trajetÓrias e interaÇÕes: os objetos da caixa didática...

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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TECNOLOGIA ALINE DA SILVA ARAÚJO VÖRÖS TRAJETÓRIAS E INTERAÇÕES: os objetos da Caixa Didática “Padrões de Beleza” do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Paraná (MAE-UFPR) DISSERTAÇÃO CURITIBA 2015

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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TECNOLOGIA

ALINE DA SILVA ARAÚJO VÖRÖS

TRAJETÓRIAS E INTERAÇÕES: os objetos da Caixa Didática “Padrões de Beleza” do Museu de Arqueologia e Etnologia da

Universidade Federal do Paraná (MAE-UFPR)

DISSERTAÇÃO

CURITIBA

2015

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ALINE DA SILVA ARAÚJO VÖRÖS

TRAJETÓRIAS E INTERAÇÕES: os objetos da Caixa Didática “Padrões de Beleza” do Museu de Arqueologia e Etnologia da

Universidade Federal do Paraná (MAE-UFPR)

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Tecnologia, do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Área de Concentração: Mediações e Culturas. Orientador: Prof. Dr. Ronaldo de Oliveira Corrêa

CURITIBA

2015

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AGRADECIMENTOS

A materialização desta pesquisa é fruto da colaboração de muitas pessoas,

de forma direta ou não. Sinto-me no dever de reconhecer e agradecer a todas que

estiveram, de certa forma, presentes ao longo desse período de amadurecimento.

Primeiro, agradeço às pessoas que estão ou estiveram diretamente

relacionadas ao Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do

Paraná (MAE-UFPR) e que contribuíram com a minha pesquisa. Minha especial

gratidão à Andréia Baia Prestes, sempre disposta e aberta, e também amiga.

Agradeço à Dra. Márcia Rosato por abrir o espaço mais uma vez para que eu

pudesse pesquisá-lo, e aos demais funcionários e bolsistas com quem tive

conversas e compartilhei informações técnicas e aprendizados. Agradeço também

Karlla De Paris e Laura S. Rotunno pela disposição em relembrar o passado.

Um agradecimento especial ao meu orientador, professor Dr. Ronaldo de

Oliveira Corrêa, pela paciência e insistência gentil em me mostrar que a pesquisa é

possível e relevante. Também pelas orientações e pelos muitos livros emprestados.

Agradeço também à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior (CAPES) pela bolsa obtida ao longo de 2014 até o término, em 2015, do

Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Tecnologia pela Universidade

Tecnológica Federal do Paraná.

Aos companheiros de orientação: “pessoas!”, agradeço pelas trocas e

contribuições sobre nossas pesquisas e pela amizade formada a partir disso: Ana

Lídia, Carla, Caroline, Juarez, Luciana, Raphael, Rodrigo e Valéria.

Agradeço também ao Lucas Garcia e ao Douglas Fróis, que me ajudaram

com algumas imagens que ilustram esta pesquisa.

Um agradecimento especial à minha madre, Beth, por sê-la tão bem, à

minha “hermAnna” e ao meu irmão inteiro, André.

Ao amor que vivencio com o Fabiano, o qual me traz a leveza.

Por fim, às amizades sinceras de Carol e Izabel, da Luana, da Brenda, da

Zezé, entre outros amigos e amigas que habitam em minhas lembranças carinhosas.

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RESUMO VÖRÖS, Aline da S. A. Trajetórias e interações: os objetos da caixa didática “Padrões de Beleza” do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Paraná (MAE-UFPR). 2015. 153 f. Dissertação (Mestrado em Tecnologia e Sociedade) – Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Curitiba, 2015. A presente pesquisa tem como intuito investigar uma coleção de objetos que compõe o material chamado caixa didática Padrões de Beleza, criado por um grupo da Ação Educativa do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Paraná (MAE-UFPR). O trabalho está centrado no processo de feitura dessa caixa, buscando, em especial, a compreensão das relações e das mediações formadas entre os agentes encarregados e os objetos museológicos por eles escolhidos para a composição do referido material. As análises se baseiam principalmente nos estudos de cultura material e antropologia dos objetos. A pesquisa envolve a construção de um inventário dos objetos e pesquisa etnográfica, concluindo com a redação da dissertação. Palavras-chave: Cultura material. Interação social. Museu. Educação.

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ABSTRACT VÖRÖS, Aline da S. A. Trajetórias e interações: os objetos da caixa didática “Padrões de Beleza” do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Paraná (MAE-UFPR). 2015. 153 f. Dissertação (Mestrado em Tecnologia e Sociedade) – Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Curitiba, 2015. The main purpose of this research is to explore a collection of objects which compose a material named “caixa didática Padrões de Beleza”, created by a group responsible for Educational Actions in the “Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Paraná (MAE-UFPR)”. This research focuses in the making process of this material, seeking, in particular, the understanding of the relations and interactions developed between the agents in charge and those museological objects chosen by them to be part of this “Caixa”. The analysis is based essentially on material culture studies and anthropology of objects. This research comprises the construction of an inventory of the objects, ethnographic research and the mapping of the information gathered, concluding with the writing of the dissertation. Key-words: Material culture. Social interaction. Museum. Education.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – ANDREIA BAIA PRESTES.................................................................. 33

Figura 2 – KARLLA DE PARIS............................................................................. 33

Figura 3 – LAURA ROTUNNO.............................................................................. 33

Figura 4 – VISTA INTERNA DO PÁTIO DA SEDE DO MAE-UFPR EM

PARANAGUÁ....................................................................................................... 63

Figura 5 – OS ESPAÇOS FÍSICOS DO MAE- UFPR........................................... 66

Figura 6 – DETALHE DA EXPOSIÇÃO REFERENTE AO SETOR DE ETNOLOGIA

INDÍGENA............................................................................................................ 69

Figura 7 – DETALHE DA EXPOSIÇÃO REFERENTE AO SETOR DE CULTURA

POPULAR ............................................................................................................ 70

Figura 8 – DETALHE DA EXPOSIÇÃO REFERENTE AO SETOR DE

ARQUEOLOGIA ................................................................................................... 71

Figura 9 – DETALHE DE UMA PARTE DO ARMÁRIO QUE ABRIGA A COLEÇÃO

MANIPULÁVEL (CM)........................................................................................... 80

Figura 10 – MEDIDAS DA CAIXA FÍSICA........................................................... 89

Figura 11 – FACE ADESIVADA COM DETALHE DO EDIFÍCIO SEDE EM

PARANAGUÁ (PR)................................................................................................ 89

Figura 12 – FACE ADESIVADA COM PEÇAS DO ACERVO DA CULTURA

POPULAR E ARQUEOLOGIA ............................................................................. 90

Figura 13 – DETALHE DA FACE ADESIVADA COM IMAGEM DO PÁTIO INTERNO

DA SEDE PARANAGUÁ (PR) .............................................................................. 90

Figura 14 – OUTRO ÂNGULO DA IMAGEM DO PÁTIO INTERNO DA SEDE E

PEÇAS CERÂMICAS DO ACERVO DE ETNOLOGIA INDÍGENA E CULTURA

POPULAR............................................................................................................ 90

Figura 15 – OS OBJETOS DA CAIXA PADRÕES DE BELEZA REUNIDOS ....... 95

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 9

2 PESQUISA, MUSEUS E OBJETOS .............................................................. 16

2.1 A ESCRITA ................................................................................................ 16

2.2 APRESENTAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS PARA A EXECUÇÃO DA PESQUISA ....................................................................................................... 23

2.2.1 Os sujeitos da pesquisa: objetos, textos e entrevistas na pesquisa ........ 33

2.2.2 As entrevistas .......................................................................................... 34

2.2.3 Sobre as categorias de análise ............................................................... 39

2.3 IDENTIDADE, CULTURA E UMA BREVE APRESENTAÇÃO DOS MUSEUS ............................................................................................................... 41

2.3.1 Museus: instituições mediadoras ............................................................ 41

2.3.2 Identidade e nação: construções políticas e culturais ............................ 47

3 O MAE-UFPR E AS SUAS CAIXAS DIDÁTICAS .......................................... 62

3.1 O MAE-UFPR ............................................................................................. 62

3.1.1 O último restauro: mudanças para novos espaços físicos e a criação da Sala Didático-expositiva ........................................................................................... 64

3.2 A SALA DIDÁTICO-EXPOSITIVA: O LOCAL DA AÇÃO EDUCATIVA DO MAE - UFPR EM CURITIBA (PR) ............................................................................... 66

3.2.1 Conservação, pesquisa e divulgação: a vida de um objeto museológico 72

3.2.2 A coleção manipulável do MAE-UFPR .................................................... 77

3.2.3 A criação das caixas didáticas e o desenvolvimento da Ação Educativa do MAE-UFPR dos anos 2000. ............................................................................. 87

4 A CAIXA DIDÁTICA PADRÕES DE BELEZA ............................................... 93

4.1 A CONSTRUÇÃO DA CAIXA: A IDEIA, O OBJETIVO E OS OBJETOS. ... 94

4.2 A BIOGRAFIA DOS OBJETOS DA CAIXA DIDÁTICA PADRÕES DE BELEZA ....................................................................................................................... 101

4.2.1 A Caixa Beleza: coleção da coleção e seus usos ............................. 103

4.2.2 Inventário descritivo e ilustrado ............................................................. 111

4.3 TRAJETÓRIAS E INTERAÇÕES: UMA ANÁLISE ................................... 122

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 132

6 REFERÊNCIAS ........................................................................................... 138

7 APÊNDICES ................................................................................................ 142

APÊNDICE I – Roteiro de Entrevista: perfil .................................................... 142

APÊNDICE II - PROTOCOLO DO PERFIL DAS INTERLOCUTORAS .......... 143

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APÊNDICE III - PROTOCOLO DE TRANSCRIÇÃO DE ENTREVISTA ......... 146

APÊNDICE IV - ROTEIRO DE ENTREVISTA TEMÁTICA COM OS OBJETOS DA CAIXA PADRÕES DE BELEZA ..................................................................... 147

APÊNDICE V - ROTEIRO DE ENTREVISTA (HISTÓRIA DA CAIXA PADRÕES DE BELEZA) ........................................................................................................ 150

APÊNDICE VI – MODELO DE FICHA DE AUTORIZAÇÃO ........................... 151

8 ANEXOS ..................................................................................................... 152

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1 INTRODUÇÃO

O museu que expõe estudos da cultura material tem condições para se transformar em espaço de insubstituível importância nos procedimentos de renovação pedagógica, trazendo para o ato de aprender o compromisso com o mundo vivido e os desejos de transformá-lo (RAMOS, 2004, p. 16).

O presente trabalho é fruto de uma pesquisa de Mestrado do Programa de

Pós-Graduação em Tecnologia e Sociedade da Universidade Tecnológica Federal

do Paraná (PPGTE-UFPR), realizado entre os anos de 2013 e 2015.

Realizei esta pesquisa no Museu de Arqueologia e Etnologia da

Universidade Federal do Paraná (MAE-UFPR) por desejar dar continuidade ao

estudo feito para a minha monografia de conclusão do curso de graduação em

Ciências Sociais (bacharelado e licenciatura), no ano de 2011, cujo objeto de

pesquisa foram dois livros de registros de visitantes do MAE-UFPR. Esses livros

continham sugestões, elogios e críticas acerca das exposições visitadas ou sobre o

Museu de forma geral. Isso fez com que eu me aproximasse do conhecimento sobre

museus, em particular, sobre o MAE-UFPR, o que resultou em um estágio no setor

de Ação Educativa, o qual, entre outras atividades, produz as caixas didáticas.

O intuito de pesquisar os objetos que compõem uma caixa didática

específica, a caixa Padrões de Beleza, ocorreu a partir de algumas reflexões

relacionadas à minha trajetória acadêmica. Além disso, meu interesse para esta

pesquisa está relacionado às experiências supracitadas e às reflexões a partir delas.

A escolha do objeto também se relaciona com o fato de ter sido a caixa com a qual

mais tive contato quando bolsista e com as possibilidades que ela provoca, como,

por exemplo, trabalhar temas relacionados a valores, diversidade, consumo, entre

outros.

Assim, a realização desta pesquisa é de alguma maneira a continuidade da

minha monografia1; das reflexões do momento em que fui estagiar no MAE-UFPR no

setor de Ação Educativa, no qual tive experiências relacionadas ao desenvolvimento

1 Disponível em: <http://www.humanas.ufpr.br/portal/antropologia/files/2012/11/VOROS-Aline.pdf>.

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de caixas e como guia em visitas na Sala Didático-Expositiva. Cabe acrescentar a

minha posterior experiência como professora de Sociologia para o Ensino Médio,

ocasião em que fiz o empréstimo e uso da caixa Padrões de Beleza.

A relação entre o Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR e a educação

está presente desde sua criação. O MAE-UFPR possui uma história de cerca de 40

anos, entre alguns momentos de transformações no que diz respeito à sua condição

de museu universitário, bem como conceitual em termos da museologia.

Embora não caibam nesta pesquisa as discussões político-institucionais que

caracterizam esse Museu – aspecto relevante nas discussões das ciências sociais e

políticas culturais –, julgo importante dizer que desde a sua fundação, em 25 de

julho de 1962, na cidade de Paranaguá, pelo professor José Loureiro Fernandes,

esse lugar sempre esteve vinculado à UFPR, e, portanto, ligado à educação e à

pesquisa e promovendo a relação entre a Universidade e a comunidade.

O início da criação de caixas didáticas nos anos 2000 relaciona-se com o

último restauro na sede em Paranaguá (litoral) – ocorrido na primeira década de

2000 –, com o aspecto educacional do MAE-UFPR e com a criação e o

desenvolvimento do setor de Ação Educativa.

O objetivo da criação das primeiras caixas didáticas era o de que as escolas

da cidade e região, que faziam frequentes visitas ao Museu, não perdessem o

vínculo com a instituição no momento desse restauro. E, também, com o intuito de

divulgar o próprio espaço em sua condição especial (fechado).

Essas caixas contêm objetos ou réplicas dos objetos das coleções do MAE-

UFPR referentes aos três setores por ele compreendidos: Arqueologia, Etnologia

Indígena e Cultura Popular. As peças dessas caixas foram escolhidas pelos

responsáveis dos três setores com a museóloga, na época, Mariana Hartenthal, e

com Andréia Baia Prestes, na época bolsista da etnologia que, em seguida, passou

a coordenar o novo setor criado: de Ação Educativa.

As primeiras caixas didáticas foram criadas a partir dos anos de 2008/2009,

com peças referentes aos três setores. Em seguida, foram criadas novas caixas, que

incluem temas específicos mediados pelos objetos do Museu. Geralmente, o tema

proposto é igual ou semelhante ao nome de cada caixa didática, como, por exemplo,

a caixa didática “Nos tempos da vovó”, que fala sobre cultura popular e tradições; ou

a própria caixa Padrões de Beleza.

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As caixas didáticas são compostas, geralmente, por objetos do acervo ou

réplicas; materiais didáticos (jogos lúdico-pedagógicos ou propostas de atividades);

textos de apoio que relacionam o tema proposto com esses objetos; e um catálogo

das peças, com imagem, identificação e informações de cada peça que foi escolhida

a partir de um tema preestabelecido.

As caixas podem ser utilizadas de forma independente – quando

emprestadas por usuários, principalmente professores do Ensino Fundamental e/ou

Médio, por exemplo – ou como atividade complementar às visitas guiadas ao Museu

junto dos bolsistas, na sede do MAE-UFPR em Paranaguá ou na Sala Didático-

Expositiva2, localizada em Curitiba.

A caixa Padrões de Beleza foi a primeira caixa didática construída para o

público juvenil, estudantes do Ensino Médio com idade entre 14 e 17 anos. O que

faz com que essa caixa tenha maior quantidade de textos, por exemplo, com

assuntos relacionados ao tema padrões de beleza para acompanhar seus objetos.

A construção da caixa Padrões de Beleza foi feita por pessoas ligadas ao

MAE-UFPR: curadoria, museologia, bolsistas; a um conjunto de teorias relacionadas

às práticas museológicas, educação patrimonial e ciências sociais para a seleção

dos objetos que compõem a referida caixa, bem como elaboraram os temas dos

textos que acompanham esses objetos.

A caixa Padrões de Beleza é composta por 11 objetos, por textos que

abordam o tema da caixa, atividades relacionadas à beleza e aos padrões de beleza

e pelo catálogo.

Para compreender as trajetórias e interações dos objetos dessa caixa foi

preciso ouvir as inquietações manifestadas verbalmente (ou não) por algumas das

pessoas envolvidas com a sua criação sobre as escolhas de objetos, com a

elaboração de atividades e textos. Foram entrevistadas duas bolsistas da Ação

Educativa na época, Karlla De Paris e Laura S. Rotunno e a Andréia Baia Prestes

coordenadora da Ação Educativa e é a partir dessas narrativas que meu olhar sobre

os objetos se detém ao momento em que são escolhidos em diálogo com a

curadoria da etnologia indígena do Museu, com teorias, etc.

2 Espaço expositivo criado nos anos 2000 na cidade de Curitiba, a Sala Didático-Expositiva está

localizada no campus Prédio Histórico da UFPR, na Praça Santos Andrade, e será melhor apresentada no capítulo 3, item 3.2.

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Portanto, o registro biográfico dos objetos que compõe essa Caixa se

restringe ao status, não havendo nessa pesquisa uma discussão sobre “antes e

depois” dos objetos em termos biográficos; a investigação é sobre o fragmento do

tempo biográfico quando o objeto adquire a condição de (objeto) pertencente à

coleção manipulável.

A escolha de cada objeto, nesta pesquisa, é analisada a partir das

narrativas com algumas teorias dos estudos em cultura material, teorias

antropológicas, museológicas, de comunicação, tecnologia, entre outras.

O que tenho para expor está amparado em escolhas teóricas e políticas

aliadas ao que compreendo sobre aquilo que me propus a pesquisar: cultura

material, biografia de objetos (de museu) e processos de hibridação desses objetos.

Além de considerar os estudos em cultura material, é importante ressaltar

dois conceitos que se relacionam com esta pesquisa e merecem uma breve

apresentação, são eles os conceitos de tecnologia e de museu.

Tecnologia porque diz respeito ao meu local de pesquisa e perspectiva para

realizar este estudo, bem como por considerar as caixas didáticas como produções

técnicas de mediação, que, com isso, permitem pensar sobre a transformação das

coisas (e sobre cultura material) com uma concepção de tecnologia considerada a

partir das mudanças sociais, culturais, políticas, etc.

Ao compreender a produção das caixas didáticas do MAE-UFPR como

processo tecnológico, defendo a orientação sobre o conceito de tecnologia enquanto

produção humana localizada social e historicamente. Isso significa que ela se

relaciona com outros aspectos da produção humana, material ou não.

No que diz respeito à relação entre museu e tecnologia, é importante

ressaltar que a concepção de tecnologia nesta pesquisa está amparada por autores

que abordam o tema enquanto produção da vida social, e não como sua

determinante, tais como Cutcliffe (2003), Marx e Smith (1996), Novaes e Dagnino

(2004) e Sevcenko (2001).

Apresento nesta pesquisa a instituição museológica enquanto espaço no

qual ocorrem diferentes práticas que se relacionam com cultura material, tecnologia,

educação e produção de conhecimento. A leitura de alguns autores sobre esse tema

me permite apresentar de forma breve aqui – para depois ser mais detalhado no

segundo capítulo – que os museus são espaços nos quais há produção de

conhecimento e pesquisa(s), divulgação do acervo (próprio ou não) e preservação

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da produção material humana. Os principais autores aqui utilizados para pensar

essa instituição são Appadurai (2007), Kersten e Bonin (2007), Oliveira (2008),

Chagas (2005) e Studart (2010).

A partir das perspectivas escolhidas pelos assuntos que permeiam esta

pesquisa, considero a caixa didática Padrões de Beleza um objeto mediador.

Cenário enquanto espaço de ações, em que tudo está em processo. Esse espaço

(cenário) se encontra como centro de mediação dos agentes (sujeitos da criação da

caixa) entre si, e destes com os objetos; e a criação dos textos para a caixa Padrões

de Beleza. Dentro desse cenário, encontro algumas inquietações em relação ao

processo de construção desse espaço a partir das escolhas e intuitos, materiais e

imateriais para tal.

Ao considerar a construção dessa caixa como processo, a proposta é

perceber se isso promove diálogos, ideias, reflexões, etc.; processo esse que traz a

seguinte pergunta: como são narradas as trajetórias e interações dos objetos da

coleção manipulável no momento em que estes são escolhidos para ocupar a caixa

didática Padrões de Beleza?

Tal pergunta está pautada no pressuposto de que os estudos em cultura

material afirmam objeto(s) e indivíduo(s), componentes de uma mesma relação de

significados, e está amparada em Miller (2013) e Appadurai (2008).

O objetivo principal desta pesquisa é compreender a trajetória dos objetos, a

partir da escolha destes pelos sujeitos envolvidos com a construção da caixa para

sua composição.

Para tal, são necessários os seguintes objetivos específicos:

percorrer os processos de construção da caixa Padrões de Beleza3

(dos textos, atividades, escolha das peças, elaboração do catálogo);

inventariar os objetos escolhidos para a sua composição;

(re)construir a biografia dessas peças nesse momento da composição;

identificar as escolhas e atribuições de sentidos às peças relacionadas

ao tema da caixa.

Ao considerar os aspectos da cultura material, considero também que há

processos de interação/mediação entre sujeito e objeto; nesse caso, é a partir das

narrativas sobre o processo de construção da caixa “Padrões de Beleza” que as

3 Pesquisadores, bolsistas e funcionários do MAE-UFPR geralmente se referem à caixa Padrões de

Beleza como “Caixa Beleza”.

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interlocutoras manifestam tal relação – de interação – entre elas e os objetos

selecionados.

Os autores que estudam cultura material – e assuntos relacionados – e com

os quais dialogo são apresentados a partir da importância que alguns textos

possuem para a base da minha pesquisa. Portanto, este trabalho foi pautado em

uma revisão teórica, principalmente sobre estudos em cultura material a partir de

Appadurai (2008), Miller (2013), Ramos (2004), Kopytoff (2008), Rede (2001) e

García Canclini (2000).

Os procedimentos de metodologia para esta pesquisa visam à sua execução

em etapas circulares, portanto, organizadas, mas não lineares. São elas a revisão

teórica, o campo e a escrita.

A revisão teórica é composta pelas leituras realizadas sobre os conceitos

pensados e necessários para a execução desta pesquisa. O campo de pesquisa foi

realizado em diferentes momentos para: realizar entrevistas com as criadoras da

caixa Padrões de Beleza para reconstrução da história dessa caixa; para estar em

contato com os seus objetos para a composição de informações e de imagens; e

para a construção do inventário desses objetos.

A escrita ocorre em três momentos: de embasamento teórico; da análise das

falas nas entrevistas e da análise dos dados registrados, transformados em texto.

A estrutura dessa dissertação é apresentada da seguinte forma: na primeira

parte, “Pesquisa, museus e objetos”, indico a escrita em primeira pessoa, descrevo

os procedimentos para a execução da pesquisa (metodologia) e apresento

elementos fundamentais para falar sobre museus e minhas escolhas teóricas.

A segunda parte, “O MAE-UFPR e suas caixas didáticas”4, descrevo meu

universo de pesquisa, indico reflexões sobre a relação entre museus e educação

para, em seguida, apresentar as caixas didáticas criadas pela Ação Educativa do

Museu.

“A caixa didática Padrões de Beleza” compõe a terceira parte, o qual

considero um mergulho na caixa analisada. Apresento a caixa a partir de um

inventário dos objetos que a compõem, além das contribuições diretas a partir das

4 Nesta parte da dissertação, a utilização do passado como tempo verbal tem o intuito de indicar ao

leitor as transformações ocorridas em um determinado tempo e espaço, afim de não gerar a falsa ideia de que as transformações ocorridas no MAE-UFPR foram meramente pontuais. É importante dizer que as mudanças vivenciadas ao longo da historia dessa instituição podem ser interpretadas como processos constantes de autorreflexão das práticas museológicas.

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entrevistas com as pessoas envolvidas em sua criação. Além disso, é a parte em

que faço a análise de dados e na qual ocorre o encontro entre as reflexões

suscitadas por mim ao longo do processo da pesquisa com as informações

coletadas, das narrativas registradas e dos possíveis resultados de reflexões a partir

de elementos presentes nas partes anteriores.

As “Considerações finais” são frutos de um trabalho em movimento,

apontando desdobramentos futuros a partir de possibilidades percebidas. Apresento

a indicação dos autores que li ao longo desta pesquisa nas “Referências”, e os

“Anexos” poderão ser úteis para compreender detalhes do procedimento

metodológico utilizado para as entrevistas e demais registros necessários neste

trabalho.

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2 PESQUISA, MUSEUS E OBJETOS

[...] Na medida em que produzimos “coisas”, nossa preocupação é com a preservação de coisas, produtos, e com as técnicas de sua produção [...] (WAGNER, 2010, p. 60).

Este capítulo se refere à apresentação da pesquisa enquanto forma e

conteúdo. Inclui os termos identidade, cultura, cultura material e museu enquanto

conceitos-chave para falar das relações e das pessoas por meio dos objetos.

A pesquisa possui determinadas características, fruto de uma orientação

teórica que propõe a reflexão sobre temas por uma perspectiva que considera o

recorte temporal com o espacial5.

Aqui, abordo as reflexões e conceitos necessários para a definição da

estrutura da minha pesquisa. Apresento meu tema e minhas escolhas teóricas e

conceituais a partir disso.

2.1 A ESCRITA

O processo da escrita se relaciona com a construção do pensamento. O

pensamento é fruto de três aspectos importantes (entre outros) quando se vai a

algum lugar pesquisar algo. São eles: o olhar, o ouvir e o escrever. Essa perspectiva

é apresentada por Cardoso de Oliveira (2000) em um ensaio sobre a ida ao campo

enquanto atividade do antropólogo.

A escrita é necessária para que haja condições de apresentar minha

pesquisa (e minhas escolhas) e como processo de organização do que foi

investigado.

Cabe assumir aqui que optei por escrever em primeira pessoa do singular e

tempo verbal presente. Essa escolha tem o propósito de assumir a fala, a pesquisa,

5 Para tal, dialogo com autores como Néstor García-Canclini (2000) e Jesús Martín-Barbero (2004),

além de Igor Kopytoff (2008) e Arjun Appadurai (2008), que estudam cultura material e consideram essas dimensões de tempo e espaço também.

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e todo o processo aqui manifestado (materializado), sem deixar de dialogar com os

interlocutores na/da pesquisa e com os autores e as teorias que optei por trazer.

Sobre a escrita em si, acrescento que em termos de estilo opto pelo suporte

principalmente de Martín-Barbero. As contribuições desse autor estão relacionadas

à sua proposta no livro Ofício de cartógrafo: travessias latino-americanas da

comunicação na cultura (MARTÍN-BARBERO, 2004), sobre comunicação e cultura

na América Latina. Ele sugere uma inversão na análise no que diz respeito à

comunicação e à cultura (principalmente quando estão juntas – como a cultura de

massa). Essa inversão, em suas palavras, é “[...] investigar a comunicação desde6 a

cultura” (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 38, grifos meus), e não o inverso, como

constantemente abordado nas teorias de comunicação.

A comunicação é o tema enfocado por Martín-Barbero para a construção de

seus argumentos. Ele propõe mudar a ordem ou a relação entre elementos

importantes (conceitos), o que implica por sua vez em mudar o próprio modo de

olhar as pessoas ou as coisas.

Essa mudança permite que o resultado se manifeste de formas distintas,

como, por exemplo, a defesa em apresentar a sua escrita em primeira pessoa, sob a

forma de crônica, como um recurso discursivo.

Ele se utiliza da cartografia como metáfora para justificar sua forma de

pesquisar e escrever, pois as cartografias e mapas estão relacionados com a

distorção de algo. De acordo com o autor, nessas representações há filtragem da/na

informação, reduz-se um elemento, deforma-o, simplifica-o.

O mapa omite. O autor propõe que nos desprendamos dessas

representações que reduzem ou omitem para que, a partir desse afastamento, se

possa descobrir o mundo ou a si mesmo (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 11).

Para tal, ele aponta logo no início da obra o conceito de mapa noturno:

[...] um mapa para indagar a dominação, a produção e o trabalho, mas a partir do outro lado: o das brechas, o do prazer. Um mapa não para a fuga mas para o reconhecimento da situação desde as mediações e os sujeitos, para mudar o lugar a partir do qual se formulam as perguntas, para assumir as margens não como tema mas como enzima. Porque os tempos não estão para a síntese, e são muitas as zonas da realidade cotidiana que estão ainda por explorar, zonas em cuja exploração não podemos avançar

6 Em uma tradução livre do espanhol para o português deve-se entender a palavra desde como “a

partir de” em nossa língua, o que permite uma compreensão mais clara sobre a proposta do autor. A edição utilizada possui algumas falhas de tradução, incluindo a não tradução desse termo.

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se não apalpando, ou só com um mapa noturno (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 18, grifos meus).

Ao defender a utilização de um mapa noturno, o autor chama a atenção para

outras formas de olhar e, consequentemente, de escrever.

Esse mapa chama a atenção tanto para pensar outras formas de escrita –

no espaço acadêmico, escrever como crônica sem perder seu caráter reflexivo –

como para pensar e/ou olhar outros aspectos de algo inspecionado.

Assim, para novas cartografias na América Latina, Martín-Barbero propõe

uma revisão de fronteiras – (d)os processos migratórios e de identidades, que ficam

nublados –, a partir também da mudança das formas de políticas sociais, como a

ausência do Estado e descentramentos culturais.

Nesta pesquisa, a ênfase no mapa noturno ocorre no processo, ou seja, ver

as coisas de outras formas, perceber as mediações que ocorrem entre sujeitos e

objetos foram premissas para a execução. O mapa, nesse caso, é um meio, não um

fim.

O autor aponta para a necessidade de “[...] re-situar [sic] o estudo dos meios

[de comunicação] desde a investigação das matrizes culturais, dos espaços sociais

e das operações comunicacionais dos diferentes atores do processo” (MARTÍN-

BARBERO, 2004, p. 17, grifos do autor).

Com o intuito de cartografar, Martín-Barbero vai além da crítica e estrutura

do conceito de mediação. Indica uma cartografia das mediações comunicativas da

cultura: socialidade, tecnicidade, institucionalidade e ritualidade – espaços nos quais

ocorrem mudanças culturais e comunicacionais. O que por sua vez faz com que haja

uma reconfiguração das relações entre sociedade, cultura e política (MARTÍN-

BARBERO, 2004, p. 19).

Esse modo de olhar as coisas de outra forma também diz respeito à

compreensão das mediações, uma vez que meu objeto – a caixa Padrões de Beleza

– é composto de objetos e textos que permitem interação. Interação essa feita a

partir da relação estabelecida entre sujeitos e objetos: a escolha de determinadas

peças para compor uma coleção que possui o intuito de falar sobre padrões de

beleza.

Cabe indicar que, de acordo com a obra Conceitos-chave de museologia, as

mudanças na concepção de coleção apontam-na como “[...] uma reunião de objetos

que conservam sua individualidade e reunidos de maneira intencional, segundo uma

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lógica específica [...]” (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013, p. 35, grifos meus). O que

significa que as tensões criadas ou percebidas a partir da interação entre sujeitos e

objetos também está relacionada à forma de olhar individualmente cada objeto, para

incluí-lo ou não em uma coleção pautada sob um tema amplo, como o de padrões

de beleza.

O que essas peças falam? Ou melhor, de que forma essa interação pode ser

percebida? A utilização do mapa noturno é um recurso para que seja possível

perceber os sentidos, direções e trajetos do que não seria falado em um mapa

comum.

Quando olho o meu objeto de pesquisa, percebo que aquelas

materialidades que compõem a caixa Padrões de Beleza possuem semelhanças –

são categorizadas para – e, ao mesmo tempo, se distinguem. É nesse momento

percebido sobre a vida de cada objeto ali encontrado que eles são colocados para a

interação, em forma de uma (nova) coleção – pois todos fazem parte de outras

coleções maiores, que se encontram no acervo do MAE-UFPR –, sem deixar de

possuir sua própria biografia ou, quem sabe, afirmando as especificidades de cada

objeto para estar ali, nesse novo arranjo.

A caixa Padrões de Beleza é composta por 11 objetos selecionados a partir

de critérios como tamanho, fácil manuseio, resistência, pouco peso (para facilitar o

transporte), volume adequado para facilitar sua proteção e acomodação dentro da

caixa de madeira, entre outros, além da condição de dialogar com o tema definido:

padrões de beleza.

Entre os objetos selecionados, sete são adornos corporais indígenas de

diferentes etnias7, de uso masculino ou feminino, entre os quais um é infantil; e três

são bonecas, uma Barbie e duas Karajá.

As diferenças entre esses objetos estão demarcadas a partir, principalmente,

do grupo indígena que os localiza com a sua origem (identidade), pois estão

catalogados com a informação de etnia ao qual pertenceram e agora representam.

Essa junção de objetos diferentes sem um espaço comum – a caixa –

aponta para um cenário no qual as contribuições de García Canclini (1988) sobre

hibridismo são esclarecedoras para uma análise desses objetos e de sua mediação

com o tema proposto pela caixa.

7 As etnias são: Kanela, Karajá, Bororo, entre outras. No capítulo que trata dos objetos em si, a

localização e os detalhes desses objetos serão explicitados mais detalhadamente.

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O conceito de hibridismo utilizado na pesquisa está amparado na definição

desse autor, que ele apresenta no livro Las culturas populares en el capitalismo8.

Para o autor, foi necessário rever esse termo utilizado pelo multiculturalismo,

a partir de uma perspectiva na qual ele apresenta o contexto latino-americano como

distinto de outros contextos, principalmente do europeu e do estadunidense, em

relação à hibridez e também às concepções de modernidade e tradição.

García Canclini revisou o conceito de hibridismo a partir da reflexão sobre

seu uso, aplicação e entendimento. Ele procura deixar claro que os processos de

hibridação não ocorrem de maneira pacífica ou sem conflito, são gerados sob

tensões – que estão além de negociações (GARCÍA CANCLINI, 2013).

Antes disso, o autor se refere às formas de se interpretar ou definir o que

são as culturas populares no capitalismo. O enfoque teórico e metodológico do autor

pauta-se na concepção de que a cultura deve ser pensada como um instrumento

“para compreender, reproduzir e transformar o sistema social, para elaborar e

construir a hegemonia de cada classe” (tradução minha) (GARCÍA CANCLINI, 1988,

p. 17). Isso significa que a apropriação, a reestruturação e a reorganização de

significados da função de seus objetos (materiais ou não, leia-se cultura, por

exemplo) são práticas inerentes ao capitalismo para que seja possível reordenar a

produção e o consumo, seja na cidade, seja no campo. O que, por sua vez, faz com

que ocorra, a partir das classes dominantes – guardadas as devidas resistências das

classes populares –, uma reorganização e unificação de uma produção simbólica a

partir das culturas étnicas, de classe e nacional9.

É preciso entender a cultura enquanto instrumento de reprodução das

relações sociais objetivas. Isso implica em, de acordo com o autor, considerar as

representações culturais e a base econômica como autônomas.

Para tal, quebra-se a unidade entre produção, circulação e consumo e,

consequentemente, dos indivíduos com a sua comunidade para que se faça um

exame dos condicionamentos que atuam sobre a cultura. Ao mesmo tempo, há uma

8 GARCÍA CANCLINI. Las culturas populares en el capitalismo. México: Nueva Imagen, 1988.

9 Considero importante falar de identidade nesta pesquisa em razão de ela estar relacionada à

produção simbólica a aos museus de maneira geral. Para tal, vide item: “2.3 Identidade, cultura e uma breve apresentação dos museus”.

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reorganização transnacional da cultura em função da transnacionalização do

capital10.

O hibridismo, para García Canclini, está além dos conceitos comumente

utilizados nos estudos culturais para falar de transformações densas como o

sincretismo, a mestiçagem e a fusão. Esses conceitos dão a base para o hibridismo,

mas não o substituem. Para ele, o termo é intraduzível e não possui uma conclusão

em si mesmo.

A proposta é pensar no hibridismo a partir da ideia de compósito feito de

fragmentos/elementos diferentes que podem ser maiores do que outros ou mais

importantes do que outros; e, ao misturar esses elementos, suas diferenças não são

anuladas, (elas) permanecem e algumas até resistem, não se hibridizam.

Além da coisa híbrida, García Canclini aponta que mais relevante que essa

percepção são os processos que formaram a coisa híbrida em si. É fazer uma

reflexão analítica e reflexiva – como método – do processo, da coisa híbrida e o que

não virou coisa híbrida. Um exemplo do autor de uma “hibridação otimista” é a

reconversão cultural de um pintor em designer para reinvestir nas suas produções11

como forma de adequação ao mercado, a questão central é: como foi essa

conversão? Por isso, é o processo que interessa.

A coisa híbrida é o resultado. Ela é importante. Pois, é a partir dela (o

artefato ou a prática, por exemplo) que se vai (volta) para a compreensão do

processo que a tornou híbrida, ou não.

Existem coisas/práticas que não se hibridizam. Esse artefato ou prática pode

ser uma festa popular, um discurso, o cinema, um objeto de museu, um instrumento,

etc. Esses artefatos existem a partir das práticas que o produzem, materiais ou não.

