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1 Sociologia Política Transcrições das webaulas Apresentação Olá, Eu me chamo Pablo Ornelas Rosa e serei o professor da disciplina de Sociologia Política do curso de Pós-Graduação em Gestão Pública do Instituto Federal do Paraná. Eu, juntamente com o professor Rodrigo Guidini Sonni, sou o autor deste livro didático que possui o mesmo título desta disciplina. Neste momento, acho importante falar um pouco da minha formação para depois fazer uma breve apresentação da disciplina, mostrando a sua importância para este curso. Eu sou bacharel em Ciências Sociais e mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC e Doutor em Ciências Sociais com área de concentração em Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Também sou professor de Sociologia e Ciência Política e coordenador do curso de graduação em Ciências Sociais da Faculdade Sagrada Família – FASF, em Ponta Grossa, no Paraná. Antes de lecionar nesta instituição, fui professor de Sociologia na Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR, em Ponta Grossa. Também trabalhei em Organizações Não-Governamentais – ONGs durante aproximadamente uma década em Florianópolis, Santa Catarina, desenvolvendo projetos de intervenção na área de Saúde Pública com jovens em conflito com a lei. Fui vice-presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA daquele município, representando a sociedade civil não somente neste conselho, mas também na coordenação do Fórum de Políticas Públicas de Florianópolis. Eu sou autor de quatro livros, o primeiro, que se chama “Rock Underground: Uma Etnografia do Rock Alternativo” foi publicado pela editora radical livros, de São Paulo, em 2007, e trata de uma análise antropológica sobre a circulação de bandas na América Latina, abordando também um estudo de caso sobre o fechamento de um bar, em Florianopolis, chamado Underground Rock Bar, em decorrência de conflitos geracionais encampados pela Secretaria de Segurança Pública daquele município. O Segundo, intitulado “Juventude, Ativismo e Redução de Danos”, foi publicado, juntamente com a ativista Rosangela de Sena e Silva, pela editora casa em parceria com o Ministério da Saúde e se trata de uma exposição de experiências vivenciadas e percebidas por meio da execução de dois projetos de intervenção com jovens em conflito com a lei, financiados pelo Ministério da Saúde e Secretaria de Saúde de Santa Catarina, chamados de “Rede A” e “Re- Conhecimento Legal”, por mim coordenados. O terceiro se chama “Juventude Criminalizada” e foi publicado pela editora insular, de Florianópolis. Este, que acabou sendo resultado a minha dissertação de mestrado em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina, se trata de uma análise sobre o encarceramento sistemático de jovens em conflito com a lei a partir de uma pesquisa quanti- qualitativa, no qual mapeei o perfil dos jovens que viviam nestas instituições catarinenses. O quarto e último, que foi apresentado a vocês pelo Instituto Federal do Paraná, sob o título de Sociologia Política, produzido em parceria com o professor Rodrigo Guidini Sonni, é um livro didático que será trabalhado nestas aulas por mim apresentadas. Conforme apresentarei para vocês nesta primeira aula, a Sociologia Política é uma disciplina extremamente importante para este curso porque ela trata dos elementos mais basilares de quaisquer instituições sociais, sobretudo, da estrutura organizacional do Estado brasileiro. Inicialmente apresentarei algumas distinções acerca da Filosofia Política, da Ciência Política e da Sociologia Política, para depois tratar de apresentar os seus teóricos clássicos, bem como seus principais conceitos, métodos, teorias e posicionamentos políticos, versando sobre a relação entre Estado e sociedade civil, além de tratar de algo imprescindível que são as diferentes formas de participação política.

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Sociologia Política

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    Sociologia Poltica

    Transcries das webaulas

    Apresentao

    Ol, Eu me chamo Pablo Ornelas Rosa e serei o professor da disciplina de Sociologia Poltica do curso de Ps-Graduao em Gesto Pblica do Instituto Federal do Paran. Eu, juntamente com o professor Rodrigo Guidini Sonni, sou o autor deste livro didtico que possui o mesmo ttulo desta disciplina.

    Neste momento, acho importante falar um pouco da minha formao para depois fazer uma breve apresentao da disciplina, mostrando a sua importncia para este curso.

    Eu sou bacharel em Cincias Sociais e mestre em Sociologia Poltica pela Universidade Federal de Santa Catarina UFSC e Doutor em Cincias Sociais com rea de concentrao em Poltica pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo PUC/SP. Tambm sou professor de Sociologia e Cincia Poltica e coordenador do curso de graduao em Cincias Sociais da Faculdade Sagrada Famlia FASF, em Ponta Grossa, no Paran. Antes de lecionar nesta instituio, fui professor de Sociologia na Universidade Tecnolgica Federal do Paran UTFPR, em Ponta Grossa. Tambm trabalhei em Organizaes No-Governamentais ONGs durante aproximadamente uma dcada em Florianpolis, Santa Catarina, desenvolvendo projetos de interveno na rea de Sade Pblica com jovens em conflito com a lei. Fui vice-presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criana e do Adolescente CMDCA daquele municpio, representando a sociedade civil no somente neste conselho, mas tambm na coordenao do Frum de Polticas Pblicas de Florianpolis.

    Eu sou autor de quatro livros, o primeiro, que se chama Rock Underground: Uma Etnografia do Rock Alternativo foi publicado pela editora radical livros, de So Paulo, em 2007, e trata de uma anlise antropolgica sobre a circulao de bandas na Amrica Latina, abordando tambm um estudo de caso sobre o fechamento de um bar, em Florianopolis, chamado Underground Rock Bar, em decorrncia de conflitos geracionais encampados pela Secretaria de Segurana Pblica daquele municpio.

    O Segundo, intitulado Juventude, Ativismo e Reduo de Danos, foi publicado, juntamente com a ativista Rosangela de Sena e Silva, pela editora casa em parceria com o Ministrio da Sade e se trata de uma exposio de experincias vivenciadas e percebidas por meio da execuo de dois projetos de interveno com jovens em conflito com a lei, financiados pelo Ministrio da Sade e Secretaria de Sade de Santa Catarina, chamados de Rede A e Re-Conhecimento Legal, por mim coordenados.

    O terceiro se chama Juventude Criminalizada e foi publicado pela editora insular, de Florianpolis. Este, que acabou sendo resultado a minha dissertao de mestrado em Sociologia Poltica pela Universidade Federal de Santa Catarina, se trata de uma anlise sobre o encarceramento sistemtico de jovens em conflito com a lei a partir de uma pesquisa quanti-qualitativa, no qual mapeei o perfil dos jovens que viviam nestas instituies catarinenses.

    O quarto e ltimo, que foi apresentado a vocs pelo Instituto Federal do Paran, sob o ttulo de Sociologia Poltica, produzido em parceria com o professor Rodrigo Guidini Sonni, um livro didtico que ser trabalhado nestas aulas por mim apresentadas.

    Conforme apresentarei para vocs nesta primeira aula, a Sociologia Poltica uma disciplina extremamente importante para este curso porque ela trata dos elementos mais basilares de quaisquer instituies sociais, sobretudo, da estrutura organizacional do Estado brasileiro. Inicialmente apresentarei algumas distines acerca da Filosofia Poltica, da Cincia Poltica e da Sociologia Poltica, para depois tratar de apresentar os seus tericos clssicos, bem como seus principais conceitos, mtodos, teorias e posicionamentos polticos, versando sobre a relao entre Estado e sociedade civil, alm de tratar de algo imprescindvel que so as diferentes formas de participao poltica.

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    Aula 1

    A101 - Pressupostos da sociologia poltica

    Neste captulo inicial apresentaremos ao aluno do curso de Ps-Graduao em Gesto Pblica do Instituto Federal do Paran IFPR uma introduo Sociologia Clssica, aos seus principais autores e teorias, apontando sua relao com a Cincia Poltica. Portanto, neste momento, o principal objetivo ser proporcionar um maior entendimento acerca dos principais elementos sociais, polticos e econmicos localizados no contexto do surgimento da Sociologia e da Cincia Poltica, possibilitando a compreenso das especificidades dessas disciplinas, bem como a de seus objetos de anlise fundamentais que resultaram na juno, elaborao e desenvolvimento da chamada Sociologia Poltica.

    Embora seja apresentada nos trs captulos seguintes, ainda que de forma bastante simplificada, as principais vises das tradies clssicas da Sociologia, neste momento inicial tambm procuraremos esboar algumas noes elementares da Teoria Positivista, Funcionalista, do Materialismo Histrico e Dialtico, bem como da Teoria Sociolgica Compreensiva ou Hermenutica, elaboradas, respectivamente, por Augusto Comte, mile Durkheim, Karl Marx e Max Weber.

    Deste modo, a nossa inteno ser fundamentar as principais concepes tericas e polticas dos precursores do pensamento sociolgico com a construo de suas metodologias de anlise que se apresentam de maneira bastante distinta umas das outras. Logo, procuraremos responder algumas questes como, por exemplo: qual a relao entre a sociedade e as diferentes teorias sociolgicas e polticas? O que Sociologia? O que Poltica? O que esses campos do conhecimento cientfico estudam? E qual a relao entre eles?

    Recorrentemente vemos esses questionamentos serem respondidos pelo senso comum de forma bastante simplificada, geralmente por meio da afirmao de que enquanto a Sociologia estuda os fenmenos que ocorrem no interior da sociedade, enquanto que a Poltica trata da organizao, da administrao e das relaes de poder existentes nos negcios internos (poltica interna) e externos (poltica externa) da sociedade, as diferentes formas de governo e ideologias.

    Embora essas consideraes estejam bastante prximas das corretas, a superficialidade deste tipo de resposta aponta para uma simplificao da questo. Ao percebermos a falta de certo grau de complexidade, abarcado por sua histria e seus demais desdobramentos no campo das cincias humanas, notamos que h uma necessidade de aprofundamento terico sobre essas reas.

    Ento, como elaborar uma definio mais aprofundada sobre o que seria a Poltica? Para responder esta questo poderamos dizer que o conceito de Poltica origina-se do

    termo politiks e possui suas razes no adjetivo polis, que trata de tudo aquilo que se refere cidade, ao urbano, ao civil, ao pblico, ao socivel e ao social. J a sua utilizao moderna designa aquelas atividades ou conjuntos de atividades produzidas e compostas pelo Estado. Entretanto, antes de apresentarmos o processo de formao da Cincia Poltica imprescindvel definirmos o seu campo de atuao.

    Segundo Bobbio, a Cincia Poltica trata de um tipo de pesquisa realizada no campo da vida poltica que ocorre por meio:

    1) do princpio da verificao como critrio de aceitabilidade dos resultados; 2) do uso de tcnicas da razo que permitam dar uma explicao causal do fenmeno

    investigado; 3) da absteno de juzos de valor. Assim, a Poltica contempornea, comumente chamada de Cincia Poltica, pode ser

    localizada principalmente a partir dos escritos de Maquiavel, pensador italiano que viveu entre 1469 e 1527. Enquanto que a Poltica clssica comumente situada nos escritos de Aristteles, pensador grego que viveu entre 384 a.C. e 322 a.C., a partir de sua constatao amparada na ideia de que o ser humano um zoonpolitikn, ou seja, um animal poltico que vive na polis, ou melhor, na cidade, considerada a unidade constitutiva indecomponvel e a dimenso suprema da existncia.

