transcendências da forma: o projetado, o induzido e o...

Transcendênciasdaforma:oprojetado,oinduzidoeoespontâneoemBeloHorizonte

Transcendenceofform:thedesigned,theinducedandthespontaneousinBeloHorizonte

PatríciaCapanemaÁlvaresFernandes1,KULEUVEN/UFMG,[email protected].

1ArquitetaeUrbanistapelaUFMG(2007)edoutorandaemco-tutelaentreosprogramas InternationalUrbanismemKULeuvenenoProgramadePós-graduaçãoemarquiteturaeurbanismodaUFMG(desde2015)

SESSÕES TEMÁT ICA 7 : C IDADEE H ISTÓRIA

DESENVOLVIMENTO,CRISEERESISTÊNCIA:QUAISOSCAMINHOSDOPLANEJAMENTOURBANOEREGIONAL? 2

RESUMO

Hámuito se fala sobre a nova capital deMinas Gerais, mesmo desde um século antes de suainauguração.Desdequeaindaeraumsonhosetecentista,atécomeçaratomarformaeservividae descrita histórica e cotidianamente. Mais recentemente a cidade, e sua história, tem sidoabordadaporarquitetos,urbanistas,geógrafos,alémdoshistoriadores,sobdiversosângulos.Emtodasasreconstruçõeshistóricas,é impossíveldeixarde ladooplanodeAarãoReis,aquelequedeu origem à cidade, sendo muitas vezes apontado como o culpado por todas as mazelas dacidade.Opoucoquetemsefaladosobreaformadacidadeprojetada,ouseja,tantoodesenhoqueaprecedequantoamaterialidaderesultante,selimitaabrevedescriçõessuperficiaisdoplanopara logo qualificar-lhe como falho, irreal, elitista. Diante disso, o presente artigo propõe umareconstruçãodahistoriaespacialdeBeloHorizonte,queincluiseusprecedentes,ousejaoArraialdo qual só restou o nome, seu projeto urbanístico e sua implementação. Ao contrapor oprojetado,oinduzidoeoconstruídoapesquisabuscaidentificarmomentosdetranscendênciadaformaimaginadaparaacidadeesobquaislógicaselaocorre.Oobjetoseráabordadoatravésdacombinaçãodadocumentaçãohistóricacomcartografiadescritivaeinterpretativaabordadocomoum palimpsesto, não somente de diferentes temporalidades materiais mas também dajustaposiçãodesubjetividades.

PalavrasChave:formaurbana,históriaurbana,espacialidade,transcendência,BeloHorizonte

ABSTRACT

The discourses about the Capital of Minas Gerais date from even one century before itsinauguration.Sinceitwasaseventeenth-centurydreamuntil itbegantotakeshapeandbelivedand described historically and routinely. More recently the city, and its history, has beenapproached by architects, urbanists, planners, geographers, besides historians, under severaldifferentperspectives. Inallhistorical reconstructions, it is impossible to leaveasidetheplanbyAarão Reis, the one that served as its blueprint, beingmany times pointed as guilty for all theproblems of the city. The little that has been spoken about its urban form, the design thatprecedesitaswellasitsmaterialisedresults,islimitedtobriefandsuperficialdescriptionsoftheplan that is soon disqualified as a fail, unreal, elitist. Therefore, this paper proposes a spatialhistoricalreconstructionofBeloHorizonte, includingitsprecedents, i.e.thevillagewhichonlyitsnameremains,itsurbanprojectanditsimplementation.Byconfrontingthedesigned,theinducedand the constructed the research aims to identify moments of transcendence of the formimagined for the city a to which logics it obeys. The object will be approached though thecombination of historical archives with descriptive and interpretative cartography, seen as apalimpsest, not only of different material temporalities but also from the juxtaposition ofsubjectivities.

Keywords:urbanform,urbanhistory,spatiality,transcendence,BeloHorizonte.



INTRODUÇÃO:OPROJETOEAFORMA

BeloHorizonteapresenta-secasoemblemático-nãosomentenoBrasil,masemescalamundial-dodesejodatotalracionalizaçãododesenhodacidadee,emassociação,deumprojetodenovasformasde civilidadepautadaspelaordemepeloprogresso. Tal projeto sematerializa emBeloHorizontefundamentalmentepelaaplicaçãodagrelhaque, talqualoparque,éuminstrumentode intervenção urbanística tanto quanto de reforma social, ou seja, é a materialização de ummodelodeestadoesociedade(Gorelik,(1998).

JuntamentecomLaPlata,Argentina,éumcasoemblemáticodaaplicaçãododesenhourbano -afrancesado segundo Almandoz (2002) - na fundação de capitais provinciais na América Latinaapós um período de estagnação urbana que atingiu a região desde meados do século XVIII.SegundosugereCorrea(2016)BeloHorizonteteriaservidodeinspiração,oumesmocomoensaio,parafuturascidadesplanejadasnoBrasiltaiscomoGoiâniaeatémesmoBrasília.

Longe de ter sido superado, nota-se ainda hoje a reprodução deste modelo: da nova cidademilimetricamente desenhada e calculada, materialização de uma nova sociedade, que emergecontinuamentesobdiversasformasacomeçarpelas“CidadesdeMuros”(DoRioCaldeira,2000).Oquesenota,contudo,ésimultâneaimplosãoeexplosãodetalmodelo,vistaaincapacidadedototalcontroledaformaedasociedade,transparenteemdiversasformasdeinsurgênciassociaiseespaciais.Aquinos interessamespecialmenteessas insurgênciasespaciais,astranscendênciasdaforma.

Apesar de sua excepcionalidade no campo urbanístico, o plano de Belo Horizonte éfrequentementecriticadocomoaquelequefalhoupordiversasrazões,dentreasquaisapresentarcrescimento diverso e adverso, da periferia para o centro (Paula eMonte-Mór, 2004); (Villaça,2000).Ahipótesequesecolocaéqueestacríticasebaseianamíopeperspectivadoplano-quetalqualodevôo,deveserseguindoàrisca,apesardasuanaturezaabstrata-enãocomoprojetodecidadeque,comoPROJETOénecessariamenteaberto,mutáveleimaginativo,devendoserviràconstruçãode cenários e hipóteses formais enquanto sua construção e reconstruçãomaterial étantocoletivaquantoinfindável.

Dentrodessecontexto,torna-seimportanteportantoumarevisãodoprojetoparaBeloHorizonte-daconcepçãoàmaterialização-sobretudosobaperspectivadaforma.SegundoLamas(1993),oprimeiro grau de leitura da cidade deve ser o físico-espacial e morfológico, o único capaz deevidenciarasdiferençasentreesseeoutroespaçoeassimexplicarascaracterísticasdecadaparteda cidade. A essa primeira leitura, acrescentam-se outras - históricas, econômicas e sociais -capazesde revelardiferentesconteúdosmasquesósãopossíveisumavezque“acidadeexistecomofatofísicoematerial”(LamaseLisboa,1993),p.31).Ahipótesequeselançaéqueotraçadoresultantedacidadeprojetada (nonossocaso,BeloHorizonte)nãoé resultadosomentedeseudesenho, mas da sobreposição de outras lógicas sobrepostas ao mesmo. Alem das geológico-geográficas,temossobretudoasdecarátersocioeconômicoepolítico.

Assim,opresenteartigopropõeumaanálisedetalhadadaformadacidadedeBeloHorizonteemsuasprimeirasdécadas,abrangendonãosomenteoprojetopropostoporAarãoReiseimplantadonosanossubsequentes-aZonaUrbanacircunscritapelaAvenidadoContorno-mastambémseuentornoimediato-aZonaSuburbana-quenasceesedesenvolveconcomitantementeaomesmo.Reconhecendoqueacidadenãofoiconstruídarigorosamenteconformeseuplano,aanálisequeseseguetemcomoobjetivooferecercontra-pontosentreoprojeto,oinduzidoeoespontâneonoqueconcerneà formaurbanaemseusdiversospadrõesdeocupaçãodecrescimento,buscando



responderàsseguintesperguntas:comoacidadesematerializaapesardasordens impostas;ecomoaformaurbanaécapazdetranscendertaisordens?