O envolvimento físico gestual em relação à coisa híbrida mapeia ou indica o

caminho para o entendimento do processo vivido pela coisa, para sua hibridação.

Para isso, são fundamentais a língua, o gesto, práticas discretas em geral, que são

problematizadas/descritas pelo autor para que se revele além da poética: é

importante perceber a construção coletiva, social, histórica, ética, estética.

Ao considerar o processo de hibridação enquanto conceito-chave para a

minha pesquisa, chamo a atenção para o trecho inicial deste capítulo, sobre a

10

Também se ocupa, esse livro, das respostas das comunidades tradicionais e dos povos mestiços à dominação, suas formas de adaptação, resistir ou encontrar um lugar para sobreviver (GARCÍA CANCLINI, 1988). 11

GARCÍA CANCLINI, 2013.

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escrita, considerando-a como um processo contínuo desde quando os métodos da

pesquisa estavam sendo executados, até sua materialidade na forma de

dissertação.

Outro ponto que destaco é a contribuição do autor quando indica uma

proposta de observar a cultura como se observa a natureza, concebendo ambas

como espetáculos que se transformam constantemente. O autor refere-se a esse

movimento para introduzir o conceito de hibridismo, afirmando que a identidade

(popular/cultural, no caso) está em constante transformação, a partir inclusive de

políticas culturais, rurais e urbanas, com as mudanças sociais em geral. De acordo

com ele, as representações vivenciadas pela sociedade são impactadas pelo

capitalismo, principalmente no que é dito acerca da identidade cultural.

Considero a proposta simples e fundamental para pensar os argumentos

que adoto na construção da minha pesquisa, pois, compartilhamos da concepção

antropológica de que cultura é movimento, é dinâmica, é humana.

Além de García Canclini, a antropóloga Sally Price (2000) contribui no que

diz respeito aos objetos que vão para os museus e mudam de status. Embora a

pesquisa dessa autora fale especificamente de museus de arte, sua contribuição

relevante é sobre o discurso criado para os objetos étnicos que passam a ser

categorizados como “arte primitiva”. Esse discurso que é elaborado pelos

conhecedores, comerciantes e/ou críticos de arte dos centros artísticos na Europa e

nos Estados Unidos é a base para transmutar aquele objeto em obra de arte por ser

considerado “exótico”. E, por consequência, ele adquire um valor de troca

(econômico) considerável a partir de elementos contidos no discurso sobre o outro,

tais como aspectos culturais, sociais, etc.

De acordo com esses críticos/conhecedores das artes, a “arte primitiva” é

valorosa porque é considerada “pura”, “inocente”. É atribuída de valores que

remetem sempre a um estado pouco elaborado em termos técnicos, mas dotados de

sensibilidade e forte e marcadamente expressas.

E a existência de uma leitura sobre essa arte como arte simples a torna

“rica” ou é valorizada por isso, dentre outras características ocidentalmente

atribuídas. Ela (a arte primitiva) é interpretada no Ocidente como uma expressão

criativa “livre” de condicionamentos repressores do mundo ocidental, da vida

moderna. Além da analogia com desenhos infantis, uma perspectiva um tanto

quanto “evolucionista” ou racista, como diz Price. E essas ideias, como, por

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exemplo, do primitivo semelhante a uma criança (em termos de inocência/

manifestações artísticas), tornam-se “parte natural do ‘senso comum’ popular,

proclamadas por pessoas de todos os níveis de sofisticação cultural” (PRICE, 2000,

p. 57/8).

Ou seja, os apontamentos – brevemente apresentados aqui – de Sally Price

vão ao encontro de Martín-Barbero, que nos coloca sobre o mapa noturno. O

trabalho de Price aponta as necessidades de perceber os discursos sobre a

chamada “arte primitiva” a partir de perspectivas mais palpáveis, como a

antropológica, nesse caso para perceber, por exemplo, que há uma

supervalorização de um objeto a partir do que ele não é de fato. Não é um objeto

primitivo ou exótico, é um objeto outro. Pois, de acordo com essa autora, o final do

século XX12 pode ser caracterizado por alguns conceitos básicos relacionados ao

estágio em que se encontram as transformações tecnológicas e, consequentemente,

sociais (e vice-versa) no mundo.

2.2 APRESENTAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS PARA A EXECUÇÃO DA

PESQUISA

Aqui a metodologia é considerada como o caminho de pesquisa, dotada de

aparatos necessários para organizar informações e reflexões a partir de diálogos,

análises, interpretações e conhecimento.

A materialidade do objeto da pesquisa, que vai ao encontro das minhas

referências teóricas, permite indicar que os aspectos materiais de um determinado

grupo ou sociedade, por exemplo, sustentam a prática da reflexão ou a abordagem

de aspectos relacionados às práticas culturais desses grupos. Essa perspectiva é

dos estudos em cultura material. Pois, não é o objeto em si que dá o suporte às

práticas, mas a relação entre os artefatos, os sujeitos e as práticas.

Daniel Miller (2013) propõe que o ato de relacionar-se com elementos da

cultura material está além de suas características táteis ou materiais. Ele afirma:

12

A versão original em inglês é de 1991, Primitive Art in Civilized Places.

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Confrontar os trecos13

: reconhecê-los, respeitá-los, nos expor à nossa própria materialidade, e não negá-la. Meu ponto de partida é que nós também somos trecos, e nosso uso e nossa identificação com a cultura material oferecem uma capacidade de ampliar, tanto quanto de cercear nossa humanidade [...] como e por que uma apreciação mais profunda das coisas nos levará a uma apreciação mais profunda das pessoas (MILLER, 2013, p. 12, grifos meus).

De acordo com Miller (2013), os aspectos que envolvem as coisas materiais

são múltiplos e, por consequência, é possível (e até necessário) analisá-los a partir

de diversas disciplinas. Ele afirma que não há como encaixá-los em um único campo

(ou disciplina), pois o mundo material exige teorias e perspectivas diversas.

Tal como definida por Buccaille Pesez, a cultura material: “[...] consiste no

estudo interdisciplinar da construção, permanência e transformação das

circunstâncias concretas que compõem os – e influem nos – modos de vida das

coletividades humanas ao longo do tempo” (1989 apud RAMOS, 2004, p. 16, grifos

meus).

Os objetos estão diretamente relacionados ao cotidiano, como apontam

Silveira e Lima Filho (2005), que associam os significados desses objetos às

experiências do dia a dia, o que permite ao objeto concreto configurar-se, também,

como uma imaterialidade promotora de interação entre os sujeitos14.

Os objetos materiais vinculam-se a valores e símbolos que lhes são atribuídos

pelos indivíduos pertencentes a um corpo social dado, por meio de prática e

ritualização, “sendo que os mesmos [valores e símbolos] emergem da própria

experiência intersubjetiva das pessoas em interação entre si, e delas com o mundo”

(SILVEIRA; LIMA FILHO, 2005, p. 38, grifos meus).

Esses objetos são percebidos na cultura material a partir de uma perspectiva

que os considera fundamentais para a compreensão da própria história humana.

Os estudos de cultura material na perspectiva francesa, citados por Rede

(2001), manifestam a preocupação do grupo de pesquisadores em demonstrar a

relação que nós temos com nosso próprio corpo enquanto um “balizador maior da

experiência material do homem” (p. 283). Afirmando, portanto, a constância da

13

O autor afirma não se preocupar com a definição da palavra “treco“ para se ater à sua forma de investigar sobre cultura material. Ele apenas diz: “variedade de coisas que podemos chamar de treco” (MILLER, 2013, p.7). 14

A proposta é pensar o objeto material a partir de uma “antropologia do objeto documental”, que se

atém ao “objeto e sua dinâmica social”, ou seja, uma circulação e presença de “alma nas coisas”, para além do que é dado (SILVEIRA; LIMA FILHO, 2005).

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manipulação de objetos da cultura enquanto um processo de interação do objeto

com o corpo. A proposta desse autor é considerar que há uma “relação plural e não

necessária entre os elementos componentes da realidade” (p. 284). E o sujeito é

quem opera a maleabilidade dessa relação.

De acordo com Warnier apud Rede (2001, p. 286), os estudos de cultura

material podem ser entendidos como uma etnologia da singularidade, não

generalizam os objetos, pois mascarariam a particularidade de suas “n” trajetórias, e

isso auxilia na compreensão da constituição do sujeito social.

Além disso, a singularidade dos objetos permite que se reconheça que eles

possuem trajetórias ao longo de sua vida.

Para Igor Kopytoff (2008), os objetos possuem sua própria biografia, embora

estejam associados à vida humana. Essa biografia do objeto pode ser percebida nos

momentos de transição de status que os objetos vivenciam quando deslocados de

um local (tempo, espaço e uso) para outro. No caso dos objetos desta pesquisa, por

exemplo, considero que meu recorte sobre os objetos da caixa Padrões de Beleza

descreve o status em que se encontra o objeto, ou seja, em que “fase” da sua vida o

objeto se encontra quando retirado do acervo do MAE-UFPR para compor uma nova

coleção, na caixa didática sobre padrões de beleza.

Para conhecer esse momento do status novo em que esses objetos da caixa

se encontram, é preciso pensar sobre a trajetória de cada um deles e a interação

experimentada quando reunidos em um propósito.

Kopytoff chama atenção para as transformações dos objetos (e seus

significados) a partir de sua análise biográfica. Para ele, observar essas

transformações a partir da biografia é um recurso para se perceber as

mudanças/processos das coisas que se transformam em mercantis ou não, ou as

que deixam de ser, ou as que passam a ser, e que o aspecto cultural é deveras

relevante, não só o econômico (KOPYTOFF, 2008, p. 91).

Para efetuar a biografia de um objeto nesta pesquisa, estabeleci um diálogo

com o que esse autor coloca como um possível roteiro para traçar a biografia de

elementos materiais. Ele diz:

Ao fazer a biografia de uma coisa, far-se-iam perguntas similares às que fazem às pessoas: Quais são, sociologicamente, as possibilidades biográficas inerentes a esse “status”, e à época e à cultura, e como se concretizam essas possibilidades? De onde vem a coisa, e quem a fabricou? Qual foi a sua carreira até aqui, e qual é a carreira que as pessoas

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consideram ideal para esse tipo de coisa? Quais são as “idades” ou as fases da “vida” reconhecidas de uma coisa, e quais são os mercados culturais para elas? Como mudam os usos da coisa conforme ela fica mais velha, e o que lhe acontece quando a sua utilidade chega ao fim? (KOPYTOFF, 2008, p. 92).

No meu caso, opto por delimitar a vida de cada objeto da caixa Padrões de

Beleza a partir de um recorte de suas vidas: enquanto peças do acervo do MAE-

UFPR até o momento em que essas são escolhidas para compor a caixa. Esse

deslocamento de espaço – da reserva técnica para uma caixa didática – traz consigo

elementos que alteram o status de cada objeto. Essa alteração diz respeito a dois

aspectos que considero como principais em suas vidas: o fato de se tornarem

manipuláveis, em função das condições que as caixas didáticas estabelecem na

relação entre objeto e espectador, e como objetos mediadores15.

Cada objeto selecionado para a caixa Padrões de Beleza foi observado com

a proposta que a caixa traz, com o objetivo de discutir sobre a existência de outros

padrões de beleza, que podem ser percebidos a partir da apresentação dos adornos

indígenas que compõem a caixa com os textos e propostas de atividades. Além

desses, o destaque para três peças que não são adornos, mas bonecas.

Para fazer esse trecho da biografia, foi construída uma ficha de identificação

de cada peça, a partir do seu registro fotográfico, do catálogo que está presente na

referida caixa e de informações registradas em entrevista16 com as duas bolsistas

envolvidas no processo de construção dessa caixa, a Karlla e a Laura, com as

próprias peças que a compõem.

As coisas passam por processos iguais ou semelhantes aos das pessoas:

também mudam de status17. Os objetos, de acordo com Kopytoff, não estão restritos

a serem mercadorias pautadas somente em seus valores de uso e de troca: a

produção também é “processo cognitivo e cultural” (2008, p. 89). Ele afirma que

definir os objetos em valores de uso é restritivo, pois algumas coisas podem ser

compradas justamente para serem retiradas do mercado, como uma obra de arte

comprada para um museu ou objetos para coleções públicas ou particulares. Ou

seja, o status muda de acordo com as atribuições do grupo. O objeto deve ser

15

Similar aos objetos geradores apresentados por Ramos (2004). 16

Sobre o roteiro da entrevista, vide o Anexo IV. 17

O autor considera status como “processo de transformação social que envolve uma sucessão de fases e mudanças de [...]”; processo o autor entende como “sucessivas fases [que] se sobrepõe umas às outras” (KOPYTOFF, 2008, p. 90-91).

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pensado, diz o autor, a partir dele mesmo. Isso não significa analisar sem considerar

as atribuições que determinada sociedade estabelece para ele, mas que as relações

do grupo entre si e para com sua cultura material é que irão permitir que o objeto

seja passível de mudanças de status, como seu valor de troca ou simbólico, entre

outros.

As coisas têm história, têm vida: elas podem ser mercadoria em um

momento e deixar de sê-la (sair de circulação) em outro. Isso caracteriza a biografia

das coisas: as mudanças de status.

Ao considerar o que Kopytoff diz, posso ponderar que os objetos que

compõem a caixa didática Padrões de Beleza do MAE-UFPR são dotados, cada

qual, de biografias, e se encontram em um status comum: de objeto de museu que

foi escolhido como objeto de museu a ser manipulado18 a partir de uma proposta que

os colocam em circulação não mercantil e os permite ser peças mediadoras de

assuntos temáticos. Isso também justifica o feitio de um inventário dessas peças,

que será apresentado no capítulo 4, “A caixa didática Padrões de Beleza”.

As coisas, portanto, se constituem no momento em que são produzidas e a

partir da elaboração das (suas) próprias trajetórias por meio de circulação, ou seja,

enquanto se fazem circular, se constituem.

Arjun Appadurai é outro autor importante para esta pesquisa. Foi ele quem

organizou o livro A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva

cultural (2008), no qual se encontram artigos relacionados aos estudos de cultura

material (após a década de 1990).

Na apresentação desse livro e no seu artigo “Mercadorias e a política de

valor” (APPADURAI, 2008, p. 15-88), o autor convida-nos a pensar sobre a

importância das coisas além da relação econômica e da relação de troca, ou melhor,

pensar o que existe com as relações de troca a partir de uma biografia dos objetos,

pautado na proposta de Kopytoff, citada anteriormente19 nesta pesquisa.

Appadurai apresentou na década de 198020 a proposta de se ater às trocas

e não aos objetos em si. Referenciando Georg Simmel, o autor propõe pensar que

há uma relação sustentada pela política de troca e valor; a troca é determinante para

18

Esses objetos saem “emprestados” de suas coleções originais do acervo para uma nova coleção: a coleção manipulável (CM). Geralmente, objetos do acervo de museus são intocáveis pelo público. 19

Os artigos de Appadurai e de Kopytoff se encontram na mesma obra, já citada (2008). 20

A primeira edição do livro, publicada originalmente em inglês, The social life of things: commodities in cultural perspective, é do ano de 1986, pela Cambridge University Press.

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o valor, seja econômico, cultural, social, etc. Ele diz: “[...] É a troca que estabelece

os parâmetros da utilidade e escassez, não o contrário, e é a troca que é a fonte de

valor” (APPADURAI, 2008, p. 16).

Isso significa que a mercadoria, enquanto objeto de valor econômico

(pressuposto de G. Simmel), possui esse valor criado a partir do julgamento (ou de

uma subjetividade provisória) que os sujeitos fazem do objeto. Portanto, para

Appadurai, o valor das coisas emerge da subjetividade e opera no âmbito objetivo da

vida social (APPADURAI, 2008, p. 15).

Os objetos valiosos são aqueles que nos resistem a obtê-los por serem

“inatingíveis”/impagáveis, e para sua aquisição a troca de sacrifícios é necessária;

disso é composta a vida econômica. O objeto adquire valor a partir da sua demanda:

a troca e o sacrifício da troca, por exemplo. A presença de um valor econômico

conferido ao objeto está localizada em situações sociais específicas.

A proposta do autor é que se observe a vida das coisas (objetos) a partir de

si mesmas no que diz respeito a formas, usos e trajetórias. Appadurai escreve: “[...]

são as coisas em movimento que elucidam seu contexto humano e social” (2008, p.

17).

Para contribuir na redução do excessivo valor nas transações econômicas e,

consequentemente, chamar a atenção para a circulação do objeto, o autor afirma

que é preciso estar atento às coisas em si mesmas para não supervalorizar

sociologicamente as transações com as coisas. Como fez Marcel Mauss21, ao

colocar a troca baseada em valores como central a partir do valor em si, comenta

Appadurai (2008, p. 17).

Appadurai considera sua crítica a Marcel Mauss como ponto de partida para

uma revitalização da antropologia das coisas.

Novamente, sobre a vida dos objetos em museus, é importante mencionar

Ramos (2004), quando este explica sobre a importância que o objeto museológico

possui enquanto um objeto gerador.

Os objetos, quando colocados em um novo lugar, ou seja, quando se tornam

peça de acervo museológico, mudam sua função e valor. Mas, é justamente a partir

desse novo espaço (ou status, diz Kopytoff) que esse objeto poderá, então, gerar

outras inquietações. Gerar novos olhares para si e, consequentemente, para novas

21

Crítica ao “Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas”, de Marcel Mauss. In: MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2003.

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29

interpretações dele e do mundo ao seu redor. Seja esse mundo o próprio espaço do

museu, seja a história que esse artefato traz – ou faz mediação – ao ser olhado,

questionado, analisado.

Portanto, de acordo com Appadurai (2008, p. 19), a função e/ou o valor do

objeto museológico não são os mesmos do momento da sua criação. Pois esse

novo lugar, o museu, é também fruto do processo de seleção desses objetos, que,

então, passam a ser considerados como artefatos museológicos. O que implica

novas características a partir da identificação de sua “origem” e atribuição de novos

significados.

Os objetos contidos na caixa didática Padrões de Beleza foram escolhidos

para que suscitassem questionamentos e discussões sobre o tema padrões de

beleza, por meio de uma ideia de desconstrução. Ou melhor, des-unificação; a

proposta era demonstrar a existência de outros padrões de beleza além do ocidental

branco – este representado por uma boneca Barbie na caixa – com adornos

corporais indígenas. Adornos esses referentes a grupos étnicos distintos, para

ilustrar o argumento sobre pluralidade étnica e de padrões indígenas.

Ao considerar os estudos de cultura material, se inclui também a perspectiva

da construção social da tecnologia. Afinal, a cultura material pode estar diretamente

ligada à transformação das coisas pela humanidade, como, por exemplo, à

tecnologia. Transformação essa associada a uma concepção de tecnologia que a

considera fruto de mudanças sociais, culturais, econômicas, geográficas, políticas,

etc.

Deve-se também atentar – ao trabalhar com os objetos em um contexto

museológico – para o fato de que, não só a produção desses objetos, mas a própria

relação deles com os sujeitos (por consequência, a sociedade) são ou podem ser

permeadas por essa perspectiva de uma tecnologia contida em um determinado

contexto histórico-social, conforme as necessidades de tal época, como afirmaram

Marx e Smith (1996), entre outros.

Marx e Smith (1996) fazem uma crítica aos autores do determinismo

tecnológico, que afirmam ser a tecnologia “quem” transforma o mundo, condição

extrema e questionável. Para aqueles, ao contrário, o avanço da tecnologia é da

necessidade humana. E a palavra tecnologia é uma ideia abstrata, moderna.

Julgo necessário abordar sobre tecnologia a partir da perspectiva que a

coloca como fruto da necessidade humana, pois entendo a produção das caixas

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30

didáticas como processo tecnológico, na medida em que, com elas, há possibilidade

de produção de conhecimento, informação e interação a partir do objeto.

De acordo com o historiador Nicolau Sevcenko (2001), as mudanças na

tecnologia ocorrem ao longo da história humana de forma não linear ou contínua,

mas como diversos loops de uma montanha russa. Com isso, o autor ressalta que a

cultura é um aspecto importante para compreender as transformações que ocorrem

no que diz respeito também à produção da tecnologia.

Além disso, a própria constituição do campo de Ciência e Tecnologia (CT) e,

posteriormente, de Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) apresentam a concepção

da tecnologia produzida em um contexto específico (tempo e espaço) e sua relação

com o campo científico.

De acordo com Cutcliffe (2003), o surgimento do campo de estudos em

Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) está marcado no período histórico do

contexto da 2ª Guerra Mundial (1945-49), principalmente nos Estados Unidos e no

continente europeu, caracterizados por uma crença no progresso da humanidade

em função de seu desenvolvimento científico e tecnológico. A partir dos anos 1970,

os gastos sociais em Ciência e Tecnologia (CT) são questionados, além de uma

reflexão sobre seus impactos negativos. É um momento em que o imaginário de

progresso em função da CT é colocado em dúvida.

De forma breve, o autor descreve as características que cada década (pós-

anos 1950) apresenta ou problematiza sobre esse novo campo CTS, que surge com

a proposta inicial de ser “um campo acadêmico explícito somente de ensino e

investigação” (CUTCLIFFE, 2003, p. 7). Nos anos 1960, os Estados Unidos, sob a

influência da sociologia, da história e da filosofia da ciência, consideram que os

estudos em CTS são frutos de uma “necessidade percebida de uma compreensão

mais completa do contexto social da ciência e da tecnologia” (CUTCLIFFE, 2003, p.

7). As características de cada geração apresentadas pelo autor de forma breve

mostram as transformações de cada contexto, a partir de novos elementos.

Cutcliffe diz que a primeira geração se caracteriza pelo tom crítico e

antissistema. Já na década seguinte, anos 1970, as pesquisas estão relacionadas

às questões sobre os gastos sociais e os impactos negativos da produção da ciência

e da tecnologia para a sociedade, admitindo, por sua vez, que a ideia de progresso é

questionável, aliada aos movimentos sociais desse período, bem como às

transformações no mundo do trabalho em função das novas tecnologias e

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automatização. É nesse momento, afirma o autor, que tecnologia e ciência são

admitidas como processos sociais (CUTCLIFFE, 2003). Os anos 1980, ao superar a

análise do conteúdo social de C&T, reforçam a existência, já percebida na década

anterior, de documentos e manifestações de grupos sociais e de reconhecimento do

campo de Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS). O exemplo citado pelo autor é a

“Declaración de Derechos sobre la Nueva Tecnologia”, que trata dos impactos das

novas tecnologias no mundo do trabalho, associados a preocupações relacionadas

ao meio ambiente e ecologia, ao desenvolvimento sustentável, entre outros. Dos

anos 1990 em diante, a não neutralidade cientifica é considerada e assumida. É uma

escolha política. É reconhecido que o campo CTS está inserido em contextos

histórico-culturais específicos, cada qual com seus impactos e benefícios a partir de

seus usos políticos.

A ideia de progresso, portanto, serve como estímulo para o surgimento do

campo CTS, justamente porque é a partir de questionamentos acerca dele (do

progresso ou da ideia de) que o campo se coloca “em cena”. Cabe incluir que esse

meado do século XX vai influenciar nos elementos relacionados à concepção de

progresso associado à nova forma de pensar a identidade do sujeito nas décadas

seguintes (HALL, 2011).

Sobre artefatos tecnológicos e a própria conceituação de tecnologia, Novaes

e Dagnino (2004) demonstram que esses artefatos estão localizados histórica e

socialmente nas escolhas tecnológicas. Isso significa que a estrutura tecnológica de

uma sociedade capitalista modela “[...] tanto as relações práticas quanto subjetivas

dos seres humanos [...]” (NOVAES; DAGNINO, 2004, p. 191).

De acordo com Feenberg22, citado pelos autores, a tecnologia “é um artefato

sociocultural” (NOVAES; DAGNINO, 2004, p. 192) e, portanto, não é passiva ou

neutra. O que significa, por sua vez, que há tensões e conflitos no que diz respeito a

qualquer elemento que se relacione com a produção ou utilização da tecnologia em

qualquer aspecto. Ao contrário do chamado determinismo tecnológico, que concebe

a tecnologia como determinante nos processos sociais relacionados a ela.

O determinismo tecnológico é caracterizado por isentar a referência que os

indivíduos possuem na produção de conhecimento (materializado ou não) de acordo

com seu contexto histórico, social, econômico, etc. Algo semelhante à teoria

22

FEENBERG, A. CriticaI Theory of Technology. New York: Oxford University Press, 1991.

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32

evolucionista nos estudos antropológicos (fim do séc. XIX, principalmente), já em

desuso. Essa acreditava que as sociedades estavam todas em um mesmo caminho

evolutivo no que dizia respeito à civilidade, percebido a partir da análise da produção

de técnicas e dos artefatos produzidos pelos grupos.

A tecnologia enquanto determinada faz compreendê-la como produção

humana, localizada em contextos sócio históricos específicos. Bem como o

desenvolvimento dos museus e das formas de interpretação e exposição da cultura

material nesses espaços.

A relação entre museu e tecnologia é permeada por um dos aspectos que

considero relevante sobre a instituição museológica: a educação informal promovida

nesses espaços a partir da interação com os objetos museológicos, que julgo

mediadores.

Portanto, acredito que a produção das caixas didáticas do Museu de

Arqueologia e Etnologia da UFPR e seus temas possuem contribuição, por exemplo,

para a tecnologia relacionada à educação, à educação patrimonial e a novas – ou

outras – formas de mediação entre sujeito e realidade.

Também assumo que os métodos de pesquisa utilizados neste trabalho

fazem parte de uma reunião de repertórios, e destaco o estudo de caso como

coadjuvante, por combinar com a perspectiva interdisciplinar assumida/adotada.

Além das leituras, o contato com o campo – enquanto conjunto espacial,

temporal e humano – foi importante para a compreensão do contexto do objeto.

As entrevistas possuem o intuito declarado de fazer com que o Outro fale

sobre a sua experiência subjetiva quando se relaciona com a caixa didática Padrões

de Beleza, daí a ênfase nas pessoas que estiveram ligadas a essa caixa quando ela

foi construída.

A elaboração do inventário é relevante para conhecer os objetos da caixa a

partir dos dados já sistematizados pelo MAE-UFPR, encontrados no catálogo desses

objetos na caixa Padrões de Beleza. O inventário encontra-se no item 4.2.2,

“Inventário descritivo e ilustrado”.

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33

2.2.1 Os sujeitos da pesquisa: objetos, textos e entrevistas na pesquisa

A escuta, o contato com os registros e objetos relacionados à caixa Padrões

de Beleza e a escrita desta pesquisa se relacionam diretamente com o Outro.

O Outro, nesse caso, são as minhas interlocutoras23. Esta pesquisa tem por

base ouvir as pessoas, o que implica em estar atenta às tensões que podem

aparecer – diretamente ou não – pelas falas ou outras formas manifestadas.

A criação da caixa Padrões de Beleza está diretamente relacionada a três

pessoas: Andréia Baia Prestes, coordenadora da Ação Educativa do MAE-UFPR,

Karlla De Paris e Laura Rotunno, bolsistas do Museu na época (2009/2010). São

elas, além dos próprios objetos que estão na caixa, meus sujeitos da pesquisa.

São essas três pessoas que promovem as primeiras possibilidades de

articular a mediação entre os objetos da caixa e entre eles e os textos que a

compõem. É importante lembrar que, além dessas pessoas envolvidas diretamente

com a criação da caixa didática, a coordenadora do setor de Etnologia Indígena,

professora Laura Perez Gil, também contribuiu para a criação da caixa, como é

citado em alguns trechos das entrevistas.

A Andréia Baia Prestes (ABP) está no Museu desde 2008. Seu trabalho

começou como bolsista de mestrado, do curso de Pós-Graduação em Antropologia

Social da UFPR (PPGAS/UFPR). Na época, era a responsável pela elaboração das

caixas didáticas quando o MAE-UFPR estava fechado para o último restauro (anos

2000). Atualmente é coordenadora da Ação Educativa, criada em 2009, vinculada e

localizada na Sala Didático-Expositiva, em Curitiba.

A Karlla De Paris (KDP) é estudante do curso de graduação em História da

UFPR e foi bolsista da Ação Educativa durante os anos de 2010 a 2013. No

segundo semestre de 2013 até o primeiro de 2014, ela foi bolsista de outro setor do

Museu. É uma das criadoras da caixa Padrões de Beleza.

Laura S. Rotunno (LR), à época estudante do curso de graduação em

Ciências Sociais pela UFPR, foi bolsista da Ação Educativa do MAE de 2010 até

abril/maio de 2013. Trabalhou junto com a Karlla, a Andréia e outros bolsistas que

começaram na Ação Educativa quando esta foi ampliada – a partir de 2011, em

23

Pode ser interessante fazer uma análise posterior sobre o fato de a maioria dos bolsistas da Ação Educativa do MAE-UFPR ser mulher e, ainda, o fato de terem sido três mulheres que desenvolveram a caixa – objeto desta pesquisa – sobre padrões de beleza.

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34

termos de número de bolsistas –, e mudou-se para a Sala Didático-Expositiva em

2012.

As Figuras 1, 2 e 3 são imagens das interlocutoras desta pesquisa,

fornecidas por cada uma delas.

Figura 1 – Andréia Baia

Prestes

Figura 2 – Karlla De Paris

Figura 2 – Karlla De Paris

Figura 3 – Laura Rotunno

Para a construção do perfil das interlocutoras, as entrevistas seguiram

objetivamente às questões do roteiro para obtenção de repostas específicas, como

formação, relação com o MAE-UFPR e com as caixas didáticas24.

O objetivo era iniciar um diálogo para que os entrevistados se

apresentassem. Com isso, criei seus perfis com as informações: nome completo,

formação e seu vínculo com o MAE-UFPR25.

A importância dessas pessoas tem a ver com o trabalho desenvolvido por

elas, bem como pelas suas falas, a partir das entrevistas, tanto no tocante às ideias

durante a construção da caixa quanto no que elas manifestam em relação à caixa

pronta, suas falhas e suas possibilidades.

24

As informações requeridas podem ser vistas no Apêndice I. 25

Vide Apêndice III.

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34

Nas entrevistas, quando me coloco em diálogo, é possível perceber que

meus argumentos podem vir a ser negados ou minhas questões podem ser

irrelevantes. O diálogo é exercício de negociação constante que aparece no decorrer

do trabalho quando se busca, encontra e confronta as informações a partir do que a

pesquisa – o campo – apresenta.

2.2.2 As entrevistas

Para a execução das entrevistas estabeleci dois momentos principais que

chamo de tema. O tema é o norteador para a entrevista e no que diz respeito ao seu

objetivo e ao conteúdo ou tipo de pergunta.

Antes de chegar ao objeto da pesquisa em si, a caixa Padrões de Beleza, o

contato com as pessoas diretamente envolvidas na criação ocorre inicialmente com

o tema “perfil do entrevistado”.

O objetivo de uma entrevista com o tema “perfil” consiste em identificar, bem

como permitir que o sujeito entrevistado se coloque no processo. Isso significa que

as pessoas que entrevistei se apresentam na pesquisa como tais, e não como

anônimas.

Além dessa entrevista temática, mais dois tipos de entrevistas foram

executados: individuais, com cada pessoa envolvida com a caixa Padrões de

Beleza, para conhecer a sua história; e uma coletiva, junto aos objetos que a

compõem, para que as envolvidas no processo de criação da caixa, em destaque

Karlla De Paris e Laura S. Rotunno, narrassem suas escolhas sobre as peças, que

medeiam reflexões sobre o tema homônimo ao nome da caixa didática.

Sobre o ato de entrevistar, existem facilidades e dificuldades inerentes a

qualquer tipo de pesquisa que se utilize desse método para registrar narrativas.

Das facilidades, a relação anterior que havia entre a pesquisadora e os

sujeitos entrevistados possibilitou uma conversa aparentemente menos formal. Isso

permitiu às pessoas entrevistadas falar de fatos passados dos quais poderia

relembrar de quando foi bolsista do mesmo espaço.

Além disso, o fato de eu já conhecer a caixa e as características de

composição das caixas didáticas (textos, objetos, catálogo) fez com que a conversa

pudesse estar mais focada na caixa em questão. Por outro lado, a presença de um

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gravador nas primeiras entrevistas, e depois o telefone celular como gravador, deixa

sempre uma tensão a ser superada um tempo depois de iniciada a conversa.

Embora não tenham falado sobre isso durante a entrevista, todas as pessoas

entrevistadas assumiram certo desconforto com o aparelho de gravação após o

término das conversas. Além disso, outra dificuldade que esteve presente foi a

transcrição das entrevistas, uma vez que algumas duraram 60 minutos em média,

trazendo uma grande quantidade de informações e grande trabalho e consumo de

tempo para tal etapa. Pode-se afirmar, no entanto, que isso é inerente a qualquer

pesquisa que utilize entrevistas.

Para embasar a forma de pensar e executar as entrevistas, minha principal

referência é o antropólogo Roberto Cardoso de Oliveira e seu artigo (que se tornou

capítulo de livro) “Olhar, ouvir e escrever” (2000). Os sentidos atribuídos aos objetos

da caixa Beleza são investigados a partir do olhar e do ouvir.

Observar as peças a partir da compreensão de que elas fazem parte de uma

coleção (objetos para falar de padrões de beleza) dentro de outra, a coleção

manipulável do Museu26, apresenta a importância de se ouvir as narrativas sobre a

caixa Padrões de Beleza.

Portanto, as pessoas entrevistadas para esta pesquisa trazem suas

informações enquanto “nativas” do ambiente pesquisado. E ouvi-las torna-se

fundamental para a apreensão dos sentidos estabelecidos para cada objeto. Com

esses sentidos e significados é possível uma escrita de sua biografia a partir desse

momento em que o status de um objeto é encontrado junto a uma caixa especificada

por um tema.

A apresentação da pesquisadora enquanto sujeito se relaciona com o que

Cardoso de Oliveira destaca sobre a apresentação do sujeito-pesquisador se

assumindo perante seu trabalho. Ele diz:

Porém, o fato de se escrever na primeira pessoa do singular – [...] não significa, necessariamente, que o texto deva ser intimista. Deve significar, simplesmente – e quanto a isso creio que todos os pesquisadores podem estar de acordo –, que o autor não deve se esconder sistematicamente sob a capa de um observador impessoal, coletivo, onipresente e onisciente, valendo-se da primeira pessoa do plural: nós. [...] Isso me parece importante porque com o crescente reconhecimento da pluralidade de vozes que compõem a cena de investigação etnográfica, essas vozes têm de ser distinguidas e jamais caladas pelo tom imperial e muitas vezes autoritário de

26

A coleção manipulável (CM) do MAE-UFPR será apresentada no capítulo 3, no item 3.2.2.

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um autor esquivo, escondido no interior dessa primeira pessoa do plural [...] (CARDOSO de OLIVEIRA, 2000, p. 30, grifos do autor).

O ato da escrita acontece junto àquilo que foi visto e escutado e se articula

aos pensamentos. E, quando se escreve, se pensa, se produz. Para esse autor, na

antropologia as características da escrita estão em consonância com a pesquisa e

as etapas decorrentes dela:

[...] a disciplina [de Antropologia, no caso] condiciona as possibilidades de observação e de textualização sempre de conformidade com um horizonte que lhe é próprio. E, por analogia, poder-se-ia dizer que isso ocorre também em outras ciências sociais, em maior ou menor grau. Isso significa que o olhar, o ouvir e o escrever devem ser sempre tematizados ou, em outras palavras, questionados enquanto etapas de constituição do conhecimento pela pesquisa empírica – essa última vista como o programa prioritário das ciências sociais [...] (CARDOSO de OLIVEIRA, 2000, p. 35).

Sobre as entrevistas coletivas, esse procedimento também diz respeito a

uma tentativa de facilitar a compreensão de fatos ocorridos, nos quais as pessoas

entrevistadas estavam diretamente envolvidas. A vantagem é que unindo as

pessoas em um mesmo espaço/encontro, cada entrevistada pôde complementar, a

partir de suas memórias individuais, o que a outra declarou quando se encontram as

falas sobre o assunto comum.

A entrevista individual, por outro lado, permite que a pessoa discorra sobre

os assuntos questionados por meio de sua experiência individual do que foi vivido.

Além disso, as entrevistas individuais foram importantes para a construção do perfil

de cada interlocutora.

A opção por executar entrevistas diz respeito ao que me propus a investigar,

para compreender os objetos e a relação das pessoas envolvidas com eles, na

caixa. Um “espaço” (a caixa) que supostamente estaria delimitado, manifesta que

está além: a mediação permite que a caixa – física e sua composição material – seja

percebida não só pela sua materialidade, mas pela capacidade que seus objetos

(peças e textos) possuem enquanto mediadores da vida social, de si e dos sujeitos

que interagem com a caixa.

Para traçar uma biografia dos objetos da caixa Padrões de Beleza as

entrevistas são fundamentais, é onde identifico o status desses objetos (momento

em que se encontram) que considero essencial para falar de biografia. A “história

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oficial” de cada objeto que ali está não é mais relevante, nesse caso, as informações

que o acervo possui de cada peça27 (algumas com mais detalhes, outras menos),

mas, sim, como o objeto foi escolhido para mediar uma prática que se propõe a falar

de padrões de beleza a partir de materialidades diversas.

Isso não significa que essas informações de registro no acervo sejam

descartáveis. Elas são importantes. Mas, se considero o status nesse momento em

que a peça ocupa a caixa para se colocar enquanto objeto mediador de um tema

possível a partir de si, as informações de seu “passado” são menos necessárias por

agora.

