trajetÓrias e interaÇÕes: os objetos da caixa didática...
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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TECNOLOGIA
ALINE DA SILVA ARAÚJO VÖRÖS
TRAJETÓRIAS E INTERAÇÕES: os objetos da Caixa Didática “Padrões de Beleza” do Museu de Arqueologia e Etnologia da
Universidade Federal do Paraná (MAE-UFPR)
DISSERTAÇÃO
CURITIBA
2015
ALINE DA SILVA ARAÚJO VÖRÖS
TRAJETÓRIAS E INTERAÇÕES: os objetos da Caixa Didática “Padrões de Beleza” do Museu de Arqueologia e Etnologia da
Universidade Federal do Paraná (MAE-UFPR)
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Tecnologia, do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Área de Concentração: Mediações e Culturas. Orientador: Prof. Dr. Ronaldo de Oliveira Corrêa
CURITIBA
2015
AGRADECIMENTOS
A materialização desta pesquisa é fruto da colaboração de muitas pessoas,
de forma direta ou não. Sinto-me no dever de reconhecer e agradecer a todas que
estiveram, de certa forma, presentes ao longo desse período de amadurecimento.
Primeiro, agradeço às pessoas que estão ou estiveram diretamente
relacionadas ao Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do
Paraná (MAE-UFPR) e que contribuíram com a minha pesquisa. Minha especial
gratidão à Andréia Baia Prestes, sempre disposta e aberta, e também amiga.
Agradeço à Dra. Márcia Rosato por abrir o espaço mais uma vez para que eu
pudesse pesquisá-lo, e aos demais funcionários e bolsistas com quem tive
conversas e compartilhei informações técnicas e aprendizados. Agradeço também
Karlla De Paris e Laura S. Rotunno pela disposição em relembrar o passado.
Um agradecimento especial ao meu orientador, professor Dr. Ronaldo de
Oliveira Corrêa, pela paciência e insistência gentil em me mostrar que a pesquisa é
possível e relevante. Também pelas orientações e pelos muitos livros emprestados.
Agradeço também à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) pela bolsa obtida ao longo de 2014 até o término, em 2015, do
Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Tecnologia pela Universidade
Tecnológica Federal do Paraná.
Aos companheiros de orientação: “pessoas!”, agradeço pelas trocas e
contribuições sobre nossas pesquisas e pela amizade formada a partir disso: Ana
Lídia, Carla, Caroline, Juarez, Luciana, Raphael, Rodrigo e Valéria.
Agradeço também ao Lucas Garcia e ao Douglas Fróis, que me ajudaram
com algumas imagens que ilustram esta pesquisa.
Um agradecimento especial à minha madre, Beth, por sê-la tão bem, à
minha “hermAnna” e ao meu irmão inteiro, André.
Ao amor que vivencio com o Fabiano, o qual me traz a leveza.
Por fim, às amizades sinceras de Carol e Izabel, da Luana, da Brenda, da
Zezé, entre outros amigos e amigas que habitam em minhas lembranças carinhosas.
RESUMO VÖRÖS, Aline da S. A. Trajetórias e interações: os objetos da caixa didática “Padrões de Beleza” do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Paraná (MAE-UFPR). 2015. 153 f. Dissertação (Mestrado em Tecnologia e Sociedade) – Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Curitiba, 2015. A presente pesquisa tem como intuito investigar uma coleção de objetos que compõe o material chamado caixa didática Padrões de Beleza, criado por um grupo da Ação Educativa do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Paraná (MAE-UFPR). O trabalho está centrado no processo de feitura dessa caixa, buscando, em especial, a compreensão das relações e das mediações formadas entre os agentes encarregados e os objetos museológicos por eles escolhidos para a composição do referido material. As análises se baseiam principalmente nos estudos de cultura material e antropologia dos objetos. A pesquisa envolve a construção de um inventário dos objetos e pesquisa etnográfica, concluindo com a redação da dissertação. Palavras-chave: Cultura material. Interação social. Museu. Educação.
ABSTRACT VÖRÖS, Aline da S. A. Trajetórias e interações: os objetos da caixa didática “Padrões de Beleza” do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Paraná (MAE-UFPR). 2015. 153 f. Dissertação (Mestrado em Tecnologia e Sociedade) – Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Curitiba, 2015. The main purpose of this research is to explore a collection of objects which compose a material named “caixa didática Padrões de Beleza”, created by a group responsible for Educational Actions in the “Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Paraná (MAE-UFPR)”. This research focuses in the making process of this material, seeking, in particular, the understanding of the relations and interactions developed between the agents in charge and those museological objects chosen by them to be part of this “Caixa”. The analysis is based essentially on material culture studies and anthropology of objects. This research comprises the construction of an inventory of the objects, ethnographic research and the mapping of the information gathered, concluding with the writing of the dissertation. Key-words: Material culture. Social interaction. Museum. Education.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – ANDREIA BAIA PRESTES.................................................................. 33
Figura 2 – KARLLA DE PARIS............................................................................. 33
Figura 3 – LAURA ROTUNNO.............................................................................. 33
Figura 4 – VISTA INTERNA DO PÁTIO DA SEDE DO MAE-UFPR EM
PARANAGUÁ....................................................................................................... 63
Figura 5 – OS ESPAÇOS FÍSICOS DO MAE- UFPR........................................... 66
Figura 6 – DETALHE DA EXPOSIÇÃO REFERENTE AO SETOR DE ETNOLOGIA
INDÍGENA............................................................................................................ 69
Figura 7 – DETALHE DA EXPOSIÇÃO REFERENTE AO SETOR DE CULTURA
POPULAR ............................................................................................................ 70
Figura 8 – DETALHE DA EXPOSIÇÃO REFERENTE AO SETOR DE
ARQUEOLOGIA ................................................................................................... 71
Figura 9 – DETALHE DE UMA PARTE DO ARMÁRIO QUE ABRIGA A COLEÇÃO
MANIPULÁVEL (CM)........................................................................................... 80
Figura 10 – MEDIDAS DA CAIXA FÍSICA........................................................... 89
Figura 11 – FACE ADESIVADA COM DETALHE DO EDIFÍCIO SEDE EM
PARANAGUÁ (PR)................................................................................................ 89
Figura 12 – FACE ADESIVADA COM PEÇAS DO ACERVO DA CULTURA
POPULAR E ARQUEOLOGIA ............................................................................. 90
Figura 13 – DETALHE DA FACE ADESIVADA COM IMAGEM DO PÁTIO INTERNO
DA SEDE PARANAGUÁ (PR) .............................................................................. 90
Figura 14 – OUTRO ÂNGULO DA IMAGEM DO PÁTIO INTERNO DA SEDE E
PEÇAS CERÂMICAS DO ACERVO DE ETNOLOGIA INDÍGENA E CULTURA
POPULAR............................................................................................................ 90
Figura 15 – OS OBJETOS DA CAIXA PADRÕES DE BELEZA REUNIDOS ....... 95
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 9
2 PESQUISA, MUSEUS E OBJETOS .............................................................. 16
2.1 A ESCRITA ................................................................................................ 16
2.2 APRESENTAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS PARA A EXECUÇÃO DA PESQUISA ....................................................................................................... 23
2.2.1 Os sujeitos da pesquisa: objetos, textos e entrevistas na pesquisa ........ 33
2.2.2 As entrevistas .......................................................................................... 34
2.2.3 Sobre as categorias de análise ............................................................... 39
2.3 IDENTIDADE, CULTURA E UMA BREVE APRESENTAÇÃO DOS MUSEUS ............................................................................................................... 41
2.3.1 Museus: instituições mediadoras ............................................................ 41
2.3.2 Identidade e nação: construções políticas e culturais ............................ 47
3 O MAE-UFPR E AS SUAS CAIXAS DIDÁTICAS .......................................... 62
3.1 O MAE-UFPR ............................................................................................. 62
3.1.1 O último restauro: mudanças para novos espaços físicos e a criação da Sala Didático-expositiva ........................................................................................... 64
3.2 A SALA DIDÁTICO-EXPOSITIVA: O LOCAL DA AÇÃO EDUCATIVA DO MAE - UFPR EM CURITIBA (PR) ............................................................................... 66
3.2.1 Conservação, pesquisa e divulgação: a vida de um objeto museológico 72
3.2.2 A coleção manipulável do MAE-UFPR .................................................... 77
3.2.3 A criação das caixas didáticas e o desenvolvimento da Ação Educativa do MAE-UFPR dos anos 2000. ............................................................................. 87
4 A CAIXA DIDÁTICA PADRÕES DE BELEZA ............................................... 93
4.1 A CONSTRUÇÃO DA CAIXA: A IDEIA, O OBJETIVO E OS OBJETOS. ... 94
4.2 A BIOGRAFIA DOS OBJETOS DA CAIXA DIDÁTICA PADRÕES DE BELEZA ....................................................................................................................... 101
4.2.1 A Caixa Beleza: coleção da coleção e seus usos ............................. 103
4.2.2 Inventário descritivo e ilustrado ............................................................. 111
4.3 TRAJETÓRIAS E INTERAÇÕES: UMA ANÁLISE ................................... 122
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 132
6 REFERÊNCIAS ........................................................................................... 138
7 APÊNDICES ................................................................................................ 142
APÊNDICE I – Roteiro de Entrevista: perfil .................................................... 142
APÊNDICE II - PROTOCOLO DO PERFIL DAS INTERLOCUTORAS .......... 143
APÊNDICE III - PROTOCOLO DE TRANSCRIÇÃO DE ENTREVISTA ......... 146
APÊNDICE IV - ROTEIRO DE ENTREVISTA TEMÁTICA COM OS OBJETOS DA CAIXA PADRÕES DE BELEZA ..................................................................... 147
APÊNDICE V - ROTEIRO DE ENTREVISTA (HISTÓRIA DA CAIXA PADRÕES DE BELEZA) ........................................................................................................ 150
APÊNDICE VI – MODELO DE FICHA DE AUTORIZAÇÃO ........................... 151
8 ANEXOS ..................................................................................................... 152
9
1 INTRODUÇÃO
O museu que expõe estudos da cultura material tem condições para se transformar em espaço de insubstituível importância nos procedimentos de renovação pedagógica, trazendo para o ato de aprender o compromisso com o mundo vivido e os desejos de transformá-lo (RAMOS, 2004, p. 16).
O presente trabalho é fruto de uma pesquisa de Mestrado do Programa de
Pós-Graduação em Tecnologia e Sociedade da Universidade Tecnológica Federal
do Paraná (PPGTE-UFPR), realizado entre os anos de 2013 e 2015.
Realizei esta pesquisa no Museu de Arqueologia e Etnologia da
Universidade Federal do Paraná (MAE-UFPR) por desejar dar continuidade ao
estudo feito para a minha monografia de conclusão do curso de graduação em
Ciências Sociais (bacharelado e licenciatura), no ano de 2011, cujo objeto de
pesquisa foram dois livros de registros de visitantes do MAE-UFPR. Esses livros
continham sugestões, elogios e críticas acerca das exposições visitadas ou sobre o
Museu de forma geral. Isso fez com que eu me aproximasse do conhecimento sobre
museus, em particular, sobre o MAE-UFPR, o que resultou em um estágio no setor
de Ação Educativa, o qual, entre outras atividades, produz as caixas didáticas.
O intuito de pesquisar os objetos que compõem uma caixa didática
específica, a caixa Padrões de Beleza, ocorreu a partir de algumas reflexões
relacionadas à minha trajetória acadêmica. Além disso, meu interesse para esta
pesquisa está relacionado às experiências supracitadas e às reflexões a partir delas.
A escolha do objeto também se relaciona com o fato de ter sido a caixa com a qual
mais tive contato quando bolsista e com as possibilidades que ela provoca, como,
por exemplo, trabalhar temas relacionados a valores, diversidade, consumo, entre
outros.
Assim, a realização desta pesquisa é de alguma maneira a continuidade da
minha monografia1; das reflexões do momento em que fui estagiar no MAE-UFPR no
setor de Ação Educativa, no qual tive experiências relacionadas ao desenvolvimento
1 Disponível em: <http://www.humanas.ufpr.br/portal/antropologia/files/2012/11/VOROS-Aline.pdf>.
10
de caixas e como guia em visitas na Sala Didático-Expositiva. Cabe acrescentar a
minha posterior experiência como professora de Sociologia para o Ensino Médio,
ocasião em que fiz o empréstimo e uso da caixa Padrões de Beleza.
A relação entre o Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR e a educação
está presente desde sua criação. O MAE-UFPR possui uma história de cerca de 40
anos, entre alguns momentos de transformações no que diz respeito à sua condição
de museu universitário, bem como conceitual em termos da museologia.
Embora não caibam nesta pesquisa as discussões político-institucionais que
caracterizam esse Museu – aspecto relevante nas discussões das ciências sociais e
políticas culturais –, julgo importante dizer que desde a sua fundação, em 25 de
julho de 1962, na cidade de Paranaguá, pelo professor José Loureiro Fernandes,
esse lugar sempre esteve vinculado à UFPR, e, portanto, ligado à educação e à
pesquisa e promovendo a relação entre a Universidade e a comunidade.
O início da criação de caixas didáticas nos anos 2000 relaciona-se com o
último restauro na sede em Paranaguá (litoral) – ocorrido na primeira década de
2000 –, com o aspecto educacional do MAE-UFPR e com a criação e o
desenvolvimento do setor de Ação Educativa.
O objetivo da criação das primeiras caixas didáticas era o de que as escolas
da cidade e região, que faziam frequentes visitas ao Museu, não perdessem o
vínculo com a instituição no momento desse restauro. E, também, com o intuito de
divulgar o próprio espaço em sua condição especial (fechado).
Essas caixas contêm objetos ou réplicas dos objetos das coleções do MAE-
UFPR referentes aos três setores por ele compreendidos: Arqueologia, Etnologia
Indígena e Cultura Popular. As peças dessas caixas foram escolhidas pelos
responsáveis dos três setores com a museóloga, na época, Mariana Hartenthal, e
com Andréia Baia Prestes, na época bolsista da etnologia que, em seguida, passou
a coordenar o novo setor criado: de Ação Educativa.
As primeiras caixas didáticas foram criadas a partir dos anos de 2008/2009,
com peças referentes aos três setores. Em seguida, foram criadas novas caixas, que
incluem temas específicos mediados pelos objetos do Museu. Geralmente, o tema
proposto é igual ou semelhante ao nome de cada caixa didática, como, por exemplo,
a caixa didática “Nos tempos da vovó”, que fala sobre cultura popular e tradições; ou
a própria caixa Padrões de Beleza.
11
As caixas didáticas são compostas, geralmente, por objetos do acervo ou
réplicas; materiais didáticos (jogos lúdico-pedagógicos ou propostas de atividades);
textos de apoio que relacionam o tema proposto com esses objetos; e um catálogo
das peças, com imagem, identificação e informações de cada peça que foi escolhida
a partir de um tema preestabelecido.
As caixas podem ser utilizadas de forma independente – quando
emprestadas por usuários, principalmente professores do Ensino Fundamental e/ou
Médio, por exemplo – ou como atividade complementar às visitas guiadas ao Museu
junto dos bolsistas, na sede do MAE-UFPR em Paranaguá ou na Sala Didático-
Expositiva2, localizada em Curitiba.
A caixa Padrões de Beleza foi a primeira caixa didática construída para o
público juvenil, estudantes do Ensino Médio com idade entre 14 e 17 anos. O que
faz com que essa caixa tenha maior quantidade de textos, por exemplo, com
assuntos relacionados ao tema padrões de beleza para acompanhar seus objetos.
A construção da caixa Padrões de Beleza foi feita por pessoas ligadas ao
MAE-UFPR: curadoria, museologia, bolsistas; a um conjunto de teorias relacionadas
às práticas museológicas, educação patrimonial e ciências sociais para a seleção
dos objetos que compõem a referida caixa, bem como elaboraram os temas dos
textos que acompanham esses objetos.
A caixa Padrões de Beleza é composta por 11 objetos, por textos que
abordam o tema da caixa, atividades relacionadas à beleza e aos padrões de beleza
e pelo catálogo.
Para compreender as trajetórias e interações dos objetos dessa caixa foi
preciso ouvir as inquietações manifestadas verbalmente (ou não) por algumas das
pessoas envolvidas com a sua criação sobre as escolhas de objetos, com a
elaboração de atividades e textos. Foram entrevistadas duas bolsistas da Ação
Educativa na época, Karlla De Paris e Laura S. Rotunno e a Andréia Baia Prestes
coordenadora da Ação Educativa e é a partir dessas narrativas que meu olhar sobre
os objetos se detém ao momento em que são escolhidos em diálogo com a
curadoria da etnologia indígena do Museu, com teorias, etc.
2 Espaço expositivo criado nos anos 2000 na cidade de Curitiba, a Sala Didático-Expositiva está
localizada no campus Prédio Histórico da UFPR, na Praça Santos Andrade, e será melhor apresentada no capítulo 3, item 3.2.
12
Portanto, o registro biográfico dos objetos que compõe essa Caixa se
restringe ao status, não havendo nessa pesquisa uma discussão sobre “antes e
depois” dos objetos em termos biográficos; a investigação é sobre o fragmento do
tempo biográfico quando o objeto adquire a condição de (objeto) pertencente à
coleção manipulável.
A escolha de cada objeto, nesta pesquisa, é analisada a partir das
narrativas com algumas teorias dos estudos em cultura material, teorias
antropológicas, museológicas, de comunicação, tecnologia, entre outras.
O que tenho para expor está amparado em escolhas teóricas e políticas
aliadas ao que compreendo sobre aquilo que me propus a pesquisar: cultura
material, biografia de objetos (de museu) e processos de hibridação desses objetos.
Além de considerar os estudos em cultura material, é importante ressaltar
dois conceitos que se relacionam com esta pesquisa e merecem uma breve
apresentação, são eles os conceitos de tecnologia e de museu.
Tecnologia porque diz respeito ao meu local de pesquisa e perspectiva para
realizar este estudo, bem como por considerar as caixas didáticas como produções
técnicas de mediação, que, com isso, permitem pensar sobre a transformação das
coisas (e sobre cultura material) com uma concepção de tecnologia considerada a
partir das mudanças sociais, culturais, políticas, etc.
Ao compreender a produção das caixas didáticas do MAE-UFPR como
processo tecnológico, defendo a orientação sobre o conceito de tecnologia enquanto
produção humana localizada social e historicamente. Isso significa que ela se
relaciona com outros aspectos da produção humana, material ou não.
No que diz respeito à relação entre museu e tecnologia, é importante
ressaltar que a concepção de tecnologia nesta pesquisa está amparada por autores
que abordam o tema enquanto produção da vida social, e não como sua
determinante, tais como Cutcliffe (2003), Marx e Smith (1996), Novaes e Dagnino
(2004) e Sevcenko (2001).
Apresento nesta pesquisa a instituição museológica enquanto espaço no
qual ocorrem diferentes práticas que se relacionam com cultura material, tecnologia,
educação e produção de conhecimento. A leitura de alguns autores sobre esse tema
me permite apresentar de forma breve aqui – para depois ser mais detalhado no
segundo capítulo – que os museus são espaços nos quais há produção de
conhecimento e pesquisa(s), divulgação do acervo (próprio ou não) e preservação
13
da produção material humana. Os principais autores aqui utilizados para pensar
essa instituição são Appadurai (2007), Kersten e Bonin (2007), Oliveira (2008),
Chagas (2005) e Studart (2010).
A partir das perspectivas escolhidas pelos assuntos que permeiam esta
pesquisa, considero a caixa didática Padrões de Beleza um objeto mediador.
Cenário enquanto espaço de ações, em que tudo está em processo. Esse espaço
(cenário) se encontra como centro de mediação dos agentes (sujeitos da criação da
caixa) entre si, e destes com os objetos; e a criação dos textos para a caixa Padrões
de Beleza. Dentro desse cenário, encontro algumas inquietações em relação ao
processo de construção desse espaço a partir das escolhas e intuitos, materiais e
imateriais para tal.
Ao considerar a construção dessa caixa como processo, a proposta é
perceber se isso promove diálogos, ideias, reflexões, etc.; processo esse que traz a
seguinte pergunta: como são narradas as trajetórias e interações dos objetos da
coleção manipulável no momento em que estes são escolhidos para ocupar a caixa
didática Padrões de Beleza?
Tal pergunta está pautada no pressuposto de que os estudos em cultura
material afirmam objeto(s) e indivíduo(s), componentes de uma mesma relação de
significados, e está amparada em Miller (2013) e Appadurai (2008).
O objetivo principal desta pesquisa é compreender a trajetória dos objetos, a
partir da escolha destes pelos sujeitos envolvidos com a construção da caixa para
sua composição.
Para tal, são necessários os seguintes objetivos específicos:
percorrer os processos de construção da caixa Padrões de Beleza3
(dos textos, atividades, escolha das peças, elaboração do catálogo);
inventariar os objetos escolhidos para a sua composição;
(re)construir a biografia dessas peças nesse momento da composição;
identificar as escolhas e atribuições de sentidos às peças relacionadas
ao tema da caixa.
Ao considerar os aspectos da cultura material, considero também que há
processos de interação/mediação entre sujeito e objeto; nesse caso, é a partir das
narrativas sobre o processo de construção da caixa “Padrões de Beleza” que as
3 Pesquisadores, bolsistas e funcionários do MAE-UFPR geralmente se referem à caixa Padrões de
Beleza como “Caixa Beleza”.
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interlocutoras manifestam tal relação – de interação – entre elas e os objetos
selecionados.
Os autores que estudam cultura material – e assuntos relacionados – e com
os quais dialogo são apresentados a partir da importância que alguns textos
possuem para a base da minha pesquisa. Portanto, este trabalho foi pautado em
uma revisão teórica, principalmente sobre estudos em cultura material a partir de
Appadurai (2008), Miller (2013), Ramos (2004), Kopytoff (2008), Rede (2001) e
García Canclini (2000).
Os procedimentos de metodologia para esta pesquisa visam à sua execução
em etapas circulares, portanto, organizadas, mas não lineares. São elas a revisão
teórica, o campo e a escrita.
A revisão teórica é composta pelas leituras realizadas sobre os conceitos
pensados e necessários para a execução desta pesquisa. O campo de pesquisa foi
realizado em diferentes momentos para: realizar entrevistas com as criadoras da
caixa Padrões de Beleza para reconstrução da história dessa caixa; para estar em
contato com os seus objetos para a composição de informações e de imagens; e
para a construção do inventário desses objetos.
A escrita ocorre em três momentos: de embasamento teórico; da análise das
falas nas entrevistas e da análise dos dados registrados, transformados em texto.
A estrutura dessa dissertação é apresentada da seguinte forma: na primeira
parte, “Pesquisa, museus e objetos”, indico a escrita em primeira pessoa, descrevo
os procedimentos para a execução da pesquisa (metodologia) e apresento
elementos fundamentais para falar sobre museus e minhas escolhas teóricas.
A segunda parte, “O MAE-UFPR e suas caixas didáticas”4, descrevo meu
universo de pesquisa, indico reflexões sobre a relação entre museus e educação
para, em seguida, apresentar as caixas didáticas criadas pela Ação Educativa do
Museu.
“A caixa didática Padrões de Beleza” compõe a terceira parte, o qual
considero um mergulho na caixa analisada. Apresento a caixa a partir de um
inventário dos objetos que a compõem, além das contribuições diretas a partir das
4 Nesta parte da dissertação, a utilização do passado como tempo verbal tem o intuito de indicar ao
leitor as transformações ocorridas em um determinado tempo e espaço, afim de não gerar a falsa ideia de que as transformações ocorridas no MAE-UFPR foram meramente pontuais. É importante dizer que as mudanças vivenciadas ao longo da historia dessa instituição podem ser interpretadas como processos constantes de autorreflexão das práticas museológicas.
15
entrevistas com as pessoas envolvidas em sua criação. Além disso, é a parte em
que faço a análise de dados e na qual ocorre o encontro entre as reflexões
suscitadas por mim ao longo do processo da pesquisa com as informações
coletadas, das narrativas registradas e dos possíveis resultados de reflexões a partir
de elementos presentes nas partes anteriores.
As “Considerações finais” são frutos de um trabalho em movimento,
apontando desdobramentos futuros a partir de possibilidades percebidas. Apresento
a indicação dos autores que li ao longo desta pesquisa nas “Referências”, e os
“Anexos” poderão ser úteis para compreender detalhes do procedimento
metodológico utilizado para as entrevistas e demais registros necessários neste
trabalho.
16
2 PESQUISA, MUSEUS E OBJETOS
[...] Na medida em que produzimos “coisas”, nossa preocupação é com a preservação de coisas, produtos, e com as técnicas de sua produção [...] (WAGNER, 2010, p. 60).
Este capítulo se refere à apresentação da pesquisa enquanto forma e
conteúdo. Inclui os termos identidade, cultura, cultura material e museu enquanto
conceitos-chave para falar das relações e das pessoas por meio dos objetos.
A pesquisa possui determinadas características, fruto de uma orientação
teórica que propõe a reflexão sobre temas por uma perspectiva que considera o
recorte temporal com o espacial5.
Aqui, abordo as reflexões e conceitos necessários para a definição da
estrutura da minha pesquisa. Apresento meu tema e minhas escolhas teóricas e
conceituais a partir disso.
2.1 A ESCRITA
O processo da escrita se relaciona com a construção do pensamento. O
pensamento é fruto de três aspectos importantes (entre outros) quando se vai a
algum lugar pesquisar algo. São eles: o olhar, o ouvir e o escrever. Essa perspectiva
é apresentada por Cardoso de Oliveira (2000) em um ensaio sobre a ida ao campo
enquanto atividade do antropólogo.
A escrita é necessária para que haja condições de apresentar minha
pesquisa (e minhas escolhas) e como processo de organização do que foi
investigado.
Cabe assumir aqui que optei por escrever em primeira pessoa do singular e
tempo verbal presente. Essa escolha tem o propósito de assumir a fala, a pesquisa,
5 Para tal, dialogo com autores como Néstor García-Canclini (2000) e Jesús Martín-Barbero (2004),
além de Igor Kopytoff (2008) e Arjun Appadurai (2008), que estudam cultura material e consideram essas dimensões de tempo e espaço também.
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e todo o processo aqui manifestado (materializado), sem deixar de dialogar com os
interlocutores na/da pesquisa e com os autores e as teorias que optei por trazer.
Sobre a escrita em si, acrescento que em termos de estilo opto pelo suporte
principalmente de Martín-Barbero. As contribuições desse autor estão relacionadas
à sua proposta no livro Ofício de cartógrafo: travessias latino-americanas da
comunicação na cultura (MARTÍN-BARBERO, 2004), sobre comunicação e cultura
na América Latina. Ele sugere uma inversão na análise no que diz respeito à
comunicação e à cultura (principalmente quando estão juntas – como a cultura de
massa). Essa inversão, em suas palavras, é “[...] investigar a comunicação desde6 a
cultura” (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 38, grifos meus), e não o inverso, como
constantemente abordado nas teorias de comunicação.
A comunicação é o tema enfocado por Martín-Barbero para a construção de
seus argumentos. Ele propõe mudar a ordem ou a relação entre elementos
importantes (conceitos), o que implica por sua vez em mudar o próprio modo de
olhar as pessoas ou as coisas.
Essa mudança permite que o resultado se manifeste de formas distintas,
como, por exemplo, a defesa em apresentar a sua escrita em primeira pessoa, sob a
forma de crônica, como um recurso discursivo.
Ele se utiliza da cartografia como metáfora para justificar sua forma de
pesquisar e escrever, pois as cartografias e mapas estão relacionados com a
distorção de algo. De acordo com o autor, nessas representações há filtragem da/na
informação, reduz-se um elemento, deforma-o, simplifica-o.
O mapa omite. O autor propõe que nos desprendamos dessas
representações que reduzem ou omitem para que, a partir desse afastamento, se
possa descobrir o mundo ou a si mesmo (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 11).
Para tal, ele aponta logo no início da obra o conceito de mapa noturno:
[...] um mapa para indagar a dominação, a produção e o trabalho, mas a partir do outro lado: o das brechas, o do prazer. Um mapa não para a fuga mas para o reconhecimento da situação desde as mediações e os sujeitos, para mudar o lugar a partir do qual se formulam as perguntas, para assumir as margens não como tema mas como enzima. Porque os tempos não estão para a síntese, e são muitas as zonas da realidade cotidiana que estão ainda por explorar, zonas em cuja exploração não podemos avançar
6 Em uma tradução livre do espanhol para o português deve-se entender a palavra desde como “a
partir de” em nossa língua, o que permite uma compreensão mais clara sobre a proposta do autor. A edição utilizada possui algumas falhas de tradução, incluindo a não tradução desse termo.
18
se não apalpando, ou só com um mapa noturno (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 18, grifos meus).
Ao defender a utilização de um mapa noturno, o autor chama a atenção para
outras formas de olhar e, consequentemente, de escrever.
Esse mapa chama a atenção tanto para pensar outras formas de escrita –
no espaço acadêmico, escrever como crônica sem perder seu caráter reflexivo –
como para pensar e/ou olhar outros aspectos de algo inspecionado.
Assim, para novas cartografias na América Latina, Martín-Barbero propõe
uma revisão de fronteiras – (d)os processos migratórios e de identidades, que ficam
nublados –, a partir também da mudança das formas de políticas sociais, como a
ausência do Estado e descentramentos culturais.
Nesta pesquisa, a ênfase no mapa noturno ocorre no processo, ou seja, ver
as coisas de outras formas, perceber as mediações que ocorrem entre sujeitos e
objetos foram premissas para a execução. O mapa, nesse caso, é um meio, não um
fim.
O autor aponta para a necessidade de “[...] re-situar [sic] o estudo dos meios
[de comunicação] desde a investigação das matrizes culturais, dos espaços sociais
e das operações comunicacionais dos diferentes atores do processo” (MARTÍN-
BARBERO, 2004, p. 17, grifos do autor).
Com o intuito de cartografar, Martín-Barbero vai além da crítica e estrutura
do conceito de mediação. Indica uma cartografia das mediações comunicativas da
cultura: socialidade, tecnicidade, institucionalidade e ritualidade – espaços nos quais
ocorrem mudanças culturais e comunicacionais. O que por sua vez faz com que haja
uma reconfiguração das relações entre sociedade, cultura e política (MARTÍN-
BARBERO, 2004, p. 19).
Esse modo de olhar as coisas de outra forma também diz respeito à
compreensão das mediações, uma vez que meu objeto – a caixa Padrões de Beleza
– é composto de objetos e textos que permitem interação. Interação essa feita a
partir da relação estabelecida entre sujeitos e objetos: a escolha de determinadas
peças para compor uma coleção que possui o intuito de falar sobre padrões de
beleza.
Cabe indicar que, de acordo com a obra Conceitos-chave de museologia, as
mudanças na concepção de coleção apontam-na como “[...] uma reunião de objetos
que conservam sua individualidade e reunidos de maneira intencional, segundo uma
19
lógica específica [...]” (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013, p. 35, grifos meus). O que
significa que as tensões criadas ou percebidas a partir da interação entre sujeitos e
objetos também está relacionada à forma de olhar individualmente cada objeto, para
incluí-lo ou não em uma coleção pautada sob um tema amplo, como o de padrões
de beleza.
O que essas peças falam? Ou melhor, de que forma essa interação pode ser
percebida? A utilização do mapa noturno é um recurso para que seja possível
perceber os sentidos, direções e trajetos do que não seria falado em um mapa
comum.
Quando olho o meu objeto de pesquisa, percebo que aquelas
materialidades que compõem a caixa Padrões de Beleza possuem semelhanças –
são categorizadas para – e, ao mesmo tempo, se distinguem. É nesse momento
percebido sobre a vida de cada objeto ali encontrado que eles são colocados para a
interação, em forma de uma (nova) coleção – pois todos fazem parte de outras
coleções maiores, que se encontram no acervo do MAE-UFPR –, sem deixar de
possuir sua própria biografia ou, quem sabe, afirmando as especificidades de cada
objeto para estar ali, nesse novo arranjo.
A caixa Padrões de Beleza é composta por 11 objetos selecionados a partir
de critérios como tamanho, fácil manuseio, resistência, pouco peso (para facilitar o
transporte), volume adequado para facilitar sua proteção e acomodação dentro da
caixa de madeira, entre outros, além da condição de dialogar com o tema definido:
padrões de beleza.
Entre os objetos selecionados, sete são adornos corporais indígenas de
diferentes etnias7, de uso masculino ou feminino, entre os quais um é infantil; e três
são bonecas, uma Barbie e duas Karajá.
As diferenças entre esses objetos estão demarcadas a partir, principalmente,
do grupo indígena que os localiza com a sua origem (identidade), pois estão
catalogados com a informação de etnia ao qual pertenceram e agora representam.
Essa junção de objetos diferentes sem um espaço comum – a caixa –
aponta para um cenário no qual as contribuições de García Canclini (1988) sobre
hibridismo são esclarecedoras para uma análise desses objetos e de sua mediação
com o tema proposto pela caixa.
7 As etnias são: Kanela, Karajá, Bororo, entre outras. No capítulo que trata dos objetos em si, a
localização e os detalhes desses objetos serão explicitados mais detalhadamente.
20
O conceito de hibridismo utilizado na pesquisa está amparado na definição
desse autor, que ele apresenta no livro Las culturas populares en el capitalismo8.
Para o autor, foi necessário rever esse termo utilizado pelo multiculturalismo,
a partir de uma perspectiva na qual ele apresenta o contexto latino-americano como
distinto de outros contextos, principalmente do europeu e do estadunidense, em
relação à hibridez e também às concepções de modernidade e tradição.
García Canclini revisou o conceito de hibridismo a partir da reflexão sobre
seu uso, aplicação e entendimento. Ele procura deixar claro que os processos de
hibridação não ocorrem de maneira pacífica ou sem conflito, são gerados sob
tensões – que estão além de negociações (GARCÍA CANCLINI, 2013).
Antes disso, o autor se refere às formas de se interpretar ou definir o que
são as culturas populares no capitalismo. O enfoque teórico e metodológico do autor
pauta-se na concepção de que a cultura deve ser pensada como um instrumento
“para compreender, reproduzir e transformar o sistema social, para elaborar e
construir a hegemonia de cada classe” (tradução minha) (GARCÍA CANCLINI, 1988,
p. 17). Isso significa que a apropriação, a reestruturação e a reorganização de
significados da função de seus objetos (materiais ou não, leia-se cultura, por
exemplo) são práticas inerentes ao capitalismo para que seja possível reordenar a
produção e o consumo, seja na cidade, seja no campo. O que, por sua vez, faz com
que ocorra, a partir das classes dominantes – guardadas as devidas resistências das
classes populares –, uma reorganização e unificação de uma produção simbólica a
partir das culturas étnicas, de classe e nacional9.
É preciso entender a cultura enquanto instrumento de reprodução das
relações sociais objetivas. Isso implica em, de acordo com o autor, considerar as
representações culturais e a base econômica como autônomas.
Para tal, quebra-se a unidade entre produção, circulação e consumo e,
consequentemente, dos indivíduos com a sua comunidade para que se faça um
exame dos condicionamentos que atuam sobre a cultura. Ao mesmo tempo, há uma
8 GARCÍA CANCLINI. Las culturas populares en el capitalismo. México: Nueva Imagen, 1988.
9 Considero importante falar de identidade nesta pesquisa em razão de ela estar relacionada à
produção simbólica a aos museus de maneira geral. Para tal, vide item: “2.3 Identidade, cultura e uma breve apresentação dos museus”.
21
reorganização transnacional da cultura em função da transnacionalização do
capital10.
O hibridismo, para García Canclini, está além dos conceitos comumente
utilizados nos estudos culturais para falar de transformações densas como o
sincretismo, a mestiçagem e a fusão. Esses conceitos dão a base para o hibridismo,
mas não o substituem. Para ele, o termo é intraduzível e não possui uma conclusão
em si mesmo.
A proposta é pensar no hibridismo a partir da ideia de compósito feito de
fragmentos/elementos diferentes que podem ser maiores do que outros ou mais
importantes do que outros; e, ao misturar esses elementos, suas diferenças não são
anuladas, (elas) permanecem e algumas até resistem, não se hibridizam.
Além da coisa híbrida, García Canclini aponta que mais relevante que essa
percepção são os processos que formaram a coisa híbrida em si. É fazer uma
reflexão analítica e reflexiva – como método – do processo, da coisa híbrida e o que
não virou coisa híbrida. Um exemplo do autor de uma “hibridação otimista” é a
reconversão cultural de um pintor em designer para reinvestir nas suas produções11
como forma de adequação ao mercado, a questão central é: como foi essa
conversão? Por isso, é o processo que interessa.
A coisa híbrida é o resultado. Ela é importante. Pois, é a partir dela (o
artefato ou a prática, por exemplo) que se vai (volta) para a compreensão do
processo que a tornou híbrida, ou não.
Existem coisas/práticas que não se hibridizam. Esse artefato ou prática pode
ser uma festa popular, um discurso, o cinema, um objeto de museu, um instrumento,
etc. Esses artefatos existem a partir das práticas que o produzem, materiais ou não.
O envolvimento físico gestual em relação à coisa híbrida mapeia ou indica o
caminho para o entendimento do processo vivido pela coisa, para sua hibridação.
Para isso, são fundamentais a língua, o gesto, práticas discretas em geral, que são
problematizadas/descritas pelo autor para que se revele além da poética: é
importante perceber a construção coletiva, social, histórica, ética, estética.
