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Faculdade de Direito Universidade Nova de Lisboa 2008/2009 1 Trabalho realizado por: Aida Gião, n.º 1408 Carla Ferreira, n.º 1406

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Trabalho realizado por: Aida Gião, n.º 1408Carla Ferreira, n.º 1406

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Páginas

@ Introdução __________________________________________________ 3

1. Noções gerais sobre o casamento civil ____________________________ 4

2. Noção de união de facto heterossexual. Referência histórica. Análise dos elementos para o seu reconhecimento _______________________________________ 6

3. União de facto homossexual. As novas tendências legislativas. Reconhecimento de efeitos na lei portuguesa. Princípios gerais ___________________________ 8

4. União de facto no Direito Português ______________________________ 9

5. Regime da Lei nº135/99, de 28.08 ________________________________9

6. Regime da Lei 7/2001, de 11.05__________________________________ 10

7. Limites à eficácia jurídica da união de facto ________________________ 11

8. Efeitos pessoais ______________________________________________ 13

9. Filiação _____________________________________________________ 16

10. Adopção ___________________________________________________ 17

11. Efeitos Patrimoniais __________________________________________ 22

12. Prestação de Alimentos _______________________________________ 26

13. Destino da casa de morada de família e residência comum ___________29

14.Regime de Protecção Social ____________________________________ 31

15. Efeitos Patrimoniais Post Mortem _______________________________33

16. Dissolução da União de Facto e do Casamento _____________________ 35

17. Síntese _____________________________________________________ 36

@ Conclusão ___________________________________________________ 40

@ Bibliografia __________________________________________________ 42

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Este trabalho visa elaborar uma introdução à figura da união de facto, comparando-a ao casamento, explorando as suas especificidades, a maior ou menor amplitude do reconhecimento de efeitos jurídicos. Comparamo-la ao casamento, instituto base ao qual a união de facto se pretende aproximar ou, inversamente, se pretende destacar, individualizar. Mesmo concebendo esta segunda hipótese, dado a aplicação constante do regime do casamento à união de facto dificilmente poderíamos elaborar uma análise da união de facto sem fazer referência ao “instituto-regra”. Iremos salientar, contudo, as particularidades, quais são os requisitos e os impedimentos ao seu reconhecimento jurídico, quais são os efeitos pessoais, os efeitos patrimoniais, as consequências da sua dissolução…Em suma, analisaremos o estado da regulamentação da união de facto na ordem jurídica portuguesa.

O tema é pertinente, não só para alunos de direito no âmbito do estudo do Direito da Família, quer consideremos a união de facto como geradora de relações familiares, quer de relações para-familiares, como para qualquer cidadão que se virá confrontado com a hipótese de uma eventual opção entre o instituto-regra, o casamento, que transporta consigo um simbolismo particular, significados vários, concepções religiosas e mesmo uma concepção de vida familiar determinada; ou a união de facto, uma figura que se tem vindo a impor na sociedade, que tem vindo amerecer a sua progressiva aceitação. A sua pertinência estende-se ainda àqueles que não podem optar entre os dois regimes, devido à sua orientação sexual, pois o conhecimento das diferenças entre os mesmos poderá muni-los de melhores e mais argumentos na luta pela defesa dos seus direitos.

O tema é ainda transversal pois incorpora necessariamente uma série de outros institutos aos quais faremos referência, após a inserção conceptual da união de facto, nomeadamente: adopção, filiação, pensão de alimentos, entre outros.

O instituto da união de facto sobre diversas vertentes - política, religiosa, histórica, jurídica - ora, não estivéssemos nós num curso de Direito, será a vertente jurídica que aqui vamos explorar sem desconsiderar, quando for pertinente, algumas referências pontuais aos outros aspectos desta figura.

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1. Noções gerais sobre o Casamento Civil

O conceito de casamento não tem um significado unívoco, havendo diversas noções de casamento consoante as ordens jurídicas e épocas históricas. Neste sentido qualquer tentativa de definição deste conceito é incompleta por não contemplar todas as formas matrimoniais. Como tal, são poucas as legislações que definem o casamento, não o faz o Código Civil italiano, francês, espanhol, no entanto, o Código Civil português, no artigo 1577.º, aponta as características essenciais do casamento na nossa ordem jurídica definindo-o como o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendam constituir família mediante uma plena comunhão de vida.

O que significa plena comunhão de vida o Código Civil não define explicitamente, porém das disposições seguintes se infere tratar-se de uma comunhão de leito, mesa e habitação na qual os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência (art.1672.º); comunhão de vida exclusiva1 e tendencialmente ou presuntivamente perpétua.

Sabemos também que o casamento é um contrato, contrato no qual as partes estão sujeitas a limitações pré-contratuais e quanto aos efeitos da sua celebração, não vigorando o princípio da liberdade contratual do art. 405.º do CCiv. Nomeadamente, quanto aos preliminares, não tem aplicação o disposto no n.º1 do art.227.º referente à responsabilidade pré-contratual ou culpa na formação do contrato, fonte de responsabilidade civil quando um dos outorgantes tenha agido com culpa. Existindo a este propósito o regime da promessa de casamento estabelecido no art. 1591.º e seguintes que afasta o regime geral do art. 227.º.

Sendo que, primeiro, a promessa de casamento não é passível de execução específica, não tendo aplicação o regime do art. 830.º, segundo, o incumprimento da promessa apenas dá direito ao esposado não faltoso a reclamar as indemnizações previstas no art.1594.º (por exemplo, pelas despesas da indumentária da noiva ou do noivo, das despesas do catering, etc.), por fim, as restituições referidas nos artigos 1592.º e 1593.º não assumem propriamente o carácter de indemnizações, evidenciando outro desvio ao incumprimento do contrato-promessa. Quanto ao acto da celebração, a lei impõe por princípio que o casamento só pode ser contraído por quem tiver a capacidade matrimonial – Art.1600.º.

Indissociáveis da especial capacidade para contrair casamento estão as limitações decorrentes da pessoa dos próprios contraentes, das qualidades, grau de parentesco, sexo, etc. Assim, a lei estabelece uma série de impedimentos – absolutos (artigos 1601. º e a) e b) do 1604.º) e relativos (artigos 1602.º e c) a f) do 1604.º). Constatação de alguns deles tem como sanção a anulabilidade do casamento –

1 Na medida em que o casamento anterior não dissolvido é um impedimento dirimente absoluto ao casamento como indica a alínea c) do art.1601.º do Código Civil.

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impedimentos dirimentes (art. 1631.º a), 1639.º e 1643.º). Porém, a lei permite a alguns destes casos a validação do casamento – art. 1633.º n.º1. Outros impõem sanções de natureza patrimonial – impedimentos impedientes (art. 1604.º) - previstas nos art.1649.º e 1650.º.

