traduzir o outro - etnografia e semelhança (introdução e capítulo 2)

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A Antropologia sempre enfatizou simultaneamente a questão da diferença - da alteridade como garantia de construção de uma possibilidade de conhecimento - e da semelhança - da analogia como possibilidade de "tradutibilidade" da experiência etnográfica. Se a ênfase na diferença sempre foi a tônica dos estudos antropológicos, queremos acentuar neste livro a sua contraparte: a semelhança, concebida aqui como garantia dos processos de cognição e conhecimento. Neste sentido, a busca de pontos de correspondência entre mundos conceituais distintos seria, por assim dizer, uma das questões centrais da etnografia. A concepção de tradução que constitui a Antropologia moderna é justamente a possibilidade de produzir semelhanças, articulações, correspondências, o que parece ser, em última instância, o objetivo de toda e qualquer etnografia em cuja construção o antropólogo desempenha o papel de tradutor de mundos outros para o seu próprio.

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Page 1: Traduzir o Outro - Etnografia e semelhança (Introdução e Capítulo 2)

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Page 2: Traduzir o Outro - Etnografia e semelhança (Introdução e Capítulo 2)

20 IO c Marco Antonio 'ollçalvc~

Este livro segue as normas do Acordo Ortográfico d,l Ullgl/aPortuguesa de /990, adotado 110 Brasil em 2009.

Produção editorialDebora Flecklsadora TravassesMarília GarciaValeska de Aguirre

Editora-assistenteLarissa alorné

Produção gráficaIsabella Carvalho

RevisãoFernanda Machryngier

ImagemLaura Kaxináua (contra capa)Marie Caiariua Lagrou Gonçalves (capa)

CIP-BRASIl.. CATALOCAÇÃO- A-rG TESINDICATO NACIONAL DOS EDITORI~S DE LIVROS, RJ

Conçalvcs, Marco Antonio

Traduzir o outro / Marco Antonio Gonçalves. - Rio de janeiro: 7Lerras, 20 I O.l72p.Inclui bibliografia

15B 978-85-7577-601-8

I. Antropologia - Filosofia. 2. Ernologia. 3. Tradução c inrerpreração - Aspectos sociais.4. Linguagem e cultura. I. Tírulo.

09-3150. COO: 306OU: 316

2010Viveiros de Castro Editora lrda.R. Cocrhc, ';4 Borafogo, Rio de janeiro RJ l.ll' 2 281-020( I) '>40 007(, I cditol<l")7letr .is.com.br I www.Zlct iav. om.ln

111""'1<

I II I NALOGIA E ESCRITA ETNOGRÁFICA

,,111 .10: "em grafia selvagem", coauroria textual e a111 II \I ,l() da língua-miro-mundo em Capistrano de Abreu

( ) l,olI/() de vista indígena

( ) nu'todo e a escrita: Capistrano e seus índios

I" 111III ia: Firth e os Tikopia

I iimte e ossos:gêneros de etnografia em disputa

l)« "m) os tikopia" ao "eu Rnymond":

I',';"'//'o de campo e subjetividade

, I /I/IIpulsão do descrever e o dever do narrar

I Illdl ,I 10: a representação da representação em Roy WagnerO

1 >tI prer;são de um conceito impreciso: cultura

111I1/1/('flO cultural e a produção do significado

\ 1t'l1~(r)ra,ação e transformação

" I II : ANALOGIA E PENSAMENTO AMERiNDlO

1111 I ele . ntato: quando "cultura" se torna um tJ111111110 nai iv (o índios na conternporaneidade)

1//I'I';r/ades em contraste: terras, estradas e artesanato

1 )11 ,~l'IIér;co e do singular: ser ParesiNI"/I'\(,o/II';r'o rnu ndo através do outro: o eco-turismo

()/'/I'/O (()lI/O m'/eJatos da memória: os Paresi no Rio de janeiro

111111di' routnto: rlutrra co de dorn;ngo

7

1921

265252

545973

737781

8789

939G

9910

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, i11l1l1t,1I1·i 1.1d': 'qll,did,1 I" lu, I", 1lIllllIlll'i,I, all 'fi LI I ' ,11))'rÍndi .•

romatismo: a semelhança e o pensam 'IH(cromático ameríndio

O parecer

Descrições da semelhança

Parecidos, mas diferentes

Semelhantes e misturados

Opensamento cromático

Singularidade: pessoa, individuação e processos Ode subjetivação em uma ontologia amazônica

Experiência pessoal

O pessoal e o social

A individuação como valor

Conceituando opessoal e a pessonlidade

Bibliografia

113115116118122

126

135135140143151159

10'51lIllCulu( dO

AI/lli/logii/ é fI/ullçiio mais alta ria imflgiufI('iio porqueela conjugfl a análise e a síntese, fi tradução e a criação. É, ao

mesmo tempo, conhecimento e transmutnção da realidade. Porum lado é um laço que junta épocas e civilizações diferentes, por

outro é uma ponte lançnda entre linguagens diversas.PAZ, O. 1972: 62-63 APUD, RACINE, 1989

11,11' 'que a analogia está no centro da reflexâo antropológica por evo-II II prin .Ipios pelos quais a Antropologia se constrói: alegoria, sernelhan-I 111I. [ora e comparação. A Antropologia como método e episternologia

IlIlId,1 nos mesmos parâmetros que regem o conhecimento estabelecidoI II ,11l.r1ogia: a capacidade de buscar semelhanças entre coisas diferentes111ti ,iguais. Assim, o pensamenro antropológico é analógico, uma vez que

I 1IIIile tanto ao autor como ao leitor, tanto ao antropólogo quanto ao 11a-II 11.. 1 possibilidade de estabelecer semelhanças entre coi as (CEIA, 2005).

I ' S .ntido, a ernografia, vocação da Antropologia, produz um exercí-111pcrmanenre de fazer relação en tre pensamentos que são essencialmenteIdl I .ntcs, construindo daí uma e pécie de circuito integrado entre partes

( II~ATHERN, 1991: 55).I~ neste sentido de "conexão entre partes" através da escrita da ernografia

'1" se pode entender que a Antropologia conjuga uma modéstia excessivaI () .iada a uma grande pretensão: o que pode ser designado como a vocaçãoIlIográfica e a vocação teórica da disciplina. Este modo característico de pro-

IIII/ir onhecimento faz com que a Antropologia dialogue com, ou mesmo.uuradiga, as teorias sociológicas a partir de situações etnogralicas concretas

I p.rrticulares. Esta característica de lidar com o particular e o modo com queI ',r1iza a pesquisa baseada no trabalho de campo parecem ser o que mais atrai" p ssoas para a Antropologia. Esta capacidade do etnográfo fazer amigos e

'I' inAuenciado por eles definiria, assim, a "máxima" da Antropologia, que é,juvtamente, uma modalidade de diálogo que engendra uma aparente proxi-midade com a vida (dos outros e do próprio antropólogo). Se a Antropologiapudesse ser comparada a um instrumento musical, eu diria que ela seria o

i lão, um instrumento popular, fácil de "arranhar" (com pouco esforço ép ssível tocar uns acordes e improvisar uma canção), mas muito difícil de~ r bem tocado. Assim, a Antropologia se constrói sobre esta tensão entre o

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(111' h,I()),II1Hl~ l'lllOgl.li O ' nn ·illl.d h '111111111,I .uuinh.u 'Ill:-. 'P,II';\(.\O:'),I .nsã mesma gu' r 'v .la simulr.m xuu '11\ 'W,I pr '\ '11~,1O'mod ~slia, icnsaoque pode tanto fazer de andar c d 'salin,lr um.i 'I nografia C( 111 pode produzir verdadeiras sinfonias.

A Antropologia desde sempre privilegiou a palavra do outro como fonll'de conhecimento. O trabalho de campo empreendido pelo antropólogo é,na maioria das vezes, o método de aceder a estas palavras através de outraspalavras, as do antropólogo. Assim, a Antropologia se constrói pelo diálogo, conversa, tradução, citação, interpretação, crítica num incessante cru-zamento de universos conceituais. Se as palavras dos outros têm um poderde transformar as nossas palavras e vice-versa, é justamente pelo fato de quesão engendradas e fabricadas a partir de uma relação entre sujeitos, essênciamesma do fazer ernografia. Esta relação entre os conceitos que a Antropolo-gia formula e a ernografia que originalmente os produziu é de tal ordem quemuitas das chamadas categorias nativas ganharam estatuto de conceitos e/ouproblemáticas da Antropologia. .

As formulações de Malinowski apresentadas nas últimas páginas dos Ar-gonautas do Pacífico Ocidental fazem, ainda hoje, eco sobre a relação entreos conceitos do antropólogo e dos nativos. A partir da discussão dos fatosetnográficos totem, mana, tabu e kula Malinowski atenta, justamente, paraa questão fundante da Antropologia, qual seja, de que os fatos etnográficosobservados nas tribos norte-americanas, na melanésia e na polinésia não sãofatos isolados, mas modelizações possibilitadas pelo processo de construçãode analogias entre múltiplos fatos que, sendo semelhantes, produzem umaproposição teórica sobre o fenômeno em questão.

A Antropologia sempre eníatizou simultaneamente a questão da dife-

rença, da alteridade como garantia de construção de uma possibilidade de

conhecimento, e da semelhança, da analogia como possibilidade de "traduti-bilidade" da experiência etnográfica. Se a ênfase na diferença sempre foi a tô-nica dos estudos antropológicos, queremos acentuar neste livro a sua contraparte: a semelhança, concebida, aqui, como garantia dos processos de cog-nição e conhecimento. Neste sentido, a busca de pontos de correspondência

entre mundos coneeituais distintos seria, por assim dizer, uma das questõescentrais da ernografia. A concepção de tradução que constitui a Antropologiamoderna é justamente a possibilidade de produzir semelhanças, articulações,'01'1' spondências, o que parece ser, em última instância, o objetivo de toda e[ualquer ernografia em cuja construção o antropólogo desempenha o papel

d . tradutor de mundos outros para o seu próprio. Quando nos defrontamos

1\

1111IIld.1 d,l 11IIUpologi.l· \ 'li' d «cuvolvim '111m t '(')ri 'os, p 'r' .b 'mo," .111',11' ,il,i '\11 torno d' p ssil ilidad '!> de Iradutilibilidade, gerando,

. '1"1 111'11\ '111" uma r ,{] .xa ibrc com e.pode proceder.a esta tradu-11",11\\,10 suns impli .açõc para o estabelecImento do sentido no m?do

(( "Ch o11111I 1" '\ -ntnrn c/ u apre entamos estes outros,. egamos aq~ll a1\ tI II .1,1probl'máli a antropológica: um modo de refletir sobre a qu~h~ade

I I1 ,,111t.;,IOque evoca diversas conceituações sobre o fazer antro~ologlco e11'1111' 01110 os anrropológos constroem suas ernografias. A parttr do est~-I I 1IIIl'IIlO le emelha nças, os chamados nativos e os an rropólogos partl-

I 111111.10LI ma identidade de substância, mas relações de corresp~nd~nc~a,

1"' 111Imitem, assim, produzir u~( texto ~tl~ográfic,? cuja função prunelra e ~I I" 1.1111.nte criar a condição da verossImIlhança (PINA CA~RAL, 20?3.1111)) orno possibilidade de compreensão. Neste contexto, a escnta ernografi-

I I 1,Ih .lcc um princípio de correspondência em que a tradução não ~penas11' IIIH C ntexto de semelhança, mas estabelece uma compreensão cnadora.