Ao considerar o processo de hibridação enquanto conceito-chave para a
minha pesquisa, chamo a atenção para o trecho inicial deste capítulo, sobre a
10
Também se ocupa, esse livro, das respostas das comunidades tradicionais e dos povos mestiços à dominação, suas formas de adaptação, resistir ou encontrar um lugar para sobreviver (GARCÍA CANCLINI, 1988). 11
GARCÍA CANCLINI, 2013.
22
escrita, considerando-a como um processo contínuo desde quando os métodos da
pesquisa estavam sendo executados, até sua materialidade na forma de
dissertação.
Outro ponto que destaco é a contribuição do autor quando indica uma
proposta de observar a cultura como se observa a natureza, concebendo ambas
como espetáculos que se transformam constantemente. O autor refere-se a esse
movimento para introduzir o conceito de hibridismo, afirmando que a identidade
(popular/cultural, no caso) está em constante transformação, a partir inclusive de
políticas culturais, rurais e urbanas, com as mudanças sociais em geral. De acordo
com ele, as representações vivenciadas pela sociedade são impactadas pelo
capitalismo, principalmente no que é dito acerca da identidade cultural.
Considero a proposta simples e fundamental para pensar os argumentos
que adoto na construção da minha pesquisa, pois, compartilhamos da concepção
antropológica de que cultura é movimento, é dinâmica, é humana.
Além de García Canclini, a antropóloga Sally Price (2000) contribui no que
diz respeito aos objetos que vão para os museus e mudam de status. Embora a
pesquisa dessa autora fale especificamente de museus de arte, sua contribuição
relevante é sobre o discurso criado para os objetos étnicos que passam a ser
categorizados como “arte primitiva”. Esse discurso que é elaborado pelos
conhecedores, comerciantes e/ou críticos de arte dos centros artísticos na Europa e
nos Estados Unidos é a base para transmutar aquele objeto em obra de arte por ser
considerado “exótico”. E, por consequência, ele adquire um valor de troca
(econômico) considerável a partir de elementos contidos no discurso sobre o outro,
tais como aspectos culturais, sociais, etc.
De acordo com esses críticos/conhecedores das artes, a “arte primitiva” é
valorosa porque é considerada “pura”, “inocente”. É atribuída de valores que
remetem sempre a um estado pouco elaborado em termos técnicos, mas dotados de
sensibilidade e forte e marcadamente expressas.
E a existência de uma leitura sobre essa arte como arte simples a torna
“rica” ou é valorizada por isso, dentre outras características ocidentalmente
atribuídas. Ela (a arte primitiva) é interpretada no Ocidente como uma expressão
criativa “livre” de condicionamentos repressores do mundo ocidental, da vida
moderna. Além da analogia com desenhos infantis, uma perspectiva um tanto
quanto “evolucionista” ou racista, como diz Price. E essas ideias, como, por
23
exemplo, do primitivo semelhante a uma criança (em termos de inocência/
manifestações artísticas), tornam-se “parte natural do ‘senso comum’ popular,
proclamadas por pessoas de todos os níveis de sofisticação cultural” (PRICE, 2000,
p. 57/8).
Ou seja, os apontamentos – brevemente apresentados aqui – de Sally Price
vão ao encontro de Martín-Barbero, que nos coloca sobre o mapa noturno. O
trabalho de Price aponta as necessidades de perceber os discursos sobre a
chamada “arte primitiva” a partir de perspectivas mais palpáveis, como a
antropológica, nesse caso para perceber, por exemplo, que há uma
supervalorização de um objeto a partir do que ele não é de fato. Não é um objeto
primitivo ou exótico, é um objeto outro. Pois, de acordo com essa autora, o final do
século XX12 pode ser caracterizado por alguns conceitos básicos relacionados ao
estágio em que se encontram as transformações tecnológicas e, consequentemente,
sociais (e vice-versa) no mundo.
2.2 APRESENTAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS PARA A EXECUÇÃO DA
PESQUISA
Aqui a metodologia é considerada como o caminho de pesquisa, dotada de
aparatos necessários para organizar informações e reflexões a partir de diálogos,
análises, interpretações e conhecimento.
A materialidade do objeto da pesquisa, que vai ao encontro das minhas
referências teóricas, permite indicar que os aspectos materiais de um determinado
grupo ou sociedade, por exemplo, sustentam a prática da reflexão ou a abordagem
de aspectos relacionados às práticas culturais desses grupos. Essa perspectiva é
dos estudos em cultura material. Pois, não é o objeto em si que dá o suporte às
práticas, mas a relação entre os artefatos, os sujeitos e as práticas.
Daniel Miller (2013) propõe que o ato de relacionar-se com elementos da
cultura material está além de suas características táteis ou materiais. Ele afirma:
12
A versão original em inglês é de 1991, Primitive Art in Civilized Places.
24
Confrontar os trecos13
: reconhecê-los, respeitá-los, nos expor à nossa própria materialidade, e não negá-la. Meu ponto de partida é que nós também somos trecos, e nosso uso e nossa identificação com a cultura material oferecem uma capacidade de ampliar, tanto quanto de cercear nossa humanidade [...] como e por que uma apreciação mais profunda das coisas nos levará a uma apreciação mais profunda das pessoas (MILLER, 2013, p. 12, grifos meus).
De acordo com Miller (2013), os aspectos que envolvem as coisas materiais
são múltiplos e, por consequência, é possível (e até necessário) analisá-los a partir
de diversas disciplinas. Ele afirma que não há como encaixá-los em um único campo
(ou disciplina), pois o mundo material exige teorias e perspectivas diversas.
Tal como definida por Buccaille Pesez, a cultura material: “[...] consiste no
estudo interdisciplinar da construção, permanência e transformação das
circunstâncias concretas que compõem os – e influem nos – modos de vida das
coletividades humanas ao longo do tempo” (1989 apud RAMOS, 2004, p. 16, grifos
meus).
Os objetos estão diretamente relacionados ao cotidiano, como apontam
Silveira e Lima Filho (2005), que associam os significados desses objetos às
experiências do dia a dia, o que permite ao objeto concreto configurar-se, também,
como uma imaterialidade promotora de interação entre os sujeitos14.
Os objetos materiais vinculam-se a valores e símbolos que lhes são atribuídos
pelos indivíduos pertencentes a um corpo social dado, por meio de prática e
ritualização, “sendo que os mesmos [valores e símbolos] emergem da própria
experiência intersubjetiva das pessoas em interação entre si, e delas com o mundo”
(SILVEIRA; LIMA FILHO, 2005, p. 38, grifos meus).
Esses objetos são percebidos na cultura material a partir de uma perspectiva
que os considera fundamentais para a compreensão da própria história humana.
Os estudos de cultura material na perspectiva francesa, citados por Rede
(2001), manifestam a preocupação do grupo de pesquisadores em demonstrar a
relação que nós temos com nosso próprio corpo enquanto um “balizador maior da
experiência material do homem” (p. 283). Afirmando, portanto, a constância da
13
O autor afirma não se preocupar com a definição da palavra “treco“ para se ater à sua forma de investigar sobre cultura material. Ele apenas diz: “variedade de coisas que podemos chamar de treco” (MILLER, 2013, p.7). 14
A proposta é pensar o objeto material a partir de uma “antropologia do objeto documental”, que se
atém ao “objeto e sua dinâmica social”, ou seja, uma circulação e presença de “alma nas coisas”, para além do que é dado (SILVEIRA; LIMA FILHO, 2005).
25
manipulação de objetos da cultura enquanto um processo de interação do objeto
com o corpo. A proposta desse autor é considerar que há uma “relação plural e não
necessária entre os elementos componentes da realidade” (p. 284). E o sujeito é
quem opera a maleabilidade dessa relação.
De acordo com Warnier apud Rede (2001, p. 286), os estudos de cultura
material podem ser entendidos como uma etnologia da singularidade, não
generalizam os objetos, pois mascarariam a particularidade de suas “n” trajetórias, e
isso auxilia na compreensão da constituição do sujeito social.
Além disso, a singularidade dos objetos permite que se reconheça que eles
possuem trajetórias ao longo de sua vida.
Para Igor Kopytoff (2008), os objetos possuem sua própria biografia, embora
estejam associados à vida humana. Essa biografia do objeto pode ser percebida nos
momentos de transição de status que os objetos vivenciam quando deslocados de
um local (tempo, espaço e uso) para outro. No caso dos objetos desta pesquisa, por
exemplo, considero que meu recorte sobre os objetos da caixa Padrões de Beleza
descreve o status em que se encontra o objeto, ou seja, em que “fase” da sua vida o
objeto se encontra quando retirado do acervo do MAE-UFPR para compor uma nova
coleção, na caixa didática sobre padrões de beleza.
Para conhecer esse momento do status novo em que esses objetos da caixa
se encontram, é preciso pensar sobre a trajetória de cada um deles e a interação
experimentada quando reunidos em um propósito.
Kopytoff chama atenção para as transformações dos objetos (e seus
significados) a partir de sua análise biográfica. Para ele, observar essas
transformações a partir da biografia é um recurso para se perceber as
mudanças/processos das coisas que se transformam em mercantis ou não, ou as
que deixam de ser, ou as que passam a ser, e que o aspecto cultural é deveras
relevante, não só o econômico (KOPYTOFF, 2008, p. 91).
Para efetuar a biografia de um objeto nesta pesquisa, estabeleci um diálogo
com o que esse autor coloca como um possível roteiro para traçar a biografia de
elementos materiais. Ele diz:
Ao fazer a biografia de uma coisa, far-se-iam perguntas similares às que fazem às pessoas: Quais são, sociologicamente, as possibilidades biográficas inerentes a esse “status”, e à época e à cultura, e como se concretizam essas possibilidades? De onde vem a coisa, e quem a fabricou? Qual foi a sua carreira até aqui, e qual é a carreira que as pessoas
26
consideram ideal para esse tipo de coisa? Quais são as “idades” ou as fases da “vida” reconhecidas de uma coisa, e quais são os mercados culturais para elas? Como mudam os usos da coisa conforme ela fica mais velha, e o que lhe acontece quando a sua utilidade chega ao fim? (KOPYTOFF, 2008, p. 92).
No meu caso, opto por delimitar a vida de cada objeto da caixa Padrões de
Beleza a partir de um recorte de suas vidas: enquanto peças do acervo do MAE-
UFPR até o momento em que essas são escolhidas para compor a caixa. Esse
deslocamento de espaço – da reserva técnica para uma caixa didática – traz consigo
elementos que alteram o status de cada objeto. Essa alteração diz respeito a dois
aspectos que considero como principais em suas vidas: o fato de se tornarem
manipuláveis, em função das condições que as caixas didáticas estabelecem na
relação entre objeto e espectador, e como objetos mediadores15.
Cada objeto selecionado para a caixa Padrões de Beleza foi observado com
a proposta que a caixa traz, com o objetivo de discutir sobre a existência de outros
padrões de beleza, que podem ser percebidos a partir da apresentação dos adornos
indígenas que compõem a caixa com os textos e propostas de atividades. Além
desses, o destaque para três peças que não são adornos, mas bonecas.
Para fazer esse trecho da biografia, foi construída uma ficha de identificação
de cada peça, a partir do seu registro fotográfico, do catálogo que está presente na
referida caixa e de informações registradas em entrevista16 com as duas bolsistas
envolvidas no processo de construção dessa caixa, a Karlla e a Laura, com as
próprias peças que a compõem.
As coisas passam por processos iguais ou semelhantes aos das pessoas:
também mudam de status17. Os objetos, de acordo com Kopytoff, não estão restritos
a serem mercadorias pautadas somente em seus valores de uso e de troca: a
produção também é “processo cognitivo e cultural” (2008, p. 89). Ele afirma que
definir os objetos em valores de uso é restritivo, pois algumas coisas podem ser
compradas justamente para serem retiradas do mercado, como uma obra de arte
comprada para um museu ou objetos para coleções públicas ou particulares. Ou
seja, o status muda de acordo com as atribuições do grupo. O objeto deve ser
15
Similar aos objetos geradores apresentados por Ramos (2004). 16
Sobre o roteiro da entrevista, vide o Anexo IV. 17
O autor considera status como “processo de transformação social que envolve uma sucessão de fases e mudanças de [...]”; processo o autor entende como “sucessivas fases [que] se sobrepõe umas às outras” (KOPYTOFF, 2008, p. 90-91).
27
pensado, diz o autor, a partir dele mesmo. Isso não significa analisar sem considerar
as atribuições que determinada sociedade estabelece para ele, mas que as relações
do grupo entre si e para com sua cultura material é que irão permitir que o objeto
seja passível de mudanças de status, como seu valor de troca ou simbólico, entre
outros.
As coisas têm história, têm vida: elas podem ser mercadoria em um
momento e deixar de sê-la (sair de circulação) em outro. Isso caracteriza a biografia
das coisas: as mudanças de status.
Ao considerar o que Kopytoff diz, posso ponderar que os objetos que
compõem a caixa didática Padrões de Beleza do MAE-UFPR são dotados, cada
qual, de biografias, e se encontram em um status comum: de objeto de museu que
foi escolhido como objeto de museu a ser manipulado18 a partir de uma proposta que
os colocam em circulação não mercantil e os permite ser peças mediadoras de
assuntos temáticos. Isso também justifica o feitio de um inventário dessas peças,
que será apresentado no capítulo 4, “A caixa didática Padrões de Beleza”.
As coisas, portanto, se constituem no momento em que são produzidas e a
partir da elaboração das (suas) próprias trajetórias por meio de circulação, ou seja,
enquanto se fazem circular, se constituem.
Arjun Appadurai é outro autor importante para esta pesquisa. Foi ele quem
organizou o livro A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva
cultural (2008), no qual se encontram artigos relacionados aos estudos de cultura
material (após a década de 1990).
Na apresentação desse livro e no seu artigo “Mercadorias e a política de
valor” (APPADURAI, 2008, p. 15-88), o autor convida-nos a pensar sobre a
importância das coisas além da relação econômica e da relação de troca, ou melhor,
pensar o que existe com as relações de troca a partir de uma biografia dos objetos,
pautado na proposta de Kopytoff, citada anteriormente19 nesta pesquisa.
Appadurai apresentou na década de 198020 a proposta de se ater às trocas
e não aos objetos em si. Referenciando Georg Simmel, o autor propõe pensar que
há uma relação sustentada pela política de troca e valor; a troca é determinante para
18
Esses objetos saem “emprestados” de suas coleções originais do acervo para uma nova coleção: a coleção manipulável (CM). Geralmente, objetos do acervo de museus são intocáveis pelo público. 19
Os artigos de Appadurai e de Kopytoff se encontram na mesma obra, já citada (2008). 20
A primeira edição do livro, publicada originalmente em inglês, The social life of things: commodities in cultural perspective, é do ano de 1986, pela Cambridge University Press.
28
o valor, seja econômico, cultural, social, etc. Ele diz: “[...] É a troca que estabelece
os parâmetros da utilidade e escassez, não o contrário, e é a troca que é a fonte de
valor” (APPADURAI, 2008, p. 16).
Isso significa que a mercadoria, enquanto objeto de valor econômico
(pressuposto de G. Simmel), possui esse valor criado a partir do julgamento (ou de
uma subjetividade provisória) que os sujeitos fazem do objeto. Portanto, para
Appadurai, o valor das coisas emerge da subjetividade e opera no âmbito objetivo da
vida social (APPADURAI, 2008, p. 15).
Os objetos valiosos são aqueles que nos resistem a obtê-los por serem
“inatingíveis”/impagáveis, e para sua aquisição a troca de sacrifícios é necessária;
disso é composta a vida econômica. O objeto adquire valor a partir da sua demanda:
a troca e o sacrifício da troca, por exemplo. A presença de um valor econômico
conferido ao objeto está localizada em situações sociais específicas.
A proposta do autor é que se observe a vida das coisas (objetos) a partir de
si mesmas no que diz respeito a formas, usos e trajetórias. Appadurai escreve: “[...]
são as coisas em movimento que elucidam seu contexto humano e social” (2008, p.
17).
Para contribuir na redução do excessivo valor nas transações econômicas e,
consequentemente, chamar a atenção para a circulação do objeto, o autor afirma
que é preciso estar atento às coisas em si mesmas para não supervalorizar
sociologicamente as transações com as coisas. Como fez Marcel Mauss21, ao
colocar a troca baseada em valores como central a partir do valor em si, comenta
Appadurai (2008, p. 17).
Appadurai considera sua crítica a Marcel Mauss como ponto de partida para
uma revitalização da antropologia das coisas.
Novamente, sobre a vida dos objetos em museus, é importante mencionar
Ramos (2004), quando este explica sobre a importância que o objeto museológico
possui enquanto um objeto gerador.
Os objetos, quando colocados em um novo lugar, ou seja, quando se tornam
peça de acervo museológico, mudam sua função e valor. Mas, é justamente a partir
desse novo espaço (ou status, diz Kopytoff) que esse objeto poderá, então, gerar
outras inquietações. Gerar novos olhares para si e, consequentemente, para novas
21
Crítica ao “Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas”, de Marcel Mauss. In: MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2003.
29
interpretações dele e do mundo ao seu redor. Seja esse mundo o próprio espaço do
museu, seja a história que esse artefato traz – ou faz mediação – ao ser olhado,
questionado, analisado.
Portanto, de acordo com Appadurai (2008, p. 19), a função e/ou o valor do
objeto museológico não são os mesmos do momento da sua criação. Pois esse
novo lugar, o museu, é também fruto do processo de seleção desses objetos, que,
então, passam a ser considerados como artefatos museológicos. O que implica
novas características a partir da identificação de sua “origem” e atribuição de novos
significados.
Os objetos contidos na caixa didática Padrões de Beleza foram escolhidos
para que suscitassem questionamentos e discussões sobre o tema padrões de
beleza, por meio de uma ideia de desconstrução. Ou melhor, des-unificação; a
proposta era demonstrar a existência de outros padrões de beleza além do ocidental
branco – este representado por uma boneca Barbie na caixa – com adornos
corporais indígenas. Adornos esses referentes a grupos étnicos distintos, para
ilustrar o argumento sobre pluralidade étnica e de padrões indígenas.
Ao considerar os estudos de cultura material, se inclui também a perspectiva
da construção social da tecnologia. Afinal, a cultura material pode estar diretamente
ligada à transformação das coisas pela humanidade, como, por exemplo, à
tecnologia. Transformação essa associada a uma concepção de tecnologia que a
considera fruto de mudanças sociais, culturais, econômicas, geográficas, políticas,
etc.
Deve-se também atentar – ao trabalhar com os objetos em um contexto
museológico – para o fato de que, não só a produção desses objetos, mas a própria
relação deles com os sujeitos (por consequência, a sociedade) são ou podem ser
permeadas por essa perspectiva de uma tecnologia contida em um determinado
contexto histórico-social, conforme as necessidades de tal época, como afirmaram
Marx e Smith (1996), entre outros.
Marx e Smith (1996) fazem uma crítica aos autores do determinismo
tecnológico, que afirmam ser a tecnologia “quem” transforma o mundo, condição
extrema e questionável. Para aqueles, ao contrário, o avanço da tecnologia é da
necessidade humana. E a palavra tecnologia é uma ideia abstrata, moderna.
Julgo necessário abordar sobre tecnologia a partir da perspectiva que a
coloca como fruto da necessidade humana, pois entendo a produção das caixas
30
didáticas como processo tecnológico, na medida em que, com elas, há possibilidade
de produção de conhecimento, informação e interação a partir do objeto.
De acordo com o historiador Nicolau Sevcenko (2001), as mudanças na
tecnologia ocorrem ao longo da história humana de forma não linear ou contínua,
mas como diversos loops de uma montanha russa. Com isso, o autor ressalta que a
cultura é um aspecto importante para compreender as transformações que ocorrem
no que diz respeito também à produção da tecnologia.
Além disso, a própria constituição do campo de Ciência e Tecnologia (CT) e,
posteriormente, de Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) apresentam a concepção
da tecnologia produzida em um contexto específico (tempo e espaço) e sua relação
com o campo científico.
De acordo com Cutcliffe (2003), o surgimento do campo de estudos em
Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) está marcado no período histórico do
contexto da 2ª Guerra Mundial (1945-49), principalmente nos Estados Unidos e no
continente europeu, caracterizados por uma crença no progresso da humanidade
em função de seu desenvolvimento científico e tecnológico. A partir dos anos 1970,
os gastos sociais em Ciência e Tecnologia (CT) são questionados, além de uma
reflexão sobre seus impactos negativos. É um momento em que o imaginário de
progresso em função da CT é colocado em dúvida.
De forma breve, o autor descreve as características que cada década (pós-
anos 1950) apresenta ou problematiza sobre esse novo campo CTS, que surge com
a proposta inicial de ser “um campo acadêmico explícito somente de ensino e
investigação” (CUTCLIFFE, 2003, p. 7). Nos anos 1960, os Estados Unidos, sob a
influência da sociologia, da história e da filosofia da ciência, consideram que os
estudos em CTS são frutos de uma “necessidade percebida de uma compreensão
mais completa do contexto social da ciência e da tecnologia” (CUTCLIFFE, 2003, p.
7). As características de cada geração apresentadas pelo autor de forma breve
mostram as transformações de cada contexto, a partir de novos elementos.
Cutcliffe diz que a primeira geração se caracteriza pelo tom crítico e
antissistema. Já na década seguinte, anos 1970, as pesquisas estão relacionadas
às questões sobre os gastos sociais e os impactos negativos da produção da ciência
e da tecnologia para a sociedade, admitindo, por sua vez, que a ideia de progresso é
questionável, aliada aos movimentos sociais desse período, bem como às
transformações no mundo do trabalho em função das novas tecnologias e
31
automatização. É nesse momento, afirma o autor, que tecnologia e ciência são
admitidas como processos sociais (CUTCLIFFE, 2003). Os anos 1980, ao superar a
análise do conteúdo social de C&T, reforçam a existência, já percebida na década
anterior, de documentos e manifestações de grupos sociais e de reconhecimento do
campo de Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS). O exemplo citado pelo autor é a
“Declaración de Derechos sobre la Nueva Tecnologia”, que trata dos impactos das
novas tecnologias no mundo do trabalho, associados a preocupações relacionadas
ao meio ambiente e ecologia, ao desenvolvimento sustentável, entre outros. Dos
anos 1990 em diante, a não neutralidade cientifica é considerada e assumida. É uma
escolha política. É reconhecido que o campo CTS está inserido em contextos
histórico-culturais específicos, cada qual com seus impactos e benefícios a partir de
seus usos políticos.
A ideia de progresso, portanto, serve como estímulo para o surgimento do
campo CTS, justamente porque é a partir de questionamentos acerca dele (do
progresso ou da ideia de) que o campo se coloca “em cena”. Cabe incluir que esse
meado do século XX vai influenciar nos elementos relacionados à concepção de
progresso associado à nova forma de pensar a identidade do sujeito nas décadas
seguintes (HALL, 2011).
Sobre artefatos tecnológicos e a própria conceituação de tecnologia, Novaes
e Dagnino (2004) demonstram que esses artefatos estão localizados histórica e
socialmente nas escolhas tecnológicas. Isso significa que a estrutura tecnológica de
uma sociedade capitalista modela “[...] tanto as relações práticas quanto subjetivas
dos seres humanos [...]” (NOVAES; DAGNINO, 2004, p. 191).
De acordo com Feenberg22, citado pelos autores, a tecnologia “é um artefato
sociocultural” (NOVAES; DAGNINO, 2004, p. 192) e, portanto, não é passiva ou
neutra. O que significa, por sua vez, que há tensões e conflitos no que diz respeito a
qualquer elemento que se relacione com a produção ou utilização da tecnologia em
qualquer aspecto. Ao contrário do chamado determinismo tecnológico, que concebe
a tecnologia como determinante nos processos sociais relacionados a ela.
O determinismo tecnológico é caracterizado por isentar a referência que os
indivíduos possuem na produção de conhecimento (materializado ou não) de acordo
com seu contexto histórico, social, econômico, etc. Algo semelhante à teoria
22
FEENBERG, A. CriticaI Theory of Technology. New York: Oxford University Press, 1991.
32
evolucionista nos estudos antropológicos (fim do séc. XIX, principalmente), já em
desuso. Essa acreditava que as sociedades estavam todas em um mesmo caminho
evolutivo no que dizia respeito à civilidade, percebido a partir da análise da produção
de técnicas e dos artefatos produzidos pelos grupos.
A tecnologia enquanto determinada faz compreendê-la como produção
humana, localizada em contextos sócio históricos específicos. Bem como o
desenvolvimento dos museus e das formas de interpretação e exposição da cultura
material nesses espaços.
A relação entre museu e tecnologia é permeada por um dos aspectos que
considero relevante sobre a instituição museológica: a educação informal promovida
nesses espaços a partir da interação com os objetos museológicos, que julgo
mediadores.
Portanto, acredito que a produção das caixas didáticas do Museu de
Arqueologia e Etnologia da UFPR e seus temas possuem contribuição, por exemplo,
para a tecnologia relacionada à educação, à educação patrimonial e a novas – ou
outras – formas de mediação entre sujeito e realidade.
Também assumo que os métodos de pesquisa utilizados neste trabalho
fazem parte de uma reunião de repertórios, e destaco o estudo de caso como
coadjuvante, por combinar com a perspectiva interdisciplinar assumida/adotada.
Além das leituras, o contato com o campo – enquanto conjunto espacial,
temporal e humano – foi importante para a compreensão do contexto do objeto.
As entrevistas possuem o intuito declarado de fazer com que o Outro fale
sobre a sua experiência subjetiva quando se relaciona com a caixa didática Padrões
de Beleza, daí a ênfase nas pessoas que estiveram ligadas a essa caixa quando ela
foi construída.
A elaboração do inventário é relevante para conhecer os objetos da caixa a
partir dos dados já sistematizados pelo MAE-UFPR, encontrados no catálogo desses
objetos na caixa Padrões de Beleza. O inventário encontra-se no item 4.2.2,
“Inventário descritivo e ilustrado”.
33
2.2.1 Os sujeitos da pesquisa: objetos, textos e entrevistas na pesquisa
A escuta, o contato com os registros e objetos relacionados à caixa Padrões
de Beleza e a escrita desta pesquisa se relacionam diretamente com o Outro.
O Outro, nesse caso, são as minhas interlocutoras23. Esta pesquisa tem por
base ouvir as pessoas, o que implica em estar atenta às tensões que podem
aparecer – diretamente ou não – pelas falas ou outras formas manifestadas.
A criação da caixa Padrões de Beleza está diretamente relacionada a três
pessoas: Andréia Baia Prestes, coordenadora da Ação Educativa do MAE-UFPR,
Karlla De Paris e Laura Rotunno, bolsistas do Museu na época (2009/2010). São
elas, além dos próprios objetos que estão na caixa, meus sujeitos da pesquisa.
São essas três pessoas que promovem as primeiras possibilidades de
articular a mediação entre os objetos da caixa e entre eles e os textos que a
compõem. É importante lembrar que, além dessas pessoas envolvidas diretamente
com a criação da caixa didática, a coordenadora do setor de Etnologia Indígena,
professora Laura Perez Gil, também contribuiu para a criação da caixa, como é
citado em alguns trechos das entrevistas.
A Andréia Baia Prestes (ABP) está no Museu desde 2008. Seu trabalho
começou como bolsista de mestrado, do curso de Pós-Graduação em Antropologia
Social da UFPR (PPGAS/UFPR). Na época, era a responsável pela elaboração das
caixas didáticas quando o MAE-UFPR estava fechado para o último restauro (anos
2000). Atualmente é coordenadora da Ação Educativa, criada em 2009, vinculada e
localizada na Sala Didático-Expositiva, em Curitiba.
A Karlla De Paris (KDP) é estudante do curso de graduação em História da
UFPR e foi bolsista da Ação Educativa durante os anos de 2010 a 2013. No
segundo semestre de 2013 até o primeiro de 2014, ela foi bolsista de outro setor do
Museu. É uma das criadoras da caixa Padrões de Beleza.
Laura S. Rotunno (LR), à época estudante do curso de graduação em
Ciências Sociais pela UFPR, foi bolsista da Ação Educativa do MAE de 2010 até
abril/maio de 2013. Trabalhou junto com a Karlla, a Andréia e outros bolsistas que
começaram na Ação Educativa quando esta foi ampliada – a partir de 2011, em
23
Pode ser interessante fazer uma análise posterior sobre o fato de a maioria dos bolsistas da Ação Educativa do MAE-UFPR ser mulher e, ainda, o fato de terem sido três mulheres que desenvolveram a caixa – objeto desta pesquisa – sobre padrões de beleza.
34
termos de número de bolsistas –, e mudou-se para a Sala Didático-Expositiva em
2012.
As Figuras 1, 2 e 3 são imagens das interlocutoras desta pesquisa,
fornecidas por cada uma delas.
Figura 1 – Andréia Baia
Prestes
Figura 2 – Karlla De Paris
Figura 2 – Karlla De Paris
Figura 3 – Laura Rotunno
Para a construção do perfil das interlocutoras, as entrevistas seguiram
objetivamente às questões do roteiro para obtenção de repostas específicas, como
formação, relação com o MAE-UFPR e com as caixas didáticas24.
O objetivo era iniciar um diálogo para que os entrevistados se
apresentassem. Com isso, criei seus perfis com as informações: nome completo,
formação e seu vínculo com o MAE-UFPR25.
A importância dessas pessoas tem a ver com o trabalho desenvolvido por
elas, bem como pelas suas falas, a partir das entrevistas, tanto no tocante às ideias
durante a construção da caixa quanto no que elas manifestam em relação à caixa
pronta, suas falhas e suas possibilidades.
24
As informações requeridas podem ser vistas no Apêndice I. 25
Vide Apêndice III.
34
Nas entrevistas, quando me coloco em diálogo, é possível perceber que
meus argumentos podem vir a ser negados ou minhas questões podem ser
irrelevantes. O diálogo é exercício de negociação constante que aparece no decorrer
do trabalho quando se busca, encontra e confronta as informações a partir do que a
pesquisa – o campo – apresenta.
2.2.2 As entrevistas
Para a execução das entrevistas estabeleci dois momentos principais que
chamo de tema. O tema é o norteador para a entrevista e no que diz respeito ao seu
objetivo e ao conteúdo ou tipo de pergunta.
Antes de chegar ao objeto da pesquisa em si, a caixa Padrões de Beleza, o
contato com as pessoas diretamente envolvidas na criação ocorre inicialmente com
o tema “perfil do entrevistado”.
O objetivo de uma entrevista com o tema “perfil” consiste em identificar, bem
como permitir que o sujeito entrevistado se coloque no processo. Isso significa que
as pessoas que entrevistei se apresentam na pesquisa como tais, e não como
anônimas.
Além dessa entrevista temática, mais dois tipos de entrevistas foram
executados: individuais, com cada pessoa envolvida com a caixa Padrões de
Beleza, para conhecer a sua história; e uma coletiva, junto aos objetos que a
compõem, para que as envolvidas no processo de criação da caixa, em destaque
Karlla De Paris e Laura S. Rotunno, narrassem suas escolhas sobre as peças, que
medeiam reflexões sobre o tema homônimo ao nome da caixa didática.
Sobre o ato de entrevistar, existem facilidades e dificuldades inerentes a
qualquer tipo de pesquisa que se utilize desse método para registrar narrativas.
Das facilidades, a relação anterior que havia entre a pesquisadora e os
sujeitos entrevistados possibilitou uma conversa aparentemente menos formal. Isso
permitiu às pessoas entrevistadas falar de fatos passados dos quais poderia
relembrar de quando foi bolsista do mesmo espaço.
Além disso, o fato de eu já conhecer a caixa e as características de
composição das caixas didáticas (textos, objetos, catálogo) fez com que a conversa
pudesse estar mais focada na caixa em questão. Por outro lado, a presença de um
35
gravador nas primeiras entrevistas, e depois o telefone celular como gravador, deixa
sempre uma tensão a ser superada um tempo depois de iniciada a conversa.
Embora não tenham falado sobre isso durante a entrevista, todas as pessoas
entrevistadas assumiram certo desconforto com o aparelho de gravação após o
término das conversas. Além disso, outra dificuldade que esteve presente foi a
transcrição das entrevistas, uma vez que algumas duraram 60 minutos em média,
trazendo uma grande quantidade de informações e grande trabalho e consumo de
tempo para tal etapa. Pode-se afirmar, no entanto, que isso é inerente a qualquer
pesquisa que utilize entrevistas.
Para embasar a forma de pensar e executar as entrevistas, minha principal
referência é o antropólogo Roberto Cardoso de Oliveira e seu artigo (que se tornou
capítulo de livro) “Olhar, ouvir e escrever” (2000). Os sentidos atribuídos aos objetos
da caixa Beleza são investigados a partir do olhar e do ouvir.
Observar as peças a partir da compreensão de que elas fazem parte de uma
coleção (objetos para falar de padrões de beleza) dentro de outra, a coleção
manipulável do Museu26, apresenta a importância de se ouvir as narrativas sobre a
caixa Padrões de Beleza.
Portanto, as pessoas entrevistadas para esta pesquisa trazem suas
informações enquanto “nativas” do ambiente pesquisado. E ouvi-las torna-se
fundamental para a apreensão dos sentidos estabelecidos para cada objeto. Com
esses sentidos e significados é possível uma escrita de sua biografia a partir desse
momento em que o status de um objeto é encontrado junto a uma caixa especificada
por um tema.
A apresentação da pesquisadora enquanto sujeito se relaciona com o que
Cardoso de Oliveira destaca sobre a apresentação do sujeito-pesquisador se
assumindo perante seu trabalho. Ele diz:
Porém, o fato de se escrever na primeira pessoa do singular – [...] não significa, necessariamente, que o texto deva ser intimista. Deve significar, simplesmente – e quanto a isso creio que todos os pesquisadores podem estar de acordo –, que o autor não deve se esconder sistematicamente sob a capa de um observador impessoal, coletivo, onipresente e onisciente, valendo-se da primeira pessoa do plural: nós. [...] Isso me parece importante porque com o crescente reconhecimento da pluralidade de vozes que compõem a cena de investigação etnográfica, essas vozes têm de ser distinguidas e jamais caladas pelo tom imperial e muitas vezes autoritário de
26
A coleção manipulável (CM) do MAE-UFPR será apresentada no capítulo 3, no item 3.2.2.
36
um autor esquivo, escondido no interior dessa primeira pessoa do plural [...] (CARDOSO de OLIVEIRA, 2000, p. 30, grifos do autor).
O ato da escrita acontece junto àquilo que foi visto e escutado e se articula
aos pensamentos. E, quando se escreve, se pensa, se produz. Para esse autor, na
antropologia as características da escrita estão em consonância com a pesquisa e
as etapas decorrentes dela:
[...] a disciplina [de Antropologia, no caso] condiciona as possibilidades de observação e de textualização sempre de conformidade com um horizonte que lhe é próprio. E, por analogia, poder-se-ia dizer que isso ocorre também em outras ciências sociais, em maior ou menor grau. Isso significa que o olhar, o ouvir e o escrever devem ser sempre tematizados ou, em outras palavras, questionados enquanto etapas de constituição do conhecimento pela pesquisa empírica – essa última vista como o programa prioritário das ciências sociais [...] (CARDOSO de OLIVEIRA, 2000, p. 35).
Sobre as entrevistas coletivas, esse procedimento também diz respeito a
uma tentativa de facilitar a compreensão de fatos ocorridos, nos quais as pessoas
entrevistadas estavam diretamente envolvidas. A vantagem é que unindo as
pessoas em um mesmo espaço/encontro, cada entrevistada pôde complementar, a
partir de suas memórias individuais, o que a outra declarou quando se encontram as
falas sobre o assunto comum.
A entrevista individual, por outro lado, permite que a pessoa discorra sobre
os assuntos questionados por meio de sua experiência individual do que foi vivido.
Além disso, as entrevistas individuais foram importantes para a construção do perfil
de cada interlocutora.
A opção por executar entrevistas diz respeito ao que me propus a investigar,
para compreender os objetos e a relação das pessoas envolvidas com eles, na
caixa. Um “espaço” (a caixa) que supostamente estaria delimitado, manifesta que
está além: a mediação permite que a caixa – física e sua composição material – seja
percebida não só pela sua materialidade, mas pela capacidade que seus objetos
(peças e textos) possuem enquanto mediadores da vida social, de si e dos sujeitos
que interagem com a caixa.
Para traçar uma biografia dos objetos da caixa Padrões de Beleza as
entrevistas são fundamentais, é onde identifico o status desses objetos (momento
em que se encontram) que considero essencial para falar de biografia. A “história
37
oficial” de cada objeto que ali está não é mais relevante, nesse caso, as informações
que o acervo possui de cada peça27 (algumas com mais detalhes, outras menos),
mas, sim, como o objeto foi escolhido para mediar uma prática que se propõe a falar
de padrões de beleza a partir de materialidades diversas.
Isso não significa que essas informações de registro no acervo sejam
descartáveis. Elas são importantes. Mas, se considero o status nesse momento em
que a peça ocupa a caixa para se colocar enquanto objeto mediador de um tema
possível a partir de si, as informações de seu “passado” são menos necessárias por
agora.
As entrevistas permitem pensar sobre as mediações, os intuitos ou as
tensões que aparecem, a partir dessas falas, sobre a caixa em sua totalidade, seus
textos e peças.