As entrevistas permitem pensar sobre as mediações, os intuitos ou as

tensões que aparecem, a partir dessas falas, sobre a caixa em sua totalidade, seus

textos e peças.

Essa opção de escrita, de pesquisa, também está pautada sobre o que

Martín-Barbero fala sobre um objeto de pesquisa: é preciso problematizar sempre o

lugar de desconforto, provocar as tensões, a partir de perguntas, por exemplo. É

preciso também olhar o objeto de pesquisa e ouvir o que ele fala. É o empírico, é o

“ir à fonte” (MARTÍN-BARBERO, 2004, introdução).

Além de entrevistas temáticas, executei outra forma de entrevista sem um

roteiro prévio, com o objetivo de registrar as narrativas, mediadas pelos objetos e

textos (enquanto suporte material) da caixa Padrões de Beleza28. O intuito dessa

entrevista junto com a caixa toda é, principalmente, compreender o status do objeto,

ou melhor, compreender sua biografia a partir desse atual status em que se

encontra, como objeto mediador manipulável.

Todas as entrevistas realizadas para esta pesquisa foram feitas a partir de

temas que se desdobram em perguntas para a construção de categorias. Isso ocorre

a partir de um roteiro prévio29 passível de flexibilidade no momento das falas.

Não considerei “seguir à risca” nenhum roteiro porque, muitas vezes, nesses

casos os entrevistados falaram sobre o que lhes foi perguntado e continuaram já

respondendo outros temas ainda não questionados. O que fez com que mais de

uma pergunta fosse respondida em uma única fala. E, muitas vezes, desdobrando

27

As peças que vieram do acervo de Etnologia do MAE-UFPR estão catalogadas com as seguintes informações: número de registro, números anteriores, localização na RT (reserva técnica do MAE-UFPR), localização na RT2, base de dados, nome, etnia, categoria, coleção, procedência, forma de aquisição, informações sobre aquisição, data de entrada, observações adicionais. 28

Vide o anexo IV. 29

Vide os anexos I, II e V.

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inclusive para outras perguntas não previstas. Isso foi comum ao considerar que

algumas perguntas que estavam no roteiro se relacionavam a um tema “geral”. Por

exemplo, uma pergunta sobre a criação da caixa Padrões de Beleza que se

desdobra em seus objetivos, em uma descrição dela ou outras informações não

previstas em uma pergunta.

Além das entrevistas, utilizei a comunicação virtual, por meio de

correspondência eletrônica, para sanar dúvidas que surgiram após as entrevistas,

para facilitar a agenda das interlocutoras, bem como para que eu pudesse

solucionar a compreensão de algumas informações não pensadas ou encontradas

no momento da(s) entrevista(s). Também utilizei desse meio ao solicitar uma

imagem pessoal (foto) para ilustrar o perfil de cada interlocutora30.

Após a execução das entrevistas, as etapas de transcrição e organização

das informações obtidas – que se tornam, para mim, dados – são fundamentais para

a análise das narrativas registradas sobre o processo de construção da caixa

Padrões de Beleza.

A organização das informações registradas pelas entrevistas ocorre da

seguinte forma: após a escuta, acompanhada da leitura da transcrição, identifico

qual é o tema abordado no turno31 (ou em mais de um). A partir disso, registro a

ocorrência de outras falas relacionadas ao mesmo tema em um protocolo32 e

identifico-as a partir do turno em que apareceram.

A situação na qual me encontrava em relação ao trabalho de campo facilitou

em alguns aspectos no que diz respeito ao momento de estabelecer contato com as

minhas interlocutoras. O fato de eu ter trabalhado com essas pessoas nesse mesmo

universo do MAE-UFPR junto com as caixas didáticas permitiu um contato rápido e

positivo. Ninguém se negou a ser entrevistado. Mesmo quem se sentia mais

desconfortável com o gravador não deixou de responder qualquer questão em

função disso.

A partir desses procedimentos e dados obtidos, foi feita a organização e a

análise das narrativas de cada sujeito envolvido na construção da caixa Padrões de

Beleza.

30

O modelo de ficha de autorização é indicado pelo Anexo VII. 31

Cada etapa da entrevista é marcada por um turno a partir da fala: seja do entrevistador, seja do entrevistado, e assim sucessivamente. 32

Vide Apêndice III.

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39

As entrevistas são a base desta pesquisa no que diz respeito à

compreensão dos deslocamentos vivenciados pelos objetos musealizados33

permitidos à manipulação quando incluídos na caixa, a partir da proposição de

mediadores de um tema que ela sugere.

2.2.3 Sobre as categorias de análise

As categorias de análise desta pesquisa foram construídas e reconstruídas

como processo da própria pesquisa (em todas as etapas, desde o projeto até a

escrita da dissertação).

A partir do roteiro das entrevistas, os temas indicados pelas perguntas

revelam informações relacionadas ao que foi questionado junto a outros elementos,

como mencionado anteriormente, e que, previamente, não haviam sido

considerados relevantes. Sobre as categorias estabelecidas, é importante destacar

que o status dos objetos que compõem a caixa Padrões de Beleza é elemento

transversal, ou seja, permeia as duas categorias gerais e subcategorias que

apresento a seguir.

O que caracteriza uma categoria é a sua abrangência a partir de um recorte.

Na categoria A – História e escolhas, o que se tem são narrativas sobre o processo

de construção da caixa, os objetivos desejados, os critérios de escolha dos objetos e

os textos. A categoria B – Circulação é composta pelos relatos sobre os usos dos

objetos quando selecionados para a composição da Padrões de Beleza e as

reflexões manifestadas pelas interlocutoras sobre a caixa e seu tema. Cabe destacar

que considero os usos dos objetos como contribuição na formação da biografia

dessas peças, nesse momento em que se encontram como coleção de objetos que

se propõem mediadores do tema padrões de beleza (Vide tabela 1, p. 40).

Em princípio, as categorias previstas para esta pesquisa diziam respeito

principalmente à história de cada peça. A partir da etapa de leitura das transcrições

das entrevistas de áudio novas categorias são identificadas. Pois, é nesse momento

que há a possibilidade para uma sistematização de informações a partir das etapas

33

O objeto musealizado, de acordo com o verbete homônimo no registro dos Conceitos-chave de museologia do ICOM, diz respeito a algo material, “coisa” que se transforma em objeto quando este se difere do indivíduo que o utiliza quando a coisa adquire valores e significados independentes em relação ao indivíduo ou grupo que o possui (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013).

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concomitantes, como a descrição textual sobre o objeto de pesquisa. O foco para o

desenvolvimento das novas categorias se atém, afora a biografia das peças, à

materialidade relacionada aos usos. Além, é claro, de novas referências que surgem

ao longo do processo de execução da pesquisa e que permitem a incorporação de

outras reflexões sobre o tema pesquisado.

Para tal, os procedimentos foram os seguintes:

leitura na íntegra;

identificação de elementos relevantes relacionados ao tema previsto

pelo roteiro que, por sua vez, se desdobrou nas novas categorias34;

mapeamento de categorias que se completam para melhor análise.

A análise da caixa Padrões de Beleza e de seus objetos ocorre a partir das

falas e dos textos que estão nela35. Essa análise diz respeito aos aspectos de

criação da caixa (e seus objetivos), aos objetos, a partir do que as entrevistas falam

sobre eles, e pela mediação sugerida nos textos sobre o tema padrões de beleza e

aqueles objetos escolhidos para tal. O resultado disso está no capítulo 4, “A caixa

didática Padrões de Beleza”.

Tabela 1: As categorias de análise

34

Novas no sentido de que não estavam previamente formalizadas durante a etapa de criação do roteiro e temas para as entrevistas. Durante a criação dessas chamadas, “novas categorias” é considerada a possibilidade de aglutinação de determinadas categorias que serão mais bem apresentadas na etapa da análise de dados. 35

São apresentados na íntegra, em Anexos.

TEMA: caixa Padrões de Beleza TEMA: apresentação do sujeito

Categorias e subcategorias

A. História e escolhas B. Circulação

Categoria: Perfil do entrevistado

Localização: entrevistas LR, KDP, KDP_LR, ABP

Localização: entrevistas LR, KDP, KDP_LR, ABP

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41

2.3 IDENTIDADE, CULTURA E UMA BREVE APRESENTAÇÃO DOS MUSEUS

Considero relevante apresentar as ideias de identidade, cultura e museu a

partir de alguns autores que selecionei, como forma de indicar meus caminhos e

processos de entendimento relacionados aos conceitos fundamentais para

compreender meu universo e objeto de pesquisa.

2.3.1 Museus: instituições mediadoras

A importância de falar sobre museus se relaciona diretamente com o

universo desta pesquisa. Compreender o que é museu, portanto, diz respeito à

compreensão de práticas relacionadas à mediação, à tecnologia e cultura e à cultura

material.

Os museus são instituições sociais que apresentam elementos da cultura

material a partir de diversos recortes (artes visuais, história, antropologia,

arqueologia, etc.). Esses espaços expositivos possuem a premissa de guardar,

proteger e divulgar os aspectos materiais da vida social e as mudanças que

ocorreram ao longo da história, dessas instituições sociais e da própria

transformação da relação com o objeto material e o contexto social no qual a

instituição se encontra.

Os museus no Ocidente foram criados a partir de coleções, ou do

“agrupamento de objetos com características semelhantes, organizados de

diferentes maneiras, por diferentes pessoas, geralmente aquelas que tinham

melhores condições econômicas para adquiri-los”, esses conjuntos são chamados

de “colecionismo” (KERSTEN; BONIN, 2007, p. 117).

De acordo com Kersten e Bonin (2007), os museus ocidentais tiveram sua

origem, de forma geral, a partir desse aspecto de acumulação de objetos, prática

executada desde a Antiguidade Clássica. Durante a Idade Média, quando a Igreja

Católica assume o controle de tais objetos (de arte, inclusive), ela se apropria disso

para adequar um discurso sobre uma história que “caminha pra frente” (p. 117).

As transformações sociais e científicas que ocorrem nos séculos seguintes

se refletem na forma de organizar e expor os objetos coletados como curiosos ou

raros. De acordo com essas autoras, há a necessidade de rigor e maior

conhecimento daquilo que estará exposto, amparado pelo saber científico – cada

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vez mais dissipado – a partir do século XVII. Consequentemente, os objetos antes

possuídos de valor de raridade ou curioso adquirem valor científico.

Lúcia L. Oliveira (2008) também apresenta um breve relato sobre a história

do museu, afirmando que a prática de colecionar peças curiosas e objetos

relacionados à História Natural em gabinetes é realizada antes do Renascimento

europeu (séc. XIV-XVII).

A busca por objetos da Antiguidade no século XV, principalmente aqueles da

cidade de Roma, era uma forma de restabelecer um laço com tal época e a

Antiguidade Clássica. A valorização de objetos antigos tornou-se hábito entre os

aristocratas. Além disso, com a expansão das artes, tanto no desenvolvimento de

técnicas e trabalhadores no ramo quanto comercialmente, formou-se o mercado de

arte antiga, e, com isso, surgem os antiquários e seus profissionais e também os

museus como novos espaços (OLIVEIRA, 2008, p. 141).

Além do fato de que os objetos são elementos da cultura(s) material(is), a

forma de apresentar as intenções, os significados e o valor das coisas expostas

assume a existência de uma relação política sobre o quê se expõe, como e o que se

fala sobre.

Dessa forma, os museus contemporâneos ou modernos caracterizam-se por

apresentar possibilidades de diálogos com o que é representado. Aqui, se

reconhece que as coisas são representações nas coleções ou gabinetes de

curiosidades, o que implica/permite que esses espaços – que estão relacionados ao

poder (controle e mediação de representação), à educação (as possibilidades de

reflexão) e a experiências (a partir das formas apresentadas) – mostrem o Outro

como diferente, não mais como exótico. Isso está localizado tanto no momento da

elaboração da exposição quanto nas múltiplas interpretações do público, de acordo

com o que vê e interpreta (KERSTEN; BONIN, 2007, p. 123).

Os museus guardam objetos que estão fora da circulação do mercado. Isso

não significa que eles estão desprovidos de valor relacionado ao significado

atribuído ao objeto, o que não há nesse momento em que é um objeto musealizado

é seu valor de troca. É no museu que os objetos sustentam a memória coletiva e

“são fonte da história dos homens e da terra”. É nesse local que “[...] Expressões do

conhecimento e do poder [...]” estão guardados de forma apropriada, diz Oliveira

(2008, p. 141).

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Pode-se pensar que esse espaço chamado museu é oriundo dos gabinetes

de curiosidades que geraram coleções e, por consequência, espaços destinados aos

objetos. Oliveira explica que a exposição dos museus promove a cultura material:

Os museus tornaram-se instituições especializadas na exibição, em novas formas de organizar a percepção visual. Museus e exposições mostravam o conhecimento e o poder que possibilitavam disciplinar a sociedade. O espetáculo da ordem e do controle sobre objetos, corpos, vida e morte deveria integrar o cotidiano do povo. Através desse espetáculo foi ensinado como apreciar o progresso e as novas tecnologias e, acima de tudo, foi produzida a lealdade à ordem nacional (OLIVEIRA, 2008, p. 145).

Isso se relaciona com os aspectos de identidade e nação abordados pelos

autores que falam sobre tradição citados aqui. Dando um salto no tempo, é no

século XX que surgem novas teorias sobre museologia, e o museu se torna um

espaço de memória e poder. Alguns são vinculados às universidades, a partir da

década de 1920. Lucia Oliveira afirma que:

Os museus realizam uma transformação simbólica. Os objetos retirados de seu contexto original se tornaram obras de arte, relíquias, artefatos. Objetos concretos do mundo transitório, da vida cotidiana, passam a representar valores abstratos – a nação, a evolução da espécie, a indústria, a imigração, a cidade (OLIVEIRA, 2008, p. 148).

Os museus constroem, portanto, narrativas a partir dos objetos. Narrativas

essas que promovem a construção da memória e da identidade. Como é o caso

citado pela autora sobre a criação do Museu do Índio (Rio de Janeiro), em 19 de

abril de 1953, com a direção de Darcy Ribeiro. Ribeiro, antropólogo, tinha como

objetivo para esse museu expor objetos indígenas para difundir e compreender o

mundo indígena, enfatizando as semelhanças com os brancos na natureza humana

e tornar esse espaço um centro de estudos. Para a autora, esse é um característico

museu moderno a favor de uma causa (OLIVEIRA, 2008).

Não são poucos os autores que falam do contexto brasileiro dos museus

enquanto espaços de memória, conservação, divulgação e educação. Chagas

(2005), entre outros, defende que a existência dessa instituição no Brasil – com o

desenvolvimento principalmente no início do século XX – colaborou/colabora com o

desenvolvimento das ciências sociais no território brasileiro. Embora, de acordo com

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ele, a agenda de pesquisas das ciências sociais tenha se afastado do espaço

museológico, no que diz respeito às décadas de 1930 a 1980, ele aponta para uma

(re)aproximação dos pesquisadores (mais antropólogos que sociólogos, no caso)

com esses espaços.

Para Chagas (2005), a relação entre museus, museologia e pensamento

social brasileiro colabora para a compreensão do imaginário social do país36.

Além disso, o autor fala sobre Darcy Ribeiro e Gilberto Freyre e suas

relações com a criação do pensamento museal no Brasil. De acordo com Chagas,

Gilberto Freyre – que defendia um diálogo entre a cultura popular e os

conhecimentos universais a partir do espaço museológico – tinha como valores para

o museu o dever de incluir a população local, sem enaltecer demais os grandes

feitios da nação a partir de objetos relacionados à esfera militar e política, por

exemplo. A proposta de Freyre estava sempre relacionada ao cotidiano37, a ilustrar

ou demonstrar as técnicas usadas pelos indivíduos comuns; apresentar o

regionalismo sem perder a relação deste com a história social.

Para Freyre, diz Chagas, o museu é “obra, documento, uma realização do

espírito humano”. Com isso, nos museus de antropologia a maneira de se pensar a

antropologia é apresentada de formas mais intensas, talvez, do que em

conferências, diz Freyre, tal como Paul Rivet (1876–1958) no Museu do Homem

(Paris, França). Isso aponta para o fato de que o espaço museal promove discursos

e interpretações. Mário indica isso da seguinte forma: “[...] Considerando-se que

esse discurso e essa interpretação indicam ‘uma’ fala e ‘uma’ visão, e que o campo

museal está aberto a ‘outras’ falas e ‘outras’ visões, compreende-se a dimensão de

arena política desse mesmo campo” (CHAGAS, 2005, p. 30).

Portanto, os museus também são espaços ricos em possibilidades de

interação. Seja pela inclusão, seja pelo conflito ou tensão que pode gerar algo

diferente. Ou, quem sabe, inusitado.

É importante também indicar a pesquisa de Appadurai (2007) sobre os

museus na Índia, na qual o autor descreve sobre os museus do/no contexto

contemporâneo e na relação que possuem com a educação informal, bem como

36

Ele cita autores como Lilia Schawrcz, Wanderley Guilherme dos Santos, entre outros; além de Lúcia Lippi Oliveira e José Reginaldo S. Gonçalves, que abordam temas relacionados a museus e patrimônio. 37

Cabe citar sua obra Casa grande e senzala (1933), que teve grande repercussão ao tratar da sociedade brasileira a partir das suas esferas sociais.

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com as transformações naquele país. Ele descreve sobre a importância atribuída

aos museus para a contribuição na formação do Estado (Nacional) e,

consequentemente, para uma construção de identidade nacional.

De acordo com esse autor, as coleções arqueológicas e etnográficas que

compõem a formação de museus, em geral, foram criadas a partir de estratégias

políticas e relacionadas à divulgação da história de determinado país e sua

produção de identidade cultural e da cultura popular. No contexto indiano, ele diz

respeito à exposição de objetos da cultura material para a população, a partir de

coleções amparadas por objetivos políticos e antropológicos, como as coleções

etnográficas enquanto um dos exemplos relacionados à cultura (material) de um

povo.

Cabe lembrar que a análise de Appadurai se detém ao contexto das

sociedades complexas e, de forma mais restrita, oriental. Mesmo assim, é relevante

destacar sua contribuição no que diz respeito a esse cenário temporal, uma vez que

a relação entre o aprendizado e a socialização informal se encontra nesse contexto

das sociedades complexas como um todo. E os museus podem ser considerados

espaços privilegiados para esse tipo de relação.

Sobre esse espaço enquanto meio informal de aprendizado ele diz:

Os meios informais de aprendizado em sociedades como a da Índia não são, portanto, meras curiosidades etnográficas. São recursos culturais legítimos que (corretamente compreendidos e utilizados) podem bem aliviar as inúmeras pressões artificiais colocadas sobre a estrutura educacional formal. Os museus constituem um componente emergente desse mundo da educação informal, e o que aprenderemos a respeito dos museus na Índia nos revelará coisas importantes sobre a aprendizagem, o ato de ver os objetos, o que, por sua vez, deverá estimular abordagens criativas e críticas dos museus (e dos sistemas informais de aprendizado) em outros lugares (APPADURAI; BRECKENRIDGE, 2007, p. 10, grifos meus).

Além disso, a relação entre museu e patrimônio por meio dos objetos de

coleções está na criação de diálogos a partir de classificações e escolhas políticas.

Isso se relaciona ao que Kopytoff (apud APPADURAI; BRECKENRIDGE, 2007, p.

11) fala sobre a biografia cultural dos objetos que passam – ou habitam – pelos

museus. Geralmente, esses diálogos são estimulados a partir do valor educativo

atribuído aos museus.

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De acordo com Studart (2010), as funções dos museus estão relacionadas à

forma de interação com o contexto social e o patrimônio cultural reconhecidos e

escolhidos pelas suas comunidades. Isso faz com que a globalização, enquanto

aspecto econômico e de gestão, afete a práxis dos museus no Brasil a partir de um

conceito de mercado, o qual faz do espaço museológico também um prestador de

serviços. Mesmo assim, a função dos museus não está restrita a isso. Ela diz que:

Os museus, ao reconhecerem que, além das funções de preservar, conservar, expor e pesquisar, são fundamentalmente instituições a serviço da sociedade, buscam por meio de Ação Educativa tornar-se elementos vivos dentro da dinâmica cultural das cidades (STUDART, 2010, p. 139).

Portanto, a forma de trabalho dos museus, que não está isolada das práticas

econômicas, se dirige mais para o desenvolvimento sociocultural do que para o lazer

enquanto mercadoria/consumo:

[...] o trabalho dos museus não se confunde com o dessas indústrias [cultural, de marketing, etc.], pois as instituições museológicas trabalham principalmente em uma dimensão educacional que visa ao desenvolvimento cultural e social dos cidadãos. É inegável que existe uma demanda social por programas educativo-culturais e, nesse sentido os museus e outras instituições afins podem contribuir significativamente para atendê-la. Essa demanda se insere também em um contexto de lazer e entretenimento. O grande desafio do museu está em conjugar educação e lazer. Existem riscos de desvirtuar os compromissos básicos da educação e da cultura em prol da lógica do mercado (STUDART, 2010, p. 141, grifos meus).

Isso vai ao encontro do que se considera como característica da ação

educativa em museus:

O objetivo da educação em museus, assim como da educação em sentido amplo, é oferecer possibilidades para a comunicação, a informação, o aprendizado, a relação dialética e dialógica educando/educador, a construção da cidadania e o entendimento do que seja identidade (STUDART, 2010, p. 143).

Portanto, com a presença pedagógica em museus, eles também são espaço

de produção de conhecimento, além da educação informal38. De acordo com Studart

38

Será falado um pouco mais sobre o papel dos museus no capítulo 3, “O MAE-UFPR e suas caixas didáticas”.

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(2010), as atividades educativas se relacionam ao espaço museológico como

propício para o conhecimento como processo. Ela afirma, sobre essas atividades:

[...] Atividades estas [educativas] que considerem o museu espaço ideal de articulação do afetivo, do sensorial e do cognitivo, do abstrato e do conhecimento inteligível, bem como da produção do conhecimento. Também chamamos a atenção para a importância de conceber a Ação Educativa como processo, em que a tônica seja o diálogo, a troca e a construção conjunta do conhecimento [...] (STUDART, 2010, p. 143, grifos meus).

O que define a caixa Padrões de Beleza está presente nas narrativas sobre

os objetivos pensados na criação dela.

Os objetivos se articulam com a prática educativa na medida em que os

objetos são acionados enquanto mediadores de assuntos relacionados à educação.

Isso é demonstrado no terceiro capítulo, que trata diretamente da caixa Padrões de

Beleza.

Considero esses objetos das caixas didáticas como um todo enquanto

objetos mediadores, similar ao objeto gerador de Ramos (2004). A diferença está na

forma de olhar tal objeto. Ao considerar sua biografia e as possibilidades de

transformação de status ao longo da vida do objeto, é possível também encará-lo

como um objeto de múltiplas possibilidades de interpretação que não estão

relacionadas ao significado do objeto em si, mas ao seu uso antes de ser peça de

museu e agora, enquanto peça/objeto que transporta reflexões e significados

relacionados a um tema; no caso, padrões de beleza.

O que é exposto no museu, na atual perspectiva, está relacionado aos

significados revelados que permitem interpretações com o olhar para/sobre trocas

de experiências. Seja em um circuito expositivo, seja em um material que circula fora

do próprio museu, como as caixas didáticas do MAE-UFPR. Isso faz com que o

patrimônio seja um recurso educativo, diz Oliveira, “[...] que se alia ao

desenvolvimento local autossustentado” (2008, p. 155).

2.3.2 Identidade e nação: construções políticas e culturais

É importante falar aqui, de maneira breve, sobre a relação estabelecida

entre identidade e cultura material, partindo da ideia de que as culturas se

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transformam a partir de diversos aspectos. A relação entre cultura e identidade

também diz respeito à formação das nações modernas. Isso vai de encontro a

elementos que contribuem para a compreensão da relação material com a

identidade.

Conhecer o Outro não mais como distante, ou por meio de seus produtos

vendidos no mercado a partir da globalização e elementos relacionados a ela,

permite fácil contato com o diferente ou “exótico”. Isso pode acontecer por

intermédio de uma viagem, menos longa ao se tornar curta em números de horas,

ou por meio de imagens divulgadas em jornais, entre outras formas de acesso – de

comunicação principalmente.

O que não implica dizer que os sentidos atribuídos ao que consumimos

produzidos pelo Outro estejam restritos ao objeto e inflexíveis para mudanças no

uso e circulação. Ao contrário, a perspectiva dos estudos de cultura material

apresenta argumentos sobre isso39.

Antes de pensar sobre o Outro, a cultura e a identidade, é preciso falar sobre

nação. Local abstrato e privilegiado para cercear identidade e cultura em séculos

não muito distantes, incluído nosso tempo atual, inclusive reforçado em termos de

política e economia, principalmente.

Para o autor Eric Wolf, em A formação da nação: um ensaio de formulação

(2003), suas inquietações são apresentadas em um ensaio escrito na década de

1950 sobre a formação da nação; ao invés de investigar sobre aspectos do caráter

nacional. Ele aponta para a necessidade de se fazer uma abordagem “mais histórica

e materialmente fundada da formação da nação” (2003, p. 199). O autor cita, quando

explica a revisão40 de seu primeiro ensaio escrito em 1953, que tratar a nação

enquanto algo homogêneo não seria eficaz, em função da presença das populações

culturalmente diferentes – ou heterogêneas – dentro dessa estrutura maior dos

novos padrões culturais cercados pela nação em formação.

Essas diferenças culturais dentro de um mesmo espaço político e territorial

chamado nação apresentam a estrutura complexa das nações modernas. Ele afirma:

[...] Quando escrevi este artigo, ainda não me familiarizara com termos como “hegemonia”, e “integração” me parecia insuficiente para transmitir os conflitos, a violência e os resultados desiguais que,

39

Vide Miller (2013). 40

Em 1955, em publicação com o título The Mexican Bajío in the eighteenth century.

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49

com tanta frequência, acompanham o processo de formação de uma nação [...] (WOLF, 2003, p. 199, grifos do autor).

Para Wolf, os processos culturais se assemelham aos processos de

aculturação, baseado em Kroeber41, enquanto mudanças em uma cultura como

produto da influência de outra (cultura) sobre esta. Essa semelhança diz respeito às

influências que as diferentes culturas42 trazem em um espaço moderno de

sociedades estratificadas, defende o autor. Seja a estratificação como resultado de

conquista (colonialismo) ou desenvolvimento interno e econômico, por exemplo, e

novas relações culturais, “ajustando” os grupos entre si.

Esse autor pode contribuir, embora seu ensaio tenha sido escrito na década

de 1950 e muita coisa mudou, para mostrar que alguns pensadores que estão

refletindo sobre o conceito de nação não desconsideram os conflitos para a sua

formação. O que ele chama de aculturação interna, “[...] aqueles processos de ajuste

entre diferentes segmentos socioculturais na mesma sociedade que implicam o

estabelecimento de novas relações culturalmente padronizadas” (WOLF, 2003, p.

202), pode dialogar com o que García Canclini (2000) aponta sobre o que se

hibridiza ou não. Pois, é reconhecida a presença de tensões e conflitos no que diz

respeito à formação ou tentativa de definição de qualquer aspecto relacionado à

cultura e à identidade enquanto (falsamente) homogêneas.

Sobre homogeneidade e nação, outro autor que acredito ser importante

refletir junto é Benedict Anderson, a partir do seu livro Comunidades imaginadas43.

Essa obra apresenta a nação enquanto uma política coletiva e localizada

temporalmente. De acordo com Anderson (2008), a criação da nação enquanto

território político e espacial está amparada por dois aspectos que convergem: a

importância que a imprensa possui associada à utilização de línguas próprias contra

a hegemonia do latim44. Essa criação está associada à imaginação, defende o autor;

ela está além da invenção ou de uma consequência histórica. Essa imaginação

precisa fazer sentido para “a alma” (para os sujeitos) a partir de desejos e projeções

da comunidade.

41

KROEBER, A. Anthropology: race, language, culture, psychology, prehistory. Nova York: Harcourt Brace, 1948. p. 425. 42

A intenção aqui é apenas localizar os conceitos. Para ver mais sobre Cultura, vide, entre outros: GEERTZ (1989), MAUSS (2011), WAGNER (2010). 43

ANDERSON (2008). 44

Para localizar no tempo: século XVI em diante, principalmente.

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Essa comunidade política imaginada chamada nação possui em seus

discursos a simultaneidade, trazendo consigo um tempo vazio e homogêneo, que,

por sua vez, alimenta uma ideia de “nós” (coletivo) comum identificada a partir da

naturalização da história e do tempo. Isso ocorre, diz o autor, após dois grandes

sistemas culturais declinarem, a comunidade religiosa, que por meio de uma língua

sagrada transmitia a ideia de uma comunidade universal, na qual mesmo os

“iletrados” estavam associados àquela comunidade por meio de suas práticas

religiosas, e, em um segundo momento, o sistema cultural do reino dinástico, que

possuía o poder centralizado, associado a uma ordem divina.

Para Anderson (2008), símbolos e signos que ilustram as nações são

imaginados pelos dados produzidos a partir principalmente dos estados coloniais.

Tais como os censos (políticas para a população), os mapas (que determinam os

espaços e limites territoriais) e os museus (instituições que representam poder e

prestígio).

Um pouco diferente de Anderson, Hobsbawn e Ranger (1984) abordam

outro olhar sobre as nações: a partir das tradições inventadas. Se para Anderson

(2008), a imprensa teve grande impacto para disseminar a ideia de comunidade

imaginada, Hobsbawm e Ranger falam sobre novas tradições para a continuidade

da nação em A invenção das tradições (1984).

Segundo esses autores, as tradições servem para continuar a ideia de

nação, abstração fundamental e amparada pelas tradições inventadas e/ou

estabelecidas, e pela noção de identidade, inclusive nos momentos em que algumas

mudanças estruturais são inevitáveis. De acordo com eles, a tradição inventada

pode ser proveniente de dois aspectos, as que foram realmente inventadas e há

registro e as que não se pode perceber quando, mas sabe-se que existem

(HOBSBAWM; RANGER, 1984).

Na introdução de A invenção das tradições (1984), a relevância está no que

diz respeito à clareza com que os autores colocam a relação entre a nação e as

tradições. No que diz respeito às sociedades modernas, a presença ou a criação de

tradições sustenta o discurso de continuidade sempre aliado a um passado

selecionado. Mantém-se na memória e discurso aquilo que é relevante para a

nação.

Inventadas ou não, as tradições dão suporte para que haja coesão nas

sociedades. É dito:

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O termo “‘tradição inventada” é utilizado num sentido amplo, mas nunca indefinido. Inclui tanto as “tradições” realmente inventadas, construídas e formalmente institucionalizadas, quanto as que surgiram de maneira mais difícil de localizar num período limitado e determinado de tempo – às vezes coisa de poucos anos apenas – e se estabeleceram com enorme rapidez. [...] É óbvio que nem todas essas tradições perduram; nosso objetivo primordial [...] como elas surgiram e se estabeleceram (HOBSBAWM; RANGER, 1984, p. 9).

Essas contribuições são importantes para se pensar sobre identidade e

nação. Aspecto relevante também para se falar da criação de museus de forma

geral (como uma história “universal” dessas instituições) e do caso brasileiro, como

abordado no item anterior deste capítulo.

Cabe lembrar que os autores supracitados destacam a relevância que o

estudo sobre as tradições possui no que diz respeito à compreensão das sociedades

modernas e que esses estudos não podem estar restritos aos historiadores, uma vez

que a contribuição das outras áreas das ciências humanas é pertinente.

A relação entre identidade, nação e museus pode ser percebida quando

penso sobre a articulação que essas categorias possuem entre si e são permeadas

por elementos materiais: hinos, bandeiras entre outros aspectos que podem ser

analisados do ponto de vista dos estudos em cultura material.

A proposta de Hobsbawm e Ranger (1984) é a interdisciplinaridade nos

estudos que dizem respeito às tradições. Algo equivalente aos estudos em cultura

material, como apontado por Miller (2013), quando ele afirma que os estudos em

cultura material não podem estar localizados em um único campo. Isso explica a

defesa do autor em não conceituar alguns termos, como “trecos”, pois o conceito

estaria restrito a uma disciplina, por exemplo. Ora, isso também serve, por exemplo,

para os estudos relacionados à tecnologia, no que diz respeito ao campo da CTS.

A importância em falar sobre nação e identidade passa a fazer mais sentido

quando se compreende que estudar um museu diz respeito ao contexto em que está

inserido e, por consequência, perceber as implicações políticas e culturais sobre tal

instituição. Um espaço como esse não pode ser desvinculado da cultura, não pelo

seu conteúdo, mas pela sua proposta, de forma geral, que implica expor algo

(cultura material) relacionado a alguém (grupo, sociedade, país) a partir de escolhas

(políticas, científicas e culturais).

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É preciso falar sobre cultura para que possamos compreender a relação que

aproxima nação, identidade e museu, para falar posteriormente da caixa Padrões de

Beleza.

A importância em conceituar cultura nesta pesquisa está amparada pelos

estudos antropológicos, a partir de diferentes autores e suas perspectivas. Pode-se

conceber tal conceito, por exemplo, a partir da cognição, da estrutura, ou dos

sistemas simbólicos.

Não é nesta pesquisa que as teorias antropológicas serão apresentadas ou

discutidas, mas a importância desse conceito para este trabalho está presente para

indicar as relações que existem entre elementos que compõem o universo da

pesquisa – um museu – e o seu próprio objeto.

Apresento cultura como modo de ver o mundo a partir de padrões

estabelecidos e que diz respeito ao modo de ver, à moral e a valores (o que não

significam estáticos ou inflexíveis). A cultura se relaciona de forma direta com os

comportamentos sociais (política, religião, etc.) e posturas corporais, como gestos e

formas de utilizar indumentárias, por exemplo (LARAIA, 2006, p. 68).

Antes disso, é preciso indicar o uso do termo como plural – culturas –, a partir

da concepção de cultura enquanto sistema adaptativo – que não significa ser

processo rápido, apolítico ou pacífico.

Ao considerar cultura como sistema adaptativo, Laraia (2006), que cita Roger

Keesing45 para sua proposta em precisar o conceito de cultura, se utiliza de quatro

elementos, apresentados da seguinte forma: cultura como sistema (1), que por sua

vez implica mudanças culturais enquanto processo de adaptação (2), que são

compostos a partir da relação entre os elementos organização social e o que é

produzido – material ou não (3), associados aos elementos ideológicos (4) de

determinado grupo (LARAIA, 2006, p. 59).

Além dessa contribuição do antropólogo Roque B. Laraia, retomo García

Canclini sobre o que este diz acerca da cultura enquanto plural e sobre os processos

de hibridação (2000, p. 283-350).

Para García Canclini (2000), a hibridação passa por três processos, e ele os

apresenta a partir de uma pesquisa sobre cultura urbana. O primeiro processo é a

quebra e a mescla das coleções organizadas pelos sistemas culturais: a memória

45

KEESING, Roger. Theories of culture. Annual Review of Anthropology, Palo Alto, California, v. 3, 1974.

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53

histórica e os conflitos urbanos estão incluídos em um mesmo espaço e tempo, no

cotidiano, e podem ser percebidos, por exemplo, durante manifestações sociais,

culturais e políticas das cidades.

A desterritorialização dos processos simbólicos caracteriza o segundo

processo para a hibridização e diz respeito ao significado de entrar ou sair da

modernidade: García Canclini fala sobre reconhecer que as “mudanças na produção

e circulação simbólica” não estão restritas aos meios de comunicação e, com isso, é

preciso considerar o crescimento urbano como fator relevante. A expansão urbana,

diz ele, também é elemento de intensificação da hibridação cultural (GARCÍA

CANCLINI, 2000, p. 285) a partir da circulação dos mercados simbólicos e das

migrações.

Para isso, o autor irá mostrar a importância dos bens simbólicos para um

país em termos de produção cultural (por exemplo, as telenovelas brasileiras) e as

migrações como forma de relativizar a tendência à dicotomia nas relações

interculturais, como o estudo de García Canclini sobre Tijuana, no México, e os

hábitos e símbolos culturais daquele lugar. A noção de território ou de comunidade é

flexibilizada, é preciso pensar cada vez mais em circuitos e fronteiras: a

autenticidade e a autonomia não cabem mais no pensar sobre as culturas urbanas.

Já o terceiro processo pelo qual a hibridação ocorre está na expansão dos

gêneros “impuros”, caracterizados pelo autor principalmente pelo grafite e histórias

em quadrinhos: lugares nos quais o culto e o popular se encontram, o artesanal e a

circulação massiva ocorrem. É o encontro, diz o autor, “entre o visual e o literário, o

culto e o popular [...]” (GARCÍA CANCLINI, 2000, p. 336).

Esses encontros são considerados por García Canclini como tipos híbridos

da cultura. Para ele, é necessário considerar a cultura urbana para tratar das forças

dispersas da modernidade; a expansão urbana e a hibridação estão relacionadas. O

grafite, por exemplo, está relacionado com a propriedade territorial, como referência

de grupos “fechados”/incompreensíveis para os Outros e como uma “manifestação

simultânea da desordem urbana” (GARCÍA CANCLINI, 2000, p. 337), eles são

efêmeros, não institucionais.