,tllI .pçâo mesma de tradução é o ponto de p~rtida para o surgimento da

I 11111-ira narrativa ernográfica construída a partLr do trabalho de camp~ ~,11. l' pcdições científicas ainda em finais do século. XIX. Refir~-me aquI aI 1IIIIIogia Alemã de Adolf Bastian, Karl von den Sreinen e. a do Jovem Franz1111,1\,.ujo paradigma influenciou definitivamente. o surglmento da A~tro-IUllo ria Americana enquanto possibilidade de escritura do outro atraves do

'I" 'se designava "fraselogia". Um texto etnográfico "" q~e s~ valorava a u:a-IIIH,.\ morfêrnica e linear, derivado fortemente da iníluência do ro~~ntis-1110alemão que percebia a língua como potência reveladora de uma visao deuuindo (Weltanschauungen). Lembremos aqui das primeiras etnografias que'prcsentam enorme quantidade de frases traduzidas ~orfemicamente, ~omo" encontradas nas publicações do Bureau o/ American Ethnology. Ate este

mento a possibilidade da ernografia como resultado direto do trabalho11\ A .lc campo era derivada do universo da língua (paradigma que vai in. uenciarlcrações vindouras da chamada escola americana de Antropologia, comoI~dward Sapir e, depois, os cognitivistas, como Ward Goodenough, e mesmotrabalhos de contemporâneos como Marshall Sahlins e Roy Wagner). Pode-sedizer, com certa tranquilidade, que se Malinoswki não inventou o trab~lhode campo, fundou uma nova possibilidade de estabelecer o texto ernogr~fi~oinspirado francamente numa nova concepção de tradução ancorada na ideiade autoria textual sob a inRuência do gênero romance (THORTON, 1983,1985; CLIFFORD, 1986, 1998), que passa a ser o gênero dominante da

narrativa etnográfica na Antropologia moderna.

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..

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1()Il1,11110 '~I.I~ )lIl1id 'I,I~ )., ()II\OI OIIlO I '1).\Ilid,l, "I <livi o 1-0' livid

em duas pane. Na prirn 'ira abordo a 111·SI.IO 10 lU' d lIign( "Analogiaescrita etnogrãtica", isto é, con eiruaçõ e nstruf Ia P'1a 1 ria anrropokgicas sobre as possibilidades de se estabelecer a semelhança, a corre pondên i,lentre nós e os outros - tradução, experiência e significado. Já a segunda partl',''Analogia e pensamento ameríndio", procura apresentar resultados de minh.ietnografia situando as possibilidades de tradução ao explorar o próprio COIlceito de semelhança, de pessoal idade, individualidade e zonas de contato.

Vejamos os capítulos que compõem a primeira parte. No capítulo 1I

abordo as questões propostas pela ernologia alemã do final do século XIX :I

partir de uma etnografia construída por Capistrano de Abreu sobre os Kaxinauá. Percebe-se que todo o esforço de correspondência formulado por esteestilo de cenografia concebia a tradução livre como uma espécie de 'traição'de uma possível descrição do mundo cujo modo correto de ser apresentadose baseava, antes de tudo, pela apreensão da língua. Partindo destas premissassobre o poder evocativo da língua-mundo, impôs-se o método da traduçãointerlinear, morfêmica, que redobra o universo da língua. Essa relação entrelíngua/pensamento/cultura/visão de mundo estabelece influências que ligamCapistrano de Abreu aos conceitos alemães de Volkergedanken (pensamentodos povos), Weltansci?auungen (visões de mundo) e Kultur (cultura) atravésda Ernologia Alemã, aproximando-o, também, da abordagem boasiana deAntropologia. A etnogratia de Capistrano apresentava, na simultaneidade, aforma (língua/gramática) e o conteúdo (cultura, pensamento) da narrativa.A língua, a mitologia, o depoimento e a tradução interlinear era o modo dese fazer etnografia e Antropologia antes do gênero que se impôs dominante nasmonografias em que as frases da língua indígena desapareceriam em favor dosurgirnenro de um autor, o antropólogo. Coerente com este estilo de produzir

a etnografia, Capistrano considerava seus informantes co-autores. Colabora-ção que reforça sua definição de "etnografia selvagem" que é feita com (e nãosobre) os índios. Em contraste com este modelo de etnografia, surge posterior-mente o que se designa por moderna etnograíia, que surge a partir de outrainspiração que tem como base uma percepção de língua que aceita a distinçãoentre língua e cultura. Assim, a construção de um estilo etnográfico inglês ba-seado em trabalho de campo na África se inspira diretamente no romantismodas viagens e em autores literários (THORNTON, 1983: 503). A ideia deque o etnógrafo em última instância seria um artífice literário denotando umadeterminada concepção de etnografia se encontra claramente na formulaçãomalin wskiana quando afirma que ele próprio seria o "Conrad da Antropolo-

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I '111'I '11l(l, .I"illl, ·...l.lh ·I·\, qu' ...·1 ·IIH')!-',I.tlo~ IIIll modo til- ser .... riior

I '.\11101 I· 1I1l\il.\~ ST :1 IN ;.1 R" 19H. : IOIÍ). "t ) .rpítulc olcrccc uma rei .itum d· Nó, o Tilsopias ti' 1.\aym(~lld. r\l'lh,

l"IHllldo um r 'l mo à!> qll 'SLO" .ru .iai para a Antr p 10~la: o Igl11~ adoI I IlIogra fia, dc dcs ri ão, de aprc ntação d~s dados, de ll1terp~eta~o, de

'\1111'IH, çã teórica. texto de Firrh, por ser inaugural de um estilo, ajuda a111,\" . .nder um entido de etnografia e a illstauraçã~ de princípios d: corres-11"1'11 ia entre o pensamento nativo e o do antropologo. Esta reflexao sobre/11. (1\ Tikopias procura explorar o sentido que Firth atribui a sua etnografia,

I dl.llI 10 como esta forma de fazer Antropologia pode conhecer, con:o conheceI, !lU' modo constrói uma narrativa e interpretação sobre o conh~c~mento.

No capítulo 3 realizo um exercício de construção da problen:atl~a exp~s-.I 1'01' Roy Wagner em seu livro Habu. The innovation o[ meantn~ "' Dar/~,/ (1972) \VTagller ao fazer uma ernografia da sociedade Daribi, propoe/.1'/0/'1 • w; , " ,,_ "

1111.1nova forma de abordar a noção de cultura. ConstrOl uma ~o.çao. deuh ura problematizando o universo das metáforas como =: pnvlleglado\, .1 . SO às formas culturais. Assim, procuro apresentar a teona da cultura

1'1. ira aparece implícita, ora explícita na monogra~a de Wagner sobre osI 1,\1ihi da Nova Guiné. Partindo deste quadro conceitual, etnografia. gan~a11\11novo sentido ao estabelecer um diálogo profícuo entre uma conceituaçao11.11iva e uma conceituação dos antropólogos. Assim, é ao mesmo tempo u~a'I" .sentaçâo dos significados específicos que torna. este mundo apreensivel

.111 ponto de vista conceitual e um modo de conceituar este mundo. Nes~eI uiido " ... toda etnografia tem sua teoria ... do mesmo modo que toda teorl~

fi "(W'AGNER 1972' 13) Sua preocupação, portanto, recaiu-m sua etnogra a ,., . ,.11.1csfera das representações que, no seu entender, definem-se por pnn_ClplOI limo uma forma de criatividade. Representação envolve a apresentaçao de

, \ .rnentos, ideias, objetos, imagens em forma de significação. .No capítulo 4, na segunda parte do livro, inicio u.ma refle~ã? a partIr d,e

minha própria ernografia. Neste capítulo, apresento CInCO cenanos construi-ti s a partir das relações dos Paresi, grupo indígena de Ma~o Grosso, com osbrancos que ajudam a relletir sobre a construção do co~celto = cultura, pe.la

Antropologia e sua apropriação enquanto. ~ma categona natlvAa. ? pro.pno.onceiro de cultura passa a ser o que propICIa uma correspondenCla entre osParesi e os brancos, incluindo aí a própria Antropologia. Inicio procurando[ornecer algumas formulações que orientaram a minha compreensão do con-tato entre os Paresi e os brancos. Em primeiro lugar, destaco o trabalho =Wagner (1986: 129) como um dos primeiros a desestabilizar o que se concer-

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tuava enquanto cultura ou sistema uívci de r 'pr 'S '1)(,l~O 'S ol"iv,I', 1Iner, ao sugerir que os significados culrurais estavam "num .onsuuc 111111.1contínua recriação", dava um passo decisivo a uma recon . .ituaça ) do qlllconvencionou a chamar sistema interétnico e aculturação. A [orrnulaçuo "/11111de contato" (contate-zone) de Clifford (2000), derivada do livro Impl'/'i,tll J

(1992), de Mary Louise Pratt, parece-me útil por ter a vantagem de nao 1111111o "contato cultural" como uma forma progressiva, algumas vezes viol '111.1.ti

uma cultura tomar o lugar da outra. O que é eníarizado é um proc sso til' P,II

tilha e apropriação em perspectivas rnultidirecionais. A formulação ":tO".1 1Icontato" nos permite escapar de uma redução do contato à definição ti 'lIllljuntos fechados que fazem trocas sempre desiguais que por sua vez inst.uu 1111relações estruturais de dominação e de resistência, produzindo nece sari.um 11te relação entre classes e hierarquias étnicas. Esta busca de uma nova d 'fi", 11

sobre "o contato" lembra aquela formulada por Peter Gow (1991) a qual plll I

a relação inrerétnica como algo construído a partir da mútua inteligibilid.ul.ao invés de ser um espaço para contradições e paradoxos, Neste sentido, o (111tato "articula" (termo que Clifford prefere usar) e não apenas "inventa" 11m Itradições. O conceito de articulajão, nesta nova acepção, parece ser útil \111procura dar conta do encontro, relacionando o conhecido e o novo, os no' 11conceitos e os deles, as semelhanças e as correspondências.

O capítulo 5 p<vte de um filme realizado entre os Baniwa cujo Pl'l (I

nagem central, André Fernando, põe em evidência uma possibilidade til' I

e estar no mundo que desafia o nosso modo de pensar ocidental, em 'l'"tomamos como contraditórias as identidades baseadas em onrologias l' I' Icepções de mundos distintos. Portanro, a questão que move o pensam 1111Baniwa - e por extensão o pensamento ameríndio - não se apoia no pllllcípio do "ser ou não ser", mas sim em um princípio no qual a diferenç.i I I

alteridade engendram uma complexidade que envolve soma e síntese, adi 11e não conrradiçâo. O ser, nesse universo, é resultado de processos, de rel.u,«culturais e históricas na acepção que Srrathern (2007) atribui à conC\:plllde social idade. Assim, André Fernando experimenta, na simultaneidadc , I'complexo de sua pessoa: presidente da Organização Indígena da Baci'l .11Içaria (Oibi), vice-presidenre da Federação das Organizações Indígenas .I"Rio Negro (Poirn), evangélico, liderança, intérprete de sua mitologia, '.1bedor do catolicismo,implementador das estratégias de reflexão sobre 111111política de desenvolvimento sustentável para a região, empresário de vi,.11Iquando tàla da exportação do artesanato do rio Negro para a cadeia de 111jas TokStok, vítima do veneno de seus inimigos que lhe querem mal, <l"

12

1'11\1\,111ti· Ild '1,111\,1. P '1\011,11''111f.l\lil1.1111 '. pO I'<jli , OlljUg,lI',dllllli, \0 i.il, 0\111011'1,i o ' IllilO16 ric ) P,lIél lar conta de111111m ti '1l1.li~ (Ildios c 0111os brancos, () di curso de André

I, I 1111111\11"1,101111'1.xidadc d ser Baniwa hoje, a possibilidade deI 11111111110,.1\lir.,. .nrcs ontologias que dão significado ao mundo

I 11111III d '()I'Ina tensa, porém harmoniosa, a pessoa Baniwa: evan-I 1)1. '1Il'1l01., po\(ti a, cidade e Horesta. Deste modo. esse filme-

I1 111'.11(11,1.ssc personagem delicado e intenso, que condensa todosI .11 111'S, c a partir dele nos ajuda a refletir sobre o significado de ser111.1111hoje, na conrcmporaneidade.'IlllIdo ) xarnino a noção pirahã igiábisai, que poderia ser descrita1111 I 'I" ou a "semelhança", importante concepção que os pirahâ111111l1'lrução de suas classificações sobre os seres e as coisas exis-, 111 11IOS.fgiríbisai estabelece a relação entre coisas, não por opo-I 1111,11,mas por ligações baseadas em critérios de semelhança, deI11II Usando este princípio do "parecer", os pirahã relacionam as

II 11.1'"I mundo à terra que habi tarn, os animais existentes nos de-

1I1111V\a s que existem em seu patamar, os seres das outras terras ao11111,g -ruc, A noção de igiábisai, de "parecer", põe em relação todos11111\pr' entes no cosmos, evidenciando um modo singular do pen-

d d"'" da éIIIIl \ .ntar o mun o em que tu o se parece porem na a e exata-11li I':'la forma do pensamento proceder, instaurada pelo "parecer"

1111,I lima outra noção, evidenciada por Lévi-Strauss nas mitológicas1"11 \Irava traçar as linhas mestras de um pensamen to ameríndio,

11c romarisrno, definido a partir de sua conceituação musical, rela-111pl'quenos intervalos, às contiguidades. Lévi-Strauss, ao se deparar

1111\11.11mítico sul-americano, acentua a dialética entre os pequenos e

1111\Ivai s, ou, para empregar termos apropriados à linguagem rnusi-), 11 romático e o diatônico. Embora acentue que a intenção última1111111) e taria ligada ao estabelecimento dos gra ndes in tervalos e das

.. ru.iis fundamentais, isto é, ao modo diarônico, reconhece, também,1'1111.11isrno é recorrente no pensamento ameríndio.