Para responder a tais perguntas, o artigopropõeuma reconstruçãodahistória espacializadadaregião central de Belo Horizonte elaborada através da combinação de cartografia histórica,arquivos e documentos com cartografia descritiva e interpretativa buscando confrontar, de umlado,projetosurbanoscompreexistênciasterritoriaise,deoutro,comamaterialidadeconstruídae transformada. Em um primeiro momento o artigo deve analisar o projeto proposto para acidade,suasintençõesemotivaçõesinserindo-oemseucontextotemporaleideológicoatravésdebrevecomparaçãocomplanosprecedentescomosquaiséfrequentementecomparado:LaPlata,WashingtonD.C,PariseBarcelona.

Paralelamente,oartigopropõeaanálisedamaterializaçãodacidadeque,seguindoametodologiaproposta por Lamas (1993) deve ser feita em três escalas: a Escala da Cidade, neste casocompreendendoaZonaUrbanaeaZonaSuburbanaconsolidadaatéofimdadécadade1920;aEscaladoBairro,focandonastransformaçõesdoparcelamentoetraçadopropostosporAarãoReise,finalmente,aEscaladaRua,atentaàssubstituiçõestipológicasefuncionaiseàheterogeneidadearquitetônicapossibilitadapelagrelha(atéosdiasatuais).SeguindoasferramentaspropostasporPaneraiapesquisapropõeumaanálisedotraçadoedasformasdecrescimentoconsiderandooslimites,barreiras,marcosepontosnodaisquemarcamapaisagem.

Adifícil tarefade confrontaroprojetado comamaterialidade construídada cidade implicaquemuitas vezes o objeto deva ser abordado simultaneamente nas três escalas e em diferentestempos históricos. Enquanto as formas de crescimento do primeiro plano da cidade são maisperceptíveis se congeladas nomomento emque sua região central ainda não se consolidou, aspermanências,oselementosdelongaduraçãoouasrupturashistóricassósãopercebidasdepoisde certo tempodematuraçãoe consolidaçãodessaspartesda cidade. Sendoatéosdias atuaisalvo da especulação imobiliária e substituição tipológica, torna-se ainda mais interessanteobservartantopadrõesdeengessamentoquantodemutaçãoconstantedestaáreacentral,dadaaaparenteisotropiadagrelha.

ASCONSTRUÇÕESDAGRELHA

OPROJETODOPROJETOPARAANOVACAPITAL

Sonhoantigoentreosmineiros,aconstruçãodeumanovacapitalparaaProvíncia(hojeEstado)deMinas Gerais foi possibilitada a partir da ConstituiçãoMineira, esta consequência direta dainstauração da República Brasileira em 1891. O texto constitucional decreta, no Artigo 13, “amudançadacapitaldoEstadoparaumlocalque,oferecendoasprecisascondiçõeshigiênicas,sepresteaconstruçãodeumagrandecidade.”2Jáestariaregistradaaíapreponderânciadofatordehigiene a regular o desenho da nova cidade, e que estaria fortemente presente em todos osdiscursos que justificam a forma que lhe é dada. Como nos demonstrou Heliana Salgueiro(Salgueiro,2001)saneamentoeembelezamentosãoconstantesevocaçõesdodiscursoracionalistadecidadescapitais,ficandodelineada,portanto,aquestãodahigienecomoprioridadenaescolha

2MINASGERAES.ComissãoConstrutoradaNovaCapital.Revistageraldos trabalhos:publicaçãoperiódica,descriptivaeestatística,feitacomautorisaçãodogovernodoestado,sobaautorisaçãodoengenheiro-chefeAarãoReis.RiodeJaneiro,no.1,107p.,abrilde1895.Lombaerts&C.,editor.(grafiaportuguesacorrigidaparaaatualpelaaautora)



dolocalparaanovacidade,presentetambém,maistarde,nabasedosregulamentosdeedilidadedacidade,balizadaspelosescritosdoshigienistasfranceses.

OslocaisaseremestudadosforamdebatidosemCongressoedecretadospelaLein.1,adicionalàConstituição,quaissejam:BeloHorizonte,Paraúna,Barbacena,VárzeadoMarçale JuizdeFora.ApesardaconclusãodoRelatórioda“ComissãoD’EstudodasLocalidades IndicadasparaaNovaCapital”3apontaraVárzeadoMarçalcomolocalmaisapropriado,amaioriadoCongressooptouporBeloHorizonte,decisãodecretadaepromulgadanaLein.3de1893,adicionalàConstituiçãodoEstado.NaRevistageraldosTrabalhosdaComissãoConstrutoradaNovaCapital,FabioNunesLeal, secretário damesma, lamenta a primazia da escolha política em relação à técnica quandoreporta:

“O espirito prático dos entendidos lançara as seguras vistas a - Várzea doMarçal, - vasta campanha brandamente reclinada sobre os dois rios, pelaventura,maisbelosdeMinas,queaumvértice,em feliz acaso, formamumângulo de belíssimas proporções para assento de uma grande cidade,oferecendoextensaplanura,limpadeposseirosesemosdetalhesdecurvaseondulações,quepudessemperturbaraexecuçãodeumaplanta,idealmesmo,para a nova cidade, criada pela fértil imaginação da plêiade brilhante deengenheiros brasileiros, imbuída da construção da capital de Minas; mas arivalidadeslocais,ospequenosinteressespolíticoscriaramo-BeloHorizonte-comoqueemsupremoesforçoparaabafarasublimadamudançadacapitaldavetusta Ouro Preto, que se apinacula, tristonha nos beirais do caldeirãoformadopelosserrosdoItacolomy,semhorizontes,semluz,semespaço,semar para a acanhada população, que se atrofia naquelas ladeiras quaseinacessíveis.”(MINASGERAES,1895,p.11)

Defato,osestudosrealizadospelaComissãod’Estudo-compostaemsuamaioriaporengenheirosalém de um médico higienista - tinha alto caráter técnico científico e revelam a influência da“leitura científica da paisagem”4, ideia recorrente na França e Europa no século precedente.SegundoolevantamentodeSalgueiro,ahistoriografiageralapontaaescolhaporBeloHorizonte,por parte dos ouro-pretanos, como uma última tentativa de levar ao fracasso a mudança dacapital, dadas as dificuldades técnicas impostas em transformar o pequeno arraial, em terrenoondulado,emgrandecidade,alémdemanteracapitaldentrodesuazonadeinfluência.