É também um requisito fundamental deste contrato que a sua celebração seja entre pessoas de sexo diferente. Sendo que, ao casamento contraído entre pessoas do mesmo sexo a lei estabelece a sanção da inexistência (art. 1628.º alínea e)), neste sentido considerando que nem sequer aparentemente se verifica o “corpus” do negócio jurídico em questão ou, existindo embora essa aparência, a realidade não corresponde a tal noção.

Outra discussão interessante relativa ao casamento é a questão de saber se uma das suas finalidades, um seu objectivo é a constituição de família e, se tal objectivo, participa necessariamente na sua definição. O art. 36.º, n.º1, da Constituição da República Portuguesa, prevê que todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade. Embora referidos em conjunto há dois conceitos distintos: direito a contrair casamento e o direito a constituir família. O artigo 1576.º do Código Civil estabelece quais são as fontes das relações familiares2 podendo dizer-se que, implicitamente, temos nesta norma uma noção jurídica de família.

Porém, é cada vez mais aceite a realidade (que não é actual) de uma pluralidade de “formatações” da família. Como tal, há uma necessidade de “revisão” do conceito de família no sentido de alargar o seu âmbito para abarcas todas as outras formas de constituição de família, como é o caso da união de facto.

Outra consideração importante acerca do casamento prende-se com o seu carácter tendencialmente perpétuo, manifesto nas apenas duas formas para a sua dissolução: por morte de um dos cônjuges ou divórcio. Ressalva-se que, com a nova Lei do Divórcio3, deixou de ser tão difícil a sua obtenção. Em suma, com o casamento tem-se em vista uma plena comunhão de vida nos planos pessoal e patrimonial.ooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo

2 Dispõe o art. 1576.º: “ São fontes das relações jurídicas familiares o casamento, o parentesco, a afinidade e a adopção.”. 3 Lei n.º61/2008 de 31 de Outubro.

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2. Noção de união de facto heterossexual. Referência histórica. Análise dos elementos para o seu reconhecimento

Não sendo objecto principal deste trabalho analisar a evolução histórica da união de facto não deixa de ser necessária uma pequena referência, nomeadamente, quanto ao facto da figura da união de facto heterossexual e a sua aceitação social se revelar com maior acuidade com a Revolução Francesa e nova mentalidade por ela gerada. No entanto, fora durante a República Romana que entrou em uso o pejorativo “concubina” (do latim cum cubare – “ir para a cama com”). Concubinato foi então utilizado como referência a qualquer relação non matrimonii causa.

A união de facto fora e é qualificada por vários termos, por exemplo: union libré, cohabitation ou cohabitation hors marriage (quanto à doutrina francesa), cohabitation without marriage ou unmarried cohabitation (quanto à doutrina anglo-saxónica). Todas estas formulações traduzem uma vivência em comum na forma simplificada de habitação acompanhada da existência de relações sexuais. Destas se retira um elemento sancionador ou de reprovação social de uma realidade que atenta ou pode atentar contra o casamento, tido como instituição-regra.

Outra particularidade desta figura reporta-se à dificuldade em referir os sujeitos desta relação extra-matrimonial tomados individualmente – unido ou sujeito de facto, ou em conjunto – conviventes, membros da união de facto ou companheiros.

Ora, há que diferenciar a união de facto de relações sexuais fortuitas, passageiras e/ou acidentais; do concubinato duradouro, onde não há comunhão de mesa nem habitação e, ainda, da economia comum que se caracteriza por ser a “situação de pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação há mais de 2 anos e tenham estabelecido uma vivência em comum de entreajuda e partilha de recursos” (art.2.º da Lei n.º6/2001, de 11 Maio), ou seja, para o reconhecimento de efeitos à economia comum não é necessário existir comunhão de cama. A União de facto requer exclusividade, exigida pela vivência “em condições análogas à dos cônjuges”, visa-se uma “ficção de casamento” para que a lei lhe atribua relevância jurídica.

Para tal é necessário que a relação seja vista, para aqueles que rodeiam os membros da união de facto e com eles convivam, como uma relação em tudo semelhante ao casamento, em que as pessoas sejam como tal vistas e tratadas.

Em suma, a união de facto define-se como uma comunhão de habitação, mesa e leito, sem um vínculo de casamento.

Comparativamente ao casamento, as duas figuras diferem, essencialmente, no facto de que o casamento se realiza dentro de um quadro legal pré-definido e a união de facto fora desse quadro legal.

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a) Terminologia A expressão “união de facto” foi pela primeira vez usada na Reforma de 1977 na

epígrafe do art. 2020.º do CCiv. O Código Civil de 1966 falava em “ duradoura de vida em condições análogas às

dos cônjuges” (al. c), n.º1, do art. 1860.º/ actual 1871.º). Quanto às expressões “concubinato” e “concubinos” adquiriram um sentido depreciativo, ainda aparece na lei, porém não com o mesmo sentido de união de facto (2.ª parte da alínea c), n.º1, art. 1871.º).

b) Formas e motivações A união de facto pode tomar várias formas e motivações. Poderá consistir numa

situação transitório, como convivência pré-matrimonial ou numa situação definitiva motivada por uma descrença ou rejeição do casamento ou para evitar, caso não haja condições para manter o casamento, as complicações e morosidade do divórcio. De outras situações, são exemplo: a coabitação juvenil; as uniões de facto dos

estratos mais desfavorecidos; os casos em que as pessoas não casam por tal lhes trazer desvantagens (p. ex. de ordem fiscal) ou lhes retire benefícios patrimoniais (p. ex. uma pensão de sobrevivência).

c) União de facto e a CRP A Constituição Portuguesa não dispõe directamente sobre a união de facto. É da opinião de alguma doutrina, nomeadamente dos professores Gomes

Canotilho e Vital Moreira, que a primeira parte do n.º1 do artigo 36.º da CRP prevê a união de facto. Retirando do direito a constituir família uma abertura constitucional à atribuição do devido relevo às uniões familiares “de facto”. Por outro lado, Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira indicam que esta

disposição não se refere à união de facto mas diz respeito à matéria da filiação. O “direito a constituir família” é, acima de tudo, um direito a procriar e, em segundo lugar um direito a estabelecer as correspondentes relações de maternidade e paternidade. A “vertente negativa” do direito de casar é o direito a não casar; não o direito de estabelecer uma união de facto (2.ª parte do n.º1 do art.36.º da CRP). Considerando estes autores que a união de facto se inclui no “direito ao desenvolvimento da personalidade” (Artigo n.º 26º, n.º1, da CRP).

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3. União de facto homossexual. As novas tendências legislativas. Reconhecimento de efeitos na lei portuguesa. Princípios gerais

Assiste-se a uma tendência legislativa progressiva de atribuição de relevância às uniões de facto homossexuais, no sentido de reprovação de todo o tipo de descriminação em função da orientação sexual do indivíduo4. Na grande maioria dos Estados-membros da UE as uniões de facto homossexuais só são equiparadas às relações heterossexuais estáveis sem casamento em relação a um número limitado de direitos ou não é objecto de qualquer reconhecimento particular. Mesmo que, nalguns países, a comunhão de vida entre duas pessoas do mesmo sexo seja equiparada ao casamento, não o é plenamente.