Essa opção de escrita, de pesquisa, também está pautada sobre o que
Martín-Barbero fala sobre um objeto de pesquisa: é preciso problematizar sempre o
lugar de desconforto, provocar as tensões, a partir de perguntas, por exemplo. É
preciso também olhar o objeto de pesquisa e ouvir o que ele fala. É o empírico, é o
“ir à fonte” (MARTÍN-BARBERO, 2004, introdução).
Além de entrevistas temáticas, executei outra forma de entrevista sem um
roteiro prévio, com o objetivo de registrar as narrativas, mediadas pelos objetos e
textos (enquanto suporte material) da caixa Padrões de Beleza28. O intuito dessa
entrevista junto com a caixa toda é, principalmente, compreender o status do objeto,
ou melhor, compreender sua biografia a partir desse atual status em que se
encontra, como objeto mediador manipulável.
Todas as entrevistas realizadas para esta pesquisa foram feitas a partir de
temas que se desdobram em perguntas para a construção de categorias. Isso ocorre
a partir de um roteiro prévio29 passível de flexibilidade no momento das falas.
Não considerei “seguir à risca” nenhum roteiro porque, muitas vezes, nesses
casos os entrevistados falaram sobre o que lhes foi perguntado e continuaram já
respondendo outros temas ainda não questionados. O que fez com que mais de
uma pergunta fosse respondida em uma única fala. E, muitas vezes, desdobrando
27
As peças que vieram do acervo de Etnologia do MAE-UFPR estão catalogadas com as seguintes informações: número de registro, números anteriores, localização na RT (reserva técnica do MAE-UFPR), localização na RT2, base de dados, nome, etnia, categoria, coleção, procedência, forma de aquisição, informações sobre aquisição, data de entrada, observações adicionais. 28
Vide o anexo IV. 29
Vide os anexos I, II e V.
38
inclusive para outras perguntas não previstas. Isso foi comum ao considerar que
algumas perguntas que estavam no roteiro se relacionavam a um tema “geral”. Por
exemplo, uma pergunta sobre a criação da caixa Padrões de Beleza que se
desdobra em seus objetivos, em uma descrição dela ou outras informações não
previstas em uma pergunta.
Além das entrevistas, utilizei a comunicação virtual, por meio de
correspondência eletrônica, para sanar dúvidas que surgiram após as entrevistas,
para facilitar a agenda das interlocutoras, bem como para que eu pudesse
solucionar a compreensão de algumas informações não pensadas ou encontradas
no momento da(s) entrevista(s). Também utilizei desse meio ao solicitar uma
imagem pessoal (foto) para ilustrar o perfil de cada interlocutora30.
Após a execução das entrevistas, as etapas de transcrição e organização
das informações obtidas – que se tornam, para mim, dados – são fundamentais para
a análise das narrativas registradas sobre o processo de construção da caixa
Padrões de Beleza.
A organização das informações registradas pelas entrevistas ocorre da
seguinte forma: após a escuta, acompanhada da leitura da transcrição, identifico
qual é o tema abordado no turno31 (ou em mais de um). A partir disso, registro a
ocorrência de outras falas relacionadas ao mesmo tema em um protocolo32 e
identifico-as a partir do turno em que apareceram.
A situação na qual me encontrava em relação ao trabalho de campo facilitou
em alguns aspectos no que diz respeito ao momento de estabelecer contato com as
minhas interlocutoras. O fato de eu ter trabalhado com essas pessoas nesse mesmo
universo do MAE-UFPR junto com as caixas didáticas permitiu um contato rápido e
positivo. Ninguém se negou a ser entrevistado. Mesmo quem se sentia mais
desconfortável com o gravador não deixou de responder qualquer questão em
função disso.
A partir desses procedimentos e dados obtidos, foi feita a organização e a
análise das narrativas de cada sujeito envolvido na construção da caixa Padrões de
Beleza.
30
O modelo de ficha de autorização é indicado pelo Anexo VII. 31
Cada etapa da entrevista é marcada por um turno a partir da fala: seja do entrevistador, seja do entrevistado, e assim sucessivamente. 32
Vide Apêndice III.
39
As entrevistas são a base desta pesquisa no que diz respeito à
compreensão dos deslocamentos vivenciados pelos objetos musealizados33
permitidos à manipulação quando incluídos na caixa, a partir da proposição de
mediadores de um tema que ela sugere.
2.2.3 Sobre as categorias de análise
As categorias de análise desta pesquisa foram construídas e reconstruídas
como processo da própria pesquisa (em todas as etapas, desde o projeto até a
escrita da dissertação).
A partir do roteiro das entrevistas, os temas indicados pelas perguntas
revelam informações relacionadas ao que foi questionado junto a outros elementos,
como mencionado anteriormente, e que, previamente, não haviam sido
considerados relevantes. Sobre as categorias estabelecidas, é importante destacar
que o status dos objetos que compõem a caixa Padrões de Beleza é elemento
transversal, ou seja, permeia as duas categorias gerais e subcategorias que
apresento a seguir.
O que caracteriza uma categoria é a sua abrangência a partir de um recorte.
Na categoria A – História e escolhas, o que se tem são narrativas sobre o processo
de construção da caixa, os objetivos desejados, os critérios de escolha dos objetos e
os textos. A categoria B – Circulação é composta pelos relatos sobre os usos dos
objetos quando selecionados para a composição da Padrões de Beleza e as
reflexões manifestadas pelas interlocutoras sobre a caixa e seu tema. Cabe destacar
que considero os usos dos objetos como contribuição na formação da biografia
dessas peças, nesse momento em que se encontram como coleção de objetos que
se propõem mediadores do tema padrões de beleza (Vide tabela 1, p. 40).
Em princípio, as categorias previstas para esta pesquisa diziam respeito
principalmente à história de cada peça. A partir da etapa de leitura das transcrições
das entrevistas de áudio novas categorias são identificadas. Pois, é nesse momento
que há a possibilidade para uma sistematização de informações a partir das etapas
33
O objeto musealizado, de acordo com o verbete homônimo no registro dos Conceitos-chave de museologia do ICOM, diz respeito a algo material, “coisa” que se transforma em objeto quando este se difere do indivíduo que o utiliza quando a coisa adquire valores e significados independentes em relação ao indivíduo ou grupo que o possui (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013).
40
concomitantes, como a descrição textual sobre o objeto de pesquisa. O foco para o
desenvolvimento das novas categorias se atém, afora a biografia das peças, à
materialidade relacionada aos usos. Além, é claro, de novas referências que surgem
ao longo do processo de execução da pesquisa e que permitem a incorporação de
outras reflexões sobre o tema pesquisado.
Para tal, os procedimentos foram os seguintes:
leitura na íntegra;
identificação de elementos relevantes relacionados ao tema previsto
pelo roteiro que, por sua vez, se desdobrou nas novas categorias34;
mapeamento de categorias que se completam para melhor análise.
A análise da caixa Padrões de Beleza e de seus objetos ocorre a partir das
falas e dos textos que estão nela35. Essa análise diz respeito aos aspectos de
criação da caixa (e seus objetivos), aos objetos, a partir do que as entrevistas falam
sobre eles, e pela mediação sugerida nos textos sobre o tema padrões de beleza e
aqueles objetos escolhidos para tal. O resultado disso está no capítulo 4, “A caixa
didática Padrões de Beleza”.
Tabela 1: As categorias de análise
34
Novas no sentido de que não estavam previamente formalizadas durante a etapa de criação do roteiro e temas para as entrevistas. Durante a criação dessas chamadas, “novas categorias” é considerada a possibilidade de aglutinação de determinadas categorias que serão mais bem apresentadas na etapa da análise de dados. 35
São apresentados na íntegra, em Anexos.
TEMA: caixa Padrões de Beleza TEMA: apresentação do sujeito
Categorias e subcategorias
A. História e escolhas B. Circulação
Categoria: Perfil do entrevistado
Localização: entrevistas LR, KDP, KDP_LR, ABP
Localização: entrevistas LR, KDP, KDP_LR, ABP
41
2.3 IDENTIDADE, CULTURA E UMA BREVE APRESENTAÇÃO DOS MUSEUS
Considero relevante apresentar as ideias de identidade, cultura e museu a
partir de alguns autores que selecionei, como forma de indicar meus caminhos e
processos de entendimento relacionados aos conceitos fundamentais para
compreender meu universo e objeto de pesquisa.
2.3.1 Museus: instituições mediadoras
A importância de falar sobre museus se relaciona diretamente com o
universo desta pesquisa. Compreender o que é museu, portanto, diz respeito à
compreensão de práticas relacionadas à mediação, à tecnologia e cultura e à cultura
material.
Os museus são instituições sociais que apresentam elementos da cultura
material a partir de diversos recortes (artes visuais, história, antropologia,
arqueologia, etc.). Esses espaços expositivos possuem a premissa de guardar,
proteger e divulgar os aspectos materiais da vida social e as mudanças que
ocorreram ao longo da história, dessas instituições sociais e da própria
transformação da relação com o objeto material e o contexto social no qual a
instituição se encontra.
Os museus no Ocidente foram criados a partir de coleções, ou do
“agrupamento de objetos com características semelhantes, organizados de
diferentes maneiras, por diferentes pessoas, geralmente aquelas que tinham
melhores condições econômicas para adquiri-los”, esses conjuntos são chamados
de “colecionismo” (KERSTEN; BONIN, 2007, p. 117).
De acordo com Kersten e Bonin (2007), os museus ocidentais tiveram sua
origem, de forma geral, a partir desse aspecto de acumulação de objetos, prática
executada desde a Antiguidade Clássica. Durante a Idade Média, quando a Igreja
Católica assume o controle de tais objetos (de arte, inclusive), ela se apropria disso
para adequar um discurso sobre uma história que “caminha pra frente” (p. 117).
As transformações sociais e científicas que ocorrem nos séculos seguintes
se refletem na forma de organizar e expor os objetos coletados como curiosos ou
raros. De acordo com essas autoras, há a necessidade de rigor e maior
conhecimento daquilo que estará exposto, amparado pelo saber científico – cada
42
vez mais dissipado – a partir do século XVII. Consequentemente, os objetos antes
possuídos de valor de raridade ou curioso adquirem valor científico.
Lúcia L. Oliveira (2008) também apresenta um breve relato sobre a história
do museu, afirmando que a prática de colecionar peças curiosas e objetos
relacionados à História Natural em gabinetes é realizada antes do Renascimento
europeu (séc. XIV-XVII).
A busca por objetos da Antiguidade no século XV, principalmente aqueles da
cidade de Roma, era uma forma de restabelecer um laço com tal época e a
Antiguidade Clássica. A valorização de objetos antigos tornou-se hábito entre os
aristocratas. Além disso, com a expansão das artes, tanto no desenvolvimento de
técnicas e trabalhadores no ramo quanto comercialmente, formou-se o mercado de
arte antiga, e, com isso, surgem os antiquários e seus profissionais e também os
museus como novos espaços (OLIVEIRA, 2008, p. 141).
Além do fato de que os objetos são elementos da cultura(s) material(is), a
forma de apresentar as intenções, os significados e o valor das coisas expostas
assume a existência de uma relação política sobre o quê se expõe, como e o que se
fala sobre.
Dessa forma, os museus contemporâneos ou modernos caracterizam-se por
apresentar possibilidades de diálogos com o que é representado. Aqui, se
reconhece que as coisas são representações nas coleções ou gabinetes de
curiosidades, o que implica/permite que esses espaços – que estão relacionados ao
poder (controle e mediação de representação), à educação (as possibilidades de
reflexão) e a experiências (a partir das formas apresentadas) – mostrem o Outro
como diferente, não mais como exótico. Isso está localizado tanto no momento da
elaboração da exposição quanto nas múltiplas interpretações do público, de acordo
com o que vê e interpreta (KERSTEN; BONIN, 2007, p. 123).
Os museus guardam objetos que estão fora da circulação do mercado. Isso
não significa que eles estão desprovidos de valor relacionado ao significado
atribuído ao objeto, o que não há nesse momento em que é um objeto musealizado
é seu valor de troca. É no museu que os objetos sustentam a memória coletiva e
“são fonte da história dos homens e da terra”. É nesse local que “[...] Expressões do
conhecimento e do poder [...]” estão guardados de forma apropriada, diz Oliveira
(2008, p. 141).
43
Pode-se pensar que esse espaço chamado museu é oriundo dos gabinetes
de curiosidades que geraram coleções e, por consequência, espaços destinados aos
objetos. Oliveira explica que a exposição dos museus promove a cultura material:
Os museus tornaram-se instituições especializadas na exibição, em novas formas de organizar a percepção visual. Museus e exposições mostravam o conhecimento e o poder que possibilitavam disciplinar a sociedade. O espetáculo da ordem e do controle sobre objetos, corpos, vida e morte deveria integrar o cotidiano do povo. Através desse espetáculo foi ensinado como apreciar o progresso e as novas tecnologias e, acima de tudo, foi produzida a lealdade à ordem nacional (OLIVEIRA, 2008, p. 145).
Isso se relaciona com os aspectos de identidade e nação abordados pelos
autores que falam sobre tradição citados aqui. Dando um salto no tempo, é no
século XX que surgem novas teorias sobre museologia, e o museu se torna um
espaço de memória e poder. Alguns são vinculados às universidades, a partir da
década de 1920. Lucia Oliveira afirma que:
Os museus realizam uma transformação simbólica. Os objetos retirados de seu contexto original se tornaram obras de arte, relíquias, artefatos. Objetos concretos do mundo transitório, da vida cotidiana, passam a representar valores abstratos – a nação, a evolução da espécie, a indústria, a imigração, a cidade (OLIVEIRA, 2008, p. 148).
Os museus constroem, portanto, narrativas a partir dos objetos. Narrativas
essas que promovem a construção da memória e da identidade. Como é o caso
citado pela autora sobre a criação do Museu do Índio (Rio de Janeiro), em 19 de
abril de 1953, com a direção de Darcy Ribeiro. Ribeiro, antropólogo, tinha como
objetivo para esse museu expor objetos indígenas para difundir e compreender o
mundo indígena, enfatizando as semelhanças com os brancos na natureza humana
e tornar esse espaço um centro de estudos. Para a autora, esse é um característico
museu moderno a favor de uma causa (OLIVEIRA, 2008).
Não são poucos os autores que falam do contexto brasileiro dos museus
enquanto espaços de memória, conservação, divulgação e educação. Chagas
(2005), entre outros, defende que a existência dessa instituição no Brasil – com o
desenvolvimento principalmente no início do século XX – colaborou/colabora com o
desenvolvimento das ciências sociais no território brasileiro. Embora, de acordo com
44
ele, a agenda de pesquisas das ciências sociais tenha se afastado do espaço
museológico, no que diz respeito às décadas de 1930 a 1980, ele aponta para uma
(re)aproximação dos pesquisadores (mais antropólogos que sociólogos, no caso)
com esses espaços.
Para Chagas (2005), a relação entre museus, museologia e pensamento
social brasileiro colabora para a compreensão do imaginário social do país36.
Além disso, o autor fala sobre Darcy Ribeiro e Gilberto Freyre e suas
relações com a criação do pensamento museal no Brasil. De acordo com Chagas,
Gilberto Freyre – que defendia um diálogo entre a cultura popular e os
conhecimentos universais a partir do espaço museológico – tinha como valores para
o museu o dever de incluir a população local, sem enaltecer demais os grandes
feitios da nação a partir de objetos relacionados à esfera militar e política, por
exemplo. A proposta de Freyre estava sempre relacionada ao cotidiano37, a ilustrar
ou demonstrar as técnicas usadas pelos indivíduos comuns; apresentar o
regionalismo sem perder a relação deste com a história social.
Para Freyre, diz Chagas, o museu é “obra, documento, uma realização do
espírito humano”. Com isso, nos museus de antropologia a maneira de se pensar a
antropologia é apresentada de formas mais intensas, talvez, do que em
conferências, diz Freyre, tal como Paul Rivet (1876–1958) no Museu do Homem
(Paris, França). Isso aponta para o fato de que o espaço museal promove discursos
e interpretações. Mário indica isso da seguinte forma: “[...] Considerando-se que
esse discurso e essa interpretação indicam ‘uma’ fala e ‘uma’ visão, e que o campo
museal está aberto a ‘outras’ falas e ‘outras’ visões, compreende-se a dimensão de
arena política desse mesmo campo” (CHAGAS, 2005, p. 30).
Portanto, os museus também são espaços ricos em possibilidades de
interação. Seja pela inclusão, seja pelo conflito ou tensão que pode gerar algo
diferente. Ou, quem sabe, inusitado.
É importante também indicar a pesquisa de Appadurai (2007) sobre os
museus na Índia, na qual o autor descreve sobre os museus do/no contexto
contemporâneo e na relação que possuem com a educação informal, bem como
36
Ele cita autores como Lilia Schawrcz, Wanderley Guilherme dos Santos, entre outros; além de Lúcia Lippi Oliveira e José Reginaldo S. Gonçalves, que abordam temas relacionados a museus e patrimônio. 37
Cabe citar sua obra Casa grande e senzala (1933), que teve grande repercussão ao tratar da sociedade brasileira a partir das suas esferas sociais.
45
com as transformações naquele país. Ele descreve sobre a importância atribuída
aos museus para a contribuição na formação do Estado (Nacional) e,
consequentemente, para uma construção de identidade nacional.
De acordo com esse autor, as coleções arqueológicas e etnográficas que
compõem a formação de museus, em geral, foram criadas a partir de estratégias
políticas e relacionadas à divulgação da história de determinado país e sua
produção de identidade cultural e da cultura popular. No contexto indiano, ele diz
respeito à exposição de objetos da cultura material para a população, a partir de
coleções amparadas por objetivos políticos e antropológicos, como as coleções
etnográficas enquanto um dos exemplos relacionados à cultura (material) de um
povo.
Cabe lembrar que a análise de Appadurai se detém ao contexto das
sociedades complexas e, de forma mais restrita, oriental. Mesmo assim, é relevante
destacar sua contribuição no que diz respeito a esse cenário temporal, uma vez que
a relação entre o aprendizado e a socialização informal se encontra nesse contexto
das sociedades complexas como um todo. E os museus podem ser considerados
espaços privilegiados para esse tipo de relação.
Sobre esse espaço enquanto meio informal de aprendizado ele diz:
Os meios informais de aprendizado em sociedades como a da Índia não são, portanto, meras curiosidades etnográficas. São recursos culturais legítimos que (corretamente compreendidos e utilizados) podem bem aliviar as inúmeras pressões artificiais colocadas sobre a estrutura educacional formal. Os museus constituem um componente emergente desse mundo da educação informal, e o que aprenderemos a respeito dos museus na Índia nos revelará coisas importantes sobre a aprendizagem, o ato de ver os objetos, o que, por sua vez, deverá estimular abordagens criativas e críticas dos museus (e dos sistemas informais de aprendizado) em outros lugares (APPADURAI; BRECKENRIDGE, 2007, p. 10, grifos meus).
Além disso, a relação entre museu e patrimônio por meio dos objetos de
coleções está na criação de diálogos a partir de classificações e escolhas políticas.
Isso se relaciona ao que Kopytoff (apud APPADURAI; BRECKENRIDGE, 2007, p.
11) fala sobre a biografia cultural dos objetos que passam – ou habitam – pelos
museus. Geralmente, esses diálogos são estimulados a partir do valor educativo
atribuído aos museus.
46
De acordo com Studart (2010), as funções dos museus estão relacionadas à
forma de interação com o contexto social e o patrimônio cultural reconhecidos e
escolhidos pelas suas comunidades. Isso faz com que a globalização, enquanto
aspecto econômico e de gestão, afete a práxis dos museus no Brasil a partir de um
conceito de mercado, o qual faz do espaço museológico também um prestador de
serviços. Mesmo assim, a função dos museus não está restrita a isso. Ela diz que:
Os museus, ao reconhecerem que, além das funções de preservar, conservar, expor e pesquisar, são fundamentalmente instituições a serviço da sociedade, buscam por meio de Ação Educativa tornar-se elementos vivos dentro da dinâmica cultural das cidades (STUDART, 2010, p. 139).
Portanto, a forma de trabalho dos museus, que não está isolada das práticas
econômicas, se dirige mais para o desenvolvimento sociocultural do que para o lazer
enquanto mercadoria/consumo:
[...] o trabalho dos museus não se confunde com o dessas indústrias [cultural, de marketing, etc.], pois as instituições museológicas trabalham principalmente em uma dimensão educacional que visa ao desenvolvimento cultural e social dos cidadãos. É inegável que existe uma demanda social por programas educativo-culturais e, nesse sentido os museus e outras instituições afins podem contribuir significativamente para atendê-la. Essa demanda se insere também em um contexto de lazer e entretenimento. O grande desafio do museu está em conjugar educação e lazer. Existem riscos de desvirtuar os compromissos básicos da educação e da cultura em prol da lógica do mercado (STUDART, 2010, p. 141, grifos meus).
Isso vai ao encontro do que se considera como característica da ação
educativa em museus:
O objetivo da educação em museus, assim como da educação em sentido amplo, é oferecer possibilidades para a comunicação, a informação, o aprendizado, a relação dialética e dialógica educando/educador, a construção da cidadania e o entendimento do que seja identidade (STUDART, 2010, p. 143).
Portanto, com a presença pedagógica em museus, eles também são espaço
de produção de conhecimento, além da educação informal38. De acordo com Studart
38
Será falado um pouco mais sobre o papel dos museus no capítulo 3, “O MAE-UFPR e suas caixas didáticas”.
47
(2010), as atividades educativas se relacionam ao espaço museológico como
propício para o conhecimento como processo. Ela afirma, sobre essas atividades:
[...] Atividades estas [educativas] que considerem o museu espaço ideal de articulação do afetivo, do sensorial e do cognitivo, do abstrato e do conhecimento inteligível, bem como da produção do conhecimento. Também chamamos a atenção para a importância de conceber a Ação Educativa como processo, em que a tônica seja o diálogo, a troca e a construção conjunta do conhecimento [...] (STUDART, 2010, p. 143, grifos meus).
O que define a caixa Padrões de Beleza está presente nas narrativas sobre
os objetivos pensados na criação dela.
Os objetivos se articulam com a prática educativa na medida em que os
objetos são acionados enquanto mediadores de assuntos relacionados à educação.
Isso é demonstrado no terceiro capítulo, que trata diretamente da caixa Padrões de
Beleza.
Considero esses objetos das caixas didáticas como um todo enquanto
objetos mediadores, similar ao objeto gerador de Ramos (2004). A diferença está na
forma de olhar tal objeto. Ao considerar sua biografia e as possibilidades de
transformação de status ao longo da vida do objeto, é possível também encará-lo
como um objeto de múltiplas possibilidades de interpretação que não estão
relacionadas ao significado do objeto em si, mas ao seu uso antes de ser peça de
museu e agora, enquanto peça/objeto que transporta reflexões e significados
relacionados a um tema; no caso, padrões de beleza.
O que é exposto no museu, na atual perspectiva, está relacionado aos
significados revelados que permitem interpretações com o olhar para/sobre trocas
de experiências. Seja em um circuito expositivo, seja em um material que circula fora
do próprio museu, como as caixas didáticas do MAE-UFPR. Isso faz com que o
patrimônio seja um recurso educativo, diz Oliveira, “[...] que se alia ao
desenvolvimento local autossustentado” (2008, p. 155).
2.3.2 Identidade e nação: construções políticas e culturais
É importante falar aqui, de maneira breve, sobre a relação estabelecida
entre identidade e cultura material, partindo da ideia de que as culturas se
48
transformam a partir de diversos aspectos. A relação entre cultura e identidade
também diz respeito à formação das nações modernas. Isso vai de encontro a
elementos que contribuem para a compreensão da relação material com a
identidade.
Conhecer o Outro não mais como distante, ou por meio de seus produtos
vendidos no mercado a partir da globalização e elementos relacionados a ela,
permite fácil contato com o diferente ou “exótico”. Isso pode acontecer por
intermédio de uma viagem, menos longa ao se tornar curta em números de horas,
ou por meio de imagens divulgadas em jornais, entre outras formas de acesso – de
comunicação principalmente.
O que não implica dizer que os sentidos atribuídos ao que consumimos
produzidos pelo Outro estejam restritos ao objeto e inflexíveis para mudanças no
uso e circulação. Ao contrário, a perspectiva dos estudos de cultura material
apresenta argumentos sobre isso39.
Antes de pensar sobre o Outro, a cultura e a identidade, é preciso falar sobre
nação. Local abstrato e privilegiado para cercear identidade e cultura em séculos
não muito distantes, incluído nosso tempo atual, inclusive reforçado em termos de
política e economia, principalmente.
Para o autor Eric Wolf, em A formação da nação: um ensaio de formulação
(2003), suas inquietações são apresentadas em um ensaio escrito na década de
1950 sobre a formação da nação; ao invés de investigar sobre aspectos do caráter
nacional. Ele aponta para a necessidade de se fazer uma abordagem “mais histórica
e materialmente fundada da formação da nação” (2003, p. 199). O autor cita, quando
explica a revisão40 de seu primeiro ensaio escrito em 1953, que tratar a nação
enquanto algo homogêneo não seria eficaz, em função da presença das populações
culturalmente diferentes – ou heterogêneas – dentro dessa estrutura maior dos
novos padrões culturais cercados pela nação em formação.
Essas diferenças culturais dentro de um mesmo espaço político e territorial
chamado nação apresentam a estrutura complexa das nações modernas. Ele afirma:
[...] Quando escrevi este artigo, ainda não me familiarizara com termos como “hegemonia”, e “integração” me parecia insuficiente para transmitir os conflitos, a violência e os resultados desiguais que,
39
Vide Miller (2013). 40
Em 1955, em publicação com o título The Mexican Bajío in the eighteenth century.
49
com tanta frequência, acompanham o processo de formação de uma nação [...] (WOLF, 2003, p. 199, grifos do autor).
Para Wolf, os processos culturais se assemelham aos processos de
aculturação, baseado em Kroeber41, enquanto mudanças em uma cultura como
produto da influência de outra (cultura) sobre esta. Essa semelhança diz respeito às
influências que as diferentes culturas42 trazem em um espaço moderno de
sociedades estratificadas, defende o autor. Seja a estratificação como resultado de
conquista (colonialismo) ou desenvolvimento interno e econômico, por exemplo, e
novas relações culturais, “ajustando” os grupos entre si.
Esse autor pode contribuir, embora seu ensaio tenha sido escrito na década
de 1950 e muita coisa mudou, para mostrar que alguns pensadores que estão
refletindo sobre o conceito de nação não desconsideram os conflitos para a sua
formação. O que ele chama de aculturação interna, “[...] aqueles processos de ajuste
entre diferentes segmentos socioculturais na mesma sociedade que implicam o
estabelecimento de novas relações culturalmente padronizadas” (WOLF, 2003, p.
202), pode dialogar com o que García Canclini (2000) aponta sobre o que se
hibridiza ou não. Pois, é reconhecida a presença de tensões e conflitos no que diz
respeito à formação ou tentativa de definição de qualquer aspecto relacionado à
cultura e à identidade enquanto (falsamente) homogêneas.
Sobre homogeneidade e nação, outro autor que acredito ser importante
refletir junto é Benedict Anderson, a partir do seu livro Comunidades imaginadas43.
Essa obra apresenta a nação enquanto uma política coletiva e localizada
temporalmente. De acordo com Anderson (2008), a criação da nação enquanto
território político e espacial está amparada por dois aspectos que convergem: a
importância que a imprensa possui associada à utilização de línguas próprias contra
a hegemonia do latim44. Essa criação está associada à imaginação, defende o autor;
ela está além da invenção ou de uma consequência histórica. Essa imaginação
precisa fazer sentido para “a alma” (para os sujeitos) a partir de desejos e projeções
da comunidade.
41
KROEBER, A. Anthropology: race, language, culture, psychology, prehistory. Nova York: Harcourt Brace, 1948. p. 425. 42
A intenção aqui é apenas localizar os conceitos. Para ver mais sobre Cultura, vide, entre outros: GEERTZ (1989), MAUSS (2011), WAGNER (2010). 43
ANDERSON (2008). 44
Para localizar no tempo: século XVI em diante, principalmente.
50
Essa comunidade política imaginada chamada nação possui em seus
discursos a simultaneidade, trazendo consigo um tempo vazio e homogêneo, que,
por sua vez, alimenta uma ideia de “nós” (coletivo) comum identificada a partir da
naturalização da história e do tempo. Isso ocorre, diz o autor, após dois grandes
sistemas culturais declinarem, a comunidade religiosa, que por meio de uma língua
sagrada transmitia a ideia de uma comunidade universal, na qual mesmo os
“iletrados” estavam associados àquela comunidade por meio de suas práticas
religiosas, e, em um segundo momento, o sistema cultural do reino dinástico, que
possuía o poder centralizado, associado a uma ordem divina.
Para Anderson (2008), símbolos e signos que ilustram as nações são
imaginados pelos dados produzidos a partir principalmente dos estados coloniais.
Tais como os censos (políticas para a população), os mapas (que determinam os
espaços e limites territoriais) e os museus (instituições que representam poder e
prestígio).
Um pouco diferente de Anderson, Hobsbawn e Ranger (1984) abordam
outro olhar sobre as nações: a partir das tradições inventadas. Se para Anderson
(2008), a imprensa teve grande impacto para disseminar a ideia de comunidade
imaginada, Hobsbawm e Ranger falam sobre novas tradições para a continuidade
da nação em A invenção das tradições (1984).
Segundo esses autores, as tradições servem para continuar a ideia de
nação, abstração fundamental e amparada pelas tradições inventadas e/ou
estabelecidas, e pela noção de identidade, inclusive nos momentos em que algumas
mudanças estruturais são inevitáveis. De acordo com eles, a tradição inventada
pode ser proveniente de dois aspectos, as que foram realmente inventadas e há
registro e as que não se pode perceber quando, mas sabe-se que existem
(HOBSBAWM; RANGER, 1984).
Na introdução de A invenção das tradições (1984), a relevância está no que
diz respeito à clareza com que os autores colocam a relação entre a nação e as
tradições. No que diz respeito às sociedades modernas, a presença ou a criação de
tradições sustenta o discurso de continuidade sempre aliado a um passado
selecionado. Mantém-se na memória e discurso aquilo que é relevante para a
nação.
Inventadas ou não, as tradições dão suporte para que haja coesão nas
sociedades. É dito:
51
O termo “‘tradição inventada” é utilizado num sentido amplo, mas nunca indefinido. Inclui tanto as “tradições” realmente inventadas, construídas e formalmente institucionalizadas, quanto as que surgiram de maneira mais difícil de localizar num período limitado e determinado de tempo – às vezes coisa de poucos anos apenas – e se estabeleceram com enorme rapidez. [...] É óbvio que nem todas essas tradições perduram; nosso objetivo primordial [...] como elas surgiram e se estabeleceram (HOBSBAWM; RANGER, 1984, p. 9).
Essas contribuições são importantes para se pensar sobre identidade e
nação. Aspecto relevante também para se falar da criação de museus de forma
geral (como uma história “universal” dessas instituições) e do caso brasileiro, como
abordado no item anterior deste capítulo.
Cabe lembrar que os autores supracitados destacam a relevância que o
estudo sobre as tradições possui no que diz respeito à compreensão das sociedades
modernas e que esses estudos não podem estar restritos aos historiadores, uma vez
que a contribuição das outras áreas das ciências humanas é pertinente.
A relação entre identidade, nação e museus pode ser percebida quando
penso sobre a articulação que essas categorias possuem entre si e são permeadas
por elementos materiais: hinos, bandeiras entre outros aspectos que podem ser
analisados do ponto de vista dos estudos em cultura material.
A proposta de Hobsbawm e Ranger (1984) é a interdisciplinaridade nos
estudos que dizem respeito às tradições. Algo equivalente aos estudos em cultura
material, como apontado por Miller (2013), quando ele afirma que os estudos em
cultura material não podem estar localizados em um único campo. Isso explica a
defesa do autor em não conceituar alguns termos, como “trecos”, pois o conceito
estaria restrito a uma disciplina, por exemplo. Ora, isso também serve, por exemplo,
para os estudos relacionados à tecnologia, no que diz respeito ao campo da CTS.
A importância em falar sobre nação e identidade passa a fazer mais sentido
quando se compreende que estudar um museu diz respeito ao contexto em que está
inserido e, por consequência, perceber as implicações políticas e culturais sobre tal
instituição. Um espaço como esse não pode ser desvinculado da cultura, não pelo
seu conteúdo, mas pela sua proposta, de forma geral, que implica expor algo
(cultura material) relacionado a alguém (grupo, sociedade, país) a partir de escolhas
(políticas, científicas e culturais).
52
É preciso falar sobre cultura para que possamos compreender a relação que
aproxima nação, identidade e museu, para falar posteriormente da caixa Padrões de
Beleza.
A importância em conceituar cultura nesta pesquisa está amparada pelos
estudos antropológicos, a partir de diferentes autores e suas perspectivas. Pode-se
conceber tal conceito, por exemplo, a partir da cognição, da estrutura, ou dos
sistemas simbólicos.
Não é nesta pesquisa que as teorias antropológicas serão apresentadas ou
discutidas, mas a importância desse conceito para este trabalho está presente para
indicar as relações que existem entre elementos que compõem o universo da
pesquisa – um museu – e o seu próprio objeto.
Apresento cultura como modo de ver o mundo a partir de padrões
estabelecidos e que diz respeito ao modo de ver, à moral e a valores (o que não
significam estáticos ou inflexíveis). A cultura se relaciona de forma direta com os
comportamentos sociais (política, religião, etc.) e posturas corporais, como gestos e
formas de utilizar indumentárias, por exemplo (LARAIA, 2006, p. 68).
Antes disso, é preciso indicar o uso do termo como plural – culturas –, a partir
da concepção de cultura enquanto sistema adaptativo – que não significa ser
processo rápido, apolítico ou pacífico.
Ao considerar cultura como sistema adaptativo, Laraia (2006), que cita Roger
Keesing45 para sua proposta em precisar o conceito de cultura, se utiliza de quatro
elementos, apresentados da seguinte forma: cultura como sistema (1), que por sua
vez implica mudanças culturais enquanto processo de adaptação (2), que são
compostos a partir da relação entre os elementos organização social e o que é
produzido – material ou não (3), associados aos elementos ideológicos (4) de
determinado grupo (LARAIA, 2006, p. 59).
Além dessa contribuição do antropólogo Roque B. Laraia, retomo García
Canclini sobre o que este diz acerca da cultura enquanto plural e sobre os processos
de hibridação (2000, p. 283-350).
Para García Canclini (2000), a hibridação passa por três processos, e ele os
apresenta a partir de uma pesquisa sobre cultura urbana. O primeiro processo é a
quebra e a mescla das coleções organizadas pelos sistemas culturais: a memória
45
KEESING, Roger. Theories of culture. Annual Review of Anthropology, Palo Alto, California, v. 3, 1974.
53
histórica e os conflitos urbanos estão incluídos em um mesmo espaço e tempo, no
cotidiano, e podem ser percebidos, por exemplo, durante manifestações sociais,
culturais e políticas das cidades.
A desterritorialização dos processos simbólicos caracteriza o segundo
processo para a hibridização e diz respeito ao significado de entrar ou sair da
modernidade: García Canclini fala sobre reconhecer que as “mudanças na produção
e circulação simbólica” não estão restritas aos meios de comunicação e, com isso, é
preciso considerar o crescimento urbano como fator relevante. A expansão urbana,
diz ele, também é elemento de intensificação da hibridação cultural (GARCÍA
CANCLINI, 2000, p. 285) a partir da circulação dos mercados simbólicos e das
migrações.
Para isso, o autor irá mostrar a importância dos bens simbólicos para um
país em termos de produção cultural (por exemplo, as telenovelas brasileiras) e as
migrações como forma de relativizar a tendência à dicotomia nas relações
interculturais, como o estudo de García Canclini sobre Tijuana, no México, e os
hábitos e símbolos culturais daquele lugar. A noção de território ou de comunidade é
flexibilizada, é preciso pensar cada vez mais em circuitos e fronteiras: a
autenticidade e a autonomia não cabem mais no pensar sobre as culturas urbanas.
Já o terceiro processo pelo qual a hibridação ocorre está na expansão dos
gêneros “impuros”, caracterizados pelo autor principalmente pelo grafite e histórias
em quadrinhos: lugares nos quais o culto e o popular se encontram, o artesanal e a
circulação massiva ocorrem. É o encontro, diz o autor, “entre o visual e o literário, o
culto e o popular [...]” (GARCÍA CANCLINI, 2000, p. 336).
Esses encontros são considerados por García Canclini como tipos híbridos
da cultura. Para ele, é necessário considerar a cultura urbana para tratar das forças
dispersas da modernidade; a expansão urbana e a hibridação estão relacionadas. O
grafite, por exemplo, está relacionado com a propriedade territorial, como referência
de grupos “fechados”/incompreensíveis para os Outros e como uma “manifestação
simultânea da desordem urbana” (GARCÍA CANCLINI, 2000, p. 337), eles são
efêmeros, não institucionais.
As histórias em quadrinhos, por sua vez, trabalham com imagens estáticas e
escrita dramática. Possuem técnicas “hibridizadoras”, diz o autor, quando promovem
novas ordens e técnicas narrativas a um público variado e a relação com fatos
contemporâneos e/ou históricos correlacionados. O humor e seu profissional, dirá
54
García Canclini (2000), evidenciam as fronteiras da sociedade (onde quer que
estejam) e a sua “ressemantização”.