    Para os gregos, o viver poltico e a politicidade no eram apenas aspectos da vida, mas o seu todo e a sua essncia. Logo, o ser humano no poltico era tratado como um ser deficiente, um dion, ou seja, um idiota no sentido original do termo, cuja insuficincia consistia

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    justamente em ter perdido (ou nunca ter adquirido) certa dimenso e plenitude de sua simbiose com a polis, que consistiria em uma relao mutualmente vantajosa para ambos. importante esclarecermos que no h como pensar em Poltica e, portanto, em aes humanas, sem consider-las como um campo permeado por relaes de poder, pois quem faz poltica busca ou procura exercer o poder sobre outra pessoa ou sobre um grupo social no intuito de obter alguma vantagem pessoal ou coletiva.

    Segundo Weber, todos que se entregam poltica aspiram ao poder, seja considerando-o como instrumento a servio da consecuo de outros fins ideais ou egostas, seja porque desejam o poder pelo poder, no intuito de gozarem de um sentimento de prestgio que ele o confere. Embora constatemos que a poltica tenha sido utilizada como um conjunto de esforos que visam participao do poder ou sua influncia na diviso dele tanto entre Estados quanto no interior de um nico Estado, conforme apontou Weber, impossvel deixarmos de constatar que ela tem oscilado entre duas interpretaes opostas, conforme mostrou Duverger. Assim, para uns, a poltica essencialmente uma luta, um combate, pois o poder permite aos indivduos e grupos que o detm, assegurar sua dominao sobre a sociedade e dela tirar proveito; os outros grupos e os outros indivduos se erguem contra esta dominao e esta explorao, esforando-se por resistir-lhe e destru-las. Para outros, a poltica um esforo no sentido de fazer reinar a ordem e a justia uma vez que o poder assegura o interesse geral e o bem comum contra a presso das reivindicaes particulares. Deste modo, a Poltica tem servido tanto para manter os privilgios de uma minoria sobre uma maioria, quanto para integrar os indivduos na comunidade, criando uma suposta sociedade justa, conforme propunha Aristteles.

    Apesar de haver discordncias entre os cientistas polticos no que se refere ao da Poltica tratada por meio do consenso ou do conflito, h certa convergncia acerca da fundao da chamada Cincia Poltica moderna, pois para a grande parte dos pesquisadores contemporneos, Nicolau Maquiavel considerado o fundador da Cincia Poltica, uma vez que foi a partir de sua obra intitulada O Prncipe, escrita por volta de 1512, que o autor garantiu sua condio de inaugurador deste campo do conhecimento.

    Em O Prncipe, Maquiavel oferece um importante estudo acerca da dinmica dos governos, dos meios e das circunstncias que conduzem obteno e manuteno do poder, apontando os erros que podem ser cometidos pelos governantes e como estes deveriam agir no sentido de evit-los. Deu nfase a ideia de que para ter xito no poder e na poltica todos os fins so justificados pelos meios.

    No perodo em que Maquiavel escreveu esta sua importante obra, a Itlia estava dividida entre diferentes reinos, ducados e repblicas, marcada por profundas divises, rivalidades e corrupo. Neste contexto, considerava que a debilidade italiana s poderia ser superada por meio do Estado. Ao observar a unidade existente em outros pases, o autor defendera a ideia de que a monarquia absoluta seria a nica forma possvel de a Itlia superar esta sua condio. O Prncipe, que certamente foi a principal obra de Maquiavel, de certa forma, fundamenta-se em um manual prtico destinado a ensinar tcnicas de governo e de manuteno do poder. Pois, para Maquiavel, a religio e a moral poderiam ser prudentemente utilizadas na consolidao do poder dos governantes, entretanto, no seriam necessrias para seu funcionamento, uma vez que os fins polticos so sempre justificados pelos meios empregados. Maquiavel no props a legitimao do poder, mas sua manuteno atravs da fora e da astcia, j que estes eram os nicos elementos capazes de explicar a queda dos imprios e dos governos. Deste modo, o autor no apenas procurou ensinar aos governantes e ao povo quais eram os mecanismos de governo mais utilizados na consolidao e no fortalecimento do Estado, como tambm apontou quais eram os erros mais elementares que engendravam a decadncia e a runa dos governantes.

    O que Maquiavel realmente queria era evidenciar a natureza estratgica da atividade poltica destacando tanto a virt, entendida como firmeza de carter, coragem militar, habilidade no clculo, capacidade de seduo e inflexibilidade; quanto fortuna, que compreendia o sucesso ao avaliar o melhor momento para se agir.

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    A102 - Formao da cincia poltica

    De que Forma nasceu a chamada Cincia Poltica? Para respondermos esta questo imprescindvel situarmos que Maquiavel escreveu O

    Prncipe em meados do sculo XVI, perodo em que as sociedades europeias ocidentais atravessavam um contexto demarcado por intensas transformaes provocadas, principalmente, pelo chamado Renascimento.

    O Renascimento, Renascena ou Renascentismo so termos que foram utilizados para identificar o perodo da histria europia que ocorreu entre o final do sculo XIII e meados do sculo XVII, exercendo forte influncia nos escritos dos autores da poca, sobretudo, no campo da poltica. O Renascimento esteve marcado por transformaes em diversas reas da vida humana, caracterizando a transio do feudalismo para o capitalismo, assinalando o final da Idade Mdia e o incio da Idade Moderna.

    A partir do incio do sculo XVI ocorreram transformaes que abalaram as sociedades da Europa Ocidental. Essas mltiplas e interferentes transformaes perpetradas pelo Renascimento envolviam mudanas acerca das realidades histricas e econmicas, a imagem de mundo, a representao da natureza, a cultura, o pensamento religioso, dentre outros aspectos.

    Assim, apesar de serem raros os momentos consensuais estabelecidos por socilogos e cientistas polticos, podemos dizer que h certa concordncia no que se refere importncia dada ao pensamento de Maquiavel para a constituio da Cincia Poltica. Contudo, importante destacar que tamanha relevncia dada ao autor s foi possvel devido sua responsabilizao pela introduo de elementos que resultaram em uma ruptura decisiva, construda a partir de concepes que contrariavam as teorias da sociabilidade natural e dos ensinamentos teolgicos cristos.

    Ao abordar as atividades coletivas, enfatizando a preponderncia do Estado, Maquiavel reconheceu a ascenso de um novo tipo de poder soberano que se encontrava representado na figura do Prncipe. Deste modo, a grande originalidade de seu pensamento se deve, sobretudo, sua obra O Prncipe, na qual o autor mostrou que para manter o exerccio do poder preciso buscar a onipotncia atravs da recusa de quaisquer fraquezas. Deste modo, seria necessrio afastar quaisquer consideraes morais e religiosas no intuito de garantir ao Prncipe que ele seja efetivamente o senhor da legislao e, portanto, o definidor do bem e do mal pblico.

    As disponibilizaes dessas diferentes ferramentas analticas que viabilizaram e ainda viabilizam importantes reflexes sobre a gnese do Estado moderno, elaboradas a partir de O Prncipe, possibilitaram a abertura de caminhos que proporcionaram outros tipos de anlises sobre as sociedades modernas, resultando, inclusive, na elaborao de outro campo do conhecimento cientfico chamado de Sociologia.

    A103 - Nascimento da sociologia

    Ento, o que a Sociologia? E como ela nasceu? Apesar de ser composta por diferentes concepes polticas, tericas e conceituais, a

    Sociologia uma disciplina ou campo do conhecimento que foi criado em meados do sculo XIX. O grande responsvel pela atribuio deste nome foi o pensador francs Augusto Comte que, em sua obra intitulada Curso de Filosofia Positiva, escrita em 1839, prope a alterao da Fsica Social, termo empregado pelo autor em 1830, mas j utilizado anteriormente por Saint-Simon e Thomas Hobbes, para Sociologia. Segundo Duverger, a substituio de Fsica Social para Sociologia ocorreu devido constatao de Comte de que, em 1836, o pensador belga Qutelet j havia utilizado este termo para tratar de estudos estatsticos sobre os fenmenos morais.

    A grande preocupao de Comte ao propor esta nova disciplina consistia em formular as bases deste campo deste campo do conhecimento sobre a sociedade moderna que emergia, amparando-se na utilizao de metodologias validadas pelo conhecimento cientfico da poca. Deste modo, o autor props que fossem utilizados s Cincias Sociais mtodos semelhantes queles validados pelas Cincias Naturais e Exatas daquele perodo, no intuito de que fossem abandonados os pressupostos analticos abarcados pela Filosofia Poltica, saber que at aquele momento se dedicava exclusivamente a analisar os fenmenos sociais, por meio de meras especulaes.

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    Segundo Comte, a racionalidade humana havia passado por trs estgios durante o seu desenvolvimento: o Teolgico, o Metafsico e o Positivo, sendo o ltimo destes o mais importante por se fundamentar exclusivamente no conhecimento cientfico, que para o autor era o saber mais avanado. Comte ainda constatou que no interior do campo cientfico existia uma espcie de hierarquia, na qual a matemtica encontrava-se no nvel mais baixo desta escala, entretanto, a biologia, naquela poca chamada de fisiologia e, principalmente, a sociologia ocupava o posto mais alto.

    A ideia de Comte pautada na aplicao dos mtodos das Cincias Naturais e Exatas ao estudo da sociedade recebeu influncias de Saint-Simon, pensador do qual Comte foi colaborador entre 1817 e 1824, e Condorcet, que sustentava a importncia do clculo e da matemtica ao estudo dos fenmenos sociais, desenvolvendo, assim, as principais concepes que fundamentaram o positivismo.

    Para Comte, a evoluo do conhecimento comparada evoluo do ser humano. Assim, a religio representaria a infncia da humanidade, a filosofia (metafsica) representaria a adolescncia e s a cincia traria a plena maturidade, atingindo o estado positivo.

    Entendendo que a cincia positivista seria a nica explicao legtima da sociedade, Comte constatou que a religio e a filosofia conduziriam o ser humano ao engano, mas que este estava sendo substitudo pelo avano da cincia, propiciando sociedade um completo domnio e conhecimento do mundo que o cerca. Embora tenha proferido suas crticas religio, no final de sua vida o autor acabou propondo a chamada Religio da Humanidade, em sua obra intitulada Catecismo Positivista, escrita em 1852. Naquele momento, o principal objetivo de Comte era resgatar a moralidade perdida com a ascenso da modernidade.

    A104 - Diferentes sociologias

    Ao questionarmos se existe uma nica maneira de pensar a sociologia e a cincia Poltica, teremos uma resposta negativa j que ambas as disciplinas pressupem a existncia de diferentes escolas e tradies, conforme veremos adiante. Assim, apesar de Maquiavel ser comumente considerado o fundador da Cincia Poltica e Comte o instituidor da Sociologia, principalmente pelo fato de ter atribudo o nome a esta disciplina, h certo consenso entre os socilogos acerca da maior importncia dada, do ponto de vista terico-metodolgico e poltico, a Karl Marx, mile Durkheim e Max Weber, alm de outros importantes autores, tais como Simmel, Tarde, Tnnies, etc.

    importante ressaltar que, embora tenham desenvolvido suas Teorias sociolgicas e polticas, bem como suas vises acerca da modernidade, de forma bastante distinta, no h uma unidade no pensamento desses autores. Logo, cada um deles acabou desenvolvendo distintamente sua teoria sociolgica, sua teoria da modernidade e sua teoria poltica. Enquanto a Teoria sociolgica entendida como os mtodos de estudo sobre a realidade social, a Teoria da modernidade tratada como as interpretaes acerca das relaes sociais caracterizadas na modernidade; bem como a Teoria poltica designa os debates sobre as proposies de solues para os problemas da vida em sociedade.