As histórias em quadrinhos, por sua vez, trabalham com imagens estáticas e

escrita dramática. Possuem técnicas “hibridizadoras”, diz o autor, quando promovem

novas ordens e técnicas narrativas a um público variado e a relação com fatos

contemporâneos e/ou históricos correlacionados. O humor e seu profissional, dirá

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García Canclini (2000), evidenciam as fronteiras da sociedade (onde quer que

estejam) e a sua “ressemantização”.

O autor aponta que é possível perceber que a autonomia dos processos

simbólicos e a renovação democrática do culto e do popular colocadas de maneira

binária não funcionam, uma vez percebidas as transformações do mercado

simbólico e da cultura cotidiana, que estão além da política neoconservadora.

As transformações econômicas apoiadas nas culturais promovem uma

estrutura diferente aos conflitos, diz o autor. O culto e o popular não saem mais

polarizados, e o relativismo passa a operar na oposição política entre hegemônicos

e subalternos (GARCÍA CANCLINI, 2000, p. 346).

Outro autor relevante para falar sobre cultura é o já citado Arjun Appadurai,

agora a partir de seu artigo junto a Carol A. Breckenridge, intitulado “Museus são

bons para pensar: o patrimônio em cena na Índia” (APPADURAI; BRECKENRIDGE,

2007). A partir do argumento de que os espaços museológicos na Índia, no contexto

contemporâneo, possuem uma relação com a educação informal, o artigo apresenta

os aspectos que contribuem para as transformações no país, a partir da exposição

da cultura material para a construção da identidade e para a formação do Estado

(Nacional) indiano.

A relação entre cultura e identidade passa também pela política. A

importância em falar sobre isso, embora não caiba apontamento profundo, está em

explicitar que identidade, cultura e nação estão relacionadas a uma instituição que

permite, a partir da materialidade produzida pela(s) cultura(s), colocar em diálogo a

relação entre esses elementos, e sobre a própria função dos museus.

A importância de falar sobre museus se relaciona diretamente com o

universo desta pesquisa. Compreender o que é museu, portanto, diz respeito à

compreensão de práticas relacionadas à mediação, à tecnologia e cultura e à cultura

material.

Os museus são instituições sociais que apresentam elementos da cultura

material a partir de diversos recortes (artes visuais, história, antropologia,

arqueologia, etc.). Esses espaços expositivos possuem a premissa de guardar,

proteger e divulgar os aspectos materiais da vida social e as mudanças que

ocorreram ao longo da história, dessas instituições sociais e da própria

transformação da relação com o objeto material e o contexto social no qual a

instituição se encontra.

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Os museus no Ocidente foram criados a partir de coleções, ou do

“agrupamento de objetos com características semelhantes, organizados de

diferentes maneiras, por diferentes pessoas, geralmente aquelas que tinham

melhores condições econômicas para adquiri-los”, esses conjuntos são chamados

de “colecionismo” (KERSTEN; BONIN, 2007, p. 117).

De acordo com Kersten e Bonin (2007), os museus ocidentais tiveram sua

origem, de forma geral, a partir desse aspecto de acumulação de objetos, prática

executada desde a Antiguidade Clássica. Durante a Idade Média, quando a Igreja

Católica assume o controle de tais objetos (de arte, inclusive), ela se apropria disso

para adequar um discurso sobre uma história que “caminha pra frente” (p. 117).

As transformações sociais e científicas que ocorrem nos séculos seguintes

se refletem na forma de organizar e expor os objetos coletados como curiosos ou

raros. De acordo com essas autoras, há a necessidade de rigor e maior

conhecimento daquilo que estará exposto, amparado pelo saber científico – cada

vez mais dissipado – a partir do século XVII. Consequentemente, os objetos antes

possuídos de valor de raridade ou curioso adquirem valor científico.

Lúcia L. Oliveira (2008) também apresenta um breve relato sobre a história

do museu, afirmando que a prática de colecionar peças curiosas e objetos

relacionados à História Natural em gabinetes é realizada antes do Renascimento

europeu (séc. XIV-XVII).

A busca por objetos da Antiguidade no século XV, principalmente aqueles da

cidade de Roma, era uma forma de restabelecer um laço com tal época e a

Antiguidade Clássica. A valorização de objetos antigos tornou-se hábito entre os

aristocratas. Além disso, com a expansão das artes, tanto no desenvolvimento de

técnicas e trabalhadores no ramo quanto comercialmente, formou-se o mercado de

arte antiga, e, com isso, surgem os antiquários e seus profissionais e também os

museus como novos espaços (OLIVEIRA, 2008, p. 141).

Além do fato de que os objetos são elementos da cultura(s) material(is), a

forma de apresentar as intenções, os significados e o valor das coisas expostas

assume a existência de uma relação política sobre o quê se expõe, como e o que se

fala sobre.

Dessa forma, os museus contemporâneos ou modernos caracterizam-se por

apresentar possibilidades de diálogos com o que é representado. Aqui, se

reconhece que as coisas são representações nas coleções ou gabinetes de

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curiosidades, o que implica/permite que esses espaços – que estão relacionados ao

poder (controle e mediação de representação), à educação (as possibilidades de

reflexão) e a experiências (a partir das formas apresentadas) – mostrem o Outro

como diferente, não mais como exótico. Isso está localizado tanto no momento da

elaboração da exposição quanto nas múltiplas interpretações do público, de acordo

com o que vê e interpreta (KERSTEN; BONIN, 2007, p. 123).

Os museus guardam objetos que estão fora da circulação do mercado. Isso

não significa que eles estão desprovidos de valor relacionado ao significado

atribuído ao objeto, o que não há nesse momento em que é um objeto musealizado

é seu valor de troca. É no museu que os objetos sustentam a memória coletiva e

“são fonte da história dos homens e da terra”. É nesse local que “[...] Expressões do

conhecimento e do poder [...]” estão guardados de forma apropriada, diz Oliveira

(2008, p. 141).

Pode-se pensar que esse espaço chamado museu é oriundo dos gabinetes

de curiosidades que geraram coleções e, por consequência, espaços destinados aos

objetos. Oliveira explica que a exposição dos museus promove a cultura material:

Os museus tornaram-se instituições especializadas na exibição, em novas formas de organizar a percepção visual. Museus e exposições mostravam o conhecimento e o poder que possibilitavam disciplinar a sociedade. O espetáculo da ordem e do controle sobre objetos, corpos, vida e morte deveria integrar o cotidiano do povo. Através desse espetáculo foi ensinado como apreciar o progresso e as novas tecnologias e, acima de tudo, foi produzida a lealdade à ordem nacional (OLIVEIRA, 2008, p. 145).

Isso se relaciona com os aspectos de identidade e nação abordados pelos

autores que falam sobre tradição citados aqui. Dando um salto no tempo, é no

século XX que surgem novas teorias sobre museologia, e o museu se torna um

espaço de memória e poder. Alguns são vinculados às universidades, a partir da

década de 1920. Lucia Oliveira afirma que:

Os museus realizam uma transformação simbólica. Os objetos retirados de seu contexto original se tornaram obras de arte, relíquias, artefatos. Objetos concretos do mundo transitório, da vida cotidiana, passam a representar valores abstratos – a nação, a evolução da espécie, a indústria, a imigração, a cidade (OLIVEIRA, 2008, p. 148).

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Os museus constroem, portanto, narrativas a partir dos objetos. Narrativas

essas que promovem a construção da memória e da identidade. Como é o caso

citado pela autora sobre a criação do Museu do Índio (Rio de Janeiro), em 19 de

abril de 1953, com a direção de Darcy Ribeiro. Ribeiro, antropólogo, tinha como

objetivo para esse museu expor objetos indígenas para difundir e compreender o

mundo indígena, enfatizando as semelhanças com os brancos na natureza humana

e tornar esse espaço um centro de estudos. Para a autora, esse é um característico

museu moderno a favor de uma causa (OLIVEIRA, 2008).

Não são poucos os autores que falam do contexto brasileiro dos museus

enquanto espaços de memória, conservação, divulgação e educação. Chagas

(2005), entre outros, defende que a existência dessa instituição no Brasil – com o

desenvolvimento principalmente no início do século XX – colaborou/colabora com o

desenvolvimento das ciências sociais no território brasileiro. Embora, de acordo com

ele, a agenda de pesquisas das ciências sociais tenha se afastado do espaço

museológico, no que diz respeito às décadas de 1930 a 1980, ele aponta para uma

(re)aproximação dos pesquisadores (mais antropólogos que sociólogos, no caso)

com esses espaços.

Para Chagas (2005), a relação entre museus, museologia e pensamento

social brasileiro colabora para a compreensão do imaginário social do país46.

Além disso, o autor fala sobre Darcy Ribeiro e Gilberto Freyre e suas

relações com a criação do pensamento museal no Brasil. De acordo com Chagas,

Gilberto Freyre – que defendia um diálogo entre a cultura popular e os

conhecimentos universais a partir do espaço museológico – tinha como valores para

o museu o dever de incluir a população local, sem enaltecer demais os grandes

feitios da nação a partir de objetos relacionados à esfera militar e política, por

exemplo. A proposta de Freyre estava sempre relacionada ao cotidiano47, a ilustrar

ou demonstrar as técnicas usadas pelos indivíduos comuns; apresentar o

regionalismo sem perder a relação deste com a história social.

Para Freyre, diz Chagas, o museu é “obra, documento, uma realização do

espírito humano”. Com isso, nos museus de antropologia a maneira de se pensar a

46

Ele cita autores como Lilia Schawrcz, Wanderley Guilherme dos Santos, entre outros; além de Lúcia Lippi Oliveira e José Reginaldo S. Gonçalves, que abordam temas relacionados a museus e patrimônio. 47

Cabe citar sua obra Casa grande e senzala (1933), que teve grande repercussão ao tratar da sociedade brasileira a partir das suas esferas sociais.

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antropologia é apresentada de formas mais intensas, talvez, do que em

conferências, diz Freyre, tal como Paul Rivet (1876–1958) no Museu do Homem

(Paris, França). Isso aponta para o fato de que o espaço museal promove discursos

e interpretações. Mário indica isso da seguinte forma: “[...] Considerando-se que

esse discurso e essa interpretação indicam ‘uma’ fala e ‘uma’ visão, e que o campo

museal está aberto a ‘outras’ falas e ‘outras’ visões, compreende-se a dimensão de

arena política desse mesmo campo” (CHAGAS, 2005, p. 30).

Portanto, os museus também são espaços ricos em possibilidades de

interação. Seja pela inclusão, seja pelo conflito ou tensão que pode gerar algo

diferente. Ou, quem sabe, inusitado.

É importante também indicar a pesquisa de Appadurai (2007) sobre os

museus na Índia, na qual o autor descreve sobre os museus do/no contexto

contemporâneo e na relação que possuem com a educação informal, bem como

com as transformações naquele país. Ele descreve sobre a importância atribuída

aos museus para a contribuição na formação do Estado (Nacional) e,

consequentemente, para uma construção de identidade nacional.

De acordo com esse autor, as coleções arqueológicas e etnográficas que

compõem a formação de museus, em geral, foram criadas a partir de estratégias

políticas e relacionadas à divulgação da história de determinado país e sua

produção de identidade cultural e da cultura popular. No contexto indiano, ele diz

respeito à exposição de objetos da cultura material para a população, a partir de

coleções amparadas por objetivos políticos e antropológicos, como as coleções

etnográficas enquanto um dos exemplos relacionados à cultura (material) de um

povo.

Cabe lembrar que a análise de Appadurai se detém ao contexto das

sociedades complexas e, de forma mais restrita, oriental. Mesmo assim, é relevante

destacar sua contribuição no que diz respeito a esse cenário temporal, uma vez que

a relação entre o aprendizado e a socialização informal se encontra nesse contexto

das sociedades complexas como um todo. E os museus podem ser considerados

espaços privilegiados para esse tipo de relação.

Sobre esse espaço enquanto meio informal de aprendizado ele diz:

Os meios informais de aprendizado em sociedades como a da Índia não são, portanto, meras curiosidades etnográficas. São recursos culturais legítimos que (corretamente compreendidos e utilizados)

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podem bem aliviar as inúmeras pressões artificiais colocadas sobre a estrutura educacional formal. Os museus constituem um componente emergente desse mundo da educação informal, e o que aprenderemos a respeito dos museus na Índia nos revelará coisas importantes sobre a aprendizagem, o ato de ver os objetos, o que, por sua vez, deverá estimular abordagens criativas e críticas dos museus (e dos sistemas informais de aprendizado) em outros lugares (APPADURAI; BRECKENRIDGE, 2007, p. 10, grifos meus).

Além disso, a relação entre museu e patrimônio por meio dos objetos de

coleções está na criação de diálogos a partir de classificações e escolhas políticas.

Isso se relaciona ao que Kopytoff (apud APPADURAI; BRECKENRIDGE, 2007, p.

11) fala sobre a biografia cultural dos objetos que passam – ou habitam – pelos

museus. Geralmente, esses diálogos são estimulados a partir do valor educativo

atribuído aos museus.

De acordo com Studart (2010), as funções dos museus estão relacionadas à

forma de interação com o contexto social e o patrimônio cultural reconhecidos e

escolhidos pelas suas comunidades. Isso faz com que a globalização, enquanto

aspecto econômico e de gestão, afete a práxis dos museus no Brasil a partir de um

conceito de mercado, o qual faz do espaço museológico também um prestador de

serviços. Mesmo assim, a função dos museus não está restrita a isso. Ela diz que:

Os museus, ao reconhecerem que, além das funções de preservar, conservar, expor e pesquisar, são fundamentalmente instituições a serviço da sociedade, buscam por meio de Ação Educativa tornar-se elementos vivos dentro da dinâmica cultural das cidades (STUDART, 2010, p. 139).

Portanto, a forma de trabalho dos museus, que não está isolada das práticas

econômicas, se dirige mais para o desenvolvimento sociocultural do que para o lazer

enquanto mercadoria/consumo:

[...] o trabalho dos museus não se confunde com o dessas indústrias [cultural, de marketing, etc.], pois as instituições museológicas trabalham principalmente em uma dimensão educacional que visa ao desenvolvimento cultural e social dos cidadãos. É inegável que existe uma demanda social por programas educativo-culturais e, nesse sentido os museus e outras instituições afins podem contribuir significativamente para atendê-la. Essa demanda se insere também em um contexto de lazer e entretenimento. O grande desafio do museu está em conjugar educação e lazer. Existem riscos de desvirtuar os compromissos básicos da educação e da cultura em prol da lógica do mercado (STUDART, 2010, p. 141, grifos meus).

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Isso vai ao encontro do que se considera como característica da ação

educativa em museus:

O objetivo da educação em museus, assim como da educação em sentido amplo, é oferecer possibilidades para a comunicação, a informação, o aprendizado, a relação dialética e dialógica educando/educador, a construção da cidadania e o entendimento do que seja identidade (STUDART, 2010, p. 143).

Portanto, com a presença pedagógica em museus, eles também são espaço

de produção de conhecimento, além da educação informal48. De acordo com Studart

(2010), as atividades educativas se relacionam ao espaço museológico como

propício para o conhecimento como processo. Ela afirma, sobre essas atividades:

[...] Atividades estas [educativas] que considerem o museu espaço ideal de articulação do afetivo, do sensorial e do cognitivo, do abstrato e do conhecimento inteligível, bem como da produção do conhecimento. Também chamamos a atenção para a importância de conceber a Ação Educativa como processo, em que a tônica seja o diálogo, a troca e a construção conjunta do conhecimento [...] (STUDART, 2010, p. 143, grifos meus).

O que define a caixa Padrões de Beleza está presente nas narrativas sobre

os objetivos pensados na criação dela.

Os objetivos se articulam com a prática educativa na medida em que os

objetos são acionados enquanto mediadores de assuntos relacionados à educação.

Isso é demonstrado no terceiro capítulo, que trata diretamente da caixa Padrões de

Beleza.

Considero esses objetos das caixas didáticas como um todo enquanto

objetos mediadores, similar ao objeto gerador de Ramos (2004). A diferença está na

forma de olhar tal objeto. Ao considerar sua biografia e as possibilidades de

transformação de status ao longo da vida do objeto, é possível também encará-lo

como um objeto de múltiplas possibilidades de interpretação que não estão

relacionadas ao significado do objeto em si, mas ao seu uso antes de ser peça de

museu e agora, enquanto peça/objeto que transporta reflexões e significados

relacionados a um tema; no caso, padrões de beleza.

48

Será falado um pouco mais sobre o papel dos museus no capítulo 3, “O MAE-UFPR e suas caixas didáticas”.

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61

O que é exposto no museu, na atual perspectiva, está relacionado aos

significados revelados que permitem interpretações com o olhar para/sobre trocas

de experiências. Seja em um circuito expositivo, seja em um material que circula fora

do próprio museu, como as caixas didáticas do MAE-UFPR. Isso faz com que o

patrimônio seja um recurso educativo, diz Oliveira, “[...] que se alia ao

desenvolvimento local autossustentado” (2008, p. 155).

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62

3 O MAE-UFPR E AS SUAS CAIXAS DIDÁTICAS

[...] os museus são arenas privilegiadas, que apresentam imagens de nós mesmos e dos outros [...] (KERSTEN; BONIN, 2007, p. 124, grifos das autoras). [...] museu não é apenas um local destinado a abrigar objetos, mas também um local cuja função principal é a de transformar as coisas em objetos [...] (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013, p. 68).

Neste capítulo eu apresento meu universo de pesquisa a partir de um breve

histórico do Museu, com as alterações ocorridas após o último restauro no início dos

anos 2000. A partir daí, localizo a Sala Didático-Expositiva e o Setor de Ação

Educativa para poder abordar a criação da coleção manipulável (CM) e das caixas

didáticas. Também indico reflexões sobre mediação, educação e museu junto ao

universo da pesquisa.

3.1 O MAE-UFPR

Figura 4 – Vista interna do pátio da sede do MAE-UFPR em Paranaguá Fonte: <http://www.google.com.br/imgres?um=1&hl=ptBR&biw=1024&bih=643&tbm=isch&tbnid=jIyi__E44IU-zM:&imgrefurl=http://www.ufpr.br/portalufpr/noticias/mae-oferece-palestra-sobre-educacao-em-museusemparanagua/&docid=jiwKRWnCLTDBmM&imgurl=http://www.ufpr.br/portalufpr/wpcontent/uploads/2012/04/patio_interno_mae.jpg&w=448&h=299&ei=YRGlUbiuBKnv0QHBxoCgAw&zoom=1&ved=1t:3588,r:82,s:0,i:332&iact=rc&dur=2641&page=6&tbnh=145&tbnw=224&start=75&ndsp=16&tx=94&ty=77>.

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63

O Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Paraná

(MAE-UFPR), com sede em Paranaguá (PR), foi fundado pelo professor José

Loureiro Fernandes, em 25 de julho de 1962 como Museu Universitário, cujo objetivo

era o de preservar e valorizar o patrimônio e a cultura regionais, além de sediar um

centro de pesquisa sobre a região49.

As cláusulas do documento de criação do referido Museu apontavam as

suas finalidades: favorecer a pesquisa científica, promover a educação popular,

entre outras (VÖRÖS, 2011)50.

A valorização de questões patrimoniais e culturais favoreceu a ocupação do

Antigo Colégio Jesuíta51, em Paranaguá, para se criar o Museu. Na época em que

foi estabelecido, o museu se chamava Museu de Arqueologia e Artes Populares do

Paraná (MAAP) e possuía dois setores: o de Arqueologia Pré-Histórica Brasileira e o

de Cultura Tradicional Popular52.

Tempos depois, no fim da década de 1980 e início de 1990, o MAAP passa

por transformações estruturais, em seu regimento e nomenclatura. O Museu passa a

ser chamado de Museu de Arqueologia e Etnologia53 de Paranaguá (MAEP), em

1992. Além disso, houve alterações nas exposições relacionadas às praticas

museológicas; a partir de constantes contribuições teóricas e práticas o próprio

edifício é considerado enquanto objeto exposto.

Em 1999, passa a ser denominado Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE)

e se reestrutura. A partir disso, o Museu retoma a prática iniciada quando da sua

criação, para produções científicas, pesquisas universitárias e comunitárias, bem

como para exposições de curta duração. Isso tudo se relaciona com o último

restauro, que é feito no início dos anos 2000 com os novos espaços relacionados ao

MAE-UFPR e outras práticas, como a criação da Reserva Técnica (RT), em Curitiba

(PR); do Setor de Ação Educativa, sediado inicialmente nessa nova Reserva; e da

Sala Didático-Expositiva, no prédio Histórico da UFPR, na capital paranaense.

Essa mudança da Reserva Técnica para Curitiba é fruto da necessidade que

o Museu possuía em ter um espaço próprio e adequado para armazenar o acervo.

49

Sobre Loureiro Fernandes e o MAE-UFPR, vide Furtado (2006). 50

Disponível em: <http://www.humanas.ufpr.br/portal/antropologia/monografias-de-graduacao/>. Também disponível com a própria autora: [email protected]. 51

O edifício-sede do Museu foi construído no século XVIII e tombado em 1938 pelo IPHAN. 52

Atualmente, esses setores são chamados de Arqueologia e Cultura Popular, respectivamente. 53

Peças que pertenciam ao Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Paraná foram para o acervo do Museu; isso implica na alteração do nome em função de uma maior presença do tema etnologia indígena no espaço museológico.

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64

Quando em Paranaguá, a RT funcionou na sede do MAE-UFPR desde sua criação

até a década de 1990, quando foi para um espaço emprestado do Instituto do Café,

na mesma cidade, a partir de um acordo entre a Universidade e o Governo Federal.

Cabe lembrar que, como o edifício-sede do Museu fica na beira do rio Itiberê, a

incidência de umidade é constante, o que não permite uma condição favorável para

a conservação das peças54.

Em 2005 é um espaço da UFPR, o campus Juvevê, em Curitiba, que passa

a abrigar o acervo de forma definitiva, além de algumas divisões administrativas,

como secretaria, coordenação de setores e direção do MAE-UFPR. A importância

dessa nova Reserva Técnica em Curitiba diz respeito, principalmente, à estrutura

adequada (mobiliário e circulação) e condições climáticas favoráveis para armazenar

cerca de 60 mil peças adquiridas, recebidas de doação, permutas, etc.

3.1.1 O último restauro: mudanças para novos espaços físicos e a criação da Sala

Didático-Expositiva

O último restauro veio com o momento em que o Museu se repensa, se

refaz. A mudança da Reserva Técnica para Curitiba, como citado, e a criação de um

novo espaço expositivo são marcos desse momento.

Essas novas práticas no MAE-UFPR são frutos de um laudo realizado pela

professora Maria Cristina Bruno, da Universidade de São Paulo (USP), que

apresentou uma proposta de ação sobre o Museu.

O que é exposto em Paranaguá, tanto os objetos quanto o próprio prédio,

precisa fazer sentido para a comunidade que o visita, bem como para a UFPR, que

é a responsável pela instituição.

Cada exposição passou a ser considerada como projeto, com agentes

específicos residentes (do Museu) e convidados para a elaboração dessas

exposições – como especialistas no assunto a ser exposto, como curadores ou

facilitadores –, e adequar as formas de divulgação de acordo com o que é

apresentado.

54

Em conversa não gravada com a atual diretora do MAE-UFPR, Márcia Cristina Rosato, ela contou sobre os fatores para a mudança de local da Reserva Técnica para Curitiba e, entre eles, a conservação das peças é um dos mais relevantes.

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65

A partir daí, resolveu-se que a sede em Paranaguá (PR) teria uma agenda

cultural com atividades promovidas e executadas pelo Museu, como o já ativo

“CineMAE”, que apresenta uma programação de filmes – cineclube – a partir de um

tema no auditório do Museu.

Como o MAE está ligado à Universidade, ele precisa estar mais próximo

dela, que é sediada em Curitiba (principalmente), diz Márcia C. Rosato55, atual

diretora do MAE-UFPR. A conexão entre Paranaguá e Curitiba por meio do Museu

necessitava ser reforçada, e a criação da Sala Didático-Expositiva foi a principal

forma.

O intuito da criação dessa Sala é ter um espaço para receber visitas de

escolas de Curitiba e região. Nesse espaço, há um circuito expositivo que se

relaciona com a exposição de longa duração em Paranaguá, no que diz respeito às

áreas que contemplam o MAE-UFPR: Arqueologia, Etnologia Indígena e Cultura

Popular. Ela funciona como o Museu, é aberto à comunidade e agenda visitas para

escolares ou grupos fazerem o circuito junto com monitores da Ação Educativa.

Figura 5 – Os espaços físicos do MAE-UFPR. Fonte: a autora (2014)Vörös

55

Em conversa não gravada, Márcia apresentou de forma geral o histórico do MAE-UFPR.

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66

3.2 A SALA DIDÁTICO-EXPOSITIVA: O LOCAL DA AÇÃO EDUCATIVA DO MAE-

UFPR EM CURITIBA (PR)

A Sala Didático-Expositiva é chamada como Sala Didática ou “SD” por

bolsistas e funcionários envolvidos com a Ação Educativa do MAE-UFPR de

Curitiba.

É necessário falar da Sala Didática para localizar o espaço em que as novas

caixas didáticas passam a ser construídas. Em 2012, o setor de Ação Educativa, já

com cerca de seis bolsistas, se muda para a Sala e ganha uma área de trabalho

para a elaboração de novos materiais, bem como espaço para armazenar a coleção

criada a partir dessa nova prática: de objetos que são experimentados pela visão e

pelo tato, principalmente.

Próximo à criação da Ação Educativa e das novas caixas, a Sala Didático-

Expositiva é criada em 2009 e estimula a retomada de atividades educativas já

realizadas em Paranaguá (monitoria e atividades de extensão), instituindo novas

práticas, como o uso das caixas didáticas, e atividades de extensão, como

exposições especiais relacionadas ao evento “Primavera dos Museus”, promovido

pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), autarquia vinculada ao Ministério da

Cultura do Governo Federal. Além de atividades complementares às visitas guiadas

compostas de atividades como pintura, desenhos ou confecção de adornos

corporais.

Ela está situada no subsolo do Prédio Histórico da Universidade Federal do

Paraná (UFPR), indicado como campus Santos Andrade, nome homônimo ao da

praça onde este se localiza.

O campus Santos Andrade é uma construção de 191356, realizada a partir

de empréstimos financeiros e coordenada por Victor Ferreira do Amaral (1862-1953)

em um terreno central da cidade doado pela prefeitura. Vitor F. do Amaral foi reitor

na época em que a Universidade do Paraná estava concentrada nesse único espaço

físico. Posteriormente, com a federalização do Ensino Superior no Brasil, a

Universidade se expandiu. O texto institucional da atual Universidade Federal do

Paraná descreve essa história da seguinte forma:

56

Informações encontradas em <http://www.ufpr.br/portalufpr/historico-2/> e <http://www.ufpr.br/portalufpr/a-mais-antiga-do-brasil/>. Acesso em: 9 abr. 2014.

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67

Com sua federalização, a instituição passou por uma fase de expansão. A construção do Hospital de Clínicas (1953), do Complexo da Reitoria (1958) e do Centro Politécnico (1961) representaram sua consolidação (“A mais antiga do Brasil” http://www.ufpr.br/portalufpr/historico-2/ acesso em: 9 abr. 2014).

Essa construção possui como características: três pavimentos, quatro

“blocos” unidos por uma parte central (que pode ser percebido de tal forma pela

entrada principal que possui como acesso uma longa escadaria) e pelo pátio interno

(subsolo), arquitetura eclética. Atualmente abriga dois cursos de graduação, Direito

e Psicologia, além de espaços da administração geral da UFPR e alguns núcleos de

pesquisa, bem como a Sala Didático-Expositiva do MAE-UFPR.

Para quem entra pela primeira vez, ou com pouca frequência, o prédio pode

ser relacionado a uma espécie de labirinto. E descobri, durante meu trabalho como

bolsista nesse local, entre os anos 2010 e 2012, no mínimo três formas de acessar a

Sala Didático-Expositiva.

Para se chegar à Sala, que fica no subsolo da construção, os caminhos são

vários, bem como a quantidade de entradas, mas para isso é preciso chegar ao

pátio interno (esquerdo, em relação à entrada principal) por onde se acessa a Sala57.

A porta de entrada da Sala Didático-Expositiva é dupla, de ferro, pintada de

branco com vidros no meio. Quando a Sala está aberta, uma das folhas da porta fica

aberta e a outra fechada. As duas só são abertas ao mesmo tempo quando

necessário, para se ter um maior espaço de passagem/circulação, como em visitas

de cadeirantes e/ou outras necessidades especiais que demandam um espaço

adequado para circulação. Podem também ser abertas quando são trazidos

materiais, como, por exemplo, de limpeza e alimentação (produtos de limpeza, café,

chá, copos descartáveis, etc.), ou peças do acervo que serão colocadas no circuito

expositivo (como substituição ou inclusão de objeto) que exigem maior espaço para

entrada.

Nas situações de adequação para o acesso de visitas com necessidades

especiais foi adaptada uma rampa de acesso, visto que o acesso à entrada possui

um degrau inadequado para locomover cadeiras de rodas, por exemplo.

57

Não vou entrar em detalhes de como chegar em função da complexidade que o espaço físico apresenta no momento em que penso em traduzir para a escrita guiada, além do fato das variáveis encontradas para o acesso à “SD”, que são complexos. É possível chegar lá a partir da narração dos vigilantes do prédio. Ao mesmo tempo em que parece ser difícil, é possível não se perder no prédio.

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68

A Sala Didático-Expositiva possui piso de cerâmica claro e algumas paredes

são pintadas de verde e outras brancas; o teto também é branco. A iluminação é

feita por trilhos com spots na cor branca. E as peças que estão em exposição

permanente estão abrigadas em expositores protegidos com vidro, como na maioria

dos espaços expositivos. Os expositores possuem tamanhos distintos, de acordo

com a posição em que se encontram na Sala (vide figura 6).

O circuito expositivo é dividido de acordo com os três setores do Museu,

Etnologia Indígena, Cultura Popular e Arqueologia. Essa divisão, no entanto, é sutil,

não há uma separação física (como uma parede, por exemplo) entre eles; a divisão

é a partir da própria apresentação dos setores. A seguir, imagens e a descrição do

espaço expositivo da Sala Didático-Expositiva.

O circuito se inicia58 pela exposição da Etnologia Indígena, que possui nove

expositores. Esses expositores abordam temáticas indígenas (rituais, adornos

corporais, cerâmica) a partir de objetos com suas identificações e, em alguns

expositores, há também textos e imagens ou fotografias relacionadas ao conteúdo

expositivo daquela vitrine, daquele setor. No circuito guiado, ao término do setor de

Etnologia Indígena, há uma transição para o setor de Cultura Popular, por meio de

fitas coloridas e novos painéis com imagens relacionadas à cultura popular.

Figura 6 – Detalhe da exposição referente ao setor de Etnologia Indígena Fonte: Lucas Garcia (2014).

58

Não necessariamente; aqui considero o início a partir da disposição espacial da Sala e de uma visita guiada com os bolsistas das Ações Educativas.

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69

A Cultura Popular é apresentada por vitrines expositivas com objetos

relacionados à tradição (com objetos antigos, como ferro de passar a carvão), ao

fazer (relacionado ao trabalho, como a roca e um pedaço de tecido feito com tear) e

ao celebrar, a partir de festas populares (como cerâmicas relacionadas ao Boi

Mamão – festa tradicional de Santa Catarina –, o pau de fita, o fandango

paranaense, etc.). A estrutura de apresentação é a mesma: objetos, identificação

desses e, em alguns expositores, imagens e textos relacionados ao material

exposto.

Figura 7 – Detalhe da exposição referente ao setor de Cultura Popular Fonte: Lucas Garcia (2014).

Imagem: Lucas Garcia, 2014.

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70

Como sequência do setor de Cultura Popular, há o setor de Arqueologia. O

setor de Arqueologia possui a mesma estrutura de apresentação, mas com seis

expositores correlatos ao setor e um expositor grande, o “aquário”, como é

chamado, composto por urnas funerárias feitas de cerâmica.

Figura 8 – Detalhe da exposição referente ao setor de Arqueologia Fonte: Lucas Garcia (2014).

Terminado o espaço expositivo, há duas salas. A primeira sala é um espaço

para atividades, destinado aos escolares quando visitam a Sala Didático-Expositiva

para realizar as atividades propostas59 pelos bolsistas que os receberam para a

visita. Ela possui paredes pintadas de amarelo e é composta por cinco mesas de

ferro coloridas (amarela, verde, azul), também possui almofadas que ficam

armazenadas em prateleiras expostas de um armário azul e verde – que também

armazena materiais para a execução das atividades educativas, como lápis de cor,

miçangas, carimbos com temas indígenas, tesoura, cola em bastão, papel, etc.

As mesas e almofadas coloridas servem de apoio para fazer as atividades. À

esquerda dessa sala está a segunda sala, que chamo de trabalho, onde os bolsistas

ficam quando não há visita guiada.

59

As atividades propostas são definidas quando a(s) escola(s) entra(m) em contato para agendar a visita e estão pautadas de acordo com a idade do público visitante, a disciplina que os trouxe até a Sala, o conteúdo que o(a) professor(a) quis abordar a partir do agendamento da visita e, por fim, com a quantidade de bolsistas disponíveis no horário dessa visita.

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71

A sala de trabalho dos bolsistas também possui mais duas funções:

almoxarifado e acervo da coleção manipulável (CM) da Ação Educativa de Curitiba,

do Museu. É nesse lugar, composto por duas mesas grandes de trabalho, uma com

dois computadores de mesa e outra com espaço livre para trabalho, que os bolsistas

fazem suas pesquisas e construções de textos, manifestam as ideias para executar

novas caixas didáticas ou para as visitas guiadas. As prateleiras atrás das mesas

(as mesas ficam de frente para uma janela com vidros translúcidos, que está de

frente para o pátio interno do prédio) guardam os objetos da coleção manipulável,

devidamente protegidos por papel de seda e plástico, identificados por pequenas

etiquetas de papel escritas à caneta preta (tipo caneta nanquim), presas nesses

plásticos por um barbante fino. Etiquetas essas que permitem a identificação rápida

do objeto embrulhado, quando localizado no livro Tombo da coleção manipulável,

um caderno em que há o registro desses objetos a partir de suas características

materiais, uso, procedência e forma de aquisição.

As peças do acervo estão colocadas em duas prateleiras centrais do

mobiliário, que é composto por três colunas com três prateleiras cada.

Nas demais, encontra-se materiais de almoxarifado em uma (como café,

chá, papel higiênico, etc.); em outra há livros (como uma “mini” biblioteca); e mais

uma na qual há materiais para as atividades educativas (tecidos, miçangas, tintas,

etc.). Nas prateleiras da extrema esquerda estão guardadas as caixas didáticas já

prontas, que são emprestadas. Quando alguém solicita seu empréstimo, é lá que irá

buscar. Quando há devolução, volta para esse espaço.

Os objetos das caixas didáticas passam a ocupá-la a partir do momento em

que a caixa está com as peças selecionadas, os textos, as atividades e o catálogo

prontos, e ficam sempre “montadas” para que sejam emprestadas completas.

Esses objetos que são escolhidos para ocuparem as caixas possuem

algumas características para tal. Para compreender isso, a seguir, falo sobre os

objetos em museus, a sua relação com a própria instituição museológica e a

condição para que um objeto do acervo do MAE-UFPR possa compor a coleção de

objetos manipuláveis das caixas didáticas.

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72

3.2.1 Conservação, pesquisa e divulgação: a vida de um objeto museológico

De acordo com o que se considerou como função dos museus, a partir dos

autores que apontei no capítulo anterior sobre esse tema, falar do acervo é de

grande importância. O Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal

do Paraná possui quantidade relevante de artefatos, e é a partir da existência das

coleções do Museu que a proposta de se tocar nos objetos constrói uma nova

coleção, a coleção manipulável.

Os objetos que habitam os museus vieram de contextos diversos, dotados

de outros valores e significados que constituem sua biografia própria. Essa mudança

de status, nesse momento em que o objeto se encontra no espaço museológico,

transforma-o em objeto musealizado.

De acordo com alguns autores da museologia60, o objeto quando

musealizado é transformado. Isso promove uma relação direta entre museu (e seus

atributos) e objeto. Essa relação, de acordo com a museologia, ocorre a partir de

alguns aspectos, como a transformação da coisa em objeto; a produção de um

objeto (enquanto materialidade a ser exposta); o potencial do objeto enquanto

discurso ou representação, entre outros.

Da transformação da coisa em objeto, entendendo a coisa enquanto algo

material como continuidade do indivíduo que o manipula. Quando ela é separada do

sujeito, por exemplo, quando deslocada para o universo do museu ou para uma

coleção (não necessariamente de museu), ela é afastada do sujeito que até então a

utilizava.

Como objeto, ele “fala por si”, na medida em que se torna representação de

significados, valores ou narrativas. É importante dizer que “falar por si” não significa

que ele está encerrado em seus valores e significados anteriores ao seu novo

contexto – museológico –, mas que está disponível para gerar possibilidades outras

que, quando em estado de coisa (status anterior a esse de objeto musealizado), não

lhe era possível, por razões diversas (como uso, por exemplo). Cabe lembrar que o

museu não tem um potencial autônomo de transformação das coisas em objetos,

são as pessoas, valores e inquietações subjetivas, culturais, ideológicas e políticas

que permitem a mudança da coisa para objeto. Isso caracteriza a produção do

60

De acordo com os autores citados no verbete “objeto musealizado” da obra Conceitos-chave de museologia (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013).