3MINASGERAES.Comissãod’EstudodasLocalidadesIndicadasparaaNovaCapital.RelatórioaS.Ex.Sr.Dr.AffonsoPenna,PresidentedoEstado,peloengenheirocivil,AarãoReis.RiodeJaneiro:ImprensaNacional,1983.4expressãousadaporM.Roncayoloem“Lepassajedusavant”.Leslieuxdemémoire.LanationIII,dir.PierreNora,Paris,Gallimard,1986,citadoporSalgueiro,2001



Nos dois anos entre o decreto que lança a escolha da cidade e a aprovação de sua planta, aComissão Construtora da Nova Capital, sob a liderança do engenheiro paraense Aarão Reis, seinstalanoarraial e sededicaaosárduos trabalhosqueprecedema construçãoda cidade,quaissejam:olevantamentocadastral,geodésicoetopográficodosítioedoarraial,osestudosdosoloesubsolobemcomodacaptaçãodeágua.OtrabalhomaisurgenteeraaextensãodoramalférreodaCentraldoBrasilatéoarraialvistoqueotransportedemateriaisdesdeSabaráerarealizadoemcarrodeboisedemoravadoisdias inteiros.Tamanhapressa sedá tambémpor razõespolíticasumavezqueaLein.3tambémdeterminouoprazodequatroanosparaatransferênciadacapital.Tal leiagiutambémcomoindutoradediversosaspectosfísicosdoprojetofinalquerepercutirãomaistardedediversasformas,dasquaisdestacamos:autorizaçãoaoGovernoparadesapropriarosterrenosparticularescompreendidosnaplantaaseraprovada;estabeleceremregulamentoosplanos, condições higiênicas e arquitetônicas que devem presidir às edificações; conceder aoempregadospúblicos (atuais funcionáriosdoestadoquetemresidênciaobrigatórianacapital)atítulogratuito,umlotedeterrenoparaconstruçãodecasas,estipulandocondiçõesparapromoveras construções dasmesmas, demodo a facilitar-lhes o pagamento em prestações; promover aconstruçãodecasasemcondiçõeshigiênicasedealuguelbaratoparaoperários;concederatítulo

Figura1(acima):PlantadaCidadedeMinas,1895(redesenhadapelaautora);

Figura2(abaixo):PlantadaCidadedeMinas,1895,sobrePlantaCadastraldoArraialdeBeloHorizonte,1893(redesenhadaspelaautora)



gratuitoumloteacadaumdosproprietáriosdecasasemOuroPreto.Odecreton.803de11dejaneirode1895quedispõesobreaPlantadaCidadedeMinas,acrescentaaindaas reservasdelotesaosex-proprietáriosdeBeloHorizontecomomeiodeindenização(letrasBeH).

ASFORMASDACAPITAL:PROJETO,MUDANÇASEPERMANÊNCIAS

Definidas as bases da lei e após dois anos de estudos no local, a Planta da Cidade deMinas éconcluída e apresentada para aprovação a 23 de março de 1895. No ofício apresentado,engenheiro-chefedacomissãoAarãoreis,ressaltaocuidadosoestudodatopografiadoterrenoeselimitaaoferecerumabrevedescriçãodasoluçãoformaldadaàcidade,descrevendosuamalha,a regular largura dos quarteirões, das ruas e avenidas sem demais explanações sobre suasmotivaçõessenãoaspuramentetécnicaseracionais.

Na historiografia geral são comumente apontadas as semelhanças entre a Planta da Cidade deMinas e suas precedentes, Washington D.C, de L’Enfant (1791), a expansão de Barcelona, porIldefonsCerdá(1859),easreformasdeHaussmannemParis.Muitasvezestambém,taisprojetossão apontados como inspirações para o projeto de Aarão Reis, sabida sua formação na EscolaPolitécnica do Rio de Janeiro, onde circulavam textos e referencias francesas. Segundo ahistoriadoraHelianaSalgueiro,oplanoparaBeloHorizonteéexemplarnãosomentedostatusdourbanismoedaarquiteturaemfinsdoséculoXIXmastambémdatransferênciademodelosqueétãocomumnoBrazil5.Porém,Corboz(2003)argumenta,aodissecaroplanodeWashingtonD.C.,que “não é suficiente identificar um antecedente para concluir que se constitui de umprecedente”6. Assim, poderemos considerar o projeto sobre o qual aqui nos debruçamos nãocomo uma transferência de modelos, mas como resultado de transculturações7locais? O olharaproximadodomesmo,comparadoaseusantecedentes,apontaráparamuitassimilaridadesmassobretudoparamuitasdiferenças.Comoseusantecedentes,aplantadeBeloHorizonteapresentaa sobreposição da malha ortogonal com diagonais. Os quarteirões foram desenhadosrigorosamentecomladosiguaisde120x120metodasasdiagonaisformamumângulode45grauscom amalha, dispostas tambémem90 graus entre si e espaçadas regularmente. Emoposição,Corboz demonstrou que a grelha deWashington - aquela que aparentemente teria inspirado anossa-nãoénemregularetampoucosimétricacomoaparenta.A“poéticadairregularidade”porele encontradanaessênciadoplanode L’Enfant apareceráemBeloHorizonte somenteemummomento posterior, quando a regularidade da forma proposta é quebrada, transformada etranscendida na medida em que encontra com preexistências e outros obstáculos (por vezespolíticos) e toma outras formas que não a proposta, como a análise que se segue deverádemonstrar.

5verSalgueiro,20016Nooriginal:“Caritnesuffitpasd’identifierunantécédentporenconclurequ’ilconstitueunprécédant.”traduçãolivredaautora.7Ver(Ortiz,1995)



Tantonaplanta comonadescriçãodeAarãoReis que a acompanhanomencionadooficio, ficaevidenteodestaquedadoaumadasavenidas, aque cortaa zonaurbanadenortea sul (atualAvenida Afonso Pena), para a qual deu uma largura de 50 m, constituindo-a como centroobrigatóriodacidade,eforçandoapopulação,“quandopossívelair-sedesenvolvendodocentropara a periferia, como convém à economia municipal.” (Barreto, 1928), p. 251). Na plantaproposta a centralidade da avenida, que corta o plano no sentido sudeste-noroeste, é tambémmarcadapelaPraçadaRepúblicaemseucentrogeométrico,contendoosPaláciosdaJustiçaedoCongresso,posicionadosdefronteaoParqueMunicipal(alilocalizadograçasàdifíciltopografiaeàpresençadeváriasnascentesnoencontrodoRibeirãoArrudascomoCórregodoAcaba-mundo).Aindanesta avenidaestariao Teatro, posicionadoemquadra formandoumângulode45grauscomamesma,cujavisibilidadeemonumentalidadeestariagarantidapelaPraçaTiradentes,pontodeaberturadaavenidaemencontrocomumadaspontasdoParque.NestelocalfoiconstruídooMercadoMunicipal, representandoopontodechegadados tropeirosque traziamamercadoriados subúrbios (Lemos, 1998). Ainda segundo a planta proposta, nas duas extremidades daavenida,marcandoseufimdefinitivo,estariam,deumlado,aPraçadoMercadonaporçãonorteetopograficamentemaisbaixa,edeoutroaIgrejadoCruzeironapartemaisalta,tendoaSerradoCurralcompanodefundo.Destes,oúnicoconstruídofoiomercado,ondefuncionoupormuitosanosaFeiradeAmostraseondehojefuncionaarodoviária.

Figura3(acima):PlantaCadastral,1928sobrePlantaCadastraldoArraialdeBeloHorizonte,1893(redesenhadapelaautora);

Figura4(abaixo):PlantaCadastral,1928sobreredehidrográficaoriginalemodificada(redesenhadaspelaautora)



Nãofosseatopografialocal,asdiagonais,sobrepostasàmalhaemxadrez,teriamgrandesefeitosdeperspectiva,talcomonaurbanísticabarroca,ligandoimportantesedifíciosacentuando-lhesuamonumentalidade. A estas sobrepõem-se entretanto as ondulações do terreno que agem nosentido contrário da perspectiva, interrompendo certas panorâmicas e proporcionando outraspaisagens.SevistadecimaaAvenidaJoãoPinheiroligaoParqueMunicipalàPraçadaLiberdadee, em continuidade, ao Palácio, o mesmo não pode ser dito visto do chão. Assim, amonumentalidadedasdiagonaisvistaemWashingtonD.C.eemParisnãoéamesmavistaemBeloHorizonte.TalvezporissoAarãoReisteriaemseuprojetodeslocadoligeiramenteosedifíciospúblicosdasdiagonaisna intençãodeprovocaralgumassurpresas.Ao invésdeummonumentoarquitetônico–umavezqueoprojetonão foiconcretizado -a longaperspectiva fornecidapelalinearidadeegenerosa larguradaAvenidaAfonsoPenaatuademaneiraaenquadraraSerradoCurral, sendo suamonumentalidade exagerada pela diferença topográfica a partir do centro. Oefeito,maismarcantenasfotografiasantigas,aindaéhojepercebívelmesmoapesardacrescenteverticalização na região. No sentido contrário, quando o então imponente edifício da Feira deAmostras é substituído e mudanças de tráfego são efetuadas, perde-se também o efeito daperspectiva. Para além desta barreira, tanto o pedestre quanto o motorista, seja pela EstaçãoLagoinha, seja pelo Viaduto Leste8, são guiados para um emaranhado de vias e alças queatravessam o vale do Arrudas e toda a infra-estrutura que lhe foi agregada, perdendo porcompletoosensodolugareconstruindo,aoinvés,onão-lugar.