O autor aponta que é possível perceber que a autonomia dos processos
simbólicos e a renovação democrática do culto e do popular colocadas de maneira
binária não funcionam, uma vez percebidas as transformações do mercado
simbólico e da cultura cotidiana, que estão além da política neoconservadora.
As transformações econômicas apoiadas nas culturais promovem uma
estrutura diferente aos conflitos, diz o autor. O culto e o popular não saem mais
polarizados, e o relativismo passa a operar na oposição política entre hegemônicos
e subalternos (GARCÍA CANCLINI, 2000, p. 346).
Outro autor relevante para falar sobre cultura é o já citado Arjun Appadurai,
agora a partir de seu artigo junto a Carol A. Breckenridge, intitulado “Museus são
bons para pensar: o patrimônio em cena na Índia” (APPADURAI; BRECKENRIDGE,
2007). A partir do argumento de que os espaços museológicos na Índia, no contexto
contemporâneo, possuem uma relação com a educação informal, o artigo apresenta
os aspectos que contribuem para as transformações no país, a partir da exposição
da cultura material para a construção da identidade e para a formação do Estado
(Nacional) indiano.
A relação entre cultura e identidade passa também pela política. A
importância em falar sobre isso, embora não caiba apontamento profundo, está em
explicitar que identidade, cultura e nação estão relacionadas a uma instituição que
permite, a partir da materialidade produzida pela(s) cultura(s), colocar em diálogo a
relação entre esses elementos, e sobre a própria função dos museus.
A importância de falar sobre museus se relaciona diretamente com o
universo desta pesquisa. Compreender o que é museu, portanto, diz respeito à
compreensão de práticas relacionadas à mediação, à tecnologia e cultura e à cultura
material.
Os museus são instituições sociais que apresentam elementos da cultura
material a partir de diversos recortes (artes visuais, história, antropologia,
arqueologia, etc.). Esses espaços expositivos possuem a premissa de guardar,
proteger e divulgar os aspectos materiais da vida social e as mudanças que
ocorreram ao longo da história, dessas instituições sociais e da própria
transformação da relação com o objeto material e o contexto social no qual a
instituição se encontra.
55
Os museus no Ocidente foram criados a partir de coleções, ou do
“agrupamento de objetos com características semelhantes, organizados de
diferentes maneiras, por diferentes pessoas, geralmente aquelas que tinham
melhores condições econômicas para adquiri-los”, esses conjuntos são chamados
de “colecionismo” (KERSTEN; BONIN, 2007, p. 117).
De acordo com Kersten e Bonin (2007), os museus ocidentais tiveram sua
origem, de forma geral, a partir desse aspecto de acumulação de objetos, prática
executada desde a Antiguidade Clássica. Durante a Idade Média, quando a Igreja
Católica assume o controle de tais objetos (de arte, inclusive), ela se apropria disso
para adequar um discurso sobre uma história que “caminha pra frente” (p. 117).
As transformações sociais e científicas que ocorrem nos séculos seguintes
se refletem na forma de organizar e expor os objetos coletados como curiosos ou
raros. De acordo com essas autoras, há a necessidade de rigor e maior
conhecimento daquilo que estará exposto, amparado pelo saber científico – cada
vez mais dissipado – a partir do século XVII. Consequentemente, os objetos antes
possuídos de valor de raridade ou curioso adquirem valor científico.
Lúcia L. Oliveira (2008) também apresenta um breve relato sobre a história
do museu, afirmando que a prática de colecionar peças curiosas e objetos
relacionados à História Natural em gabinetes é realizada antes do Renascimento
europeu (séc. XIV-XVII).
A busca por objetos da Antiguidade no século XV, principalmente aqueles da
cidade de Roma, era uma forma de restabelecer um laço com tal época e a
Antiguidade Clássica. A valorização de objetos antigos tornou-se hábito entre os
aristocratas. Além disso, com a expansão das artes, tanto no desenvolvimento de
técnicas e trabalhadores no ramo quanto comercialmente, formou-se o mercado de
arte antiga, e, com isso, surgem os antiquários e seus profissionais e também os
museus como novos espaços (OLIVEIRA, 2008, p. 141).
Além do fato de que os objetos são elementos da cultura(s) material(is), a
forma de apresentar as intenções, os significados e o valor das coisas expostas
assume a existência de uma relação política sobre o quê se expõe, como e o que se
fala sobre.
Dessa forma, os museus contemporâneos ou modernos caracterizam-se por
apresentar possibilidades de diálogos com o que é representado. Aqui, se
reconhece que as coisas são representações nas coleções ou gabinetes de
56
curiosidades, o que implica/permite que esses espaços – que estão relacionados ao
poder (controle e mediação de representação), à educação (as possibilidades de
reflexão) e a experiências (a partir das formas apresentadas) – mostrem o Outro
como diferente, não mais como exótico. Isso está localizado tanto no momento da
elaboração da exposição quanto nas múltiplas interpretações do público, de acordo
com o que vê e interpreta (KERSTEN; BONIN, 2007, p. 123).
Os museus guardam objetos que estão fora da circulação do mercado. Isso
não significa que eles estão desprovidos de valor relacionado ao significado
atribuído ao objeto, o que não há nesse momento em que é um objeto musealizado
é seu valor de troca. É no museu que os objetos sustentam a memória coletiva e
“são fonte da história dos homens e da terra”. É nesse local que “[...] Expressões do
conhecimento e do poder [...]” estão guardados de forma apropriada, diz Oliveira
(2008, p. 141).
Pode-se pensar que esse espaço chamado museu é oriundo dos gabinetes
de curiosidades que geraram coleções e, por consequência, espaços destinados aos
objetos. Oliveira explica que a exposição dos museus promove a cultura material:
Os museus tornaram-se instituições especializadas na exibição, em novas formas de organizar a percepção visual. Museus e exposições mostravam o conhecimento e o poder que possibilitavam disciplinar a sociedade. O espetáculo da ordem e do controle sobre objetos, corpos, vida e morte deveria integrar o cotidiano do povo. Através desse espetáculo foi ensinado como apreciar o progresso e as novas tecnologias e, acima de tudo, foi produzida a lealdade à ordem nacional (OLIVEIRA, 2008, p. 145).
Isso se relaciona com os aspectos de identidade e nação abordados pelos
autores que falam sobre tradição citados aqui. Dando um salto no tempo, é no
século XX que surgem novas teorias sobre museologia, e o museu se torna um
espaço de memória e poder. Alguns são vinculados às universidades, a partir da
década de 1920. Lucia Oliveira afirma que:
Os museus realizam uma transformação simbólica. Os objetos retirados de seu contexto original se tornaram obras de arte, relíquias, artefatos. Objetos concretos do mundo transitório, da vida cotidiana, passam a representar valores abstratos – a nação, a evolução da espécie, a indústria, a imigração, a cidade (OLIVEIRA, 2008, p. 148).
57
Os museus constroem, portanto, narrativas a partir dos objetos. Narrativas
essas que promovem a construção da memória e da identidade. Como é o caso
citado pela autora sobre a criação do Museu do Índio (Rio de Janeiro), em 19 de
abril de 1953, com a direção de Darcy Ribeiro. Ribeiro, antropólogo, tinha como
objetivo para esse museu expor objetos indígenas para difundir e compreender o
mundo indígena, enfatizando as semelhanças com os brancos na natureza humana
e tornar esse espaço um centro de estudos. Para a autora, esse é um característico
museu moderno a favor de uma causa (OLIVEIRA, 2008).
Não são poucos os autores que falam do contexto brasileiro dos museus
enquanto espaços de memória, conservação, divulgação e educação. Chagas
(2005), entre outros, defende que a existência dessa instituição no Brasil – com o
desenvolvimento principalmente no início do século XX – colaborou/colabora com o
desenvolvimento das ciências sociais no território brasileiro. Embora, de acordo com
ele, a agenda de pesquisas das ciências sociais tenha se afastado do espaço
museológico, no que diz respeito às décadas de 1930 a 1980, ele aponta para uma
(re)aproximação dos pesquisadores (mais antropólogos que sociólogos, no caso)
com esses espaços.
Para Chagas (2005), a relação entre museus, museologia e pensamento
social brasileiro colabora para a compreensão do imaginário social do país46.
Além disso, o autor fala sobre Darcy Ribeiro e Gilberto Freyre e suas
relações com a criação do pensamento museal no Brasil. De acordo com Chagas,
Gilberto Freyre – que defendia um diálogo entre a cultura popular e os
conhecimentos universais a partir do espaço museológico – tinha como valores para
o museu o dever de incluir a população local, sem enaltecer demais os grandes
feitios da nação a partir de objetos relacionados à esfera militar e política, por
exemplo. A proposta de Freyre estava sempre relacionada ao cotidiano47, a ilustrar
ou demonstrar as técnicas usadas pelos indivíduos comuns; apresentar o
regionalismo sem perder a relação deste com a história social.
Para Freyre, diz Chagas, o museu é “obra, documento, uma realização do
espírito humano”. Com isso, nos museus de antropologia a maneira de se pensar a
46
Ele cita autores como Lilia Schawrcz, Wanderley Guilherme dos Santos, entre outros; além de Lúcia Lippi Oliveira e José Reginaldo S. Gonçalves, que abordam temas relacionados a museus e patrimônio. 47
Cabe citar sua obra Casa grande e senzala (1933), que teve grande repercussão ao tratar da sociedade brasileira a partir das suas esferas sociais.
58
antropologia é apresentada de formas mais intensas, talvez, do que em
conferências, diz Freyre, tal como Paul Rivet (1876–1958) no Museu do Homem
(Paris, França). Isso aponta para o fato de que o espaço museal promove discursos
e interpretações. Mário indica isso da seguinte forma: “[...] Considerando-se que
esse discurso e essa interpretação indicam ‘uma’ fala e ‘uma’ visão, e que o campo
museal está aberto a ‘outras’ falas e ‘outras’ visões, compreende-se a dimensão de
arena política desse mesmo campo” (CHAGAS, 2005, p. 30).
Portanto, os museus também são espaços ricos em possibilidades de
interação. Seja pela inclusão, seja pelo conflito ou tensão que pode gerar algo
diferente. Ou, quem sabe, inusitado.
É importante também indicar a pesquisa de Appadurai (2007) sobre os
museus na Índia, na qual o autor descreve sobre os museus do/no contexto
contemporâneo e na relação que possuem com a educação informal, bem como
com as transformações naquele país. Ele descreve sobre a importância atribuída
aos museus para a contribuição na formação do Estado (Nacional) e,
consequentemente, para uma construção de identidade nacional.
De acordo com esse autor, as coleções arqueológicas e etnográficas que
compõem a formação de museus, em geral, foram criadas a partir de estratégias
políticas e relacionadas à divulgação da história de determinado país e sua
produção de identidade cultural e da cultura popular. No contexto indiano, ele diz
respeito à exposição de objetos da cultura material para a população, a partir de
coleções amparadas por objetivos políticos e antropológicos, como as coleções
etnográficas enquanto um dos exemplos relacionados à cultura (material) de um
povo.
Cabe lembrar que a análise de Appadurai se detém ao contexto das
sociedades complexas e, de forma mais restrita, oriental. Mesmo assim, é relevante
destacar sua contribuição no que diz respeito a esse cenário temporal, uma vez que
a relação entre o aprendizado e a socialização informal se encontra nesse contexto
das sociedades complexas como um todo. E os museus podem ser considerados
espaços privilegiados para esse tipo de relação.
Sobre esse espaço enquanto meio informal de aprendizado ele diz:
Os meios informais de aprendizado em sociedades como a da Índia não são, portanto, meras curiosidades etnográficas. São recursos culturais legítimos que (corretamente compreendidos e utilizados)
59
podem bem aliviar as inúmeras pressões artificiais colocadas sobre a estrutura educacional formal. Os museus constituem um componente emergente desse mundo da educação informal, e o que aprenderemos a respeito dos museus na Índia nos revelará coisas importantes sobre a aprendizagem, o ato de ver os objetos, o que, por sua vez, deverá estimular abordagens criativas e críticas dos museus (e dos sistemas informais de aprendizado) em outros lugares (APPADURAI; BRECKENRIDGE, 2007, p. 10, grifos meus).
Além disso, a relação entre museu e patrimônio por meio dos objetos de
coleções está na criação de diálogos a partir de classificações e escolhas políticas.
Isso se relaciona ao que Kopytoff (apud APPADURAI; BRECKENRIDGE, 2007, p.
11) fala sobre a biografia cultural dos objetos que passam – ou habitam – pelos
museus. Geralmente, esses diálogos são estimulados a partir do valor educativo
atribuído aos museus.
De acordo com Studart (2010), as funções dos museus estão relacionadas à
forma de interação com o contexto social e o patrimônio cultural reconhecidos e
escolhidos pelas suas comunidades. Isso faz com que a globalização, enquanto
aspecto econômico e de gestão, afete a práxis dos museus no Brasil a partir de um
conceito de mercado, o qual faz do espaço museológico também um prestador de
serviços. Mesmo assim, a função dos museus não está restrita a isso. Ela diz que:
Os museus, ao reconhecerem que, além das funções de preservar, conservar, expor e pesquisar, são fundamentalmente instituições a serviço da sociedade, buscam por meio de Ação Educativa tornar-se elementos vivos dentro da dinâmica cultural das cidades (STUDART, 2010, p. 139).
Portanto, a forma de trabalho dos museus, que não está isolada das práticas
econômicas, se dirige mais para o desenvolvimento sociocultural do que para o lazer
enquanto mercadoria/consumo:
[...] o trabalho dos museus não se confunde com o dessas indústrias [cultural, de marketing, etc.], pois as instituições museológicas trabalham principalmente em uma dimensão educacional que visa ao desenvolvimento cultural e social dos cidadãos. É inegável que existe uma demanda social por programas educativo-culturais e, nesse sentido os museus e outras instituições afins podem contribuir significativamente para atendê-la. Essa demanda se insere também em um contexto de lazer e entretenimento. O grande desafio do museu está em conjugar educação e lazer. Existem riscos de desvirtuar os compromissos básicos da educação e da cultura em prol da lógica do mercado (STUDART, 2010, p. 141, grifos meus).
60
Isso vai ao encontro do que se considera como característica da ação
educativa em museus:
O objetivo da educação em museus, assim como da educação em sentido amplo, é oferecer possibilidades para a comunicação, a informação, o aprendizado, a relação dialética e dialógica educando/educador, a construção da cidadania e o entendimento do que seja identidade (STUDART, 2010, p. 143).
Portanto, com a presença pedagógica em museus, eles também são espaço
de produção de conhecimento, além da educação informal48. De acordo com Studart
(2010), as atividades educativas se relacionam ao espaço museológico como
propício para o conhecimento como processo. Ela afirma, sobre essas atividades:
[...] Atividades estas [educativas] que considerem o museu espaço ideal de articulação do afetivo, do sensorial e do cognitivo, do abstrato e do conhecimento inteligível, bem como da produção do conhecimento. Também chamamos a atenção para a importância de conceber a Ação Educativa como processo, em que a tônica seja o diálogo, a troca e a construção conjunta do conhecimento [...] (STUDART, 2010, p. 143, grifos meus).
O que define a caixa Padrões de Beleza está presente nas narrativas sobre
os objetivos pensados na criação dela.
Os objetivos se articulam com a prática educativa na medida em que os
objetos são acionados enquanto mediadores de assuntos relacionados à educação.
Isso é demonstrado no terceiro capítulo, que trata diretamente da caixa Padrões de
Beleza.
Considero esses objetos das caixas didáticas como um todo enquanto
objetos mediadores, similar ao objeto gerador de Ramos (2004). A diferença está na
forma de olhar tal objeto. Ao considerar sua biografia e as possibilidades de
transformação de status ao longo da vida do objeto, é possível também encará-lo
como um objeto de múltiplas possibilidades de interpretação que não estão
relacionadas ao significado do objeto em si, mas ao seu uso antes de ser peça de
museu e agora, enquanto peça/objeto que transporta reflexões e significados
relacionados a um tema; no caso, padrões de beleza.
48
Será falado um pouco mais sobre o papel dos museus no capítulo 3, “O MAE-UFPR e suas caixas didáticas”.
61
O que é exposto no museu, na atual perspectiva, está relacionado aos
significados revelados que permitem interpretações com o olhar para/sobre trocas
de experiências. Seja em um circuito expositivo, seja em um material que circula fora
do próprio museu, como as caixas didáticas do MAE-UFPR. Isso faz com que o
patrimônio seja um recurso educativo, diz Oliveira, “[...] que se alia ao
desenvolvimento local autossustentado” (2008, p. 155).
62
3 O MAE-UFPR E AS SUAS CAIXAS DIDÁTICAS
[...] os museus são arenas privilegiadas, que apresentam imagens de nós mesmos e dos outros [...] (KERSTEN; BONIN, 2007, p. 124, grifos das autoras). [...] museu não é apenas um local destinado a abrigar objetos, mas também um local cuja função principal é a de transformar as coisas em objetos [...] (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013, p. 68).
Neste capítulo eu apresento meu universo de pesquisa a partir de um breve
histórico do Museu, com as alterações ocorridas após o último restauro no início dos
anos 2000. A partir daí, localizo a Sala Didático-Expositiva e o Setor de Ação
Educativa para poder abordar a criação da coleção manipulável (CM) e das caixas
didáticas. Também indico reflexões sobre mediação, educação e museu junto ao
universo da pesquisa.
3.1 O MAE-UFPR
Figura 4 – Vista interna do pátio da sede do MAE-UFPR em Paranaguá Fonte: <http://www.google.com.br/imgres?um=1&hl=ptBR&biw=1024&bih=643&tbm=isch&tbnid=jIyi__E44IU-zM:&imgrefurl=http://www.ufpr.br/portalufpr/noticias/mae-oferece-palestra-sobre-educacao-em-museusemparanagua/&docid=jiwKRWnCLTDBmM&imgurl=http://www.ufpr.br/portalufpr/wpcontent/uploads/2012/04/patio_interno_mae.jpg&w=448&h=299&ei=YRGlUbiuBKnv0QHBxoCgAw&zoom=1&ved=1t:3588,r:82,s:0,i:332&iact=rc&dur=2641&page=6&tbnh=145&tbnw=224&start=75&ndsp=16&tx=94&ty=77>.
63
O Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Paraná
(MAE-UFPR), com sede em Paranaguá (PR), foi fundado pelo professor José
Loureiro Fernandes, em 25 de julho de 1962 como Museu Universitário, cujo objetivo
era o de preservar e valorizar o patrimônio e a cultura regionais, além de sediar um
centro de pesquisa sobre a região49.
As cláusulas do documento de criação do referido Museu apontavam as
suas finalidades: favorecer a pesquisa científica, promover a educação popular,
entre outras (VÖRÖS, 2011)50.
A valorização de questões patrimoniais e culturais favoreceu a ocupação do
Antigo Colégio Jesuíta51, em Paranaguá, para se criar o Museu. Na época em que
foi estabelecido, o museu se chamava Museu de Arqueologia e Artes Populares do
Paraná (MAAP) e possuía dois setores: o de Arqueologia Pré-Histórica Brasileira e o
de Cultura Tradicional Popular52.
Tempos depois, no fim da década de 1980 e início de 1990, o MAAP passa
por transformações estruturais, em seu regimento e nomenclatura. O Museu passa a
ser chamado de Museu de Arqueologia e Etnologia53 de Paranaguá (MAEP), em
1992. Além disso, houve alterações nas exposições relacionadas às praticas
museológicas; a partir de constantes contribuições teóricas e práticas o próprio
edifício é considerado enquanto objeto exposto.
Em 1999, passa a ser denominado Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE)
e se reestrutura. A partir disso, o Museu retoma a prática iniciada quando da sua
criação, para produções científicas, pesquisas universitárias e comunitárias, bem
como para exposições de curta duração. Isso tudo se relaciona com o último
restauro, que é feito no início dos anos 2000 com os novos espaços relacionados ao
MAE-UFPR e outras práticas, como a criação da Reserva Técnica (RT), em Curitiba
(PR); do Setor de Ação Educativa, sediado inicialmente nessa nova Reserva; e da
Sala Didático-Expositiva, no prédio Histórico da UFPR, na capital paranaense.
Essa mudança da Reserva Técnica para Curitiba é fruto da necessidade que
o Museu possuía em ter um espaço próprio e adequado para armazenar o acervo.
49
Sobre Loureiro Fernandes e o MAE-UFPR, vide Furtado (2006). 50
Disponível em: <http://www.humanas.ufpr.br/portal/antropologia/monografias-de-graduacao/>. Também disponível com a própria autora: [email protected]. 51
O edifício-sede do Museu foi construído no século XVIII e tombado em 1938 pelo IPHAN. 52
Atualmente, esses setores são chamados de Arqueologia e Cultura Popular, respectivamente. 53
Peças que pertenciam ao Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Paraná foram para o acervo do Museu; isso implica na alteração do nome em função de uma maior presença do tema etnologia indígena no espaço museológico.
64
Quando em Paranaguá, a RT funcionou na sede do MAE-UFPR desde sua criação
até a década de 1990, quando foi para um espaço emprestado do Instituto do Café,
na mesma cidade, a partir de um acordo entre a Universidade e o Governo Federal.
Cabe lembrar que, como o edifício-sede do Museu fica na beira do rio Itiberê, a
incidência de umidade é constante, o que não permite uma condição favorável para
a conservação das peças54.
Em 2005 é um espaço da UFPR, o campus Juvevê, em Curitiba, que passa
a abrigar o acervo de forma definitiva, além de algumas divisões administrativas,
como secretaria, coordenação de setores e direção do MAE-UFPR. A importância
dessa nova Reserva Técnica em Curitiba diz respeito, principalmente, à estrutura
adequada (mobiliário e circulação) e condições climáticas favoráveis para armazenar
cerca de 60 mil peças adquiridas, recebidas de doação, permutas, etc.
3.1.1 O último restauro: mudanças para novos espaços físicos e a criação da Sala
Didático-Expositiva
O último restauro veio com o momento em que o Museu se repensa, se
refaz. A mudança da Reserva Técnica para Curitiba, como citado, e a criação de um
novo espaço expositivo são marcos desse momento.
Essas novas práticas no MAE-UFPR são frutos de um laudo realizado pela
professora Maria Cristina Bruno, da Universidade de São Paulo (USP), que
apresentou uma proposta de ação sobre o Museu.
O que é exposto em Paranaguá, tanto os objetos quanto o próprio prédio,
precisa fazer sentido para a comunidade que o visita, bem como para a UFPR, que
é a responsável pela instituição.
Cada exposição passou a ser considerada como projeto, com agentes
específicos residentes (do Museu) e convidados para a elaboração dessas
exposições – como especialistas no assunto a ser exposto, como curadores ou
facilitadores –, e adequar as formas de divulgação de acordo com o que é
apresentado.
54
Em conversa não gravada com a atual diretora do MAE-UFPR, Márcia Cristina Rosato, ela contou sobre os fatores para a mudança de local da Reserva Técnica para Curitiba e, entre eles, a conservação das peças é um dos mais relevantes.
65
A partir daí, resolveu-se que a sede em Paranaguá (PR) teria uma agenda
cultural com atividades promovidas e executadas pelo Museu, como o já ativo
“CineMAE”, que apresenta uma programação de filmes – cineclube – a partir de um
tema no auditório do Museu.
Como o MAE está ligado à Universidade, ele precisa estar mais próximo
dela, que é sediada em Curitiba (principalmente), diz Márcia C. Rosato55, atual
diretora do MAE-UFPR. A conexão entre Paranaguá e Curitiba por meio do Museu
necessitava ser reforçada, e a criação da Sala Didático-Expositiva foi a principal
forma.
O intuito da criação dessa Sala é ter um espaço para receber visitas de
escolas de Curitiba e região. Nesse espaço, há um circuito expositivo que se
relaciona com a exposição de longa duração em Paranaguá, no que diz respeito às
áreas que contemplam o MAE-UFPR: Arqueologia, Etnologia Indígena e Cultura
Popular. Ela funciona como o Museu, é aberto à comunidade e agenda visitas para
escolares ou grupos fazerem o circuito junto com monitores da Ação Educativa.
Figura 5 – Os espaços físicos do MAE-UFPR. Fonte: a autora (2014)Vörös
55
Em conversa não gravada, Márcia apresentou de forma geral o histórico do MAE-UFPR.
66
3.2 A SALA DIDÁTICO-EXPOSITIVA: O LOCAL DA AÇÃO EDUCATIVA DO MAE-
UFPR EM CURITIBA (PR)
A Sala Didático-Expositiva é chamada como Sala Didática ou “SD” por
bolsistas e funcionários envolvidos com a Ação Educativa do MAE-UFPR de
Curitiba.
É necessário falar da Sala Didática para localizar o espaço em que as novas
caixas didáticas passam a ser construídas. Em 2012, o setor de Ação Educativa, já
com cerca de seis bolsistas, se muda para a Sala e ganha uma área de trabalho
para a elaboração de novos materiais, bem como espaço para armazenar a coleção
criada a partir dessa nova prática: de objetos que são experimentados pela visão e
pelo tato, principalmente.
Próximo à criação da Ação Educativa e das novas caixas, a Sala Didático-
Expositiva é criada em 2009 e estimula a retomada de atividades educativas já
realizadas em Paranaguá (monitoria e atividades de extensão), instituindo novas
práticas, como o uso das caixas didáticas, e atividades de extensão, como
exposições especiais relacionadas ao evento “Primavera dos Museus”, promovido
pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), autarquia vinculada ao Ministério da
Cultura do Governo Federal. Além de atividades complementares às visitas guiadas
compostas de atividades como pintura, desenhos ou confecção de adornos
corporais.
Ela está situada no subsolo do Prédio Histórico da Universidade Federal do
Paraná (UFPR), indicado como campus Santos Andrade, nome homônimo ao da
praça onde este se localiza.
O campus Santos Andrade é uma construção de 191356, realizada a partir
de empréstimos financeiros e coordenada por Victor Ferreira do Amaral (1862-1953)
em um terreno central da cidade doado pela prefeitura. Vitor F. do Amaral foi reitor
na época em que a Universidade do Paraná estava concentrada nesse único espaço
físico. Posteriormente, com a federalização do Ensino Superior no Brasil, a
Universidade se expandiu. O texto institucional da atual Universidade Federal do
Paraná descreve essa história da seguinte forma:
56
Informações encontradas em <http://www.ufpr.br/portalufpr/historico-2/> e <http://www.ufpr.br/portalufpr/a-mais-antiga-do-brasil/>. Acesso em: 9 abr. 2014.
67
Com sua federalização, a instituição passou por uma fase de expansão. A construção do Hospital de Clínicas (1953), do Complexo da Reitoria (1958) e do Centro Politécnico (1961) representaram sua consolidação (“A mais antiga do Brasil” http://www.ufpr.br/portalufpr/historico-2/ acesso em: 9 abr. 2014).
Essa construção possui como características: três pavimentos, quatro
“blocos” unidos por uma parte central (que pode ser percebido de tal forma pela
entrada principal que possui como acesso uma longa escadaria) e pelo pátio interno
(subsolo), arquitetura eclética. Atualmente abriga dois cursos de graduação, Direito
e Psicologia, além de espaços da administração geral da UFPR e alguns núcleos de
pesquisa, bem como a Sala Didático-Expositiva do MAE-UFPR.
Para quem entra pela primeira vez, ou com pouca frequência, o prédio pode
ser relacionado a uma espécie de labirinto. E descobri, durante meu trabalho como
bolsista nesse local, entre os anos 2010 e 2012, no mínimo três formas de acessar a
Sala Didático-Expositiva.
Para se chegar à Sala, que fica no subsolo da construção, os caminhos são
vários, bem como a quantidade de entradas, mas para isso é preciso chegar ao
pátio interno (esquerdo, em relação à entrada principal) por onde se acessa a Sala57.
A porta de entrada da Sala Didático-Expositiva é dupla, de ferro, pintada de
branco com vidros no meio. Quando a Sala está aberta, uma das folhas da porta fica
aberta e a outra fechada. As duas só são abertas ao mesmo tempo quando
necessário, para se ter um maior espaço de passagem/circulação, como em visitas
de cadeirantes e/ou outras necessidades especiais que demandam um espaço
adequado para circulação. Podem também ser abertas quando são trazidos
materiais, como, por exemplo, de limpeza e alimentação (produtos de limpeza, café,
chá, copos descartáveis, etc.), ou peças do acervo que serão colocadas no circuito
expositivo (como substituição ou inclusão de objeto) que exigem maior espaço para
entrada.
Nas situações de adequação para o acesso de visitas com necessidades
especiais foi adaptada uma rampa de acesso, visto que o acesso à entrada possui
um degrau inadequado para locomover cadeiras de rodas, por exemplo.
57
Não vou entrar em detalhes de como chegar em função da complexidade que o espaço físico apresenta no momento em que penso em traduzir para a escrita guiada, além do fato das variáveis encontradas para o acesso à “SD”, que são complexos. É possível chegar lá a partir da narração dos vigilantes do prédio. Ao mesmo tempo em que parece ser difícil, é possível não se perder no prédio.
68
A Sala Didático-Expositiva possui piso de cerâmica claro e algumas paredes
são pintadas de verde e outras brancas; o teto também é branco. A iluminação é
feita por trilhos com spots na cor branca. E as peças que estão em exposição
permanente estão abrigadas em expositores protegidos com vidro, como na maioria
dos espaços expositivos. Os expositores possuem tamanhos distintos, de acordo
com a posição em que se encontram na Sala (vide figura 6).
O circuito expositivo é dividido de acordo com os três setores do Museu,
Etnologia Indígena, Cultura Popular e Arqueologia. Essa divisão, no entanto, é sutil,
não há uma separação física (como uma parede, por exemplo) entre eles; a divisão
é a partir da própria apresentação dos setores. A seguir, imagens e a descrição do
espaço expositivo da Sala Didático-Expositiva.
O circuito se inicia58 pela exposição da Etnologia Indígena, que possui nove
expositores. Esses expositores abordam temáticas indígenas (rituais, adornos
corporais, cerâmica) a partir de objetos com suas identificações e, em alguns
expositores, há também textos e imagens ou fotografias relacionadas ao conteúdo
expositivo daquela vitrine, daquele setor. No circuito guiado, ao término do setor de
Etnologia Indígena, há uma transição para o setor de Cultura Popular, por meio de
fitas coloridas e novos painéis com imagens relacionadas à cultura popular.
Figura 6 – Detalhe da exposição referente ao setor de Etnologia Indígena Fonte: Lucas Garcia (2014).
58
Não necessariamente; aqui considero o início a partir da disposição espacial da Sala e de uma visita guiada com os bolsistas das Ações Educativas.
69
A Cultura Popular é apresentada por vitrines expositivas com objetos
relacionados à tradição (com objetos antigos, como ferro de passar a carvão), ao
fazer (relacionado ao trabalho, como a roca e um pedaço de tecido feito com tear) e
ao celebrar, a partir de festas populares (como cerâmicas relacionadas ao Boi
Mamão – festa tradicional de Santa Catarina –, o pau de fita, o fandango
paranaense, etc.). A estrutura de apresentação é a mesma: objetos, identificação
desses e, em alguns expositores, imagens e textos relacionados ao material
exposto.
Figura 7 – Detalhe da exposição referente ao setor de Cultura Popular Fonte: Lucas Garcia (2014).
Imagem: Lucas Garcia, 2014.
70
Como sequência do setor de Cultura Popular, há o setor de Arqueologia. O
setor de Arqueologia possui a mesma estrutura de apresentação, mas com seis
expositores correlatos ao setor e um expositor grande, o “aquário”, como é
chamado, composto por urnas funerárias feitas de cerâmica.
Figura 8 – Detalhe da exposição referente ao setor de Arqueologia Fonte: Lucas Garcia (2014).
Terminado o espaço expositivo, há duas salas. A primeira sala é um espaço
para atividades, destinado aos escolares quando visitam a Sala Didático-Expositiva
para realizar as atividades propostas59 pelos bolsistas que os receberam para a
visita. Ela possui paredes pintadas de amarelo e é composta por cinco mesas de
ferro coloridas (amarela, verde, azul), também possui almofadas que ficam
armazenadas em prateleiras expostas de um armário azul e verde – que também
armazena materiais para a execução das atividades educativas, como lápis de cor,
miçangas, carimbos com temas indígenas, tesoura, cola em bastão, papel, etc.
As mesas e almofadas coloridas servem de apoio para fazer as atividades. À
esquerda dessa sala está a segunda sala, que chamo de trabalho, onde os bolsistas
ficam quando não há visita guiada.
59
As atividades propostas são definidas quando a(s) escola(s) entra(m) em contato para agendar a visita e estão pautadas de acordo com a idade do público visitante, a disciplina que os trouxe até a Sala, o conteúdo que o(a) professor(a) quis abordar a partir do agendamento da visita e, por fim, com a quantidade de bolsistas disponíveis no horário dessa visita.
71
A sala de trabalho dos bolsistas também possui mais duas funções:
almoxarifado e acervo da coleção manipulável (CM) da Ação Educativa de Curitiba,
do Museu. É nesse lugar, composto por duas mesas grandes de trabalho, uma com
dois computadores de mesa e outra com espaço livre para trabalho, que os bolsistas
fazem suas pesquisas e construções de textos, manifestam as ideias para executar
novas caixas didáticas ou para as visitas guiadas. As prateleiras atrás das mesas
(as mesas ficam de frente para uma janela com vidros translúcidos, que está de
frente para o pátio interno do prédio) guardam os objetos da coleção manipulável,
devidamente protegidos por papel de seda e plástico, identificados por pequenas
etiquetas de papel escritas à caneta preta (tipo caneta nanquim), presas nesses
plásticos por um barbante fino. Etiquetas essas que permitem a identificação rápida
do objeto embrulhado, quando localizado no livro Tombo da coleção manipulável,
um caderno em que há o registro desses objetos a partir de suas características
materiais, uso, procedência e forma de aquisição.
As peças do acervo estão colocadas em duas prateleiras centrais do
mobiliário, que é composto por três colunas com três prateleiras cada.
Nas demais, encontra-se materiais de almoxarifado em uma (como café,
chá, papel higiênico, etc.); em outra há livros (como uma “mini” biblioteca); e mais
uma na qual há materiais para as atividades educativas (tecidos, miçangas, tintas,
etc.). Nas prateleiras da extrema esquerda estão guardadas as caixas didáticas já
prontas, que são emprestadas. Quando alguém solicita seu empréstimo, é lá que irá
buscar. Quando há devolução, volta para esse espaço.
Os objetos das caixas didáticas passam a ocupá-la a partir do momento em
que a caixa está com as peças selecionadas, os textos, as atividades e o catálogo
prontos, e ficam sempre “montadas” para que sejam emprestadas completas.
Esses objetos que são escolhidos para ocuparem as caixas possuem
algumas características para tal. Para compreender isso, a seguir, falo sobre os
objetos em museus, a sua relação com a própria instituição museológica e a
condição para que um objeto do acervo do MAE-UFPR possa compor a coleção de
objetos manipuláveis das caixas didáticas.
72
3.2.1 Conservação, pesquisa e divulgação: a vida de um objeto museológico
De acordo com o que se considerou como função dos museus, a partir dos
autores que apontei no capítulo anterior sobre esse tema, falar do acervo é de
grande importância. O Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal
do Paraná possui quantidade relevante de artefatos, e é a partir da existência das
coleções do Museu que a proposta de se tocar nos objetos constrói uma nova
coleção, a coleção manipulável.
Os objetos que habitam os museus vieram de contextos diversos, dotados
de outros valores e significados que constituem sua biografia própria. Essa mudança
de status, nesse momento em que o objeto se encontra no espaço museológico,
transforma-o em objeto musealizado.
De acordo com alguns autores da museologia60, o objeto quando
musealizado é transformado. Isso promove uma relação direta entre museu (e seus
atributos) e objeto. Essa relação, de acordo com a museologia, ocorre a partir de
alguns aspectos, como a transformação da coisa em objeto; a produção de um
objeto (enquanto materialidade a ser exposta); o potencial do objeto enquanto
discurso ou representação, entre outros.
Da transformação da coisa em objeto, entendendo a coisa enquanto algo
material como continuidade do indivíduo que o manipula. Quando ela é separada do
sujeito, por exemplo, quando deslocada para o universo do museu ou para uma
coleção (não necessariamente de museu), ela é afastada do sujeito que até então a
utilizava.
Como objeto, ele “fala por si”, na medida em que se torna representação de
significados, valores ou narrativas. É importante dizer que “falar por si” não significa
que ele está encerrado em seus valores e significados anteriores ao seu novo
contexto – museológico –, mas que está disponível para gerar possibilidades outras
que, quando em estado de coisa (status anterior a esse de objeto musealizado), não
lhe era possível, por razões diversas (como uso, por exemplo). Cabe lembrar que o
museu não tem um potencial autônomo de transformação das coisas em objetos,
são as pessoas, valores e inquietações subjetivas, culturais, ideológicas e políticas
que permitem a mudança da coisa para objeto. Isso caracteriza a produção do
60
De acordo com os autores citados no verbete “objeto musealizado” da obra Conceitos-chave de museologia (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013).