111'1110 7 parte das proposições de Marilyn Strathern, especifica-Ili11'() modo que repensa a teoria social (sobretudo os conceitos de

1111, 'indvíduo) a partir das conceituações dos melanésios. Em suaI 111.o onceito clássico de sociedade estaria "obsoleto" (aqui ela estáId I 1111111debate com Durkheim) por ter sido constituído a partir de11111ill lividual" no modo de representar o que é o social. Parafraseando

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SI ra ti I Til quando 1'1'0 ur.t (111 -it u.rr I' ·I.I~.IOso i.d . Ml i.di I.ld . (11)\ I), (I

individual ~ como um dos rI prior! I untian )S, lima vc: lU' sun '011' 'iLUação é n truída a partir d vi ~s .uluiral .id .rual tIu . asso 'ia a idcis d·individual à de indivíduo, derivand uma perccpçã pr pria 10 pe ai 11.1construção dos sistemas culturais, Durnont (1978) c Mau s (2004), diga-sede passagem, foram, sem dúvida, os primeiros a denun iar este viés ocidentalna percepção do individual. Seguindo estas concepções, percebemos que opessoal tomado como sinônimo do indivíduo foi de certo modo negligenci:tdo enquanto podendo ter um rendimento conceirual positivo na formulaçãodas teorias, uma vez que a orientação da teoria sociológica buscava muitomais a ideia de coletividade como sinônimo de sociedade, construída en-quanto tribos, castas, grupos corporados que excluíam a experiência pessoalou a subsumiam enquanto uma determinação sociocultural (RAPPORT &OVERING, 2000), Vemos, neste caso, que a crítica ao conceito de sociedadeformulada por Strathern a partir dos melanésios produz, por sua vez, a crítica

ao con/~ito de i~di:í~uo enquan~o entidade discr~ta ,(aqui, no du,pl,o sentidoda paljuvra de discriçâo e cornedimento em relaçao as regras sociais). Destemodo, iluminam-se outras áreas sensíveis de significação como o pessoal, osingular, as emoções e as subjetividades daí derivanres (RAPPORT, 1994) e,sobretudo, suas capacidades de produzir conceituaçôes sobre o que chama-

mos "social". Portanto, partindo da constatação da importância da conceirua-ção do pessoal na forma como os amazônicos constroem seu conhecimento,sua percepção e a forma como têm acesso ao mundo, procuro pensar comoesta singularização revestida de interpretações pessoais, de agências discre-tas, especificidades e idiossincrasias pode ser conceituadas. Neste sentido, apartir da formulação Pirahã e de outros contextos ernográficos amazônicos,

procuro conceituar positivamente e produtivamente o pessoal, o singular e odiscreto como formas constiturivas de produzir um sentido possível sobre oque chamamos de sociedade e cultura ameríndia. Os Pirahã apresentam umaforma peculiar de marcar o discreto, o singular, o pessoal, que permite per-ceber a importância desta forma de conceituação na construção do sistemasocial. A experiência pessoal é uma forma privilegiada de se ter acesso ao quepoderia ser descrito como representações modelares da sociedade ou do cos-mos, Este tipo de concepção conduz a uma conceitualização de sociedade oucultura que se apeia mais sobre o pessoal e sua autonomia na construção domundo do que em um paradigma saussuriano-durkheimiano que concebe apnrole subordinada à langue, o indivíduo à sociedade, percebendo o pessoalcomo apenas uma manifestação do que seria o coletivo, o representacional, a

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I .11.1. 11ltlig"I.I~.1(1 '11101'1.fil.1 .1111.1/1ni .1 . O~ Piruhn, '1)1 1',11'1i .ulnr,111111.III pl0!10J' u mu' I ·fl -x,10 xohrc o :11-011'to '011' .irunl do p' ai eu

11111'1111111.' onvu uç.io I, 11111:1I' 'r 'I' 'ao sob r ' o socius, i to é, como a11 1III,I~.\(1 10 I' .ssoal ~ importante para produção do significados.

* * *I'I.ltI ·~o aos olegas do PPGSA/IFCS/UFRJ, que propiciam um arn-

111. 1111,I . .tual instiganre e criativo. Em particular agradeço a Eis Lagrou,I 1111 ;illmb !li, Glaucia Villas Boas, José Reginaldo Santos Gonçalves,

I1 I I .uu'a Viveiros de Castro Cavalcanti e aos demais colegas externos111111ipnrarn dos Laboratórios de Análise Simbólica que muito me aju-

11111 I [orrnular as questões expostas neste livro: Marcos Veneu, MarciaIIlIm. M:írnio Teixeira Pinto, Ricardo Benzaquen de Araujo, Wilson Tra-

I 1I \j;I.IJCÇO ainda a Antonella Imperariz Tassinari, Eduardo Viveiros de1111.I .an-Pierre e Bonnie Chaumeil, Isabel Lustosa, Mareio Silva, Joanna111Ij;.P 'ter Gow, Philippe Descola, que me permitiram apresentar alguns

I I .ipüulos como "paper" em palestras na Reunião de Antropologia do1,11\,,1 (RAM), Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências So-

" ( NPOCS), École des Hautes Études en Sciences Sociales (França),111I "ilY of St. Andrews (Escócia), Equipe de Recherche AmerindienneI I NRS, França), Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janei-

. (11) PER]), Fundação Casa de Rui Barbosa. Agradeço, também, a alguns

1 I~" 'amigos com quem pude discutir muitas das ideias sobre minhaIIIIJ',I.dia Pirahã aqui apresentada: Aparecida Vilaça, Carlos Fausto, Luiza

I1 I1 I Iklaunde, Marcela Coelho de Souza, Mareio Silva, Marta Rosa Amo-li I'.lnia Stolze Lima.

'\I'radeço especialmente aos meus alunos Diego Madih, Fabiene Gama," ti '1Ie Melo e Roberto Marques, que fizeram uma leitura atenta e rninu-I II de te texto corrigindo e iluminando muitas das questões apresentadas.

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Page 8: Traduzir o Outro - Etnografia e semelhança (Introdução e Capítulo 2)

xp ri ên I irth

Os Katcina entraram na Kiua sem máscaras, eu Ú/It' 1/1

grande choque: eles não eram os espíritos. E os reconheci lorlm,me senti bem mal porque toda a minha vida me foi dito fJlI(',

Katcina eram os deuses. Eu estava sobretudo chocado de ver 0.\ /'"

e os tios do clã dançar em katcina. Mas foi ainda pior ver 11/

pai! (passagem escrita por um jovem Índio bopi quando o ritualiniciação em que tomava parte termina e descobre que os ar/liI1

que ostentavam as máscaras Katcina eram seus tios e seu 1'"MANNONI, O. 196'): I

Ao ler Nós, os Tikopias, proponho um retorno às questões íundament.upara a Antropologia: o significado de emografia, de descrição, de apresenl.,ção dos dados, de interpretação, de argumentação teórica. O texto de Firihpor ser inaugural de um estilo, ajuda a compreender um sentido de etnogl,'fia. Esta reflexão sobre Nós, os Tikopias procura explorar o sentido que fi, tiatribui a sua emografia, avaliando como essa forma de fazer Anrropologipode conhecer, como conhece e de que modo constrói uma narrativa e inu I

pretação sobre o conhecimento. Questões como a constituição de um esii]de descrição e de apresentação do material e sua consolidação enquanto 11/

modo de fazer ernografia é o que orienta esta apreciação crítica.

A carne e ossos: gêneros de etnografia em disputa

Uma ernografia apresenta muitos fatos de diferentes maneiras. Os (1111pelos fatos, os fatos justificando uma interpretação, a interpretação basc,ulem uma teoria, a teoria baseada em um fato erc. As ernografias, muitas vcn:são lidas buscando-se algo "por trás dos fatos", a justificativa de uma inu:pretação, o sentido da argumentação. Outras vezes uma ernografia pode ~ I

simplesmente lida, isto é, ao se colocar ausente a obsessão da classificaçãoposteriori, a busca das concepções que nortearam a interpretação dos falOa atribuição ao autor de uma super-racionalidade, de um controle absoluudos fatos e de suas interpretações.

O Prefácio de Malinowski ao livro de Firth empresta uma direção a cst.preocupações. "Baseado no conhecimento pessoal dos nativos", frase tjll

" Uma versão reduzida deste texto foi publicada em Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, v. ')7. I176 IRR. 2001.

II ~.I.I ,I nova fi'HlIlld.1 ti 1." I IIlltlpol) ,i,1 11,1ti ~ .ld,1 I, IlJ. 0, Mali-f i \.1(ItI.l I:i1'\11iWI .\11,1 0111111111il"IO; AI11ropologia 'por 'li rn do de

l\tlll/ll ,I 'lIH grafia. M.tI i11ow:, I i lU'\' .nfatizar que Firrh trata de muitosI Ilm.lO tratar do parclllc C O p:1rentesco para os tikopia tem a mesma11' 111d,\ LI' a trobriandesa, do kula: articula uma narrativa, pretexto para.Il1lld,11' múltiplas facetas do social. Dessa perspectiva, a etnografia revela

11I Itio: a preocupação com a narração de uma experiência em que o et-I d" participa da descrição. Estilo que revela a vocação de uma ernografiaI 111.1 U mesmo a invenção da ernografia enquanto linguagem, aquilo1111\p .rrnire ter acesso às questões da Antropologia.

l.ilinowski acentua as três qualidades essenciais que notabilizariam oI1tlllO 'Lnográfico como pertencendo ao gênero: "a solidez de julgamen-

lareza de argumentação" e a "sinceridade de estilo" (1998: 15). Essas11'.\,ld 's fazem com que Nós, os Tikopias, de Firth, ainda hoje possa serI I mbora esteja longe dos tikopia que atualmente habitam uma ilha da

11111\i.1. Essa qualidade da descrição era uma pretensão consciente de COI1S-

111da emografia, desejo de imortalizar uma cultura, uma consciência deI \ reviam" literalmente as culturas.

( ) I .xto que Firth estabelece está pontuado por trechos abundantes da1111iva. Firth faz uma apologia da literatura e da história oral, ressaltando

"I" u iância das narrativas tikopia como literatura. Ao apresentar as cançõesI \I ias escreve: "Esses contos e canções são a matéria-prima de que pode

'111 lima literatura nacional- quando algum dia um poeta polinésio buscar1'" ,\.10 nos temas antigos de seu povo, como Gogol, em Taras Bulba, re-1111111ao saber cossaco da Ucrânia ..." (1998: 390). Firrh vai revelar essa "Íite-

111I lU escrita" dos tikopia e para isso usa o parentesco como fio condutor,1I1tl\' para abordar muitos outros aspectos da cultura, como as canções, osI1 • o estilo de vida, as relações pessoais, os sentimentos, a paisagem ctc.