Outra diagonal que perdeu totalmente tanto seus pontos finais (mesmoque deslocados ou emângulos) quando seu centro geométrico foi a Avenida Amazonas. Na Planta de Aarão Reis aavenida ligava a Praça da Estação (como ainda liga apesar do transporte férreo ter perdido emmuito sem valor simbólico em Belo Horizonte) à uma grande quadra toda reservada,provavelmente para uma grande edificação estadual, então ainda não definida tendo comoumdos ladosumagrandepraça.Emseucentro, localdeencontro comaatualAvenidaBias fortes,estariaumagrandepraçacircundadaporrotatóriatendo,deumlado,umaigrejae,deoutro,umedifício também público de uso não identificado (não foi possível a leitura da planta). A nãoedificação de tais edifícios acarretou na extrema fragmentação das quadras que circundam apraça, pequenas demais para abrigar edifício de qualquer volume e importância. A posteriorconstruçãodoatualMinascentro,doMercadoMunicipaledoEdifícioJK,nasimediaçõesdapraça 8AocupaçãodoBairrodaLagoinhadatadedesdeosprimeirosanosdacapital.Seutecidofoiinterrompidojánadécadade1940comconstruçãodeavenidapara ligaracidadeaosnovosbairrosaonorte.NestepontoestáoViadutoLeste,umagrandealçaviáriaquefazatransposiçãodovaledoArrudas.

Figura4:Cortescomparandotopografiaoriginaleatual.Emcinzaidentifica-seoscorteseaterros(elaboradopelaautora)



acrescentamimportânciaàmesma,tempequenosedifíciosdepoucaimportânciacomobarreiras,nãosendocapazportantodeconstituirpanodefundoadequadoparaaatualPraçaRaulSoares,relegada à simples função de rotatória, mesmo apesar do relativo sucesso de recentesintervençõespaisagísticas.

Ressalta-seaindaque,antesmesmodotérminodaelaboraçãodaPlantajáestavamelaboradoseaprovados os projetos para as edificações do governo do estado, cujos esboços já tinham sidoapresentadosjuntoaoestudosdaslocalidades.AarãoReispretendiaedificarumúnicoPaláciodaAdministração, concentrando em si todas as repartições públicas a se edificar na Esplanada doPalácioPresidencial(hojepraçadaLiberdadeerespectivoPalácio)porémsuapropostafoinegadapeloentãoSecretáriodaAgricultura,FranciscoSá,quepede,aoinvés,osprojetosdetrêsedifíciosdestinados à três secretarias de Estado e repartições anexas, pedindo ainda, agilidade, poisdeveriam estar prontos antes de findar o prazo constitucional, a 17 de Dezembro de 1987.Francisco Sá determina ainda que “os três edifícios serão localizados na mesma praça, com aproximidade relativa que a conveniência do serviço público exigir.” (Barreto, 1928, p. 245-246).Nosmeses seguintes os projetos de tais edifícios foram aprovados, bem como o do Palácio daJustiça e o do Palácio do Congresso, a seremedificados naAvenidaAfonso Pena, em frente aoParque.SegundorelatodeBarreto,estesúltimosficaramnosseusalicercesdurantedécadaseporfim,foramconstruídosnolocaloEdifíciodosCorreioseTelégrafoseoPaláciodaMunicipalidade,já no fim da década de 1920. Ainda segundo Barreto, datam de fevereiro de 1895, ou sejaanteriores à aprovação da Planta da Capital deMinas, a preparação das cadernetas e perfis daesplanadadoPalácio.

RELAÇÕESCOMOSÍTIO:RACIONALIZARPARAHABITAR

A análise contemporânea das contradições encontradas entre o sítio e a malha de Aarão Reislevamàimediatainterpretaçãodequeestatenhaignorandoaquele.EssatambéméacríticageralpresentenahistoriografiasobreBeloHorizonte,ondeseafirmaqueaplantadanovacidadetenhaignorado completamente sua topografia e seus rios (Borsagli, 2016). Porém, alguns autoresdiscordam(Lemos,1998;Segre,2012)aodestacarporexemploaposiçãoestratégicadaPraçadaLiberdade,entãoreferidacomoEsplanada,queabrigaocentrodepoderdoEstadonopontodetopografiamaiselevadadacapital,seguindoomodelogregodeposicionarocentrodepodernopontomaisaltodacidade.SegundoLemos(1998),oestudocuidadosodatopografialocalpermitiuaestratégicaorganizaçãoestéticae localizacionaldoespaçoembuscadaperspectivaperfeitaeeficiência funcional (Lemos,1998,p.83).Emoutraspalavras,amalhaaparentemente isotrópica,vista como alienígena às condições do sitio, estaria na realidade fazendo amplo uso de seusaspectosfísicosparadarselecionadaimportânciaadeterminadoselementosparaquepudessematuar como representações físicas do poder exercido pelo Estado, aquele que promove aconstrução da Capital. De fato, como visto, a construção desses elementos, os palácios dogoverno,foramlevadasacaboantesmesmoqueasruaseavenidasfossemsequerdelineadas.

Quanto à hidrografia, em seu importante estudo “Rios Invisíveis da Metrópole Mineira”AlessandroBorsagli afirmadiversas vezesqueaplantapropostadeBeloHorizonte, tal qual suaconstrução,ignoraseusriosapesardetersidoestalocalidadeescolhidapelariquezaepurezadeseus rios e nascentes. Talvez o termo “ignorância” não seja omais adequado e talvez essa nãotenha sido a intenção do autor, pois ele implica desconhecimento e a obscuridade da visão. Afiguraçãodoscursosd’águasenascentes tantonaPlantaGeodésica,TopográficaeCadastraldoArraial,comonaPlantadaCidadedeMinas,bemcomooextensorelatórioapresentadopeloDr.César de Campos a respeito da situação da captação das águas durante os anos de estudo nos



dizemocontrário.Havia,aoinvés,umamploconhecimentosobrealocalizaçãodaságuaseseusvolumesmasnosentidodeconhecerparadomareutilizar-sedelasparaoconfortodohomem,como próprio da racionalidade positivista da época. Foi pois, depois deste cuidadosolevantamento,queseiniciaramostrabalhosdecaptaçãoecanalizaçãodosrios,forçadosaseguirageometrizaçãodoespaço.Apesardetodooconhecimentoadquirido,aágua-eseusrios-logosetornariaumdosprincipaisproblemasdacapital,sejapelasuarápidapoluição,sejapeloatrasodasconstruçõesdadososgrandesesforçosexigidospelascanalizações,sejapelafaltad’água,quecedoassolouapopulaçãobelo-horizontina.