73
objeto, relacionada com a distância adquirida por ele quando se está nesse contexto
de museu (ou coleção61).
De acordo com o ICOM,
[...] o objeto do museu é feito para ser mostrado, com toda a variedade de conotações que lhe estão intrinsecamente associadas, uma vez que podemos mostrar para emocionar, distrair ou instruir. Essa operação de “mostração”, para utilizar um termo mais genérico que o de “exposição”, é tão importante que cria a distância, faz da coisa o objeto (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013, p. 69, grifos meus).
Além disso, o conteúdo e a forma de se expor também dizem respeito às
escolhas. Isso pode ser bem compreendido no que diz respeito às peças que se
encontram na caixa Padrões de Beleza nesse momento, por exemplo. O que se
escolhe está relacionado ao que a peça (objeto musealizado) pode “falar” sobre; seu
potencial de testemunho e/ou novos significados:
[...] Os objetos no museu são desfuncionalizados e “descontextualizados”, o que significa que eles não servem mais ao que eram destinados antes, mas que entraram na ordem do simbólico que lhes confere uma nova significação [...] (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013, p. 70, grifos meus).
Além disso, o que é exposto é representação, o objeto já não é o que era,
pois já foi extraído de seu contexto de “origem”, ou melhor, de uso (enquanto
funcional estético ou outra coisa).
Isso significa que sua representação quando exposto não está somente
ligada ao seu passado biográfico, mas à forma e ao conteúdo em que se quer
colocar tal objeto (musealizado).
Os objetos das caixas didáticas estão em uma condição que considero como
além da representação, considero mediadores. E, enquanto mediadores, eles
podem ser aliados a temas ou propostas que sua materialidade possibilite.
Ou seja: a biografia de qualquer objeto do MAE-UFPR que pertença à
coleção manipulável (seja anteriormente de outra coleção interna deste museu ou
não) se reinicia no momento em que são colocados em um novo contexto de
61
Embora museu e coleção sejam coisas distintas, optei por aglutinar, uma vez que ambos se relacionam com a coisa que se torna objeto de forma muito semelhante. Talvez a diferença mais marcante esteja na possibilidade da exposição em um museu e na não obrigatoriedade disso no caso de uma coleção particular.
74
circulação, como é o caso dos adornos indígenas corporais presentes na caixa
Padrões de Beleza.
E, ao considerar os objetos mediadores, seja em um circuito expositivo, seja
em uma caixa didática, a variedade de interpretações que o objeto permite, a partir
de seu contexto atual e anterior, é múltipla, mesmo quando há um tema norteador.
Sobre o contexto expositivo, cita-se que:
[...] [os objetos] mudam de sentido em seu meio de origem a critério das gerações. Em seguida, cada visitante é livre para interpretar aquilo que observa em função de sua própria cultura. O resultado é um relativismo que Jacques Hainard, em 1984, resumiu em uma frase que se tornou célebre: “o objeto não é a verdade de absolutamente nada. Polifuncional em primeiro lugar, polissêmico em seguida, ele só adquire sentido se colocado em um contexto” [...] (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013, p. 72).
Essa reflexão também pode ser estendida às formas de utilização da caixa
Padrões de Beleza, pois a proposta de todas as caixas já se inicia com o argumento
da livre utilização, mesmo havendo temas sugeridos.
Portanto, a condição de mediação dos objetos também é viável a partir
dessa condição espacial, no museu. Isso significa dizer que a mediação nesse
contexto (tempo e espaço) é um elemento relevante para promover o diálogo entre
educação e museus.
De acordo com Rebeca Campos Ferreira, amparada por Santos62, os
museus de forma geral que possuem como práticas constantes pesquisa,
preservação e comunicação demandam formas interativas – e entendo mediação
como interação –, as quais poderão ser amparadas pela ação educativa desses
espaços. Isso não significa que seja o único setor (a ação educativa do museu)
responsável por isso, ao contrário, o trabalho precisa ser feito em conjunto para que
o resultado seja efetivo e esteja de acordo com tal instituição (FERREIRA, 2010, p.
64).
Acerca dos processos educativos, a interpretação sobre o patrimônio cultural
associada à compreensão do passado é relevante para outros desdobramentos a
partir da relação temporal presente-passado investigada.
A criação das caixas didáticas do MAE-UFPR pode ilustrar essa prática
educativa sobre patrimônio. É o momento no qual o Museu sai de si, no sentido de
62
SANTOS, Maria Célia T. Moura. Museu e educação: conceitos e métodos. 2008. Disponível em: <http://bibliotextos.files.wordpress.com/2011/12/museu-e-educac3a7c3a3o.pdf>. Acesso em: 19 abr. 2015.
75
colocar alguns objetos do acervo em circulação, em um espaço fora dele em
diversos sentidos.
O MAE-UFPR sai fisicamente em forma de caixa didática daquele espaço
protegido e amparado por um tempo “congelado” e põe-se a discutir seus objetos,
bem como suas práticas. O que permite, por sua vez, aumentar ou reconhecer a
amplitude que os espaços museológicos possuem enquanto lugares também de
produção de conhecimento.
Ao considerar os museus como espaços para conservação, comunicação e
exposição, os objetos pertencentes a essas instituições possuem um status
diferenciado dos objetos não musealizados (KOPYTOFF, 2008).
É importante falar sobre os objetos de maneira geral, para que se possa
compreender a relação que os objetos que estão na caixa Padrões de Beleza
possuem entre eles e com os textos que os acompanham na caixa.
De acordo com a antropologia das coisas – ou dos objetos – apresentada
por Appadurai (2008), os objetos fazem parte da nossa vida tão diretamente quanto
as roupas que utilizamos na cultura ocidental, por exemplo. As coisas possuem vida
social. Ao considerar consumo como fato social e produtor de vínculos sociais63, os
objetos ganham importância para se analisar o contexto em que se encontram. As
coisas são suas próprias trajetórias por meio de sua produção, circulação, consumo
e uso.
Observar a vida das coisas64, para Appadurai, é perceber suas formas, usos
e trajetórias relacionadas à vida humana. Ele diz: “[...] são as coisas em movimento
que elucidam seu contexto humano e social” (2008, p. 17). O potencial mercantil das
coisas faz com que elas estejam inseridas em um contexto, em toda a trajetória da
mercadoria – além da produção em si –, passando pela troca, distribuição e
consumo.
O conceito de mercadoria de Appadurai a sugere como “[...] coisas com um
tipo particular de potencial, que se distinguem de “produtos”, “objetos”, “bens”,
“artefatos” e outros – mas apenas em alguns aspectos e de um determinado ponto
de vista” (2008, p. 19).
63
Os autores reunidos no livro de Arjun Appadurai (2008) partem da ideia do consumo como fato social, como determinante ou presente na base da/na formação do gosto, da distinção, no individualismo, na reprodução de grupos e identidades sociais. Em relação à produção de vínculos, são as formas particulares de solidariedade, confiança e sociabilidade para a vida social. 64
Termo inserido por Igor Kopytoff (2008).
76
Todas as coisas são “trocáveis”: essa é a situação mercantil. Há outro
aspecto que aqui merece destaque, que são os objetos que estão fora da circulação
mercantil.
No caso desta pesquisa, são objetos de museus. Esses estão armazenados
em um espaço destinado a eles, em condições adequadas de temperatura e
controle de umidade, por exemplo, geralmente em uma reserva técnica.
Appadurai (2008) fala sobre essas coisas que estão fora do circuito, são os
objetos inalienáveis – seja por um instante, ou longo ou eterno período.
Aqueles objetos em que é necessária a troca de sacrifícios para sua
aquisição ou para sua venda são os alienáveis. E desses também é composta a vida
econômica. O objeto adquire valor a partir da sua demanda: a troca e o sacrifício da
troca, por exemplo. A presença de um valor econômico conferido ao objeto está
localizada em situações sociais específicas. Como a condição de sacrifício para a
aquisição de um objeto, por exemplo, no comércio ilegal de obras de arte.
Os objetos do museu, a partir da leitura de Appadurai, podem ser
considerados como objetos inalienáveis, pois estão em uma situação “suspensa” de
troca.
O que irá atribuir valor a um objeto está mediado pela política de forma
ampla, diz Appadurai, pois a vida social das pessoas e das coisas é mediada pelas
relações de troca e de valor, pela coisa em si; e não pelas formas e funções (2008,
p. 15).
De acordo com o autor, a mercadoria65 possui um fluxo pautado em rotas
reguladas socialmente (como oferta e procura), que fazem da criação de valor um
processo mediado pela política; há, com isso, a motivação de desvios.
Os desvios são compreendidos como as situações em que os objetos
transitam fora do seu estado de mercadoria. A condição de mercadoria dos objetos é
considerada, portanto, como uma fase na vida de alguns objetos, de acordo com
Appadurai, ao citar Kopytoff sobre o trânsito entre dentro e fora da mercantilização
dos objetos (APPADURAI, 2008, p. 31).
65
De acordo com Jaques Maquet, Appadurai cita quatro tipos de mercadorias (M): M por destinação (objetos destinados à troca pelos produtores, ex.: eletrodomésticos); M por metamorfose (coisas destinadas a outros usos que se colocam no estado de mercadoria, ex.: uma obra de arte); M por desvio (objetos que em sua origem estavam protegidos de ser mercadoria, ex.: obras raras contrabandeadas) e ex-mercadorias (coisas retiradas – temporariamente ou não – do estado de mercadoria e colocadas em outro estado, ex.: peças de museu). O importante é lembrar sempre que as mercadorias estão em movimento para que se possa defini-las em quatro tipos (2008, p. 31).
77
Portanto, é importante observar que os objetos enquanto mercadorias assim
o são como uma fase em sua própria vida.
Outro aspecto relevante é que os objetos não são secundários. O que os
estudos em cultura material querem mostrar é que os objetos possuem relevância
no que constitui as relações humanas, pois as coisas fazem parte das diversas
situações vivenciadas pelos sujeitos: sejam objetos do cotidiano, objetos rituais ou
enquanto mercadorias. As situações também dizem respeito aos objetos.
Para falar de uma biografia dos objetos, é de fundamental importância
dialogar com Igor Kopytoff, a partir de A biografia social das coisas: a
mercantilização como processo (2008), texto no qual o autor afirma que os objetos
possuem uma biografia, assim como as pessoas.
Eles – os objetos – também possuem uma trajetória que declara/demonstra
suas mudanças de status ao longo de sua existência. O autor propõe que é no
momento da troca que há um novo status, uma nova significação tanto para essa
coisa quanto para uma pessoa.
Os objetos da caixa Padrões de Beleza são objetos que adquirem um novo
status quando saem do acervo do MAE-UFPR para ocupar um novo acervo na
coleção manipulável. É esse momento de transição dos objetos que esta pesquisa
se propõe a analisar, a partir das motivações que fazem com que tais objetos se
tornem mediadores de um tema, no caso, padrões de beleza.
3.2.2 A coleção manipulável do MAE-UFPR
No MAE-UFPR, a maior parte do acervo está armazenada na Reserva
Técnica, no campus Juvevê da UFPR, na cidade de Curitiba. Há outro acervo
composto por uma coleção, a coleção manipulável (CM), que se encontra na já
citada Sala Didático-Expositiva, e que diz respeito diretamente à elaboração das
caixas didáticas.
O acervo do MAE-UFPR é um espaço no qual há o conjunto de objetos,
documentos ou fotografias enquanto coleções pertencentes a alguma instituição,
pública ou privada. No caso do MAE-UFPR, o acervo está armazenado em
condições adequadas para sua proteção e preservação (há um controle de umidade
do ambiente, bem como armários especiais para o armazenamento das peças).
78
A elaboração da coleção manipulável (CM) do Museu surge a partir da
construção das caixas didáticas. Essa coleção é composta inicialmente por peças já
oriundas do próprio acervo do MAE-UFPR, abrigados na Reserva Técnica, e são
deslocadas para a coleção manipulável como classificadas para sua nova condição:
são peças que irão circular pelas mãos das pessoas que utilizam as caixas
didáticas.
Isso implica considerar que cada peça que vai para essa coleção
manipulável possui a condição de tal; de ser tocada, derrubada das mãos por
acidente, percebida em seus detalhes com proximidade como cheiro, ou qualquer
outra ação que se relaciona com o fato de uma peça de museu estar em muitas
mãos.
Estar nas mãos de qualquer pessoa significa que o objeto, embora peça de
museu que deva ser cuidada, está mais exposto do que aqueles acondicionados na
reserva técnica, geralmente amparados por luvas de borracha quando manipulados.
Esses objetos tocados estão expostos a não preservação, mas, também,
expostos às potencialidades que possuem e que só podem ser manifestadas
quando estão circulando, ou melhor, em contato direto com o público.
Isso não significa que esses objetos serão oferecidos sem uma
sensibilização sobre a própria condição de peça de museu. Ao contrário, o fato de
alguns objetos pertencerem a essa condição – manipulável – colabora com o
discurso da preservação, da educação, da cultura material. O objeto é manipulável,
mas o cuidado é sempre ressaltado para que o próprio objeto manipulável continue
sendo essa mediação entre o que o museu possui e o que podemos tocar (cheirar,
sentir o peso, etc.).
É o que aparece, por exemplo, no armário que guarda essa coleção. Fica na
sala de trabalho dos bolsistas, na Sala Didático-Expositiva. A figura 7 ilustra esse
espaço, e mostra um lembrete com os dizeres de que, embora manipuláveis, são
peças que exigem cuidados e preservação para continuarem sendo. O recado é:
“Somente peças do acervo! (Por favor, não insista!)”, uma vez que nesse mesmo
espaço do acervo estão as mesas de trabalho dos bolsistas e, às vezes, algumas
pessoas desavisadas, quando de início no trabalho, colocavam seus pertences em
qualquer espaço aparentemente disponível.
79
Figura 9 – Detalhe de uma parte do armário que abriga a coleção manipulável (CM). Nessa parte estão bonecas, cerâmica indígena, cestaria, entre outros objetos. Entre as duas prateleiras, há um aviso escrito em uma fita crepe que diz: “Somente peças do acervo! (Por favor, não insista!)” Sala Didático-Expositiva, Curitiba (PR) Fonte: Lucas Garcia (2014).
Essa coleção se relaciona diretamente com a Ação Educativa, principalmente
no que diz respeito à composição das caixas didáticas. Algumas peças são oriundas
dos outros setores (Etnologia Indígena e Cultura Popular principalmente,
Arqueologia um pouco menos), e outras são adquiridas diretamente para compor as
caixas didáticas, além disso, é comum que os bolsistas criem peças como réplicas66
ou miniaturas de objetos para compor as caixas.
A utilização de miniaturas ou réplicas é associada à importância dada para
aquilo que essa produção (de caixas) faz: não deixa de expor uma peça, mas, faz de
outra peça – como uma miniatura – uma mediação entre o que se quer dizer,
trabalhar e expor de um objeto que não pode ser tocado (manipulado), mas pode ser
representado. Aqui também é a ocasião para se pensar sobre o status dos objetos
66
Às vezes são encomendadas. Como, por exemplo, as peças em miniatura dos instrumentos do Fandango (manifestação popular do litoral do Paraná) que estão na CM foram encomendadas de um artesão que constrói os instrumentos musicais usados no próprio Fandango e fazem parte da caixa Paraná.
80
dentro do MAE-UFPR: alguns são manipuláveis, outros não. O status também é
alterado quando um objeto necessita de outra materialidade para representá-lo ou
para sustentar o que tal objeto medeia, mesmo por meio de outro, como uma
miniatura.
Essa mediação pode ser percebida quando os objetos já estão colocados
em uma caixa didática. O tema da caixa vai ser o mediador entre aquela miniatura –
continuado o exemplo anterior – e a peça “original” que não pode ser manipulável.
As mediações, no caso das caixas, são feitas em diversas direções: o tema e a
peça, o texto e o objeto, a atividade e o tema, o objeto e a atividade, o indivíduo e a
caixa, e assim por diante; a direção é variável de acordo com o que se quer fazer
nessa interação entre objetos e pessoas.
Para a Ação Educativa, a Andréia, coordenadora do setor, julgou interessante
adquirir bonecas Karajá67 para colocar dentro das caixas em função de temas
relacionados à Etnologia Indígena. Isso se relaciona com o fato de que, quando
Karlla De Paris e Laura Rotunno estavam no processo de construção da caixa e
conheceram o acervo da Etnologia Indígena do MAE-UFPR, se encantaram com
essas bonecas produzidas na década de 1950.
Elas narram isso em um trecho da entrevista sobre a inclusão das bonecas
Karajá na caixa a partir da memória sobre o contato com o acervo das bonecas
antigas:
[KDP] Porque, o primeiro armário que eu abri quando eu entrei no Museu foi o das bonecas Karajá e eu achei lindo, maravilhoso, me apaixonei e falei: “quero trabalhar com elas!” Basicamente foi isso. [risos] [LR] Não importa o quê, a gente vai dar um jeito... [KDP] A gente vai colocar [as bonecas na caixa Padrões de Beleza] [risos] É eu lembro que foi a nossa primeira entre várias aspas, a nossa primeira “briga” com a professora Laura [Pérez Gil] porque de forma alguma aquelas bonecas Karajá poderiam sair do acervo já que elas eram lá da década de 1950, enfim... [LR] A-ham... [KDP] E muito delicadas, muito mais frágeis aí a gente ficou [?] [fomos] atrás [de criar a] da nossa coleção manipulável de bonecas Karajá porque elas precisavam estar ali. [LR] É, essas bonecas, né, essas duas estão na caixa hoje em dia, a maior que [es]tava na primeira versão, e as outras, todas as outras bonequinhas que tem na coleção manipulável elas foram compradas depois que a gente quis as bonecas Karajá na caixa. [AV] Ah que legal... [LR] Então, tipo, foi um... [KDP] Foi um processo às avessas do que...
67
Ela comentou da possibilidade de compra de exemplares pela internet, e assim o Museu o fez para a composição do acervo da coleção manipulável e para o acervo de Etnologia Indígena também.
81
[LR] É... [KDP] das outras peças... [LR] Tipo, “ah não dá”, foi até, eu lembro que até, “ai, a gente quer as bonecas Karajá pra colocar na caixa...” “Ai, não pode, elas são originais” – essas [miniaturas que compõem a caixa] também são originais – aquelas eram super antigas, não sei o quê, daí a gente até pensou em replicar elas [as antigas] e daí a Andréia falou: “não, os Karajá estão aí, eles ainda fazem bonequinhas um pouco diferente”, se a gente for comparar essas bonecas com as bonecas que tem lá na Sala Didática, né, expostas, elas são diferentes. [as expostas são de tamanho maior, provavelmente da década de 1950 como as demais que se encontram no acervo do MAE-UFPR] [KDP] São. [LR] E... Mas todas são lindas! [risos de todas] (Entrevista realizada em 06/08/2014).
Ainda sobre a criação da coleção, a Andréia fala dos motivos:
Bom, a CM [coleção manipulável] foi criada com a intenção de suprir a demanda de peças para caixas didáticas, considerando as características do acervo do Museu [MAE-UFPR] em relação à necessidade de manipulação intensiva das peças que o uso dos kits [as caixas didáticas] [exige] nas escolas. O cenário que tínhamos era o seguinte: peças antigas, como por exemplo, bonecas Karajá da década de [19]50 e 60, que, se quebrar, até mesmo dentro da RT [serão impossíveis de serem expostas ou substituídas, em função de não serem mais produzidas no mesmo tamanho daquela época], ou peças plumárias do mesmo período, que se deteriorariam por conta da manipulação intensa. Bom, mas ter bonecas Karajá dentro das caixas era importante tematicamente, e era fundamental ter peças plumárias – pelo menos desde o meu ponto de vista – para apresentar temas como, por exemplo, os adornos indígenas (Correspondência eletrônica entre pesquisadora e entrevistada, 15 de junho de 2014, grifos meus).
Julguei importante fazer uma breve incursão na história dessa coleção (CM)
para compreender a própria biografia desses objetos, de maneira geral; e específica,
quando falo no capítulo seguinte dos objetos da caixa Padrões de Beleza. Isso diz
respeito à situação em que se encontra o objeto, ao seu status, à maneira Kopytoff.
Para isso, pedi que Andréia me explicasse o começo dessa coleção, considerando
que esta era recente e dedicada ao setor recém-criado da Ação Educativa do MAE-
UFPR.
A coleção manipulável começou com a primeira das caixas criadas – Adornos, no ano de 2008, portanto, ainda na época do financiamento do programa Monumenta da Unesco. Acontece que este programa não previa em seus itens financiáveis a compra de peças (assim como não havia para a contratação de contadores de histórias para gravar os contos para criação do livro, mas isso é outra história!), então isso requereu uma justificativa ao programa. A primeira compra foi feita com mulheres artesãs Kayngang, numa banca que mantinham na Praça Osório. Mais tarde, outras peças foram se somando, com base nas novas temáticas de caixas (Correspondência eletrônica entre pesquisadora e entrevistada, 15 de junho de 2014).
82
As peças que compõem a coleção manipulável são selecionadas,
principalmente, pela condição de possuir resistência às manipulações frequentes, as
dimensões – para caber nas caixas em termos conceituais e físicos – e possuir
relação com os setores correlatos do Museu68.
A coleção manipulável, portanto, possui características que atravessam todo
o MAE-UFPR. Andréia diz:
[...] Aliás, este também é um detalhe da coleção manipulável que tem a ver com a transversalidade no setor de Ação Educativa: nossas peças se reportam a todas as áreas do museu: Arqueologia, Etnologia [Indígena], Cultura Popular e UNIDOV. Quanto à sua natureza em si, são basicamente peças oriundas de comunidades indígenas (compradas, de preferência diretamente com elas, quando não possível, compramos com a FUNAI
69 ou
outras lojas “especializadas”), ou peças ligadas à cultura popular. [...] Há também a confecção de réplicas, tanto para peças da arqueologia, quanto para peças indígenas não mais possíveis de virem a ser compradas, seja porque o grupo não faz mais, ou por outras razões. [...] Como começamos a fazer réplicas, a coleção tem também a versatilidade de “fazer caber na caixa” peças que antes não o poderiam, como no caso das grandes urnas tupi. [...] é basicamente isso: ter conexão com as áreas da arqueologia, etnologia ou cultura popular. Não necessariamente com o acervo do Museu (por exemplo: o Museu não tem peças africanas, nós temos! Elas foram compradas dentro do projeto Sankofa de contação de histórias e pretende-se, com elas, fazer uma caixa), mas com as temáticas que fazem sentido dentro do Museu (Correspondência eletrônica entre pesquisadora e entrevistada, 15 de junho de 2014, grifos meus).
O trecho supracitado apresenta os objetos enquanto mediadores. Não só
quando vão para uma caixa didática temática, mas a maneira de se olhar para essa
CM no Museu permite observar que o próprio fato dessas peças poderem circular e
serem experimentas afeta o modo do MAE-UFPR operar.
Tudo é colocado em circulação, mesmo que apenas alguns objetos o façam,
o que não é tocado é, no mínimo, (re)pensado, seja por não aparecer, seja por ser
replicado. Na continuação desse relato da Andréia, ela apresenta a quantidade de
elementos que podem ser discutidos a partir da mediação material dos objetos. O
limite é o acervo do Museu, o que não significa que este está fechado. Ao contrário,
são as discussões que surgem com o que se tem como material no Museu que faz
com que novas mediações demandem novas peças ou caixas. Ela continua sua fala:
68
Além dos três setores, Etnologia Indígena, Arqueologia e Artes Populares, devem estar de acordo com a Unidade de Documentação Visual (UNIDOV). 69
Fundação Nacional do Índio: órgão indigenista oficial do Brasil.
83
Por exemplo, vc pode se lembrar das discussões ávidas sobre as caixas gênero e tecnologia: é possível discutir tecnologia dentro do MAE, e é possível discutir gênero (e diversidade) dentro do MAE, mas tem de ser dentro do MAE! Não se pode querer fazer uma caixa com peças High-tech, mas se pode falar da tecnologia dentro da Arqueologia (no processo de confecção de armas e artefatos de pedra, por exemplo, ou na transformação do barro em cerâmica), da Etnologia (também na confecção de artefatos, armas e utensílios domésticos, em técnicas de manejo de plantas, e etc.), e da Cultura Popular (nas técnicas de moagem de grãos, nos sistemas agrícolas, na pesca e nos seus petrechos, na confecção de canoa) (Correspondência eletrônica entre pesquisadora e entrevistada, 15 de junho de 2014, grifos meus).
Interessante destacar a forma como Andréia coloca o conceito de tecnologia
como conhecimento desenvolvido nas produções humanas a partir de seus
contextos. Isso vai ao encontro da parte desta pesquisa na qual falo sobre o não
determinismo tecnológico, mas como desenvolvimento humano contextualizado.
Talvez isso seja mais claro no Museu justamente pelo testemunho que a cultura
material carrega em si. Testemunho esse que diz respeito também à própria
biografia da peça.
Fazer uma caixa é explorar as múltiplas possibilidades a partir de vários
grupos, e, no caso, não deixar os setores do Museu de lado, afinal, é a
apresentação dessas áreas a partir de uma caixa que permitirá pensar sobre elas e
sobre os Outros que ali não se encontram materializados. O que tem a ver, por
exemplo, diretamente com a caixa desta pesquisa, a Padrões de Beleza, pois, como
veremos adiante, embora já comentado, para se falar do Ocidente há uma boneca,
para se falar de beleza(s) indígena(s) há dez objetos. Claro que não se pode ignorar
o fato de que não havia peças no acervo de Cultura Popular, por exemplo, que
pudessem compor a caixa a partir do tema e objetivo escolhidos, mas, ao mesmo
tempo, a boneca Barbie aparece como uma contradição, pois, poderia haver mais
objetos que mediassem o mundo ocidental da beleza, réplicas ou miniaturas, mas,
aparentemente, isso não foi considerado um grande problema.
Por fim, a última contribuição valorosa que considero nessa fala da Andréia
está relacionada a isso, no trecho final ela explica que não é possível falar de temas
ou peças e ignorar o que há no acervo do Museu, que seria ignorar, por exemplo, o
mundo indígena (parte dele, claro) e aspectos da cultura popular brasileira
(elementos da). Ela conclui:
Do mesmo modo, não se pode pretender fazer uma caixa sobre gênero com discussões feministas ocidentais e peças da sociedade contemporânea, e
84
não olhar nem falar sobre o gênero nas sociedades ameríndias e entre populações tradicionais! Então o recorte é esse, tanto para as temáticas quanto para as peças (Correspondência eletrônica entre pesquisadora e entrevistada, 15 de junho de 2014, grifos meus).
Considero importante falar da coleção manipulável porque é uma coleção
criada para outros propósitos que estão, talvez, um pouco além de uma coleção
museológica, pois além do valor simbólico que cada objeto possui e o justifica estar
ali, essa coleção é dotada de valores como o sentido/significado,
mediação/circulação e educação.
Essa coleção permite que seja possível pensar sobre museus e a prática
educativa nesse espaço que conserva, pesquisa e divulga de outras formas que
podem estar além de uma visita guiada entre vitrines e objetos. Afora a coleção em
si, as caixas didáticas estão diretamente ligadas com o propósito educativo do
Museu.
A Andréia fala sobre a relação das caixas com a educação patrimonial, com o
intuito de transformar o que é investigado para uma leitura viável de acordo com o
público do Museu, e como forma de ilustrar as possibilidades de se ensinar no
espaço museológico:
[AV] Por que que você acha que a existência dessas caixas são importantes? E para a Ação Educativa do Museu? [ABP] Bom, eu acho que, antes de mais nada, é pra transformar assim, você tem um conteúdo de pesquisa, que é extremamente árido, extremamente formal, porque é feito, digamos... Na arqueologia: ele é feito uma escavação pra ser publicado na revista brasileira de arqueologia, que é considerada [?] pela sociedade brasileira de arqueologia e pra ser falada a nível de, de Universidade. Ela não é uma pesquisa feita pra... criança, por exemplo. E o público do museu é composto por criança, além disso, a gente tem que pensar muito assim, não só no Museu, como na vida prática. Existem pessoas que moram dentro de áreas de proteção ambiental, existem pessoas que convivem com sítios arqueológicos, que tem que... Às vezes tem sua vida alterada por isso, porque de repente descobre digamos, um Sambaqui em determinada chácara, a pessoas não pode mais plantar... ela vai ter toda sua vida influenciada por isso... [AV] U-hum (interjeição indicando concordância com a fala do entrevistado)
[ABP] E daí, como ela vai lidar com isso de uma forma que não seja pensar em dinamitar aquilo e tirar de uma vez “já que tá me incomodando”, né? [ABP] Então a ideia aí, já é trabalhar com a educação patrimonial: fazer com que as pessoas percebam que aquele passado, digamos, isso falando em termos de Arqueologia, aquele passado super remoto e arcaico, também faz parte da minha vida, mas não em um sentido compli, complexo e, e ruim, né? É... assim como a questão
85
da valorização da cultura indígena, pra não ser uma coisa super exotizada, super invisível, né? Porque o que a gente notava, a princípio, nas discussões com alunos e tal, é que pra eles o índio é aquele cara que não existe mais, ou que mora na Amazônia ou que... vem pra cá tirar nossas terras e esse tipo de situação, né?
Em museus e outros espaços há a prática da educação. O que caracteriza os
museus, nesse aspecto, também diz respeito às praticas de preservação. Pois, a
produção de conhecimento e a preservação estão interligadas, inclusive como forma
de sustentar a importância em se preservar.
Ao entender educação como “[...] reflexão constante, pensamento crítico,
criativo e ação transformadora do sujeito e do mundo [...]” (SANTOS, 2008, p. 2)
condicionada em um tempo sociocultural, a preservação vem ao encontro do que diz
respeito à compreensão, à memória e outros elementos relacionados a ela.
O discurso chamado de retórica da perda, por José Reginaldo S. Gonçalves
(2002), diz que o risco do fim da memória faz da educação um suporte ou forma de
resistência.
Além de preservar, os museus precisam justificar esse tipo de prática e, para
tal, divulgar o que se tem e mostrar o valor disso como argumento para continuar a
preservação. Essa é uma das formas pelas quais a educação se manifesta nesse
espaço informal, talvez enquanto auxiliadora no processo de manutenção da
memória, da preservação.
De acordo com Francisco Régis Lopes Ramos (2004), o museu pode ser um
espaço privilegiado para explorar as possibilidades dos objetos a partir dos estudos
da cultura material. Para ele, os objetos que estão em “estado de museu70” se
apresentam, nessa condição, enquanto objetos geradores, ou seja, dotados de
possibilidades educativas.
A ênfase dada aos objetos pelo autor é justificada ao considerar que esse
objeto (museológico) fala, ou melhor, desperta a possibilidade de diálogo(s) com o
visitante por trazer elementos constitutivos indiretos à sua materialidade aparente.
Isso é trazido por Ramos como objeto gerador. Esse é o argumento principal do
autor.
70
Objetos em “estado de museu” são os objetos que se encontram nos acervos museológicos, o que não significa por sua vez que sempre o foram, ao contrário, essa expressão indica o estágio em que está a biografia desses objetos.
86
O termo objeto gerador é cunhado por ele a partir das “palavras geradoras” de
Paulo Freire71, termo criado para trabalhar a alfabetização de adultos a partir da
escolha de palavras pertencentes ao mundo vivido desse tipo aprendiz, que não
escreve, mas vê o mundo, seus objetos e seus significados.
O significado dessas palavras seria, portanto, o início da compreensão da
forma como se escreve para que, a partir da leitura do mundo, palavras sejam lidas
(RAMOS, 2004, p. 31).
Essa concepção dos objetos como geradores vai ao encontro do
entendimento do autor acerca dos museus enquanto espaços comunicativos, uma
vez que seu caráter pedagógico estimula a transmissão e articulação de ideias.
Essas ideias são oriundas de uma interação entre o objeto exposto e as
perguntas que ele pode provocar a partir de sua leitura. O que é esse objeto? De
qual época? Ainda o utilizamos no presente? E assim por diante. Além disso, essa
consideração do objeto enquanto gerador alia-se à proposta do autor ao considerar
o espaço museológico como espaço educativo e de promoção de conhecimento
(RAMOS, 2004, p. 13); e a história (e também o ensino72 dela) não como um fato
dado, fechado e isolado em outro tempo, justamente o contrário: considera a história
como construção no e do cotidiano.
Portanto, ao considerar que os objetos são passíveis de possuir sua própria
biografia e que, enquanto se encontram em museus, poderão gerar inquietações e
interações, e ainda que no caso do MAE-UFPR exista uma coleção específica para
um processo tátil de interação, aliado às práticas educativas e de conhecimento,
este capítulo se encerra para que o capítulo seguinte aborde essas questões a partir
do contexto pesquisado: uma nova coleção de objetos que compõe um novo espaço
expositivo, dotado de tema e propostas para investigação a partir da materialidade
de suas peças com os textos que as acompanham.
Embora as caixas didáticas já tenham sido citadas ao longo do capítulo, é no
item a seguir que eu descrevo um pouco mais sobre elas, a partir das últimas
mudanças estruturais pelas quais o MAE-UFPR passou.
71
Paulo Freire (1921-1997), educador popular. 72
Ramos é professor de História na Universidade Federal do Ceará e diretor do Museu do Ceará, em Fortaleza.
87
3.2.3 A criação das caixas didáticas e o desenvolvimento da Ação Educativa do
MAE-UFPR dos anos 2000
Quando a sede do MAE fecha para restauro no início dos anos 2000 e a
Reserva Técnica é trazida para Curitiba, há uma preocupação com o público escolar
de Paranaguá, que fica, então, sem a possibilidade das visitas. Como uma forma de
manter a população envolvida com o Museu e também como forma de divulgar a
importância do patrimônio, criou-se um material a partir de um projeto desenvolvido
com o programa Monumenta73, que serviu como suporte para o Museu quando este
estava passando por fechamentos parciais para o restauro e que, logo em seguida,
é fechado durante um ano.
De acordo com a Andréia74, durante esse fechamento do Museu com o apoio
do programa Monumenta, algumas ações estavam previstas para esse período,
entre os anos de 2004-2009. Ela diz:
[ABP] [...] pra manter o interesse do público durante esse período em que o MAE tava fechado... é..., foram previstas uma série de ações: cursos, seminários, oficinas e dentre elas foi previsto a caixa didática, que seria pra exatamente, mais ou menos o mesmo projeto que funciona hoje (Entrevista realizada em 19/08/2013, grifos meus).
As caixas didáticas são conjuntos de objetos selecionados para circular fora
do Museu. Essas peças são realocadas para uma caixa de madeira, que é feita a
partir de gavetas do antigo mobiliário de acervo do próprio Museu quando a reserva
técnica estava em Paranaguá (PR). Essas gavetas retangulares adquiriam uma
tampa nova em acrílico colorido, e em seu entorno é customizada com um adesivo
com fotografias da sede do MAE-UFPR e algumas peças do acervo. A própria caixa
de madeira, que outrora era gaveta, mudou seu status: o que eram gavetas de parte
do mobiliário do MAE-UFPR são agora caixas didáticas, constituídas de objetos e
textos para circular fora do Museu.
73
O programa Monumenta é promovido pela Unesco junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e ao Ministério da Cultura, e tem como objetivo apoiar as obras de restauro relacionadas a cidades históricas ou patrimônios em si. Esse programa articula o financiamento a partir de parcerias pública e privada. 74
É importante citar a Andréia como uma pessoa central da Ação Educativa do MAE-UFPR. Ela foi a primeira bolsista a participar de um setor recém-criado, o qual atualmente coordena. Esse setor foi criado a partir do desdobramento do projeto Monumenta para o projeto permanente do Museu para a criação de mais caixas didáticas.
88
O tamanho dessa caixa é sempre o mesmo, conforme indicado na figura 10,
em centímetros.
Figura 10 – Medidas da caixa física Fonte: a autora (2014)
Cada face da caixa Padrões de Beleza é composta por um conjunto de
imagens de objetos pertencentes aos acervos dos setores de Arqueologia, Etnologia
Indígena e Cultura Popular, ou por detalhes da sede, em Paranaguá (PR). As figuras
11 a 14 ilustram as imagens da caixa adesivada nas quatro faces da caixa física.
Figura 11 – Face adesivada com detalhe do edifício- sede em Paranaguá (PR) Fonte: A autora (2014).
Altura: 24,5 cm
Comprimento: 27 cm
Largura: 47 cm
89
Figura 12 – Face adesivada com peças do acervo da Cultura Popular e Arqueologia Fonte: A autora (2014).
Figura 13 – Detalhe da face adesivada com imagem do pátio interno da sede Paranaguá (PR) Fonte: A autora (2014).
90
Figura 14 – Outro ângulo da imagem do pátio interno da sede e peças cerâmicas do acervo de Etnologia Indígena e Cultura Popular Fonte: A autora (2014).
Essas caixas de madeira podem ser transportadas com certa facilidade pelo
fato de não serem muito grandes ou pesadas, embora a estrutura da gaveta não
seja confortável para ser transportada por longos trajetos a pé, por exemplo.
A criação das caixas sempre considerou que seriam/são transportadas e
experimentadas em espaços fora do MAE-UFPR, geralmente em escolas. Além
desses textos, existe sempre uma apresentação que relaciona seus objetos e textos
ao tema de cada caixa75.