I.dinowski, em seu prefácio, chama, também, a atenção para a posi-.I 111. do "ernpiricismo radical" de Firth, definindo-o como o dever de,1'1" 'I' construção de lima etnografia: "O espírito radicalmente empírico,I'" 1,1 de documentação concreta colocam diante de nós a vívida presença

1111111.ns e mulheres." (id.: 16). Defende esse estilo de escrita e produçãoIIII\' 'cimento - o "espírito radicalmente ernpírico", a "documentação

",111.1" -, contrapondo-se ao que chamava de "uma indigestão de novas111 antropológicas" e aos "novos padrões [que] vão sendo erguidos emI .ilo de meses e a realidade da vida humana vem sendo submetida a

11111.1\ridículas e alarmantes manipulações". Malinowski fazia uma crítica

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a cxc 'o UC teorias '; pou .1 .u t i 111,1\,10 nm ,I 'li\() 'l.all,l, ori '11lad,1 P,II

os dados e para on truir um vivi 10 r .t nuo d •• VilLI tribnl. Nao p lIpa ironuaos termos e conceito utilizado por Bate on (I 8), M .ad (1935), BUI

dict (1934) e a esse estilo de fazer emografia: "são [citas tentativas de an.ih Iculturas em termos de cismogênese, ou de definir o "gênio" individual \111guiar de cada sociedade particular como apolíneo, dionisíaco ou paranóidt ocoisas do gênero. Sob o destro toque de um escritor as mulheres de uma II d"parecem masculinas, enquanto em outro os homens desenvolvem qualidadfemininas, quase à beira do pano" (id.: 16), Malinowski defende o estilo l'lllpregado por Firth na emografia tikopia, opondo ficção a descrição. De/li Iseu estilo como uma "peça de erudição genuína, baseada na experiência urlde uma cultura e não em algumas poucas impressões ficcionais" (id: 16).

Malinowski, valorando- sua definição de ernografia, critica os estudo"modernos" e propõe um retorno (em 1936) à ernografia strtctu senso: conuas modas e aqueles que produzem "uma confusão de slogans ou rótulos, lIlll.1fábrica de atalhos impressionistas, ou reconstruções conjecturais. A Anuupologia cultural é uma ciência sociaL." (id: 19). Menos que uma vaga aru.rlpós-moderna, o prefácio de Malinowski nos deixa antever que havia dc~dl

sempre um debate em torno do significado de emografia. Parece que a defirução do que seja emografia, congênita à origem da disciplina, funda a discuss.u.do que significa a Antropologia. Dessa forma, Nós, os Tikopias nos conduz I

reflexão sobre o sentido da etnografia e a constituição da Antropologia.

Do "nós os tikopia" ao "eu Raymond":trabalho de campo e subjetividade

o trabalho de campo que deu origem ao livro foi realizado apenas durante um ano, entre julho de 1928 e julho de 1929, em Tikopia, ilha da Polinésia que à época contava com" 1.200 nativos saudáveis e vigorosos" em 1I111universo "quase intocado pelo mundo exterior", em que "o povo de Tikopuadministra seus próprios negócios ... " (id.: 88).

O frontispício que abre o livro é o de "Um aristocrata tikopia. Pa Fenu.itara da chefia de Kafika é um homem excepcionalmente inteligente. Aqui <:Iaparece vestido para uma dança, com cabelo solto e ornado com uma folha tidracena, colares de alga marinha no pescoço e na testa". Este tipo de designação, que também era comum a Malinowski, produz já uma estranheza: o qusignificaria um aristocrata nos termos tikopia? Por que o uso de uma tal designação? Por que usar esta categoria para explicar uma hierarquia tikopia? O livro

'54

1111,I \1111\\,11 P ,1." li)(O\ . \11.1\ Ig 'li 1.1', nos 1,1'/P .nsnr sobre a AI1Lr<I I I" limii 's,'possihilidold', I, rr.ulu ,10, as mtc rorias IUC U a, modo, I11I" '111,1S .us r sult.ulos ',as poru 'S lU' a Antropologia estabelece entreI. I \ '0\ IiI opia a usa r palavras mo "aristocratas", por exemplo.

, (/. Ilkllpitls. não é Iortuiro. Tradução de uma expressão nativa quc está constante-111 11111111,\1:lbiosdo próprio povo, corrcspondc a essa comunidade de interesse, essa1111'"III1\l'i~11'ia, essa individualidade fortemente marcada na aparência física, nas rou-I' I 1",1 língua e 110Scostumes os quais eles tanto prczam (id: 76),

I 1,1primeira definição é importante para que não haja má interpretação"llIul do livro, querendo fazer significar mais do que significa. Nós, os

'/1,/1 f.IZ entido para os nativos e não é um artifício do antropólogo queI 11I iliuir uma "totalidade" ao povo que estuda ou construir um "nós" a11dI' sua "autoridade" etnográfica.I Inhj .tivo do livro é a "análise sociológica da vida familiar e do parentes-(ul' 76) ou "o lugar primordial do parentesco na vida social tikopia"(id.:I01II h a presenta uma visão definida do significado do parentesco, as teo-

01111-nres na Antropologia e o que isso implicava em termos conceituaisI I d\ finir por contraste suas preocupações. Estava interessado no grau de

I .rucia das regras, e por isso eram fundamentais as informações quel.rv.un no texto: a descrição. Queria observar e descrever a prática do1I1l" '0, e não o aspecto abstrato das regras e do sistema.lu rh expõe o que se tornou lugar comum sobre o trabalho de campo e

I I Ii ~l antropológica: o estranhamento, a dificuldade em entender e darIIlldl) à experiência. Escreve: "Em suas primeiras experiências no campo, o

IIl1l1p!'>logo vê-se constantemente a braços com o intangível. A realidade daI I 1I.IIiva prossegue em torno dele, mas ele mesmo ainda não está em foco

11I A, Ia. Ele sabe que a maior parte do que registra no início será inútil:

I I I. definitivamente incorreto, ou tão inadequado que deve ser mais tardeI .urudo" (id.: 84). E continua " ... mesmo o mais simples registro do queli' -m ser os "fatos" de uma cultura nativa envolveu uma considerável soma

1111.rpretação ... " (id: 85). Faz uma reflexão importante sobre o que é um

"'1 (' o que é uma interpretação. Firth parecia defender a idcia de que somente,11\(')rralo, aquele que fez a pesquisa, é quem sabe distinguir um fato de uma1111prctação, e nesse sentido, as rei n terpretações dos "fatos" por outras pessoas'I ,Ipenas possíveis quando se assume explicitamente o caráter interpretativo

I 1.11empreendimento. Sabia que isolar um fato de uma interpretação na

""'I rução de uma etnografia era tarefa quase impossível, o que desautoriza o

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tratamento do material ernográfico enquanto "material ernpírico", "mal '/I

bruto" que pode ser reinterpretado. Sobre este ponto reside o estatuto de l'1111grafia, dados e interpretação que Firth está tentando constituir.

Firth usa considerável massa de exemplos ao longo do texto: o livro I 11755 páginas (na tradução brasileira), mas poderia, talvez, ter tido 2.00011110.000; fato que nos faz refletir sobre os limites deste estilo descritivo, wlllo necessário e o supérfluo numa argumentação. Firrh adota o padrão da licrição, em tempo real, da vida cotidiana.

Narra a estranheza dos nativos diante das moedas inglesas e como \ Iexplicava seu valor, fazendo-as equivaler a bens que os nativos conheci.unNarra como os nativos não se convenciam com suas explicações e jogav,1!Ifora as moedas inglesas dizendo: "pedaço de ferro inútil" (id.: 91). l'in]junta humor à descrição. Assumindo um tom irônico cria situações como .fosse o primeiro a estar ali, como se antes dele os nativos não soubessem I

que significavam as moedas inglesas e seu valor (id.: 91).Firth pagava com machados, facas, tabaco, arroz a construção de '"

casa e os trabalhos realizados pelos nativos. Justifica o pagamento de inkumanres como a única possibilidade de realizar o trabalho de campo. A ini II

desconfiança dos nativos se transforma em confiança via trabalho de call'lllprolongado. Em sua apresentação sobre o trabalho de campo estão todo" II

ingredientes de como se fazer a pesquisa. Parece uma reedição da "Introdrn ,«aos Argona u tas ... " se bem que ao estilo de Firth, que acentua a ponderaçau,humildade e a modéstia. A dificuldade em obter informações e em estalx-lcer o diálogo com os nativos é a tônica de seu relato, questões que aparc« 111em quase todas as pesquisas de campo: desconfiança, vigilância, reticôn IIFirrh defende o "rnimerismo" como técnica fundamental do trabalho ticampo: "comi sua comida, obedeci ao tapu, participei do sistema de troca,acima de tudo, falei com aprovação do que via, os chefes e os anciões abrir.iuseus acervos de saber" (id.: 93). Enfatiza-se assim o tornar-se parecido 0111os nativos como chave para o conhecimento antropológico. O "mimetismusignifica tornar-se aceito, sentir a vida real, se inserir no cotidiano, em sunu

participar. Mas como poderia ser diferente? Será que o antropólogo pod '111

ficar alheio a tudo que se passa e não participar da cultura nativa? Desde (1'1a Antropologia mudou seu paradigma sobre o estatuto do "selvagem" c dll"primitivo", desde o momento em que os nativos são "razoáveis" ou "igllolla nós próprios", o trabalho de campo e a observação participante surg 111como "algo natural", portanto, por que não fazer o que os nativos fazem? 11111que não imitá-los? É neste sentido que Finh narra sua participação nn VIII 1

II

II

I

I, 111110algo surpreendente, parecendo com isso quer~r atestar q~e não11111111:11se não fosse um antropólogo, isto é, se não tivesse um sistema

I "",1\ próprio da Antropologia que lhe assegurasse essa possibili?adeI 1111\Ipar mimeticarnenre da vida tribal com a intenção de ser aceito e

uu rlhar uma visão de mundo. Mas Firth também desconfia da frase, tlll pelos nativos como um deles" (id.: 95). Para ele era impossí~el ,?

1\ 'nativo", e nesse sentido, "ter-se tornado um membro da tribo",1 " isto pelos nativos como um deles", eram apenas frases proferidas

1'1"1les europeus que estavam prontos "a se gabar de conhe~er o q~e ~" I" nsa, de estarem qualificados a representar o ponto de vista nativo, (I), mas não frases próprias para os antropólogos.

1" imcira impressão" sobre os tikopia define um estilo de descrição:

,,1110 da madrugada, minutos antes do alvorecer, a proa do Sourhcrn Cross rurnouI 11I 11horizonte oriental, onde se vislumbrav~ uma tênue silhueta aZ.III-escura.Lcn-11111111" esta se avolurnou, (Ornando-se uma aspera massa montanhosa que se elgUia

,1'"Ij1I.II11entedo oceano ... O sombrio dia cinzento com suas nuvens baixas fo.rtalecell"lildl,1 horrível impressão de um pico solitário, selvagem e tormentoso, impelido para

tlllI numa imensidão de águas,I. I ti . lima hora depois, estávamos [unto à cosra e podíamos ver canoas chegando

111111.lia parte externa do recife, onde a maré era baixa. As embarcações equipadas11111.uucrrigucs arrancaram para a freme, os homens dentro dela nus da cmt ura paraI111I, v -sridos com tecido de casca de árvore, grandes leques enfiados por dentro dos1111"',.méis de casco de tartaruga ou rolos de folhas lias lóbulos das orelhas e no nariz,

I, Itlllldo~ e com cabelos compridos caindo frouxamente nos ombros, Alguns baixaram, 11I,.ldosremos, outros tinham disposro cuidadosamente esteiras de folhas de pândano

li" h.uicos laterais, outros empunhavam grandes porretes ou chuços (,d.: 83).