Foramtambémaságuas,ouseja,aspreexistênciasdositio,asresponsáveisporalgumasdecisõesdeprojeto-comooParqueMunicipal,jámencionado-etambémposterioresmudançasdaplantaquandoexecutada.ApresençadasnascentesorientaramoposicionamentodoZoológiconaquelelocal,ondeseriampreservadas,emprestando-lhetambémonomeaocórregoquedávida.Nofimda década de 1930, quando este córrego e também o do Leitão já haviam sido canalizadospossibilitando a tardia urbanização daquele bairro, erguia-se ali o Parque Santo Antônio, umgrandecomplexoesportivoquehojedálugaraoMinasTênisClube.Totalmenteimpermeabilizadoeesterilizado(eprivatizado),oclubedesvirtuouospropósitosdoprojeto inicial.Foramtambémtaiscanalizaçõesas responsáveisporalgumasmudançasnaplantanaquelebairro.Pormaisquedomadosedesviados,oscórregosforamelesmesmoscapazesdedesviarasruastambém.Assim,a rua Curitiba desvia-se para continuar na Rua Marília de Dirceu9- um adendo ao plano - demaneira a formar uma pequena praça, ponto de encontros e surpresas dentro na monotoniaestéril do xadrez.À épocada elaboraçãodomencionados estudospara a captaçãodas águasoengenheiroSaturninodeBrito -entãochefedaseçãodeAbastecimentodeÁguasdaDivisãodeEstudosePreparodoSubsolo-preparouumapropostaalternativadedesenhoparaacidadequetentavaconciliaramalhaortogonalcomotraçadodosrios,cortando-aparaapassagemdestes.Porém, Saturnino foi vencido: o plano não foi executado e a malha rigidamente ortogonal foimantidacomrelativorigor,anãosernocasodoCórregodoLeitãoacimadescrito.Conservando-seas mentalidades da época tal desenho provavelmente não seria capaz de evitar a poluição,canalização e posterior cobertura desses rios, mas talvez evitaria tamanhos esforços e gastosempregadosnaretificaçãoedesviodosriosparaseadequaremàinflexívelquadrícula.

ASFORMASDECRESCIMENTODACIDADE:1895-1928

Aregularidade isotrópicadagrelhapropostaporAarãoReis, interrompidaporparques,praçasemonumentos regularmente dispostos, sugere uma intenção - quiça ingênua - de equidade nadistribuiçãodosterrenos,ausentedehierarquia,assimcomotambémforaaintençãodeCerdánoseu“Exaimple”.Tambémeletevedesubmeter-seàsvontadesdaselites,sobrepondoàsuamalhaigualitáriacertahierarquiadeterrenosemtornodoPasseigdeGracia(AibareBijker,1997).Comofoi então que os traços hegemônicos de Aarão Reis vieram a ser repetidamente acusados desegregacionistas e elitistas? Acontece que, assim como em Barcelona, lógicas sociais desiguaisforam sobrepostas ao traçado regular, resultando na ocupação hierarquizada do território. TaislógicasestavamdesdehámuitoenraizadasnamentalidadedosdetentoresdepodereportantoforamdelineadasatravésdedeterminaçõesdoEstadoque,pelaLein.3adicionalàconstituiçãojálançavaasbasessobreasquaisacidadeseriaplanejada,construídae futuramentehabitada,de

9HánobairrodeLourdesumacuriosidadequantoàtononímia:asRuasMaríliadeDirceueBárbaraHeliodorasãoambasposterioresaoplanoefuncionamdemaneiraaquebraroritmodasquadras,cortando-as,abertasgraçasàcanalizaçãodoCórregodoLeitão.Seusnomes,sãotambémosúnicosnomesfemininosemmeioaosinconfidentes(homens)eaosnomesdaslocalidades,nosentidooposto!



maneira a favorecer alguns em prejuízo de outros. Logo nos primeiros momentos, adesapropriação de toda a área estudada pela Comissão d’Estudo é autorizada pelo Estado, elevada a cabo pelo engenheiro-chefe com profundo ressentimento da população do arraial. Ascasasforamentãoesvaziadasdeseusmoradores,expulsosedispersospelosarrabaldesdanovacidade,eocupadaspelosfuncionáriosdaComissãoConstrutorasoboregimedealuguel.Deu-sedestamaneira,logodeinício,aperiferizaçãodaspopulaçõesmaispobres.Alémdereservarlotesequadras para o Estado, para futura ocupação ou venda (o que futuramente proporcionou certaespeculação), a Comissão também era responsável por demarcar os lotes que poderiam serrequeridospelosfuncionáriosdoestado,pelosproprietáriosdeOuroPretoetambémosantigosproprietários indenizados, como o fizeram. Além disso, era também incumbência da Comissão,com autorização do Estado, determinar os preços dos terrenos a serem vendidos em hastapública.Assim,caitotalmenteporterraaregularidadesugeridapelodesenho,sobrepostaporsuacamada(dainjustiça)social,pornaturezasegregacionista.

Acresce-seaindaa istoo fatodeque somenteumapartedodesenhodeveria serexecutadadeinício,sendoqueorestanteseriaocupadadepois,gradualmente,sendoassuasobrasexecutadasàmedidaqueacidadefossesendoocupada.ODecreton.680de1894,queregulaaLein.3,trazemseuartigo3ºoseguintetexto:

“O projeto geral da nova Capital será delineado sobre a base de umapopulaçãode200.000habitantes, e sobreestamesmabase seráefetuadaadivisão e demarcação dos lotes; as obras, porém a executar desde já, serãoprojetadas sobre a base de uma população de 30.000 habitantes; devendo,entretanto,osrespectivosprojetosseremorganizadosdeformaapermitiremo natural desenvolvimento das obras executadas à proporção que foraumentandoapopulação.”(MinasGerais,1895)

A legislação sugere portanto, uma limitação à população da cidade, o que constrangeria, porconsequência, sua extensão territorial. Esta circunscrição se reflete diretamente na sua formafísica,quandoAarãoReisprojetaumaavenidaperimetral(atualAvenidadoContorno)fixando-secomobarreiraparaaZonaUrbana,projetadaparaos200.000habitantesquerequerealei.Fatocuriosoéque,noentornodetalzona,AarãoReissugeredesde jáumtraçadopreliminarparaaZona Suburbana, em complemento à Urbana, que cresceria de forma orgânica conforme anecessidade.AocontráriodagrelhadeCerdáparaBarcelona,queseutilizadarepetiçãoortogonaleasdiagonaisparasugerirumcrescimentoquaseinfinitodamesmaatravésdesuamultiplicação,edoplanodeWashigntoncujasdiagonaissugeremligaçõesregionais(Corboz,2003),agrelhadeBelo Horizonte tem como barreira um largo boulevard de 35 metros de largura que, ao sertransposto, rompe com as lógicas do traçado e inaugura novas formas de crescimento, comoveremosnaanálisequesesegue.

Alimitaçãodasobrasaseremexecutadasàbasedeumapopulaçãode30.000habitantesimplicaque não mais do que 15% da cidade deveria de fato ser executada, estando as principaisinfraestruturas intrínsecas à função administrativa do estado bem como da cidade tambéminseridasnesseperímetro.Diantedisso,AarãoReisapresentaparaaprovação,juntodaplantafinalda cidade, também a planta de área reduzida a ser executada, segundo ele, mais do que osuficiente para a população de 30.000 habitantes, com a demarcação dos terrenos reservados,sejaaoEstado (marcadoscoma letraR),aos funcionários (letraF)ouaosproprietáriosdeOuroPreto(letraP).Temosassim,deimediato,umaporçãodelotesprovidosdeinfraestruturaeoutraainda sem, e por conseguinte menos valorizada. Ademais, os funcionários e ex-proprietáriosindenizados poderiam requerer lotes tanto na Zona Urbana quando na Zona Suburbana, o queindicaqueasuburbanizaçãodeBeloHorizonte,aocontráriodedesordenadacomojáfoisugerido,