Portugal não foi excepção e, logo à partida o art.36.º, n.º1, da CRP já referido, estabelece a plena igualdade no exercício dos direitos a constituir família e a contrair casamento. Esta distinção entre família e casamento, pretende abarcar no conceito de família todos os casos em que havendo uma comunhão de vida, os membros não se encontram unidos por um laço matrimonial reconhecido pela lei civil.

Mais concretamente, entre nós vigoram a Lei nº6/2001 de 11 de Maio que estabelece medidas de protecção das pessoas que vivam em economia comum e a Lei nº7/2001 de 11 de Maio que adoptou medidas de protecção das uniões de facto, independentemente da diversidade de sexo dos seus membros. Até à entrada em vigor desta lei, a nossa lei não protegia directamente, fosse em que circunstância fosse, as uniões de facto homossexuais, nem no plano civilístico, nem mesmo no plano social ou fiscal.5

O direito constituído não considera o estabelecimento de uma comunhão familiar entre duas pessoas do mesmo sexo (o que é discutível), porém não pode negar que entre elas se gera uma comunhão de afecto, mas sobretudo uma economia comum (senão mesmo uma confusão de patrimónios), situações a que o direito não pode ficar indiferente. Por isso, tais relações devem ser disciplinadas, pelo menos, na sua dimensão patrimonial e na medida em que não se dirijam estritamente ao exercício da sexualidade, extraindo-se certos efeitos ou consequências jurídicas no plano das relações pessoais entre os conviventes homossexuais. 6

4 Exemplificativamente, a união de facto foi legalizada em 1986 na Dinamarca; 1992 na Noruega; 1995 na Suécia.

5 Antes da Lei nº7/2001 existiam um eventual direito da casa de morada do casal homossexual - a lei protegia, indirectamente, o direito ao arrendamento do que podia denominar-se casa de morada do casal, embora concedendo apenas ao sobrevivo o direito a novo arrendamento e desde que a relação entre eles durasse há mais de 5 anos; uma eventual protecção do companheiro homossexual sobrevivo, analisando a questão referente à liberdade de disposição testamentária de cada um deles, já que não se enquadram em nenhum dos casos de indisponibilidade relativa previstos nos art. 2192.º e ss. 6 Na Dinamarca, Noruega, Suécia e Holanda desenvolveu-se um novo instituto de natureza familiar, denominado união registada entre indivíduos do mesmo sexo, que visa enquadrar juridicamente a relação afectiva entre pares homossexuais.

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4. União de facto no Direito Português

Alcance e limites de eficácia

A união de facto foi institucionalizada na Lei nº135/99, de 28 de Agosto e na lei nº7/2001, de 11 de Maio. Porém, o legislador português ainda não codificou, de forma sistemática, a regulamentação da união de facto, para que esta constitua um instituto jurídico objecto de tratamento unitário e autónomo relativamente ao casamento, embora próximo deste. Coloca-se a questão, no entanto, de saber se a figura da união de facto deve ser totalmente institucionalizada num diploma legal que regule os seus requisitos e efeitos. Na medida em que se está a legislar sobre uma situação de facto pela qual as pessoas optaram, muitas vezes, como fuga ao quadro legal pré-definido característico do casamento.

A Lei n.º135/99 e a Lei n.º7/2001, que a revogou, são em boa parte o sumário de medidas de protecção que já vinha da legislação precedente. Destacam-se como disposições inovadores, que serão posteriormente desenvolvidas neste trabalho: a que permite às pessoas de sexo diferente que vivem em união de facto a adopção conjunta de menores, nos termos previstos para os cônjuges; em caso de morte do membro da união de facto proprietário da casa de morada do casal, a nova lei concedeu ao membro sobrevivo direito real de habitação sobre a casa pelo prazo de 5 anos e direito de preferência na venda da casa pelo mesmo prazo; aplicou-se à união de facto em matéria fiscal o regime do IRS nas mesmas condições dos sujeitos passivos casados e não separados de pessoas e bens.

5. Regime da Lei nº135/99, de 28.08

Foi um passo significativo na adopção de medidas de protecção ou eficácia das uniões de facto heterossexuais.

A Lei não define união de facto, limita-se a delimitar o objecto que pretende regulamentar. Designadamente, a atribuição de efeitos jurídicos à união de facto dependia da verificação de dois requisitos cumulativos: sexo diferente dos seus membros e um prazo mínimo de duração superior a 2 anos. Pressupondo que essas pessoas viviam em condições análogas às dos cônjuges. 7

Este diploma é de carácter essencialmente remissivo para outra legislação já existente em matéria dos efeitos que pretendeu fazer valer, os quais foram enumerados taxativamente no seu art.3.º. Limitando-se a regulamentar os casos em

7 Desta forma, excluiu-se as uniões homossexuais e quanto às uniões heterossexuais, as que não apresentassem um carácter de estabilidade.

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que a legislação então vigente era omissa ou de aplicação duvidosa. O art.3.º enumera os efeitos da união de facto heterossexual, estabelecendo

dois tipos de previsões: a primeira remetia para a legislação já existente a adaptação e aplicação do seu regime às pessoas que vivam em união de facto (remissões das alíneas b) a e), g) e h) do art.3.º); a outra regulamentava directamente e de forma inovadora determinados efeitos da união de facto, pretendendo estabelecer um regime próprio ou até aplicando directamente o regime já existente para as pessoas unidas por casamento (alíneas a) e f) do art.3.º - a propósito da protecção da casa de morada da família e regime de acesso às prestações por morte).

6. Regime da Lei 7/2001, de 11.05

É sobre esta lei, a que actualmente vigora, que nos debruçaremos a partir de agora e com maior detalhe.

A Lei 7/2001 altera substancialmente a lei anterior, embora o legislador tenha continuado sem definir o que deve entender-se por união de facto, pressupõe-se agora, através do n.º1 do art. 1.º da referida Lei, que se trata da situação de duas pessoas que vivam juntas, em comunhão de cama, mesa e habitação, independentemente da diversidade de sexo entre elas. Mantendo-se o requisito da exigência de durabilidade da união por período superior a 2 anos.

Uma primeira questão a colocar-se é a de saber a partir de quando se pode dizer estar constituída a relação e, consequentemente, como se faz prova de que ela existe de facto.

Ora, a união de facto constitui-se quando os sujeitos da relação “se juntam”. Como tal facto não é objecto de registo civil nem administrativo não se torna fácil saber quando a união de facto teve início.

A Lei n.º 135/99 omissa quanto aos requisitos de forma exigíveis para a prova da união de facto, ou mesmo da sua cessação, previa no seu art. 7.º a publicação de normas destinadas à sua execução o que não veio a acontecer. O art.9.º da Lei 7/2001 estabelece também a regulamentação das normas desta no prazo de 90 dias, o que, à data, ainda não se concretizou.