    Como ambos os autores viveram em diferentes momentos daquele perodo que se convencionou chamar de modernidade, marcado por diversas mudanas sociais, culturais, polticas e econmicas, sobretudo, em decorrncia do Renascimento, Iluminismo, Revoluo Industrial e Revoluo Francesa, conforme veremos na sequncia, cada um deles desenvolveu suas metodologias e teorias destinadas a analisar os fenmenos sociais que estavam sua volta, posicionando-se politicamente diante daqueles acontecimentos.

    A construo desses diversificados arcabouos tericos elaborados pela Sociologia Clssica, que trata tanto dos fenmenos sociais daquela poca, como tambm da sistematizao de metodologias e dos posicionamentos polticos desses autores, so reflexos de suas diferentes concepes de mundo.

    A105 - A influncia da modernidade no surgimento da sociologia

    Antes de definirmos o campo da Sociologia Poltica e os seus principais objetos importante destacarmos que a Revoluo industrial e a Revoluo Francesa que, de certa forma, estiveram permeadas por certa Revoluo Cientfica, foram acontecimentos imprescindveis para

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    o surgimento desta disciplina. O Renascimento e o Iluminismo proporcionaram importantes mudanas dos pontos de vista social, cultural e religioso, assim como a Revoluo Francesa provocou uma transformao poltica e a Revoluo Industrial uma modificao na ordem econmica.

    A Europa no sculo XVIII havia atravessado um importante perodo de abalo s tradies polticas em decorrncia da Revoluo Francesa. Este fenmeno da maior importncia resultou na queda da monarquia e na progressiva instaurao do sufrgio eleitoral, ou seja, do voto, alm da ampliao dos direitos humanos, das noes de liberdade, fraternidade e igualdade, trazendo novos ideais polticos e inaugurando novas formas de organizao do poder a partir da ascenso da classe burguesa. No entanto, antes da Revoluo Francesa consagrou-se uma nova forma de pensar filosoficamente o mundo atravs do chamado Iluminismo ou Sculo das Luzes. Este se destacou por ser um movimento intelectual que possua como objetivo entender e organizar o mundo a partir da razo. Segundo os filsofos Voltaire, Rousseau, Diderot, DAlembert dentre outros, a razo era a luz que sepultaria as trevas apresentadas pela monarquia e pela religio que manipulavam o conhecimento da poca. Esse processo de transformao cultural teve seu incio no perodo do chamado Renascimento, no sculo XV, pois embora tenha sido mais forte no campo das artes, o seu objetivo era colocar o ser humano no lugar de Deus, portanto, o antropocentrismo no lugar do teocentrismo. Entretanto, o Iluminismo acabou acrescentando um elemento importantssimo ao Renascimento, que seria o potencial da razo humana.

    Podemos dizer que por detrs das transformaes de ordem poltica ocorrida atravs da Revoluo Francesa, havia outras transformaes concomitantes, mas de ordem cultural atravs do pensamento iluminista que estava se consolidando nos sculos XVII e XVIII, tendo iniciado seu processo de busca pela racionalizao desde o Renascimento. Assim, este sculo de contestao poltica e cultural acabou propiciando outra importante transformao posterior de ordem econmica atravs da chamada Revoluo Industrial.

    A Revoluo Industrial alterou plenamente as formas de interao humana, aumentando a produtividade e instaurando duas novas classes sociais: a burguesia, j existente, e o proletariado. A primeira se destacava por possuir a propriedade das mquinas ou os chamados meios de produo, enquanto que a segunda se obrigava a vender o nico bem que possua, o seu corpo para o trabalho ou a chamada fora de trabalho. Junto a essas transformaes vieram imigrao, a urbanizao, a proletarizao, novas formas de pobrezas e fenmenos sociais radicalmente novos que possibilitaram uma transformao de ordem econmica.

    importante destacar que as trs transformaes que apresentamos alteraram profundamente as estruturas da sociedade europeia ocidental, alterando tambm os rumos da histria, desencadeando novas relaes sociais, assim como novas formas de luta poltica. Assim, tanto o Iluminismo como as Revolues Francesa e Industrial comearam um movimento de transio entre o que hoje chamamos de Idade Mdia e Idade Contempornea.

    Foi em meio s concepes sobre os acontecimentos desses sculos que os trs clssicos da sociologia Marx, Durkheim e Weber construram suas teorias sociolgicas pautadas nas anlises dessas transformaes histricas, que pressupem teorias da modernidade e proposies de projetos polticos, permeadas pela objetividade do conhecimento cientfico na busca por uma maior compreenso da relao entre indivduo e sociedade.

    At o sculo XIX eram poucos os pensadores que se preocupavam com as chamadas questes sociais e estes poucos que havia, analisavam-nas com o auxlio da filosofia poltica, limitando suas compreenses a partir do fenmeno do poder pensando na esfera do Estado. Como a filosofia poltica possua um carter eminentemente especulativo, no dispondo da observao e da experimentao, elementos essenciais para o olhar cientfico, foi necessria a elaborao de uma disciplina que utilizasse os mtodos cientficos na compreenso da realidade: a Sociologia Poltica.

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    A106 - Sociologia poltica

    Sempre que falamos em Sociologia Poltica, falamos tambm em Cincia Poltica. Ambas so as mesmas coisas? O que as caracterizam?

    Embora alguns autores constatem que seja impossvel estabelecer qualquer distino terica entre sociologia poltica e cincia poltica uma vez que ambas versam sobre as questes referentes ao poder; outros, como Duverger, por exemplo, apesar de reconhecerem a enorme proximidade entre esses campos, acabam distinguindo-os, na medida em que consideram a Cincia Poltica como uma cincia do Estado e a Sociologia Poltica como uma cincia do poder, ultrapassando, assim, os limites da organizao estatal.

    Segundo Duverger, a Sociologia Poltica no deve ser tratada apenas como uma disciplina que visa analisar e corroborar a manuteno da ordem social em proveito de todos, mas, principalmente, como uma ferramenta de combate entre indivduos e grupos destinados a conquistarem poderes utilizados em proveito prprio ou em detrimento da coletividade. Deste modo, o autor prope que, para a Sociologia Poltica, o poder possui duas faces: a opresso e a integrao, elementos que so disponibilizados de maneira diferente entre os autores da sociologia clssica.

    Deste modo, qual a diferena, na prtica, entre a Cincia Poltica e a Sociologia Poltica? Segundo Nelson Rosrio de Souza, a cincia poltica se caracteriza por buscar nos fatos

    polticos as variveis explicativas, ou seja, independentes e que do sentido a outros fenmenos e processos do mundo poltico ou fora dele. Ao analisar os tipos de regimes polticos, as condies do exerccio do poder, os negcios polticos, os programas governamentais, os grupos de poder, os conflitos e tenses institucionais, o cientista poltico busca regularidades, conexes causais entre os fatos do mundo poltico. Por sua vez, o socilogo localiza nas condies socioestruturais, nos fenmenos sociais, as causas explicativas de outros acontecimentos sociais, ou mesmo polticos, econmicos etc. So conceitos tpicos da Sociologia: comunidade rural ou urbana, trabalho, status, autoridade, classe social, alienao, ideologia, mito etc.

    Mas ento, quando houve a aproximao entre a Cincia Poltica e a Sociologia? A aproximao entre estas disciplinas ocorreu a partir do sculo XX, em decorrncia da

    massificao da poltica institucional e dos diferentes movimentos sociais que se iniciaram, sobretudo, na Europa central. Foi somente a partir da formao dos partidos de massa e da intensificao na organizao de mobilizaes sociais que a juno da Cincia Poltica e da Sociologia foi possvel, objetivando analisar os diferentes elementos que compem e influenciam no apenas o jogo poltico institucional, mas as demais relaes sociais.

    A107 Sntese

    Neste captulo inicial pudemos compreender quais foram s condies em que a Sociologia e a Cincia Poltica emergiram. Vimos tambm que elaborao e o desenvolvimento da Cincia Poltica ocorreu na Europa, sobretudo, na Itlia, em meados do sculo XVI, com a publicao de O Prncipe, de Nicolau Maquiavel, enquanto que a Sociologia s foi se desenvolver no sculo XIX, na Frana, com a criao da chamada Teoria positivista, forjada por Augusto Comte a partir de sua obra intitulada Curso de Filosofia Positiva.

    Alm de proporcionarmos uma anlise sobre o contexto em que a sociologia emergiu, ainda expusemos, de maneira bastante introdutria, alguns elementos basilares dessas diferentes teorias sociolgicas clssicas que sero abordadas nas prximas aulas. Contudo, gostaramos de ressaltar que as teorias elaboradas por Marx, Durkheim e Weber no somente passaram a ser utilizadas como ferramentas indispensveis para a compreenso da realidade social atravs de um processo de validao perpassado pelo crivo da cientificidade que visava explicar, compreender, refletir e analisar os fenmenos sociais, alm de combat-los, como tambm apresentaram aspectos imprescindveis que subsidiaram a elaborao daquilo que se convencionou chamar de Sociologia Poltica.

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    Aula 2

    A201 - A teoria sociolgica funcionalista de mile Durkheim

    Nesta aula apresentaremos os principais elementos tericos, metodolgicos e polticos encontrados na Teoria Sociolgica Funcionalista produzida por David mile Durkheim (1858-1917). Deste modo, disponibilizaremos a voc, aluno do curso de ps-graduao em gesto pblica do Instituto Federal do Paran, as principais percepes deste autor acerca da modernidade e da pesquisa sociolgica, alm de apresentar as concepes polticas desenvolvidas pelo autor.

    A202 - Seguindo os passos de Comte

    Durkheim foi uma espcie de seguidor de Augusto Comte, um dos autores apresentados na aula anterior, mas sem perder de vista seus limites, e tambm com a pretenso de conferir sociologia uma reputao verdadeiramente cientfica. O principal objetivo de Durkheim era desenvolver um importante aspecto que faltava na sociologia criada por seu precursor: um mtodo de anlise. Atravs de sua tese de doutorado defendida em 1893, intitulada Diviso do Trabalho Social, Durkheim desenvolveu ferramentas que o possibilitou ser considerado por seus pares um dos pesquisadores pioneiros na rea da sociologia da religio, com sua obra intitulada As Formas Elementares da Vida Religiosa, escrita em 1912, da sociologia do conhecimento, com sua obra escrita em 1895, intitulada As Regras do Mtodo Sociolgico, bem como nos estudos empricos sobre o fenmeno do suicdio, atravs de sua obra intitulada O Suicdio, escrita em 1897 e da educao por meio de sua obra Educao Moral, apresentada em 1925.

    Dentre as influncias fundamentais do pensamento de Durkheim podemos destacar trs correntes de pensamento: o positivismo, o evolucionismo e o conservadorismo que contriburam para a elaborao da chamada Teoria Sociolgica Funcionalista.