foi de fato prevista e calculada pela Comissão Construtora, com anuência do Estado. Para oscidadãoscomuns,ousejaostrabalhadoresatraídospelasoportunidadesdetrabalhocriadaspelaconstruçãodacidade,a inacessibilidadedospreçosedasnormasparaadquirirterrenosnaZonaUrbanaacaboudirecionando-osparaaZonaSuburbanaoumesmoahabitar cafuasebarracõesimprovisadospor todaparte.Dianteda crescente favelização tantodaZonaUrbanaquantodosarredores,etambémdiantedaobrigaçãodaComissãodeoferecermoradiasemboascondiçõesdehigieneealuguelbaratoparaosoperários,asautoridadesseviramnaobrigaçãodetomarumaatitude.Em1902,écriadaaVilaOperária,atravésdedecreto,destinadaaocuparaVIIISeçãodaZona Urbana (hoje correspondente ao Bairro Barro Preto). Para que ela se viabilizasse, umaexceçãoàsnormastevedeserimplantada-nemaprimeiraetampoucoaúltima-paraadequá-lasà realidade social. Assim, fica esta seção transformada em Zona Suburbana, significando umrecortederelaxamentodasnormasparaconcessãodoterrenobemcomosuaocupação.Porém,umcertograude“civilidade”eraexigidodosquealidesejavamhabitar,umavezquesó teriamdireito à concessão de lotes nesta área os indivíduos que provassem: “a) ser operários, isto é,tirarem subsistência de trabalhosmanuaes [sic], (…); b) ter residência na Capital durante, pelomenosdoisanosantesdadatadoseurequerimentopedindoaconcessãodolote,eterexercidosuaarteouofícioininterruptamenteduranteessetempo;c)terbonscostumeseserdedicadoaotrabalho.”Aleiaindaacrescentaoparágrafo:“Ascondiçõesdasletrasaebserãoprovadasporum atestado de três pessoas conceituadas a juízo do Prefeito; a da letra c, por meio de umcertificado de autoridade policial.” (Plambel, 1979) Assim, prossegue a suburbanização, afavelizaçãoeasegregaçãoespacialnacidade.

Ao observarmos a planta cadastral de 1928 vemos com facilidade que grande parte damaterializaçãodacidade-medidapelaconstruçãodeobjetosarquitetônicosenãopelaaberturadevias-sedeudentrodesseperímetrooficialeaolongodaAvenidaAfonsoPenacomopreviraReis, mas também em grande extensão nas Zonas Suburbanas e Rurais. A cidade muito cedotransbordara amalha inicial, comoprevisto por Cerdá e L’Enfant para Barcelona eWashington,porém não segue as possibilidades de infinita repetição proporcionada pela isotropia de seumodelomasoraseopõeeorasedeforma,paraalémdoboulevard.Acidadede fatocresceaolongo da Avenida Afonso Pena, como pretendido por Aarão Reis, porém vai além desta,transbordandoparaforadaZonaUrbana.Comovimos,asuburbanizaçãodeBeloHorizonte,paraalémdoslimitesdesuaavenidaperimetralnãofoinarealidadetão“imprevista”etampoucotãodesorganizada quanto se tem afirmado. Apesar de não ter sua forma tão rigidamente definidacomo àquela que circunda, podemos dizer que sua ocupação foi devidamente planejada eorquestrada,porémsema forçadeterminanteeestruturadoradoprojetourbanoPortanto,nãofoi amplamente planejada pelo estado mas induzida pelos seus mecanismos. No ofício queacompanhou a Planta da Cidade de Minas, o engenheiro-chefe Aarão Reis oferece-nos brevedescrição da Zona Suburbana, onde deveria haver ruas mais estreitas, com 14 m de largura edesenho mais apropriado à topografia. 10 Porém, a sobreposição desta malha à topografialevantadapelamesmaComissãonosdizocontrário.AgeometriasugeridaparaestaZonaestá,emmuitospontos,emcontrastecomaslinhasdatopografiae,assimcomonaZonaUrbana,comosrios. Não há, tampouco, qualquer tipo de coincidência com as divisas das antigas fazendas,tampouco continuidade com a malha da área central. Pelo contrário a geometria apresentadaparece contrastar propositalmente com as quadras regulares da Zona Urbana, de maneira asalientarsuasdiferenças.AcomparaçãodestacomaPlantaCadastralde1928mostra-nosalgumaspoucas coincidência, sugerindo elementos de longa duração no território. A grande área 10aqui,aspalavrasdeAarãoReisnosoferecemaoportunidadedeespecularsobreseudiscurso.AoafirmarquenaZonaSuburbanaasmalha seguiriaa topografia,estaria subentendidoquenaZonaUrbanaestanãoo faz,mesmoestandoosestudostopográficosnocernedasuajustificativaarespeitododesenhodaplanta?Ficaapergunta.



retangular a oeste da Zona Urbana, em esplanada relativamente plana, estava desde o iníciopredestinada à função de Hipódromo e assim o foi, por longos anos, (hoje abriga o Clube dosOficiaisdaPolíciaMilitardeMinasGerais).Aonorte,emumaáreatambémgrandeondeaplantasugereumaIgrejaemseucentro,foiinstaladoocemitériodoBonfim,quecontinuaatéosdiasdehoje emprestando também seu nome ao bairro. Ao sul, no Bairro Santo Antônio algumas viasparalelas seguememcontinuidadeàquelasno interiordaavenidaperimetral, comosugeridonaPlantadeAarãoReiseatéosdiasatuais.Sabe-sequeestaregiãofoiumadasprimeirasaseremhabitadaseondetambémseinstalouumdosprimeirosreservatóriosdeágua.

Panerai(2006),aoestudarasformasdecrescimentodacidade,estudaasmaneirascomobarreirassão transpostas e mudanças no tecido urbano ocorrem. Essas mudanças são particularmenteperceptíveisquandoosmurosmedievaiseramderrubadose sobreelesdeitavam-seboulevares.EmBeloHorizonte,mesmonãotendosidoseuboulevarumamuralhaqueseparasseointerioreoexterior,acidadedocampo,podeserassimconsideradoporapresentarumaimportantebarreiranodesenhourbano,nãotantofísicaquantoregulatória.Assim,enquantoseuinteriordeveriaserurbanizado seguindo o rígido traçado -mesmo aquelas áreas ocupadas e urbanizadas 20 ou 30anos depois, apesar de pontuaismudanças ainda seguem o desenho inicial em larga escala - amaterializaçãoda cidadepara alémda avenidaocorreria soboutras lógicas. Cabe-nosportanto,desvendar quais seriam essas lógicas, em quais medidas elas replicam, transformam e seapropriamasformassugeridasouomodelodacidadeidealouquandoéqueelasatranscendemeoporquê.

OutrofatorimportanteparaasuburbanizaçãodeBeloHorizonte-que,comojáafirmadonãofoidesorganizadamassimorquestrada-foiainstalaçãodasColôniasAgrícolasnosanosseguintesàsuainauguração.Aintençãocomessascolôniaserapromoveroabastecimentodealimentosparaa Capital, atraindo imigrantes para ali habitarem e se ocuparem de atividade agrícola. Comodemonstrado pelos estudos d Plambel (1979) essas áreas servirammais à habitação do que àagricultura,comportandoem1912umapopulaçãojásuperioràdaZonaUrbana,sendonamaioriacompostaporimigranteseuropeus.