Na falta de preceito legal que regulamente esta matéria, a prova da união de facto terá de ser feita na base testemunhal ou por mera declaração dos interessados, mediante compromisso de honra, conforme os efeitos que se pretendam invocar. 8

8 Para suprimento da lacuna é viável o recurso a acção de simples apreciação positiva nos termos da alínea a) do nº1 do art.4º do C. Processo Civil. Com tal acção os membros da união de facto pretenderiam obter unicamente a declaração da existência de um facto, a coabitação entre eles em comunhão de cama, mesa e habitação por mais de 2 anos, se e na medida em que se trata de um facto juridicamente relevante. Há juristas que propõem

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Relativamente ao âmbito de eficácia, o art.3.º da Lei 7/2001 não estabelece uma tipologia taxativa quanto aos direito adquiridos pelos unidos de facto, pois o n.º2 do art.1.º da mesma Lei, abre à aplicação de qualquer outra disposição legal ou regulamentar avulsa tendente à protecção jurídica de uniões de facto ou de situações de economia comum.

Desta forma, o legislador pretende atribuir à eficácia das uniões de facto a maior amplitude possível, de forma a abranger toda e qualquer situação susceptível de tutela jurídica.

Estabeleceu-se um princípio geral nos termos do qual se salvaguarda toda e qualquer disposição legislativa já existente em que haja referência à protecção ou reconhecimento de efeitos da união de facto.

7. Limites à eficácia jurídica da união de facto

O art.2.º da Lei 7/2001 estabelece excepções ao reconhecimento da eficácia da união de facto. Assim, são impedimentos à eficácia jurídica da união de facto:

a) Idade inferior a 16 anos. É um impedimento absoluto, ou seja, não se reconhecem quaisquer efeitos jurídicos à união de facto de um menor de 16 anos, seja qual for a idade, posição social, situação económica, etc. do outro membro do casal. As razões justificativas da proibição da união de facto antes de determinada idade são, essencialmente, de ordem psíquica, de ordem social e de ordem eugénica9.

b) Demência notória, mesmo nos intervalos lúcidos e interdição ou inabilitação por anomalia psíquica. Este, também impedimento absoluto, não permite ao respectivo membro manter com quem quer que seja uma união juridicamente relevante, ou seja, muito embora ela possa existir de facto não produz efeito. A demência diz-se notória, no sentido de inequívoca, traduzindo-se em qualquer anomalia, quer se projecte no domínio da inteligência, quer no da vontade, que impeça o indivíduo de reger convenientemente a sua pessoa e os seus bens.

É de referir que a principal diferença entre a demência notória e a interdição e inabilitação por anomalia psíquica se traduz no facto de estas últimas se tratarem de estados judicialmente declarados, cujo regime se encontra nos artigos 138.º a 151.º e 152.º a 156.º, respectivamente. A demência verificada no decurso da união de facto não deve ser impeditiva da produção dos efeitos legalmente reconhecidos, desde que aquela reúna os restantes requisitos exigidos pelo n.º1 do art. 1.º da Lei 7/2001.

uma solução de compromisso provisória de registo “administrativo”, do qual resultariam direitos e obrigações equivalentes aos proporcionados pela família tradicional.

9 Esta última diz respeito, unicamente, às uniões heterossexuais, na medida em que as relações sexuais antes de completa a formação genética dos jovens podem causar malformações de ordem genética.

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c) Casamento anterior não dissolvido, salvo se tiver sido decretada separação judicial de pessoas e bens. A razão de ser do impedimento na união de facto não é a mesma que o justifica no casamento, que é de impedir a bigamia, lei não se preocupa em sancionar directamente a união de facto de pessoa ainda casada, mas apenas impedir que produza efeitos (defesa da moralidade, evitar a bigamia no plano material).Este impedimento não abrange a separação judicial de pessoas e bens, embora esta não dissolva o vínculo conjugal, porém, neste caso, apesar da subsistência do casamento, não há impedimento ao reconhecimento dos efeitos jurídicos da união de facto.10

d) Parentesco na linha recta ou no 2.º grau da linha colateral ou afinidade na linha recta. Categoria de impedimentos à eficácia da união de facto fundada na especial ligação familiar existente entre os seus membros. No art. 1578.º fixa-se a noção de parentesco e, nesse âmbito, nem todo o grau de parentesco é impedimento da união de facto.

No que respeita ao vínculo de afinidade (art. 1584.º) este perdeu grande parte da sua importância com a alteração do art. 1585.º do Código Civil pela Lei n.º61/2008 de 31.11, o qual passou a estabelecer apenas a não cessação do vínculo pela dissolução do casamento por morte, quando antes o vínculo também não cessava com o divórcio.

A afinidade na linha recta diz respeito à relação entre sogro ou sogra e nora ou genro, independentemente do sexo. Os motivos da previsão e relevância deste impedimento são de ordem eugénica no que toca às uniões heterossexuais e, também, de ordem moral e social. A lei não estabelece expressamente como impedimento à união de facto o vínculo da

adopção o qual, à semelhança da filiação natural, mas independentemente dos laços de sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas nos termos previstos nos artigos 1973.º e ss. No caso da adopção plena (artigos 1979.º e ss), o adoptado adquire a situação de filho do adoptante e integra-se com os seus descendentes na família deste, extinguindo-se as relações familiares entre o adoptado e os seus ascendentes e colaterais naturais, sem prejuízo do disposto quanto a impedimentos matrimoniais nos art. 1602.º a 1604.º. Tal significa que podem gerar-se duas categorias distintas de impedimentos ao

10 Por outro lado, o legislador não faz referência quanto ao facto de o assento do anterior casamento estar ou não lavrado no registo do estado civil. Por isso, perguntar-se-á se a omissão significa que o impedimento à união de facto só existe quando o casamento anterior se encontra registado, sendo que, na hipótese inversa, a união de facto produz efeitos, apesar da existência do casamento. Como a natureza jurídica do registo de casamento é meramente declarativa (registo do casamento é uma formalidade ad probationem), o facto de o assento do anterior casamento não se encontrar lavrado, não faz com que o impedimento à produção de efeitos da união de facto deixe de existir, porém na prática a situação será diferente.

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reconhecimento de efeitos à união de facto que não foram expressa e directamente previstas na Lei 7/2001: primeiro, o impedimento ao reconhecimento dos efeitos da união de facto entre adoptante e adoptado; segundo, o impedimento à união de facto entre o adoptado e, pelo menos, os seus parentes naturais (biológicos) na linha recta ou no 2.º grau da linha colateral. Apesar da adopção plena extinguir os laços com a família natural do adoptado, a lei excepciona, ao nível do casamento, com a relevância dos impedimentos matrimoniais (art. 1986.º, n.º1, parte final). Considera-se que este regime deve estender-se à união de facto, por motivos de ordem eugénica nas relações heterossexuais. Até que ponto esse controlo é viável manifesta-se no facto de na união de facto não existir um formalismo que permita tal controlo.

e) Condenação anterior de uma das pessoas como autor ou cúmplice por homicídio doloso ainda que não consumado contra o cônjuge do outro. O crime em questão encontra-se definido no art.131.º do Código Penal. Para funcionar como impedimento é necessário que o membro da união de facto tenha já sido condenado por sentença transitada em julgado.

