address theissue of structuring the living space for rich and poor,caused by the implementation of post-Fordistproduction method. Then we will address the issue ofcommercialization of living space for the poor, the slumsand squatter settlements that have becomecommodities in an informal submarket. We will seehow this type of transaction settled in cities in LatinAmerica and Brazil, highlighting the occurrence ofthis phenomenon in major Brazilian cities, includingSão Paulo and Salvador. And finally, we will tackle theresumption of housing provision programs in Salva-dor. We will made a few remarks about housing policyin recent decades and the meaning of new programs tobuild a more just and democratic city.

KEYWORDS: Socio-spatial transformations, contemporarycities, segregation, Salvador - Bahia.

Nelson Baltrusis - Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo. Professor doMestrado em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social da Universidade Católica do Salvador.Pesquisador da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e do núcleo do Observatório das Metrópo-les de Salvador. Foi membro do Instituto Polis e atuou como consultor no processo de elaboração dosplanos diretores participativos dos municípios de Jandirá, Guarulhos, Vitória e Mogi das Cruzes. Temexperiência na área de Planejamento Urbano, atuando principalmente em temas como favelas, instru-mentos urbanísticos, economia urbana e mercado imobiliário. Entre as suas publicações mais recentesestão os seguintes artigos e capítulos de livro: Ricos e Pobres, cada qual no seu lugar? (Caderno CRH,2009), em colaboração com Maria Camila Otaviano, Favelas, a comercialização de imóveis informais eirregulares para a baixa renda (Cadernos IPPUR, 2008), Plano Diretor de Diadema: uma breve avaliação(São Paulo: Anablume, 2007) e Um Olhar sobre a Habitação em São Paulo (Porto Alegre, ANTAC, 2007),este último em colaboração com Suzana Pasternak.