De acordo com a Andréia, elas são adesivadas porque elas se encontram
desgastadas, com riscos aparentes. Com isso, ilustrar com os adesivos permite
apresentar elementos do Museu a partir tanto da gaveta em si, que se transforma
em caixa de objetos, quanto do seu próprio acervo que nem sempre cabe na própria
caixa. Ela diz:
Além disso, nos adesivos foram colocados fotos do MAE de Paranaguá e das peças do Museu, o que seria uma outra forma de dar uma cara de “museu que caminha” para a escola, já que não podemos levar o prédio físico, ou algumas das peças que ali estão retratadas, que são grandes, ou não podem fazer parte da coleção manipulável. Mas agora que você me perguntou isso, e diante do fato de que sempre orçamos, licitamos, e nunca conseguimos adesivamos, você acaba de me dar uma ideia! [...] daí eu escolhi as peças, tirei fotos e montei a arte (Correspondência eletrônica entre pesquisadora e entrevistada, 22/05/2014).
Em relação à escolha das imagens e dos objetos fotografados que revestem
a caixa, a Andréia também é a responsável. Isso diz respeito a decisões tomadas
por ela antes da Ação Educativa ser criada, quando ela fazia as caixas durante o
Monumenta, mas também no que se refletiu pelo menos de início, como a
orientação que ela deu para as bolsistas Karlla e Laura, que se envolveram com a
criação da caixa Padrões de Beleza.
A descrição das caixas, apresentada pela Andréia, é a seguinte:
[ABP] As caixas didáticas em si são caixas que eram gavetas antigas do Museu e que seriam adaptadas, pra levar uma pequena parte do acervo pra escola, e, com texto de apoio, proposta de atividade e etc. Então integrava
75
Atualmente existem oito caixas didáticas na Sala Didático-Expositiva, em Curitiba, com temas diferentes.
91
esse programa Monumenta e a ideia era que funcionasse durante esse período, então durante 2008/2009. Mas aí deu tão certo, as caixas didáticas fizeram um enorme sucesso; já no ano de 2009 a gente foi selecionado pelo IPHAN [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional] pra concorrer nacionalmente do prêmio Rodrigo de Melo e Franco. [...] É e também,... Também ganhamos a premiação do prêmio Darcy Ribeiro, nesse mesmo ano, e daí decidiu-se que as caixas didáticas não iam se encerrar com o final do programa Monumenta (Entrevista realizada em 19/08/2013, grifos meus).
O que fora criado como proposta de curta duração adquire reconhecimento e
dá fôlego à continuidade de produção desse material. A proposta da Andréia,
responsável pelo desenvolvimento das caixas, era de que elas fossem emprestadas
por professores, para que as utilizassem de forma autônoma. Ela era, nesse início
de produção de caixas, a responsável desde a escolha das peças – junto aos
responsáveis pelos setores do Museu (Arqueologia, Etnologia Indígena e Cultura
Popular) – até os temas, textos e atividades propostas.
Em entrevista, ela apresenta a proposta:
[ABP] É... mas a ideia é assim, digamos... Se é uma ferramenta paradidática para auxiliar o professor a apresentar temas do currículo obrigatório, então é o professor que vai apresentar o tema do currículo obrigatório, não é necessariamente que seja preciso que vá uma equipe [há casos de professores que solicitaram os bolsistas do Museu para apresentar a caixa emprestada]; [...] Uma equipe “de fora” que vem apresentar, que vem fazer, é uma situação... Mas, de repente, o professor que tá lá, durante um ano [letivo] trabalhando com aqueles alunos, ele vai poder ter um outro tipo de relação [com os alunos], ele vai ter mais tempo, né, de desenvolver as caixas, porque assim, você já apresentou caixas também, né? [...] O professor, que vai ficar uma semana com essa caixa, que é o prazo que ele tem, ele vai poder apresentar o texto de apoio [contido em cada caixa], depois ele mostra as peças, depois ele propõe atividade então ele vai poder fazer toda, toda a circulação possível né? Do material e todo esse trabalho. E de repente até, desenvolver outras coisas a partir desse material, a gente às vezes tem bastante retorno de professores que fizeram outras propostas, né, e, a partir da caixa didática. Então, acho que, acaba sendo uma coisa mais enriquecedora [...] (Entrevista realizada em 19/08/2013, grifos meus).
É notável a liberdade que é sugerida a quem vai utilizar uma caixa didática.
O interessante é pensar que a forma de se colocar a caixa – suas peças, temas e
atividades – em circulação depende muito da forma e de quem é responsável por
isso, pois, no processo de interação com os objetos, os valores e significados podem
ser dirigidos para uma ou outra interpretação. O próprio material conduz suas
possibilidades interativas. O professor, por exemplo, é convidado pela caixa a
manipulá-la, interagindo com seu contexto.
92
A partir, então, dessa continuação da produção de caixas, novos temas são
criados, e essas caixas, além da possibilidade de empréstimo, também fazem parte
algumas vezes das atividades relacionadas às exposições: seja em Paranaguá76, na
sede do Museu, seja em Curitiba, na Sala Didático-Expositiva.
O começo da produção das caixas ocorre na Reserva Técnica em Curitiba,
quando o setor de Ação Educativa é recém-criado e composto por quatro bolsistas,
Amanda, Karlla, Laura e Isabela, coordenadas pela Andréia B. Prestes, quando são
confeccionadas as primeiras caixas didáticas temáticas depois da caixa Adornos,
que são as caixas Brinquedos e Padrões de Beleza.
A caixa Padrões de Beleza, objeto desta pesquisa, é apresentada no capítulo
seguinte, “A caixa didática Padrões de Beleza”, a partir das narrativas das pessoas
diretamente envolvidas em tal processo, que são as minhas interlocutoras, Andréia
B. Prestes [ABP], coordenadora da Ação Educativa do MAE-UFPR, Karlla De Paris
[KDP] e Laura S. Rotunno [LR], bolsistas na época da criação da caixa.
76
Em Paranaguá, litoral do estado, também existem caixas didáticas que foram criadas para trabalhar temas relacionados à região, como a “Caixa Pesca”.
93
4 A CAIXA DIDÁTICA PADRÕES DE BELEZA
[...] qualquer objeto deve ser tratado como fonte de reflexão [...] (RAMOS, 2004, p. 22).
Este capítulo apresenta o território pesquisado, a caixa Padrões de Beleza
em sua materialidade, a partir de seus objetos, textos e agentes envolvidos em sua
criação; e imaterialidade, ao considerar que a caixa está além de seu formato físico
por meio das possibilidades criadas pelas mediações entre objetos, propostas e uso.
É nesta parte da pesquisa que apresento as reflexões sobre meu objeto de
pesquisa, alguns trechos de narrativas das minhas interlocutoras e as discussões
teóricas sobre cultura material e mediações, principalmente; além da exibição do
inventário construído dos objetos da Caixa, para posterior análise.
Como o tema desta pesquisa é a trajetória dos objetos de uma coleção77 de
peças do acervo do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do
Paraná (MAE-UFPR), considero trajetória, como já citei antes, baseada na biografia
dos objetos, conceito utilizado a partir da perspectiva de Igor Kopytoff (2008). Para
esse autor, assim como as pessoas passam por mudanças em suas vidas, os
objetos também o fazem.
Tal afirmação ocorre uma vez que Kopytoff entende os objetos como
dotados de significados e valores passíveis de mudança(s), bem como a vida
humana. Por exemplo, um colar de pérolas que foi utilizado por uma figura política
que deixa de ser adorno corporal e é doado, adquirido, etc. por um museu, passa a
viver o status de objeto de museu: o colar já não é mais o adereço pessoal, ele se
torna acervo de museu que poderá servir, por exemplo, como representação de
adornos corporais de determinada cultura ou sociedade (ou classe, ou gênero, ou
época, etc.).
A caixa didática Padrões de Beleza é composta por objetos e textos que têm
o intuito de trabalhar a existência de padrões de beleza de forma crítica e
77
Conceito entendido aqui como um conjunto de objetos (materiais ou imateriais) passíveis de coerência e significado. Esses objetos podem ser reunidos, classificados, selecionados e conservados em um contexto seguro, seja público ou privado, e devem estar disponíveis para serem comunicados (expostos, como no caso de museus) a um público. Essa definição de coleção se encontra em Conceitos-chave de museologia (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013).
94
elucidativa. Na sua composição estão 11 objetos do acervo do MAE-UFPR, sendo a
maioria adornos corporais indígenas, e alguns artigos adquiridos especialmente para
compô-la. Os textos foram criados a partir do tema – padrões de beleza – e
apresentam reflexões e curiosidades, além de diferentes propostas de atividades e
do catálogo sobre cada objeto78.
4.1 A CONSTRUÇÃO DA CAIXA: A IDEIA, O OBJETIVO E OS OBJETOS
Figura 15 – Os objetos da caixa Padrões de Beleza reunidos Fonte: A autora (2014).
A “Caixa Beleza”, como geralmente é chamada a caixa Padrões de Beleza
pelas pessoas do Museu, foi criada a partir de um desdobramento de outra caixa
existente, a caixa Adornos. A Adornos foi uma das primeiras caixas criadas, com a
caixa Alimentos, e é uma caixa composta de adornos corporais indígenas
pertencentes ao acervo de Etnologia Indígena do MAE-UFPR.
78
Curiosamente, há um objeto que até então não foi incluído no catálogo, a boneca Barbie.
95
Atualmente, existem cerca de 12 caixas no Museu – Curitiba e Paranaguá –,
como a caixa Pesca, Brinquedos, Adornos, Paraná na Caixa, Caixa Música, entre
outras.
De acordo com a Andréia, a caixa Adornos e a Padrões de Beleza são
diferentes tanto nas peças quanto nos conteúdos, além do público: a caixa Beleza é
criada para o Ensino Médio, ao contrário de todas as caixas produzidas até então
pelo MAE-UFPR, que tinham o Ensino Fundamental como grupo de interesse.
Embora as duas caixas sejam semelhantes, se nos atentarmos aos tipos de
objetos – adornos indígenas em sua maioria – elas se diferenciam, à medida que os
outros elementos que compõem essas caixas se apresentam. Pois, a mediação
entre os objetos que estão na “caixa Beleza” ocorre a partir dos textos sobre beleza
e padrões, e ao público previsto: estudantes de Ensino Médio, pessoas entre 15 e
17 anos em sua maioria. Ao contrário da caixa Adornos, que, quando criada, estava
pautada em encontros com estudantes de Ensino Fundamental, entre 12 e 14 anos.
Embora a diferença de idade pareça pouca, a forma de lidar com os assuntos das
caixas – e os conteúdos escolares – se diferencia, mas depende também da forma
como se interage.
A Karlla de Paris nos diz que alguns detalhes relacionados a essa diferença
entre as caixas Adornos e Padrões de Beleza estão além dos objetos. Havia a
necessidade de criar outras caixas, e a presença de diversos tipos de adornos
indígenas no acervo disponíveis para o feitio de novas caixas culminou no início do
trabalho das bolsistas envolvidas na criação da caixa Padrões de Beleza. Além
disso, o fato de conhecerem pouco o acervo do MAE-UFPR não permitiu à época
uma exploração e busca de outras peças para a construção desta ou de uma caixa
com outro tema.
[AV] E por que não revisitar essa caixa Adornos, e utilizar essa mesma? Por que uma nova caixa? Qual é a diferença da caixa Adornos pra essa, Padrões de Beleza? [KDP] Primeiro, por que não revisitar, talvez remodelar e usar a mesma? [KDP] Pela necessidade de ter mais caixas. [KDP] Por essa demanda por criar caixas novas e criar algo do zero. [KDP] É... A ideia de usar os adornos indígenas... Primeiro, porque essa caixa de Padrões de Beleza, ela foi sim uma caixa muito teórica, muito... Oral eu diria, então a grande maioria das atividades são orais, não tem muita coisa pra fazer manualmente, e precisava ter peças do Museu, como toda caixa precisa ter peças do Museu. Aí quais peças poderiam ser levadas? Adornos indígenas. A gente não conseguiu, enfim, achar alguma outra coisa. A ideia não era só colocar adornos, era colocar várias outras, outras peças, mas a gente não conseguiu encontrar nada. Pelo menos não
96
naquele momento, logo que a gente tinha entrado [no MAE-UFPR como bolsistas, ela e Laura R.], enfim, a gente não conseguiu colocar nada que fosse da Cultura Popular ou da Arqueologia. Mas a ideia não era focar necessariamente só nos adornos. [KDP] Isso foi um... Uma espécie de, de sintoma que a gente teve, de não ter outras peças realmente pra colocar (Entrevista realizada em 15/05/2014, grifos meus).
A caixa Padrões de Beleza foi criada entre os anos de 2009 e 2010, quando
a Ação Educativa do MAE-UFPR era recém-criada.
Na época, havia quatro bolsistas e dois projetos de caixas didáticas: a caixa
Brinquedos, que foi executada por duas bolsistas, Amanda e Isabela, sob a
orientação da Andréia, com o intuito de apresentar brinquedos populares para
crianças do Ensino Fundamental das séries iniciais (entre 6 e 9 anos); e a caixa
Padrões de Beleza, que foi criada por outras duas bolsistas, a Karlla De Paris e a
Laura Rotunno, com a supervisão da Andréia, coordenadora desde sua criação79.
Sobre os objetivos da caixa Padrões de Beleza, as narrativas aparecem em
diversos momentos quando executei a entrevista coletiva com a Karlla e a Laura
junto com os objetos da caixa. Isso pode ser percebido nos seguintes turnos:
[KDP] Então acaba dependendo muito de quem apresenta e para quem é apresentada a caixa. Não dá pra negar que a gente acaba partindo do interesse dos alunos, muitas vezes. Então, a gente leva [a caixa], tem um objetivo, que é, tipo, sair de lá com eles parando pra pensar nessa ideia dos padrões de beleza, como é construído, como se desconstrói ou desses processos de padrões de beleza, enfim. Mas a gente acaba trabalhando muito com o interesse deles por cada uma dessas peças (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).
[LR] Como a gente não consegue prever como que vai ser a, né, o interesse deles, né, de que maneira vai se dar o interesse deles nas peças, pela caixa, então tem que ter esse... Não jogo de cintura, né, mas essa sacada assim de, de fazer a ponte pelo aquilo que eles se interessam, né? Porque já que o objetivo é fazer refletir, e mostrar um pouco, né de coisas que problematizam e eles não teriam acesso de outra forma, isso é independe do, né, da forma (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).
A história da caixa também aponta critérios:
[KDP] de como na nossa sociedade existe uma tendência de usar materiais reciclados pra fazer adornos e coisa e tal; traz também alguns outros ganchos, algumas outras temáticas que podem ser trabalhadas. A Beleza [a
79
Destaco aqui um detalhe que julguei importante, embora não irei discorrer sobre, que é o fato de serem bolsistas mulheres que desenvolvem uma caixa didática que possui o tema “padrões de beleza”; é fato que na época havia apenas bolsistas do gênero feminino por razões não investigadas nesta pesquisa, mas pode ser interessante investigar o fato de essas mulheres quererem apresentar tal tema.
97
caixa], o que, como ilustrar materialmente um padrão de beleza? Dificulta. Como ilustrar materialmente um padrão de beleza a partir de um museu de Arqueologia e Etnologia de uma Universidade? Dificulta ainda mais. [riso nervoso] Então a gente acabou indo atrás do acervo pra ver o que que, dentro do acervo que já estava ali proposto a gente conseguiria minimamente contextualizar dentro desse, desse universo dos padrões de beleza que a gente queria discutir e construir e descontruir, enfim, esse tipo de coisa [...] (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).
Sobre o objetivo da escolha de adornos indígenas de diferentes etnias:
[KDP] [...] a gente acabou mantendo mais a questão indígena mesmo. E talvez pela gente conseguir ali minimamente diferenciar uma etnia da outra e conseguir que o aluno entenda que aqui tem várias etnias e cada uma dessas etnias têm um padrão de beleza, pra gente já foi muito mais interessante do que talvez colocar várias peças de várias coisas que a gente não conseguisse daí colocar numa discussão mais adequada sobre o tema. Ia fugir demais, na minha opinião (Entrevista realizada em 06/08/2014).
Além desses momentos em que minhas interlocutoras expressam seus
objetivos sobre a caixa e seu tema a partir dos objetos, destaco mais dois aspectos:
a relação do objetivo da caixa com uma das atividades propostas e a relação das
fotografias com os textos de maneira geral.
[KDP] Então, se o professor quer, quer, discutir outras coisas que não sejam necessariamente a comparação ali entre padrão de beleza ocidental e indígena com as peças e como se contextualiza cada uma, você pode trabalhar mais a fundo essa questão... [...] o corpo, que é um, que entra no padrão de beleza, claro, e que a gente coloca no texto, mas não tem peça. A gente não coloca aqui ferramentas cirúrgicas indígenas, por exemplo, mas tem a sua... tem a sua função, que acho que é uma das coisas que surgiu desde o começo, né, o texto gerar um tipo de discussão, atividade gerar um tipo de discussão, as peças gerarem... pra gente abrir esse leque, porque, se todas as coisas gerassem a mesma discussão a gente não precisaria de tantas coisas (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).
Objetivo da caixa por meio da atividade com as fotografias:
[KDP] Mesmo dentro da sociedade ocidental. Daí, no [momento da atividade com as fotografias] você pergunta, por exemplo, pra criança, pra adolescente, enfim: “E você, se enquadra? Você acha que você se enquadra em algum padrão?” “Não, eu tenho o meu o próprio estilo. Eu tenho meu...” Então você também traz esse tipo de discussão pra essa pessoa começar a pensar tipo, poxa, não que seja uma coisa errada ou certa, não é nesse sentido, de tipo, “ai você faz parte de um padrão, você [é] errado” [...] (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).
98
E os resultados experimentados pelas criadoras quando trabalharam com a
atividade das fotografias, e o que elas queriam com isso, com a caixa de forma
geral:
[LR] Sim, eu acho até que [...] no começo da caixa, na idealização dela, tentar quebrar, né, ou fazer as pessoas pararem pra pensar: “pô!” Né? “Não vou olhar pro... Ai nossa, que horrível aquelas índias com o cabelo não sei o quê e nãnãnã” sabe? E se, essa coisa... Olhar, perceber que é diferente, mas sem essa coisa do, do... [KDP] Preconceito mesmo [LR] ... do preconceito, do julgamento, e de sempre inferiorizar aquilo, não só inferiorizar, mas hostilizar, né, aquilo que é diferente assim... [KDP] É... [LR] ... Eu acho que essa foi uma das coisas principais assim, né, desde o começo a gente pensou que essa caixa seria mais pro Ensino Médio, daí tem toda aquela questão, da adolescência, fazer ou não fazer parte do padrão é uma coisa crucial e que gera vários conflitos internos e externos, e sei lá, uma forma talvez, de trabalhar com essas questões de outra forma, assim, né? [AV] U-hum.. [KDP] E que de discussões que talvez não estejam na caixa, mas que possam ser geradas devido à realidade por um outro, de uma outra forma (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).
Em outro momento da entrevista, elas narram mais uma vez outros objetivos
e suas expectativas com a Padrões de Beleza:
[KDP] Literalmente. No sentido de você poder viajar pelo universo que você talvez não conheça tanto, voltar pro seu e viajar nele também, talvez chegar em cantinhos do seu universo que talvez você também não conhecia, e você começar a perceber e ver tudo isso com olhos diferentes, acho que a ideia principal é conseguir é fazer com que as pessoas que tenham contato, pessoas de forma muito geral: professores, estudantes, comunidade; que tenham contato com essa Caixa comecem a ter contato com todo o resto de uma forma diferente. Visualizar minimamente talvez de uma forma mais crítica ou não, mas conseguir ver as coisas de uma forma mais diferente depois... [LR] Sim [KDP] Não manter conceitos e preconceitos, pelo contrário, conseguir desmoronar preconceitos e criar conceitos novos do que acha belo ou não. Do que considera um padrão ou não. E conseguir tipo abordar o mundo, a sociedade que vive, e o que a pessoa faz no seu dia a dia, que se relacionam diretamente com isso. Começar a abrir essas percepções (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).
É importante, portanto, retomar a direção em busca da compreensão de
cada objeto que ali se encontra: em um contexto que promove um status específico
quando se coloca “padrões de beleza” como título, tema e proposta da caixa. Mais
adiante estarei atenta a cada objeto desta caixa (especificamente no item 3.3).
99
A Padrões de Beleza possui o intuito de desconstruir a ideia generalizada
sobre a existência de um único padrão de beleza a partir da exposição de objetos
indígenas (adornos corporais, principalmente) com os textos da caixa, explicitado
pelas possibilidades de mediação dos objetos e do tema. A dificuldade, de acordo
com uma das interlocutoras, a Karlla, estava em pensar sobre padrões de beleza a
partir de um universo de objetos indígenas pertencentes a distintos padrões. Ela diz:
[KDP] [...] A Beleza [a caixa], o quê, como ilustrar materialmente um padrão de beleza? Dificulta. Como ilustrar materialmente um padrão de beleza a partir de um museu de Arqueologia e Etnologia de uma Universidade? Dificulta ainda mais. [riso nervoso] Então a gente acabou indo atrás do acervo pra ver o quê que, dentro do acervo, que já estava ali proposto, a gente conseguiria minimamente contextualizar dentro desse, desse universo dos padrões de beleza que a gente queria discutir e construir e desconstruir, enfim, esse tipo de coisa [...] (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).
Há um objeto diferente dos adornos corporais indígenas que provoca pensar
que a caixa acaba mais por apresentar o padrão de beleza do que desconstruí-lo: o
único objeto que ilustra uma suposta padronização de beleza ocidental é a boneca
Barbie. Além dela, o conjunto de textos e atividades está diretamente relacionado à
beleza ocidental mais que aos padrões indígenas, o que manifesta, talvez, a tensão
desse processo biográfico (da caixa toda), que apresenta contradições e um suposto
desequilíbrio entre objetos materiais e textos sobre o que se quer apresentar acerca
de valores, representações e discursos que são agenciados sobre a diversidade
indígena brasileira80.
Isso pode gerar inquietação quando se pensa no título homônimo ao tema –
Padrões de Beleza – e se encontra textos relacionados majoritariamente ao padrão
ocidental. Talvez, essa seja a estratégia de trabalhar os textos como oposição dos
discursos quando a caixa é utilizada, mas, nesta pesquisa, não há como considerar
isso, e pode se tornar um ponto de tensão. E, se for, percebo certa fragilidade no
que diz respeito à proposta em apresentar outros padrões, ao o quê e ao como é
trabalhada a proposta, tendo esses textos como mediadores.
Os textos que compõem a caixa Padrões de Beleza falam sobre o que é a
beleza; os padrões de beleza ocidental ao longo dos séculos (uma espécie de linha
do tempo, embasada no livro História da beleza, de Umberto Eco); a relação entre
80
Para mais informações sobre as etnias indígenas do Brasil, consultar a página: <http://pib.socioambiental.org/pt>.
100
beleza feminina e mídia; a relação entre as bonecas da caixa (Karajá e Barbie), além
de três curiosidades relacionas ao ato de adornar o corpo81.
Além disso, há uma gama de objetos indígenas de etnias distintas,
causando, talvez, uma interpretação de que todas as etnias indígenas brasileiras
podem se misturar para falar de outro padrão. Uma vez que, nesse contexto –
material e mediador da caixa –, esses objetos estão unidos como “opositores” do
outro padrão, simbolizado por um único objeto, a boneca Barbie82.
Essa inquietação pode ser compreendida a partir da criação da própria
caixa, que, na época, como disse a Karlla [KDP], a ideia já pensada pela Andréia era
falar de padrões de beleza, e a proposta ficou parada até que as bolsistas começam
a trabalhar na Ação Educativa do MAE-UFPR.
[KDP] [...] uma ideia, que, segundo a Andréia, pelo o que eu me lembro, na época, ela comentou que já, eles já tinham tido essa ideia [do tema para a caixa padrões de beleza], a Andréia tinha tido essa ideia, de trabalhar com padrões e tudo mais, mas que não, enfim, não tinha essa concepção da caixa ainda. De como poderia acontecer e, enfim, que era uma ideia que tinha ficado estagnada; e Laura [Rotunno] e eu gostamos da ideia e partimos pra, pra trabalhar com essa caixa. Que teve a proposta já de início diferente por focar mais com o Ensino Médio, no trabalho com o Ensino Médio. É até então todas as caixas poderiam também ser trabalhadas no Ensino Médio, mas não tinha essa prioridade. Da mesma forma que a Padrões de Beleza não necessariamente é só para o Ensino Médio; pode ser trabalhada também com os mais jovens, com os adolescentes do Fundamental dois, por exemplo [anos finais do Ensino Fundamental], mas talvez não seja tanto, tanto o foco dela, pela linguagem, pela metodologia, pelas propostas de atividade – que são realmente voltadas para mais “pros” jovens dos 15 anos (de idade) adiante, enfim – que seria uma época em que essa ideia da cobrança do seu próprio padrão de beleza é muito forte. Então a gente começou a trabalhar com isso e tentando, claro, fazer esse “link” com o Museu, com os acervos ou de cultura popular ou de arqueologia ou de etnologia [indígena] (Entrevista realizada em 15/05/2014, grifos meus).
Mais adiante, Karlla afirma que o propósito de padrões de beleza não era
uma ideia prévia – contradiz-se –, mas havia o intuito de falar sobre beleza.
[AV] [Vo]cês já tinham, [vo]cês já tinham o tema na cabeça, de discutir... o objetivo já era de discutir padrões de beleza ou não? [KDP] É, porque quando a gente fez, acho que na primeira reunião com essa equipe de quatro meninas coordenadas pela Andreia, a Andreia colocou essa ideia, pelo que eu me lembro, na época ela falou que ela já
81
Proposta de atividade “Você sabia?”. O conteúdo textual da caixa Padrões de Beleza está no Anexo. 82
Informações sobre essa boneca podem ser acessadas em: <http://www.barbiemedia.com/>.
101
tinha pensado sobre fazer, mas que enfim, não tinha feito ainda, e que era uma possibilidade. [AV] U-hum [KDP] E a gente gostou dessa ideia, e hoje, se eu não me..., eu posso estar enganada, mas parece [que] a ideia não era necessariamente trabalhar padrões de beleza, mas era... trabalhar beleza de alguma forma. [AV] Tá... (afirmo que entendi para que ela continue suas recordações) [KDP] Enfim, aí essa ideia de trabalhar padrões de beleza, tentar desconstruir um pouco essa ideia de padrões de beleza, aí foi uma coisa nossa. [AV] U-hum [KDP] Minha e da Laura. [Rotunno] [AV] U-hum (Entrevista realizada em 15/05/2014, grifos meus).
Diante disso, a criação da caixa é percebida como um processo composto
por etapas – não necessariamente declaradas – nas quais as coisas se fazem e
refazem de acordo com o que há de possibilidades materiais e imateriais. A própria
questão da presença dos objetos serem principalmente83 do acervo da Etnologia
Indígena do Museu ilustra essa questão do processo.
4.2 A BIOGRAFIA DOS OBJETOS DA CAIXA DIDÁTICA PADRÕES DE BELEZA
Ao me deparar com a necessidade de rever cada objeto que compõe a caixa
Padrões de Beleza, considerei principalmente o status que essas peças passam a
ter nesse momento de caixa e a partir também da sua relação com os textos e o
tema da caixa em si.
Isso é tão relevante quanto à origem (de onde veio antes de ser peça do
acervo) ou história da peça incluída nessa caixa. É o tema da caixa que colabora
para a criação do novo significado que a peça adquire a partir do momento em que
ocupa seu novo status junto a outro elemento: os textos.
De acordo com a fala da Andréia [ABP], é por intermédio da
exposição/contato com o objeto que este promove mediações. Ela diz:
[ABP] [...] Aí foi quando a gente definiu que dez, no máximo quinze peças, porque se não, não dá tempo de trabalhar. E trabalhar de uma forma mais... [ela fica em silêncio por um instante pra achar uma palavra e segue] detalhada, conversar, discutir... porque às vezes, numa peça gera uma série de questões (Entrevista realizada em 19/08/2013, grifos meus).
83
Com exceção das bonecas Karajá e Barbie, que foram adquiridas depois exclusivamente para a coleção manipulável.
102
É importante ressaltar que os objetos da caixa Padrões de Beleza estão
sempre unidos pelo tema (e com os textos). Isso traz uma percepção de que,
embora os objetos falem por si, é o seu novo espaço que aponta para novas
possibilidades de “conversa” com esses objetos, pois o contexto de produção
dessas peças já não é ou está diretamente declarado. O que importa, nesse
momento, é a discussão desses objetos a partir de um tema, homônimo ao nome da
caixa: Padrões de Beleza.
Além do tema e dos textos que amparam essa nova situação dos objetos, a
relação entre todos é condição para que a mediação dos objetos seja eficaz (ou
não).
De acordo com Andréia, a mediação está relacionada também à biografia
desses objetos a partir de outro elemento textual da caixa: o catálogo. Ela diz:
[ABP] [...] Mas existe essa coisa de tentar que as peças conversem com o texto até porque, pra você não ter que fazer uma nova, um novo texto gigantesco com catálogo, porque também, as peças tem um catálogo, né, todas elas. Além do texto de apoio, além da proposta de atividade, as peças tem o, o, as caixas tem o catálogo e que, [é] [a]onde vai se falar um pouquinho mais sobre cada uma dessas peças: origem, nome, do que que é feito, né?, fabricaç-alguns detalhes sobre fabricação e às vezes algum detalhe sobre a, a peça em si (Entrevista realizada em 19/08/2013, grifos meus).
Essa relação do objeto com as informações é, talvez, de grande importância
para se falar de um tema tão amplo como beleza e padrões. Isso permite
compreender sobre as condições necessárias para que um objeto medeie uma
reflexão ou discussão sobre temas abrangentes.
Que condições são essas? Ora, arrisco a dizer que conhecer a biografia de
um objeto é fundamental, por outro lado, perceber seu status, como no caso das
peças da caixa em análise, já permite compreender a relação entre os objetos e as
pessoas, pois o que se sabe sobre a peça diz respeito ao que esta peça, nesse
momento, tem a “dizer”.
Em um determinado momento, Andréia exemplifica as “n” possibilidades que
uma única peça pode provocar a partir de sua materialidade unida à sua biografia.
O Uluri, cinto que marca o período fértil da mulher, utilizado pelas meninas da região
do Alto Xingu (MT), permite falar sobre valores, símbolos e rituais, entre outros. A
forma como se apresenta um objeto é o que permite que este se coloque no diálogo.
Andréia diz:
103
[ABP] [...] Uma coisa é você mostrar, digamos. Daquele que tá na caixa beleza: “esse aqui é o Uluri... que é o cinto das mulheres xinguanas, ponto”. [Ela faz essa fala como se estivesse apresentando os objetos da caixa beleza, ao falar sobre a necessidade de ser ter tempo para falar, discutir sobre as peças] Ele não é só o cinto das mulheres xinguanas. Ele é um cinto que marca o período fértil da mulher, ele marca a feminili., a própria feminilidade dessa mulher [xinguana] ... que ela vai usar desde a menarca, né? Desde a primeira menstruação até a, a menopausa, quando ela deixa de ser fértil então aquilo lá faz parte praticamente do corpo da mulher, que quando ela não tá com aquilo, ela se sente nua. É, existe toda a questão de que é, a mulher que usa aquilo lá, se um homem, por exemplo, estuprá-la, todo o, a, a ira de todo o mundo espiritual vai cair sobre esse homem, ele é maldito. Então, quer dizer, não é só “um cinto da mulher xinguana, ponto”, ele é um monte de coisa. E, não sei se você sabe, mas teve algumas visitas que as alunas perguntavam sobre ele, assim, que ele gera alguma, né, gera perguntas. Então tem que ter tempo pra falar sobre isso, tem que ter tempo pra responder sobre as outras dúvidas, outras questões que vão surgindo. Tem várias de-dessas peças que geram conversas, longas, esse uluri gera conversa sobre como é casament- como é o casamento dos índios, é ... gera uma série de questões que não dá pra você responder depressa [...] (Entrevista realizada em 19/08/2013, grifos meus).
A fala de Andréia ilustra o poder que os objetos podem ter quando aliados
seus significados ao seu potencial de mediação. Mais uma vez, reforço que, nesse
caso, dessas peças em uma caixa unidas por um tema, a materialidade como
mediação depende constantemente dos discursos (textos e apresentação oral da
caixa) com a construção dos novos significados para esses objetos enquanto
mediadores de valores relacionados aos padrões de beleza.
4.2.1 A caixa Beleza: coleção da coleção e seus usos
Os 11 objetos que compõem essa caixa são apresentados a seguir como
objetos inventariados. O inventário das peças é elaborado a partir de alguns dados
que considero relevantes para conhecimento da peça. As informações contidas
nesse inventário são compostas pelos dados que compõem o catálogo da Padrões
de Beleza, de observações no campo e das narrativas das interlocutoras envolvidas
na criação dessa caixa didática. Estão apresentados aqui em ordem alfabética.
Antes de apresentar os objetos em si, descrevo os elementos apresentados
pelas narrativas para compreender a trajetória dos objetos e as motivações ou
justificativas relacionadas às escolhas dos objetos que compõem a caixa Padrões de
Beleza.
Ao observar a elaboração dessa caixa didática como um processo, as
narrativas apresentadas sobre os objetos da caixa na entrevista coletiva foram
104
relevantes para que eu pudesse melhor mapear os elementos dessa construção. Ali
percebo alguns elementos-chave, que eu chamo de categoria, como fundamentais
para reconstrução da caixa a partir do que a sua história nos conta, por meio das
interpretações das próprias pessoas envolvidas nesse enredo.
Entendo que a história da caixa está relacionada à sua composição, a partir
dos objetivos escolhidos para ela mediar, bem como seus próprios objetos. O critério
para a escolha dos objetos, portanto, se relaciona diretamente com a caixa (e a
história da). Isso é o que vai compor a primeira categoria de análise que indico com
o nome A – História e escolhas, a qual diz respeito aos dados encontrados a partir
da entrevista coletiva junto com os objetos, no momento em que aparecem
elementos relacionados ao processo de feitio da caixa, ao status do objeto
(identificação e características que o justificam na coleção Padrões de Beleza) e às
escolhas ou critérios para os objetos que a compõem. Sobre os critérios de escolha,
indico os trechos das narrativas que falam sobre tal. São eles:
Relacionado ao transporte da caixa, a facilidade para carregar:
[KDP] Exato. E, além disso, peças que fossem fáceis de, de carregar na caixa, que não fossem tão pesadas, ou algo assim. Um exemplo seria não conseguir levar uma boneca Karajá enorme, inclusive nessa, nessa... configuração atual da Caixa Beleza, ela possui duas bonecas Karajá pequenas, cerca de uns dez centímetros... (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).
Essa questão do transporte se relaciona também com o tamanho do objeto e
com o tamanho da caixa, ao reconhecer o espaço e o acondicionamento adequado:
[KDP] Porque como toda a caixa é forrada com esse material também, ela já diminui um pouco, [seu espaço interno para armazenar as peças] entre aquela caixa e a caixa de acondicionar o boneco Karajá e a caixa da atividade, da atividade Personalidades na Caixa, [que é a atividade com as fotos dos famosos] ocupava metade de tudo. [AV] U-hum. [KDP] Então, o tamanho daí acabou virando um critério pra gente... É, por isso que a grande maioria das peças são até pequenas, são fáceis de colocar num saquinho, é, enrolado num papel, num papel manteiga isso? Papel seda [...] (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).
A seleção de peças pequenas, menos frágeis para facilitar a segurança,
aparece de forma conclusiva em um trecho a seguir, a partir da experiência anterior
com a caixa didática Adornos:
105
[LR] teve também o pente, né? Que antes era um, era um dos objetos e, eu acho que ele foi retirado justamente porque era um objeto que podia, sei lá, alguma, algum aluno podia se machucar, ele podia ser testado [o pente] e era aquela coisa, né, que, uma peça muito antiga, a gente não sabe exatamente que bactérias têm, na peça, alguém podia, né, sei lá, se machucar e daí... No começo ele tava na caixa e daí eu não sei se, agora eu não lembro se teve algum episódio marcante que ele foi tirado ou foi... [KDP] Eu acho que não, eu acho que a Andréia trouxe pra gente essa experiência por causa da caixa Adornos, porque tem um pente lá até hoje, e ela sempre comenta que toda vez que vai entregar o pente na mão de alguém tem que falar... Eu acho que a gente quis colocar mas, não colocou justamente pra não ter que dar esse mesmo... alarde, o tempo todo: “Não é um pente para pentear os cabelos, não coloque na cabeça...”. [risos coletivos da forma lenta como a Karlla fala sobre o alarde e prossegue] “... há bactérias pré-históricas aqui.” [risos] Tem frase clássica de toda explicação com o pente. Então acho que, foi isso também, segurança, né... [AV] A-ham, é um critério também... [KDP] É, é um critério também de como não, não, segurança no sentido de não quebrar as peças, né, que não vão ser, que não vão acabar se despedaçando na mão do aluno ou algo assim, e que também não vão machucar a criança, né? Ou o adolescente que tá mexendo com isso. Já um trabalho muitas vezes não permitir que eles coloquem essa pulseira trançada de palha que você está segurando, porque ela também tem umas palhas... (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).