8. Efeitos pessoais das uniões de facto

O art.1671.º do Código Civil enumera dois princípios em matéria de efeitos pessoais do casamento: igualdade de direitos e deveres dos cônjuges entre si e o da direcção conjunta da família. Subsidiariamente a estes, surgem outros efeitos pessoais do casamento, como: das questões atinentes à adopção do nome do outro cônjuge, de acordo com o princípio da igualdade (art.1677.º), questão da nacionalidade dos cônjuges (pode adquirir-se ou perder-se a nacionalidade portuguesa por via do casamento, mas dependente da declaração de vontade do interessado).

Ora, no que concerne à união de facto, não é permitido a qualquer um dos membros desta adoptar um ou mais dos apelidos do outro. Quanto à aquisição da nacionalidade portuguesa, a Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril equipara a união de facto ao casamento, para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa, por parte do cidadão estrangeiro que viva com um cidadão nacional, desde que judicialmente reconhecido11.

O direito não desconhece a relação pessoal que liga os membros da união de facto um ao outro. A lei n.º135/99 terá valorizado essa relação pessoal, permitindo: adoptar nos termos previstos para os cônjuges (1979.º); a quem conviver ou tiver

11 Artigo 3.º da Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril, n.º3: O estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após acção de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível.

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convivido em união de facto com alguma das partes na causa pode recusar-se a depor como testemunha (art.618.º, nº1, al. d) do C.ProcCiv); às pessoas que vivam em união de facto há mais de 2 anos e trabalhem na mesma empresa terem o direito de gozar férias no mesmo período, salvo se houver prejuízo grave para a entidade empregadora; quanto aos filhos, a paternidade presume-se quando tenha havido comunhão duradoura de vida entre a mãe e o pretenso pai no período legal da concepção (art.1871.º, nº1. al. c), do CCiv), etc.

Deveres recíprocos que possam ter alguma relevância em matéria da união de facto(paralelismo com o previsto no 1672.º relativamente ao casamento)

O artigo 1672.º estipula: “ Os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência”. Em certa medida, tais deveres são também relevantes para os membros da união de facto, ora vejamos:

a) Dever de fidelidadeO “dever de fidelidade recíproca tem por objecto a dedicação exclusiva e sincera,

como consorte, de cada um dos cônjuges ao outro.”12

A violação mais grave deste dever recíproco dos cônjuges é o adultério13. Tendo em conta que a união de facto deve consistir numa relação exclusiva e

estável, este dever deve estar na esfera jurídica, tal como no casamento, dos membros da união de facto.

b) Dever de respeito Há também um recíproco dever de respeito na união de facto que pode assumir duas vertentes: um dever geral de respeito, sendo que cada um dos companheiros enquanto cidadão e sujeito de direito deve respeitar as liberdades individuais e direitos de personalidade do outro; e um especial dever de respeito, não só físico como moral, face à especial relação existente entre membros da união.Se não for cumprido a atitude pode corresponder a uma sanção, a censura social ou até uma sanção juridicamente tutelada, no foro penal, consoante a gravidade da violação preencha um tipo legal de crime contra a pessoa ou honra do companheiro ofendido.

c) Dever de coabitação A união de facto, tal como no casamento, pressupõe uma comunhão de leito,

12 Como refere Antunes Varela a propósito do casamento. 13 O adultério “consiste na prática ou manutenção de relações sexuais consumadas entre um dos cônjuges e terceira pessoa, tendo intenção de praticar ou manter essas relações apesar do casamento.”

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mesa e habitação como já vimos. O legislador prevê a existência de uma casa de morada de família (no âmbito das uniões heterossexuais) ou residência comum (quanto às uniões homossexuais), regulamentando o seu destino em caso de cessação da união de facto, seja por morte ou por separação. Sem coabitação não há união de facto, não bastando qualquer coabitação, esta

tem de ser estável exigindo-se uma durabilidade por um período superior a 2 anos. A coabitação é o principal efeito pessoal da união de facto, na medida em que não

pode entender-se uma sem a outra.

d) Dever de assistência e de cooperação A lei é omissa quanto a saber-se se o dever de assistência na sua outra sub-categoria de contribuição para os encargos da vida familiar assume alguma relevância na constância da união de facto; porém tende-se a considerar a existência de um recíproco dever entre os membros da união de facto em contribuírem para os encargos da vida familiar, sem qualquer carácter sancionatório ou cominatório. O dever de cooperação implica a obrigação de socorro e auxílio mútuos e a de “assumirem em conjunto as responsabilidades inerentes à vida da família que fundaram”, tal como no casamento (art.1674.º), ou à vida em comum que constituíram, no caso das uniões homossexuais.

Portanto, no que diz respeito aos efeitos pessoais apenas se lhes pode atribuir relevância ética ou social, visto não estarem previstas quaisquer sanções para a violação daqueles deveres.

No entanto, como cidadãos caso tais violações resultem numa violação de direitos de personalidade tutelados pela lei, a violação é passível de gerar responsabilidade civil e, consequentemente, obrigação de indemnizar, a circunstância do especial relacionamento entre companheiros pode agravar a pena.

Relativamente aos deveres recíprocos entre os membros da união de facto, podemos socorrer-nos dos princípios gerais em matéria de responsabilidade por factos voluntários ilícitos (n.º 1, art. 483.º), cujos pressupostos são a voluntariedade, ilicitude, nexo de imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Logo, serão indemnizáveis: os danos patrimoniais sofridos por um dos companheiros por facto praticado pelo outro (por dolo ou mera culpa), devendo notar-se que, atentas as circunstâncias concretas, a culpa será geralmente grave, face à especial relação entre eles existente; os danos não patrimoniais sofridos por um dos companheiros por acto ou facto voluntário imputável ao outro, nos termos do disposto no n.º1 do art. 496.º.