1'11I vabcr O que os nativos trajavam, se seus remos eram pesados ou não,Idl.llll .méis feitos de cascos de tartaruga e rolos de folhas nos lóbulos das

1111,\ . usavam grandes leques enfiados por dentro dos cintos, vesti~os com111'ti . 'a ca de árvore, era necessário, sem dúvida, mais que uma Visada de, d· .ima de um navio para as canoas dos nativos. A descrição de um "pri-

"'1 \ li outro" parece proposital, uma demonstração da con~ciência ~a nar-I, d,l .onsuuçâo da experiência, estilo francamente assumido por Firth,

pm ;I "primeira impressão", Firth enfati~a o te~lor ?e s~~u "aj.udante","'1 u.n ivo, quando avistou do convés a prata de Tikopia. Firth tinha umIldll 11 ·,s )<1\", um rapazinho de Java que "conhecia os costumes dos bran-

I IJII l.rvn na pr dução d comida. Firrh teria preferido um tikopia, masotl \ 1',\1i r 11111til (pia qu ' .onh . .ssc o osturne dos branco era i.mp?ssível.'1\1\ Ii,l P irtnnio um 111.nin ) qll ' ross' in: truíd , mas um polinésio, por

I I li \11,1 (,IP,t idade I, ,\ ',I l.ipt.ir . r:t1,I' 1I11l1ra d< S lil opias" (ir/.: IJ).

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l .mor d . S 'li :tju 1.1111. p.I.\.\,1 .1 i I 'ia do I '11101 do dv.\ Olllt 'lld"uma direl'ença radical, qu' soa, às v 'Z 'S, 'xag .rudo '111SU,I nnrr.u] ,I Ibora saiba quem são o tik pia, ante 111 .srn de .hc ar 1:\, qu 'I' pl'odllllsensação do encontro com os "polinésios primitivos", longe da -ivill/,IA diferença radical enquanto uma exotização garantida pelo "e tranli.uuto:' produz: por sua vez, o acesso ao conhecimento, marca registrada 1101"crição de Firth. Porém, o "estranhamenro" parece ser uma opção con« I 1I1algo efetivamente construído,

Um nativo diz para Firrh: "Amigo, eu lhe contei segredos de mC11l, I

minha ora (vida) e a de meu povo e essa terra tikopia irão com você, 1-11Isentarei aqui e vigiarei; se o mal recair sobre essa terra, saberei que foi 1111111terrnédio de seus atos", Mais do que qualquer outro cientista, o antropólndepende da confiança de seu material humano e tem sempre de en Crl'1lI 11dúvida sobre até que ponto ele está traindo essa confiança pela publi ,Ido que lhe foi dito, Sonegar parte de seus dados significa distorcer o qu.uhque está tentando fazer" (id.: 93-4), Como modo de ultrapassar o dillll'entre o compromisso com a Antropologia e com os nativos que estuda, hll~ro~ura fazer um "registro exato e científico", uma avaliação precisa da~ 11Inturçôes e modos de vida desse povo. A ciência foi a saída encontrada 1',1ipoder revelar os "segredos" tikopia.

Reconhece os limites do trabalho de campo e considera a subjetivid.ula.l~o determinante da pesquisa. O que designa por subjetividade é a P,1incrpação na sociedade tikopia, acompanhar os rituais, os funerais, ter" I

diário ~e campo, tudo aquilo que, uma vez que participa, pode intcrí 11na qualidade de seus dados. Não confunde subjetividade com intirnidad.por isso atribui um sentido à subjetividade: algo individual ou único, :tq\llh

que pertence apenas unicamente ao pensamento humano, em oposição .11mundo físico, Subjetividade assume no texto de Firth uma dimensão con 11tual, filosófica enquanto um modo de conhecimento das ciências sociais 11,111conotando intimidade ou pessoalidade.

Firth descreve sua primeira impressão sobre os tikopia mesmo à Cll,'11de estereótipos, como um momento antes da transformação que se dalll

em seu ponto. de vista sobre os nativos a partir da convivência diária. QII I

guardar essa Impressão antes de "desvanecer no reino das ideias aceit.i

(id,: 96): cc ••• homens com a aparência selvagem, com bastas cabeleiras senilIhantes a uma longa e fulva crina, uma pele bonita muitas vezes amarela 011amarelo-laranja graças à tintura de açafrão ... "

Por que faz questão de narrar suas primeiras impressões? Para que isso I

relevante? Firth se via obrigado a falar sobre tudo que viu e ouviu, não omiti:

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dll 11111IIInpI'Ollli."MI UIIII ,I "v 'I'd.ld' los 1:11os", '0111 a h rn .st ida-111,.1•• lgi'l o'1l10 S' .stiv '~s ' diant ' de um confcssionári . De cre-11111I clm n.uiv )S, sua .o nst ituição nsica, eu cheiro, seus músculos,

"'I"II,tI 'I - (ir/.: 97). [ cialhcs que variam conforme as descrições,II dl\tIlO ao impressionismo: "escuros e atarracados melanésios"(id.:I111111uiçfio flsica de se povo é magnífica. Os homens têm membros

L, 11 tom .ados, e eu costumava admirar a musculatura dos bíceps" '111111iOl1ad s. Não há nenhuma massa disforme de músculo protu-

111 movimenro é visto sob a pele macia apenas quando um objetoI "I" 1111I .vantado" (id.: 97); "O povo todo tem uma boa postura, masI , •.'lIS filhos são os que revelam maior dignidade ... " (id,: 97).

I ,,11 qualquer afirmação que faz é precedida de exemplos e ilustrações,IlId" ti .rnonstrativo da ciência natural que transposto para a ciência

• ulr.: -rn excesso de informações e institui um "método confessional".lill di/, que um dia o "feitiço virou contra o feiticeiro" quando entrou

I .lI' lima mulher quase cega disse: "Que cheiro forte de homem bran-I 1)/). Ficou desconcertado e depois se lembrou de que tinha passado

11 I1 1'111seu corpo para evitar mosquitos. Nessa "experiência divertida"11111i:1achar natural ele estranhar o cheiro dos tikopia e não o inverso,II I pl' .ssão de "o feitiço virou contra o feiticeiro" quando seu cheiro foiI. I Ido Corte. Retomemos à questão do critério do que é ou não relevan-. 11\' '1'ou revelar na experiência entre os tikopia e o que a Antropologiadll'I', Malinowski soube de algum modo conservar em seu diário no

III ,'\1 rito do termo as fronteiras entre a intimidade e a subjetividade.111111. desde o momento em que ele, um cientista, estava entre os nativos,

• I I subjetividade e por isso deveria ser revelado, como o compartilhar de• II -riência no sentido estrito do termo.

i\ compulsão do descrever e o dever do narrar

I I',!lindo a compulsão e o dever de narrar a experiência, Firth descreve aI 'I" /,1 pessoal" dos tikopia, o banho, o modo de cuspir, o lugar da defeca-

11, ( pés e as mãos dos tikopias são descriros com a seriedade de quem1I ,ti, extremamente importante para o mundo:

liI.10Sde muitas dessas pessoas são finas e bem-feitas ... Os pés dos nativos são grandes, e aI" I, da sola é bastante grossa. De modo geral, é marcada profundamente, como UIll pedaço." horracha frisada, por causa do caminhar constante nos recifes de coral. .. Um dos aspec-I." mais inreressanres das características físicas dos tikopias é a forma curiosa da cabeça.

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As ah \.IS p.lr· i.un ,I II.tl ,I I.,,~.Pi,l h 111' llu .í'I.I\

descr vendo-a . m minú ias."É intere sante notar, de pa agem, que obs .rvci '111 inúrncrc s indiv di

que a pele normalmente oculta sob a tanga era um pou mal [ara dlla das superfícies expostas do corpo. A textura da pele é razoavelrncnu 111

(id.: 102). Esse tipo de observação do que parecia óbvio, uma pel cxpo I1sol e outra oculta sob a tanga têm colorações diferentes, prova a necessid.o],descrição e o lugar que ocupa na construção de uma etnografia.

Firrh quer relatar cientificamente o que viveu e observou entre os Iillllpassar a dimensão total de sua experiência etnográhca; etnografia Siglltllagora, literalmente "escrita da cultura através da experiência". Neste SI.: I 11Io tom literário e a adjetivaçâo que usa em suas descrições produzem, i'llcionalrnente, o efeito de tornar os tikopia vívidos. Vejamos alguns excmpl."Uma pálida coisinha, com solenes olhos negros, minúsculas perna\ I",e grandes e desconfortáveis lesões de bouba, ela sabia engatinhar, m.r, 11andava, apesar de seus dois anos" (id.: 242). .

O modo como descreve as crianças tikopia revela o método que emplem sua descrição. A experiência etnográfica faz com que Firth "esrranluque lhe parece mais próximo: as crianças tikopia são tratadas como "111cianos". A descrição é iniciada por uma total "estranheza", Firrh descrcexpressões de "ge gu ga ga ga ga" como se ouvisse pela primeira vez 0,\

emitidos por um bebê:

Anotei alguns exemplos dos sons emitidos por Tekila quando estava com cerca dI 1Iano. Uma expressão frequente era um griro de "du e", que ele proferia, aparel1ll:111 I.sem referência específica, enquanro zanzava alegremente por ali. "Ce gu ga"e "g.1I',Iga" eram outras coleções de sons que usava com frequência do mesmo modo. QII,IIIapontava para um objeto, dizia "di dai dó" e, quando via alguém comendo um \ 111gritava "mama" (icl.: 244).

Quando descreve geográfica e morfologicamente a Ilha de Tikopi.i I.descrições abstratas e metafóricas: "Tikopia pode ser descrita adequadanu 11te pelo símile de uma tigela rasa, velha, quebrada e coberta de musgo, til I

uma borda irregular lascada, da qual um dos lados é muito aberto e o inrcu«parcialmente cheio de água" (id.: 107)

Seu estilo oscila entre muitas formas de descrição: realista, impressionta, viajante, técnica. Quando descreve a Ilha, seu texto pende para as dC~i \I

ções dos viajantes: "O litoral é curvo ... protegido por franja de recifes ... <1\1fica quase nua com a maré baixa ... " (id.: 107) Descreve cada um dos lados liIlha (norte, sul, leste e oeste) com sua variedade de plantas e de paisagem

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11111\111I '11\IHI, Fil til I" 'I" . ",I 111101'010,i.1 \\lO I -rn.i !'I' lih .rrou111 .1m I -l.uos I· Vi.lj.1I11", ILI 111' lid.1 tlll ' rc onh .. , que pai ( el-

1\11 ,Ip.\'/ tIL- ar 'i~.1O para 0111 os (!lhe s quanlo um pai de uma

.~tu,"1111111 '11IOp 'ia .uual.""li I 'XI)\' .ssa '01111':1 relato dos viajantes mas usa da mesma fór-I. 11I.HOS, ou da mesma e trutura, para tornar os "selvagens" razoá-

I I 111\1.11'que o entirnentos entre pais e filhos realmente existem.li" " 'lu' me mo os "canibais podem ser bondosos em seu círculo

I b cc I "I "'11 h liz que é preciso incu car esta oa nova na mente popu ar .

l"ltln, parece que tem a pretensão de escrever para milhares de pes-

'1'11 pl'lhlico eu livro se destina?I I lho luadro do pai selvagem, brutal e insensível com o filho não

I 111III!O, lugar na galeria dos tipos rikopias" (id.: 262).1111','\C contra os viajantes e contra os preconceitos sobre o selvagem,

1'11.1 nt ropologia hoje em dia nem cogitaria em dar conta e explicar,I I 11 prc onceitos ainda permaneçam no senso comum. O que parece",11.111roi a consideração do público a que se destina o trabalho antro-

'1 N.I época de Firth, ele escrevia para ou pelo menos tinha em mente

1"" Pllblico dos viajantes.I I I 'V' tudo o que vê numa busca de inteligibilidade: "pândanos -

I' dlll 'ira que, em sua nudez e angulosidade, apoiada por múltiplas raí-I I ,I maneira de tripés, parece a inspiração de um artista moderno" (id.:I ) livro, deste ponto de vista, é um excesso de descrição encarnandoI .11 r.idicalidade de uma concepção de etnografia em que tudo pareceI•. 1111>e aquele que narra assume o dever da descrição, de tornar real e11'.11.1 urrem o que este não pôde ver e viver. Foi Firth, o antropólogo,