    O pensamento positivista, que parte das ideias de Comte, enfatiza o poder da razo oriundo do iluminismo e a superioridade da cincia. J o evolucionismo pressupe a aplicao da noo de evoluo da natureza a partir de Darwin e evoluo da sociedade a partir de Spencer; Enquanto que o conservadorismo de Burke, Maistre e Louis de Bonald, se opunham as transformaes trazidas pela Revoluo Francesa, permeando criticas ao racionalismo e a agitao do mundo moderno, na medida em que prope um retorno aos ideais de estabilidade da Idade Mdia enfatizada pela religio, que deveria ser sobreposta pela ampliao de um modelo de educao laica.

    A203 - Relao entre o indivduo e a sociedade

    Mas ento, para Durkheim qual seria relao entre a sociedade e o indivduo? De acordo com o autor, de que maneira um complementa o outro?

    Ao constatar que a sociedade incide sobre os indivduos, Durkheim, influenciado pelo positivismo, verificou que a explicao da realidade est condicionada pelo objeto. Deste modo, a sociedade, entendida com objeto, tem precedncia sobre o indivduo, visto como sujeito. Assim, segundo o autor, a sociedade deve ser tratada como algo para alm da soma dos indivduos que a compem, pois uma vez vivendo em sociedade, os indivduos do origem s instituies sociais que possuem dinmica prpria. Ao perceber que os seres humanos passam pela sociedade, enquanto ela permanece, Durkheim reconheceu que a sociedade que age sobre os indivduos, modelando suas formas de agir, na medida em que influencia suas concepes e modos de ver, condicionando e padronizando os seus comportamentos. Logo, a noo de que somos pessoas ou sujeitos individuais nada mais do que uma construo social.

    Em relao ao mtodo cientfico elaborado por Durkheim na construo da teoria sociolgica funcionalista a partir de sua obra As Regras do Mtodo Sociolgico (1895), o autor afirmou que a primeira e a mais importante regra da sociologia considerar os fatos sociais como coisas exteriores e objetivas que incidem sobre os indivduos. Essa concepo parte do princpio de que a realidade social se aproxima bastante da realidade da natureza. Assim, tal como as coisas da natureza funcionam de forma independente da ao humana, cabendo ao cientista

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    apenas mostrar suas regularidades; as coisas da sociedade, chamadas pelo autor de fatos sociais, tambm seriam uma realidade distinta da ao humana.

    Segundo Durkheim, para a sociologia obter a objetividade plena, deveria registrar da forma mais imparcial e neutra possvel realidade pesquisada e tratada como objeto, conforme fazem as demais cincias. Desta forma, o papel do pesquisador seria elaborar um retrato da realidade pesquisada, pois ela seria uma realidade objetiva como qualquer outra coisa da natureza. Na percepo sociolgica do autor, a realidade e, portanto, o objeto, que se impe ao sujeito que a observa. Por isso que tanto Durkheim quanto Comte defende a tese de que as Cincias Sociais deveriam adotar o mesmo mtodo das Cincias Naturais.

    A204 - Fato social e funo social

    Segundo Durkheim um fato social toda maneira de agir, fixa ou no, capaz de exercer sobre o indivduo uma coero exterior, ou ainda; que geral no conjunto de uma dada sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existncia prpria, independente de suas manifestaes individuais.

    Como para Durkheim os fatos sociais no existem por acaso, na medida em que existem porque a princpio cumprem uma funo social, o autor comparar a sociedade a um corpo vivo, em que cada rgo desempenha um papel devido. Da o nome de metodologia funcionalista como mtodo de anlise e da a ideia de que o todo predomina nas partes, implicando na afirmao de que a parte, ou seja, os fatos sociais, existe em funo do todo, entendido como a sociedade.

    Para Durkheim, o objeto da sociologia so os fatos sociais, que consistem em diferentes maneiras de agir capazes de exercer sobre o indivduo uma coero exterior generalizante do ponto de vista do conjunto de uma dada sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existncia prpria que independe de suas manifestaes individuais. Segundo o autor, a forma como o ser humano age sempre condicionada pela sociedade, j que essas formas de agir chamadas de fatos sociais possuem um trplice carter: so exteriores porque provm da sociedade e no do indivduo; coercitivos, porque so impostas pela sociedade ao indivduo; e objetivos, porque tem uma existncia independente do indivduo.

    O professor ao fazer a chamada em sala de aula no intuito de verificar os alunos presentes e os ausentes ou ao aplicar uma simples prova, por exemplo, no o faz necessariamente por ser seu prprio desejo, mas sim porque coagido por normas e regimentos objetivos que so exteriores a ele, provenientes da instituio de ensino da qual faz parte. Portanto, este ato pode ser tratado, sob um vis funcionalista, como um fato social, exatamente tambm por pressupor elementos exteriores, coercitivos e objetivos.

    Embora tenha desenvolvido o conceito de fato social de forma mais aprofundada somente em sua segunda obra As Regras do Mtodo Sociolgico, escrita em 1895, foi em sua primeira obra, intitulada A Diviso do Trabalho Social, que Durkheim centrou suas anlises sobre a funo da diviso do trabalho nas sociedades modernas. Neste trabalho, o autor adotou a tese de que a sociedade havia passado por um processo de evoluo caracterizado pela diferenciao social, partindo de uma sociedade demarcada por laos de solidariedade mecnica, caracterizada pela preponderncia da conscincia coletiva, pelas sociedades fragmentadas e pelo direito repressivo para outra demarcada por laos de solidariedade orgnica assinalada pela preponderncia da diviso social do trabalho, pelas sociedades diferenciadas e pelo direito restitutivo.

    Conforme o autor, o que distingue esses momentos de evoluo da sociedade so os mecanismos que geram esses laos de solidariedade social, localizados a partir dos tipos de conscincia e da diviso social do trabalho, pois a solidariedade mecnica e a solidariedade orgnica seriam diferentes estratgias de integrao das pessoas nos grupos ou instituies sociais, correspondendo diferentes formas de organizao da sociedade e podendo ser percebidas de acordo com o tipo de organizao jurdica predominante. Portanto, nas sociedades caracterizadas em comportamentos abalizados nas semelhanas, as aes tidas como desviantes so punidas de maneira ainda mais severa a partir de regras e normas extradas dos costumes e hbitos, podendo, inclusive, garantir a pena de morte. As sociedades de solidariedade mecnica se caracterizam pela semelhana, enquanto que as de solidariedade orgnica se afirmam pela diferena. Nas primeiras, os indivduos se diferem poucos uns dos outros, j que os membros dessas coletividades compartilham os mesmos sentimentos e valores, reconhecendo os mesmos elementos e objetos como algo sagrado,

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    conforme podemos localizar certos elementos de integrao social na chamada Idade Mdia. J as segundas so aquelas em que a unidade coerente da coletividade, o consenso, resulta de certa diferenciao ou exprimida por meio dela, conforme os dados encontrados por Durkheim nas formas de organizao social da modernidade. Segundo o autor, a oposio gerada entre essas duas formas de solidariedade social se combinam com a distino entre as chamadas sociedades segmentrias e aquelas em que aparece a moderna diviso do trabalho social. Embora as sociedades de solidariedade mecnica sejam, em certo sentido, sociedades segmentrias, a definio de ambas no exatamente a mesma.

    A205 - Da solidariedade social aos tipos de conscincia

    Ao elaborar os conceitos de solidariedade mecnica e solidariedade orgnica a partir de sua obra intitulada A Diviso do Trabalho Social, Durkheim evidenciou dois tipos de conscincia presentes em todos os indivduos e que variam de intensidade de acordo com o tipo de organizao social. A constatao de que existem diferentes tipos de solidariedade social fez com que o autor verificasse que o grau de coeso, ou melhor, de integrao entre os indivduos, acabou sendo alterado com a diviso do trabalho social, incidindo sobre eles de maneira distinta atravs da variao da preponderncia das conscincias individual e coletiva. No entanto, Durkheim alerta que a solidariedade social no pode ser realizada somente para que cada um cumpra apenas sua tarefa, antes disso, imprescindvel que ela lhe seja conveniente.

    Enquanto a conscincia individual refere-se a todos os estados mentais relacionados s nossas concepes pessoais e vises de mundo provenientes de acontecimentos ocorridos em nossas vidas; a conscincia coletiva trata do sistema de ideias, sentimentos e hbitos que exprimem em todos ns as concepes do grupo e da sociedade que fazemos parte, revelando nossas crenas religiosas, tradies nacionais, prticas morais, alm de quaisquer outras opinies manifestadas coletivamente que formam o ser social.

    Ao procurar avaliar os diferentes tipos de incidncia dos laos de solidariedade social que implicam na preponderncia ora da conscincia coletiva ora da conscincia individual, Durkheim encontrou como possvel indicador as normas estabelecidas pelo Direito. Para o autor, o Direito seria uma forma estvel e precisa que serviria perfeitamente de fator externo e objetivo para analisar os elementos essenciais encontrados nesses diferentes tipos de solidariedade social.

    Segundo Durkheim, o Direito atuaria nas sociedades complexas de maneira anloga ao sistema nervoso, uma vez que regularia as funes deste corpo vivo que seria a sociedade. Deste modo, as sanes impostas pelos costumes que se caracterizavam por serem difusas seriam substitudas pelo Direito, que passou a organiz-las de maneira mais coerente, proporcionando uma alterao significativa no tratamento daquelas aes tidas moralmente como desviantes ou criminalizveis.

    A206 - Anomia e Moralidade

    Assim como Comte, Durkheim acreditava que a Frana se encontrava imersa em uma enorme crise moral devido ao vazio trazido pelo desaparecimento dos valores e das instituies que zelavam, protegiam e envolviam o mundo feudal como, por exemplo, as organizaes de ofcios. Para Durkheim, os conflitos e as desordens que ocorriam na Frana do sculo XIX eram considerados sintomas da anomia jurdica e moral presentes na vida econmicas, uma vez que os progressos ocorridos no haviam acompanhado o desenvolvimento das instituies capazes de regular os interesses e limites.

    A constatao de que a sociedade francesa de sua poca estava imersa em um estado doentio provocado pela ascenso da modernidade acabaram levando-o a enfatizar em sua tese de doutorado intitulada Diviso do Trabalho Social tanto a importncia dos fatos morais na integrao e coeso dos indivduos vida coletiva quanto a preocupao com as possveis consequncias ocasionadas pela desintegrao social, chamada por Durkheim de anomia.

    O primeiro diagnstico acerca das patologias encontradas na modernidade recebeu uma formulao sociolgica por Durkheim atravs da elaborao do conceito de anomia (a, que significa negao e nomos que significa normas).

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    Segundo a tese desenvolvida pelo autor em A diviso do trabalho social, com a passagem da sociedade de solidariedade mecnica para a sociedade de solidariedade orgnica ocorreu uma ampliao da esfera da individualidade. A especializao das funes acarretou o declnio da conscincia coletiva que ainda no havia sido substituda por novos valores adaptados aos diversos rgos da sociedade.