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9. Uniões de facto e FiliaçãoRegulação das responsabilidades parentais

Esta matéria que não foi objecto de regulamentação quer na lei 135/99 de 28.08, quer na Lei nº 7/2001, de 11.05, pois a lei geral vigente já regula o estabelecimento da filiação e a regulação das responsabilidades parentais relativamente aos filhos de pessoas não casadas, princípios aplicáveis às uniões de facto.

i) Estabelecimento da filiação A filiação não é um vínculo apenas biológico ou de base natural mas também

um vínculo jurídico e registado. A filiação é um vínculo jurídico, na medida em que não surge do simples facto de uma pessoa ter gerado outra, sendo necessário o seu reconhecimento na ordem jurídica. Ora a filiação juridicamente reconhecida nem sempre corresponde à filiação natural. 14

É de relevar, neste âmbito, o princípio da não discriminação dos filhos nascidos do casamento ou fora dele (art.36.º, n.º 4, da CRP). 15

Porém, a igualdade formal não se encontra devidamente assegurada, pois o assento de nascimento faz menção ao estado civil dos progenitores (art.102.º nº1, e) do Código de Registo Civil), podendo-se averbar ao referido assento o casamento posterior destes (art.123.º nº 1).

ii) Responsabilidades parentais na constância da união de factoO n.º 1 do art.1911.º CC estabelece que no caso de os progenitores viverem em

condições análogas às dos cônjuges aplica-se ao exercício das responsabilidades parentais o disposto nos artigos 1901.º a 1904.º, ou seja, são aplicadas as mesmas disposições reguladoras do exercício das responsabilidades parentais relativas a filhos nascidos na constância do matrimónio, que pertencem a ambos os pais (art. 1901.º n.º1). Portanto, na constância da união de facto os pais devem exercer as responsabilidades parentais de comum acordo.

Se o acordo faltar, em questões de particular importância, os progenitores podem recorrer ao tribunal, que tentará a conciliação; não sendo possível, o tribunal decidirá, ouvindo o filho, salvo quando razões ponderosas o desaconselhem (art. 1901.º nºs 2 e 3).

14 Os casos de adopção são o paradigma, onde não há correspondência entre a filiação biológica e a jurídica (só na adopção plena se apagam os eventuais laços que ligam o adoptando à sua família natural). 15 O referido artigo estabelece uma não discriminação material entre os filhos nascidos dentro e fora de um casamento, no sentido de não permitir qualquer discriminação que lhes seja desfavorável e que não seja justificada pela diversidade das condições do nascimento.

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O facto de as responsabilidades parentais, por força das circunstâncias (art. 1903.º- por ausência, incapacidade ou outro impedimento e art. 1904.º - em caso de morte) passarem a ser exercidas apenas por um dos progenitores, justifica-se pela necessidade de uma constante actuação do progenitor relativamente à pessoa dos seus filhos menores que não se compadece com situações de impossibilidade como as descritas.

iii) Regulação das responsabilidades parentais após a cessação da união de facto

Tal como nas hipóteses de separação de facto no casamento, os progenitores deixam de ter a mesma casa de morada de família, mostrando-se inviável, que o filho menor continue a viver com ambos e que as responsabilidades parentais continuem a ser exercidas por eles conjuntamente.

Assim, é necessário o acordo dos progenitores quanto à regulação das responsabilidades parentais, essencialmente, quanto ao destino e guarda do menor e alimentos a prestar (artigos 1905.º e 1912.º). No entanto, há que prover a hipótese de os progenitores não estarem de acordo quanto ao destino do menor. Nestas situações há que decidir a qual dos progenitores ficará o menor confiado, procedendo-se previamente a inquérito sobre a situação social, moral e económica dos pais e, salvo oposição dos visados, aos exames médicos e psicológicos que o tribunal entenda relevantes. Salvaguardar-se-á um regime de visitas e a obrigação de prestação de alimentos (art. 2005.º n.º1).

A regulação das responsabilidades parentais pode ser alteradas a todo o tempo quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou quando circunstâncias supervenientes tornem indispensável alterar o que tiver sido estabelecido.

10. Adopção

O artigo 1586.º do Código Civil define adopção como o “vínculo que, à semelhança da filiação natural, mas independentemente dos laços de sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas…”.

A adopção só é permitida no âmbito das uniões de facto heterossexuais. No domínio da Lei n.º 135/99, de 28.08 o assunto da adopção era abordado no artigo 3.º alínea e)16. Quanto à actual lei em vigor, com o reconhecimento de efeitos à união de facto homossexual, a adopção por parte de pessoas que vivam em união de facto

16 Art. 3.º, alínea e) da Lei n.º135/99 de 28 de Agosto: “ Quem vive em união de facto tem direito a: (…) e) Adoptar nos termos previstos para os cônjuges no artigo 1979.º do Código Civil, sem prejuízo das disposições legais respeitantes à adopção por pessoas não casadas.”

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deixou de valer como princípio geral, passando a vigorar regimes diferenciados, sendo a adopção apenas permitida “às pessoas de sexo diferente que vivam em união de facto” como estabelece o art. 7.º da Lei n.º7/2001, de 11.05.

O referido artigo 7.º dispõe “Nos termos do actual regime de adopção, constante do livro IV, título IV, do Código Civil, é reconhecido às pessoas de sexo diferente que vivam em união de facto nos termos da presente lei o direito de adopção em condições análogas às previstas no artigo 1979.º do Código Civil, sem prejuízo das disposições respeitantes à adopção por pessoas não casadas.”

Ora, a Lei atribui aos unidos de facto de sexo diferente o direito de adopção plena em condições análogas às dos cônjuges. Vamos então esclarecer alguns pontos que são por força desta norma comuns aos cônjuges e aos membros da união de facto quando pretendam adoptar.

Primeiramente, segundo o art. 1973.º, n.º1, o vínculo de adopção constitui-sepor sentença judicial, desenvolvendo-se anteriormente todo um procedimento de carácter administrativo com vista a apurar as reais vantagens para o adoptando, as condições económicas, situação familiar e idoneidade do adoptante e motivos determinantes do pedido de adopção, tendo-se em atenção ainda que esta não envolva sacrifício injusto para os outros filhos do adoptando e seja razoável supor que entre adoptante e adoptado se estabelecerá um vínculo semelhante ao da filiação (natural).

No que diz respeito aos requisitos de fundo são, sem descorar da pressuposição da real vantagem para o adoptando, o consentimento e a capacidade para adoptar. Quanto ao consentimento, é necessário o consentimento do adoptante, muito embora não se prescinda também do consentimento do adoptando em determinados casos e circunstâncias17.Para além do consentimento do próprio adoptante, na adopção plena exige-se também o consentimento do cônjuge deste não separado judicialmente de pessoas e bens (artigos 1981.º, nº1, alínea b) do CCiv). O consentimento do adoptando é também necessário quando este seja maior de 12 anos (1981º, nº1, a)).

Prevê-se ainda a necessidade de audição dos filhos do adoptante com mais de 12 anos, bem como os ascendentes ou, na sua falta, os irmãos maiores do progenitor falecido, se o adoptando for filho do adoptante e o seu consentimento não for necessário (artigo 1984.º), muito embora não se imponha o seu consentimento. As razões desta audição obrigatória são, essencialmente, de ordem sucessória e de vinculação a uma eventual prestação de alimentos, não se descurando contudo evitar discórdias na família do adoptante pela introdução no seu seio de um elemento até aí

17 Esta necessidade resulta quer do facto de iniciativa processual caber ao adoptante, quer dos artigos 162.º e 164.º da Organização Tutelar dos Menores e artigo 1990.º do Código Civil.