Naplantacadastralde1928(Fig.6),utilizadocomobaseparaaanálisedocrescimento,épossívelaindaidentificarasantigasestruturaisfundiáriasdasantigascolôniasagrícolas11.EssapermanênciaéespecialmentevisívelnaColôniaBias Fortes,naporção lesteda cidade,onde longas faixasdeterrasãodistribuídasmaisoumenosperpendicularesaocórrego,garantindo-lhesoacessoaágua.Na porção mais ao norte do mesmo traçado, alguns quarteirões já se encontram desenhados,recortando tais faixas perpendicularmente, mas mantendo a mesma dimensão transversal. NaantigaColôniaAméricoWerneck,aonorte,amalhadistribuídanaporçãoaonortedoCórregodaMatamantémasmesmasrelaçõesdelinearidadeeperpendicularidadedotraçadoemrelaçãoaocórregoencontradasnaColôniaBiasFortes.AscolôniasforamcedointegradasàZonaSuburbana,afimdepossibilitaracobrançade impostos,bemcomoprovera infraestruturanecessáriaaos jáocupantes. A partir desse momento, os terrenos começaram a ser regularizados segundosubdivisãojáexistenteouforamposteriormentesubdivididosmedianteaprovação.

11 Não foram encontrados registros cartográficos anteriores à 1928. A identificação dessas estruturas fundiárias sãobaseadasemhipótesesobreanálisecartográfica.



A porção noroeste, hoje Bairro Carlos Prates, foi uma das primeiras a serem habitadas pelosimigrantesetambémpelosantigosmoradoresexpulsosdoArraial.AruaPadreEustáquio(antesRuaContagem),atuacomoeixodecrescimento,seguindoalinhadetopografiamaiselevadaeécoincidentecomumdosantigoscaminhoslevantadospelaplantacadastralde1893,nestemapalevandoonomede“Estradap/Ressaca”.Dosdoisladosdessavia,otraçadosedistribuideduasformasdistintas:aonorte,umamalhaquadrangularédistribuídaentreaviaeofundodovaledoCórregodoPastinho,hojecobertopelaAvenidaD.PedroI.AosuldaPadreEustáquioamalhaédistribuída em longas linhas (assemelhando-se àquelas das colônias) que ligam ao RibeirãoArrudas. No mapa de 1928 uma área de terreno bastante afundado, onde havia em 1893 umpequeno córrego ainda permanece desocupada, mas com uma sugestão de traçado que sedestacapelocontrastecomoentorno.Nãoésurpresaqueessaárearesidualtenhasidoocupadaporassentamentosinformais.

Aporçãoleste,noentornonoHipódromo(naFig.6podeseridentificadoporsuagrandequadravazia),nota-sequeamalhaconstruídaseguiuosângulosdeterminadospelageometriadomesmonoplanodeAarão reisquepor suavezdãocontinuidadeao traçadodaquelesdaZonaUrbana,porémcomquarteirõesmenores,maisadequadosàtopografia.NoBairroGutierrez, loteamentoaprovadonadécadade1920aangulaçãodamalhatambémsegueaqueladedentrodaavenidadoContorno mesmo apesar de apresentar topografia muito mais acidentada. A sobreposição dosmapasrevelouquealimitaçãolestedessebairrocoincidecomoslimitesentreTerrenosDevolutos(ondeobairrose insere)eaFazendadoCândidoLúciodaSilveira, regiãodesocupadaem1928,ondeposteriormentefoierguidooBairroCidadeJardim.Estalinhadedivisa,linhadecumeeira,se

Figura6:(acima)PlantadaCidadedeMinas,1895e(abaixo)PlantaCadastral,1928,destacadasasestruturasdelongaduraçãodocrescimentoforadaZonaUrbana.



tornouposteriormenteaAvenidaRajaGabaglia.Comoemoutraspartesdacidade,osinterstíciosdeixados entre loteamentos e avenidas são ora ocupados por grandes equipamentos ou porassentamentosinformais.

Aosul,oBairroSantoAntônio,como jádito, temsuamalhaseguindoaqueladaZonaUrbanaenãoconformepreviraAarãoReisnoseudesenhoparaaZonaSuburbana.Algumaspoucaslinhascoincidementreo projetadoeo construído, somente aquelas ortogonais quedão continuidadeàquelasdentrodaAvenidadoContorno.Nestebairroéaindamaisdiscrepanteocontrasteentreatopografia,extremamenteacidentadaeamalhaortogonalquefoiaplicada.AregiãodosbairrosCarmoeCruzeiro ainda seencontravampouco tracejadasem1928masoque já existia apontaparaumtraçadoqueestasujeitoaoscórregosdaregião,sobretudoaoAcabaMundo.

Em suma, percebemos com a análise que o crescimento ocorre tanto ao longo de eixos decrescimento determinados por avenidas ou rios, como por loteamentos, de forma descontinua,deixandorupturase reservas (agrícolasounão).A leituradas formasdecrescimentosuburbanonos mostrou que a avenida perimetral de Belo Horizonte chega a atuar, à semelhança dosbulevaresquesubstituemasmuralhasmedievais,comoumabarreiraquemodificaotraçadodo

queestá‘fora’emrelaçãoaoqueestá‘dentro’,comonosdemonstrouPanerai(2006).Entretanto,asrazõesnãosebaseiamnasdiferençastemporaisoubarreirasdefatofísicas,comonosexemplosmostradospeloautor,masporumasimplesquestãoregulatóriaalémdofatodeacidadetersidoplanejadaeconstruídapeloEstado.Aexpansãosuburbanaqueseutilizadadamalhanãoé,comoPaneraiexemplifica,frutoderupturasoudeavançosbruscossobreoterritório.Pelocontrário,elaé gradativa, fragmentada e ocorre concomitante, quase que em continuidade à construção daZonaUrbana.Éporissoque,emalgunsbairrosadiferençaentreasduasmalhasésutilenquantoadiferençaentreamalhaeatopografiaéenorme.

Figura7(esq):EsquemadetiposdequadraselaboradopelaautoracombasenaPlantadaparteurbanadaCidadedeMinasdesignadapara30.000habitantes.Emrosa,terrenosreservados.Outrostons,quadrassegundotipo

Figura8(dir):Amostracomparativaentreoslotesoriginaiseasmodificações(emcinzaescuro)segundoPlantaCadastralde1942.Elaboradopelaautora.



VARIAÇÕESNAGRELHA:1928-1942

As malhas ortogonais tem suas origens em assentamentos militares e foram amplamenteutilizadas em situações de guerra ou da expansão de territórios nacionais, para controle edisciplinatantodoterritórioquantodeseusocupantes.Foiocasodosacampamentosromanosetambém dasbastides, principalmente na França. Por isso foram pormuitos consideradas comodesenhos com alto caráter ditatorial e opressor. Com ‘Delirous New York’, Rem (Koolhaas) nosmostraocontrário.Seu‘manifestoretroativodeManhattan’demonstroucomoagrelha,aoinvésde restringir, permite uma grande liberdade das formas em seu interior. Ela é na verdade,altamentepermissiva.Comefeito,quemvêManhattandobarco,semandarporela,nãoimaginaqualéaregularidadedassuasquadras.Arespeitododesenho-blueprint-RemKoolhasnosdiz:“Um desenho não prevê as quebras (cracks) que irão desenvolver no futuro; ele descreve umestado ideal que pode ser apenas aproximado. Da mesma maneira, o livro apresenta umaManhattan teórica, umaManhattan como conjectura, na qual a cidade de hoje é a realizaçãocomprometida e imperfeita.”12Nesta cidade, e também em Belo Horizonte, “a disciplina bi-dimensionaldagrelhatambémcriaumanão-sonhadaliberdadeparaumaanarquiatridimensional.Agrelhadefineumnovoequilíbrioentreocontroleeonão-controlenoqualacidadepodeseraomesmotempoordenadaefluida,umametrópoledecaosrígido.”13

Assim, tambémemBeloHorizonte, a grelhapromoveumaestruturabasequegarantea fluidezdoscaminhos,organizaçãológicadoterritórioeorientaçãodeseususuáriosenquantoquenoseuinteriorasquadrassãorecortadassegundoanecessidadeeavontade.Aconstanteremodelaçãoefragmentação desses interiores garante a eterna substituição tipológica e portanto constanterenovaçãodeseutecido.Issogarantiuqueoremembramentodelotespermitisseainstalaçãodegrandesedifíciosinstitucionaisemumprimeiromomentomesmoqueasquadrasnãotenhamsidoplanejadaspara tal.Desdeadécadade40omesmoprincípiopermitiuaverticalização,possívelsegundoumalógicalotealote,fragmentoporfragmento,comoécomumnoBrasil,queocorreutambém em diferentesmomentos namedida em que a cidade se desenvolvia. Assim, o centrocomercial foioprimeiroa sofrer verticalização,que foi aospoucos seexpandindoparaa regiãodos funcionários - comercial e residencial - e posteriormente para Lourdes e SantoAgostinho –estes predominantemente residencial. A verticalização, ou não, ocorre segundo lógicas devalorizaçãodeterra:enquantoelaéfortenaregiãosul,naregiãodoBarroPreto,historicamentemenosvalorizadoelaéaindamenospresente.