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73

objeto, relacionada com a distância adquirida por ele quando se está nesse contexto

de museu (ou coleção61).

De acordo com o ICOM,

[...] o objeto do museu é feito para ser mostrado, com toda a variedade de conotações que lhe estão intrinsecamente associadas, uma vez que podemos mostrar para emocionar, distrair ou instruir. Essa operação de “mostração”, para utilizar um termo mais genérico que o de “exposição”, é tão importante que cria a distância, faz da coisa o objeto (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013, p. 69, grifos meus).

Além disso, o conteúdo e a forma de se expor também dizem respeito às

escolhas. Isso pode ser bem compreendido no que diz respeito às peças que se

encontram na caixa Padrões de Beleza nesse momento, por exemplo. O que se

escolhe está relacionado ao que a peça (objeto musealizado) pode “falar” sobre; seu

potencial de testemunho e/ou novos significados:

[...] Os objetos no museu são desfuncionalizados e “descontextualizados”, o que significa que eles não servem mais ao que eram destinados antes, mas que entraram na ordem do simbólico que lhes confere uma nova significação [...] (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013, p. 70, grifos meus).

Além disso, o que é exposto é representação, o objeto já não é o que era,

pois já foi extraído de seu contexto de “origem”, ou melhor, de uso (enquanto

funcional estético ou outra coisa).

Isso significa que sua representação quando exposto não está somente

ligada ao seu passado biográfico, mas à forma e ao conteúdo em que se quer

colocar tal objeto (musealizado).

Os objetos das caixas didáticas estão em uma condição que considero como

além da representação, considero mediadores. E, enquanto mediadores, eles

podem ser aliados a temas ou propostas que sua materialidade possibilite.

Ou seja: a biografia de qualquer objeto do MAE-UFPR que pertença à

coleção manipulável (seja anteriormente de outra coleção interna deste museu ou

não) se reinicia no momento em que são colocados em um novo contexto de

61

Embora museu e coleção sejam coisas distintas, optei por aglutinar, uma vez que ambos se relacionam com a coisa que se torna objeto de forma muito semelhante. Talvez a diferença mais marcante esteja na possibilidade da exposição em um museu e na não obrigatoriedade disso no caso de uma coleção particular.

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circulação, como é o caso dos adornos indígenas corporais presentes na caixa

Padrões de Beleza.

E, ao considerar os objetos mediadores, seja em um circuito expositivo, seja

em uma caixa didática, a variedade de interpretações que o objeto permite, a partir

de seu contexto atual e anterior, é múltipla, mesmo quando há um tema norteador.

Sobre o contexto expositivo, cita-se que:

[...] [os objetos] mudam de sentido em seu meio de origem a critério das gerações. Em seguida, cada visitante é livre para interpretar aquilo que observa em função de sua própria cultura. O resultado é um relativismo que Jacques Hainard, em 1984, resumiu em uma frase que se tornou célebre: “o objeto não é a verdade de absolutamente nada. Polifuncional em primeiro lugar, polissêmico em seguida, ele só adquire sentido se colocado em um contexto” [...] (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013, p. 72).

Essa reflexão também pode ser estendida às formas de utilização da caixa

Padrões de Beleza, pois a proposta de todas as caixas já se inicia com o argumento

da livre utilização, mesmo havendo temas sugeridos.

Portanto, a condição de mediação dos objetos também é viável a partir

dessa condição espacial, no museu. Isso significa dizer que a mediação nesse

contexto (tempo e espaço) é um elemento relevante para promover o diálogo entre

educação e museus.

De acordo com Rebeca Campos Ferreira, amparada por Santos62, os

museus de forma geral que possuem como práticas constantes pesquisa,

preservação e comunicação demandam formas interativas – e entendo mediação

como interação –, as quais poderão ser amparadas pela ação educativa desses

espaços. Isso não significa que seja o único setor (a ação educativa do museu)

responsável por isso, ao contrário, o trabalho precisa ser feito em conjunto para que

o resultado seja efetivo e esteja de acordo com tal instituição (FERREIRA, 2010, p.

64).

Acerca dos processos educativos, a interpretação sobre o patrimônio cultural

associada à compreensão do passado é relevante para outros desdobramentos a

partir da relação temporal presente-passado investigada.

A criação das caixas didáticas do MAE-UFPR pode ilustrar essa prática

educativa sobre patrimônio. É o momento no qual o Museu sai de si, no sentido de

62

SANTOS, Maria Célia T. Moura. Museu e educação: conceitos e métodos. 2008. Disponível em: <http://bibliotextos.files.wordpress.com/2011/12/museu-e-educac3a7c3a3o.pdf>. Acesso em: 19 abr. 2015.

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colocar alguns objetos do acervo em circulação, em um espaço fora dele em

diversos sentidos.

O MAE-UFPR sai fisicamente em forma de caixa didática daquele espaço

protegido e amparado por um tempo “congelado” e põe-se a discutir seus objetos,

bem como suas práticas. O que permite, por sua vez, aumentar ou reconhecer a

amplitude que os espaços museológicos possuem enquanto lugares também de

produção de conhecimento.

Ao considerar os museus como espaços para conservação, comunicação e

exposição, os objetos pertencentes a essas instituições possuem um status

diferenciado dos objetos não musealizados (KOPYTOFF, 2008).

É importante falar sobre os objetos de maneira geral, para que se possa

compreender a relação que os objetos que estão na caixa Padrões de Beleza

possuem entre eles e com os textos que os acompanham na caixa.

De acordo com a antropologia das coisas – ou dos objetos – apresentada

por Appadurai (2008), os objetos fazem parte da nossa vida tão diretamente quanto

as roupas que utilizamos na cultura ocidental, por exemplo. As coisas possuem vida

social. Ao considerar consumo como fato social e produtor de vínculos sociais63, os

objetos ganham importância para se analisar o contexto em que se encontram. As

coisas são suas próprias trajetórias por meio de sua produção, circulação, consumo

e uso.

Observar a vida das coisas64, para Appadurai, é perceber suas formas, usos

e trajetórias relacionadas à vida humana. Ele diz: “[...] são as coisas em movimento

que elucidam seu contexto humano e social” (2008, p. 17). O potencial mercantil das

coisas faz com que elas estejam inseridas em um contexto, em toda a trajetória da

mercadoria – além da produção em si –, passando pela troca, distribuição e

consumo.

O conceito de mercadoria de Appadurai a sugere como “[...] coisas com um

tipo particular de potencial, que se distinguem de “produtos”, “objetos”, “bens”,

“artefatos” e outros – mas apenas em alguns aspectos e de um determinado ponto

de vista” (2008, p. 19).

63

Os autores reunidos no livro de Arjun Appadurai (2008) partem da ideia do consumo como fato social, como determinante ou presente na base da/na formação do gosto, da distinção, no individualismo, na reprodução de grupos e identidades sociais. Em relação à produção de vínculos, são as formas particulares de solidariedade, confiança e sociabilidade para a vida social. 64

Termo inserido por Igor Kopytoff (2008).

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76

Todas as coisas são “trocáveis”: essa é a situação mercantil. Há outro

aspecto que aqui merece destaque, que são os objetos que estão fora da circulação

mercantil.

No caso desta pesquisa, são objetos de museus. Esses estão armazenados

em um espaço destinado a eles, em condições adequadas de temperatura e

controle de umidade, por exemplo, geralmente em uma reserva técnica.

Appadurai (2008) fala sobre essas coisas que estão fora do circuito, são os

objetos inalienáveis – seja por um instante, ou longo ou eterno período.

Aqueles objetos em que é necessária a troca de sacrifícios para sua

aquisição ou para sua venda são os alienáveis. E desses também é composta a vida

econômica. O objeto adquire valor a partir da sua demanda: a troca e o sacrifício da

troca, por exemplo. A presença de um valor econômico conferido ao objeto está

localizada em situações sociais específicas. Como a condição de sacrifício para a

aquisição de um objeto, por exemplo, no comércio ilegal de obras de arte.

Os objetos do museu, a partir da leitura de Appadurai, podem ser

considerados como objetos inalienáveis, pois estão em uma situação “suspensa” de

troca.

O que irá atribuir valor a um objeto está mediado pela política de forma

ampla, diz Appadurai, pois a vida social das pessoas e das coisas é mediada pelas

relações de troca e de valor, pela coisa em si; e não pelas formas e funções (2008,

p. 15).

De acordo com o autor, a mercadoria65 possui um fluxo pautado em rotas

reguladas socialmente (como oferta e procura), que fazem da criação de valor um

processo mediado pela política; há, com isso, a motivação de desvios.

Os desvios são compreendidos como as situações em que os objetos

transitam fora do seu estado de mercadoria. A condição de mercadoria dos objetos é

considerada, portanto, como uma fase na vida de alguns objetos, de acordo com

Appadurai, ao citar Kopytoff sobre o trânsito entre dentro e fora da mercantilização

dos objetos (APPADURAI, 2008, p. 31).

65

De acordo com Jaques Maquet, Appadurai cita quatro tipos de mercadorias (M): M por destinação (objetos destinados à troca pelos produtores, ex.: eletrodomésticos); M por metamorfose (coisas destinadas a outros usos que se colocam no estado de mercadoria, ex.: uma obra de arte); M por desvio (objetos que em sua origem estavam protegidos de ser mercadoria, ex.: obras raras contrabandeadas) e ex-mercadorias (coisas retiradas – temporariamente ou não – do estado de mercadoria e colocadas em outro estado, ex.: peças de museu). O importante é lembrar sempre que as mercadorias estão em movimento para que se possa defini-las em quatro tipos (2008, p. 31).

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77

Portanto, é importante observar que os objetos enquanto mercadorias assim

o são como uma fase em sua própria vida.

Outro aspecto relevante é que os objetos não são secundários. O que os

estudos em cultura material querem mostrar é que os objetos possuem relevância

no que constitui as relações humanas, pois as coisas fazem parte das diversas

situações vivenciadas pelos sujeitos: sejam objetos do cotidiano, objetos rituais ou

enquanto mercadorias. As situações também dizem respeito aos objetos.

Para falar de uma biografia dos objetos, é de fundamental importância

dialogar com Igor Kopytoff, a partir de A biografia social das coisas: a

mercantilização como processo (2008), texto no qual o autor afirma que os objetos

possuem uma biografia, assim como as pessoas.

Eles – os objetos – também possuem uma trajetória que declara/demonstra

suas mudanças de status ao longo de sua existência. O autor propõe que é no

momento da troca que há um novo status, uma nova significação tanto para essa

coisa quanto para uma pessoa.

Os objetos da caixa Padrões de Beleza são objetos que adquirem um novo

status quando saem do acervo do MAE-UFPR para ocupar um novo acervo na

coleção manipulável. É esse momento de transição dos objetos que esta pesquisa

se propõe a analisar, a partir das motivações que fazem com que tais objetos se

tornem mediadores de um tema, no caso, padrões de beleza.

3.2.2 A coleção manipulável do MAE-UFPR

No MAE-UFPR, a maior parte do acervo está armazenada na Reserva

Técnica, no campus Juvevê da UFPR, na cidade de Curitiba. Há outro acervo

composto por uma coleção, a coleção manipulável (CM), que se encontra na já

citada Sala Didático-Expositiva, e que diz respeito diretamente à elaboração das

caixas didáticas.

O acervo do MAE-UFPR é um espaço no qual há o conjunto de objetos,

documentos ou fotografias enquanto coleções pertencentes a alguma instituição,

pública ou privada. No caso do MAE-UFPR, o acervo está armazenado em

condições adequadas para sua proteção e preservação (há um controle de umidade

do ambiente, bem como armários especiais para o armazenamento das peças).

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78

A elaboração da coleção manipulável (CM) do Museu surge a partir da

construção das caixas didáticas. Essa coleção é composta inicialmente por peças já

oriundas do próprio acervo do MAE-UFPR, abrigados na Reserva Técnica, e são

deslocadas para a coleção manipulável como classificadas para sua nova condição:

são peças que irão circular pelas mãos das pessoas que utilizam as caixas

didáticas.

Isso implica considerar que cada peça que vai para essa coleção

manipulável possui a condição de tal; de ser tocada, derrubada das mãos por

acidente, percebida em seus detalhes com proximidade como cheiro, ou qualquer

outra ação que se relaciona com o fato de uma peça de museu estar em muitas

mãos.

Estar nas mãos de qualquer pessoa significa que o objeto, embora peça de

museu que deva ser cuidada, está mais exposto do que aqueles acondicionados na

reserva técnica, geralmente amparados por luvas de borracha quando manipulados.

Esses objetos tocados estão expostos a não preservação, mas, também,

expostos às potencialidades que possuem e que só podem ser manifestadas

quando estão circulando, ou melhor, em contato direto com o público.

Isso não significa que esses objetos serão oferecidos sem uma

sensibilização sobre a própria condição de peça de museu. Ao contrário, o fato de

alguns objetos pertencerem a essa condição – manipulável – colabora com o

discurso da preservação, da educação, da cultura material. O objeto é manipulável,

mas o cuidado é sempre ressaltado para que o próprio objeto manipulável continue

sendo essa mediação entre o que o museu possui e o que podemos tocar (cheirar,

sentir o peso, etc.).

É o que aparece, por exemplo, no armário que guarda essa coleção. Fica na

sala de trabalho dos bolsistas, na Sala Didático-Expositiva. A figura 7 ilustra esse

espaço, e mostra um lembrete com os dizeres de que, embora manipuláveis, são

peças que exigem cuidados e preservação para continuarem sendo. O recado é:

“Somente peças do acervo! (Por favor, não insista!)”, uma vez que nesse mesmo

espaço do acervo estão as mesas de trabalho dos bolsistas e, às vezes, algumas

pessoas desavisadas, quando de início no trabalho, colocavam seus pertences em

qualquer espaço aparentemente disponível.

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Figura 9 – Detalhe de uma parte do armário que abriga a coleção manipulável (CM). Nessa parte estão bonecas, cerâmica indígena, cestaria, entre outros objetos. Entre as duas prateleiras, há um aviso escrito em uma fita crepe que diz: “Somente peças do acervo! (Por favor, não insista!)” Sala Didático-Expositiva, Curitiba (PR) Fonte: Lucas Garcia (2014).

Essa coleção se relaciona diretamente com a Ação Educativa, principalmente

no que diz respeito à composição das caixas didáticas. Algumas peças são oriundas

dos outros setores (Etnologia Indígena e Cultura Popular principalmente,

Arqueologia um pouco menos), e outras são adquiridas diretamente para compor as

caixas didáticas, além disso, é comum que os bolsistas criem peças como réplicas66

ou miniaturas de objetos para compor as caixas.

A utilização de miniaturas ou réplicas é associada à importância dada para

aquilo que essa produção (de caixas) faz: não deixa de expor uma peça, mas, faz de

outra peça – como uma miniatura – uma mediação entre o que se quer dizer,

trabalhar e expor de um objeto que não pode ser tocado (manipulado), mas pode ser

representado. Aqui também é a ocasião para se pensar sobre o status dos objetos

66

Às vezes são encomendadas. Como, por exemplo, as peças em miniatura dos instrumentos do Fandango (manifestação popular do litoral do Paraná) que estão na CM foram encomendadas de um artesão que constrói os instrumentos musicais usados no próprio Fandango e fazem parte da caixa Paraná.

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dentro do MAE-UFPR: alguns são manipuláveis, outros não. O status também é

alterado quando um objeto necessita de outra materialidade para representá-lo ou

para sustentar o que tal objeto medeia, mesmo por meio de outro, como uma

miniatura.

Essa mediação pode ser percebida quando os objetos já estão colocados

em uma caixa didática. O tema da caixa vai ser o mediador entre aquela miniatura –

continuado o exemplo anterior – e a peça “original” que não pode ser manipulável.

As mediações, no caso das caixas, são feitas em diversas direções: o tema e a

peça, o texto e o objeto, a atividade e o tema, o objeto e a atividade, o indivíduo e a

caixa, e assim por diante; a direção é variável de acordo com o que se quer fazer

nessa interação entre objetos e pessoas.

Para a Ação Educativa, a Andréia, coordenadora do setor, julgou interessante

adquirir bonecas Karajá67 para colocar dentro das caixas em função de temas

relacionados à Etnologia Indígena. Isso se relaciona com o fato de que, quando

Karlla De Paris e Laura Rotunno estavam no processo de construção da caixa e

conheceram o acervo da Etnologia Indígena do MAE-UFPR, se encantaram com

essas bonecas produzidas na década de 1950.

Elas narram isso em um trecho da entrevista sobre a inclusão das bonecas

Karajá na caixa a partir da memória sobre o contato com o acervo das bonecas

antigas:

[KDP] Porque, o primeiro armário que eu abri quando eu entrei no Museu foi o das bonecas Karajá e eu achei lindo, maravilhoso, me apaixonei e falei: “quero trabalhar com elas!” Basicamente foi isso. [risos] [LR] Não importa o quê, a gente vai dar um jeito... [KDP] A gente vai colocar [as bonecas na caixa Padrões de Beleza] [risos] É eu lembro que foi a nossa primeira entre várias aspas, a nossa primeira “briga” com a professora Laura [Pérez Gil] porque de forma alguma aquelas bonecas Karajá poderiam sair do acervo já que elas eram lá da década de 1950, enfim... [LR] A-ham... [KDP] E muito delicadas, muito mais frágeis aí a gente ficou [?] [fomos] atrás [de criar a] da nossa coleção manipulável de bonecas Karajá porque elas precisavam estar ali. [LR] É, essas bonecas, né, essas duas estão na caixa hoje em dia, a maior que [es]tava na primeira versão, e as outras, todas as outras bonequinhas que tem na coleção manipulável elas foram compradas depois que a gente quis as bonecas Karajá na caixa. [AV] Ah que legal... [LR] Então, tipo, foi um... [KDP] Foi um processo às avessas do que...

67

Ela comentou da possibilidade de compra de exemplares pela internet, e assim o Museu o fez para a composição do acervo da coleção manipulável e para o acervo de Etnologia Indígena também.

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[LR] É... [KDP] das outras peças... [LR] Tipo, “ah não dá”, foi até, eu lembro que até, “ai, a gente quer as bonecas Karajá pra colocar na caixa...” “Ai, não pode, elas são originais” – essas [miniaturas que compõem a caixa] também são originais – aquelas eram super antigas, não sei o quê, daí a gente até pensou em replicar elas [as antigas] e daí a Andréia falou: “não, os Karajá estão aí, eles ainda fazem bonequinhas um pouco diferente”, se a gente for comparar essas bonecas com as bonecas que tem lá na Sala Didática, né, expostas, elas são diferentes. [as expostas são de tamanho maior, provavelmente da década de 1950 como as demais que se encontram no acervo do MAE-UFPR] [KDP] São. [LR] E... Mas todas são lindas! [risos de todas] (Entrevista realizada em 06/08/2014).

Ainda sobre a criação da coleção, a Andréia fala dos motivos:

Bom, a CM [coleção manipulável] foi criada com a intenção de suprir a demanda de peças para caixas didáticas, considerando as características do acervo do Museu [MAE-UFPR] em relação à necessidade de manipulação intensiva das peças que o uso dos kits [as caixas didáticas] [exige] nas escolas. O cenário que tínhamos era o seguinte: peças antigas, como por exemplo, bonecas Karajá da década de [19]50 e 60, que, se quebrar, até mesmo dentro da RT [serão impossíveis de serem expostas ou substituídas, em função de não serem mais produzidas no mesmo tamanho daquela época], ou peças plumárias do mesmo período, que se deteriorariam por conta da manipulação intensa. Bom, mas ter bonecas Karajá dentro das caixas era importante tematicamente, e era fundamental ter peças plumárias – pelo menos desde o meu ponto de vista – para apresentar temas como, por exemplo, os adornos indígenas (Correspondência eletrônica entre pesquisadora e entrevistada, 15 de junho de 2014, grifos meus).

Julguei importante fazer uma breve incursão na história dessa coleção (CM)

para compreender a própria biografia desses objetos, de maneira geral; e específica,

quando falo no capítulo seguinte dos objetos da caixa Padrões de Beleza. Isso diz

respeito à situação em que se encontra o objeto, ao seu status, à maneira Kopytoff.

Para isso, pedi que Andréia me explicasse o começo dessa coleção, considerando

que esta era recente e dedicada ao setor recém-criado da Ação Educativa do MAE-

UFPR.

A coleção manipulável começou com a primeira das caixas criadas – Adornos, no ano de 2008, portanto, ainda na época do financiamento do programa Monumenta da Unesco. Acontece que este programa não previa em seus itens financiáveis a compra de peças (assim como não havia para a contratação de contadores de histórias para gravar os contos para criação do livro, mas isso é outra história!), então isso requereu uma justificativa ao programa. A primeira compra foi feita com mulheres artesãs Kayngang, numa banca que mantinham na Praça Osório. Mais tarde, outras peças foram se somando, com base nas novas temáticas de caixas (Correspondência eletrônica entre pesquisadora e entrevistada, 15 de junho de 2014).

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As peças que compõem a coleção manipulável são selecionadas,

principalmente, pela condição de possuir resistência às manipulações frequentes, as

dimensões – para caber nas caixas em termos conceituais e físicos – e possuir

relação com os setores correlatos do Museu68.

A coleção manipulável, portanto, possui características que atravessam todo

o MAE-UFPR. Andréia diz:

[...] Aliás, este também é um detalhe da coleção manipulável que tem a ver com a transversalidade no setor de Ação Educativa: nossas peças se reportam a todas as áreas do museu: Arqueologia, Etnologia [Indígena], Cultura Popular e UNIDOV. Quanto à sua natureza em si, são basicamente peças oriundas de comunidades indígenas (compradas, de preferência diretamente com elas, quando não possível, compramos com a FUNAI

69 ou

outras lojas “especializadas”), ou peças ligadas à cultura popular. [...] Há também a confecção de réplicas, tanto para peças da arqueologia, quanto para peças indígenas não mais possíveis de virem a ser compradas, seja porque o grupo não faz mais, ou por outras razões. [...] Como começamos a fazer réplicas, a coleção tem também a versatilidade de “fazer caber na caixa” peças que antes não o poderiam, como no caso das grandes urnas tupi. [...] é basicamente isso: ter conexão com as áreas da arqueologia, etnologia ou cultura popular. Não necessariamente com o acervo do Museu (por exemplo: o Museu não tem peças africanas, nós temos! Elas foram compradas dentro do projeto Sankofa de contação de histórias e pretende-se, com elas, fazer uma caixa), mas com as temáticas que fazem sentido dentro do Museu (Correspondência eletrônica entre pesquisadora e entrevistada, 15 de junho de 2014, grifos meus).

O trecho supracitado apresenta os objetos enquanto mediadores. Não só

quando vão para uma caixa didática temática, mas a maneira de se olhar para essa

CM no Museu permite observar que o próprio fato dessas peças poderem circular e

serem experimentas afeta o modo do MAE-UFPR operar.

Tudo é colocado em circulação, mesmo que apenas alguns objetos o façam,

o que não é tocado é, no mínimo, (re)pensado, seja por não aparecer, seja por ser

replicado. Na continuação desse relato da Andréia, ela apresenta a quantidade de

elementos que podem ser discutidos a partir da mediação material dos objetos. O

limite é o acervo do Museu, o que não significa que este está fechado. Ao contrário,

são as discussões que surgem com o que se tem como material no Museu que faz

com que novas mediações demandem novas peças ou caixas. Ela continua sua fala:

68

Além dos três setores, Etnologia Indígena, Arqueologia e Artes Populares, devem estar de acordo com a Unidade de Documentação Visual (UNIDOV). 69

Fundação Nacional do Índio: órgão indigenista oficial do Brasil.

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Por exemplo, vc pode se lembrar das discussões ávidas sobre as caixas gênero e tecnologia: é possível discutir tecnologia dentro do MAE, e é possível discutir gênero (e diversidade) dentro do MAE, mas tem de ser dentro do MAE! Não se pode querer fazer uma caixa com peças High-tech, mas se pode falar da tecnologia dentro da Arqueologia (no processo de confecção de armas e artefatos de pedra, por exemplo, ou na transformação do barro em cerâmica), da Etnologia (também na confecção de artefatos, armas e utensílios domésticos, em técnicas de manejo de plantas, e etc.), e da Cultura Popular (nas técnicas de moagem de grãos, nos sistemas agrícolas, na pesca e nos seus petrechos, na confecção de canoa) (Correspondência eletrônica entre pesquisadora e entrevistada, 15 de junho de 2014, grifos meus).

Interessante destacar a forma como Andréia coloca o conceito de tecnologia

como conhecimento desenvolvido nas produções humanas a partir de seus

contextos. Isso vai ao encontro da parte desta pesquisa na qual falo sobre o não

determinismo tecnológico, mas como desenvolvimento humano contextualizado.

Talvez isso seja mais claro no Museu justamente pelo testemunho que a cultura

material carrega em si. Testemunho esse que diz respeito também à própria

biografia da peça.

Fazer uma caixa é explorar as múltiplas possibilidades a partir de vários

grupos, e, no caso, não deixar os setores do Museu de lado, afinal, é a

apresentação dessas áreas a partir de uma caixa que permitirá pensar sobre elas e

sobre os Outros que ali não se encontram materializados. O que tem a ver, por

exemplo, diretamente com a caixa desta pesquisa, a Padrões de Beleza, pois, como

veremos adiante, embora já comentado, para se falar do Ocidente há uma boneca,

para se falar de beleza(s) indígena(s) há dez objetos. Claro que não se pode ignorar

o fato de que não havia peças no acervo de Cultura Popular, por exemplo, que

pudessem compor a caixa a partir do tema e objetivo escolhidos, mas, ao mesmo

tempo, a boneca Barbie aparece como uma contradição, pois, poderia haver mais

objetos que mediassem o mundo ocidental da beleza, réplicas ou miniaturas, mas,

aparentemente, isso não foi considerado um grande problema.

Por fim, a última contribuição valorosa que considero nessa fala da Andréia

está relacionada a isso, no trecho final ela explica que não é possível falar de temas

ou peças e ignorar o que há no acervo do Museu, que seria ignorar, por exemplo, o

mundo indígena (parte dele, claro) e aspectos da cultura popular brasileira

(elementos da). Ela conclui:

Do mesmo modo, não se pode pretender fazer uma caixa sobre gênero com discussões feministas ocidentais e peças da sociedade contemporânea, e

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não olhar nem falar sobre o gênero nas sociedades ameríndias e entre populações tradicionais! Então o recorte é esse, tanto para as temáticas quanto para as peças (Correspondência eletrônica entre pesquisadora e entrevistada, 15 de junho de 2014, grifos meus).

Considero importante falar da coleção manipulável porque é uma coleção

criada para outros propósitos que estão, talvez, um pouco além de uma coleção

museológica, pois além do valor simbólico que cada objeto possui e o justifica estar

ali, essa coleção é dotada de valores como o sentido/significado,

mediação/circulação e educação.

Essa coleção permite que seja possível pensar sobre museus e a prática

educativa nesse espaço que conserva, pesquisa e divulga de outras formas que

podem estar além de uma visita guiada entre vitrines e objetos. Afora a coleção em

si, as caixas didáticas estão diretamente ligadas com o propósito educativo do

Museu.

A Andréia fala sobre a relação das caixas com a educação patrimonial, com o

intuito de transformar o que é investigado para uma leitura viável de acordo com o

público do Museu, e como forma de ilustrar as possibilidades de se ensinar no

espaço museológico:

[AV] Por que que você acha que a existência dessas caixas são importantes? E para a Ação Educativa do Museu? [ABP] Bom, eu acho que, antes de mais nada, é pra transformar assim, você tem um conteúdo de pesquisa, que é extremamente árido, extremamente formal, porque é feito, digamos... Na arqueologia: ele é feito uma escavação pra ser publicado na revista brasileira de arqueologia, que é considerada [?] pela sociedade brasileira de arqueologia e pra ser falada a nível de, de Universidade. Ela não é uma pesquisa feita pra... criança, por exemplo. E o público do museu é composto por criança, além disso, a gente tem que pensar muito assim, não só no Museu, como na vida prática. Existem pessoas que moram dentro de áreas de proteção ambiental, existem pessoas que convivem com sítios arqueológicos, que tem que... Às vezes tem sua vida alterada por isso, porque de repente descobre digamos, um Sambaqui em determinada chácara, a pessoas não pode mais plantar... ela vai ter toda sua vida influenciada por isso... [AV] U-hum (interjeição indicando concordância com a fala do entrevistado)

[ABP] E daí, como ela vai lidar com isso de uma forma que não seja pensar em dinamitar aquilo e tirar de uma vez “já que tá me incomodando”, né? [ABP] Então a ideia aí, já é trabalhar com a educação patrimonial: fazer com que as pessoas percebam que aquele passado, digamos, isso falando em termos de Arqueologia, aquele passado super remoto e arcaico, também faz parte da minha vida, mas não em um sentido compli, complexo e, e ruim, né? É... assim como a questão

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da valorização da cultura indígena, pra não ser uma coisa super exotizada, super invisível, né? Porque o que a gente notava, a princípio, nas discussões com alunos e tal, é que pra eles o índio é aquele cara que não existe mais, ou que mora na Amazônia ou que... vem pra cá tirar nossas terras e esse tipo de situação, né?

Em museus e outros espaços há a prática da educação. O que caracteriza os

museus, nesse aspecto, também diz respeito às praticas de preservação. Pois, a

produção de conhecimento e a preservação estão interligadas, inclusive como forma

de sustentar a importância em se preservar.

Ao entender educação como “[...] reflexão constante, pensamento crítico,

criativo e ação transformadora do sujeito e do mundo [...]” (SANTOS, 2008, p. 2)

condicionada em um tempo sociocultural, a preservação vem ao encontro do que diz

respeito à compreensão, à memória e outros elementos relacionados a ela.

O discurso chamado de retórica da perda, por José Reginaldo S. Gonçalves

(2002), diz que o risco do fim da memória faz da educação um suporte ou forma de

resistência.

Além de preservar, os museus precisam justificar esse tipo de prática e, para

tal, divulgar o que se tem e mostrar o valor disso como argumento para continuar a

preservação. Essa é uma das formas pelas quais a educação se manifesta nesse

espaço informal, talvez enquanto auxiliadora no processo de manutenção da

memória, da preservação.

De acordo com Francisco Régis Lopes Ramos (2004), o museu pode ser um

espaço privilegiado para explorar as possibilidades dos objetos a partir dos estudos

da cultura material. Para ele, os objetos que estão em “estado de museu70” se

apresentam, nessa condição, enquanto objetos geradores, ou seja, dotados de

possibilidades educativas.

A ênfase dada aos objetos pelo autor é justificada ao considerar que esse

objeto (museológico) fala, ou melhor, desperta a possibilidade de diálogo(s) com o

visitante por trazer elementos constitutivos indiretos à sua materialidade aparente.

Isso é trazido por Ramos como objeto gerador. Esse é o argumento principal do

autor.

70

Objetos em “estado de museu” são os objetos que se encontram nos acervos museológicos, o que não significa por sua vez que sempre o foram, ao contrário, essa expressão indica o estágio em que está a biografia desses objetos.

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O termo objeto gerador é cunhado por ele a partir das “palavras geradoras” de

Paulo Freire71, termo criado para trabalhar a alfabetização de adultos a partir da

escolha de palavras pertencentes ao mundo vivido desse tipo aprendiz, que não

escreve, mas vê o mundo, seus objetos e seus significados.

O significado dessas palavras seria, portanto, o início da compreensão da

forma como se escreve para que, a partir da leitura do mundo, palavras sejam lidas

(RAMOS, 2004, p. 31).

Essa concepção dos objetos como geradores vai ao encontro do

entendimento do autor acerca dos museus enquanto espaços comunicativos, uma

vez que seu caráter pedagógico estimula a transmissão e articulação de ideias.

Essas ideias são oriundas de uma interação entre o objeto exposto e as

perguntas que ele pode provocar a partir de sua leitura. O que é esse objeto? De

qual época? Ainda o utilizamos no presente? E assim por diante. Além disso, essa

consideração do objeto enquanto gerador alia-se à proposta do autor ao considerar

o espaço museológico como espaço educativo e de promoção de conhecimento

(RAMOS, 2004, p. 13); e a história (e também o ensino72 dela) não como um fato

dado, fechado e isolado em outro tempo, justamente o contrário: considera a história

como construção no e do cotidiano.

Portanto, ao considerar que os objetos são passíveis de possuir sua própria

biografia e que, enquanto se encontram em museus, poderão gerar inquietações e

interações, e ainda que no caso do MAE-UFPR exista uma coleção específica para

um processo tátil de interação, aliado às práticas educativas e de conhecimento,

este capítulo se encerra para que o capítulo seguinte aborde essas questões a partir

do contexto pesquisado: uma nova coleção de objetos que compõe um novo espaço

expositivo, dotado de tema e propostas para investigação a partir da materialidade

de suas peças com os textos que as acompanham.

Embora as caixas didáticas já tenham sido citadas ao longo do capítulo, é no

item a seguir que eu descrevo um pouco mais sobre elas, a partir das últimas

mudanças estruturais pelas quais o MAE-UFPR passou.

71

Paulo Freire (1921-1997), educador popular. 72

Ramos é professor de História na Universidade Federal do Ceará e diretor do Museu do Ceará, em Fortaleza.

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3.2.3 A criação das caixas didáticas e o desenvolvimento da Ação Educativa do

MAE-UFPR dos anos 2000

Quando a sede do MAE fecha para restauro no início dos anos 2000 e a

Reserva Técnica é trazida para Curitiba, há uma preocupação com o público escolar

de Paranaguá, que fica, então, sem a possibilidade das visitas. Como uma forma de

manter a população envolvida com o Museu e também como forma de divulgar a

importância do patrimônio, criou-se um material a partir de um projeto desenvolvido

com o programa Monumenta73, que serviu como suporte para o Museu quando este

estava passando por fechamentos parciais para o restauro e que, logo em seguida,

é fechado durante um ano.

De acordo com a Andréia74, durante esse fechamento do Museu com o apoio

do programa Monumenta, algumas ações estavam previstas para esse período,

entre os anos de 2004-2009. Ela diz:

[ABP] [...] pra manter o interesse do público durante esse período em que o MAE tava fechado... é..., foram previstas uma série de ações: cursos, seminários, oficinas e dentre elas foi previsto a caixa didática, que seria pra exatamente, mais ou menos o mesmo projeto que funciona hoje (Entrevista realizada em 19/08/2013, grifos meus).

As caixas didáticas são conjuntos de objetos selecionados para circular fora

do Museu. Essas peças são realocadas para uma caixa de madeira, que é feita a

partir de gavetas do antigo mobiliário de acervo do próprio Museu quando a reserva

técnica estava em Paranaguá (PR). Essas gavetas retangulares adquiriam uma

tampa nova em acrílico colorido, e em seu entorno é customizada com um adesivo

com fotografias da sede do MAE-UFPR e algumas peças do acervo. A própria caixa

de madeira, que outrora era gaveta, mudou seu status: o que eram gavetas de parte

do mobiliário do MAE-UFPR são agora caixas didáticas, constituídas de objetos e

textos para circular fora do Museu.

73

O programa Monumenta é promovido pela Unesco junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e ao Ministério da Cultura, e tem como objetivo apoiar as obras de restauro relacionadas a cidades históricas ou patrimônios em si. Esse programa articula o financiamento a partir de parcerias pública e privada. 74

É importante citar a Andréia como uma pessoa central da Ação Educativa do MAE-UFPR. Ela foi a primeira bolsista a participar de um setor recém-criado, o qual atualmente coordena. Esse setor foi criado a partir do desdobramento do projeto Monumenta para o projeto permanente do Museu para a criação de mais caixas didáticas.

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O tamanho dessa caixa é sempre o mesmo, conforme indicado na figura 10,

em centímetros.

Figura 10 – Medidas da caixa física Fonte: a autora (2014)

Cada face da caixa Padrões de Beleza é composta por um conjunto de

imagens de objetos pertencentes aos acervos dos setores de Arqueologia, Etnologia

Indígena e Cultura Popular, ou por detalhes da sede, em Paranaguá (PR). As figuras

11 a 14 ilustram as imagens da caixa adesivada nas quatro faces da caixa física.

Figura 11 – Face adesivada com detalhe do edifício- sede em Paranaguá (PR) Fonte: A autora (2014).

Altura: 24,5 cm

Comprimento: 27 cm

Largura: 47 cm

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Figura 12 – Face adesivada com peças do acervo da Cultura Popular e Arqueologia Fonte: A autora (2014).

Figura 13 – Detalhe da face adesivada com imagem do pátio interno da sede Paranaguá (PR) Fonte: A autora (2014).

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Figura 14 – Outro ângulo da imagem do pátio interno da sede e peças cerâmicas do acervo de Etnologia Indígena e Cultura Popular Fonte: A autora (2014).

Essas caixas de madeira podem ser transportadas com certa facilidade pelo

fato de não serem muito grandes ou pesadas, embora a estrutura da gaveta não

seja confortável para ser transportada por longos trajetos a pé, por exemplo.

A criação das caixas sempre considerou que seriam/são transportadas e

experimentadas em espaços fora do MAE-UFPR, geralmente em escolas. Além

desses textos, existe sempre uma apresentação que relaciona seus objetos e textos

ao tema de cada caixa75.