    Nesta obra, Durkheim sustentou que a anomia seria um fenmeno passageiro, fruto de um desajuste temporrio na integrao das tarefas econmico-sociais. Em momento posterior, na obra O suicdio, Durkheim reformulou o conceito que apareceu como um problema endmico do mundo moderno, resultado do enfraquecimento da regulao moral das condutas sociais. A preocupao de Durkheim com a anomia tambm estava relacionada com a questo da moral, que aparece em vrios pontos da sua obra, apresentando como fatos morais aqueles fenmenos em que a moral aparece como um sistema de acontecimentos relacionados ao sistema total do mundo que permite tratar dos fatos da vida moral a partir do mtodo das cincias positivas, apresentadas em nossa primeira aula.

    possvel constatar que a concepo durkheimiana de diviso do trabalho se apresentou intimamente relacionada sua viso de moral, quando o autor verificou que a diviso do trabalho deveria estar permeada por um carter moral porque as necessidades de ordem, da harmonia e da solidariedade social so geralmente tidas como elementos morais. Assim, verificou-se que a construo do conceito de solidariedade social visto como um fenmeno totalmente moral.

    Mas ento de que forma a realidade moral visualizada por Durkheim? Para Durkheim (2004), a chamada realidade moral pode ser visualizada sob dois aspectos

    diferentes: um objetivo e outro subjetivo. A moral objetiva pressupe que sociedade regida por normas baseadas em seus preceitos morais sob as quais os tribunais se guiam para tratar da condenao dos indivduos que violam as barreiras dessa moral, ou seja, o compartilhamento de uma moral comum e geral para todos os seres humanos que pertencem a uma coletividade. J a moral subjetiva se situa na esfera da posio dos indivduos frente a moral objetiva citada. Nela, cada um pode interpretar a moral comum ao seu modo, possibilitando ainda que os diferentes indivduos interpretem-na como imoral. Portanto, ao verificar que existe um nmero indefinido desse tipo de moral, Durkheim (2004) acabou constatando que o seu enraizamento nas conscincias originaram-se das influncias de seu meio, da educao e, at mesmo, da hereditariedade.

    Para Durkheim (2010), o mundo moderno passou a ser caracterizado pela reduo da eficcia daquelas instituies sociais integradoras como a religio e a famlia, uma vez que os indivduos passaram a se agrupar conforme suas atividades profissionais. Enquanto a famlia deixou de manter sua condio integradora de garantir a unidade e a indivisibilidade diminuindo, assim, sua influncia sobre a vida privada, o Estado tambm se manteve distante dos indivduos, exercendo sobre eles relaes exteriores intermitentes, possibilitando uma profunda penetrao nas conscincias individuais, socializando-as interiormente.

    Durkheim verificou que a diversidade de correntes de pensamento que acabou restringindo a eficcia das religies, uma vez que elas deixaram de subordinar plenamente o fiel, subsumindo-o quilo que considerava sagrado. Deste modo, o enfraquecimento do poder de coeso da religio proporcionou s profisses uma importncia cada vez maior na vida social, substituindo e excedendo a antiga condio da famlia.

    Ao constatar o deslocamento da nfase da religio e da famlia como instituies que engendravam laos de coeso social para o campo do trabalho, sobretudo, dos grupos profissionais, Durkheim encontrou nesses espaos os caminhos para a reconstruo da solidariedade social e da moralidade integradoras que careciam nas sociedades industriais. Assim, conforme o autor, os grupos profissionais e as corporaes poderiam suprir essas demandas na medida em que cumpririam as condies necessrias para a regulamentao da vida social que havia sido perdida com a emergncia da modernidade.

    A207 - A Importncia do Estado em Durkheim

    Segundo Mrcio Oliveira, existe um grande debate acerca da existncia ou no de uma teoria poltica em Durkheim. Embora no se possa afirmar nitidamente se existe, de fato, nas obras deste autor uma teoria poltica no sentido estrito do termo, possvel encontrar em seus

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    escritos o aprofundamento de debates sobre assuntos como democracia, liberalismo, socialismo, pacifismo, nacionalismo, alm da religio, educao, suicdio, diviso do trabalho social, ou seja, sobre elementos tangenciados pelo poder que hoje certamente poderiam ser encontrados no campo da Sociologia Poltica.

    Para Oliveira, a passagem dos estudos sobre o Estado para as anlises sobre a moral e destas para as interpretaes acerca dos laos de solidariedade social foi anunciada em A Cincia Positiva da moral na Alemanha, publicada por Durkheim em 1887. Logo aps alterou o objeto de sua tese de doutorado que havia sido intitulado em 1882 de Individualismo e Socialismo. Na Diviso do Trabalho Social, Durkheim constatou que o fator que garante as formas de solidariedade social no uma exclusividade do Estado, mas sim a diviso do trabalho. Assim, ao fugir da circularidade problematizada na especializao do trabalho e no dever moral possivelmente resgatada pelo Estado, o autor recorre histria e comparao, referenciando diversos tipos de Estado e de regras jurdicas existentes nas mais diversas sociedades, conforme encontramos nesta sua obra. Para Durkheim, Estado o conjunto de corpos sociais exclusivamente preparados pra falar e agir em nome da sociedade. Quando o parlamento vota uma lei, quando o governo toma alguma deciso em seus conselhos de competncia, toda a coletividade acaba se encontrando ligada. Quanto s administraes, estas so rgos secundrios, criadas pelo Estado, mas que no o constituem. Explica-se assim porque Estado e sociedade poltica se tornaram expresses sinnimas. No obstante, foi somente a partir do momento em que as sociedades polticas conquistaram um determinado nvel de complexidade que elas puderam agir coletivamente atravs da interveno do Estado. Segundo Durkheim, a utilidade do Estado seria a de possibilitar a introduo de certos tipos de reflexes sobre a vida social, tendo elas papis cada vez maiores na medida em que ele se encontre mais desenvolvido. Da mesma forma que o crebro no cria a vida do corpo, o Estado no cria a vida coletiva, conforme podemos averiguar naquelas sociedades polticas em que ele no existe. Nelas, a coeso se d atravs das crenas dispersas em todas as conscincias que movem os indivduos. Quando h algum tipo de Estado, os elementos diversos que podem mover a multido annima em sentidos diferentes no teriam a capacidade de determinar a conscincia coletiva, pois essa determinao seria a prpria ao do Estado, segundo Durkheim. Deste modo, entende o Estado como um lugar onde todos deveriam convergir, pois ele no somente um rgo de reflexo social como tambm um espao de inteligncia institucionalizada.

    Ao examinar a quantidade e a diversidade das regras jurdicas em diferentes sociedades atravs das anlises desenvolvidas em sua tese de doutoramento que tambm tratava do volume total do direito, Durkheim (2010) mostrou que a especializao e toda a sua centralidade se situa na diviso do trabalho social. Deste modo, o autor constatou que, embora seja possvel verificar que as consequncias da diviso do trabalho social existam e sejam comprovadas pelo Direito, suas consequncias fundamentais so sociais, pois se encontram situadas nos diferentes tipos de solidariedade social.

    Para Durkheim, o direito e a moral so compreendidos como a materializao da lgica de funcionamento das distintas sociedades. Alm disso, em seu entendimento, o responsvel pela manuteno da sociedade na modernidade no mais o Estado, mas as leis que ele expressa que so constitudas pelos costumes presentes nos fatos morais.

    Ao definir que fatos morais so regras de conduta s quais uma sano difusa est ligada na mdia das sociedades desta espcie social, Durkheim verificou que as regras so definidas a partir da sociedade e de suas representaes coletivas que atuam de forma exterior, coercitiva e objetiva, por meio dos fatos sociais. Segundo Mrcio Oliveira, foi por meio deste percurso terico que Durkheim conseguiu definir o fato social, entendendo que as sanes fsicas so estabelecidas e regidas pelo Direito e as sanes morais estabelecidas e regidas pela sociedade, incidindo assim sobre os indivduos atravs das normas jurdicas produzidas e garantidas legalmente pelo Estado.

    A208 - Sntese

    Vimos que a Teoria Funcionalista elaborada por mile Durkheim no trata somente de concepes sociolgicas, mas tambm de vises polticas construdas por meio de referenciais

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    tericos centrados em perspectivas tangenciadas pelo evolucionismo, conservadorismo e, principalmente, pelo positivismo de Comte que buscava garantir certa ordem social. A teoria desenvolvida por Durkheim pressupe que os fenmenos sociais devem ser tratados como coisas objetivas, exteriores e coercitivas que, a princpio, cumpririam uma funo social. Entretanto, caso no cumpram essa suposta funo social geraro a chamada anomia, entendida como uma patologia social. Ao analisar a diviso do trabalho social em sua tese de doutoramento, o autor constatou que a emergncia da modernidade possibilitou da ascenso de laos de solidariedade demarcados pela solidariedade orgnica que se sobreps solidariedade mecnica, sendo a primeira demarcada pela conscincia individual e a segunda pela conscincia coletiva. J no que se refere s perspectivas polticas, Durkheim verificou que o fator que garante esses dois tipos de solidariedade social no necessariamente o Estado, mas sim da diviso do trabalho, pois sua utilidade seria possibilitar a introduo de certos tipos de reflexes sobre a vida social que garantiriam certa normalidade na sociedade permeada pela manuteno ordem.

    Para concluir, constatamos que a concepo sociolgica da poltica em Durkheim perpassa a ideia de que o Direito e a moral seriam materializaes da lgica do funcionamento das diferentes sociedades. Alm disso, a responsabilidade pela manuteno da ordem nas sociedades modernas no seria necessariamente o Estado, mas as leis expressadas por ele que so constitudas pelos costumes presentes nos fatos morais.

    Aula 3

    A301 - A Teoria Sociolgica Compreensiva de Max Weber

    Nesta aula apresentaremos os principais aspectos da teoria, da metodologia e das concepes polticas que compem a chamada Teoria Sociolgica Compreensiva ou Hermenutica elaborada por Max Weber, disponibilizando a voc, aluno do curso de ps-graduao em gesto pblica do Instituto Federal do Paran, as bases do seu pensamento acerca da modernidade, dos limites do conhecimento cientfico apontados pelo positivismo de Comte, alm de tratar de suas concepes polticas.

    A302 - Principais influncias de Weber

    Contrapondo-se aos pressupostos do positivismo iniciado com Comte, Max Weber desenvolveu uma anlise pautada na ideia de que a razo humana, na verso encarnada pela economia capitalista e pela burocracia do Estado, seria uma fora que, ao mesmo tempo em que desencanta o mundo, invade todas as esferas da vida humana, ocasionando a perda da liberdade e o sentido da vida.

    Dentre as correntes tericas que mais influenciaram o pensamento de Weber podemos citar: a Filosofia Moderna a partir Kant, que afirmava que o conhecimento no capta a essncia da realidade, mas apenas os fenmenos que nos so transmitidos atravs dos sentidos; o pensamento de Nietzsche, do qual herdou uma viso pessimista da sociedade moderna com certas miradas de Marx, que props uma anlise rigorosa sobre o chamado modo de produo capitalista.

    Weber ainda foi influenciado por filsofos neo-kantianos como Dilthey, Windelband e Rickert, que insistiam na necessidade da distino entre as caractersticas das cincias sociais (chamadas de cincias do esprito/cultura) das demais cincias da natureza, contrapondo-se s ideias positivistas desenvolvidas por Comte, e pelo pensamento social alemo de diferentes autores contemporneos a ele, pois, embora tenha sido um dos maiores expoentes da sociologia alem, o autor retomou as ideias de vrios outros importantes pensadores da poca, principalmente Tnnies, Simmel e Sombardt.