I I ele locou até lá, um "lugar distante", "inacessível", "exótico", "dife-I por isso tem a obrigação de tornar tudo isso vívido para outrem que

I I' eberá essa experiência pela leitura. Parecia haver neste momento

I I nvolvirnento da Antropologia uma consciência do poder que os de-I -rcern na narrativa, uma opção de fazer o leitor experimentar aquele

1,,1,1que passa a ter vida no relato do antropólogo.11,,1.1longa descrição a seguir demonstra a importância e o tempo gasto

111 I oh ervação da paisagem, a obsessão pelo detalhe, o desejo de fazerI 1\'" leitor possa, de fato, experimentar o universo narrado:

11\'CSlebeleza da paisagem Tikopia é realçada em cerras horas do dia pelo magníficoI"I'.O! de cores. À tardinha, os tons do mar variam de um cinza-metálico, 110qual a lu.'"• Idlcte através do verde-claro das águas do recife na costa interna, a um verde mais

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Page 13: Traduzir o Outro - Etnografia e semelhança (Introdução e Capítulo 2)

·s um jUlHO; POlI!.1do I ·,il· " um .1/111.mil m.uv .11\111 11\11111.1,V '/ ", qu.uulu »

csiã 10rmCIlIOSO,o mnr apr'~ ·IH.IIll:tti'l.cs plülllhco~ d.1 IIIV'III.I tnll.IIid.ld '. NIIIIIIIsombria, o branco ofus aruc total da linha (1:1 nrrch ·1l!.1~.IOtllIlIl.I~I:1 violcnr.ruu

quase dolorosarncnre, COIllo negro-tinia do mar, c depois, 1111111dia cnsol.u ,ulu, Irevela uma brilhante tonalidade ultramarina. O mar em seus aspc tos inconr.ívc rv '''1Iascinaurc objeto de estudo para mim. Para o ouvido, havia scmprc o som da .111\I" Ição, seu barulho constante variando com o venro c a maré. Uma noite foi C~pC(I.dlllnotável. Era um céu tormentoso e havia uma faixa prcta de nuvens impenct r.IVI1111densa logo acima do horizonte, que estava limpo. A nuvem ocultava tão coruplci.uuo pôr-do-sol que trouxe a escuridão antes do crepúsculo. Então, exatamente 1)11.111,1sol estava para se pôr, ele irrompeu inrcirarnenre, e com a margem inferior .d'ulld 11sob o horizonte e a parte superior oculta pelas nuvens, lançou uma lúgubrc LOI1.11lha sobre o mar, sobre as paredes das casas e os troncos das árvores, cnqualllo .1I' I[começara a se envolver nas sombras e a luz vermelha do crepúsculo com um ti 11Icante em torno do sol chamou a atenção dos próprios nativos. Eles pararam (l.I!.1"liembora não tenham atribuído a isso um significado especial. Em geral, as di/( 1.11mais sutis c realmente mais bonitas de matizes escapam à sua observação.Outra noite quc observei foi de um tipo mais tranquilo, Além da branca praia in; 1111'esrava o mar verde-claro do recife fundindo-sc num profundo cinza-azulado .111111'distância da praia ... (id.: 114-115).

Firth insiste na descrição do mar por mais 15 linhas. Os detalhe 1descrição do pôr-do-sol e das cores do mar põem o leitor no lugar do 01,vador, isw é, um esforço deliberado do autor em localizar o leitor de 111111que possa entrar no cenário de Tikopia, captar os tons da paisagem 011<1,desenrolará a narrativa. Pela quantidade de exemplos que utiliza e peloincansável argumento descritivo, Firrh trava uma batalha com o leitor, 11pondera sobre o que seria contingente, descanável e o necessário em 1111ernografia. Mas afinal de contas, Finh é um escritor ou um ernógrafo? P,II

que é um etnógrafo, pois apresenta um projeto claro de descrição. A rllllgrafia é vista enquanto uma experiência em seu sentido literal, vivida pOI 111indivíduo que a partir dela está compelido a narrar tudo o que viveu " 1.1servou e tem como missão converter o leitor em antropólogo, pela descuque, nesse contexto, significa a transmissão da experiência. Desse pontll tivista a descrição é um moto-contínuo, o texto não para, adentra, aprohuulobserva, deriva para mais e mais descrições.

Firth descreve a "virtude talisrnânica atribuída a frases inglesas" (id: I 1Imas não diz por que os tikopia tinham esta atitude diante de tais senrcll\ Ipor que queriam guardar secretamente, individualmente, o conhecim '111de frases e palavras da língua inglesa. A descrição e a informação têm prqlllllderância em relação à explicação na construção de sua cenografia. O [,1111Inho do livro é testemunha dessa opção. Em certas passagens o livro aSSlIlII

I Illtl IV!.It")1 io I· P ·"qllil-.I; '1Il outro», ti . di: rio de :lmp). O livro1111Itil'I i li~I1H; I· ,A.\).I'(~. hnll par'" t 'r lima arnbiçã de scritor,

""11/ . ,I "ti 'S 'ri<,::lo obj ·tiva":

111••1,111.1/\'111111.1deSCIiçuo do alvorecer em Tikopia cm termos cnrusiastas dc luz"I 1.1\ I dif'r il evitar a banalidade 110caso de uma alvorada tropical quando

111111 1('11l.1omhrcnr com os escritores dc ficção c belas-letras, dos quais, afinal,• 1'11.1UIll.1 'strila neutralidade de observação e um delineamento corretamente

11I" .I" I ·1I\JIllCIlO.Basta dizer que a cena da madrugada, depois que a escuridão jáI '1'"11 " .1\ nuvens acima da elevação de Mauna passaram do vermelho enfurna-I 1'11I \I dourado, costumava me compcnsar amplamente do despertar premaruro

1111111de praticar durante a estação rirual.

11\\~ I' 'v 'r a vida aldeã posiciona-se do ponto de vista de um escritor,I 1111\ lllc derivam os sentimentos e sensações, das luzes que marcamI" I do dia. Descreve como num filme, cena por cena, fotograma por1111I .n amando a personalidade de escritor-etnógralo.hl I vs 'apa à sua observação: sons, cheiros, impressões. O nascer e o

1.1 111,;l lua cheia, o frio, o calor, os ventos, as marés, a noite, o dia eI IV '111para evocar situações e são usados, com frequência, para en-

I I d <crição. Inicia a narrativa com informações de caráter mais geral, 111\ 'guida passa a uma descrição deralhista, em que o essencial, às, p .rde. Seu método de descrição quer dar conta do vivido. Diante

I I 1I,{I, sua descrição parece empobrecida, embora tenha descrito emli, l' minúcias aquilo que se propõe a narrar ou interpretar. O que quer, \ I ~ omo se desenrola a vida dos tikopia, por isso se queixa da "falta

Ihll para descrever integralmente as minúcias da vida, mesmo de umaI 1.1 durante um único dia". Diante das quase 800 páginas de seu livro

l' 'l'guntar: quanto mais espaço Firth gostaria de ter para a descrição?I minúcias que ele desejaria descrever que não foram descritas? Vê-se,

I 11'1' a descrição não é um adorno da etnografia, mas seu fundamento.li" .rva-se o recurso da subjetividade para entender o costume dos nati-

I11 til e colocava todo o tempo participando do ambiente: "É surpreen-, 1l1l10 o próprio antropólogo logo se acostumou a tratar o mata paito à

11.1dos nativos" (id.: 168). Firth se coloca em relação com os rikopia e o11\m poderia se chamar "Eu e os tikopia". É Firth quem toma a iniciativa

1'1111's o de conhecimento; conhecimento que depende de sua experiênciaIIlIpO. Firth não faz o tipo do "observador mosca" que voa ao redor dos.1\ . apenas os observa. Ao contrário, ele interfere e sabe que sua interfe-I I (produtiva, pois seu conhecimento é parte da experiência. Portanto,

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l'I!'l11 lI:'.1 :'lI.I\ .IllI.1 O·, p.11.1 u.ii: ildollll.II,O ".11\1 Ip 1.10\11.111fere, qu' riona, atrapalha. ) .lSO 10 'r:lIl1oII1l1' illl\ll.I ·SI.Igramofone faz barulho e P rturba um an .ifio, 'a p.m ir d 'SI' in i 1\ 1111descobre que o espaço denominado mata paito, onde estava gl.1I1i1deve ser respeitado e tem uma significação especial na on tru .10 ticasa tikopia (id.: 170). Ao medir as cabeças quebrou o tapu, isto c. I

de tocar nas cabeças dos homens poderia subtrair sua ora (vida, !llIl, I

anímica), e daí foi obrigado a interromper as medições e mais um.i \ I

sua fórmula do fazer etnografia, quebrando as regras, a inreraçào I tilnativos o faz descobrir coisas. Firth participa de tal modo da vida dl.11I1tikopia que chega mesmo a interferir em uma briga de casal (id.: 2 I»

Firrh era diligente, não estava "pisando em ovos" no campo \111ceio de não estar se comportando adequadamente. Usava conscicni 111a premissa do "eu e os tikopia" para conhecer o universo pesqui ado Icobre" as regras pela experiência ou pelo menos é assim que apreSl'1I1 Idescobertas. Descobre o tapu (tabu) do filho tocar o pai (id.: 282) a p.1I11momento que ele próprio dá unguenro para o filho esfregar nas costas dtoe este recusa a Iazê-lo por causa do tapu. Este é o seu método de conlic 1111to, o que revela o sentido da experiência em uma concepção de etnogr.i]: Ique o antropólogo está presente todo o tempo.

"Certa ocasião, eu estava anotando ... quando .... ", esta é uma {()IIIIInarrativa recorrente adotada por Firth, colocando-se como observado: Iticipante no processo de conhecimento. Uma dimensão da ernografia Inarração que explora constantemente. Firth é parte da experiência, inuudo gramofone para duas assistências diferentes e percebe a evitaçâo de (lI,nidade ligada ao sexo a partir das piadas proferidas (id.: 423). Ao inv,simplesmente escrever sua interpretação, descreve como chegou a essa illl!pretação nos cânones da ciência: descreve todo o fenômeno e o que induo fato de sua percepção. Ele é o laboratório de suas próprias experiêm Iseus erros de comportamento são acertos antropológicos:

cerra noite, logo depois que fui morar em Ravcna, fui bastante incomodado ptllguns dos jovens da aldeia no momento em que revelava algumas fOLOgrúias,1\ Itllcalma, fui até a porra da minha casa e amaldiçoei-os enquanto fugiam, irnir.uul«frase nativa comum que eu ouvira. As pessoas que estavam sentadas à sombra d.l' Ivores junto à praia ouviram em silêncio. âo disseram uma palavra e entrei, s:\li,lt 11com a impressão que havia causado. a manhã seguinte, Scrcrnara entrou e, dq""de algum rempo, disse: "Amigo, seria bom que você aprendesse a falar direito IItIlíngua. Quando uma pessoa amaldiçoa, faz assim"- e prosseguiu com a ilustração. I Ia seguinte a questão que ele apontou: para pessoas que estão a certa distância, dcv,

11I' IIItl 1.111111111.111.1',( li ""' 1'.11"'111.1111IUII .111..... 11.11'"I' 11I.11I.t","o11111.I, t 0'111111" 11111',0".di,,' 1'1"," (1.11110,111'1\I\U' vo'~ ""IV;!.un.ddiço.mdo

I' I 111.1'(lfl.: li (,).