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estranho e que biologicamente não se identifica com os restantes. Para além disto, o consentimento do adoptante tem de ser perfeito, livre,

pessoal, bem como puro e simples. A lei em momento algum sugere expressamente a necessidade do

consentimento do representante legal do adoptando. Quanto aos pais do adoptando a lei impõe o seu consentimento, ainda que

menores e mesmo que não exerçam as responsabilidades parentais, desde que não tenha havido confiança judicial, quando se trate de adopção plena (art. 1981.º, n.º1, alínea c)), preceito que é aplicável à adopção restrita, com as necessárias adaptações, por força do disposto no n.º1 do art. 1993.º.

No tocante à capacidade a adopção depende da capacidade do adoptante e do adoptando, em relação a ambos tem de haver capacidade de gozo e de exercício de direitos. Capacidade de gozo na medida em que se pressupõe no adoptante a sua aptidão para ser sujeito activo ou passivo das relações jurídicas decorrentes da adopção, a qual depende de ter determinada idade (artigos nºs 1979.º e 1992.º relativos à adopção plena e restrita, respectivamente).

A capacidade de gozo do adoptado, dependente de determinada idade, que foi fixada em 15 anos, à data da petição judicial de adopção, admitindo-se também relativamente a menor de 18 anos, não emancipado, quando desde idade não superior a 15 anos tenha sido confiado aos adoptantes ou a um deles ou quando for filho do cônjuge do adoptante (artigo n.º 1980.º, nº2, quanto à adopção plena e 1993.º, n.º1, relativo à adopção restrita).18

No que concerne aos requisitos de forma, destaca-se a dificuldade e morosidade de adopção nos casos previstos no artigo 1978.º19. Nestes casos, as instituições oficiais ou particulares que deles tenham conhecimento, devem comunicá-lo ao organismo de segurança social da respectiva área, o qual procederá ao estudo da situação e tomará as providências adequadas, seguindo-se toda a tramitação legal20.

Concluído o processo, o menor pode vir a ser confiado ao adoptante, com vista a futura adopção, mediante decisão judicial (artigo n.º 1978.º CC) ou administrativa (da competência do referido organismo de segurança social). É o que se denomina pré-adopção, por prazo não superior a um ano.

Mais direccionada para a figura da união de facto, a Lei n.º 7/2001, como já vimos, reconhece o direito das pessoas que vivem em união de facto heterossexual a adoptar um menor. Mais especificamente o seu art. 7.º distingue dois tipos de situação em que é admissível a adopção (plena), consubstanciando-se uma duplicação de

18 A exigência de capacidade de gozo do adoptado afasta a hipótese de adopção de nascituro. 19 Exemplificativamente: quando o menor for filho de pais incógnitos ou falecidos (n.º1, alínea a)), quando o menor tenha sido abandonado pelos pais (n.º1, alínea c)), etc. 20 Artigos 3.º, nº 1, 5.º e 6.º do Decreto-lei nº185/93, de 22.05, na redacção do decreto-lei nº 120/98, de 08.05.

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regime: primeiro, equipara esta modalidade de união de facto ao casamento no que se refere aos requisitos subjectivos para a adopção plena; segundo, reserva a possibilidade de os unidos de facto adoptarem nos mesmos termos em que o podem fazer as pessoas não casadas.

Neste momento, cabe especificar melhor a destrinça entre adopção plena e adopção restrita. Mais concretamente quanto aos seus diferentes requisitos e efeitos.

Adopção plena

O artigo 1979.º prevê duas situações em que é admissível requerer-se a adopção plena de menor, dependentes de uma idade mínima e máxima. Ora, podem adoptar plenamente: “2 pessoas casadas há mais de quatro anos e não separadas judicialmente de pessoas e bens ou de facto, se ambas tiverem mais de vinte e cinco anos” (dispõe o n.º1); “quem tiver mais de trinta anos ou, se o adoptando for filho do cônjuge do adoptante, mais de vinte e cinco” (prevê o nº2), isto quanto à idade mínima. Quanto à idade máxima é fixada nos 60 anos à data em que o menor lhe tenha sido confiado, sendo que a partir dos 50 anos a diferença de idades entre adoptante e adoptando não pode exceder os 50 anos (n.º3 do mesmo artigo). Ao estabelecer-se limites mínimos e máximos quanto à idade do adoptante pretende-se evitar que o menor venha a ser adoptado por pessoa ainda imatura, que possa não vir a assumir plenamente os deveres decorrentes do vínculo que pretende criar; teve-se em vista também estabelecer uma certa prevalência da filiação biológica sobre a filiação adoptiva.

Procurou também impedir-se que se adopte a partir de certa idade, aquela que é considerada como a normal para que o adoptante possa assumir plenamente o seu papel de pai ou mãe, nomeadamente, na criação e educação do menor, atenta até a sua perspectiva de vida. Excepção à regra acima exposta advém do estabelecido no n.º4: “pode a diferença ser

superior a 50 anos quando, a título excepcional, motivos ponderosos o justifiquem”.

Face ao princípio de equiparação vertido na 1ª parte do art. 7º da lei 7/2001 quanto às uniões heterossexuais, que remete expressamente para o art.1979º, os companheiros em união de facto heterossexual podem, conjuntamente, requerer a adopção plena de um menor, desde que reúnam as seguintes condições, regra geral: tenham ambos mais de 25 anos e menos de 60 anos de idade; se encontrem a viver em união de facto há mais de quatro anos. Com o período de 4 anos pretende-se inserir o adoptado num lar dotado de uma certa experiência, permanência e estabilidade.

A adopção plena pode também ser pedida apenas por um dos companheiros

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em dois tipos de situações: i) se o adoptando for filho do companheiro da união de facto (adoptante terá de ter a idade mín. de 25 anos). Também se coloca a questão de saber se é exigível que a união de facto dure há mais de 4 anos, como é imposto pelo n.º1 do preceito. Efectivamente, este número refere-se exclusivamente à adopção conjunta, pois, nesta situação, o adoptando não será integrado num ambiente familiar que lhe é completamente alheio. ii) se o adoptando não for filho do companheiro da união de facto, continua a ser viável a adopção plena, na medida em que a lei admite que esta possa ser feita singularmente (nºs 2 e 3 do art. 1979.º). O adoptante deve ter a idade mínima superior a 30 anos e máxima de 60. Vigora neste caso o mesmo regime aplicável à adopção por parte de quem seja solteiro, divorciado ou viúvo ou que, tenha uma vida independente de qualquer relação familiar.

Quanto aos efeitos da adopção plena são de referir: a) O adoptado adquire a situação de filho do adoptante e integra-se com os seus

descendentes na família deste, extinguindo-se as relações familiares entre o adoptado e os seus descendentes e colaterais naturais (artigo 1986.º n.º1), sem prejuízo do disposto quanto aos impedimentos matrimoniais referidos nos artigos 1602.º e 1604.º.

b) As responsabilidades parentais, relativamente ao adoptado, passam a ser exercidas pelos adoptantes.

c) O adoptado é herdeiro legitimário do adoptante, integrando-se por via disso, na primeira classe de sucessíveis legais (artigo 2133.º n.º1).

d) O adoptado perde os seus apelidos de origem, sendo o seu novo nome constituído pelo nome próprio e os apelidos de um ou de ambos os adoptantes.

e) A adopção plena é irrevogável, mesmo por acordo do adoptante e do adoptado (art. 1989.º).