    A303 - Relao entre sujeito e objeto

    Contrariamente s propostas do positivismo de Comte e do funcionalismo de Durkheim, que construram suas teorias sociolgicas com base no primado do objeto, ao contrrio, Weber

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    propor uma Teoria Sociolgica Compreensiva ou Hermenutica com base no primado do sujeito, sempre contextualizado pelo objeto.

    A ideia de que o indivduo o elemento fundante na explicao da realidade social atravessa toda a produo de Weber, culminando com uma verdadeira revoluo nas Cincias Sociais. Assim, ele acabou inaugurando na sociologia um novo caminho de interpretao da realidade chamada de Teoria Sociolgica Compreensiva ou Hermenutica.

    Weber atacou o pensamento de Comte, sobretudo, a partir da absoro da grande preocupao dos filsofos neo-kantianos, que buscavam combater o pressuposto positivista de que as cincias naturais e as cincias sociais deveriam adotar o mesmo mtodo. Em seu texto intitulado A Objetividade do Conhecimento nas Cincias Sociais, publicado em 1904, o autor questionou se o fim ideal do trabalho cientfico deveria consistir numa reduo da realidade emprica a certas leis, ou seja, se os fenmenos sociais deveriam ser tratados a partir de leis universais e invariveis supostamente encontradas na sociedade.

    Este apontamento soou como um ataque ao positivismo na medida em que Weber questionou a ideia de que a realidade social deveria ser explicada mediante a descoberta de um sistema de leis inerentes ao funcionamento da sociedade.

    Para o autor, as leis cientficas seriam apenas probabilidades tpicas, confirmadas pela observao, de que determinadas situaes de fato ocorrem de forma esperada e que certas aes sociais so compreensveis pelos seus motivos tpicos e pelo sentido tpico mencionado pelos sujeitos da ao.

    Enquanto que nas cincias naturais o objeto do estudo algo exterior aos seres humanos, nas cincias sociais os seres humanos so o sujeito e o objeto ao mesmo tempo. Sendo assim, enquanto as cincias naturais fazem uso do mtodo da explicao, as cincias sociais devem se articular em torno dos princpios da explicao e da compreenso, dependendo da finalidade da pesquisa.

    Weber no apenas criticou os positivistas, dizendo que a realidade infinita, logo, no pode ser explicada totalmente a partir de leis cientficas, como tambm deferiu suas crticas aos neo-kantianos, defendo a tese de que a Sociologia deveria utilizar os dois mtodos apresentados, tanto o mtodo individualizante/compreensivo quanto o generalizante/explicativo, dependendo da finalidade da pesquisa, entendendo, ainda, que as leis cientficas seriam apenas probabilidades de ao social.

    Alm de ponderar sobre as limitaes das leis cientficas propostas pelos positivistas, Weber ainda questionou se a sociedade, de fato, incide sobre os indivduos, conforme afirmaram Comte e Durkheim. Estes apontamentos acabaram resultando em importantes reflexes sobre nossa eventual condio de sujeito ou de objeto na sociedade:

    Partindo desta perspectiva, como seria possvel coexistirem sociedades com valores, crenas, culturas, organizaes polticas e econmicas to diferentes? Como so produzidas as concepes morais e as verdades que incorporamos e reproduzimos cotidianamente? Elas se originam da sociedade e ocorrem por meio da constante ao e interao dos e entre os seres humanos? Deste modo, somos sujeitos ativos ou objetos passivos, coagidos por algo exterior chamado sociedade? Ento, como podemos explicar os diferentes tipos de resistncia?

    Para responder a esses questionamentos importante diferenciar o pensamento desses autores to antagnicos. Se para Comte e Durkheim a sociedade seria superior ao indivduo, poderamos dizer que para Weber o indivduo o fundamento da sociedade, pois sua existncia s ocorre pela ao e interao recprocas entre as pessoas. Para Weber, o conhecimento cientfico cultural que entendemos encontra-se preso a premissas subjetivas pelo fato de apenas se ocupar daqueles elementos da realidade que apresentem alguma relao com os acontecimentos a que conferimos uma significao cultural. Deste modo, o autor enfatiza a importncia do sujeito, na condio de pesquisador, ao analisar seu objeto, ou seja, os fenmenos sociais, demonstrando que o primeiro incide sobre o segundo.

    A304 - Ao social, relao social e ordens legtimas

    Para Weber, objeto de estudo da sociologia a ao social que prope um pressuposto filosfico amparado no individualismo metodolgico perpassado pela preponderncia do sujeito sobre o objeto. Segundo o autor, a ao social significa uma ao que, quanto a seu sentido

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    visado pelo agente ou pelos agentes, se refere ao comportamento de outros, orientando-se por este em seu curso.

    Assim, a tarefa da sociologia para Weber se consistiu em determinar qual o sentido ou significado desta ao. O fundamento para explicar a ao social, portanto, o seu motivo, pois para a sociologia o importante seria recuperar a razo e a finalidade que os prprios indivduos conferem s suas atividades bem como s suas relaes com os demais indivduos e com a sociedade. So essas razes que explicam o motivo e a prpria existncia das aes sociais. A teoria sociolgica proposta por Weber chamada de metodologia compreensiva porque busca compreender o significado da ao social.

    A inteno de Weber ao criar a teoria dos tipos de ao social seria apontar quais seriam os sentidos (ou motivos) bsicos da ao social. Deste modo, o autor distinguiu quatro tipos de ao social que no existem em estado puro: A primeira, que chamada de Ao Racional Referente a Fins, seria um tipo de ao determinada por expectativas quanto ao comportamento de objetos do mundo exterior e de outras pessoas. Essas expectativas funcionam como condies ou meios para alcanar fins prprios, ponderados e perseguidos racionalmente com sucesso. Portanto, neste tipo de ao, os indivduos apresentam determinados objetivos e buscam os meios mais adequados de alcan-los. Assim, o motivo desta ao seria alcanar um resultado eficiente. A Ao Racional Referente a Fins pode ser localizada quando determinado indivduo, por exemplo, ingressa em um programa de Ps-Graduao objetivando aumentar o seu salrio futuramente em decorrncia da conquista de uma maior titulao. A segunda, chamada de Ao Racional Referente a Valores, seria uma ao determinada pela crena consciente no valor tico, esttico, religioso ou qualquer outro que seja sua interpretao absoluta e inerente a determinado comportamento como tal, independente do resultado que busque. O motivo desta ao no ser o resultado, mas um valor que independe da obteno de um resultado positivo ou negativo. Podemos utilizar o exemplo citado anteriormente, modificando da seguinte forma: digamos que o indivduo no se matriculou no programa de Ps-Graduao com o intuito de aumentar o seu salrio futuramente, mas sim objetivando ampliar os seus conhecimentos, uma vez que valoriza muito a obteno deste tipo de saberes. A terceira, chamada de Ao Social Afetiva, seria uma ao determinada por um modo afetivo, especialmente emocional, atravs de afetos ou estados emocionais atuais. Continuando com o mesmo exemplo, podemos alterar o caso, dizendo que este indivduo que ingressou no programa de Ps-Graduao tenha se matriculado no curso porque gostava muito de seus colegas de trabalho, e este enorme carinho acabou introduzindo-o nesta instituio. J a quarta e ltima, chamada de Ao Social Tradicional, seria uma ao determinada por costumes arraigados, que pode ser localizado, seguindo o mesmo exemplo, atravs da matrcula efetuada neste curso em decorrncia de certa tradio familiar em garantir uma alta titulao. Assim, a partir da teoria dos tipos de ao social Weber mostrou que as interaes entre os indivduos so base de formao dos grupos sociais e tambm das instituies sociais. Entretanto, quando o sentido da ao social compartilhado por vrios agentes, temos a relao social.

    A relao social parte do pressuposto de que provvel que se aja conforme o sentido compartilhado, que poder ser um uso ou um costume. Essas relaes sociais, segundo o autor, podero ser de carter comunitrio e pessoal ou societrio e impessoal. Assim, a relao social dever ser legitimada por uma ordem legtima, sendo esta sempre possvel por meio de uma conveno ou da aplicao do direito.

    De acordo com Weber, as ordens legtimas podem institucionalizar-se em forma de: agrupamentos, onde os grupos coletivos possuem rgos administrativos; em forma de empresas, quando os grupos buscam determinados fins estabelecidos racionalmente; em forma de associaes, nas quais as relaes so fechadas para pessoas de fora e os regulamentos so aceitos voluntariamente; em forma de instituies, em que as regulamentaes so impostas aos seus membros.

    Deste modo, este esquema analtico elaborado por Weber proporciona um caminho que percorre do particular ao universal, perpassando pela anlise da ao social e da interao dos indivduos at chegar s instituies sociais, podendo ser propiciando tambm pelo caminho contrrio.

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    A305 - Os tipos ideais e as consequncias da modernidade

    Para Weber, o socilogo no pode tratar dos seus conceitos e suas teorias como se fosse uma mera reproduo da realidade, conforme propunham os positivistas. Adotando a filosofia kantiana, o autor parte do princpio de que o conhecimento humano no uma reproduo da essncia da realidade. Pelo contrrio, o conhecimento humano s capta as relaes entre as coisas existentes, de acordo com a estrutura da mente humana. Reconhecendo os limites das cincias sociais, Weber dir que a sociologia no capta toda a essncia da realidade, mas sim alguns de seus elementos que so condicionados pela cultura no qual o socilogo est inserido. Desta forma, o sujeito teria um papel ativo na construo do conhecimento sociolgico, na medida em que o socilogo que determina os traos ou aspectos da realidade que sero analisados e qual a relao existente entre eles. Ser este aspecto que chamar de tipo ideal.

    Segundo Weber, um tipo ideal obtido por meio da acentuao unilateral de um ou vrios pontos de vista, e mediante o encadeamento de grande quantidade de fenmenos isolados dados, difusos e discretos, que podem dar em maior ou menor nmero ou mesmo faltar por completo, e que se ordenam segundo pontos de vista unilateralmente acentuados, a fim de se formar um quadro homogneo de pensamento.

    Desta forma, os tipos de ao social, construdos sobre o capitalismo, o feudalismo, a burocracia, o Estado, dentre outros, devem ser entendidos como tipos ideais que no devem se encontrar de forma pura na realidade. Pois eles permitem que o pesquisador possa comparar de forma constante suas teorias com a realidade pesquisada, a partir de um ou vrios aspectos da mesma.

    No intuito de empreender o seu estudo sobre a modernidade trazendo exemplos empricos, Weber se dedicou a entender a relao entre o protestantismo e a conduta econmica do capitalismo, concluindo que as racionalizaes existiram em todas as culturas, nos mais diversos setores e dos tipos mais diferentes. Por isso, surge novamente o problema de reconhecer a peculiaridade especfica do racionalismo ocidental, e, dentro deste moderno racionalismo ocidental, o de esclarecer a sua origem, pois o racionalismo ocidental acabou sendo visto pelo autor como uma das caractersticas mais importantes das sociedades modernas.

    Os objetivos de sua obra intitulada A tica Protestante e o Esprito do Capitalismo (1905) so, primeiramente, desenvolver uma investigao sobre as origens do capitalismo, juntamente cincia, arte, arquitetura, universidade, Estado, entendendo que estes seriam marcados em grande parte pela civilizao ocidental, verificando qual a influncia da religio na origem do moderno sistema econmico capitalista-industrial e, sequentemente, mostrar como se d o progresso da racionalizao no Ocidente do qual o capitalismo sua maior expresso.