O desenho urbano de Aarão Reis contém, justapostas, a repetição rigorosamente ortogonal dequadrasidênticasde120x120metroseaquebradaortogonalidadegeradapelasmesmasatravésdasdiagonais,formandoquarteirõestriangulares.Alémdisso,extraçõesepequenasexceçõessãofeitas para efeito de monumentalidade onde edifícios públicos deveriam ser inseridos. Adistribuição dos lotes ocorre de formabastante semelhante, coma justaposição de repetição ediferença. Assim, todos os quarteirões quadrados foram subdivididos conforme o mesmodesenho, porém, tal desenho é alternadamente rotacionado em 90 graus. A repetição dasdimensões servepara facilitara cobrançade tributose sugereumcertodesejode igualdadenadistribuição dos terrenos, como já levantado anteriormente. A alternância da disposição dessa

12tradução livredaautora.originaleminglês:“Ablueprintdoesnotpredicathecracksthatwilldevelop inthefuture; itdescribesan ideal state thatcanonlybeapproximated. In thesamewaythisbookdescribesa theoreticalManhattan,aManhattanasconjecture,ofwhichthepresentcityisthecompromisedandimperfectrealization.”(Koolhaas,2014,p.11)13Traduçãolivredaautoraoriginaleminglês:“TheGrid’stwo-dimensionaldisciplinaalsocreatesundreamt-offreedomforthree-dimensionalanarchy.TheGriddefinesanewbalancebetweencontrolandde-controlinwhichthecitycanbeatthesametimeorderedandfluid,ametropolisofrigidchaos.(Koolhaas,2014,p.20)



geraheterogeneidadederitmosnasfachadasumavezquedosdoisladosdaruanãohánuncaaconcordância de alinhamentos entre os dois lados. Enquanto vista de cima a planta parecerepetitiva,aonívelda ruaoquevemosédiversidade.Àmedidaqueesses lotescomeçamaseradquiridos e ocupados, a heterogeneidade torna-se ainda maior. A análise cartográfica quecompara a subdivisão dos lotesmostrou que, na área contemplada, houve alteração em quasetodas as quadras, em maior ou menor grau. Os resultados sugerem que a homogeneidadealmejadaporReisnãocondiziacomasrealidadessociais:os loteserammuitograndesparauns,muitopequenosparaoutros.Nota-setambémaexistênciadealgunslotesnointeriordaquadra,acessíveis através de estreitos corredores ou mesmo através de outros lotes, multiplicando aspossibilidadesdereinterpretaçãodagrelha.

Outras modificações interessantes ocorreram em função das quadras reservadas ao Estado.Algumasforamsubdivididasecomercializadasenquantoemoutrashouveoremembramentodoslotes, doados para abrigar instituições religiosas e de educação. Ou seja, a localização dosequipamentosdeusopúblico tambémnãoocorreusegundoos interessesdoprojetista,mas foipermitidagraçasaflexibilidadeinternaàmalha.

NOTASCONCLUSIVAS:CAMINHOSABERTOS

Visto que Belo Horizonte é uma cidade que nasceu do plano, e dele transcendeu, o presentetrabalhosepropôsaconfrontaroprojeto,oinduzidoeoespontâneodemaneiraaalcançarnãosóo aprofundamento da análise do projeto da cidade e sua materialização mas sobretudo dealcançarumacompreensãosobreasmaneirascomoaformaurbanatranscendeseuprojeto,uma

Figura10:ÁreasedificadassegundoPlantaCadastralde1928emrelaçãoàáreadesignadapara30.000habitantes(entrediagonaisSE-NO).Elaboradopelaautora



vezquesabemosacidadenãofoiconstruídarigorosamenteemconformidadecomotraçadodoprojeto de 1895. Restava-nos saber não somente como a cidade foi construída mas sob quaislógicas.

Estamosacostumadosaconfrontaroqueéprojetado(ouplanejado)comoespontâneo,ouseja,oidealcomoreal,aquelequeéobradaciênciaedarazãocomaquelequeéobradoacaso.Estapesquisa,aindaemdesenvolvimento,tentoudemonstrarahipóteselevantadadequeentreessasduas instâncias existe a figura do ‘induzido’ que, em oposição ao ‘espontâneo’ ocorre segundodeterminadaslógicas,diretasouindiretas,subjetivasouobjetivas.

Aopartirnãodoprojeto,masdasforçasqueoantecedem,apesquisarevelouqueamaneiracomqueoplanofoigradativamenteocupadoeacrescidodesubjetividadesnãosãoconsequênciasdodesenhoemsi,masdasconjunturaspolíticasesociaisqueoantecedemequeperduramatéosdias de hoje. Assim, sobre planaridade aparente do plano, são acrescidas camadas deheterogeneidade - induzidas pela regulação ou pela irregularidade de valores aplicados sobre aterra. A respeito de sua aparente planaridade, aquela vista de cima, viu-se que ela ganhatridimensionalidade não só pela topografia em que é inserida, mas na medida em que éverticalizada.Quantoaoseucrescimento,maisforadocentrodoquedentro,hátambémpoucaespontaneidade. A análise da documentação histórica revelou que a suburbanização de BeloHorizontejáeraprevistadesdesuaconcepção,ouseja,acidadejánascecomodualnamedidaemquejáseprevêquesomentemetadedaparteplanejadaseráedificadaequeaedificaçãoforadelafoiinduzidaatravésdeváriosmecanismos.

Os resultados obtidos da pesquisa, ainda parciais, nos levam a reflexão a respeito do papel dodesenhourbanocomoindutordaformaenãocomodeterminante.Suafunção,emBeloHorizontefoi de fornecer uma estrutura base para o desenvolvimento da cidade sabendo, supõe-se, daslimitaçõesdodeterminismodoprojeto.Assim,apesardorigordodesenhoentãoproposto,vimosqueportrásdelehaviaumaconhecidaflexibilidadequepermitiuqueacidadesedesenvolvessegradativamente adaptando-se, a cada período, a novas demandas e novos valores sem que aestruturadebasefosseperdida.ComopreviuAarãoReis,acidadecresceuedesenvolveu-senossubúrbios,adaptando-se(àsvezesmais,àsvezesmenos)àtopografiaonduladaaomesmotempoemque tinha a cidadeplanejada como referência dedesenho (às vezesmais, às vezesmenos),cada fragmento com sua história e suas próprias relaçõesmateriais e sociais. A pesquisa abrirácaminhosparaacompreensãodaregiãodacidadeemsuacontemporaneidadenamedidaemquedeveidentificarasestruturasdelongaduração,bemcomoaquelasqueestãosempreemmutaçãoparaorientarocontínuodevirdo tecido,mantendo-osemprevivoepulsanteaomesmotempoemquerespeitaahistóriadeseusespaços.

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