I tlll ,1.1'/,·1l1 pan' LI narrativa e dão forma a eu estilo. Não são,1.11 1\1.1 I· Firth, upérflll u aleatório; esboçam uma perspecti-

I '1111 -irunl da c n rituiçâo da etnografia. Vejamos:

I I " . cioArik] Kahka em Ura, onde ele está vivendo durante a tempo-,,'1111111111.1na C,lS.1 an ,

I· ll0 com alguns membros de sua família, enquanto os restantes ocupam1111\11111.1, )111 c _ •

I I I·' ldcias da praia O chefee sua gente cstao dormindo, ele em sua'I. t.I 1.1)IIUaISnas a • •.d f idano no lado da casaonde ficao mata pnito, que está de frenteI' I' \I 11.1c.una e pai' . d

I ., dir ção repousa sua cabeça no descanso de madeira de abas eleva as.11'11.-rn <"11).1irecs -, '.I I" ,110 IIIf1UmU, e cáestendida sua esposa,~om a cab~çaapoiada no ped~ço rctan-

I I d . de a'I'VOI'eque é o travesseiroapropnado para mulher iid.: 182).II l\'ll( o ecasca ,

I I '. t da da manhã se infiltra na casa, uma criança e um jovem dcs-\I ".1 111.acmzen a111\I, 11l()\1leI1lOSdepois, os outros (id.: 182),

I I OCOI'Pl)scminu cor de chocolate, úmido, os cachos grisalhos des-" , VO 1.1.com ,

I . da oi d e senta-se em sua postura habitual, com as pernas cruzadas, \I li' .lIn a p\l1gan o, <

I .,I" 11.11.no seu lado costumeiro da cabana (id.: 183).

I I fib· 'a constitui outro dos sons característicosda hora da refeição dos'11111\) l.1 ta na agu _. " .I . ctire determil1'l quanto tempo falta para ser satisfeito(Id.: 192).'1'11. pe os quals o ap •

I I d te rue A operação produz um dos sons mais característicosI I 11()I l 'm o nome e .... .

'1' , p"I'a raspagem brr-brr-brr, 110ferro-ralador, seguida por breveI I li <opla, a as ~, • -' , . .I rade do coco é girada nas mãos, da esquerda para direita, e

I I () enquanto a me1'"1' () i ríplicc ruído dissonanrc (id.: 192).

I ,ktalhes fazem parte do argumento, o constituem: o barulho dis-!tI' do ralador as técnicas de ralar o coco são apresentadas através de

ti • sons."I , 'mos, agora, ao cerne de sua argumentação: o estudo do parentesco.111ut .sco é percebido pelo prisma da alimentação: ~o comportamento,1.1 I~()C pessoais. Firth se baseia nas relações mobIlizadas. pelo cornpar-

111 roçado desenvolver atividades domésticas no ato de11 uma casa, u <,r Desse modo seu interesse reside no que pode ser designado11111. come. ,

I l\l['ra-estrutura das relações de parentesco".( ,comentários sobre a composição e a textura cremosa de um prato

O recebe revelam a importância da cozinha nas relações so-" por quem . _ ..(ir/.: 197). Firth quer ressaltar a profundidade das relaçoes SOCiaISe um

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Page 15: Traduzir o Outro - Etnografia e semelhança (Introdução e Capítulo 2)

rn de de abordar () par '!lI '~ 0, lil'l '1Il' ti' I .Id lilr, I\rowll,'\ .10 l ItI" ultura", c não das "r 'laço 's so i.ris",

Apresenta a rc eiras t ikopiu (id.: 197- (8), is n )111 'S Ias 'olllld I

modo de preparo, Descreve rninu io arncnt o prcparo do pudim do modo como é descascado, ralado, amassado e assado, Firrh rc '01111

esta descrição é fundamental para o entendimento do parentc'o, 111finição de parentesco se distancia do tecnicismo normalmente C 111I' I

através de categorias, terminologias, classes,Descreve a residência e alimentação como as dimensões obscrv.ív I

parentesco, Esse ponro parece importante em sua abordagem: a ênl.r« I

no modo como os nativos fazem as coisas e se comportam socialm 111residência e o alimento enquadram o tratamento do parentesco e S;\(I, dponto de vista, o modo correto de abordá-Io (id.: 212) a tal ponto de 11\II

rir a Firrh constituir um quadro denominado "alimentação e parentcMIIque as relações e os grupos sociais estão referidos e interligados (id,: 1 lI,

A cultura material, a residência e a alimentação são mais impor t.mque a nomenclatura, Firth trabalha com situações contextuais, complos específicos, não hipotéticos,

Seu objetivo geral é "determinar a estrutura normal da família em '[ 11pia; analisar suas funções, particularmente com respeito à posição dos 1"11'mostrar como a estrutura familiar emerge na vida social mais ampla, 1111se relaciona com outras instituições sociais. Os tipos de parentesco a , Iestudados são aqueles entre membros da própria família, entre membro

uma família e outros na vida doméstica, entre a família enquanto unid.uloutras famílias na mesma posição, entre a família e os grupos de parenl\dos quais ela é parte constituinte, como a "casa" e o clã" (id.: 215).

Para Firth, é necessário produzir mais que gráficos, diagramas, gl'lllogias e censos (id.: 216) - é preciso um estudo cul tural do parentesco. I I

mais preocupado com a prosa do que com a gramática. Se interessa (id.: ) I

pelo que define como sendo o informal e o formal no relacionamento COIlIIparentes, c não pelas relações sociais propriamente ditas, Está mais inclin.ulà percepção dos "sentimentos" do que dos "direitos" que o parentesco eng I1

23 Radcliffe-Brown, A. R. 1952 [1924[. "Thc morher''s brorher in Sourh Africa". Structure 1/1/(1/11

tion in primitiue society. Londres: Rourledge & Kegan Paul; 1952 [1933[. "Prirnirive law". SlrIldland junction in primitiue society. l.ondrcs: Rourledge & Kegan Paul; 1952119331. "Social sancuonStructure and [unction in prirnitiue society. Londres: Rourlcdge & Kegan Paul; 1952 119351. "Ou li,con cpr of funcrion in social sciencc". Structure and filllction in prlmitiue society. Londres: Rourlu]& Kegan Paul; 1952 [1935J. "Parrilineal anel marrilineal succession". Struaure and function in 1"1/1

tive society. Londres: Rourledge & Kegan Paul.

, 1""1 ivo, IOrtl,I ~'di/' il 11111.1,.,(111'.,. 10 <I\l 'signili ';I o par 'IH<:S'o['1111'11.1I 'oli.1 de Finh ~ ti 'I '11 lente d,1 dcs .•.i 50, d dctalh ,c.Ia

I N·" II "" . I"I 1''' 1\1', o. no 'XISl' um 1110<" o ,lima e trutura socia , ma11111111.11'-m .uliural li manile raçõe culturais do parentesco.

1 1'\ '.\ .10 I 'il r rnínirn detalhes da relação dos pais com os filhos:I, h.rlançado delicadamente de um lado para o outro, com o

1,,1,1 1\.\ 1:1' da mãe, enquanto essa emite com os lábios suaves "br-r-I IIIti", p,lra acalmá-Io" (id.: 236). "Assim, empoleirada, uma criança

.''',,,!!III 1111\()Samente os filhotes de um antropoide" (id.: 238). "A impres-I 11I ~a de um pássaro alimentando seu filhote" (id,: 237).

"111 1"' ubrneridos, hoje em dia, a outro estilo ernográfico ficariam,I, ".Idos a diário de campo, Uma questão que se coloca a partir do estilo1I 111111.1é a do estatuto da descrição na constituição de uma etnografia.1111',11que a descrição ocupa depende da perspectiva teórica adotada.".I. Fi ri h, há uma preocupação com a totalidade, como se tudo, abso-li' nulo fosse inescapável e fundamental. Uma Antropologia em que

1I ti m.iior é a descrição no sentido de reconstruir, intencionalmente, o\ , . p .riência. O detalhe se destaca em detrimento de uma percepção

,jlll'illlal da sociedade. Para Firth o detalhe é o que funda a emografia,

11 1.1ornamentação que se usa para exernplificar um aspecto conccitual.,\ () U o do termo 'sentimento' neste livro implica não uma realidade psi-

I I. 111,1.cultural" (id.: 259). Firth queria realmente fazer uma AntropologiaI I", 11:10uma Antropologia do direito. O afeto ou sentimento significa este1 , 11.1cultura e nos costumes. Por isso ele faz essa divisão entre uma Antro-

1\ do sentimento, que estaria aparentemente contra uma Antropologia do" p.lnilhada por exemplo por Radcliffe-Brown e Evans-Pritchard. Por isso,I,, II ' Firth é menos conceitual e privilegia a narrativa, a descrição.IlId.l quando descreve o "sentimento filial" (id,: 268) enfatiza o contexto

li lundamenra], fugindo assim do universo generalista das regras, dos di-, I d 'veres; aposta no "sentimento", pois este retrata a variação individual,, " da experiência, método que comanda a construção de sua emografia.')111.1outra recorrência em seu texto é a expressão "Naturalmente, há',li 'S a isso" (id.: 286). Quando afirma uma relação padronizada, recorre,\'\'ões, ao que contraria a regra que quer apreender ou apresentar. Um

1'11,11deliberado contra qualquer abstração. Firth não fala de uma socieda-I ti opia, quer constituir uma narrativa com pessoas de carne e osso; não

11I1.t1iza, simplesmente nomeia os indivíduos, cria personagens, captura, .ornente o essencial, mas, sobretudo, o particular.

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Page 16: Traduzir o Outro - Etnografia e semelhança (Introdução e Capítulo 2)

Se o individual é perseguido, isso não significa que não ache impOII.II!apreender um padrão. Firth apresenta o padrão e não a caricatura. O p.1I11se estabelece de forma complexa numa relação di aIética entre o eSS<':IH1do particular. Este é o poder de sua etnografia, a partir do material CIIH1/'1fico, dos fatos e casos, chega a um padrão estabelecido pela variação. /método exige a descrição, os detalhes, uma longa narrativa da experi ~II I

devem-se abordar as questões por múltiplos ângulos, mesmo que se <111Idefinir um padrão da cultura.

A generalização é assim um ponto de extremo cuidado: Firth n,111Ique observou e ouviu, descreve a experiência e assim produz sua etno!-\l,illPor exemplo, quando descreve a relação irmão-irmão e não pode dizer 11111;1sobre a relação irmã-irmã indica, apenas, que talvez possa se aplicar o me 11padrão das relações entre os irmãos, reconhece que sobre este ponto 1""falar muito pouco (id.: 291).

Em outro momento, quando faz a correlação entre residência e anu/.i

nas relações familiares, diz que "a generalização sobre esse ponto não devilevada muiro longe, pois não há uniformidade de prática nessa matéria" (,279). O problema da generalização, para Firth, aparece no cuidado com 11'sempre aponta seus limites a partir de casos concretos, atividade que dllllpara ele o próprio conceito de ernografia.

Firth percebe desde aquela época a importância dos parentes rnatcuuem um sistema patrilinear (id.: 312) - isso deriva, portanto, não de 1111análise formalista do parentesco, mas de sua análise "sentimental" -; a 1'1tir da ernografia tudo parece menos caricatural, formal e conceitual do '11o esquema proposto por Radcliffe-Brown. Os dados revelam, através lhdimensão da etnografia, que nada é tão absoluto como quer fazer crer 1111Antropologia formalista que nascia àquela época (vide a crítica de M.IIIII'wski no prefácio a Nós, os Tikopias).

A força de sua ernogralla é a de justamente recusar um formalismo ,d,trato quando se trata do parentesco - a "figura do irmão da mãe" enqu,111Iuma abstração é questionada, e Firrh admite que existem muitos "irmâov ti

mãe" que implicam graus diversos de proximidade (id.: 313). Mais um.iFirth procura tornar complexo o que apresenta através da ernografia.

A vid.i I.lIlIdl,1Id.1 II,III~,I1111\\l'1I\ 1'111111.'110',11111\.o \ IIId,1I111di 1'\1I\.ldo.1ri.l 11111mil' c ~l:1Ip,li c o gl.1I1ti' .di:1O11.'(pIO () '1111'(), p.ti" '0,1.1110\ 1II1\lilll'11Io ,I I"mais p<.:soal da relação ti' P,lrl:IItI:SO, E~I' vai i.1ele indivíduo p,lra indivlduu I'apresenta um padrão bastante onsiaruc, qlll: pode ser onsidcrudo IIl11a1101111,1"das relações menos formais da vida (id.: 272).