    Para Weber, a tica luterana muito mais favoreceu o capitalismo do que o gerou sozinha. Para exemplificar o que chamou de esprito do capitalismo, o autor citou as mximas do ex-presidente estadunidense Benjamim Franklin: tempo dinheiro, crdito dinheiro, dinheiro gera mais dinheiro, o bom pagador dono da bolsa alheia, etc. Assim, ser capitalista, antes de tudo, no ser uma pessoa avara, mas ter uma vida disciplinada, ou asctica, de tal forma que as aes praticadas se revertam em lucro o que chamou de ascese do mundo.

    Para Weber, a primeira contribuio para este processo foi dada por Lutero atravs de sua concepo de vocao, que propunha a salvao das pessoas no atravs do retiro do mundo para a reza, mas pela aceitao de suas tarefas profissionais proporcionadas por Deus e seu cumprimento disciplinado pelas pessoas. Ao desenvolver suas anlises sobre a ascese do mundo, o autor analisou quatro seitas protestantes: calvinismo, pietismo, metodismo e as seitas batistas, constatando que a que mais explica a relao entre a tica protestante e a origem do capitalismo o calvinismo, sendo Deus quem dar a salvao aos seus escolhidos.

    Segundo Weber, o cristo est no mundo para glorificar a Deus, e deve faz-lo trabalhando, entretanto, no dever esbanjar com prazeres e condutas desonestas. Ao contrrio, dever continuar trabalhando e aplicando os seus recursos para obter maior lucratividade. Assim, o comportamento tico do trabalho perpetrado pelo calvinismo acabou sendo indispensvel para a busca do lucro atravs do trabalho metdico e racional.

    Para Weber, mais do que a origem do capitalismo, o protestantismo asctico favoreceu tambm a racionalizao da vida, pois esta estaria movida pelo sistema econmico. O

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    comportamento ideal do protestante seria a princpio uma vida metdica, dedicada ao trabalho de forma disciplinada e ordenada, representando uma forma extremamente racionalizada de vida.

    Assim, as religies orientais levam o crente a uma atitude contemplativa diante do mundo. J o carter especfico da religio ocidental, consistiria em levar o crente a uma atitude de engajamento diante do mundo. Por isso, a ideia do autor de que a tica protestante favoreceu a origem do capitalismo, enquanto que as religies orientais no inspiraram nenhum movimento neste sentido.

    Segundo sua anlise, o processo de intelectualizao compreende as seguintes etapas: religio, desencantamento do mundo e racionalizao. Entretanto, o aumento do grau de racionalidade do mundo no levou necessariamente a um estgio superior de vida social, mas perda de liberdade e tambm a burocratizao e racionalizao no s do Estado, mas da vida.

    A racionalidade ocidental foi representada por Weber como uma jaula de ferro que, embora tenha libertado os seres humanos das foras divinas e naturais, acabou o tornando um escravo da prpria criao.

    A306 - Cincia e Poltica

    Embora no fosse um poltico de profisso, mas um cientista, Weber acabou participando ativamente dos debates polticos da Alemanha em sua poca, que o inspiraram a pesquisar e escrever textos e reflexes acadmicas especialmente sobre o capitalismo, a burocracia e o poder poltico. Na poca em que vivia, o capitalismo industrial estava se expandindo fortemente por toda a Europa, entretanto, a Alemanha se encontrava em uma condio retardatria diante deste processo de industrializao. Deste modo, ela s conseguiu participar da corrida econmica com a unificao dos territrios germnicos atravs de Bismarck em 1870.

    Ao contrrio da Inglaterra e da Frana, a burguesia alem no possua fora poltica suficiente para conduzir esse processo sozinho e se apoderar do Estado. Contudo, a modernizao na Alemanha s foi possvel atravs da existncia de um governo forte e centralizador de Bismarck que, como bem constatou Weber, acarretou um aumento da burocracia estatal, tornando a burguesia alem acomodada em seu papel poltico.

    No intuito de resolver esses dilemas, o autor procurou defender o fortalecimento do parlamento e das eleies diretas para presidente, pois segundo ele, estes dois importantes instrumentos possibilitariam o fortalecimento das lideranas nacionais, desvinculando-as do peso da burocracia estatal.

    Uma das caractersticas fundamentais do pensamento de Weber consiste na separao radical entre a figura do cientista e do poltico, ou seja, entre as esferas da cincia e da poltica. Entretanto, isso no o impediu de se pronunciar vrias vezes sobre os problemas polticos de sua poca. Herdando posicionamentos fundamentados nas ideias de Rickert acerca da convico de que as cincias humanas so cincias relacionadas com os valores, Weber insistiu que as cincias humanas so cincias subjetivas e que dependem do ponto de vista adotado pelo autor. Assim, esta questo acabou levando Weber a refletir sobre aspectos da objetividade nas cincias humanas e sociais.

    No intuito de resolver este dilema, Weber afirmou que a cincia deve cuidar para distinguir rigorosamente entre os juzos de fato e os juzos de valor, pois na conduo da pesquisa, todas as consideraes pessoais do autor deveriam ser colocadas de lado. Sendo assim, diante da pesquisa, o socilogo s poderia emitir os seus juzos de fato, mostrando rigorosamente o desenvolvimento de um determinado fenmeno sem julg-lo, no tomando posies sobre o problema. Ao invs de dizer qual o melhor sistema poltico, por exemplo, o socilogo deve apontar quais as consequncias da adoo e algum destes, pois fazer a escolha uma tarefa da sociedade e no do cientista.

    No texto intitulado A Poltica como Vocao, publicado em 1919, Weber chamou a ateno para a condio do poltico profissional. Segundo o autor, com o aparecimento do Estado, em todos os pases do planeta, nota-se o aparecimento de uma nova espcie de poltico profissional. Deste modo, h duas maneiras de fazer poltica: ou se vive para a poltica ou se vive da poltica. Aquele que v na poltica uma permanente fonte de renda, dir que vive da poltica e aquele que vive a partir dos ideais da poltica dir que vive para a poltica. A partir desta distino, Weber observar que os governantes esto divididos entre o apelo de uma tica da convico, na qual o indivduo permanece fiel s suas concepes e valores, independente das consequncias

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    prticas que isto possa ter e uma tica da responsabilidade, na qual se pergunta primeiramente sobre a consequncia de suas aes e decises. Entretanto, deixa claro que a tica da convico no significa ausncia de responsabilidade e nem o contrrio.

    A307 - Poder, burocracia e tipos de dominao

    Para Weber, o poder entendido como a capacidade de impor a prpria vontade dentro de uma relao social, enquanto que a dominao entendida como a probabilidade de encontrar obedincia a um determinado mandato. Entretanto, o autor distinguir trs tipos puros de dominao, certamente uma das categorias mais utilizadas pela sociologia weberiana: dominao legal racional, na qual a obedincia apoia-se na crena da legalidade da lei e dos direitos de mandos das pessoas autorizadas a comandar a lei; dominao tradicional, na qual sua legitimidade se apoia na crena de que o poder de mando tem um carter sagrado, herdado dos tempos antigos; e a dominao carismtica, na qual a legitimidade da autoridade do lder carismtico lhe conferida pelo afeto e confiana que os indivduos depositam nele.

    A grande novidade da Teoria da estratificao social de Weber centra-se na busca pela compreenso das diferentes posies do indivduo em relao sociedade no a partir de um nico critrio, mas a partir de sua insero em vrias esferas da realidade. Assim, se do ponto de vista econmico as pessoas dividem-se em classes sociais; do ponto de vista poltico se encontraro divididas nos partidos e, enquanto o aspecto cultural, podero se diferenciar em diferentes tipos de estamentos. A classe diz respeito aos interesses econmicos das pessoas em relao s diferenas na posse dos bens. O partido se relacionar com a diferente distribuio do poder e o estamento relacionado com os diferentes estilos de vida das camadas sociais, juntamente com o prestgio e a honra conferida a cada uma.

    Alm disso, Weber tambm foi responsvel pelo desenvolvimento de umas das mais cuidadosas anlises sobre o fenmeno da organizao burocrtica que perpassou a histria do Egito, do Principado Romano, do Estado Bizantino, da Igreja Catlica, da China, dos Estados Europeus Modernos, das grandes empresas capitalistas modernas, dentre outros, avaliando suas vantagens e tarefas, relacionando-a com o direito e com os meios de administrao.

    Ao constatar que o fenmeno da burocratizao atinge todas as esferas da vida social e no somente o Estado, Weber averiguou que a burocracia moderna regida pelo princpio das reas de jurisdio fixas e oficiais atravs de regulamentos estabelecidos por meio de leis, documentos ou normas administrativas escritas; age por meio de princpios hierrquicos disponibilizados pela construo de diferentes nveis de autoridade que operam em postos distintos; promove treinamento especializado e completo exigindo atividades oficiais que capacitam o trabalho do funcionrio; articula uma avaliao do desempenho do cargo a partir de regras gerais supostamente estveis e exaustivas que podem e devem ser aprendidas. Ao ponderar sobre o crescimento do Estado e sobre a complexidade dos problemas que este se incumbiu de resolver, Weber constatou que a ascenso da burocracia resultou em problemas graves para os regimes democrticos, uma vez que distanciou os cidados das decises fundamentais proferidas pelo Estado e demais instituies sociais.

    A308 - Sntese

    Neste captulo vimos que Weber desenvolveu sua Teoria Sociolgica Compreensiva ou Hermenutica partindo do pressuposto de que no possvel capturar a realidade de forma plena. Ao objetivar se aproximar ao mximo possvel da realidade, o autor props uma metodologia que consistia na construo de conceitos, por meio de caracterizao de objetos, chamados por ele de tipos ideais. Consequentemente, o autor renunciou as perspectivas construdas por Comte, que perpassavam o primado no objeto, passando a enfatizar o papel do sujeito em meio a este processo.

    Alm de no se contentar com as perspectivas generalizantes de Comte, tampouco com a juno metodolgica das cincias naturais s cincias sociais, Weber tambm no aceitou a abordagem exclusivamente individualizante proposta por alguns pensadores neo-kantianos. Deste modo, acabou construindo sua teoria a partir da juno dos mtodos individualizante/ compreensivo e generalizante/explicativo.

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    A Teoria Sociolgica Compreensiva ou Hermenutica elaborada por Weber estava perpassada pelas vises de mundo do autor, que acabou se posicionando politicamente em diversos momentos da sua vida, embora, teoricamente, negasse a ao poltica do cientista. Segundo o autor, o papel do cientista era explicar, compreender, interpretar objetivamente a partir da neutralidade axiolgica, enquanto que o papel do poltico era, em tese, agir em prol da sociedade.

    Ao refletir sobre o campo da sociologia poltica, perpassada pelos desafios da vida pblica, Weber reconheceu que os governantes dividem-se entre os que agem por meio de uma tica da convico e os que atuam atravs da tica da responsabilidade. Os primeiros agem de acordo com suas concepes e valores, independentemente das consequncias prticas que isso possa causar. Enquanto que os segundos perguntam-se anteriormente sobre as possveis consequncias de suas aes e/ou decises.

    Ao concluir esta introduo ao pensamento de Weber destacamos que o autor assegurou que dentre as qualidades do indivduo que tm a vocao para a poltica destacam-se a paixo, o sentimento de responsabilidade e o senso de proporo.