De acordo com a Andréia, elas são adesivadas porque elas se encontram

desgastadas, com riscos aparentes. Com isso, ilustrar com os adesivos permite

apresentar elementos do Museu a partir tanto da gaveta em si, que se transforma

em caixa de objetos, quanto do seu próprio acervo que nem sempre cabe na própria

caixa. Ela diz:

Além disso, nos adesivos foram colocados fotos do MAE de Paranaguá e das peças do Museu, o que seria uma outra forma de dar uma cara de “museu que caminha” para a escola, já que não podemos levar o prédio físico, ou algumas das peças que ali estão retratadas, que são grandes, ou não podem fazer parte da coleção manipulável. Mas agora que você me perguntou isso, e diante do fato de que sempre orçamos, licitamos, e nunca conseguimos adesivamos, você acaba de me dar uma ideia! [...] daí eu escolhi as peças, tirei fotos e montei a arte (Correspondência eletrônica entre pesquisadora e entrevistada, 22/05/2014).

Em relação à escolha das imagens e dos objetos fotografados que revestem

a caixa, a Andréia também é a responsável. Isso diz respeito a decisões tomadas

por ela antes da Ação Educativa ser criada, quando ela fazia as caixas durante o

Monumenta, mas também no que se refletiu pelo menos de início, como a

orientação que ela deu para as bolsistas Karlla e Laura, que se envolveram com a

criação da caixa Padrões de Beleza.

A descrição das caixas, apresentada pela Andréia, é a seguinte:

[ABP] As caixas didáticas em si são caixas que eram gavetas antigas do Museu e que seriam adaptadas, pra levar uma pequena parte do acervo pra escola, e, com texto de apoio, proposta de atividade e etc. Então integrava

75

Atualmente existem oito caixas didáticas na Sala Didático-Expositiva, em Curitiba, com temas diferentes.

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esse programa Monumenta e a ideia era que funcionasse durante esse período, então durante 2008/2009. Mas aí deu tão certo, as caixas didáticas fizeram um enorme sucesso; já no ano de 2009 a gente foi selecionado pelo IPHAN [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional] pra concorrer nacionalmente do prêmio Rodrigo de Melo e Franco. [...] É e também,... Também ganhamos a premiação do prêmio Darcy Ribeiro, nesse mesmo ano, e daí decidiu-se que as caixas didáticas não iam se encerrar com o final do programa Monumenta (Entrevista realizada em 19/08/2013, grifos meus).

O que fora criado como proposta de curta duração adquire reconhecimento e

dá fôlego à continuidade de produção desse material. A proposta da Andréia,

responsável pelo desenvolvimento das caixas, era de que elas fossem emprestadas

por professores, para que as utilizassem de forma autônoma. Ela era, nesse início

de produção de caixas, a responsável desde a escolha das peças – junto aos

responsáveis pelos setores do Museu (Arqueologia, Etnologia Indígena e Cultura

Popular) – até os temas, textos e atividades propostas.

Em entrevista, ela apresenta a proposta:

[ABP] É... mas a ideia é assim, digamos... Se é uma ferramenta paradidática para auxiliar o professor a apresentar temas do currículo obrigatório, então é o professor que vai apresentar o tema do currículo obrigatório, não é necessariamente que seja preciso que vá uma equipe [há casos de professores que solicitaram os bolsistas do Museu para apresentar a caixa emprestada]; [...] Uma equipe “de fora” que vem apresentar, que vem fazer, é uma situação... Mas, de repente, o professor que tá lá, durante um ano [letivo] trabalhando com aqueles alunos, ele vai poder ter um outro tipo de relação [com os alunos], ele vai ter mais tempo, né, de desenvolver as caixas, porque assim, você já apresentou caixas também, né? [...] O professor, que vai ficar uma semana com essa caixa, que é o prazo que ele tem, ele vai poder apresentar o texto de apoio [contido em cada caixa], depois ele mostra as peças, depois ele propõe atividade então ele vai poder fazer toda, toda a circulação possível né? Do material e todo esse trabalho. E de repente até, desenvolver outras coisas a partir desse material, a gente às vezes tem bastante retorno de professores que fizeram outras propostas, né, e, a partir da caixa didática. Então, acho que, acaba sendo uma coisa mais enriquecedora [...] (Entrevista realizada em 19/08/2013, grifos meus).

É notável a liberdade que é sugerida a quem vai utilizar uma caixa didática.

O interessante é pensar que a forma de se colocar a caixa – suas peças, temas e

atividades – em circulação depende muito da forma e de quem é responsável por

isso, pois, no processo de interação com os objetos, os valores e significados podem

ser dirigidos para uma ou outra interpretação. O próprio material conduz suas

possibilidades interativas. O professor, por exemplo, é convidado pela caixa a

manipulá-la, interagindo com seu contexto.

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A partir, então, dessa continuação da produção de caixas, novos temas são

criados, e essas caixas, além da possibilidade de empréstimo, também fazem parte

algumas vezes das atividades relacionadas às exposições: seja em Paranaguá76, na

sede do Museu, seja em Curitiba, na Sala Didático-Expositiva.

O começo da produção das caixas ocorre na Reserva Técnica em Curitiba,

quando o setor de Ação Educativa é recém-criado e composto por quatro bolsistas,

Amanda, Karlla, Laura e Isabela, coordenadas pela Andréia B. Prestes, quando são

confeccionadas as primeiras caixas didáticas temáticas depois da caixa Adornos,

que são as caixas Brinquedos e Padrões de Beleza.

A caixa Padrões de Beleza, objeto desta pesquisa, é apresentada no capítulo

seguinte, “A caixa didática Padrões de Beleza”, a partir das narrativas das pessoas

diretamente envolvidas em tal processo, que são as minhas interlocutoras, Andréia

B. Prestes [ABP], coordenadora da Ação Educativa do MAE-UFPR, Karlla De Paris

[KDP] e Laura S. Rotunno [LR], bolsistas na época da criação da caixa.

76

Em Paranaguá, litoral do estado, também existem caixas didáticas que foram criadas para trabalhar temas relacionados à região, como a “Caixa Pesca”.

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4 A CAIXA DIDÁTICA PADRÕES DE BELEZA

[...] qualquer objeto deve ser tratado como fonte de reflexão [...] (RAMOS, 2004, p. 22).

Este capítulo apresenta o território pesquisado, a caixa Padrões de Beleza

em sua materialidade, a partir de seus objetos, textos e agentes envolvidos em sua

criação; e imaterialidade, ao considerar que a caixa está além de seu formato físico

por meio das possibilidades criadas pelas mediações entre objetos, propostas e uso.

É nesta parte da pesquisa que apresento as reflexões sobre meu objeto de

pesquisa, alguns trechos de narrativas das minhas interlocutoras e as discussões

teóricas sobre cultura material e mediações, principalmente; além da exibição do

inventário construído dos objetos da Caixa, para posterior análise.

Como o tema desta pesquisa é a trajetória dos objetos de uma coleção77 de

peças do acervo do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do

Paraná (MAE-UFPR), considero trajetória, como já citei antes, baseada na biografia

dos objetos, conceito utilizado a partir da perspectiva de Igor Kopytoff (2008). Para

esse autor, assim como as pessoas passam por mudanças em suas vidas, os

objetos também o fazem.

Tal afirmação ocorre uma vez que Kopytoff entende os objetos como

dotados de significados e valores passíveis de mudança(s), bem como a vida

humana. Por exemplo, um colar de pérolas que foi utilizado por uma figura política

que deixa de ser adorno corporal e é doado, adquirido, etc. por um museu, passa a

viver o status de objeto de museu: o colar já não é mais o adereço pessoal, ele se

torna acervo de museu que poderá servir, por exemplo, como representação de

adornos corporais de determinada cultura ou sociedade (ou classe, ou gênero, ou

época, etc.).

A caixa didática Padrões de Beleza é composta por objetos e textos que têm

o intuito de trabalhar a existência de padrões de beleza de forma crítica e

77

Conceito entendido aqui como um conjunto de objetos (materiais ou imateriais) passíveis de coerência e significado. Esses objetos podem ser reunidos, classificados, selecionados e conservados em um contexto seguro, seja público ou privado, e devem estar disponíveis para serem comunicados (expostos, como no caso de museus) a um público. Essa definição de coleção se encontra em Conceitos-chave de museologia (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013).

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elucidativa. Na sua composição estão 11 objetos do acervo do MAE-UFPR, sendo a

maioria adornos corporais indígenas, e alguns artigos adquiridos especialmente para

compô-la. Os textos foram criados a partir do tema – padrões de beleza – e

apresentam reflexões e curiosidades, além de diferentes propostas de atividades e

do catálogo sobre cada objeto78.

4.1 A CONSTRUÇÃO DA CAIXA: A IDEIA, O OBJETIVO E OS OBJETOS

Figura 15 – Os objetos da caixa Padrões de Beleza reunidos Fonte: A autora (2014).

A “Caixa Beleza”, como geralmente é chamada a caixa Padrões de Beleza

pelas pessoas do Museu, foi criada a partir de um desdobramento de outra caixa

existente, a caixa Adornos. A Adornos foi uma das primeiras caixas criadas, com a

caixa Alimentos, e é uma caixa composta de adornos corporais indígenas

pertencentes ao acervo de Etnologia Indígena do MAE-UFPR.

78

Curiosamente, há um objeto que até então não foi incluído no catálogo, a boneca Barbie.

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Atualmente, existem cerca de 12 caixas no Museu – Curitiba e Paranaguá –,

como a caixa Pesca, Brinquedos, Adornos, Paraná na Caixa, Caixa Música, entre

outras.

De acordo com a Andréia, a caixa Adornos e a Padrões de Beleza são

diferentes tanto nas peças quanto nos conteúdos, além do público: a caixa Beleza é

criada para o Ensino Médio, ao contrário de todas as caixas produzidas até então

pelo MAE-UFPR, que tinham o Ensino Fundamental como grupo de interesse.

Embora as duas caixas sejam semelhantes, se nos atentarmos aos tipos de

objetos – adornos indígenas em sua maioria – elas se diferenciam, à medida que os

outros elementos que compõem essas caixas se apresentam. Pois, a mediação

entre os objetos que estão na “caixa Beleza” ocorre a partir dos textos sobre beleza

e padrões, e ao público previsto: estudantes de Ensino Médio, pessoas entre 15 e

17 anos em sua maioria. Ao contrário da caixa Adornos, que, quando criada, estava

pautada em encontros com estudantes de Ensino Fundamental, entre 12 e 14 anos.

Embora a diferença de idade pareça pouca, a forma de lidar com os assuntos das

caixas – e os conteúdos escolares – se diferencia, mas depende também da forma

como se interage.

A Karlla de Paris nos diz que alguns detalhes relacionados a essa diferença

entre as caixas Adornos e Padrões de Beleza estão além dos objetos. Havia a

necessidade de criar outras caixas, e a presença de diversos tipos de adornos

indígenas no acervo disponíveis para o feitio de novas caixas culminou no início do

trabalho das bolsistas envolvidas na criação da caixa Padrões de Beleza. Além

disso, o fato de conhecerem pouco o acervo do MAE-UFPR não permitiu à época

uma exploração e busca de outras peças para a construção desta ou de uma caixa

com outro tema.

[AV] E por que não revisitar essa caixa Adornos, e utilizar essa mesma? Por que uma nova caixa? Qual é a diferença da caixa Adornos pra essa, Padrões de Beleza? [KDP] Primeiro, por que não revisitar, talvez remodelar e usar a mesma? [KDP] Pela necessidade de ter mais caixas. [KDP] Por essa demanda por criar caixas novas e criar algo do zero. [KDP] É... A ideia de usar os adornos indígenas... Primeiro, porque essa caixa de Padrões de Beleza, ela foi sim uma caixa muito teórica, muito... Oral eu diria, então a grande maioria das atividades são orais, não tem muita coisa pra fazer manualmente, e precisava ter peças do Museu, como toda caixa precisa ter peças do Museu. Aí quais peças poderiam ser levadas? Adornos indígenas. A gente não conseguiu, enfim, achar alguma outra coisa. A ideia não era só colocar adornos, era colocar várias outras, outras peças, mas a gente não conseguiu encontrar nada. Pelo menos não

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naquele momento, logo que a gente tinha entrado [no MAE-UFPR como bolsistas, ela e Laura R.], enfim, a gente não conseguiu colocar nada que fosse da Cultura Popular ou da Arqueologia. Mas a ideia não era focar necessariamente só nos adornos. [KDP] Isso foi um... Uma espécie de, de sintoma que a gente teve, de não ter outras peças realmente pra colocar (Entrevista realizada em 15/05/2014, grifos meus).

A caixa Padrões de Beleza foi criada entre os anos de 2009 e 2010, quando

a Ação Educativa do MAE-UFPR era recém-criada.

Na época, havia quatro bolsistas e dois projetos de caixas didáticas: a caixa

Brinquedos, que foi executada por duas bolsistas, Amanda e Isabela, sob a

orientação da Andréia, com o intuito de apresentar brinquedos populares para

crianças do Ensino Fundamental das séries iniciais (entre 6 e 9 anos); e a caixa

Padrões de Beleza, que foi criada por outras duas bolsistas, a Karlla De Paris e a

Laura Rotunno, com a supervisão da Andréia, coordenadora desde sua criação79.

Sobre os objetivos da caixa Padrões de Beleza, as narrativas aparecem em

diversos momentos quando executei a entrevista coletiva com a Karlla e a Laura

junto com os objetos da caixa. Isso pode ser percebido nos seguintes turnos:

[KDP] Então acaba dependendo muito de quem apresenta e para quem é apresentada a caixa. Não dá pra negar que a gente acaba partindo do interesse dos alunos, muitas vezes. Então, a gente leva [a caixa], tem um objetivo, que é, tipo, sair de lá com eles parando pra pensar nessa ideia dos padrões de beleza, como é construído, como se desconstrói ou desses processos de padrões de beleza, enfim. Mas a gente acaba trabalhando muito com o interesse deles por cada uma dessas peças (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).

[LR] Como a gente não consegue prever como que vai ser a, né, o interesse deles, né, de que maneira vai se dar o interesse deles nas peças, pela caixa, então tem que ter esse... Não jogo de cintura, né, mas essa sacada assim de, de fazer a ponte pelo aquilo que eles se interessam, né? Porque já que o objetivo é fazer refletir, e mostrar um pouco, né de coisas que problematizam e eles não teriam acesso de outra forma, isso é independe do, né, da forma (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).

A história da caixa também aponta critérios:

[KDP] de como na nossa sociedade existe uma tendência de usar materiais reciclados pra fazer adornos e coisa e tal; traz também alguns outros ganchos, algumas outras temáticas que podem ser trabalhadas. A Beleza [a

79

Destaco aqui um detalhe que julguei importante, embora não irei discorrer sobre, que é o fato de serem bolsistas mulheres que desenvolvem uma caixa didática que possui o tema “padrões de beleza”; é fato que na época havia apenas bolsistas do gênero feminino por razões não investigadas nesta pesquisa, mas pode ser interessante investigar o fato de essas mulheres quererem apresentar tal tema.

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caixa], o que, como ilustrar materialmente um padrão de beleza? Dificulta. Como ilustrar materialmente um padrão de beleza a partir de um museu de Arqueologia e Etnologia de uma Universidade? Dificulta ainda mais. [riso nervoso] Então a gente acabou indo atrás do acervo pra ver o que que, dentro do acervo que já estava ali proposto a gente conseguiria minimamente contextualizar dentro desse, desse universo dos padrões de beleza que a gente queria discutir e construir e descontruir, enfim, esse tipo de coisa [...] (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).

Sobre o objetivo da escolha de adornos indígenas de diferentes etnias:

[KDP] [...] a gente acabou mantendo mais a questão indígena mesmo. E talvez pela gente conseguir ali minimamente diferenciar uma etnia da outra e conseguir que o aluno entenda que aqui tem várias etnias e cada uma dessas etnias têm um padrão de beleza, pra gente já foi muito mais interessante do que talvez colocar várias peças de várias coisas que a gente não conseguisse daí colocar numa discussão mais adequada sobre o tema. Ia fugir demais, na minha opinião (Entrevista realizada em 06/08/2014).

Além desses momentos em que minhas interlocutoras expressam seus

objetivos sobre a caixa e seu tema a partir dos objetos, destaco mais dois aspectos:

a relação do objetivo da caixa com uma das atividades propostas e a relação das

fotografias com os textos de maneira geral.

[KDP] Então, se o professor quer, quer, discutir outras coisas que não sejam necessariamente a comparação ali entre padrão de beleza ocidental e indígena com as peças e como se contextualiza cada uma, você pode trabalhar mais a fundo essa questão... [...] o corpo, que é um, que entra no padrão de beleza, claro, e que a gente coloca no texto, mas não tem peça. A gente não coloca aqui ferramentas cirúrgicas indígenas, por exemplo, mas tem a sua... tem a sua função, que acho que é uma das coisas que surgiu desde o começo, né, o texto gerar um tipo de discussão, atividade gerar um tipo de discussão, as peças gerarem... pra gente abrir esse leque, porque, se todas as coisas gerassem a mesma discussão a gente não precisaria de tantas coisas (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).

Objetivo da caixa por meio da atividade com as fotografias:

[KDP] Mesmo dentro da sociedade ocidental. Daí, no [momento da atividade com as fotografias] você pergunta, por exemplo, pra criança, pra adolescente, enfim: “E você, se enquadra? Você acha que você se enquadra em algum padrão?” “Não, eu tenho o meu o próprio estilo. Eu tenho meu...” Então você também traz esse tipo de discussão pra essa pessoa começar a pensar tipo, poxa, não que seja uma coisa errada ou certa, não é nesse sentido, de tipo, “ai você faz parte de um padrão, você [é] errado” [...] (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).

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E os resultados experimentados pelas criadoras quando trabalharam com a

atividade das fotografias, e o que elas queriam com isso, com a caixa de forma

geral:

[LR] Sim, eu acho até que [...] no começo da caixa, na idealização dela, tentar quebrar, né, ou fazer as pessoas pararem pra pensar: “pô!” Né? “Não vou olhar pro... Ai nossa, que horrível aquelas índias com o cabelo não sei o quê e nãnãnã” sabe? E se, essa coisa... Olhar, perceber que é diferente, mas sem essa coisa do, do... [KDP] Preconceito mesmo [LR] ... do preconceito, do julgamento, e de sempre inferiorizar aquilo, não só inferiorizar, mas hostilizar, né, aquilo que é diferente assim... [KDP] É... [LR] ... Eu acho que essa foi uma das coisas principais assim, né, desde o começo a gente pensou que essa caixa seria mais pro Ensino Médio, daí tem toda aquela questão, da adolescência, fazer ou não fazer parte do padrão é uma coisa crucial e que gera vários conflitos internos e externos, e sei lá, uma forma talvez, de trabalhar com essas questões de outra forma, assim, né? [AV] U-hum.. [KDP] E que de discussões que talvez não estejam na caixa, mas que possam ser geradas devido à realidade por um outro, de uma outra forma (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).

Em outro momento da entrevista, elas narram mais uma vez outros objetivos

e suas expectativas com a Padrões de Beleza:

[KDP] Literalmente. No sentido de você poder viajar pelo universo que você talvez não conheça tanto, voltar pro seu e viajar nele também, talvez chegar em cantinhos do seu universo que talvez você também não conhecia, e você começar a perceber e ver tudo isso com olhos diferentes, acho que a ideia principal é conseguir é fazer com que as pessoas que tenham contato, pessoas de forma muito geral: professores, estudantes, comunidade; que tenham contato com essa Caixa comecem a ter contato com todo o resto de uma forma diferente. Visualizar minimamente talvez de uma forma mais crítica ou não, mas conseguir ver as coisas de uma forma mais diferente depois... [LR] Sim [KDP] Não manter conceitos e preconceitos, pelo contrário, conseguir desmoronar preconceitos e criar conceitos novos do que acha belo ou não. Do que considera um padrão ou não. E conseguir tipo abordar o mundo, a sociedade que vive, e o que a pessoa faz no seu dia a dia, que se relacionam diretamente com isso. Começar a abrir essas percepções (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).

É importante, portanto, retomar a direção em busca da compreensão de

cada objeto que ali se encontra: em um contexto que promove um status específico

quando se coloca “padrões de beleza” como título, tema e proposta da caixa. Mais

adiante estarei atenta a cada objeto desta caixa (especificamente no item 3.3).

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A Padrões de Beleza possui o intuito de desconstruir a ideia generalizada

sobre a existência de um único padrão de beleza a partir da exposição de objetos

indígenas (adornos corporais, principalmente) com os textos da caixa, explicitado

pelas possibilidades de mediação dos objetos e do tema. A dificuldade, de acordo

com uma das interlocutoras, a Karlla, estava em pensar sobre padrões de beleza a

partir de um universo de objetos indígenas pertencentes a distintos padrões. Ela diz:

[KDP] [...] A Beleza [a caixa], o quê, como ilustrar materialmente um padrão de beleza? Dificulta. Como ilustrar materialmente um padrão de beleza a partir de um museu de Arqueologia e Etnologia de uma Universidade? Dificulta ainda mais. [riso nervoso] Então a gente acabou indo atrás do acervo pra ver o quê que, dentro do acervo, que já estava ali proposto, a gente conseguiria minimamente contextualizar dentro desse, desse universo dos padrões de beleza que a gente queria discutir e construir e desconstruir, enfim, esse tipo de coisa [...] (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).

Há um objeto diferente dos adornos corporais indígenas que provoca pensar

que a caixa acaba mais por apresentar o padrão de beleza do que desconstruí-lo: o

único objeto que ilustra uma suposta padronização de beleza ocidental é a boneca

Barbie. Além dela, o conjunto de textos e atividades está diretamente relacionado à

beleza ocidental mais que aos padrões indígenas, o que manifesta, talvez, a tensão

desse processo biográfico (da caixa toda), que apresenta contradições e um suposto

desequilíbrio entre objetos materiais e textos sobre o que se quer apresentar acerca

de valores, representações e discursos que são agenciados sobre a diversidade

indígena brasileira80.

Isso pode gerar inquietação quando se pensa no título homônimo ao tema –

Padrões de Beleza – e se encontra textos relacionados majoritariamente ao padrão

ocidental. Talvez, essa seja a estratégia de trabalhar os textos como oposição dos

discursos quando a caixa é utilizada, mas, nesta pesquisa, não há como considerar

isso, e pode se tornar um ponto de tensão. E, se for, percebo certa fragilidade no

que diz respeito à proposta em apresentar outros padrões, ao o quê e ao como é

trabalhada a proposta, tendo esses textos como mediadores.

Os textos que compõem a caixa Padrões de Beleza falam sobre o que é a

beleza; os padrões de beleza ocidental ao longo dos séculos (uma espécie de linha

do tempo, embasada no livro História da beleza, de Umberto Eco); a relação entre

80

Para mais informações sobre as etnias indígenas do Brasil, consultar a página: <http://pib.socioambiental.org/pt>.

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beleza feminina e mídia; a relação entre as bonecas da caixa (Karajá e Barbie), além

de três curiosidades relacionas ao ato de adornar o corpo81.

Além disso, há uma gama de objetos indígenas de etnias distintas,

causando, talvez, uma interpretação de que todas as etnias indígenas brasileiras

podem se misturar para falar de outro padrão. Uma vez que, nesse contexto –

material e mediador da caixa –, esses objetos estão unidos como “opositores” do

outro padrão, simbolizado por um único objeto, a boneca Barbie82.

Essa inquietação pode ser compreendida a partir da criação da própria

caixa, que, na época, como disse a Karlla [KDP], a ideia já pensada pela Andréia era

falar de padrões de beleza, e a proposta ficou parada até que as bolsistas começam

a trabalhar na Ação Educativa do MAE-UFPR.

[KDP] [...] uma ideia, que, segundo a Andréia, pelo o que eu me lembro, na época, ela comentou que já, eles já tinham tido essa ideia [do tema para a caixa padrões de beleza], a Andréia tinha tido essa ideia, de trabalhar com padrões e tudo mais, mas que não, enfim, não tinha essa concepção da caixa ainda. De como poderia acontecer e, enfim, que era uma ideia que tinha ficado estagnada; e Laura [Rotunno] e eu gostamos da ideia e partimos pra, pra trabalhar com essa caixa. Que teve a proposta já de início diferente por focar mais com o Ensino Médio, no trabalho com o Ensino Médio. É até então todas as caixas poderiam também ser trabalhadas no Ensino Médio, mas não tinha essa prioridade. Da mesma forma que a Padrões de Beleza não necessariamente é só para o Ensino Médio; pode ser trabalhada também com os mais jovens, com os adolescentes do Fundamental dois, por exemplo [anos finais do Ensino Fundamental], mas talvez não seja tanto, tanto o foco dela, pela linguagem, pela metodologia, pelas propostas de atividade – que são realmente voltadas para mais “pros” jovens dos 15 anos (de idade) adiante, enfim – que seria uma época em que essa ideia da cobrança do seu próprio padrão de beleza é muito forte. Então a gente começou a trabalhar com isso e tentando, claro, fazer esse “link” com o Museu, com os acervos ou de cultura popular ou de arqueologia ou de etnologia [indígena] (Entrevista realizada em 15/05/2014, grifos meus).

Mais adiante, Karlla afirma que o propósito de padrões de beleza não era

uma ideia prévia – contradiz-se –, mas havia o intuito de falar sobre beleza.

[AV] [Vo]cês já tinham, [vo]cês já tinham o tema na cabeça, de discutir... o objetivo já era de discutir padrões de beleza ou não? [KDP] É, porque quando a gente fez, acho que na primeira reunião com essa equipe de quatro meninas coordenadas pela Andreia, a Andreia colocou essa ideia, pelo que eu me lembro, na época ela falou que ela já

81

Proposta de atividade “Você sabia?”. O conteúdo textual da caixa Padrões de Beleza está no Anexo. 82

Informações sobre essa boneca podem ser acessadas em: <http://www.barbiemedia.com/>.

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tinha pensado sobre fazer, mas que enfim, não tinha feito ainda, e que era uma possibilidade. [AV] U-hum [KDP] E a gente gostou dessa ideia, e hoje, se eu não me..., eu posso estar enganada, mas parece [que] a ideia não era necessariamente trabalhar padrões de beleza, mas era... trabalhar beleza de alguma forma. [AV] Tá... (afirmo que entendi para que ela continue suas recordações) [KDP] Enfim, aí essa ideia de trabalhar padrões de beleza, tentar desconstruir um pouco essa ideia de padrões de beleza, aí foi uma coisa nossa. [AV] U-hum [KDP] Minha e da Laura. [Rotunno] [AV] U-hum (Entrevista realizada em 15/05/2014, grifos meus).

Diante disso, a criação da caixa é percebida como um processo composto

por etapas – não necessariamente declaradas – nas quais as coisas se fazem e

refazem de acordo com o que há de possibilidades materiais e imateriais. A própria

questão da presença dos objetos serem principalmente83 do acervo da Etnologia

Indígena do Museu ilustra essa questão do processo.

4.2 A BIOGRAFIA DOS OBJETOS DA CAIXA DIDÁTICA PADRÕES DE BELEZA

Ao me deparar com a necessidade de rever cada objeto que compõe a caixa

Padrões de Beleza, considerei principalmente o status que essas peças passam a

ter nesse momento de caixa e a partir também da sua relação com os textos e o

tema da caixa em si.

Isso é tão relevante quanto à origem (de onde veio antes de ser peça do

acervo) ou história da peça incluída nessa caixa. É o tema da caixa que colabora

para a criação do novo significado que a peça adquire a partir do momento em que

ocupa seu novo status junto a outro elemento: os textos.

De acordo com a fala da Andréia [ABP], é por intermédio da

exposição/contato com o objeto que este promove mediações. Ela diz:

[ABP] [...] Aí foi quando a gente definiu que dez, no máximo quinze peças, porque se não, não dá tempo de trabalhar. E trabalhar de uma forma mais... [ela fica em silêncio por um instante pra achar uma palavra e segue] detalhada, conversar, discutir... porque às vezes, numa peça gera uma série de questões (Entrevista realizada em 19/08/2013, grifos meus).

83

Com exceção das bonecas Karajá e Barbie, que foram adquiridas depois exclusivamente para a coleção manipulável.

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É importante ressaltar que os objetos da caixa Padrões de Beleza estão

sempre unidos pelo tema (e com os textos). Isso traz uma percepção de que,

embora os objetos falem por si, é o seu novo espaço que aponta para novas

possibilidades de “conversa” com esses objetos, pois o contexto de produção

dessas peças já não é ou está diretamente declarado. O que importa, nesse

momento, é a discussão desses objetos a partir de um tema, homônimo ao nome da

caixa: Padrões de Beleza.

Além do tema e dos textos que amparam essa nova situação dos objetos, a

relação entre todos é condição para que a mediação dos objetos seja eficaz (ou

não).

De acordo com Andréia, a mediação está relacionada também à biografia

desses objetos a partir de outro elemento textual da caixa: o catálogo. Ela diz:

[ABP] [...] Mas existe essa coisa de tentar que as peças conversem com o texto até porque, pra você não ter que fazer uma nova, um novo texto gigantesco com catálogo, porque também, as peças tem um catálogo, né, todas elas. Além do texto de apoio, além da proposta de atividade, as peças tem o, o, as caixas tem o catálogo e que, [é] [a]onde vai se falar um pouquinho mais sobre cada uma dessas peças: origem, nome, do que que é feito, né?, fabricaç-alguns detalhes sobre fabricação e às vezes algum detalhe sobre a, a peça em si (Entrevista realizada em 19/08/2013, grifos meus).

Essa relação do objeto com as informações é, talvez, de grande importância

para se falar de um tema tão amplo como beleza e padrões. Isso permite

compreender sobre as condições necessárias para que um objeto medeie uma

reflexão ou discussão sobre temas abrangentes.

Que condições são essas? Ora, arrisco a dizer que conhecer a biografia de

um objeto é fundamental, por outro lado, perceber seu status, como no caso das

peças da caixa em análise, já permite compreender a relação entre os objetos e as

pessoas, pois o que se sabe sobre a peça diz respeito ao que esta peça, nesse

momento, tem a “dizer”.

Em um determinado momento, Andréia exemplifica as “n” possibilidades que

uma única peça pode provocar a partir de sua materialidade unida à sua biografia.

O Uluri, cinto que marca o período fértil da mulher, utilizado pelas meninas da região

do Alto Xingu (MT), permite falar sobre valores, símbolos e rituais, entre outros. A

forma como se apresenta um objeto é o que permite que este se coloque no diálogo.

Andréia diz:

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[ABP] [...] Uma coisa é você mostrar, digamos. Daquele que tá na caixa beleza: “esse aqui é o Uluri... que é o cinto das mulheres xinguanas, ponto”. [Ela faz essa fala como se estivesse apresentando os objetos da caixa beleza, ao falar sobre a necessidade de ser ter tempo para falar, discutir sobre as peças] Ele não é só o cinto das mulheres xinguanas. Ele é um cinto que marca o período fértil da mulher, ele marca a feminili., a própria feminilidade dessa mulher [xinguana] ... que ela vai usar desde a menarca, né? Desde a primeira menstruação até a, a menopausa, quando ela deixa de ser fértil então aquilo lá faz parte praticamente do corpo da mulher, que quando ela não tá com aquilo, ela se sente nua. É, existe toda a questão de que é, a mulher que usa aquilo lá, se um homem, por exemplo, estuprá-la, todo o, a, a ira de todo o mundo espiritual vai cair sobre esse homem, ele é maldito. Então, quer dizer, não é só “um cinto da mulher xinguana, ponto”, ele é um monte de coisa. E, não sei se você sabe, mas teve algumas visitas que as alunas perguntavam sobre ele, assim, que ele gera alguma, né, gera perguntas. Então tem que ter tempo pra falar sobre isso, tem que ter tempo pra responder sobre as outras dúvidas, outras questões que vão surgindo. Tem várias de-dessas peças que geram conversas, longas, esse uluri gera conversa sobre como é casament- como é o casamento dos índios, é ... gera uma série de questões que não dá pra você responder depressa [...] (Entrevista realizada em 19/08/2013, grifos meus).

A fala de Andréia ilustra o poder que os objetos podem ter quando aliados

seus significados ao seu potencial de mediação. Mais uma vez, reforço que, nesse

caso, dessas peças em uma caixa unidas por um tema, a materialidade como

mediação depende constantemente dos discursos (textos e apresentação oral da

caixa) com a construção dos novos significados para esses objetos enquanto

mediadores de valores relacionados aos padrões de beleza.

4.2.1 A caixa Beleza: coleção da coleção e seus usos

Os 11 objetos que compõem essa caixa são apresentados a seguir como

objetos inventariados. O inventário das peças é elaborado a partir de alguns dados

que considero relevantes para conhecimento da peça. As informações contidas

nesse inventário são compostas pelos dados que compõem o catálogo da Padrões

de Beleza, de observações no campo e das narrativas das interlocutoras envolvidas

na criação dessa caixa didática. Estão apresentados aqui em ordem alfabética.

Antes de apresentar os objetos em si, descrevo os elementos apresentados

pelas narrativas para compreender a trajetória dos objetos e as motivações ou

justificativas relacionadas às escolhas dos objetos que compõem a caixa Padrões de

Beleza.

Ao observar a elaboração dessa caixa didática como um processo, as

narrativas apresentadas sobre os objetos da caixa na entrevista coletiva foram

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relevantes para que eu pudesse melhor mapear os elementos dessa construção. Ali

percebo alguns elementos-chave, que eu chamo de categoria, como fundamentais

para reconstrução da caixa a partir do que a sua história nos conta, por meio das

interpretações das próprias pessoas envolvidas nesse enredo.

Entendo que a história da caixa está relacionada à sua composição, a partir

dos objetivos escolhidos para ela mediar, bem como seus próprios objetos. O critério

para a escolha dos objetos, portanto, se relaciona diretamente com a caixa (e a

história da). Isso é o que vai compor a primeira categoria de análise que indico com

o nome A – História e escolhas, a qual diz respeito aos dados encontrados a partir

da entrevista coletiva junto com os objetos, no momento em que aparecem

elementos relacionados ao processo de feitio da caixa, ao status do objeto

(identificação e características que o justificam na coleção Padrões de Beleza) e às

escolhas ou critérios para os objetos que a compõem. Sobre os critérios de escolha,

indico os trechos das narrativas que falam sobre tal. São eles:

Relacionado ao transporte da caixa, a facilidade para carregar:

[KDP] Exato. E, além disso, peças que fossem fáceis de, de carregar na caixa, que não fossem tão pesadas, ou algo assim. Um exemplo seria não conseguir levar uma boneca Karajá enorme, inclusive nessa, nessa... configuração atual da Caixa Beleza, ela possui duas bonecas Karajá pequenas, cerca de uns dez centímetros... (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).

Essa questão do transporte se relaciona também com o tamanho do objeto e

com o tamanho da caixa, ao reconhecer o espaço e o acondicionamento adequado:

[KDP] Porque como toda a caixa é forrada com esse material também, ela já diminui um pouco, [seu espaço interno para armazenar as peças] entre aquela caixa e a caixa de acondicionar o boneco Karajá e a caixa da atividade, da atividade Personalidades na Caixa, [que é a atividade com as fotos dos famosos] ocupava metade de tudo. [AV] U-hum. [KDP] Então, o tamanho daí acabou virando um critério pra gente... É, por isso que a grande maioria das peças são até pequenas, são fáceis de colocar num saquinho, é, enrolado num papel, num papel manteiga isso? Papel seda [...] (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).

A seleção de peças pequenas, menos frágeis para facilitar a segurança,

aparece de forma conclusiva em um trecho a seguir, a partir da experiência anterior

com a caixa didática Adornos:

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[LR] teve também o pente, né? Que antes era um, era um dos objetos e, eu acho que ele foi retirado justamente porque era um objeto que podia, sei lá, alguma, algum aluno podia se machucar, ele podia ser testado [o pente] e era aquela coisa, né, que, uma peça muito antiga, a gente não sabe exatamente que bactérias têm, na peça, alguém podia, né, sei lá, se machucar e daí... No começo ele tava na caixa e daí eu não sei se, agora eu não lembro se teve algum episódio marcante que ele foi tirado ou foi... [KDP] Eu acho que não, eu acho que a Andréia trouxe pra gente essa experiência por causa da caixa Adornos, porque tem um pente lá até hoje, e ela sempre comenta que toda vez que vai entregar o pente na mão de alguém tem que falar... Eu acho que a gente quis colocar mas, não colocou justamente pra não ter que dar esse mesmo... alarde, o tempo todo: “Não é um pente para pentear os cabelos, não coloque na cabeça...”. [risos coletivos da forma lenta como a Karlla fala sobre o alarde e prossegue] “... há bactérias pré-históricas aqui.” [risos] Tem frase clássica de toda explicação com o pente. Então acho que, foi isso também, segurança, né... [AV] A-ham, é um critério também... [KDP] É, é um critério também de como não, não, segurança no sentido de não quebrar as peças, né, que não vão ser, que não vão acabar se despedaçando na mão do aluno ou algo assim, e que também não vão machucar a criança, né? Ou o adolescente que tá mexendo com isso. Já um trabalho muitas vezes não permitir que eles coloquem essa pulseira trançada de palha que você está segurando, porque ela também tem umas palhas... (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).