1'1" ~il1l '1' "S,1111' I\() 111~lodtl d . /;illh p.lr;1 ompr"(1 I 'I' ) par '111. <':0

I \.11' '()ri.l~ ou os kiIlIYPI'\ S,IO lisscca Ic quanl à ua ignifi ação11d pl i111os ruzados, p.ii, 111.1',li mal .rno, obrinho, irmão/irmã etc.

IIII,do, lirtl: u a s pr prios discursos narivos sobre a significação dosI I gl,IIIS d . parente co:

1 111""!lO .ruzado é realmente importante. Eu não renho uma fala ruim com ele. Ele1'11'11111111<1rala ruim comigo. Porque ele é o filho da irmã do pai. Não se deve bater

1I11111,1do pai. não se deve ter fala ruim com ela. Com ela só se tem fala boa. A baseII 11111.1do pai é o pai.

I • \ I .rrnos são preenchidos culturalmente, não são objetos de uma análi-1111ti 11.1qual se vislumbram apenas as relações sociais. Essa perspectiva que

111u.uar do parentesco não constituiu um "estilo" na Antropologia; peloI 111'.parece ter sido desqualificada pela vertente forma lista que se conso-I 111110o modo "correto" de abordar o parentesco, criando uma sinonímia

1,1.1\,0'S sociais e parentesco, esvaziando seu conteúdo cultural. No capi-t ,111. os parentes paternos e maternos, Firth analisa outras formas de se re-111".11'.ntes que não simplesmente a terminologia e designa tal referência111.1.íoras do parentesco", termos que descrevem relações. Firth faz uma

do significado de determinadas expressões que não são propriamente do1111110 parentesco, mas conexas a ele, agregando outros significados. Por111g,1 , conclusão de que os tikopia "não se contentam em usar de maneira

111 l urn único conjunto de termos de parentesco" (id.: 331).I1 I .ipftulo sobre a linguagem do parentesco Firth faz uma análise, em11I, das expressões linguísticas do parentesco. Toma uma frase em que

• 11 lermo de parentesco procurando entender seu significado: FirthItllll " assim, o "estudo descritivo" do parentesco como seu método (id.:

I o é, estudava ou descrevia um sistema não se propondo a fazer uma1111.1(,.10entre terminologias. Definia outra direção que não a seguidaI ItI liffe-Brown. Enfatizava uma perspectiva distinta na abordagem do111.\' não tratando do que era, à época, considerado "realmente impor-

t tiOS estudos de parentesco: as terminologias e as relações sociais.I )ll.lndo Finh apresenta os termos (id.: 360) ao invés de, simplesmente,

" 11111;)lista de vocativos e referenciais às posições rerrninológicas, descre-,,11 11m dos termos e o seu uso, observando as exceções de uso e/ou osI l orrentes e seus contextos. Demonstra, assim, a força de sua proposta

1111 ialista do parentesco, recusando interpretar o material tikopia de1'"111 de vista formal.

69

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.hamn .11'11.10 p.ira ,I r·,j 1'1\ i,1 . \11.1 impor tJn i.1 11.1 onvriuuparenre co (id: 70). A'r"a o .onsrituintc so .ial nas onf 'lII'<I'O'S do!'.1Itesco, entrando no mundo da' relaçõ c pc .soais . nã no da "r 'Ia 'Õ ',\ \(1 Ique constituem a abstração do parentesco. qu Firth in i t em d '111011,é a fluidez dos termos de parenresco, isso é, não podem ser percebido, \ .uderivações de relações sociais, enquanro emblemas de relaçõe . Aporu.i I' 11liberdade individual de criar o parenresco, para o parenresco despregado ti Ipresenração biológica, inserido completamente na sociedade e na cultura I

aspecto é demonstrável no modo como os tikopia rcdehnem os pare':lll\ausência de um parenre verdadeiro que cumpre aquele papel social (id.:.\ I

Quando analisa a "cooperação e reserva nas relações matrimoniais" (411) dá ênfase à consanguinidade na construção das relações de parenl .\\ \Iinvés de privilegiar a afinidade; pensa o sogro como avô dos filhos e não 1111um afim. De fato, a teoria nativa tikopia atesta essa supremacia da consan~1I1Idade sobre a afinidade. Esse aspecto demonstra que Firth não quer adouu 1111"teoria" do parentesco geral e abstrata que valide sua interpretação; pelo couu .rio, constrói a significação do parentesco a partir do material rikopia.

A sutileza da percepção do parentesco via a etiqueta do falar, como hldemonstra em seus exemplos à página 420, aponta que não está preocup,«lem apreender sistemas, mas sim apresentar como os fatos ocorrem no di, 111so e no comportamento tikopia.

A afinidade (id.: 421) e tudo o mais que envolve o universo do p.1I \I

tesco é apreendido em termos comportamentais, quase uma Antropolopifenomenológica no sentido literal, um estudo dos fenômenos, da ação, liacontecimento. Firth adota o ponto de vista da ordem dos Ienômenos \lI,servados, descreve os acontecimentos com precisão de cientista, como se 01,

servasse e descrevesse uma reação química ou uma aglomeração molecul.uSeu estilo é o da descrição dos fenômenos tomados numa experiência. ~ Imétodo é uma espécie de "regras da prática": ao descrever comportamcllllIentre afins, por exemplo, deduz daí alguma regularidade (id: 422).

A lente de Firth é microscópica. Sua preocupação é com o particul,ucom a experiência. Ao abordar o problema do incesto (id: 433) quer obscr .11como ele se manifesta em sociedades específicas. Por ser contrário às especulações teóricas sobre o incesto, apresenta os dados tikopia: este é o seu métodouma anatomia do problema, disseca cada situação e apresenta as possibilidadde interpretação. Nesse sentido, os tikopia não encarnam simplesmente lI111.1aventura do particular, uma das manifestações possíveis do universal. Seu 111\todo valoriza o particular porque crê que esta é a única forma de compreem.1\1

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111,.1 1·\ I i,.IO .. 11I,1I1.lli .1 '1110'I. fi ,I inv .st in lu no p .ssoal . n

'l'glll';lIn;\ 0l11prl' 'm:1O .dm 'j:Hh p( r l-irth.

11111111111.1110d . lI:ori,l' \11'se .\ .umulnm em torno dos problemas da proibição do111I dm I 'glllaI1lCIIIOSda 'xogal1lia, dificilmente se encontra uma que se baseie

'" 11I1I1'c'lI1pfri a das ondiçõcs de uma comunidade específica: o cornporrarnen-I I" '11.1\c grllpos reais. Nesse capítulo tentei apresentar algum material desse tipo,

111111.1,illl.\çaO de in csro numa comunidade, dar objeções nativas a ele e mostrar"'01 " 111'.mismo funciona em casos concretos. Quanto mais dados tiverem sido1., "I", ,ohr' outras comunidades, talvez se descubra q\le as atitudes de exogamia-

11111.111,:io rcdurívcis a uma fórmula simples. Estou pronto a ver demonstrado que11111,111de incesto varia de acordo com a estrutura social de cada comunidade, que" 11:pllllCOa ver com a eviração de relações sexuais como tais, mas que sua correla-, I' 11ti .vc ser buscada na manutenção de formas insrirucionais na sociedade como

111u u lo, . do interesse específico de grupos em particular.

I !'.II. irafo acima resume o sentido da argumentação de Firth, sua teo-"l'I\" P .n a sobre os dados, sua intuição de que a proibição de incesto era1111111.ma sociológico, e não uma questão de evitação sexual.

111.11\10 analisa a noção de paito, a casa tikopia, trata sempre de um caso es-111.11.n.irra a história de uma casa e os acontecimentos que sucederam a partir

111I 'rança, descrevendo a continuidade de uma casa no tempo (id.: 458).1111h a presenta as categorias nativas como prod utoras de novos significa-Hlol:tndo-as como conceitos, como o paito, para ir além dos conceitos

1I110p logo. Aposta mais nos conceitos nativos do que nas definições

11, ramagem, família, patrilinear, matrilinear, que são sempre parciais e

uupleros quando contrastados com seus dados.I )111.1Frase que orienta seu estilo ernográfico é: "durante minha perma-

1111.1'111 Tikopia ... ". Com isso, Firth mostra o que significa para ele o tem-'1" . permaneceu no campo e as informações que obteve. Usa essa frase

I I l' pressar que é tudo o que pode falar sobre o assunto; ao invés de usarI IIlp de permanência em campo e sua experiência como "autoridade",1I1.Irgumento da "humildade ernográfica", reconhecendo os limites de seu

,I Ir . Firth não quer fazer um sistema, quer apenas tornar sua experiênciaIv.1 de ser descrita e compreendida. Por isso narra o que viu, o que asO.IS fazem e pensam. Não traia da sociedade tikopia, mas de pessoas que

'li iituern uma "comunidade de interesse".Suas últimas palavras são reveladoras sobre o modo como procedeu ao

"11~lruir uma interpretação sobre os tikopia, ao mesmo tempo em que faz1111.1reflexão sobre o conhecimento antropológico: "Do que as ciências so-

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'iais d . lI( j . n .. 'SSilanl sohr '11110 (ti· 11111,1111'lodolo!,I'1 !l1,liS r 'lill.l.! I

objetiva c lcsapaix nada quanto P)S ,(v ,1, na qual, a in 1.1qu ' a a 11111\1Ihipóteses devidas ao ondicionarncruo c ao iru 'r '5S' P 'S '0:11 do in I1dor inRuencie suas descobertas, e s viés seja enfrentado con CiCl11'111111possibilidade de outras hi pó teses iniciais seja percebida e sejam ad f11i11,1Iimplicações de cada uma no curso da análise" (id.: 732).

7

1111 .ulo: d r pr• (11l1cl ;1) 1111

'I) (cl(,'clO 1<1

)y W<1gn 1"1

A bubris especial do antropólogo que analisa osignificado cultural é a consequência de sua relação

com a representação da representação, o problema deiluminar outra criatividade através de sua própria,

WAGNER, R. (1972: 4)

I 11 l .rpfuilo se constitui em um exercício de construção da problemáticaI I por Roy Wagner em seu livro Habu. The innovation of meaning in

1,·I;,~i()n(1972). Wagner, ao fazer uma etnografia da sociedade Daribi,11111,1nova forma de abordar a noção de cultura. Constrói uma "noção"

111111,I problernatizando o universo das metáforas como locus privilegiado11 .is formas culturais. Assim, procuro apresentar a teoria da cultura

I I ,Iparece implícita, ora explícita na monografia de Wagner sobre os1,1 ,1,1 Nova Guiné. Contextualizo as preocupações de Wagner com as1IIIII,Ida escola de Antropologia Simbólica ou Cognitiva via os textos

luuidcr e Goodenough. Em seguida, explícito a proposta teórica de111I ,10 tratar a cultura Daribi. Tentarei, também, apontar algumas seme-

1 l' liferenças entre a abordagem de Wagner e a de outros autores sobreI"" I· cultura, sobretudo Sahlins e Geertz. Ressaltamos, porém, que

111111IOSum exercício de comparação sistemática, mas sim uma tentativa1111 IItI 'r um tipo particular de "noção" de cultura, e é neste sentido que111I,1\lC de "noções" deve ser compreendido.

Da precisão de um conceito impreciso: cultura

I'arcce que não chegamos ainda a uma definição concisa, clara, amplaluuirada de cultura". Essas palavras constam do prefácio que Kroeber es-

" por ocasião da republicação de seu artigo "O Superorgânico" (1947).I'1' \,1rn suas preocupações acerca da imprecisão na definição de um con-

" ti . cultura: o que está em jogo quando se fala em cultura? Como seI !I 1'1 i esse conceito? Do que se está falando?

111 "I\ao preliminar deste ensaio foi publicado no Boletim do Laboratório de Pesquisa Social, RioI 1I'IIII-UFRJ,v. I,p. 1-19, 1988.

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