    Aula 4

    A401 - O materialismo histrico e dialtico atribudo a Karl Marx

    Nesta aula apresentaremos os principais elementos tericos, metodolgicos e polticos que compem o chamado Materialismo Histrico e Dialtico elaborado por Karl Marx, disponibilizando a voc aluno do curso de ps-graduao em gesto pblica do Instituto Federal do Paran suas concepes sobre a modernidade, sobre a pesquisa cientfica, alm de descrever as concepes polticas do autor, que influenciaram nas decises de diversos governos e Estados ao redor do planeta a partir do sculo XX.

    A402 - Teoria e Prtica

    Apesar de no ter a mesma preocupao de Comte em fundar uma disciplina cientfica que reivindicasse a supremacia em relao no somente aos demais saberes, mas tambm em relao s outras cincias como a matemtica, a fsica, a qumica, a astronomia e a biologia, por exemplo, Marx elaborou uma ampla teoria social atravs da utilizao de elementos da filosofia, da histria, da economia e da poltica. Embora Marx, diferentemente de Comte, Durkheim e Weber, no tenha sido um socilogo de profisso, ele foi um exemplo de pensador que soube unificar a teoria com a prtica, pois tanto a sua vida quanto as suas obras estiveram marcadas pelo pensamento voltado para a classe proletria, buscando construir um novo tipo de sociedade.

    Marx produziu uma vasta obra que permeou diferentes reas. Dentre as suas maiores influncias esto: Em primeiro lugar, a filosofia alem, tendo iniciado suas anlises fazendo parte de um grupo de pensadores alemes chamados de esquerda hegeliana, da qual faziam parte Bruno Bauer, Max Stirner e Ludwig Feuerbach. Embora adotassem o mtodo dialtico elaborado por Georg Hegel que, de certa forma, consistia em pensar as relaes sociais por meio de suas contradies, possuam uma atitude crtica em relao ao pensamento deste autor do qual eram estudiosos; Em segundo lugar, o socialismo utpico a partir de autores como Saint-Simon, Charles Fourier, Robert Owen e Pierre-Joseph Proudhon, pois, embora Marx j tivesse conhecimentos sobre o socialismo, foi na Frana que aproximou o seu contato com este movimento de intelectuais. Estes foram chamados por Marx de socialistas utpicos por supostamente no elaborarem anlises mais aprofundadas sobre o funcionamento do capitalismo e no reconhecerem a classe operria como a nica possibilidade de construo do socialismo, embora tenham sido crticos severos do capitalismo de sua poca; e, em terceiro lugar, a economia poltica, uma vez que o seu contato com a cincia econmica se ampliou e se aprofundou quando passou um perodo na Inglaterra buscando demonstrar as leis do funcionamento do modo de produo capitalista e apontando as possibilidades de sua superao. Neste estudo, aproveitou a contribuio de vrios economistas ingleses, principalmente Adam Smith e David Ricardo que apontavam o trabalho como elemento chave para o entendimento do sistema econmico.

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    A noo de dialtica possui uma longa histria no pensamento filosfico, que comea com Herclito, passando por Plato, Kant e outros pensadores at chegar a Hegel, que sistematizar o mtodo dialtico no sentido moderno. A inteno de Hegel ao apontar o seu mtodo dialtico era entender a histria do movimento, criticando o mtodo dominante da filosofia de sua poca chamada de metafsica, que no tinha como objeto a investigao emprica, mas, ao contrrio, as realidades transcendentes que somente poderiam ser descobertas pelas luzes da razo.

    Esta, contrariamente dialtica, defendia a ideia de que a realidade possui uma essncia que a define e que, embora as coisas se modifiquem, a essncia permanecer a mesma. Assim, enquanto o mtodo metafsico prope uma essncia imutvel das coisas, a dialtica proposta por Hegel defender a ideia de que a realidade um movimento constante.

    A dialtica marxista consiste em adotar a ao recproca e a unidade polar, pressupondo que "tudo se relaciona"; pressupe certa mudana, onde ocorre negao da negao amparada na concepo de que "tudo se transforma"; pressupe a passagem da quantidade qualidade, amparada na mudana qualitativa; e a interpenetrao dos contrrios, contradio ou luta dos contrrios.

    No intuito de explicar como tudo est submetido lei do movimento e da contradio, os estudiosos de Hegel afirmavam a existncia de trs momentos fundamentais: tese, momento da afirmao; anttese, momento da negao; sntese, momento da negao da negao e que gerar uma nova tese, que produzir uma anttese e assim por diante. Assim, para Hegel, tudo seria histria e toda realidade seria modificao e movimento gerados pela contradio. Partindo da evoluo histrica que Hegel desenvolver sua filosofia chamada de idealismo dialtico, que partir da ideia de que no incio da histria tudo era essencialmente esprito ou pensamento, ou seja, o esprito absoluto ou a ideia era o elemento fundante das coisas.

    Contudo, Marx, que era da esquerda hegeliana, adotar o mtodo dialtico elaborado por Hegel, mas conservar uma atitude crtica diante do mesmo. Segundo o autor, o seu mtodo dialtico difere fundamentalmente do mtodo hegeliano, sendo inteiramente oposto a ele, pois em Hegel, a dialtica est de cabea para baixo. Assim, seria necessrio p-la de cabea para cima, a fim de descobrir a substncia racional dentro do invlucro mstico. Marx se utilizar da dialtica enquanto mtodo, entretanto, adotar uma atitude crtica em relao ao seu contedo o fundamento. Enquanto Hegel parte de um princpio idealista permeada pela concepo de que as ideias constituem as relaes matrias de existncia; Marx inverte esta lgica, partindo do pressuposto de que so as relaes materiais de existncia que criam as ideias. Assim, enquanto Hegel prope o idealismo dialtico, Marx prope uma teoria fundamentada no materialismo histrico pensado a partir do mtodo dialtico. Deste modo, em que as ideias de Marx e Hegel se diferem?

    O ponto de partida do pensamento de Marx foi crtica radical tanto ao idealismo de Hegel, quanto aos filsofos da esquerda hegeliana, em especial a Feuerbach, que partia de uma concepo materialista, entretanto, sem levar tanto em considerao a histria. Marx buscou colocar o pensamento humano sobre novas bases, rompendo com o pensamento filosfico, propondo que estes possuem bases ideolgicas, tratadas por ele como falsas representaes. Suas crticas, ao mesmo tempo, no conseguiram romper sua dependncia com Hegel, j que so os pressupostos reais e materiais de que no se pode fazer abstrao a no ser na imaginao. So indivduos reais em meio as suas relaes sociais, suas aes e suas condies materiais de vida, tanto aquelas j encontradas, como as produzidas por sua prpria ao.

    Segundo Marx, o primeiro pressuposto bsico da histria que os seres humanos devem estar em condies de viver para fazer histria, pois a primeira realidade histrica a produo da vida material; o segundo pressuposto que to logo a primeira necessidade satisfeita, a ao de satisfaz-la e o instrumento j adquirido para essa satisfao criam novas necessidades. E essa produo de necessidades novas o primeiro ato histrico; o terceiro pressuposto existente desde o incio da evoluo histrica a de que os indivduos, que renovam diariamente sua prpria vida, se pem a criar outros, a se reproduzirem a relao entre homem e mulher, pais e filhos; o quarto pressuposto de que um modo de produo ou um estgio industrial est sempre ligado a um modo de cooperao. Assim, a massa das foras produtivas determina o estado social; o quinto e ltimo pressuposto que se pode verificar que o indivduo tem conscincia que nasce da necessidade e da existncia de intercmbio com outros indivduos. A conscincia , desde o seu incio, um produto social.

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    Ao afirmar que a matria determina a conscincia (ou o pensamento), Marx inverte completamente o sistema hegeliano e funda o materialismo dialtico expresso cunhada pelo terico russo Plekhanov (1856-1918), que indicou o uso da dialtica tanto para o estudo da natureza quanto do entendimento da sociedade.

    Para Marx, o ponto de partida em direo ao real no mais o pensamento como propunha Hegel atravs da sua filosofia chamada idealismo dialtico, mas sim a vida material, da o materialismo dialtico. Marx, ao fazer a crtica do mtodo dialtico de Hegel, tinha a inteno de aplicar este esquema ao estudo da histria. Tambm compreendia que o trabalho era o elemento central para se entender o desenvolvimento da sociedade, ou seja, seria a expresso da ao do indivduo sobre a matria.

    A403 - Trabalho e luta de classes

    De acordo com mtodo dialtico construdo por Marx, pelo trabalho que o indivduo supera sua condio de ser apenas natural e cria uma nova realidade: a sociedade.

    Se a matria (mundo natural) representa a tese, temos o trabalho que representa a anttese da matria, que uma vez modificada pelo ser humano gera a sociedade, que a sntese; a sociedade justamente a sntese do eterno processo dialtico pelo qual o indivduo atua sobre a natureza e a transforma. Para o autor, o trabalho um processo de que participa o ser humano e a natureza, processo em que o indivduo, com sua prpria ao, impulsiona, regula e controla seu intercmbio material com a natureza. Atuando assim, sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica a sua prpria natureza.

    Assim, o trabalho no s uma condio indispensvel da vida social, mas tambm o elemento determinante para a formao do ser humano, seja como indivduo, seja como ser social. Sem trabalho no haveria nem ser humano, nem relaes sociais, nem sociedade e nem histria. Por tudo isso, podemos dizer que a categoria trabalho o conceito fundante e determinante de toda construo terica marxista.

    Alm disso, o mtodo dialtico permitiu teoria marxista repensar um dos principais dilemas enfrentados no campo da epistemologia sociolgica: a relao entre indivduo e sociedade. Na teoria marxista, a relao do indivduo com a sociedade no reduzida a um ou outro dos plos, como faziam as teorias positivista e funcionalista, ou seja, o indivduo no fruto exclusivo da sociedade, nem esta resulta apenas da ao humana.

    Como, ento, se d essa relao na viso de Marx? De que maneira indivduo e sociedade esto ligados?

    Na perspectiva dialtica, existe uma relao externa entre o indivduo e a sociedade, que faz com que tanto a sociedade quanto o indivduo se modifiquem, desencadeando o processo histrico-social, no qual os seres humanos fazem a histria, mas no a como a querem. Eles a fazem sob as condies herdadas do passado. Deste modo, Marx deixa muito claro o peso que as estruturas sociais exercem sobre os indivduos, mas dialeticamente, mostrou que eles partem justamente destas mesmas estruturas para recri-las pela sua prpria ao.

    Diferentemente de Hegel, que compreende que a histria fruto do Esprito Absoluto, ou seja, que o fim do processo especulativo a culminncia do processo dialtico em que o real se torna racional; Marx partir da ideia de que a histria fruto do trabalho humano. Assim, seria a interao dos indivduos buscando a satisfao de suas necessidades que desencadearia o processo histrico. Foi com base neste pressuposto geral que o autor props um estudo sobre a sociedade buscando a tomada de conscincia fundamentada na ideia de que o modo de produo pela vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, poltica e intelectual em geral. Portanto, o estudo da sociedade deve se iniciar pelo estudo das condies da vida material dos indivduos, elemento que condiciona todo o desenvolvimento da vida social.

    Marx ch