Aquilo que é raro e não entra na caixa se torna outro critério:

[KDP] [que foi] um outro acervo que a gente visitou muito, tinha ali, bem pouca coisa de, com relação a padrão de beleza mesmo; eu lembro de uma peça só que eu queria que tivesse entrado mas que não pôde devido à sua raridade, que era um anel feito de chifre de gado que representa um gado, que representa uma cabecinha de gado, de boi, de touro, não sei (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).

As peças produzem uma narrativa para efetuar a mediação do tema, afinal,

elas estão compondo uma nova coleção:

[KDP] Só aconteceu e a gente se ligou depois, que é muito mais provável... Mas colocar algumas pontes entre as peças mesmo. Isso é importante na hora de fazer a apresentação da caixa, né? [LR] Sim. [KDP] É legal que as peças tenham algum, alguma sequência razoavelmente lógica pra ficar mais fácil de explicar ali. [AV] É, elas estão no mesmo espaço, né? [KDP] U-hum, exato. E pra, mas assim, tipo, pra você não tirar aleatoriamente uma peça da caixa. [AV] Ah tá. [KDP] Como se fosse uma cartola mágica e explicar... [...] (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).

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Ao reconhecer que a maioria das peças são adornos, podemos pensar que

essa característica pode ter se tornado critério para mediar elementos “extra

materiais” dessas peças em discussões sobre padrões de beleza, pela sua

materialidade e pela sua biografia:

[AV] E é, pelo que eu percebi essas peças – e vocês já falaram também – que a primeira razão, a primeira não, né, mas, entre outras razões, o fato de serem adornos. Né... [KDP] Sim [AV] Embora exista uma outra caixa que se chame Adornos e fale de adornos em si. Adornos indígenas. E essa, fala de padrões... [KDP] Sim [AV] Então vocês partiram dos adornos para falar um pouco de padrão de beleza, ou, de padrões de beleza...? [KDP] Sim. Sem dúvida. É... a caixa Adornos ela é anterior à essa. Ela traz a discussão dos adornos em si, eu acho que ela consegue adentrar um pouco mais no mundo, no contexto de cada uma daquelas peças, consegue sim apresentar, ela é uma caixa mais focada talvez nas peças e essa [a caixa Padrões de Beleza] talvez seja mais focada na discussão que as peças possam gerar. [AV] U-hum. [KDP] São ali uma mais, um pouco mais voltada a si [aos objetos materiais] e a outra voltada ao que não está aqui, né, que está na discussão proposta. Da mesma forma que a caixa Adornos também traz outro tipo de discussão, no fim do texto, por exemplo, traz uma questão de reciclagem, [AV] U-hum [KDP] de como na nossa sociedade existe uma tendência de usar materiais reciclados pra fazer adornos e coisa e tal; traz também alguns outros ganchos, algumas outras temáticas que podem ser trabalhadas. [...] (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).

Construção e desconstrução de padrões de beleza:

[KDP] [...] Mesmo... A gente pode perceber essas diferenças quando a gente ia trabalhar [apresentar a caixa], as várias turmas com as quais eu trabalhei, algumas se interessavam pelo contexto da peça, tipo “Ah, mas quando eles usam? Como eles usam?” E daí eu acabo partindo dessas perguntas pra explicar a caixa. Outros [tipos de turma] caem nas, naquela clássica “ai que estranho, ai eu jamais usaria...” Aí você já constrói o discurso de apresentação de outra forma, é outro viés. [...]. Então acaba dependendo muito de quem apresenta e para quem é apresentada a caixa. Não dá pra negar que a gente acaba partindo do interesse dos alunos, muitas vezes. Então, a gente leva [a caixa], tem um objetivo, que é, tipo, sair de lá com eles parando pra pensar nessa ideia dos padrões de beleza, como é construído, como se desconstrói ou desses processos de padrões de beleza, enfim. Mas a gente acaba trabalhando muito com o interesse deles por cada uma dessas peças (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).

Em outro momento, é dito sobre o que se quer com a caixa:

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[LR] Como a gente não consegue prever como que vai ser a, né, o interesse deles, né, de que maneira vai se dar o interesse deles nas peças, pela caixa, então tem que ter esse... não jogo de cintura, né, mas essa sacada assim de, de fazer a ponte pelo aquilo que eles se interessam, né? Porque já que o objetivo é fazer refletir, e mostrar um pouco, né de coisas que problematizam e eles não teriam acesso de outra forma, isso é independe do, né, da forma. [KDP] Sim [LR] Apesar, né, de ter toda essa... essa ideia de quando a gente fez a caixa e até as outras de achar que vai ser de uma forma, mas chega na hora é outra, mas acho que isso é a coisa mais comum, em sala de aula. Então... (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).

A relação entre o objetivo da caixa e sua história está clara nas falas:

[KDP] [foi] um processo em que dava pra ser trabalhado mais adequadamente e que a gente conseguiu trabalhar de uma forma muito feliz, na minha opinião, tanto essa questão cultural – cultural indígena, né? – quanto a questão de padrões de beleza – construções e desconstruções –, talvez... (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).

A atividade das fotografias também tem seu uso e forma variáveis, de acordo

com quem medeia o assunto padrões de beleza:

[KDP] E que também, o, pra ir além, nesse sentido, fosse, além dos alunos pararem pra pensar que eles estão inseridos num padrão ou, enfim, numa sociedade que possui múltiplos padrões. E como esses múltiplos padrões se constroem e como eles supostamente desconstruiriam o que eles pensam sobre isso, também seria questão de você olhar pra algo que fosse diferente do que você acredita ser um padrão de beleza aceitável ou bonito ou coisa, assim, porque tem o padrão que você escolhe, o padrão que você acha “ai, aceitável”, o que você acha “nossa, mega bonito” e o que você acha... aí vai pra outra parte... [AV] U-hum. [KDP] ... que é o que você acha feio, que você acha estanho, e aí você parar de só olhar e falar: “ui, é feio”. Mas é você começar a levar pra eles... [LR] U-hum [KDP] ... aquela introdução de como talvez olhar pra aquilo com outros olhos, com um olhar crítico, no sentido de ver aquela construção também, como possivelmente ela teria se dado, parar de virar só a questão do estranhamento, um exemplo é tipo, sei lá, roqueiro, claro, aquela máxima, aquela clássica, do roqueiro que fala que todo pagodeiro é feio. E o pagodeiro que vai achar todo roqueiro feio, cabeludo, feio (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).

Quando a entrevista se encaminha para o fim, entre os últimos turnos das

falas, elas manifestam uma mistura de expectativas e objetivos que atribuíram à

caixa. Elas concluem:

[KDP] Acho que causa boas viagens essa caixa. [LR] É. [risos]

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[KDP] Literalmente. No sentido de você poder viajar pelo universo que você talvez não conheça tanto, voltar pro seu e viajar nele também, talvez chegar em cantinhos do seu universo que talvez você também não conhecia, e você começar a perceber e ver tudo isso com olhos diferentes, acho que a ideia principal é conseguir é fazer com que as pessoas que tenham contato, pessoas de forma muito geral: professores, estudantes, comunidade; que tenham contato com essa caixa comecem a ter contato com todo o resto de uma forma diferente. Visualizar minimamente talvez de uma forma mais crítica ou não, mas conseguir ver as coisas de uma forma mais diferente depois... [LR] Sim [KDP] Não manter é conceitos e preconceitos, pelo contrário, conseguir desmoronar preconceitos e criar conceitos novos do que acha belo ou não. Do que considera um padrão ou não. E conseguir tipo abordar o mundo, a sociedade que vive, e o que a pessoa faz no seu dia a dia, que se relacionam diretamente com isso. Começar a abrir essas percepções (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).

A outra categoria de análise, B – Uso e reflexões, foi contemplada nas falas

anteriores e contribui para analisar os objetos da caixa a partir da proposta destes

enquanto mediadores. O uso está diretamente relacionado a isso quando se

encontra com as reflexões manifestadas. Cabe lembrar mais uma vez que o status

das peças é algo que atravessa ambas as categorias definidas nesta pesquisa para

interpretar suas trajetórias.

A forma de usar se encontra com um elemento importante, a educação, algo

relevante no que diz respeito às produções da Ação Educativa do Museu:

[LR] Acho que, não sei, fiquei pensando agora, se... talvez, desde o começo, assim, a gente tivesse um professor de Ensino Médio, né, que tivesse essa vivência né, de sala de aula, orientando e ajudando seria... sei lá...bem diferente... [KDP] É que... eu considero, hoje, é que o projeto da, específico das caixas didáticas do MAE-UFPR, eu não diria que ele está grande demais para a Ação Educativa, mas eu diria que ele já proporciona algumas umas parcerias, não pra trabalhos específicos, mas pro projeto como um todo. Talvez com alguns grupos do, de Pibid

84, né, de iniciação à docência, com

iniciação à pesquisa também, são Pibic85

ali, iniciação científica, alguma coisa assim, porque de algumas matérias, assim... A gente já fez aquela vez uma parceria com o Pet

86 e com o Pibid de [graduação da UFPR em

Ciências] Sociais que funcionou absurdamente bem [foi em 2011], a gente tentou retomar essa parceria depois, também, envolvendo o pessoal da História [da graduação na UFPR], não foi muito além, devido à falta de tempo, muita burocracia na época, mas que também funcionou. Pelo menos, no pouco de contato que a gente teve... Talvez hoje isso seja mais interessante, de ter, por exemplo, se fosse colocar junto com o Pibid, é, o

84

Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência. Para informações, acesse: <http://www.capes.gov.br/educacao-basica/capespibid>. 85

Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica. Para informações, acesse: <http://www.cnpq.br/web/guest/pibic>. 86

Programa de Educação Tutorial. Para informações, acesse: <http://sigpet.mec.gov.br/>.

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Pibid é um projeto que eles tem um acompanhamento em uma escola, então eles tão inseridos naquele mundo da, da escola, com o professor monitorando, tutoreando, ajudando, coordenando, enfim a atividade. Talvez isso falte pro projeto das caixas didáticas do Museu hoje (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).

Discorrendo um pouco mais sobre a forma de usar, é importante analisar

que a caixa em si – sozinha – não interage, não possui material (texto ou objeto)

para trabalhar com a questão da diferenciação de contextos das peças (das suas

biografias anteriores ao momento caixa), a não ser que haja um bolsista capacitado

para isso. Ou melhor, as possibilidades de uso dependem diretamente de quem a

utiliza, com o seu repertório sobre o tema. Não há nos textos o que há na fala de

quem interage com a caixa. As responsáveis pela construção apresentam-na de um

jeito muito específico por serem as próprias criadoras-autoras do objeto caixa.

Os trechos que destaco são:

[KDP] [...] Mas de inserção do objeto no seu contexto. Daí não mais trabalhar: “o nosso [adorno auricular no caso] a gente usa pra uma coisa e eles usam pra outra” como se fosse uma relação de estranhamento, de colocar no sentido de, do estranho, né, do peculiar... Daí, já não, é inserir cada peça no seu contexto, acho que essa é uma parte realmente muito importante pra trabalhar com essa caixa; é inserir cada uma das peças no seu contexto. Se não fica realmente muito complicado de trabalhar e você cai no mundo do estranho, do místico, do... enfim, como vários outros trabalhos com etnias indígenas, com grupos indígenas precisam... (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).

É dada a necessidade de uma relação entre o intuito de quem está usando

(emprestando a caixa) com um conteúdo, para que a caixa didática seja uma

atividade que não cause estranhamento; além disso, que ela seja mediadora de

temas relacionados ao que a caixa propõe desde o início. Tal fato pretende pensar

sobre a eficácia da caixa enquanto um objeto gerador (RAMOS, 2004).

[AV] É isso [uma crítica hipotética mencionada por KDP sobre pegar a caixa emprestada e não relacionar com o que se está trabalhando em sala de aula] dá a impressão de que a caixa sozinha não dá conta... Do que ela se propõe. [LR] Eu acho que não dá. [KDP] Eu acho que daria, não dá conta como um todo, pode começar, pode começar uma discussão, [AV] A-ham [KDP] Começar um diálogo. Se se fechar na caixa pela caixa, você anda muito pouco com ela. Tem muito texto, tem muita atividade, tem muita coisa que vai gerar um pouco de conflito ali, do estudante consigo mesmo ou, um [conflito], de discussão em sala de aula. Mas não vai surtir todo o efeito que a gente tinha pensado a princípio. Isso, sem dúvida. Ela [sozinha] vai um

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pouquinho, assim. De zero a dez, a caixa sozinha chega a dois, no máximo, eu acho. Aí, com uma conversa, um material prévio e uma conversa breve ali chega a uns sete, e se pudesse ter um trabalho continuado chega a dez, tranquilamente. Então, realmente é um processo, a caixa, na minha opinião, é um processo muito aberto. Então, pra gente chegar num objetivo final mais fechado, teria que ter um acompanhamento maior, uma, não só da gente com a sala de aula ou com o professor, mas mesmo, o professor poder trabalhar aquilo de uma forma mais continuada. Que daí, também possa extrapolar a caixa, já que supostamente com a caixa ele fique uma semana [período padrão de empréstimo das caixas], mas se é um tema que ele realmente quer trabalhar ele pode trabalhar daí temas transversais a isso, durante mais tempo. Aí sim, ele pode trabalhar a partir de gênero, trabalhar padrões de beleza como um tema transversal; juventude e padrões de beleza, é, mídia e padrões de beleza, que são coisas que a gente toca muito levemente, como eu já havia comentado com você, gênero a gente acaba nem tocando, por ser uma outra discussão... Então, acho que a caixa por si só, realmente é pe-quena. Bem como o tamanho físico dela, ela também é pequena nesse sentido. De ela, ela coloca a discussão, mas ela é só a semente mesmo. [LR] É, eu acho que, que, na verdade, é bem isso, quando a gente pensou nela, a gente pensou que talvez ela fosse gerar uma discussão e, encerrar, né, eu não sei, acho que a gente viajou bastante [viajou como excesso de expectativa] [risos de ambas] Mas, eu, ai na minha cabeça, ingenuidade, assim, na verdade, né? [KDP] Sim... (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).

Com a caixa finalizada e passado o tempo, minhas interlocutoras percebem

a qualidade do trabalho em promover uma quantidade de possibilidades para se

trabalhar com tais objetos.

[LR] Na prática, a gente vê que... não é isso, ela pode ser isso: a semente de uma discussão, mas assim, uma coisa que... Ela, ela abre espaço para muita coisa ser trabalhada... (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).

E sobre o uso da caixa de acordo com a possibilidade/contexto de quem a

usa:

[AV] Ela tem múltiplas formas de se trabalhar, né? Porque, com a presença dos bolsistas [para apresentar a caixa] é uma; com só os objetos; como vocês falaram é outra; só os textos; os textos com os objetos ou, os objetos primeiro e depois os textos, as atividades... [KDP] Exatamente. E até porque surgem... é... demandas, durante o trabalho, tipo, o que parecia só ali, tipo, ai uma visita ao museu ao contrário, né? O Museu vai nos visitar acaba virando uma relação que a turma cria com aquele tema entre si também, porque se deu certo o trabalho, provavelmente eles começam a conversar entre eles mesmos sobre isso, talvez no intervalo, tipo: “ai, nossa como que você acha a Marilyn Monroe [que tem uma imagem na atividade] bonita? Ai, ela velha, ela é não sei o quê” e essas conversas que eles têm entre eles depois é o que, era um dos objetivos pelo menos que eu sempre quis ter com a caixa, era gerar essa discussão pra além do mediado – ou pela gente ou pelo professor. [LR] Sim! (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).

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Além disso, se permitem a autocrítica a partir desse distanciamento do

tempo, talvez, ao falarem de possibilidades que o Museu poderia viabilizar.

[KDP] [...] Uma coisa que talvez pudesse ajudar, com relação ao trabalho das caixas didáticas em geral, seria como teve o guia... Guia ilustrado do Museu [do MAE-UFPR] ou guia alguma coisa do Museu, não lembro o nome; que fala de todas as áreas do Museu [os setores do MAE-UFPR], das várias atividades do Museu, se talvez tivesse um guia das caixas didáticas do Museu. [AV] U-hum [KDP] Ali dentro [do guia], umas linhas gerais que a gente segue em todas as caixas, alguma breve explicação talvez de algumas das etnias que a gente trabalha mais comumente... Que é a Karajá, Kaingang, Kayapó... São algumas que a gente tem, não sei se por ter mais peças no acervo, não sei se, pelas peças serem em madeira, palha e algodão que são mais manipuláveis, mais facilmente manipuláveis, ou algo assim, mas são etnias mais recorrentes ali, no trabalho [maior presença de peças dessas etnias na/para a coleção manipulável]. Ou, de todas que aparecem, enfim, alguma coisa assim. Pra que possa dar esse contexto, e que pudesse ser um livro meio que pra todas as caixas, já que as caixas não são tão, de contextos tão diferentes assim entre si. Uma vez que a gente tenta abordar nas caixas alguma ou várias áreas temáticas do Museu. Talvez, facilitasse o trabalho. Um livro que fosse junto, você lesse e “ah, tá, beleza: a partir disso, eu vou trabalhar isso”, pra não fugir tanto; a partir desses eixos temáticos posso trabalhar essa caixa. Não sei... (Entrevista realizada em 06/08/2014, grifos meus).

4.2.2 Inventário descritivo e ilustrado

O objetivo de se fazer um inventário consiste em identificar as peças

escolhidas e justificadas na formação da coleção da caixa Padrões de Beleza a

partir de sua origem no acervo do MAE-UFPR.

O inventário é composto pela identificação visual de cada objeto (imagem) e

dados oriundos do catálogo contido na caixa. Além disso, incluo a informação sobre

as dimensões do objeto com o intuito de colaborar para a visualização da

materialidade que cada peça possui. Em forma de ficha, apresento os objetos a

seguir.

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Código da peça no MAE-UFPR IV 1656

Nome da peça de acordo com o catálogo da caixa Padrões de

Beleza Adorno auricular Kanela

Identificação étnica e territorial Kraô-kanela (TO)

Descrição da peça Adorno de uso masculino

Composição material da peça Madeira – galho de muruçú

Dimensões aproximadas (centímetro)

8,0 diâmetro externo x 2,0 altura 3,0 diâmetro interno

Informação do catálogo da caixa Padrões de Beleza

Para o povo Kanela, a furação de orelhas simbolizaria o crescimento intelectual, e tornaria aptos ao amadurecimento os meninos. Para eles, os jovens com orelhas perfuradas são mais receptivos aos conhecimentos a eles passados pelos mais velhos, sendo o ato de aconselhar traduzido pelos Canela como hapak khre, ou seja, “abrir os ouvidos do outro”. Anthony Seeger (1980, p. 46-47), ao tratar dos Suyá, escreve sobre a correlação entre saber-ouvir-compreender e seu papel na integração social do sujeito: “Uma pessoa que é completamente integrada socialmente ‘ouve, compreende e sabe’ claramente. Uma pessoa que ouve e compreende mal, também age mal. [...] Na realidade, acredita-se que o ouvido seja o receptor e o depositário de códigos sociais, ao invés da ‘mente’ ou do ‘cérebro’".

Quantidade dessa peça na caixa 01

Obs.:

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Boneca 1 Boneca 2

Código da peça no MAE-UFPR

CM 92 (IV) Boneca 1 CM 90 (IV) Boneca 2

Nome da peça de acordo com o catálogo da caixa Padrões

de Beleza Boneca Karajá

Identificação étnica e territorial

Karajá (GO, TO, MT)

Descrição da peça Bonecas produzidas por mulheres Karajá e utilizadas por crianças

Composição material da peça Argila, corantes e fibras

Dimensões aproximadas (centímetro)

Boneca 1: 11,0 (altura) x 6,5 (largura/base) x 2,0 (maior profundidade) Boneca 2: 13,0 (altura) x 6,0 (largura/base) x 3,0 (maior profundidade)

Informação do catálogo da caixa Padrões de Beleza

Os Karajá, povo autodenominado “Iny”, habitam há séculos as margens do Rio Araguaia, nos estados de Goiás, Tocantins e Mato Grosso. As bonecas Karajá, confeccionadas exclusivamente pelas mulheres, têm uma função lúdica para as crianças, mas também é instrumento de socialização da menina, conforme estudou Heloisa Fenélon Costa (1968), onde são modeladas dramatizações de acontecimentos da vida cotidiana. Assim, através de um conjunto de bonecas com o qual cada menina é presenteada, e que representam vários períodos e situações da vida, as meninas aprendem sobre essas fases, sobre os costumes e crenças de seu povo.

Quantidade dessa peça na caixa

02

Obs.: Não há informação sobre a referência do que foi citado.

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Código da peça no MAE-UFPR

Nome da peça de acordo com o catálogo da caixa Padrões de Beleza*

Boneca Barbie

Identificação territorial Produzida por Mattel, Estados Unidos

Descrição da peça Brinquedo

Composição material da peça Plástico e tecido

Dimensões aproximadas (centímetro) 30,0 (altura) x 2,5 (largura/base) x 2,0 (maior profundidade)

Informação do catálogo da caixa Padrões de Beleza*

Nada consta

Quantidade dessa peça na caixa 01

Obs.: * Não está registrada no catálogo, embora possua marcação da numeração da coleção manipulável. Comprimento da perna da boneca: 17 cm

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Código da peça no MAE-UFPR IV 1627

Nome da peça Botoque Kayapó/ Nome indígena: akàkakô

Identificação étnica e territorial Mato Grosso e Pará

Descrição da peça Adorno labial, uso masculino

Composição material da peça Madeira de pau-brasil

Dimensões aproximadas 9,0 (largura) x 7,0 (comprimento) x 2,0 (altura) Base: 7,5 x 5,5 x 1,0

Informação do catálogo da caixa Padrões de Beleza

Os Kayapó pertencem ao tronco Macro-Jê e vivem em aldeias dispersas ao longo do curso superior dos rios Iriri, Bacajá, Fresco e de outros afluentes do rio Xingu, desenhando no Brasil Central um território quase tão grande quanto a Áustria, praticamente recoberto pela floresta equatorial, com exceção da porção oriental, preenchida por algumas áreas de cerrado. Sua cosmologia, vida ritual e organização social são extremamente ricas e complexas. Apresentamos aqui um botoque em formato de disco de madeira, utilizado pelos Suya, Krenak e Kayapó, especialmente os do subgrupo Txucarramãe. Entre os Kayapó, o botoque, por eles chamado de “akàkakô”, é um adorno de uso exclusivamente masculino. Para usá-lo, costuma-se fazer um pequeno furo no lábio inferior dos bebês, que irá sendo alargado à medida que este vai crescendo, até atingir o máximo na idade adulta. Na cultura Kayapó, o uso do botoque é associado à capacidade de oratória, ajudando o indivíduo a se expressar adequadamente nas audiências públicas e cantos cerimoniais.

Quantidade dessa peça na caixa

01

Obs.:

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Código da peça no MAE-UFPR IV 1698

Nome da peça Colar de figuras zoomorfas

Identificação étnica e territorial Bororo (MT)

Descrição da peça Colar de pescoço para crianças

Composição material da peça Madeira, barbante e miçangas

Dimensões aproximadas (centímetro) 40,0 – diâmetro interno

Informação do catálogo da caixa Padrões de Beleza

Os Bororo se autodenominam Boe. O termo “Bororo” significa “pátio da aldeia” e atualmente é a denominação oficial. O nome tem ligação com a disposição circular de suas casas, que fazem do pátio no meio da aldeia o centro de suas atividades cotidianas e rituais. O território tradicional de ocupação Bororo atingia a Bolívia, a oeste; o centro sul de Goiás, ao leste; as margens da região dos formadores do Rio Xingu, ao norte; e, ao sul, chegava até as proximidades do Rio Miranda (RIBEIRO, 1970, p. 77). Estima-se que esse povo tenha habitado essa região durante pelo menos sete mil anos (WÜST; VIERTER, 1982). Atualmente, porém, os Bororo habitam o Estado do Mato Grosso, em um espaço cerca de 300 vezes menor que seu território tradicional.

Quantidade dessa peça na caixa 01

Obs.:

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Código da peça no MAE-UFPR IIV1633

Nome da peça Dilatador de lóbulo de orelha Kayapó

Identificação étnica e territorial Bororo (MT)

Descrição da peça Dilatador de uso masculino

Composição material da peça Madeira

Dimensões aproximadas (centímetro)

16,0 comprimento x 1,0 diâmetro menor x 14,5 diâmetro maior

Informação do catálogo da caixa Padrões de Beleza

Adorno auricular de madeira, utilizado exclusivamente por crianças. Da mesma forma que entendem que o botoque é usado para se falar melhor, os Kayapó acreditam que a capacidade de se ouvir melhor e “entender” a linguagem, é adquirida através do alargamento do lóbulo da orelha. Assim, os bebês de ambos os sexos têm suas orelhas furadas e à medida que crescem o buraco é aumentado com alargadores de madeira, até atingir 2 a 3 centímetros de diâmetro.

Quantidade dessa peça na caixa 01

Obs.: Há uma imagem na atividade das fotografias da caixa Padrões de Beleza que ilustra o momento em que o dilatador é colocado.

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Sobre a pulseira Urubu-Kaapor, a Karlla lamenta não ter encontrado muita

informação sobre a peça dentro do Museu, e diz que, com isso, a forma de ela

apresentar a peça ficou reduzida à classificação “adorno”. Ela acredita que a pouca

quantidade de informação sobre um objeto no Museu não permite que ele seja

experimentado a partir de tantas marcas que sua biografia possui. Ela diz:

[KDP] Tanto que, se você vai ler, vai ler a descrição dela, no catálogo, ela tem cinco linhas pequenas [curtas] de explicação e ela tá numa página junto com o botoque que tem quatro parágrafos [de informação sobre] (Entrevista realizada em 06/08/2014).

Código da peça no MAE-UFPR IV 1686

Nome da peça Pulseira de sementes Urubu-Kaapor

Identificação étnica e territorial Urubu-Kaapor (MA, PA)

Descrição da peça Adorno feminino

Composição material da peça Barbante e sementes

Dimensões aproximadas 57,0 (comprimento)

Informação do catálogo da caixa Padrões de Beleza

Os Urubu-Kaapor pertencem à família Tupi-guarani, e habitam o norte do Maranhão. São conhecidos pela beleza dos ornamentos plumários que confeccionam, pelos quais recebem o título de “ourives das plumárias”.

Quantidade dessa peça na caixa 01

Obs.: É uma pulseira sem fecho.

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Código da peça no MAE-UFPR IV 1612

Nome da peça Pulseira tecida Karajá

Identificação étnica e territorial Karajá (GO, MT, PA, TO)

Descrição da peça Pulseira feita em tear por mulheres

Composição material da peça Tecido

Dimensões aproximadas (centímetro) 12,0 (altura) x 11,0 diâmetro

Informação do catálogo da caixa Padrões de Beleza

São fabricadas na tribo Karajá da Ilha do Bananal, Goiás. As mulheres são as responsáveis pela confecção das pulseiras e usam como molde uma maça (porrete) ou mão de pilão. Usada como adorno para o braço.

Quantidade dessa peça na caixa 01

Obs.:

Sobre essa peça, há uma narrativa interessante: [KDP] [esta pulseira está na caixa] Por ser diferente, [por] destoar um pouco destas outras, tipo a trançada de duas a três cores... Se você parar pra pensar ela é uma pulseira de algodão cru, com cor de algodão cru. [...] basicamente é isso, ela tem cor de algodão cru, ela parece realmente de um feitio grosseiro e... É engraçado porque chama mais atenção do que as outras. Por ser maior, talvez, por ser diferente, talvez, por exemplo: “nossa, não sabia, que legal” e aí, para pra olhar. E daí talvez até olhe mais detalhadamente as outras [as outras duas pulseiras que também compõem a Caixa] tipo: “ah, [es]pera”, daí volta pra pegar a outra e olhar e botar do lado assim, e comparar, [por]que querendo ou não a caixa gera muito esse tipo de comparação, né, entre essas peças mesmo. [...] (Entrevista em 06/08/2014, grifos meus).

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Código da peça no MAE-UFPR IV 1603

Nome da peça Pulseira trançada Kayapó

Identificação étnica e territorial Kayapó (MT, PA)

Descrição da peça Pulseira feita em tear por mulheres

Composição material da peça Tecido

Dimensões aproximadas 5,0 (altura) x 8,0 (diâmetro) 4,5 (profundidade das sementes em relação à pulseira)

Informação do catálogo da caixa Padrões de Beleza

Este adorno para antebraço tem por base uma faixa chata de entrecasca armada em forma de anel e revestida de um trançado ornamental com palha, um dos lados possui um envoltório de algodão no qual se prendem os molhos de frutos.

Quantidade dessa peça na caixa 01

Obs.:

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Código da peça no MAE-UFPR IV 1728

Nome da peça Uluri

Identificação étnica e territorial Grupos indígenas do Xingu (MT)

Descrição da peça Adorno de uso feminino, relacionado à passagem de criança para adulta.

Composição material da peça Fibra

Dimensões aproximadas 79,0 de diâmetro aprox.

Informação do catálogo da caixa Padrões de Beleza

Os uluris são usados pelas mulheres após o rito de maturidade, em torno da cintura como um cinto e quando estão sem eles, sentem-se nuas.

Quantidade dessa peça na caixa 01

Obs.:

Sobre essa peça, há uma narrativa interessante: [KDP] [...] E ela representa uma etnia inclusive que tem muita arte plumária. Mas a gente não leva arte plumária [na caixa, não há peças de plumária devido à fragilidade desse material], a gente leva uma semente, uma pulseira de sementes. Que talvez não seja nem “especialidade” ali, entre aspas daquela comunidade, daquele grupo. Mas a gente leva, e eu sempre, essa é uma peça que talvez tenha sofrido nas minhas explicações, porque eu acabei sempre trabalhando ela como um adorno. Tipo: é um adorno. Diferente, diferente... (Entrevista em 06/08/2014, grifos meus). Provavelmente o diâmetro varia de acordo com o corpo da mulher que o utiliza.

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4.3 TRAJETÓRIAS E INTERAÇÕES: UMA ANÁLISE

Para compreender as trajetórias desses objetos da caixa Padrões de Beleza,

considero, como apresentado ao longo deste trabalho, que no momento em que a

caixa é elaborada os objetos mudam de status. O momento em que eles são

selecionados para ocupá-la é o que caracterizo como um trecho de sua biografia.

Para tal, a execução das entrevistas é fundamental no que diz respeito ao

mapeamento dessas trajetórias que ocorrem a partir de determinados critérios para

a elaboração da caixa.

A partir das categorias de análise que desenvolvo, percebo que a história da

criação da caixa se mistura com a mudança de status de cada objeto. Isso implica

dizer que, embora os objetos que compõem o referido conjunto sejam variados, a

implicação do novo status para cada peça faz parte da proposta da caixa.

A tensão que pode ser percebida é a seguinte: os objetos são variados e a

implicação na mudança de status diz respeito a algo que, ao invés de singularizá-

los, os aproxima enquanto objetos mediadores ao formar uma coleção para discutir

a existência de padrões de beleza variados. Os objetos são diferentes, o objetivo

que se quer deles enquanto mediadores é o mesmo: falar de belezas.

Cabe citar que a questão da identidade ou territorialidade não é

apresentada. Isso não significa que a caixa não esteja completa, ao contrário, é um

espaço que permite compreender as múltiplas possibilidades que a materialidade

pode mediar a partir de escolhas de quem a faz. Não é o fato de não constar

informações diretas sobre identidade e territorialidade que implica em não falar

sobre, aí se tem mais uma possibilidade: falar disso a partir de materialidades.

A questão da identidade pode passar pela proposta a partir dos adornos

indígenas e a identificação da etnia de “origem”, a partir daí, por que não falar disso?

Cabe, mais uma vez, a quem opera escolher como operar a caixa, ou seja: como

operar a mediação. Além disso, a questão estética pode ser pensada a partir da

concepção de cultura enquanto plural, pois, a forma de pensar sobre o belo, assim

como de percebê-lo é variável.

Com isso, retomar que a proposta do tema da Caixa Padrões de Beleza não

está restrita à materialidade das peças, diz respeito, também, à mediação contida

nos demais elementos que compõe a Caixa.

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123

Tal mediação – entre objetos, propostas, textos e atividades –, permite

observação, reflexão e questões a partir dos objetos em interação com os demais

elementos. Ela é uma forma de ligar significados ao objeto além de sua existência,

como proposta declarada para a concepção da Caixa.

O que eu observei nas entrevistas sobre o potencial desses objetos

enquanto mediadores de um tema estabelecido como padrões de beleza? A

quantidade de peças abre muitas possibilidades, como já mencionei. Portanto,

escolhi me ater a três peças para falar sobre o potencial mediador desses objetos.

Escolhi ficar restrita às bonecas. As duas Karajá como um tipo e a Barbie como

outro.

Quando olho para os objetos e os referencio como elementos relacionados à

beleza de forma geral, são as bonecas que me chamam a atenção: são brinquedos,

não adornos. Isso me permite (re)significá-las para minha análise. É certo que cada

objeto possui a sua especificidade e gera um convite à análise, mas opto pela

análise direcionada somente a essas bonecas Karajá e Barbie, também pela

necessidade de fazer um recorte.

O que são ou o que significa a sua presença em uma caixa que possui, em

sua maioria, adornos corporais? Qual é a relação desses com as bonecas para falar

sobre padrões de beleza?

Penso no objeto-boneca como representação. Representação de pessoas

ou de elementos relacionados à sociabilidade humana. A partir de uma boneca, é

possível perceber a representação de um indivíduo ou do contexto sociocultural com

a representação do corpo dos indivíduos desse contexto.

Além das bonecas Karajá estarem na caixa pelo encanto que as criadoras

tiveram ao conhecê-las, as interlocutoras acreditam que essas representam sua

cultura, ou aspectos relacionados ao seu corpo e representação. Quando eu

questiono o motivo da presença dessas bonecas na caixa, elas respondem:

[AV] Mas além de vocês se encantarem pelas bonecas [Karajá], por que, é, assim, são sempre duas perguntas: por que que elas estão na caixa e qual a relação delas com o tema? [LR] Bom, o tema padrão de beleza eu acho que elas são assim um exemplo sensacional dos padrões de beleza, é, pelo formato, né, a forma como elas são moldadas, elas são até onde a gente sabe, cem por cento inspiradas nas mulheres Karajá, nas suas várias fases da vida, elas são detalhadas, pintadas, aquela ali usa colar, sainha, assim, ela é... Eu acho isso tipo, meu, uma obra de arte.

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[KDP] E ela [a boneca] consegue trazer mesmo, é, não diria detalhes, mas ela consegue trazer formatos que a gente não conseguiria com os adornos. Por exemplo: o fato dessas duas bonecas mulheres Karajá estarem de cabelo longo, franja, preto, é, as duas de seios à mostra, as duas com uma “barriguinha mais saliente” do que a Barbie, por exemplo, os quadris mais largos, esse tipo de coisa, que fica mais presente na, na, [LR] padrão. [KDP] na boneca assim... [LR] E... E como elas representam assim, a realidade, né, tem a que tá grávida, a que tá amamentando [na coleção manipulável como um todo, essas não estão na caixa] essa aqui, agora eu tô olhando, ó [mostra pra Karlla] de perfil parece que ela tá grávida, né, não sei... bom. [KDP] Pode ser... [LR] É que essa aqui tem uma barriguinha ó... [AV] Mas... [KDP] Teria que pesquisar pela pintura corporal, talvez, né... [LR] É... [KDP] Porque elas também trazem pinturas corporais nas bonecas, várias pinturas diferentes; então que a gente tende a entender que representem essas etapas da vida ou essas condições, enfim, o fato de uma estar trabalhando, uma ou um guerreiro vai estar caçando, esse tipo de coisa do dia a dia também. Então elas representam, elas vão além do representar a questão física, mas representam a questão ornamental também, trazendo seus adornos, suas vestimentas, ou pintura corporal, enfim... (Entrevista em 06/08/2014, grifos meus).

Mas elas não generalizam o fato de bonecas representarem a vida social de

seu contexto de criação. Elas declaram que não consideram que a boneca Barbie

possui a mesma eficácia que as Karajá, no sentido de representação. Na fala delas,

a Barbie possui uma representação ornamental para diferenciar as versões da

mesma boneca em um mesmo corpo/modelo.

[AV] Mas a boneca Barbie também tem versões de a boneca profissão... [KDP] Tem, e é ótimo! É bem incrível assim, porque... elas são todas iguais. [risos] Maravilhoso! Você pega a Barbie, a Barbie, pelo menos as mais clássicas, agora talvez possam tem algumas versões que se diferenciem já que, eu confesso nunca fui muito de brincar com Barbie, nunca tive Barbie quando era criança, não foi uma boneca que participou do meu padrão de construção de beleza, enfim, mas, eram todas iguais, até onde eu conhecia, a Barbie negra, a Barbie loira, a Barbie ruiva, [LR] A-ham... [KDP] A Barbie indígena que saiu uma vez no Brasil, todas eram idênticas, [AV] Idênticas em que sentido? [KDP] Enormes, grandes, altas, pernudas, umas pernas de metade da sua estatura; só em perna, [LR] Eu lembro que... [KDP] magérrimas, com peitinho [seios “empinados”] [LR] Éééé... [KDP] com um pouquinho de bunda... [LR] O que mudava era tipo, sei lá: a roupa, [KDP] Exatamente. [LR] Ah, essa aqui vem com, vem segurando um cachorrinho, então ela é veterinária. [riso de todas] Essa outra, segura uma prancha [de surf], ela é surfista, né, mas assim, a, a estética é, sempre foi bem padronizada. Até, eu lembro que, quando eu era pequena na, não, quando eu brincava com

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Barbie mesmo, não, mas quando o meu irmão de brincava [irmão mais novo, uns quatro anos de diferença], existia, já existia a Barbie negra, mas era a Barbie branca com plástico mais escuro, assim, porque os traços, tudo era... cabelo liso... [risos] [KDP] É, você quer uma construção maior de padrão de beleza insano que a Barbie traz do que o fato da Barbie negra ter um cabelo liso?! (Entrevista em 06/08/2014, grifos meus).