Aquilo que é raro e não entra na caixa se torna outro critério:
[KDP] [que foi] um outro acervo que a gente visitou muito, tinha ali, bem pouca coisa de, com relação a padrão de beleza mesmo; eu lembro de uma peça só que eu queria que tivesse entrado mas que não pôde devido à sua raridade, que era um anel feito de chifre de gado que representa um gado, que representa uma cabecinha de gado, de boi, de touro, não sei (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).
As peças produzem uma narrativa para efetuar a mediação do tema, afinal,
elas estão compondo uma nova coleção:
[KDP] Só aconteceu e a gente se ligou depois, que é muito mais provável... Mas colocar algumas pontes entre as peças mesmo. Isso é importante na hora de fazer a apresentação da caixa, né? [LR] Sim. [KDP] É legal que as peças tenham algum, alguma sequência razoavelmente lógica pra ficar mais fácil de explicar ali. [AV] É, elas estão no mesmo espaço, né? [KDP] U-hum, exato. E pra, mas assim, tipo, pra você não tirar aleatoriamente uma peça da caixa. [AV] Ah tá. [KDP] Como se fosse uma cartola mágica e explicar... [...] (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).
106
Ao reconhecer que a maioria das peças são adornos, podemos pensar que
essa característica pode ter se tornado critério para mediar elementos “extra
materiais” dessas peças em discussões sobre padrões de beleza, pela sua
materialidade e pela sua biografia:
[AV] E é, pelo que eu percebi essas peças – e vocês já falaram também – que a primeira razão, a primeira não, né, mas, entre outras razões, o fato de serem adornos. Né... [KDP] Sim [AV] Embora exista uma outra caixa que se chame Adornos e fale de adornos em si. Adornos indígenas. E essa, fala de padrões... [KDP] Sim [AV] Então vocês partiram dos adornos para falar um pouco de padrão de beleza, ou, de padrões de beleza...? [KDP] Sim. Sem dúvida. É... a caixa Adornos ela é anterior à essa. Ela traz a discussão dos adornos em si, eu acho que ela consegue adentrar um pouco mais no mundo, no contexto de cada uma daquelas peças, consegue sim apresentar, ela é uma caixa mais focada talvez nas peças e essa [a caixa Padrões de Beleza] talvez seja mais focada na discussão que as peças possam gerar. [AV] U-hum. [KDP] São ali uma mais, um pouco mais voltada a si [aos objetos materiais] e a outra voltada ao que não está aqui, né, que está na discussão proposta. Da mesma forma que a caixa Adornos também traz outro tipo de discussão, no fim do texto, por exemplo, traz uma questão de reciclagem, [AV] U-hum [KDP] de como na nossa sociedade existe uma tendência de usar materiais reciclados pra fazer adornos e coisa e tal; traz também alguns outros ganchos, algumas outras temáticas que podem ser trabalhadas. [...] (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).
Construção e desconstrução de padrões de beleza:
[KDP] [...] Mesmo... A gente pode perceber essas diferenças quando a gente ia trabalhar [apresentar a caixa], as várias turmas com as quais eu trabalhei, algumas se interessavam pelo contexto da peça, tipo “Ah, mas quando eles usam? Como eles usam?” E daí eu acabo partindo dessas perguntas pra explicar a caixa. Outros [tipos de turma] caem nas, naquela clássica “ai que estranho, ai eu jamais usaria...” Aí você já constrói o discurso de apresentação de outra forma, é outro viés. [...]. Então acaba dependendo muito de quem apresenta e para quem é apresentada a caixa. Não dá pra negar que a gente acaba partindo do interesse dos alunos, muitas vezes. Então, a gente leva [a caixa], tem um objetivo, que é, tipo, sair de lá com eles parando pra pensar nessa ideia dos padrões de beleza, como é construído, como se desconstrói ou desses processos de padrões de beleza, enfim. Mas a gente acaba trabalhando muito com o interesse deles por cada uma dessas peças (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).
Em outro momento, é dito sobre o que se quer com a caixa:
107
[LR] Como a gente não consegue prever como que vai ser a, né, o interesse deles, né, de que maneira vai se dar o interesse deles nas peças, pela caixa, então tem que ter esse... não jogo de cintura, né, mas essa sacada assim de, de fazer a ponte pelo aquilo que eles se interessam, né? Porque já que o objetivo é fazer refletir, e mostrar um pouco, né de coisas que problematizam e eles não teriam acesso de outra forma, isso é independe do, né, da forma. [KDP] Sim [LR] Apesar, né, de ter toda essa... essa ideia de quando a gente fez a caixa e até as outras de achar que vai ser de uma forma, mas chega na hora é outra, mas acho que isso é a coisa mais comum, em sala de aula. Então... (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).
A relação entre o objetivo da caixa e sua história está clara nas falas:
[KDP] [foi] um processo em que dava pra ser trabalhado mais adequadamente e que a gente conseguiu trabalhar de uma forma muito feliz, na minha opinião, tanto essa questão cultural – cultural indígena, né? – quanto a questão de padrões de beleza – construções e desconstruções –, talvez... (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).
A atividade das fotografias também tem seu uso e forma variáveis, de acordo
com quem medeia o assunto padrões de beleza:
[KDP] E que também, o, pra ir além, nesse sentido, fosse, além dos alunos pararem pra pensar que eles estão inseridos num padrão ou, enfim, numa sociedade que possui múltiplos padrões. E como esses múltiplos padrões se constroem e como eles supostamente desconstruiriam o que eles pensam sobre isso, também seria questão de você olhar pra algo que fosse diferente do que você acredita ser um padrão de beleza aceitável ou bonito ou coisa, assim, porque tem o padrão que você escolhe, o padrão que você acha “ai, aceitável”, o que você acha “nossa, mega bonito” e o que você acha... aí vai pra outra parte... [AV] U-hum. [KDP] ... que é o que você acha feio, que você acha estanho, e aí você parar de só olhar e falar: “ui, é feio”. Mas é você começar a levar pra eles... [LR] U-hum [KDP] ... aquela introdução de como talvez olhar pra aquilo com outros olhos, com um olhar crítico, no sentido de ver aquela construção também, como possivelmente ela teria se dado, parar de virar só a questão do estranhamento, um exemplo é tipo, sei lá, roqueiro, claro, aquela máxima, aquela clássica, do roqueiro que fala que todo pagodeiro é feio. E o pagodeiro que vai achar todo roqueiro feio, cabeludo, feio (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).
Quando a entrevista se encaminha para o fim, entre os últimos turnos das
falas, elas manifestam uma mistura de expectativas e objetivos que atribuíram à
caixa. Elas concluem:
[KDP] Acho que causa boas viagens essa caixa. [LR] É. [risos]
108
[KDP] Literalmente. No sentido de você poder viajar pelo universo que você talvez não conheça tanto, voltar pro seu e viajar nele também, talvez chegar em cantinhos do seu universo que talvez você também não conhecia, e você começar a perceber e ver tudo isso com olhos diferentes, acho que a ideia principal é conseguir é fazer com que as pessoas que tenham contato, pessoas de forma muito geral: professores, estudantes, comunidade; que tenham contato com essa caixa comecem a ter contato com todo o resto de uma forma diferente. Visualizar minimamente talvez de uma forma mais crítica ou não, mas conseguir ver as coisas de uma forma mais diferente depois... [LR] Sim [KDP] Não manter é conceitos e preconceitos, pelo contrário, conseguir desmoronar preconceitos e criar conceitos novos do que acha belo ou não. Do que considera um padrão ou não. E conseguir tipo abordar o mundo, a sociedade que vive, e o que a pessoa faz no seu dia a dia, que se relacionam diretamente com isso. Começar a abrir essas percepções (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).
A outra categoria de análise, B – Uso e reflexões, foi contemplada nas falas
anteriores e contribui para analisar os objetos da caixa a partir da proposta destes
enquanto mediadores. O uso está diretamente relacionado a isso quando se
encontra com as reflexões manifestadas. Cabe lembrar mais uma vez que o status
das peças é algo que atravessa ambas as categorias definidas nesta pesquisa para
interpretar suas trajetórias.
A forma de usar se encontra com um elemento importante, a educação, algo
relevante no que diz respeito às produções da Ação Educativa do Museu:
[LR] Acho que, não sei, fiquei pensando agora, se... talvez, desde o começo, assim, a gente tivesse um professor de Ensino Médio, né, que tivesse essa vivência né, de sala de aula, orientando e ajudando seria... sei lá...bem diferente... [KDP] É que... eu considero, hoje, é que o projeto da, específico das caixas didáticas do MAE-UFPR, eu não diria que ele está grande demais para a Ação Educativa, mas eu diria que ele já proporciona algumas umas parcerias, não pra trabalhos específicos, mas pro projeto como um todo. Talvez com alguns grupos do, de Pibid
84, né, de iniciação à docência, com
iniciação à pesquisa também, são Pibic85
ali, iniciação científica, alguma coisa assim, porque de algumas matérias, assim... A gente já fez aquela vez uma parceria com o Pet
86 e com o Pibid de [graduação da UFPR em
Ciências] Sociais que funcionou absurdamente bem [foi em 2011], a gente tentou retomar essa parceria depois, também, envolvendo o pessoal da História [da graduação na UFPR], não foi muito além, devido à falta de tempo, muita burocracia na época, mas que também funcionou. Pelo menos, no pouco de contato que a gente teve... Talvez hoje isso seja mais interessante, de ter, por exemplo, se fosse colocar junto com o Pibid, é, o
84
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência. Para informações, acesse: <http://www.capes.gov.br/educacao-basica/capespibid>. 85
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica. Para informações, acesse: <http://www.cnpq.br/web/guest/pibic>. 86
Programa de Educação Tutorial. Para informações, acesse: <http://sigpet.mec.gov.br/>.
109
Pibid é um projeto que eles tem um acompanhamento em uma escola, então eles tão inseridos naquele mundo da, da escola, com o professor monitorando, tutoreando, ajudando, coordenando, enfim a atividade. Talvez isso falte pro projeto das caixas didáticas do Museu hoje (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).
Discorrendo um pouco mais sobre a forma de usar, é importante analisar
que a caixa em si – sozinha – não interage, não possui material (texto ou objeto)
para trabalhar com a questão da diferenciação de contextos das peças (das suas
biografias anteriores ao momento caixa), a não ser que haja um bolsista capacitado
para isso. Ou melhor, as possibilidades de uso dependem diretamente de quem a
utiliza, com o seu repertório sobre o tema. Não há nos textos o que há na fala de
quem interage com a caixa. As responsáveis pela construção apresentam-na de um
jeito muito específico por serem as próprias criadoras-autoras do objeto caixa.
Os trechos que destaco são:
[KDP] [...] Mas de inserção do objeto no seu contexto. Daí não mais trabalhar: “o nosso [adorno auricular no caso] a gente usa pra uma coisa e eles usam pra outra” como se fosse uma relação de estranhamento, de colocar no sentido de, do estranho, né, do peculiar... Daí, já não, é inserir cada peça no seu contexto, acho que essa é uma parte realmente muito importante pra trabalhar com essa caixa; é inserir cada uma das peças no seu contexto. Se não fica realmente muito complicado de trabalhar e você cai no mundo do estranho, do místico, do... enfim, como vários outros trabalhos com etnias indígenas, com grupos indígenas precisam... (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).
É dada a necessidade de uma relação entre o intuito de quem está usando
(emprestando a caixa) com um conteúdo, para que a caixa didática seja uma
atividade que não cause estranhamento; além disso, que ela seja mediadora de
temas relacionados ao que a caixa propõe desde o início. Tal fato pretende pensar
sobre a eficácia da caixa enquanto um objeto gerador (RAMOS, 2004).
[AV] É isso [uma crítica hipotética mencionada por KDP sobre pegar a caixa emprestada e não relacionar com o que se está trabalhando em sala de aula] dá a impressão de que a caixa sozinha não dá conta... Do que ela se propõe. [LR] Eu acho que não dá. [KDP] Eu acho que daria, não dá conta como um todo, pode começar, pode começar uma discussão, [AV] A-ham [KDP] Começar um diálogo. Se se fechar na caixa pela caixa, você anda muito pouco com ela. Tem muito texto, tem muita atividade, tem muita coisa que vai gerar um pouco de conflito ali, do estudante consigo mesmo ou, um [conflito], de discussão em sala de aula. Mas não vai surtir todo o efeito que a gente tinha pensado a princípio. Isso, sem dúvida. Ela [sozinha] vai um
110
pouquinho, assim. De zero a dez, a caixa sozinha chega a dois, no máximo, eu acho. Aí, com uma conversa, um material prévio e uma conversa breve ali chega a uns sete, e se pudesse ter um trabalho continuado chega a dez, tranquilamente. Então, realmente é um processo, a caixa, na minha opinião, é um processo muito aberto. Então, pra gente chegar num objetivo final mais fechado, teria que ter um acompanhamento maior, uma, não só da gente com a sala de aula ou com o professor, mas mesmo, o professor poder trabalhar aquilo de uma forma mais continuada. Que daí, também possa extrapolar a caixa, já que supostamente com a caixa ele fique uma semana [período padrão de empréstimo das caixas], mas se é um tema que ele realmente quer trabalhar ele pode trabalhar daí temas transversais a isso, durante mais tempo. Aí sim, ele pode trabalhar a partir de gênero, trabalhar padrões de beleza como um tema transversal; juventude e padrões de beleza, é, mídia e padrões de beleza, que são coisas que a gente toca muito levemente, como eu já havia comentado com você, gênero a gente acaba nem tocando, por ser uma outra discussão... Então, acho que a caixa por si só, realmente é pe-quena. Bem como o tamanho físico dela, ela também é pequena nesse sentido. De ela, ela coloca a discussão, mas ela é só a semente mesmo. [LR] É, eu acho que, que, na verdade, é bem isso, quando a gente pensou nela, a gente pensou que talvez ela fosse gerar uma discussão e, encerrar, né, eu não sei, acho que a gente viajou bastante [viajou como excesso de expectativa] [risos de ambas] Mas, eu, ai na minha cabeça, ingenuidade, assim, na verdade, né? [KDP] Sim... (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).
Com a caixa finalizada e passado o tempo, minhas interlocutoras percebem
a qualidade do trabalho em promover uma quantidade de possibilidades para se
trabalhar com tais objetos.
[LR] Na prática, a gente vê que... não é isso, ela pode ser isso: a semente de uma discussão, mas assim, uma coisa que... Ela, ela abre espaço para muita coisa ser trabalhada... (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).
E sobre o uso da caixa de acordo com a possibilidade/contexto de quem a
usa:
[AV] Ela tem múltiplas formas de se trabalhar, né? Porque, com a presença dos bolsistas [para apresentar a caixa] é uma; com só os objetos; como vocês falaram é outra; só os textos; os textos com os objetos ou, os objetos primeiro e depois os textos, as atividades... [KDP] Exatamente. E até porque surgem... é... demandas, durante o trabalho, tipo, o que parecia só ali, tipo, ai uma visita ao museu ao contrário, né? O Museu vai nos visitar acaba virando uma relação que a turma cria com aquele tema entre si também, porque se deu certo o trabalho, provavelmente eles começam a conversar entre eles mesmos sobre isso, talvez no intervalo, tipo: “ai, nossa como que você acha a Marilyn Monroe [que tem uma imagem na atividade] bonita? Ai, ela velha, ela é não sei o quê” e essas conversas que eles têm entre eles depois é o que, era um dos objetivos pelo menos que eu sempre quis ter com a caixa, era gerar essa discussão pra além do mediado – ou pela gente ou pelo professor. [LR] Sim! (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).
111
Além disso, se permitem a autocrítica a partir desse distanciamento do
tempo, talvez, ao falarem de possibilidades que o Museu poderia viabilizar.
[KDP] [...] Uma coisa que talvez pudesse ajudar, com relação ao trabalho das caixas didáticas em geral, seria como teve o guia... Guia ilustrado do Museu [do MAE-UFPR] ou guia alguma coisa do Museu, não lembro o nome; que fala de todas as áreas do Museu [os setores do MAE-UFPR], das várias atividades do Museu, se talvez tivesse um guia das caixas didáticas do Museu. [AV] U-hum [KDP] Ali dentro [do guia], umas linhas gerais que a gente segue em todas as caixas, alguma breve explicação talvez de algumas das etnias que a gente trabalha mais comumente... Que é a Karajá, Kaingang, Kayapó... São algumas que a gente tem, não sei se por ter mais peças no acervo, não sei se, pelas peças serem em madeira, palha e algodão que são mais manipuláveis, mais facilmente manipuláveis, ou algo assim, mas são etnias mais recorrentes ali, no trabalho [maior presença de peças dessas etnias na/para a coleção manipulável]. Ou, de todas que aparecem, enfim, alguma coisa assim. Pra que possa dar esse contexto, e que pudesse ser um livro meio que pra todas as caixas, já que as caixas não são tão, de contextos tão diferentes assim entre si. Uma vez que a gente tenta abordar nas caixas alguma ou várias áreas temáticas do Museu. Talvez, facilitasse o trabalho. Um livro que fosse junto, você lesse e “ah, tá, beleza: a partir disso, eu vou trabalhar isso”, pra não fugir tanto; a partir desses eixos temáticos posso trabalhar essa caixa. Não sei... (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).
4.2.2 Inventário descritivo e ilustrado
O objetivo de se fazer um inventário consiste em identificar as peças
escolhidas e justificadas na formação da coleção da caixa Padrões de Beleza a
partir de sua origem no acervo do MAE-UFPR.
O inventário é composto pela identificação visual de cada objeto (imagem) e
dados oriundos do catálogo contido na caixa. Além disso, incluo a informação sobre
as dimensões do objeto com o intuito de colaborar para a visualização da
materialidade que cada peça possui. Em forma de ficha, apresento os objetos a
seguir.
112
Código da peça no MAE-UFPR IV 1656
Nome da peça de acordo com o catálogo da caixa Padrões de
Beleza Adorno auricular Kanela
Identificação étnica e territorial Kraô-kanela (TO)
Descrição da peça Adorno de uso masculino
Composição material da peça Madeira – galho de muruçú
Dimensões aproximadas (centímetro)
8,0 diâmetro externo x 2,0 altura 3,0 diâmetro interno
Informação do catálogo da caixa Padrões de Beleza
Para o povo Kanela, a furação de orelhas simbolizaria o crescimento intelectual, e tornaria aptos ao amadurecimento os meninos. Para eles, os jovens com orelhas perfuradas são mais receptivos aos conhecimentos a eles passados pelos mais velhos, sendo o ato de aconselhar traduzido pelos Canela como hapak khre, ou seja, “abrir os ouvidos do outro”. Anthony Seeger (1980, p. 46-47), ao tratar dos Suyá, escreve sobre a correlação entre saber-ouvir-compreender e seu papel na integração social do sujeito: “Uma pessoa que é completamente integrada socialmente ‘ouve, compreende e sabe’ claramente. Uma pessoa que ouve e compreende mal, também age mal. [...] Na realidade, acredita-se que o ouvido seja o receptor e o depositário de códigos sociais, ao invés da ‘mente’ ou do ‘cérebro’".
Quantidade dessa peça na caixa 01
Obs.:
113
Boneca 1 Boneca 2
Código da peça no MAE-UFPR
CM 92 (IV) Boneca 1 CM 90 (IV) Boneca 2
Nome da peça de acordo com o catálogo da caixa Padrões
de Beleza Boneca Karajá
Identificação étnica e territorial
Karajá (GO, TO, MT)
Descrição da peça Bonecas produzidas por mulheres Karajá e utilizadas por crianças
Composição material da peça Argila, corantes e fibras
Dimensões aproximadas (centímetro)
Boneca 1: 11,0 (altura) x 6,5 (largura/base) x 2,0 (maior profundidade) Boneca 2: 13,0 (altura) x 6,0 (largura/base) x 3,0 (maior profundidade)
Informação do catálogo da caixa Padrões de Beleza
Os Karajá, povo autodenominado “Iny”, habitam há séculos as margens do Rio Araguaia, nos estados de Goiás, Tocantins e Mato Grosso. As bonecas Karajá, confeccionadas exclusivamente pelas mulheres, têm uma função lúdica para as crianças, mas também é instrumento de socialização da menina, conforme estudou Heloisa Fenélon Costa (1968), onde são modeladas dramatizações de acontecimentos da vida cotidiana. Assim, através de um conjunto de bonecas com o qual cada menina é presenteada, e que representam vários períodos e situações da vida, as meninas aprendem sobre essas fases, sobre os costumes e crenças de seu povo.
Quantidade dessa peça na caixa
02
Obs.: Não há informação sobre a referência do que foi citado.
114
Código da peça no MAE-UFPR
Nome da peça de acordo com o catálogo da caixa Padrões de Beleza*
Boneca Barbie
Identificação territorial Produzida por Mattel, Estados Unidos
Descrição da peça Brinquedo
Composição material da peça Plástico e tecido
Dimensões aproximadas (centímetro) 30,0 (altura) x 2,5 (largura/base) x 2,0 (maior profundidade)
Informação do catálogo da caixa Padrões de Beleza*
Nada consta
Quantidade dessa peça na caixa 01
Obs.: * Não está registrada no catálogo, embora possua marcação da numeração da coleção manipulável. Comprimento da perna da boneca: 17 cm
115
Código da peça no MAE-UFPR IV 1627
Nome da peça Botoque Kayapó/ Nome indígena: akàkakô
Identificação étnica e territorial Mato Grosso e Pará
Descrição da peça Adorno labial, uso masculino
Composição material da peça Madeira de pau-brasil
Dimensões aproximadas 9,0 (largura) x 7,0 (comprimento) x 2,0 (altura) Base: 7,5 x 5,5 x 1,0
Informação do catálogo da caixa Padrões de Beleza
Os Kayapó pertencem ao tronco Macro-Jê e vivem em aldeias dispersas ao longo do curso superior dos rios Iriri, Bacajá, Fresco e de outros afluentes do rio Xingu, desenhando no Brasil Central um território quase tão grande quanto a Áustria, praticamente recoberto pela floresta equatorial, com exceção da porção oriental, preenchida por algumas áreas de cerrado. Sua cosmologia, vida ritual e organização social são extremamente ricas e complexas. Apresentamos aqui um botoque em formato de disco de madeira, utilizado pelos Suya, Krenak e Kayapó, especialmente os do subgrupo Txucarramãe. Entre os Kayapó, o botoque, por eles chamado de “akàkakô”, é um adorno de uso exclusivamente masculino. Para usá-lo, costuma-se fazer um pequeno furo no lábio inferior dos bebês, que irá sendo alargado à medida que este vai crescendo, até atingir o máximo na idade adulta. Na cultura Kayapó, o uso do botoque é associado à capacidade de oratória, ajudando o indivíduo a se expressar adequadamente nas audiências públicas e cantos cerimoniais.
Quantidade dessa peça na caixa
01
Obs.:
116
Código da peça no MAE-UFPR IV 1698
Nome da peça Colar de figuras zoomorfas
Identificação étnica e territorial Bororo (MT)
Descrição da peça Colar de pescoço para crianças
Composição material da peça Madeira, barbante e miçangas
Dimensões aproximadas (centímetro) 40,0 – diâmetro interno
Informação do catálogo da caixa Padrões de Beleza
Os Bororo se autodenominam Boe. O termo “Bororo” significa “pátio da aldeia” e atualmente é a denominação oficial. O nome tem ligação com a disposição circular de suas casas, que fazem do pátio no meio da aldeia o centro de suas atividades cotidianas e rituais. O território tradicional de ocupação Bororo atingia a Bolívia, a oeste; o centro sul de Goiás, ao leste; as margens da região dos formadores do Rio Xingu, ao norte; e, ao sul, chegava até as proximidades do Rio Miranda (RIBEIRO, 1970, p. 77). Estima-se que esse povo tenha habitado essa região durante pelo menos sete mil anos (WÜST; VIERTER, 1982). Atualmente, porém, os Bororo habitam o Estado do Mato Grosso, em um espaço cerca de 300 vezes menor que seu território tradicional.
Quantidade dessa peça na caixa 01
Obs.:
117
Código da peça no MAE-UFPR IIV1633
Nome da peça Dilatador de lóbulo de orelha Kayapó
Identificação étnica e territorial Bororo (MT)
Descrição da peça Dilatador de uso masculino
Composição material da peça Madeira
Dimensões aproximadas (centímetro)
16,0 comprimento x 1,0 diâmetro menor x 14,5 diâmetro maior
Informação do catálogo da caixa Padrões de Beleza
Adorno auricular de madeira, utilizado exclusivamente por crianças. Da mesma forma que entendem que o botoque é usado para se falar melhor, os Kayapó acreditam que a capacidade de se ouvir melhor e “entender” a linguagem, é adquirida através do alargamento do lóbulo da orelha. Assim, os bebês de ambos os sexos têm suas orelhas furadas e à medida que crescem o buraco é aumentado com alargadores de madeira, até atingir 2 a 3 centímetros de diâmetro.
Quantidade dessa peça na caixa 01
Obs.: Há uma imagem na atividade das fotografias da caixa Padrões de Beleza que ilustra o momento em que o dilatador é colocado.
118
Sobre a pulseira Urubu-Kaapor, a Karlla lamenta não ter encontrado muita
informação sobre a peça dentro do Museu, e diz que, com isso, a forma de ela
apresentar a peça ficou reduzida à classificação “adorno”. Ela acredita que a pouca
quantidade de informação sobre um objeto no Museu não permite que ele seja
experimentado a partir de tantas marcas que sua biografia possui. Ela diz:
[KDP] Tanto que, se você vai ler, vai ler a descrição dela, no catálogo, ela tem cinco linhas pequenas [curtas] de explicação e ela tá numa página junto com o botoque que tem quatro parágrafos [de informação sobre] (Entrevista realizada em 06/08/2014).
Código da peça no MAE-UFPR IV 1686
Nome da peça Pulseira de sementes Urubu-Kaapor
Identificação étnica e territorial Urubu-Kaapor (MA, PA)
Descrição da peça Adorno feminino
Composição material da peça Barbante e sementes
Dimensões aproximadas 57,0 (comprimento)
Informação do catálogo da caixa Padrões de Beleza
Os Urubu-Kaapor pertencem à família Tupi-guarani, e habitam o norte do Maranhão. São conhecidos pela beleza dos ornamentos plumários que confeccionam, pelos quais recebem o título de “ourives das plumárias”.
Quantidade dessa peça na caixa 01
Obs.: É uma pulseira sem fecho.
119
Código da peça no MAE-UFPR IV 1612
Nome da peça Pulseira tecida Karajá
Identificação étnica e territorial Karajá (GO, MT, PA, TO)
Descrição da peça Pulseira feita em tear por mulheres
Composição material da peça Tecido
Dimensões aproximadas (centímetro) 12,0 (altura) x 11,0 diâmetro
Informação do catálogo da caixa Padrões de Beleza
São fabricadas na tribo Karajá da Ilha do Bananal, Goiás. As mulheres são as responsáveis pela confecção das pulseiras e usam como molde uma maça (porrete) ou mão de pilão. Usada como adorno para o braço.
Quantidade dessa peça na caixa 01
Obs.:
Sobre essa peça, há uma narrativa interessante: [KDP] [esta pulseira está na caixa] Por ser diferente, [por] destoar um pouco destas outras, tipo a trançada de duas a três cores... Se você parar pra pensar ela é uma pulseira de algodão cru, com cor de algodão cru. [...] basicamente é isso, ela tem cor de algodão cru, ela parece realmente de um feitio grosseiro e... É engraçado porque chama mais atenção do que as outras. Por ser maior, talvez, por ser diferente, talvez, por exemplo: “nossa, não sabia, que legal” e aí, para pra olhar. E daí talvez até olhe mais detalhadamente as outras [as outras duas pulseiras que também compõem a Caixa] tipo: “ah, [es]pera”, daí volta pra pegar a outra e olhar e botar do lado assim, e comparar, [por]que querendo ou não a caixa gera muito esse tipo de comparação, né, entre essas peças mesmo. [...] (Entrevista em 06/08/2014, grifos meus).
120
Código da peça no MAE-UFPR IV 1603
Nome da peça Pulseira trançada Kayapó
Identificação étnica e territorial Kayapó (MT, PA)
Descrição da peça Pulseira feita em tear por mulheres
Composição material da peça Tecido
Dimensões aproximadas 5,0 (altura) x 8,0 (diâmetro) 4,5 (profundidade das sementes em relação à pulseira)
Informação do catálogo da caixa Padrões de Beleza
Este adorno para antebraço tem por base uma faixa chata de entrecasca armada em forma de anel e revestida de um trançado ornamental com palha, um dos lados possui um envoltório de algodão no qual se prendem os molhos de frutos.
Quantidade dessa peça na caixa 01
Obs.:
121
Código da peça no MAE-UFPR IV 1728
Nome da peça Uluri
Identificação étnica e territorial Grupos indígenas do Xingu (MT)
Descrição da peça Adorno de uso feminino, relacionado à passagem de criança para adulta.
Composição material da peça Fibra
Dimensões aproximadas 79,0 de diâmetro aprox.
Informação do catálogo da caixa Padrões de Beleza
Os uluris são usados pelas mulheres após o rito de maturidade, em torno da cintura como um cinto e quando estão sem eles, sentem-se nuas.
Quantidade dessa peça na caixa 01
Obs.:
Sobre essa peça, há uma narrativa interessante: [KDP] [...] E ela representa uma etnia inclusive que tem muita arte plumária. Mas a gente não leva arte plumária [na caixa, não há peças de plumária devido à fragilidade desse material], a gente leva uma semente, uma pulseira de sementes. Que talvez não seja nem “especialidade” ali, entre aspas daquela comunidade, daquele grupo. Mas a gente leva, e eu sempre, essa é uma peça que talvez tenha sofrido nas minhas explicações, porque eu acabei sempre trabalhando ela como um adorno. Tipo: é um adorno. Diferente, diferente... (Entrevista em 06/08/2014, grifos meus). Provavelmente o diâmetro varia de acordo com o corpo da mulher que o utiliza.
122
4.3 TRAJETÓRIAS E INTERAÇÕES: UMA ANÁLISE
Para compreender as trajetórias desses objetos da caixa Padrões de Beleza,
considero, como apresentado ao longo deste trabalho, que no momento em que a
caixa é elaborada os objetos mudam de status. O momento em que eles são
selecionados para ocupá-la é o que caracterizo como um trecho de sua biografia.
Para tal, a execução das entrevistas é fundamental no que diz respeito ao
mapeamento dessas trajetórias que ocorrem a partir de determinados critérios para
a elaboração da caixa.
A partir das categorias de análise que desenvolvo, percebo que a história da
criação da caixa se mistura com a mudança de status de cada objeto. Isso implica
dizer que, embora os objetos que compõem o referido conjunto sejam variados, a
implicação do novo status para cada peça faz parte da proposta da caixa.
A tensão que pode ser percebida é a seguinte: os objetos são variados e a
implicação na mudança de status diz respeito a algo que, ao invés de singularizá-
los, os aproxima enquanto objetos mediadores ao formar uma coleção para discutir
a existência de padrões de beleza variados. Os objetos são diferentes, o objetivo
que se quer deles enquanto mediadores é o mesmo: falar de belezas.
Cabe citar que a questão da identidade ou territorialidade não é
apresentada. Isso não significa que a caixa não esteja completa, ao contrário, é um
espaço que permite compreender as múltiplas possibilidades que a materialidade
pode mediar a partir de escolhas de quem a faz. Não é o fato de não constar
informações diretas sobre identidade e territorialidade que implica em não falar
sobre, aí se tem mais uma possibilidade: falar disso a partir de materialidades.
A questão da identidade pode passar pela proposta a partir dos adornos
indígenas e a identificação da etnia de “origem”, a partir daí, por que não falar disso?
Cabe, mais uma vez, a quem opera escolher como operar a caixa, ou seja: como
operar a mediação. Além disso, a questão estética pode ser pensada a partir da
concepção de cultura enquanto plural, pois, a forma de pensar sobre o belo, assim
como de percebê-lo é variável.
Com isso, retomar que a proposta do tema da Caixa Padrões de Beleza não
está restrita à materialidade das peças, diz respeito, também, à mediação contida
nos demais elementos que compõe a Caixa.
123
Tal mediação – entre objetos, propostas, textos e atividades –, permite
observação, reflexão e questões a partir dos objetos em interação com os demais
elementos. Ela é uma forma de ligar significados ao objeto além de sua existência,
como proposta declarada para a concepção da Caixa.
O que eu observei nas entrevistas sobre o potencial desses objetos
enquanto mediadores de um tema estabelecido como padrões de beleza? A
quantidade de peças abre muitas possibilidades, como já mencionei. Portanto,
escolhi me ater a três peças para falar sobre o potencial mediador desses objetos.
Escolhi ficar restrita às bonecas. As duas Karajá como um tipo e a Barbie como
outro.
Quando olho para os objetos e os referencio como elementos relacionados à
beleza de forma geral, são as bonecas que me chamam a atenção: são brinquedos,
não adornos. Isso me permite (re)significá-las para minha análise. É certo que cada
objeto possui a sua especificidade e gera um convite à análise, mas opto pela
análise direcionada somente a essas bonecas Karajá e Barbie, também pela
necessidade de fazer um recorte.
O que são ou o que significa a sua presença em uma caixa que possui, em
sua maioria, adornos corporais? Qual é a relação desses com as bonecas para falar
sobre padrões de beleza?
Penso no objeto-boneca como representação. Representação de pessoas
ou de elementos relacionados à sociabilidade humana. A partir de uma boneca, é
possível perceber a representação de um indivíduo ou do contexto sociocultural com
a representação do corpo dos indivíduos desse contexto.
Além das bonecas Karajá estarem na caixa pelo encanto que as criadoras
tiveram ao conhecê-las, as interlocutoras acreditam que essas representam sua
cultura, ou aspectos relacionados ao seu corpo e representação. Quando eu
questiono o motivo da presença dessas bonecas na caixa, elas respondem:
[AV] Mas além de vocês se encantarem pelas bonecas [Karajá], por que, é, assim, são sempre duas perguntas: por que que elas estão na caixa e qual a relação delas com o tema? [LR] Bom, o tema padrão de beleza eu acho que elas são assim um exemplo sensacional dos padrões de beleza, é, pelo formato, né, a forma como elas são moldadas, elas são até onde a gente sabe, cem por cento inspiradas nas mulheres Karajá, nas suas várias fases da vida, elas são detalhadas, pintadas, aquela ali usa colar, sainha, assim, ela é... Eu acho isso tipo, meu, uma obra de arte.
124
[KDP] E ela [a boneca] consegue trazer mesmo, é, não diria detalhes, mas ela consegue trazer formatos que a gente não conseguiria com os adornos. Por exemplo: o fato dessas duas bonecas mulheres Karajá estarem de cabelo longo, franja, preto, é, as duas de seios à mostra, as duas com uma “barriguinha mais saliente” do que a Barbie, por exemplo, os quadris mais largos, esse tipo de coisa, que fica mais presente na, na, [LR] padrão. [KDP] na boneca assim... [LR] E... E como elas representam assim, a realidade, né, tem a que tá grávida, a que tá amamentando [na coleção manipulável como um todo, essas não estão na caixa] essa aqui, agora eu tô olhando, ó [mostra pra Karlla] de perfil parece que ela tá grávida, né, não sei... bom. [KDP] Pode ser... [LR] É que essa aqui tem uma barriguinha ó... [AV] Mas... [KDP] Teria que pesquisar pela pintura corporal, talvez, né... [LR] É... [KDP] Porque elas também trazem pinturas corporais nas bonecas, várias pinturas diferentes; então que a gente tende a entender que representem essas etapas da vida ou essas condições, enfim, o fato de uma estar trabalhando, uma ou um guerreiro vai estar caçando, esse tipo de coisa do dia a dia também. Então elas representam, elas vão além do representar a questão física, mas representam a questão ornamental também, trazendo seus adornos, suas vestimentas, ou pintura corporal, enfim... (Entrevista em 06/08/2014, grifos meus).
Mas elas não generalizam o fato de bonecas representarem a vida social de
seu contexto de criação. Elas declaram que não consideram que a boneca Barbie
possui a mesma eficácia que as Karajá, no sentido de representação. Na fala delas,
a Barbie possui uma representação ornamental para diferenciar as versões da
mesma boneca em um mesmo corpo/modelo.
[AV] Mas a boneca Barbie também tem versões de a boneca profissão... [KDP] Tem, e é ótimo! É bem incrível assim, porque... elas são todas iguais. [risos] Maravilhoso! Você pega a Barbie, a Barbie, pelo menos as mais clássicas, agora talvez possam tem algumas versões que se diferenciem já que, eu confesso nunca fui muito de brincar com Barbie, nunca tive Barbie quando era criança, não foi uma boneca que participou do meu padrão de construção de beleza, enfim, mas, eram todas iguais, até onde eu conhecia, a Barbie negra, a Barbie loira, a Barbie ruiva, [LR] A-ham... [KDP] A Barbie indígena que saiu uma vez no Brasil, todas eram idênticas, [AV] Idênticas em que sentido? [KDP] Enormes, grandes, altas, pernudas, umas pernas de metade da sua estatura; só em perna, [LR] Eu lembro que... [KDP] magérrimas, com peitinho [seios “empinados”] [LR] Éééé... [KDP] com um pouquinho de bunda... [LR] O que mudava era tipo, sei lá: a roupa, [KDP] Exatamente. [LR] Ah, essa aqui vem com, vem segurando um cachorrinho, então ela é veterinária. [riso de todas] Essa outra, segura uma prancha [de surf], ela é surfista, né, mas assim, a, a estética é, sempre foi bem padronizada. Até, eu lembro que, quando eu era pequena na, não, quando eu brincava com
125
Barbie mesmo, não, mas quando o meu irmão de brincava [irmão mais novo, uns quatro anos de diferença], existia, já existia a Barbie negra, mas era a Barbie branca com plástico mais escuro, assim, porque os traços, tudo era... cabelo liso... [risos] [KDP] É, você quer uma construção maior de padrão de beleza insano que a Barbie traz do que o fato da Barbie negra ter um cabelo liso?! (Entrevista em 06/08/2014, grifos meus).