Posso interpretar essas bonecas como objetos que ilustram o cotidiano de

seus contextos de produção. Ambas estão com roupas conforme os valores e modo

de vida, por exemplo.

Ainda sobre a suposta ineficácia da Barbie, é no diálogo sobre a relação

entre os textos e a boneca que aparece o que elas apontam como a fragilidade,

pois, à boneca sozinha não é permitida a mediação por falta de significados

atribuídos a ela, em detrimento dos significados que os demais objetos possuem,

como peça de museu, adorno indígena, com biografia, status, etc.

[AV] [...] Eu reparei numa coisa, quando eu tava relendo aquele texto... “Real e ideal”, que fala das bonecas Karajá. [LR] A-ham [AV] E depois da boneca Barbie... que... eu tive a sensação de que a Barbie necessita mais dos textos do que as outras peças; quando vai, vai falar da presença dela nessa caixa porque... é uma caixa que só tem objetos indígenas e uma boneca Barbie, que não é indígena. Eu queria que vocês falassem um pouco... desse fato. [KDP] Então, a boneca Barbie entrou justamente por causa do texto. A ideia do texto surgiu antes da presença dela. Tanto que ela foi comprada especialmente para essa caixa, ela não fazia parte do acervo antes... É, ela precisa do texto se você for parar para analisar no sentido de que só tem peças indígenas e uma boneca Barbie, mas, se... você for pensar, que é sobre padrões de beleza e você tem bonecas Karajá, que supostamente estariam ali pra representar um padrão de beleza indígena, aí você consegue visualizar que a Barbie esteja ali pra representar um padrão ocidental, branco, enfim. Então, talvez, não necessite diretamente do texto, não precisa que o aluno leia o texto pra entender porque que a Barbie “tá” ali (Entrevista em 06/08/2014, grifos meus).

Acerca das representações nas bonecas, pode-se pensar, por exemplo,

sobre gênero feminino/masculino, observar se isso é representado (em uma cultura,

sociedade, etc.). A minha proposta é pensar sobre a identidade, por considerar mais

viável para esta pesquisa, uma vez que ela está amparada pela biografia dos

objetos e cultura material.

As pinturas nas bonecas marcam seu contexto: a pintura corporal da boneca

Karajá87 enquanto continuidade do seu corpo diz respeito a um determinado

87

Sobre arte indígena e pintura corporal, vide Lagrou (2009).

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momento/situação, e a pintura nos olhos da boneca Barbie ilustra uma

transformação em seu corpo. Há diferenças entre elas, visíveis ou não, elas podem

provocar reflexões também sobre identidade a partir de seus contextos de origem.

Ao atentar para o fato de que as identidades são feitas e refeitas

constantemente, os elementos que a compõem estão contextualizados, sejam

materiais ou não, é necessário compreender que há repertórios heterogêneos

na/para a composição da identidade cultural, pautada na noção de pertencimento a

um grupo étnico, linguístico, religioso, etc.

Essas bonecas despertam questionamentos sobre elas, por que elas foram

colocadas na caixa? E, por consequência, quais os modos de vê-las?

As Karajá e Barbie são deslocadas para o espaço que agrupa um conjunto

de peças distintas, mas que ali estão em unidade, em uma caixa chamada de

Padrões de Beleza.

Quando as peças saem da caixa – ao serem manipuladas por estudantes –,

elas trazem junto de si a mediação de valores ou significados atribuídos aos textos

que propõem questionamentos relacionados à beleza, à identidade, à forma de se

colocar no mundo; sobre escolhas, conflitos.

Ao mesmo tempo, amparada pelas teorias da cultura material, é preciso

considerar que uma boneca não é apenas uma representação o tempo todo, pois é

na relação entre objeto e indivíduo(s) que se pode criar um ou vários significados,

usos, valores, entre outros, ao objeto e a quem o manipula.

Posso interpretar essas bonecas como objetos que referenciam o cotidiano de

seus contextos de produção. Ambas estão com roupas conforme os valores e modo

de vida, por exemplo; a presença da Barbie e da Karajá ilustra as diferenças

culturais, inclusive no que diz respeito à corporeidade.

A representação dos corpos é apresentada de acordo com suas referências

culturais – roupas e pinturas – e físicas: como proposta de reflexão sobre identidade,

essas bonecas nos convidam para tal.

Ao considerar que esses tipos são materialmente diferentes, observa-se que

o objeto (boneca) traz mensagens junto de si88. Assim como os adornos corporais,

88

Quando uma coisa nos incita a perguntar sobre ela e sobre nós mesmos, essa coisa permite que a compreendamos e nos permitirá a compreensão acerca de nós mesmos, de nosso contexto e do contexto do Outro: isso diz respeito aos estudos em cultura material. Sobre isso, ver Miller (2013).

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que medeiam a nossa identidade em relação ao mundo, essas bonecas indicam

identidades relacionadas a seus contextos de “origem”.

A escolha dessas bonecas diferentes para falar sobre identidade diz respeito

à forma como se constitui um objeto em relação ao seu contexto de circulação89.

São bonecas que podem apresentar o cotidiano de seus contextos de produção.

Ambas estão com roupas relacionadas aos seus valores e modo de vida, por

exemplo.

A pintura na boneca Karajá, por exemplo, marca seu contexto: as pinturas

corporais indígenas dizem respeito a situações específicas, elas são incluídas no

corpo, são pinturas como continuidade do corpo, como citado anteriormente. Já, a

maquiagem – nos olhos – da boneca Barbie diz respeito a uma modificação no

corpo, não é uma inclusão. Há diferenças entre elas. A forma como se olha essas

diferenças é o que permite pensar sobre diferença/alteridade.

É possível pensar sobre a identidade a partir dessas bonecas quando em

algum momento, esses objetos medeiam a ideia de uma identidade cultural,

moderna, urbana e em constante transformação, como fala Hall (2011), a partir

desse contexto em que se encontram: a Caixa que fala ou apresenta possibilidades

para pensar sobre padrões de beleza e culturas.

Ao atentar para o fato de que as identidades são feitas e refeitas

constantemente, os elementos que a compõem estão contextualizados, sejam

materiais ou não, é necessário compreender que há repertórios heterogêneos

na/para a composição da identidade cultural, pautada na noção de pertencimento a

um grupo étnico, linguístico, religioso, etc.

Para ele, essas mudanças que são frequentes nas sociedades modernas

ocidentais causam fragmentações em vários âmbitos das paisagens culturais, tais

como classe, gênero, etnia e, inclusive, em aspectos que dizem respeito ao

indivíduo e seu senso de identidade. As modificações na sociedade são reflexos

para o que Stuart Hall chama de crise de identidade, e as mudanças na concepção

de identidade(s) refletem em alterações na estrutura social. Essas mudanças e

alguns processos inerentes às sociedades modernas se refletem no que se

tem/tinha por referência para os indivíduos no mundo social, o que, por

89

Sobre o assunto, vide APPADURAI, Arjun. A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. EdUFF, 2008.

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consequência, causa uma crise na identidade desse sujeito moderno: o sujeito

precisa se refazer (HALL, 2011).

A contribuição de Hall nessa análise das bonecas está no reconhecimento

de que há tensionamentos e disputas na concepção de significados hegemônicos

sobre identidade – e padrões de beleza, nesse caso – e que produzem

deslocamentos. Os deslocamentos são as mudanças de posição da identidade do

sujeito e o reconhecimento de que a produção de conhecimento é dotada de

estratégia política aliada à linguagem, à produção de/dos discursos e seu/seus

significado(s), externo à produção dos discursos90.

Nesse universo da caixa Padrões de Beleza, os discursos e significados

produzidos são balizados pelos objetivos da caixa, relacionados à desconstrução da

ideia de um único padrão de beleza ou da pasteurização da concepção de padrão

de beleza indígena, quando da ideia generalizada sobre os grupos indígenas no

Brasil. A forma como as entrevistadas falam sobre isso talvez esclareça o que elas

entendem por representação das bonecas em uma caixa temática:

[KDP] A Barbie, eu acho que a função da Barbie é, ela está nessa Caixa inclusive, é, é, coitada dessa Barbie, mas ela é quase ridicularizada, na minha opinião, enquanto a gente apresenta a caixa [LR] É ser desgraçada [risos] [KDP] Porque ela está aí pra mostrar o quão... [LR] Tosco [risos] [KDP] Irrisório, eu diria. Porque a gente acaba saindo com muitas piadas em relação a isso, de o quão irreal é esse padrão. Tanto que a gente coloca como “Real e Ideal”, o, o... [AV] Texto [um dos textos que acompanha as peças] [KDP] O texto. Mas poderia ser irreal [ao invés de ideal no título desse texto que faz parte da caixa] numa boa. Porque eu acho que uma das discussões que a gente traz aqui é o fato de que uma, não, que as bonecas Karajá também não representem um padrão, representam sim! Até eu fui corrigida por isso, a primeira versão do texto não trazia essa frase específica, não é que deixava entender, de certa forma, deixava a entender que as bonecas não tinham um padrão, a gente mudou pra falar que tipo, tem, mas que era muito diferente, no sentido de, com a boneca Karajá, ela tá ali, além de representar uma função de verdade. Tipo uma função real, quando você pega ali uma outra escultura Karajá que você tem na Sala Didática do Museu, em exposição, que são as mulheres ralando mandioca, é, coisas realmente do dia a dia, você vê a diferença daquela boneca estar ali representando uma função do dia a dia enquanto a Barbie tá com um decote maravilhoso, com um jaleco branco, segurando um poodle numa coleira rosa dizendo que é veterinária! (Entrevista em 06/08/2014, grifos meus).

Representação essa ligada às práticas sociais e culturais.

90

Adaptado de VÖRÖS, Aline e CORRÊA, Ronaldo O. Duas Bonecas, identidade e beleza. Artigo apresentado no II EBPC, GT Cultura e Identidade, entre 15 a 17 de Outubro de 2014 em Niterói, RJ.

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129

É importante ponderar que a manifestação das interlocutoras, no que diz

respeito às representações e o que é representado e à forma de colocar suas falas

sobre diferenças culturais, demonstra certa idealização ou perspectivas

romantizadas acerca do Outro; a forma de lidar com a alteridade aparenta a ideia do

bom selvagem (ROUSSEAU, 1989).

Outro aspecto para olhar a presença da boneca Barbie na caixa Padrões de

Beleza é o conceito de hibridação desenvolvido por García Canclini (2000), já citado

na pesquisa.

García Canclini define que a hibridação é um termo que abrange as

“mesclas interculturais”, enquanto resultado de um corte transversal em dicotomias

(como tradicional/moderno), e propõe algo intercultural. Não é fusão, é simultâneo. É

o “e/ou” constante. A partir da hibridação já não se permite eficácia na tentativa de

fragmentar (e isolar) algo para compreendê-lo, pois as coisas não se anulam quando

se isolam.

Retomo que são os processos de/para a hibridação que são considerados

relevantes, compreendidos pela pergunta “como?”, que se faz compreender a

própria hibridação.

É nas diferentes materialidades das bonecas Karajá e Barbie que se pode

pensar sobre o encontro: ambos os objetos são bonecas! Mas é visível e sabido que

seus contextos de produção são distintos. É possível, então, perceber que a

identidade está localizada além de uma concepção territorial: é econômica, é

política, é cultural.

As bonecas Karajá e Barbie proporcionam esse olhar para os objetos com

tanta relevância quanto os enunciados a eles embutidos, para além de seu contexto

a partir da perspectiva dos estudos de cultura material, sejam textos, sejam

discursos.

Essa relevância atribuída a essas bonecas se relaciona aos estudos de

cultura material. Daniel Miller aponta em sua obra Trecos, troços e coisas sobre os

estudos de cultura material e a possibilidade de abrangência que o tema pode trazer

para análise por meio de diferentes perspectivas; não há como encaixá-la em um

único campo, pois o mundo material exige teorias e perspectivas diversas (MILLER,

2013, p. 7).

O autor propõe o ato de relacionar-se com as coisas. Ele diz:

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Confrontar os trecos: reconhecê-los, respeitá-los, nos expor à nossa própria materialidade, e não negá-la. Meu ponto de partida é que nós também somos trecos, e nosso uso e nossa identificação com a cultura material oferecem uma capacidade de ampliar, tanto quanto de cercear nossa humanidade [...] como e por que uma apreciação mais profunda das coisas nos levará a uma apreciação mais profunda das pessoas (MILLER, 2013, p. 12, grifos meus).

É essa relação com as coisas, proposta por Miller, que permite olharmos

para as bonecas como um encontro entre objetos e subjetividade(s). A materialidade

ou, nesse caso, as bonecas da caixa Padrões de Beleza são compostas por

elementos que se inter-relacionam.

Aqui, retomo a boneca Barbie a partir da sua presença em uma caixa na

qual ela é a única peça não indígena. Ao destacar a presença da Barbie em um

contexto do qual ela não faria parte se não viesse junto de uma informação que

aponta ser ela o ponto de tensão da própria caixa – a partir do tema e não dos

objetos, em princípio –, é permitido pensar que a proposta da presença da referida

boneca pode ser justamente de experimentar por meio da materialidade todas as

coisas relacionadas a ela e/ou à cultura.

A diferença entre as duas bonecas não está restrita às materialidades (e o

que está embutido de sentido nelas), ela é melhor demarcada a partir de outro

elemento: de um texto91. De um texto que fala sobre um tema, que as unifica –

espacialmente, nessa caixa – e as distingue, ao se relacionar com os outros objetos

que nela se encontram, os adornos e as bonecas indígenas e a Barbie, a exceção.

Na incerteza da condição da boneca Barbie em relação a um processo de

hibridação, encontra-se uma reflexão: a materialidade serve para dar sentido à

identidade? Isso poderá ser respondido, talvez, a partir de experiências entre

pessoas e objetos, cultura e materialidades, com o apoio das teorias dos estudos de

cultura material. Mas, ao que parece, melhor pensar em coisas que se hibridizam ou

não. E, nesse caso, a Barbie ora hibridiza, ora não: sozinha, ela medeia qualquer

coisa. Além de seu uso como boneca quando colocada em um contexto de contraste

à representação de seu universo, a tensão traz os frutos da mediação: pensar sobre

algo a partir de contrastes e, ao olhar as outras possibilidades, como um mapa

noturno perceber que nem tudo é polarizado quando o assunto permite explorar os

elementos complementares ao que é dito.

91

Vide o texto “Real x Ideal” nos anexos.

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Falar de padrões de beleza também é falar de cultura material. De

identidade, de território, de valores, de mercadoria. E por aí seguem as

possibilidades, que se ramificam de acordo com o mapa, ou olhar.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

[...] E não posso terminar a visão porque ainda não terminou o soneto e o tempo é uma tela que precisa ser tecida [...] (QUINTANA, 2002).

Diante da questão que levantei como pergunta a ser respondida, a partir do

processo da pesquisa acerca das narrativas e interações com os objetos escolhidos

para a composição da caixa didática Padrões de Beleza, apresento alguns

elementos que me inquietaram e que considero relevante indicar, por não tê-los

citado ou aprofundado de maneira adequada ao longo da dissertação.

Durante o processo de compreensão da trajetória dos objetos, de

reconstrução da história da criação da caixa, da elaboração do inventário e dos

procedimentos relacionados à pesquisa, como as entrevistas, por exemplo, é

possível perceber a variedade de formas para se olhar um objeto de pesquisa. No

caso desta pesquisa, a caixa didática Padrões de Beleza aponta essa variedade, no

entanto, julguei necessário me ater às orientações teóricas relacionadas

principalmente aos estudos em cultura material.

A trajetória dos objetos da caixa Padrões de Beleza é considerada a partir

da análise desses objetos, bem como das narrativas das pessoas envolvidas no seu

processo de construção. Isso foi conseguido pelos resultados das entrevistas

realizadas, mas que nem sempre explicitaram suas inquietações subjetivas da

época da construção da caixa. Talvez por esquecimento, talvez por omissão ou

demais motivos que não me cabem sugerir.

Dei-me conta de que a minha preocupação inicial foi compreender a história

da caixa e da sua construção, deixando os objetos de lado. Percebi isso como um

desvio na construção da pesquisa, ao acreditar que a história dos objetos se

traduziria em sua biografia. Além disso, percebo a adesão, em determinados

momentos às narrativas e reflexões de minhas interlocutoras, e reconheço isso

como uma reflexão sobre meu processo de formação como pesquisadora; o

distanciamento pessoa-pesquisadora pode ter gerado interpretações enviesadas em

função do pouco distanciamento do discurso “nativo”.

No início da pesquisa e das primeiras entrevistas minha busca era

constantemente focada na história da caixa e não nos objetos que estão nela.

Foram os relatos da entrevista realizada com a Laura e a Karlla com os

objetos – da qual eu já apresentei alguns trechos – que me permitiram compreender

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que eles não existem de forma sequencial, mas, de acordo com o momento em que

são colocados em uma situação ou outra. Isso também caracteriza a circulação.

Nesse momento, eu retomo o apoio bibliográfico sobre cultura material e as

contribuições de Kopytoff (2008) para indicar que os objetos são relevantes na

produção de sua história e na relação com a subjetividade humana. Eu havia

deixado os objetos da caixa distantes no início da pesquisa até perceber que, para

fazer a biografa dos objetos, que até determinado ponto da pesquisa não estava

assimilada por mim, é relevante mapear a história deles e também – se não

principalmente – constituir sua trajetória a partir da circulação e do(s) status que

esses objetos adquirem ao circular.

A proposta da biografia dos objetos não diz respeito a pesquisar a história

do objeto somente, mas de perceber os usos dos objetos em contextos diversos;

perceber o status que o objeto pode adquirir a partir do momento em que se

encontra, ou quando é investigado: pois há vida nos objetos, e vida é

impermanência.

Além disso, o aspecto mediador do objeto-caixa é fruto da circulação do

objeto que constrói status. Penso que o intuito de trabalhar com os objetos demanda

um coadjuvante que o sustente.

A mediação não pode ser feita a partir do objeto sozinho. Salvo esse objeto

estar acompanhado de sua biografia, que, no caso, já descaracteriza esse suposto

isolamento. Poderia haver, talvez, uma ficha com mais detalhes de sua vida, em

cada peça. A mediação, a partir disso, poderá permitir múltiplas formas de

compreender ou interpretar o objeto que ali está nas mãos de quem o vê, toca e lê

(interação).

O objeto não fala por si só, mesmo que possua sua própria biografia, a

mediação humana (de diversas formas) pode ser determinante para a compreensão

da biografia ou do status do objeto.

A partir das narrativas das interlocutoras, é possível perceber que, mesmo

que todos os objetos estejam formando uma coleção para discutir ou promover

discussões e reflexões sobre padrões de beleza, as escolhas das peças são

atravessadas por outros critérios além desse potencial mediador do objeto para falar

do tema. São eles, por exemplo, o uso (botoque, adornos auriculares), a identidade

relacionada ao adorno (o Uluri), a forma de produção (pulseira de algodão),

representações (bonecas). Considero esses fatores enquanto pontes para alcançar

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o potencial mediador de cada peça. Isso faz com que a coleção não seja diluída por

um tema tão abrangente que corre sempre o risco de querer buscar um

denominador comum. É uma discussão que pode ser infinita e, junto à materialidade

da caixa, abre também para outras discussões que ressoam o tema central.

Considero esses objetos das caixas didáticas como objetos mediadores,

similar ao objeto gerador de Ramos (2004). O que diferencia é a forma de olhar para

a peça ao considerar sua biografia e as possibilidades de transformação de status

ao longo da vida do objeto. É possível também encará-lo como um objeto dotado de

múltiplas possibilidades de interpretação que não estão relacionadas ao significado

do objeto em si, mas ao seu uso antes de ser objeto musealizado e agora, enquanto

materialidade que transporta reflexões e significados relacionados a um tema, no

caso, padrões de beleza.

Também é importante relembrar que o potencial desses objetos enquanto

mediadores está relacionado com a intenção que os fez coleção sobre padrões de

beleza. As escolhas também dizem respeito a isso: sobre como escolher, porque e

de qual forma é possível colocar cada objeto selecionado em interação com outros e

com os textos, a partir de um objetivo comum: falar sobre padrões de beleza.

A fase de escolha dos objetos92 eu considero como tensão. E, vale dizer que

a tensão não diz respeito a um conflito, muito mais a um desconforto, nesse caso, a

partir das (im)possibilidades na seleção das peças. Acredito que a tensão seja

latente no momento das escolhas dos objetos, amparadas pelos critérios de

conservação do acervo, de seleção para a caixa e dos critérios relacionados ao

tema da caixa didática.

As tensões apresentadas nas falas das entrevistadas dizem respeito muito

mais à relação entre cada uma com o Museu do que entre elas. De maneira geral,

as tensões declaradas dizem respeito muito mais às escolhas das peças e à

possibilidade de utilização ou não destas, a partir de critérios como conservação ou

impossibilidade de reposição no acervo.

O trecho a seguir, da entrevista realizada com as bolsistas envolvidas na

criação da caixa Padrões de Beleza, apresenta a relação entre a escolha de objetos

e os cuidados para tal. Dentre as possibilidades desejadas de materialidade, a

92

Provavelmente houve tensão também para a elaboração dos temas dos textos que acompanham a caixa. Além disso, quando, nas entrevistas, há falas que criticam a própria caixa ou de autocrítica, considero como tensão, uma vez que entendo por tensão também aquilo que provoca inquietações e incita escolhas.

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tensão está na restrição relatada, quando Laura [LR] e Karlla [KDP] trazem um

conjunto de peças previamente escolhidas de acordo com a possibilidade de

utilização no espaço de manipulação dos objetos, sua negação para a caixa que

estava sendo criada e as novas possibilidades a partir disso:

[LR] Eu acho que, pelo o que eu lembro teve uma vez que a gente procurou e colocou na mesa tipo tudo que a gente queria. [risos] [AV] Ah, que legal! [LR] Sei lá, tipo... “A gente quer esse, esse, esse: um monte de plumária”, e daí tipo: “esse não, esse não, esse não, esse não” [risos] porque era sei lá, peças mais especiais e né? Todo aquele negócio: “Ah, coleção manipulável, na na na na na na” [tipo: blábláblá, de forma não ofensiva] e daí deu uma reduzida boa, né?! Nas coisas que gente tinha... [risos] [KDP] Quase todas, né, na verdade...! [risos] E aí apareceram novas peças que a gente não sabia que eram duplicadas, enfim, que tinha mais exemplares que daí foram trazidas, do tipo: “essas podem escolher. Então, dentre essas, quais vocês querem?” [Ela reproduz a fala de alguém mas não identifica quem foi] (Entrevista com Karlla e Laura R., agosto de 2014, grifos meus).

Além da tensão sobre as escolhas, outro aspecto que julgo merecer

ponderação é acerca das possibilidades de mediação que as caixas didáticas e a

coleção manipulável possuem quando “isoladas” das coleções de origem desses

objetos. Acredito ser necessário situar os objetos escolhidos a partir da fala. Seja

oral, seja escrita. Isso implica não somente em retratar a biografia dos objetos do

museu, mas também falar sobre o próprio museu a partir dos aspectos educativos

desse espaço, bem como na relação com a tecnologia; esta entendida como

processo social construído e localizado em um tempo e espaço.

Não se trata de uma caixa que fala apenas sobre beleza e padrões, pois

existem outras questões importantes que atravessam a caixa, como, por exemplo,

educação no espaço museológico e/ou tecnologia enquanto produção da vida social.

Ou gênero, por exemplo, pois observei que as pessoas envolvidas nesse processo

são mulheres. Na época da criação da Ação Educativa só entraram bolsistas

mulheres. Não investiguei o fato, mas pode ser interessante refletir sobre elaboração

da caixa didática Padrões de Beleza somente por mulheres. Optei por não abordar

as questões de gênero, embora entenda que possa ser relevante (uma vez que é

um dado visível) e possa ser explorado quando se pensa em um tema como o da

referida caixa, o qual o senso comum geralmente associa como um tema constante

do “universo feminino”.

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Além do aspecto educativo do Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR,

é interessante destacar o Museu enquanto espaço de materialidades em interação e

de prática antropológica. Pois, é nesse local que o universal e o particular dialogam

a partir de objetos, informações e reflexões, o MAE-UFPR93 se propõe

institucionalmente a isso (CHAGAS, 2005). Isso aponta para a contribuição que os

museus da área de antropologia (como nesse caso) possuem para que o

conhecimento e a prática específicos sejam promovidos a partir desse ambiente

informal no que diz respeito à educação, sem perder o valor que a prática educativa

possui.

Sobre isso, faço uma observação sobre educação e objetos a partir da

ausência de objetos dos povos indígenas do Paraná (Guarani e Kaingang94) na

caixa Padrões de Beleza. É possível problematizar a ausência desse tipo de objeto

para que se reflita sobre a questão da identidade nacional e da regional, ao

considerar o MAE-UFPR espaço de divulgação e produção de conhecimento

também por meio das caixas didáticas95.

Desse modo, compreender as caixas didáticas pode ser um ato necessário

para que se perceba a atuação da educação a partir do ambiente museológico e

vice-versa. A riqueza dos estudos em cultura material está nesse “detalhe” que nos

permite ver que, assim como a construção de conhecimento é processo contínuo,

portanto, não linear ou limitado, as possibilidades de trabalhar com a materialidade

são múltiplas, os objetos dialogam com o conhecimento a partir do movimento entre

o que eles são e o que pensamos, falamos e atribuímos a eles, “devolvendo” aos

objetos mais possibilidades no que diz respeito ao significado de sua materialidade a

partir do status em que se encontra e como contribuições para a sua biografia.

O que define a caixa Padrões de Beleza está presente nas narrativas sobre

os objetivos pensados na criação dela. Os objetivos se articulam com a prática

educativa à medida que os objetos são acionados enquanto mediadores de

assuntos relacionados à educação.

Por fim, no que diz respeito à construção de conhecimento ou às formas de

fazer uma pesquisa, considero que tudo pode ser questionado ou percebido de

variadas formas cada vez que se dirige o olhar para o objeto escolhido. E também o

93

Sobre a historia do MAE-UFPR, vide, por exemplo FURTADO (2006) e KERSTEN;BONIN (2007). 94

Além dos Xetá, mas que é uma situação especial por ser um grupo praticamente extinto que não produz mais cultura material em função das condições de sobrevivência pós década de 1960. 95

Existe na caixa didática “Paraná na caixa” objetos dessas etnias para falar dos povos regionais.

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ouvir e, consequentemente, o escrever, parafraseando Roberto Cardoso de Oliveira

(2000).

Encerro, por fim, com um trecho da fala da Karlla De Paris sobre o uso da

caixa: “[...] acho que quase todas elas [todas as caixas didáticas] são de abrir um

leque, e não fechar nenhuma dessas pontas desses leques. [...]” (Entrevista em

06/08/2014, grifos meus).

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APÊNDICES

APÊNDICE I – Roteiro de entrevista: perfil

1. Cabeçalho da entrevista

2. Roteiro de perguntas

Tema Perfil do entrevistado(a)

Roteiro n. (indicar em romano)

I

Nome do entrevistado

Nome [indicação de sigla na entrevista]

Data da entrevista

DD/MM/AAAA

Autor da entrevista

Nome [indicação de sigla na entrevista]

Data da transcrição

DD/MM/AAAA

Objetivo(s)

Construção do Perfil do entrevistado, compreender se o indivíduo tem uma noção do Museu como um todo, mapear o sujeito em uma suposta relação com as caixas didáticas e com a caixa Padrões de Beleza.

Observações

Pergunta Categoria Obs.

1. Primeiramente eu gostaria que você dissesse seu nome, o quê estuda e onde (instituição).

Identificação do sujeito e formação

2. Quando você trabalhou no MAE-UFPR? Você é/foi bolsista?

Vínculo com o MAE-UFPR

3. Qual bolsa é/foi a sua? (Existem dois tipos de bolsa vinculadas ao MAE-UFPR)

Vínculo com o MAE-UFPR

O que muda de acordo com o tipo de bolsa é irrelevante aqui.

4. Qual função você exerce ou exerceu no MAE-UFPR?

Vínculo com o MAE-UFPR

5. Já conhecia o MAE e a Sala Didático-Expositiva antes de trabalhar no Museu?

Relação com as caixas didáticas

6. Você participa ou participou da construção de alguma caixa didática? Qual(s)?

Relação com as caixas didáticas

7. Comente sobre o seu envolvimento com a caixa Padrões de Beleza.

Sobre a (relação com a) caixa Padrões de Beleza

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APÊNDICE II – Protocolo do perfil das interlocutoras

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Perfil da entrevistada Nome: Andréia Baia Prestes Sigla para entrevista: [ABP] Formação: mestre em Antropologia (UFPR) Quando trabalhou no MAE-UFPR: 2008 – atual Função no MAE-UFPR: coordenadora da Ação Educativa Relação com a caixa Padrões de Beleza: uma das criadoras da caixa Padrões de Beleza, e coordenadora do feitio de todas as caixas didáticas. Data da ficha: 25/08/2014 Obs.: Foto fornecida pela própria entrevistada (imagem de julho de 2012).

Perfil da entrevistada Nome: Karlla De Paris Sigla para entrevista: [KDP] Formação: graduanda em Bacharelado e Licenciatura em História (UFPR) Quando trabalhou no MAE-UFPR: 2009 a 2014 (com intervalos) Função no MAE-UFPR: bolsista da Ação Educativa Relação com a caixa Padrões de Beleza: uma das criadoras da caixa Padrões de Beleza e da caixa Paraná. Data da ficha: 25/08/2014 Obs.: Foto fornecida pela própria entrevistada (imagem de abril de 2014).

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Perfil da entrevistada Nome: Laura S. Rotunno Sigla para entrevista: [LR] Formação: graduada em Bacharelado em Ciências Sociais (UFPR) Quando trabalhou no MAE-UFPR: 2009 a 2012 Função no MAE-UFPR: bolsista da Ação Educativa Relação com a Caixa Padrões de Beleza: uma das criadoras da caixa Padrões de Beleza e da caixa Paraná. Data da ficha: 25/08/2014 Obs.: Foto fornecida pela própria entrevistada (sem data).

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APÊNDICE III – Protocolo de transcrição de entrevista96

Realização da entrevista por: Aline Vörös [AV] Data da entrevista: DD/MM/AAAA Sujeito da entrevista: Nome completo [sigla criada a partir de nome e um sobrenome] Tema: [assuntos previamente definidos para abordar nessa entrevista] Duração da entrevista: [HH:MM:SS] Data da Transcrição da Entrevista: Mês/ANO Formato do arquivo: Nome do arquivo: Localização do arquivo: ex.: arquivo particular da autora Observações: destacar assuntos importantes tratados na entrevista.

Turno Legenda Transcrição Categoria Obs.

[1] [pesquisadora indicada pela abreviação do nome]

Trecho Indicar categoria de acordo com o tema da entrevista.

[2] [entrevistado(a) indicado pela abreviação do nome, de acordo com o estabelecido no cabeçalho]

...

Legenda de símbolos utilizados

[...] Pausa durante a fala

[escrita] Comentário para situar o leitor sobre o assunto

Trecho em itálico Destaque para o que foi dito

96

Adaptado de Pereira (2014).

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APÊNDICE IV – Protocolo de transcrição de temas e falas

1. Dados transcritos em temas e falas

Tema [Autor da fala]

Turno(s)

Data da entrevista

Obs.

Objetivo da caixa

[ABP] [I], [V], [IX].

DD/MM/AA

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APÊNDICE V – Roteiro de entrevista temática com os objetos da caixa Padrões de

Beleza

1. Cabeçalho da entrevista

2. Roteiro da entrevista

Tema Caixa Padrões de Beleza e seus objetos

Roteiro n. (indicar em romano)

III

Nome do entrevistado

Nome [indicação de sigla na entrevista]

Data da entrevista

DD/MM/AAAA

Autor da entrevista

Nome [indicação de sigla na entrevista]

Data da transcrição

DD/MM/AAAA

Objetivo(s) As escolhas para a caixa; sobre a biografia dos objetos a partir do momento de escolha para mediar o tema padrões de beleza.

Observações Início da entrevista sobre o que será perguntado a partir de temas previamente estabelecidos, mas não rígidos. Se precisar, explicar de que forma será conduzida a entrevista.

Procedimento (ou pergunta) Categoria/justificativa Obs.

[AV] Bom, então meninas, é o seguinte: eu trouxe a caixa Beleza, pra gente fazer essa conversa junto com os objetos, que eu entrevistei vocês separadamente e na entrevista da Karlla [De Paris] surgiu essa ideia porque vocês trabalharam juntas, né, na escolha e na criação da caixa, então, eu, a minha proposta é colocar vocês em contato com os objetos... da caixa. Eu deixei ela [a caixa] fechada, pra gente ir abrindo, e assim, fiquem à vontade se quiserem tirar tudo de uma vez, ou se vocês tiram [cada objeto] e falam... Talvez seja interessante colocar todos (os objetos), né, fora [na mesa em que estávamos em volta para

Relação entre as peças que estão na caixa.

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essa entrevista]... Como vocês quiserem... Então, abram a caixa vocês...! risos. E aí a gente vai conversando de acordo com o que vier. E depois, é... a gente vai dar uma olhada nos textos [que estão na caixa junto das peças] Se vocês estiverem de acordo.

Retirar os objetos da caixa e falar um por um, descrevendo-o, classificando (adorno ou brinquedo) e justificando porque ele se relaciona com o tema padrões de beleza.

Sobre a escolha das peças para a caixa; critérios para os objetos que podem compor as caixas e a caixa Padrões em contexto. Mapear as justificativas de cada peça na caixa.

As entrevistadas optaram por tirar objeto por objeto à medida que falavam de cada um.

Momento da entrevista junto aos textos da caixa Padrões de Beleza.

Compreender a relação entre objetos e os textos.

Sobre o texto “Real x Ideal” e a relação da Barbie com os textos da caixa.

Sobre a classificação da boneca Barbie.

Ela não está no catálogo da caixa desde que a caixa foi criada.

Sobre os usos da caixa Sobre a caixa e o objetivo desta; entender a forma de apresentar as peças da caixa Beleza em sala de aula, quando feita por elas, Karlla e Laura.

...

...

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APÊNDICE VI – Roteiro de entrevista (história da caixa Padrões de Beleza)

1. Cabeçalho da entrevista

2. Roteiro de perguntas

Tema Perfil do entrevistado(a)

Roteiro n. (indicar em romano)

I

Nome do entrevistado

Nome [indicação de sigla na entrevista]

Data da entrevista

DD/MM/AAAA

Autor da entrevista

Nome [indicação de sigla na entrevista]

Data da transcrição

DD/MM/AAAA

Objetivo(s) Construção do perfil do entrevistado, compreender se o indivíduo tem uma noção do Museu como um todo, mapear o sujeito em uma suposta relação com as caixas didáticas e com a caixa Padrões de Beleza.

Observações

Pergunta Categoria Obs.

1. Primeiramente eu gostaria que você dissesse seu nome, o quê estuda e onde (instituição).

Identificação do sujeito e formação

2. Quando você trabalhou no MAE-UFPR? Você é/foi bolsista?

Vínculo com o MAE-UFPR

3. Qual bolsa é/foi a sua? (Existem dois tipos de bolsa vinculadas ao MAE-UFPR)

Vínculo com o MAE-UFPR

O que muda de acordo com o tipo de bolsa é irrelevante aqui.

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APÊNDICE VII – Modelo de ficha de autorização

Universidade Tecnológica Federal do Paraná Programa de Pós-graduação em Tecnologia e Sociedade Linha: Mediações e Culturas Professor: Dr. Ronaldo de Oliveira Corrêa

TERMO DE AUTORIZAÇÃO97

Eu, abaixo-assinado, autorizo Aline da Silva Araújo Vörös, portadora do RG

6.268.516-6, a gravação dessa entrevista, bem como a utilização parcial ou total das

informações aqui declaradas por mim, bem como uso de imagens e documentos

cedidos, correspondências eletrônicas na íntegra ou não, em sua dissertação.

Estou ciente de que isso inclui reprodução total ou parcial das entrevistas,

imagens e documentos nos diversos meios utilizados para comunicação acadêmica

(oral, impresso, CD-ROM, vídeo, arquivos em formato de áudio e/ou vídeo, DVD,

exposições, instalações), em rádio, televisão aberta, fechada e por assinatura e sua

disponibilização via internet, no contexto da dissertação bem como publicação por

meio de livros.

Tal material destina-se exclusivamente à produção de obra intelectual com

fins acadêmicos.

Curitiba, dd, mês, aaaa.

Nome: ________________________________________________

Assinatura: ____________________________________________

97

Modelo do documento baseado em Tessari, (2014).

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ANEXOS

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