Posso interpretar essas bonecas como objetos que ilustram o cotidiano de
seus contextos de produção. Ambas estão com roupas conforme os valores e modo
de vida, por exemplo.
Ainda sobre a suposta ineficácia da Barbie, é no diálogo sobre a relação
entre os textos e a boneca que aparece o que elas apontam como a fragilidade,
pois, à boneca sozinha não é permitida a mediação por falta de significados
atribuídos a ela, em detrimento dos significados que os demais objetos possuem,
como peça de museu, adorno indígena, com biografia, status, etc.
[AV] [...] Eu reparei numa coisa, quando eu tava relendo aquele texto... “Real e ideal”, que fala das bonecas Karajá. [LR] A-ham [AV] E depois da boneca Barbie... que... eu tive a sensação de que a Barbie necessita mais dos textos do que as outras peças; quando vai, vai falar da presença dela nessa caixa porque... é uma caixa que só tem objetos indígenas e uma boneca Barbie, que não é indígena. Eu queria que vocês falassem um pouco... desse fato. [KDP] Então, a boneca Barbie entrou justamente por causa do texto. A ideia do texto surgiu antes da presença dela. Tanto que ela foi comprada especialmente para essa caixa, ela não fazia parte do acervo antes... É, ela precisa do texto se você for parar para analisar no sentido de que só tem peças indígenas e uma boneca Barbie, mas, se... você for pensar, que é sobre padrões de beleza e você tem bonecas Karajá, que supostamente estariam ali pra representar um padrão de beleza indígena, aí você consegue visualizar que a Barbie esteja ali pra representar um padrão ocidental, branco, enfim. Então, talvez, não necessite diretamente do texto, não precisa que o aluno leia o texto pra entender porque que a Barbie “tá” ali (Entrevista em 06/08/2014, grifos meus).
Acerca das representações nas bonecas, pode-se pensar, por exemplo,
sobre gênero feminino/masculino, observar se isso é representado (em uma cultura,
sociedade, etc.). A minha proposta é pensar sobre a identidade, por considerar mais
viável para esta pesquisa, uma vez que ela está amparada pela biografia dos
objetos e cultura material.
As pinturas nas bonecas marcam seu contexto: a pintura corporal da boneca
Karajá87 enquanto continuidade do seu corpo diz respeito a um determinado
87
Sobre arte indígena e pintura corporal, vide Lagrou (2009).
126
momento/situação, e a pintura nos olhos da boneca Barbie ilustra uma
transformação em seu corpo. Há diferenças entre elas, visíveis ou não, elas podem
provocar reflexões também sobre identidade a partir de seus contextos de origem.
Ao atentar para o fato de que as identidades são feitas e refeitas
constantemente, os elementos que a compõem estão contextualizados, sejam
materiais ou não, é necessário compreender que há repertórios heterogêneos
na/para a composição da identidade cultural, pautada na noção de pertencimento a
um grupo étnico, linguístico, religioso, etc.
Essas bonecas despertam questionamentos sobre elas, por que elas foram
colocadas na caixa? E, por consequência, quais os modos de vê-las?
As Karajá e Barbie são deslocadas para o espaço que agrupa um conjunto
de peças distintas, mas que ali estão em unidade, em uma caixa chamada de
Padrões de Beleza.
Quando as peças saem da caixa – ao serem manipuladas por estudantes –,
elas trazem junto de si a mediação de valores ou significados atribuídos aos textos
que propõem questionamentos relacionados à beleza, à identidade, à forma de se
colocar no mundo; sobre escolhas, conflitos.
Ao mesmo tempo, amparada pelas teorias da cultura material, é preciso
considerar que uma boneca não é apenas uma representação o tempo todo, pois é
na relação entre objeto e indivíduo(s) que se pode criar um ou vários significados,
usos, valores, entre outros, ao objeto e a quem o manipula.
Posso interpretar essas bonecas como objetos que referenciam o cotidiano de
seus contextos de produção. Ambas estão com roupas conforme os valores e modo
de vida, por exemplo; a presença da Barbie e da Karajá ilustra as diferenças
culturais, inclusive no que diz respeito à corporeidade.
A representação dos corpos é apresentada de acordo com suas referências
culturais – roupas e pinturas – e físicas: como proposta de reflexão sobre identidade,
essas bonecas nos convidam para tal.
Ao considerar que esses tipos são materialmente diferentes, observa-se que
o objeto (boneca) traz mensagens junto de si88. Assim como os adornos corporais,
88
Quando uma coisa nos incita a perguntar sobre ela e sobre nós mesmos, essa coisa permite que a compreendamos e nos permitirá a compreensão acerca de nós mesmos, de nosso contexto e do contexto do Outro: isso diz respeito aos estudos em cultura material. Sobre isso, ver Miller (2013).
127
que medeiam a nossa identidade em relação ao mundo, essas bonecas indicam
identidades relacionadas a seus contextos de “origem”.
A escolha dessas bonecas diferentes para falar sobre identidade diz respeito
à forma como se constitui um objeto em relação ao seu contexto de circulação89.
São bonecas que podem apresentar o cotidiano de seus contextos de produção.
Ambas estão com roupas relacionadas aos seus valores e modo de vida, por
exemplo.
A pintura na boneca Karajá, por exemplo, marca seu contexto: as pinturas
corporais indígenas dizem respeito a situações específicas, elas são incluídas no
corpo, são pinturas como continuidade do corpo, como citado anteriormente. Já, a
maquiagem – nos olhos – da boneca Barbie diz respeito a uma modificação no
corpo, não é uma inclusão. Há diferenças entre elas. A forma como se olha essas
diferenças é o que permite pensar sobre diferença/alteridade.
É possível pensar sobre a identidade a partir dessas bonecas quando em
algum momento, esses objetos medeiam a ideia de uma identidade cultural,
moderna, urbana e em constante transformação, como fala Hall (2011), a partir
desse contexto em que se encontram: a Caixa que fala ou apresenta possibilidades
para pensar sobre padrões de beleza e culturas.
Ao atentar para o fato de que as identidades são feitas e refeitas
constantemente, os elementos que a compõem estão contextualizados, sejam
materiais ou não, é necessário compreender que há repertórios heterogêneos
na/para a composição da identidade cultural, pautada na noção de pertencimento a
um grupo étnico, linguístico, religioso, etc.
Para ele, essas mudanças que são frequentes nas sociedades modernas
ocidentais causam fragmentações em vários âmbitos das paisagens culturais, tais
como classe, gênero, etnia e, inclusive, em aspectos que dizem respeito ao
indivíduo e seu senso de identidade. As modificações na sociedade são reflexos
para o que Stuart Hall chama de crise de identidade, e as mudanças na concepção
de identidade(s) refletem em alterações na estrutura social. Essas mudanças e
alguns processos inerentes às sociedades modernas se refletem no que se
tem/tinha por referência para os indivíduos no mundo social, o que, por
89
Sobre o assunto, vide APPADURAI, Arjun. A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. EdUFF, 2008.
128
consequência, causa uma crise na identidade desse sujeito moderno: o sujeito
precisa se refazer (HALL, 2011).
A contribuição de Hall nessa análise das bonecas está no reconhecimento
de que há tensionamentos e disputas na concepção de significados hegemônicos
sobre identidade – e padrões de beleza, nesse caso – e que produzem
deslocamentos. Os deslocamentos são as mudanças de posição da identidade do
sujeito e o reconhecimento de que a produção de conhecimento é dotada de
estratégia política aliada à linguagem, à produção de/dos discursos e seu/seus
significado(s), externo à produção dos discursos90.
Nesse universo da caixa Padrões de Beleza, os discursos e significados
produzidos são balizados pelos objetivos da caixa, relacionados à desconstrução da
ideia de um único padrão de beleza ou da pasteurização da concepção de padrão
de beleza indígena, quando da ideia generalizada sobre os grupos indígenas no
Brasil. A forma como as entrevistadas falam sobre isso talvez esclareça o que elas
entendem por representação das bonecas em uma caixa temática:
[KDP] A Barbie, eu acho que a função da Barbie é, ela está nessa Caixa inclusive, é, é, coitada dessa Barbie, mas ela é quase ridicularizada, na minha opinião, enquanto a gente apresenta a caixa [LR] É ser desgraçada [risos] [KDP] Porque ela está aí pra mostrar o quão... [LR] Tosco [risos] [KDP] Irrisório, eu diria. Porque a gente acaba saindo com muitas piadas em relação a isso, de o quão irreal é esse padrão. Tanto que a gente coloca como “Real e Ideal”, o, o... [AV] Texto [um dos textos que acompanha as peças] [KDP] O texto. Mas poderia ser irreal [ao invés de ideal no título desse texto que faz parte da caixa] numa boa. Porque eu acho que uma das discussões que a gente traz aqui é o fato de que uma, não, que as bonecas Karajá também não representem um padrão, representam sim! Até eu fui corrigida por isso, a primeira versão do texto não trazia essa frase específica, não é que deixava entender, de certa forma, deixava a entender que as bonecas não tinham um padrão, a gente mudou pra falar que tipo, tem, mas que era muito diferente, no sentido de, com a boneca Karajá, ela tá ali, além de representar uma função de verdade. Tipo uma função real, quando você pega ali uma outra escultura Karajá que você tem na Sala Didática do Museu, em exposição, que são as mulheres ralando mandioca, é, coisas realmente do dia a dia, você vê a diferença daquela boneca estar ali representando uma função do dia a dia enquanto a Barbie tá com um decote maravilhoso, com um jaleco branco, segurando um poodle numa coleira rosa dizendo que é veterinária! (Entrevista em 06/08/2014, grifos meus).
Representação essa ligada às práticas sociais e culturais.
90
Adaptado de VÖRÖS, Aline e CORRÊA, Ronaldo O. Duas Bonecas, identidade e beleza. Artigo apresentado no II EBPC, GT Cultura e Identidade, entre 15 a 17 de Outubro de 2014 em Niterói, RJ.
129
É importante ponderar que a manifestação das interlocutoras, no que diz
respeito às representações e o que é representado e à forma de colocar suas falas
sobre diferenças culturais, demonstra certa idealização ou perspectivas
romantizadas acerca do Outro; a forma de lidar com a alteridade aparenta a ideia do
bom selvagem (ROUSSEAU, 1989).
Outro aspecto para olhar a presença da boneca Barbie na caixa Padrões de
Beleza é o conceito de hibridação desenvolvido por García Canclini (2000), já citado
na pesquisa.
García Canclini define que a hibridação é um termo que abrange as
“mesclas interculturais”, enquanto resultado de um corte transversal em dicotomias
(como tradicional/moderno), e propõe algo intercultural. Não é fusão, é simultâneo. É
o “e/ou” constante. A partir da hibridação já não se permite eficácia na tentativa de
fragmentar (e isolar) algo para compreendê-lo, pois as coisas não se anulam quando
se isolam.
Retomo que são os processos de/para a hibridação que são considerados
relevantes, compreendidos pela pergunta “como?”, que se faz compreender a
própria hibridação.
É nas diferentes materialidades das bonecas Karajá e Barbie que se pode
pensar sobre o encontro: ambos os objetos são bonecas! Mas é visível e sabido que
seus contextos de produção são distintos. É possível, então, perceber que a
identidade está localizada além de uma concepção territorial: é econômica, é
política, é cultural.
As bonecas Karajá e Barbie proporcionam esse olhar para os objetos com
tanta relevância quanto os enunciados a eles embutidos, para além de seu contexto
a partir da perspectiva dos estudos de cultura material, sejam textos, sejam
discursos.
Essa relevância atribuída a essas bonecas se relaciona aos estudos de
cultura material. Daniel Miller aponta em sua obra Trecos, troços e coisas sobre os
estudos de cultura material e a possibilidade de abrangência que o tema pode trazer
para análise por meio de diferentes perspectivas; não há como encaixá-la em um
único campo, pois o mundo material exige teorias e perspectivas diversas (MILLER,
2013, p. 7).
O autor propõe o ato de relacionar-se com as coisas. Ele diz:
130
Confrontar os trecos: reconhecê-los, respeitá-los, nos expor à nossa própria materialidade, e não negá-la. Meu ponto de partida é que nós também somos trecos, e nosso uso e nossa identificação com a cultura material oferecem uma capacidade de ampliar, tanto quanto de cercear nossa humanidade [...] como e por que uma apreciação mais profunda das coisas nos levará a uma apreciação mais profunda das pessoas (MILLER, 2013, p. 12, grifos meus).
É essa relação com as coisas, proposta por Miller, que permite olharmos
para as bonecas como um encontro entre objetos e subjetividade(s). A materialidade
ou, nesse caso, as bonecas da caixa Padrões de Beleza são compostas por
elementos que se inter-relacionam.
Aqui, retomo a boneca Barbie a partir da sua presença em uma caixa na
qual ela é a única peça não indígena. Ao destacar a presença da Barbie em um
contexto do qual ela não faria parte se não viesse junto de uma informação que
aponta ser ela o ponto de tensão da própria caixa – a partir do tema e não dos
objetos, em princípio –, é permitido pensar que a proposta da presença da referida
boneca pode ser justamente de experimentar por meio da materialidade todas as
coisas relacionadas a ela e/ou à cultura.
A diferença entre as duas bonecas não está restrita às materialidades (e o
que está embutido de sentido nelas), ela é melhor demarcada a partir de outro
elemento: de um texto91. De um texto que fala sobre um tema, que as unifica –
espacialmente, nessa caixa – e as distingue, ao se relacionar com os outros objetos
que nela se encontram, os adornos e as bonecas indígenas e a Barbie, a exceção.
Na incerteza da condição da boneca Barbie em relação a um processo de
hibridação, encontra-se uma reflexão: a materialidade serve para dar sentido à
identidade? Isso poderá ser respondido, talvez, a partir de experiências entre
pessoas e objetos, cultura e materialidades, com o apoio das teorias dos estudos de
cultura material. Mas, ao que parece, melhor pensar em coisas que se hibridizam ou
não. E, nesse caso, a Barbie ora hibridiza, ora não: sozinha, ela medeia qualquer
coisa. Além de seu uso como boneca quando colocada em um contexto de contraste
à representação de seu universo, a tensão traz os frutos da mediação: pensar sobre
algo a partir de contrastes e, ao olhar as outras possibilidades, como um mapa
noturno perceber que nem tudo é polarizado quando o assunto permite explorar os
elementos complementares ao que é dito.
91
Vide o texto “Real x Ideal” nos anexos.
131
Falar de padrões de beleza também é falar de cultura material. De
identidade, de território, de valores, de mercadoria. E por aí seguem as
possibilidades, que se ramificam de acordo com o mapa, ou olhar.
132
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
[...] E não posso terminar a visão porque ainda não terminou o soneto e o tempo é uma tela que precisa ser tecida [...] (QUINTANA, 2002).
Diante da questão que levantei como pergunta a ser respondida, a partir do
processo da pesquisa acerca das narrativas e interações com os objetos escolhidos
para a composição da caixa didática Padrões de Beleza, apresento alguns
elementos que me inquietaram e que considero relevante indicar, por não tê-los
citado ou aprofundado de maneira adequada ao longo da dissertação.
Durante o processo de compreensão da trajetória dos objetos, de
reconstrução da história da criação da caixa, da elaboração do inventário e dos
procedimentos relacionados à pesquisa, como as entrevistas, por exemplo, é
possível perceber a variedade de formas para se olhar um objeto de pesquisa. No
caso desta pesquisa, a caixa didática Padrões de Beleza aponta essa variedade, no
entanto, julguei necessário me ater às orientações teóricas relacionadas
principalmente aos estudos em cultura material.
A trajetória dos objetos da caixa Padrões de Beleza é considerada a partir
da análise desses objetos, bem como das narrativas das pessoas envolvidas no seu
processo de construção. Isso foi conseguido pelos resultados das entrevistas
realizadas, mas que nem sempre explicitaram suas inquietações subjetivas da
época da construção da caixa. Talvez por esquecimento, talvez por omissão ou
demais motivos que não me cabem sugerir.
Dei-me conta de que a minha preocupação inicial foi compreender a história
da caixa e da sua construção, deixando os objetos de lado. Percebi isso como um
desvio na construção da pesquisa, ao acreditar que a história dos objetos se
traduziria em sua biografia. Além disso, percebo a adesão, em determinados
momentos às narrativas e reflexões de minhas interlocutoras, e reconheço isso
como uma reflexão sobre meu processo de formação como pesquisadora; o
distanciamento pessoa-pesquisadora pode ter gerado interpretações enviesadas em
função do pouco distanciamento do discurso “nativo”.
No início da pesquisa e das primeiras entrevistas minha busca era
constantemente focada na história da caixa e não nos objetos que estão nela.
Foram os relatos da entrevista realizada com a Laura e a Karlla com os
objetos – da qual eu já apresentei alguns trechos – que me permitiram compreender
133
que eles não existem de forma sequencial, mas, de acordo com o momento em que
são colocados em uma situação ou outra. Isso também caracteriza a circulação.
Nesse momento, eu retomo o apoio bibliográfico sobre cultura material e as
contribuições de Kopytoff (2008) para indicar que os objetos são relevantes na
produção de sua história e na relação com a subjetividade humana. Eu havia
deixado os objetos da caixa distantes no início da pesquisa até perceber que, para
fazer a biografa dos objetos, que até determinado ponto da pesquisa não estava
assimilada por mim, é relevante mapear a história deles e também – se não
principalmente – constituir sua trajetória a partir da circulação e do(s) status que
esses objetos adquirem ao circular.
A proposta da biografia dos objetos não diz respeito a pesquisar a história
do objeto somente, mas de perceber os usos dos objetos em contextos diversos;
perceber o status que o objeto pode adquirir a partir do momento em que se
encontra, ou quando é investigado: pois há vida nos objetos, e vida é
impermanência.
Além disso, o aspecto mediador do objeto-caixa é fruto da circulação do
objeto que constrói status. Penso que o intuito de trabalhar com os objetos demanda
um coadjuvante que o sustente.
A mediação não pode ser feita a partir do objeto sozinho. Salvo esse objeto
estar acompanhado de sua biografia, que, no caso, já descaracteriza esse suposto
isolamento. Poderia haver, talvez, uma ficha com mais detalhes de sua vida, em
cada peça. A mediação, a partir disso, poderá permitir múltiplas formas de
compreender ou interpretar o objeto que ali está nas mãos de quem o vê, toca e lê
(interação).
O objeto não fala por si só, mesmo que possua sua própria biografia, a
mediação humana (de diversas formas) pode ser determinante para a compreensão
da biografia ou do status do objeto.
A partir das narrativas das interlocutoras, é possível perceber que, mesmo
que todos os objetos estejam formando uma coleção para discutir ou promover
discussões e reflexões sobre padrões de beleza, as escolhas das peças são
atravessadas por outros critérios além desse potencial mediador do objeto para falar
do tema. São eles, por exemplo, o uso (botoque, adornos auriculares), a identidade
relacionada ao adorno (o Uluri), a forma de produção (pulseira de algodão),
representações (bonecas). Considero esses fatores enquanto pontes para alcançar
134
o potencial mediador de cada peça. Isso faz com que a coleção não seja diluída por
um tema tão abrangente que corre sempre o risco de querer buscar um
denominador comum. É uma discussão que pode ser infinita e, junto à materialidade
da caixa, abre também para outras discussões que ressoam o tema central.
Considero esses objetos das caixas didáticas como objetos mediadores,
similar ao objeto gerador de Ramos (2004). O que diferencia é a forma de olhar para
a peça ao considerar sua biografia e as possibilidades de transformação de status
ao longo da vida do objeto. É possível também encará-lo como um objeto dotado de
múltiplas possibilidades de interpretação que não estão relacionadas ao significado
do objeto em si, mas ao seu uso antes de ser objeto musealizado e agora, enquanto
materialidade que transporta reflexões e significados relacionados a um tema, no
caso, padrões de beleza.
Também é importante relembrar que o potencial desses objetos enquanto
mediadores está relacionado com a intenção que os fez coleção sobre padrões de
beleza. As escolhas também dizem respeito a isso: sobre como escolher, porque e
de qual forma é possível colocar cada objeto selecionado em interação com outros e
com os textos, a partir de um objetivo comum: falar sobre padrões de beleza.
A fase de escolha dos objetos92 eu considero como tensão. E, vale dizer que
a tensão não diz respeito a um conflito, muito mais a um desconforto, nesse caso, a
partir das (im)possibilidades na seleção das peças. Acredito que a tensão seja
latente no momento das escolhas dos objetos, amparadas pelos critérios de
conservação do acervo, de seleção para a caixa e dos critérios relacionados ao
tema da caixa didática.
As tensões apresentadas nas falas das entrevistadas dizem respeito muito
mais à relação entre cada uma com o Museu do que entre elas. De maneira geral,
as tensões declaradas dizem respeito muito mais às escolhas das peças e à
possibilidade de utilização ou não destas, a partir de critérios como conservação ou
impossibilidade de reposição no acervo.
O trecho a seguir, da entrevista realizada com as bolsistas envolvidas na
criação da caixa Padrões de Beleza, apresenta a relação entre a escolha de objetos
e os cuidados para tal. Dentre as possibilidades desejadas de materialidade, a
92
Provavelmente houve tensão também para a elaboração dos temas dos textos que acompanham a caixa. Além disso, quando, nas entrevistas, há falas que criticam a própria caixa ou de autocrítica, considero como tensão, uma vez que entendo por tensão também aquilo que provoca inquietações e incita escolhas.
135
tensão está na restrição relatada, quando Laura [LR] e Karlla [KDP] trazem um
conjunto de peças previamente escolhidas de acordo com a possibilidade de
utilização no espaço de manipulação dos objetos, sua negação para a caixa que
estava sendo criada e as novas possibilidades a partir disso:
[LR] Eu acho que, pelo o que eu lembro teve uma vez que a gente procurou e colocou na mesa tipo tudo que a gente queria. [risos] [AV] Ah, que legal! [LR] Sei lá, tipo... “A gente quer esse, esse, esse: um monte de plumária”, e daí tipo: “esse não, esse não, esse não, esse não” [risos] porque era sei lá, peças mais especiais e né? Todo aquele negócio: “Ah, coleção manipulável, na na na na na na” [tipo: blábláblá, de forma não ofensiva] e daí deu uma reduzida boa, né?! Nas coisas que gente tinha... [risos] [KDP] Quase todas, né, na verdade...! [risos] E aí apareceram novas peças que a gente não sabia que eram duplicadas, enfim, que tinha mais exemplares que daí foram trazidas, do tipo: “essas podem escolher. Então, dentre essas, quais vocês querem?” [Ela reproduz a fala de alguém mas não identifica quem foi] (Entrevista com Karlla e Laura R., agosto de 2014, grifos meus).
Além da tensão sobre as escolhas, outro aspecto que julgo merecer
ponderação é acerca das possibilidades de mediação que as caixas didáticas e a
coleção manipulável possuem quando “isoladas” das coleções de origem desses
objetos. Acredito ser necessário situar os objetos escolhidos a partir da fala. Seja
oral, seja escrita. Isso implica não somente em retratar a biografia dos objetos do
museu, mas também falar sobre o próprio museu a partir dos aspectos educativos
desse espaço, bem como na relação com a tecnologia; esta entendida como
processo social construído e localizado em um tempo e espaço.
Não se trata de uma caixa que fala apenas sobre beleza e padrões, pois
existem outras questões importantes que atravessam a caixa, como, por exemplo,
educação no espaço museológico e/ou tecnologia enquanto produção da vida social.
Ou gênero, por exemplo, pois observei que as pessoas envolvidas nesse processo
são mulheres. Na época da criação da Ação Educativa só entraram bolsistas
mulheres. Não investiguei o fato, mas pode ser interessante refletir sobre elaboração
da caixa didática Padrões de Beleza somente por mulheres. Optei por não abordar
as questões de gênero, embora entenda que possa ser relevante (uma vez que é
um dado visível) e possa ser explorado quando se pensa em um tema como o da
referida caixa, o qual o senso comum geralmente associa como um tema constante
do “universo feminino”.
136
Além do aspecto educativo do Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR,
é interessante destacar o Museu enquanto espaço de materialidades em interação e
de prática antropológica. Pois, é nesse local que o universal e o particular dialogam
a partir de objetos, informações e reflexões, o MAE-UFPR93 se propõe
institucionalmente a isso (CHAGAS, 2005). Isso aponta para a contribuição que os
museus da área de antropologia (como nesse caso) possuem para que o
conhecimento e a prática específicos sejam promovidos a partir desse ambiente
informal no que diz respeito à educação, sem perder o valor que a prática educativa
possui.
Sobre isso, faço uma observação sobre educação e objetos a partir da
ausência de objetos dos povos indígenas do Paraná (Guarani e Kaingang94) na
caixa Padrões de Beleza. É possível problematizar a ausência desse tipo de objeto
para que se reflita sobre a questão da identidade nacional e da regional, ao
considerar o MAE-UFPR espaço de divulgação e produção de conhecimento
também por meio das caixas didáticas95.
Desse modo, compreender as caixas didáticas pode ser um ato necessário
para que se perceba a atuação da educação a partir do ambiente museológico e
vice-versa. A riqueza dos estudos em cultura material está nesse “detalhe” que nos
permite ver que, assim como a construção de conhecimento é processo contínuo,
portanto, não linear ou limitado, as possibilidades de trabalhar com a materialidade
são múltiplas, os objetos dialogam com o conhecimento a partir do movimento entre
o que eles são e o que pensamos, falamos e atribuímos a eles, “devolvendo” aos
objetos mais possibilidades no que diz respeito ao significado de sua materialidade a
partir do status em que se encontra e como contribuições para a sua biografia.
O que define a caixa Padrões de Beleza está presente nas narrativas sobre
os objetivos pensados na criação dela. Os objetivos se articulam com a prática
educativa à medida que os objetos são acionados enquanto mediadores de
assuntos relacionados à educação.
Por fim, no que diz respeito à construção de conhecimento ou às formas de
fazer uma pesquisa, considero que tudo pode ser questionado ou percebido de
variadas formas cada vez que se dirige o olhar para o objeto escolhido. E também o
93
Sobre a historia do MAE-UFPR, vide, por exemplo FURTADO (2006) e KERSTEN;BONIN (2007). 94
Além dos Xetá, mas que é uma situação especial por ser um grupo praticamente extinto que não produz mais cultura material em função das condições de sobrevivência pós década de 1960. 95
Existe na caixa didática “Paraná na caixa” objetos dessas etnias para falar dos povos regionais.
137
ouvir e, consequentemente, o escrever, parafraseando Roberto Cardoso de Oliveira
(2000).
Encerro, por fim, com um trecho da fala da Karlla De Paris sobre o uso da
caixa: “[...] acho que quase todas elas [todas as caixas didáticas] são de abrir um
leque, e não fechar nenhuma dessas pontas desses leques. [...]” (Entrevista em
06/08/2014, grifos meus).
138
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142
APÊNDICES
APÊNDICE I – Roteiro de entrevista: perfil
1. Cabeçalho da entrevista
2. Roteiro de perguntas
Tema Perfil do entrevistado(a)
Roteiro n. (indicar em romano)
I
Nome do entrevistado
Nome [indicação de sigla na entrevista]
Data da entrevista
DD/MM/AAAA
Autor da entrevista
Nome [indicação de sigla na entrevista]
Data da transcrição
DD/MM/AAAA
Objetivo(s)
Construção do Perfil do entrevistado, compreender se o indivíduo tem uma noção do Museu como um todo, mapear o sujeito em uma suposta relação com as caixas didáticas e com a caixa Padrões de Beleza.
Observações
Pergunta Categoria Obs.
1. Primeiramente eu gostaria que você dissesse seu nome, o quê estuda e onde (instituição).
Identificação do sujeito e formação
2. Quando você trabalhou no MAE-UFPR? Você é/foi bolsista?
Vínculo com o MAE-UFPR
3. Qual bolsa é/foi a sua? (Existem dois tipos de bolsa vinculadas ao MAE-UFPR)
Vínculo com o MAE-UFPR
O que muda de acordo com o tipo de bolsa é irrelevante aqui.
4. Qual função você exerce ou exerceu no MAE-UFPR?
Vínculo com o MAE-UFPR
5. Já conhecia o MAE e a Sala Didático-Expositiva antes de trabalhar no Museu?
Relação com as caixas didáticas
6. Você participa ou participou da construção de alguma caixa didática? Qual(s)?
Relação com as caixas didáticas
7. Comente sobre o seu envolvimento com a caixa Padrões de Beleza.
Sobre a (relação com a) caixa Padrões de Beleza
143
APÊNDICE II – Protocolo do perfil das interlocutoras
144
Perfil da entrevistada Nome: Andréia Baia Prestes Sigla para entrevista: [ABP] Formação: mestre em Antropologia (UFPR) Quando trabalhou no MAE-UFPR: 2008 – atual Função no MAE-UFPR: coordenadora da Ação Educativa Relação com a caixa Padrões de Beleza: uma das criadoras da caixa Padrões de Beleza, e coordenadora do feitio de todas as caixas didáticas. Data da ficha: 25/08/2014 Obs.: Foto fornecida pela própria entrevistada (imagem de julho de 2012).
Perfil da entrevistada Nome: Karlla De Paris Sigla para entrevista: [KDP] Formação: graduanda em Bacharelado e Licenciatura em História (UFPR) Quando trabalhou no MAE-UFPR: 2009 a 2014 (com intervalos) Função no MAE-UFPR: bolsista da Ação Educativa Relação com a caixa Padrões de Beleza: uma das criadoras da caixa Padrões de Beleza e da caixa Paraná. Data da ficha: 25/08/2014 Obs.: Foto fornecida pela própria entrevistada (imagem de abril de 2014).
145
Perfil da entrevistada Nome: Laura S. Rotunno Sigla para entrevista: [LR] Formação: graduada em Bacharelado em Ciências Sociais (UFPR) Quando trabalhou no MAE-UFPR: 2009 a 2012 Função no MAE-UFPR: bolsista da Ação Educativa Relação com a Caixa Padrões de Beleza: uma das criadoras da caixa Padrões de Beleza e da caixa Paraná. Data da ficha: 25/08/2014 Obs.: Foto fornecida pela própria entrevistada (sem data).
146
APÊNDICE III – Protocolo de transcrição de entrevista96
Realização da entrevista por: Aline Vörös [AV] Data da entrevista: DD/MM/AAAA Sujeito da entrevista: Nome completo [sigla criada a partir de nome e um sobrenome] Tema: [assuntos previamente definidos para abordar nessa entrevista] Duração da entrevista: [HH:MM:SS] Data da Transcrição da Entrevista: Mês/ANO Formato do arquivo: Nome do arquivo: Localização do arquivo: ex.: arquivo particular da autora Observações: destacar assuntos importantes tratados na entrevista.
Turno Legenda Transcrição Categoria Obs.
[1] [pesquisadora indicada pela abreviação do nome]
Trecho Indicar categoria de acordo com o tema da entrevista.
[2] [entrevistado(a) indicado pela abreviação do nome, de acordo com o estabelecido no cabeçalho]
...
Legenda de símbolos utilizados
[...] Pausa durante a fala
[escrita] Comentário para situar o leitor sobre o assunto
Trecho em itálico Destaque para o que foi dito
96
Adaptado de Pereira (2014).
147
APÊNDICE IV – Protocolo de transcrição de temas e falas
1. Dados transcritos em temas e falas
Tema [Autor da fala]
Turno(s)
Data da entrevista
Obs.
Objetivo da caixa
[ABP] [I], [V], [IX].
DD/MM/AA
148
APÊNDICE V – Roteiro de entrevista temática com os objetos da caixa Padrões de
Beleza
1. Cabeçalho da entrevista
2. Roteiro da entrevista
Tema Caixa Padrões de Beleza e seus objetos
Roteiro n. (indicar em romano)
III
Nome do entrevistado
Nome [indicação de sigla na entrevista]
Data da entrevista
DD/MM/AAAA
Autor da entrevista
Nome [indicação de sigla na entrevista]
Data da transcrição
DD/MM/AAAA
Objetivo(s) As escolhas para a caixa; sobre a biografia dos objetos a partir do momento de escolha para mediar o tema padrões de beleza.
Observações Início da entrevista sobre o que será perguntado a partir de temas previamente estabelecidos, mas não rígidos. Se precisar, explicar de que forma será conduzida a entrevista.
Procedimento (ou pergunta) Categoria/justificativa Obs.
[AV] Bom, então meninas, é o seguinte: eu trouxe a caixa Beleza, pra gente fazer essa conversa junto com os objetos, que eu entrevistei vocês separadamente e na entrevista da Karlla [De Paris] surgiu essa ideia porque vocês trabalharam juntas, né, na escolha e na criação da caixa, então, eu, a minha proposta é colocar vocês em contato com os objetos... da caixa. Eu deixei ela [a caixa] fechada, pra gente ir abrindo, e assim, fiquem à vontade se quiserem tirar tudo de uma vez, ou se vocês tiram [cada objeto] e falam... Talvez seja interessante colocar todos (os objetos), né, fora [na mesa em que estávamos em volta para
Relação entre as peças que estão na caixa.
149
essa entrevista]... Como vocês quiserem... Então, abram a caixa vocês...! risos. E aí a gente vai conversando de acordo com o que vier. E depois, é... a gente vai dar uma olhada nos textos [que estão na caixa junto das peças] Se vocês estiverem de acordo.
Retirar os objetos da caixa e falar um por um, descrevendo-o, classificando (adorno ou brinquedo) e justificando porque ele se relaciona com o tema padrões de beleza.
Sobre a escolha das peças para a caixa; critérios para os objetos que podem compor as caixas e a caixa Padrões em contexto. Mapear as justificativas de cada peça na caixa.
As entrevistadas optaram por tirar objeto por objeto à medida que falavam de cada um.
Momento da entrevista junto aos textos da caixa Padrões de Beleza.
Compreender a relação entre objetos e os textos.
Sobre o texto “Real x Ideal” e a relação da Barbie com os textos da caixa.
Sobre a classificação da boneca Barbie.
Ela não está no catálogo da caixa desde que a caixa foi criada.
Sobre os usos da caixa Sobre a caixa e o objetivo desta; entender a forma de apresentar as peças da caixa Beleza em sala de aula, quando feita por elas, Karlla e Laura.
...
...
150
APÊNDICE VI – Roteiro de entrevista (história da caixa Padrões de Beleza)
1. Cabeçalho da entrevista
2. Roteiro de perguntas
Tema Perfil do entrevistado(a)
Roteiro n. (indicar em romano)
I
Nome do entrevistado
Nome [indicação de sigla na entrevista]
Data da entrevista
DD/MM/AAAA
Autor da entrevista
Nome [indicação de sigla na entrevista]
Data da transcrição
DD/MM/AAAA
Objetivo(s) Construção do perfil do entrevistado, compreender se o indivíduo tem uma noção do Museu como um todo, mapear o sujeito em uma suposta relação com as caixas didáticas e com a caixa Padrões de Beleza.
Observações
Pergunta Categoria Obs.
1. Primeiramente eu gostaria que você dissesse seu nome, o quê estuda e onde (instituição).
Identificação do sujeito e formação
2. Quando você trabalhou no MAE-UFPR? Você é/foi bolsista?
Vínculo com o MAE-UFPR
3. Qual bolsa é/foi a sua? (Existem dois tipos de bolsa vinculadas ao MAE-UFPR)
Vínculo com o MAE-UFPR
O que muda de acordo com o tipo de bolsa é irrelevante aqui.
151
APÊNDICE VII – Modelo de ficha de autorização
Universidade Tecnológica Federal do Paraná Programa de Pós-graduação em Tecnologia e Sociedade Linha: Mediações e Culturas Professor: Dr. Ronaldo de Oliveira Corrêa
TERMO DE AUTORIZAÇÃO97
Eu, abaixo-assinado, autorizo Aline da Silva Araújo Vörös, portadora do RG
6.268.516-6, a gravação dessa entrevista, bem como a utilização parcial ou total das
informações aqui declaradas por mim, bem como uso de imagens e documentos
cedidos, correspondências eletrônicas na íntegra ou não, em sua dissertação.
Estou ciente de que isso inclui reprodução total ou parcial das entrevistas,
imagens e documentos nos diversos meios utilizados para comunicação acadêmica
(oral, impresso, CD-ROM, vídeo, arquivos em formato de áudio e/ou vídeo, DVD,
exposições, instalações), em rádio, televisão aberta, fechada e por assinatura e sua
disponibilização via internet, no contexto da dissertação bem como publicação por
meio de livros.
Tal material destina-se exclusivamente à produção de obra intelectual com
fins acadêmicos.
Curitiba, dd, mês, aaaa.
Nome: ________________________________________________
Assinatura: ____________________________________________
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Modelo do documento baseado em Tessari, (2014).
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ANEXOS
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