Adopção restrita Distingue-se da adopção plena relativamente aos seus efeitos sobre as pessoas

do adoptante e do adoptando e do vínculo que entre eles é criado. As exigências são menores para a constituição deste vínculo, conforme resulta do art. 1992.º, pode adoptar restritamente quem tiver mais de 25 anos e menos de 60 anos à data em que o menor lhe tenha sido confiado, salvo se o adoptando for filho do cônjuge do adoptante.

Não existe qualquer impedimento ou restrição à adopção restrita por pessoas em união de facto homossexual.

Os efeitos da adopção restrita são os seguintes:a) O adoptado conserva todos os direitos e deveres em relação à família natural

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(artigo n.º 1994.º), muito embora incumba exclusivamente ao adoptante o exercício das responsabilidades parentais com todos os direitos e obrigações dos pais (artigo n.º 1997.º);

b) Adoptante e adoptado não são herdeiros legitimários ou legítimos um do outro; nem se encontram vinculados reciprocamente à prestação de alimentos (artigos nºs 1996.º e 1999.º);

c) A adopção restrita é revogável a requerimento do adoptante ou do adoptado, quando se verifique alguma das circunstâncias que justificam a deserdação dos herdeiros legitimários (artigos nºs 2002.º-B e 2166.º).

11. Efeitos Patrimoniais

No que concerne, às relações patrimoniais entre os cônjuges e entre estes e terceiros, o legislador definiu um conjunto de regimes de bens (o regime supletivo legal de comunhão de adquiridos e os regimes convencionais da comunhão geral ou da separação). No entanto, tal não significa que a nossa lei tenha aderido ao princípio da tipicidade, dado que permite, de acordo com o artigo 1698.º do CCiv, que os nubentes optem, em convenção antenupcial por um regime misto, criando um regime novo com várias disposições dos regimes mencionados21.

Não acontece assim na união de facto, dado que não há aqui um regime de bens pré-definido. Deste modo, os membros da união de facto podem realizar os contratos que quiserem, sendo únicos proprietários dos bens que compram, e podendo vender, sem consentimento do outro, os seus bens próprios. Podem, igualmente, negociar entre si. O artigo 1714.º, que proíbe certos contratos entre cônjuges não tem aplicação à união de facto. Agem, portanto, como sendo solteiros.

Se a regra é a propriedade exclusiva do bem que o unido adquire, existem contudo excepções decorrentes de entre os unidos de facto existir uma verdadeira comunhão de vida geradora de situações patrimoniais que segundo parte da doutrina bem mereciam tutela de direito. É o caso, por exemplo, do apartamento comprado para nele instalar a casa de morada, em que se coloca com certa pertinência a questão da propriedade dos bens adquiridos ou da responsabilidade pelas dívidas contraídas.

A este respeito, há autores que colocam a questão de saber se os membros da união de facto poderão celebrar o que designam de “contratos de coabitação”, isto é, uma união de contratos em que os membros da união de facto reúnem várias espécies contratuais com o objectivo de regular os aspectos patrimoniais da relação que estabelecem. Tudo dependerá da validade destes contratos à luz da lei portuguesa,

21 Contudo, esta liberdade é limitada dado que tem de obedecer às restrições do artigo 1699.º CCiv e a qualquer disposição legal imperativa.

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sendo que a este propósito a doutrina não é unânime22. Mas, afinal, quais as principais diferenças relativamente aos efeitos patrimoniais entre a união de facto e o casamento?

i) Bens adquiridos

No âmbito da união de facto, embora a maior parte das vezes os bens sejam adquiridos com o dinheiro de ambos e/ou com a contribuição prestada ao casal através do seu trabalho doméstico, é evidente que não se poderá afirmar a existência de um património comum. Solução esta, claramente díspar, relativamente ao regime supletivo legal de bens do casamento.

No regime de bens da comunhão de adquiridos, como contempla o artigo 1730 nº1 do CCiv os cônjuges participam por metade do activo e no passivo, sendo que é considerada nula qualquer convenção em contrário. Ademais, consideram-se bens integrados na comunhão o produto do trabalho dos cônjuges e os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, salvo os exceptuados por lei. São exemplos de excepções, os bens próprios enumerados no artigo 1722.º CCiv e os bens sub-rogados no lugar de bens próprios (artigo 1723.º CCiv).

Contudo, presentemente, não se pode aplicar o mencionado no âmbito da união de facto. Importa, portanto, saber como poderão ser enquadrados no plano jurídico os bens adquiridos pelos parceiros na constância da sua união.

Há doutrina que defende poder aplicar-se por analogia23 (É de salientar que para fazer tal analogia é necessário considerar-se a existência de uma lacuna, e como esta corresponde a um caso omisso na disciplina jurídica que deve ser juridicamente regulado, não pode ser confundida com as situações que o direito não regula por se encontrarem fora do seu âmbito, isto é, situações extra-jurídicas. Portanto, tendo em conta a realidade actual, bem como o debate público constante no âmbito de regulação da união de facto, consideramos que não existe lacuna e, consequentemente, não se pode proceder a analogia na matéria em causa.) à união de facto o regime de separação de bens no casamento, sendo que neste não existem bens

22 Uns autores consideram-nos ilícitos, na medida em que criando estes, uma espécie de casamento privado, constituem uma violação ao monopólio do Estado em matéria de casamento. Outros, afirmam não existirem razões para ferir de nulidade o contrato, sendo que devem ser encaradas como válidas todas as cláusulas que, segundo as regras do direito comum, poderiam ser estabelecidas por quaisquer indivíduos nos seus contratos.

23 Uns autores consideram-nos ilícitos, na medida em que criando estes, uma espécie de casamento privado, constituem uma violação ao monopólio do Estado em matéria de casamento. Outros, afirmam não existirem razões para ferir de nulidade o contrato, sendo que devem ser encaradas como válidas todas as cláusulas que, segundo as regras do direito comum, poderiam ser estabelecidas por quaisquer indivíduos nos seus contratos.

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comuns, podendo haver em certos casos bens em compropriedade, estabelecendo o artigo 1736 nº2 CCiv até uma presunção nesta matéria.

Ora, no caso da união de facto, poderão os companheiros acordar sobre a aquisição em compropriedade de determinados bens. No entanto, tal possibilidade não decorre de um privilégio especial para os unidos dado que o mesmo poderia ser acordado entre quaisquer outras duas pessoas.

Pertinente é a questão de saber se quando, por exemplo, a casa de habitação é adquirida somente em nome de um dos membros da união (sendo certo que ambos contribuíram para a sua aquisição), se deve proteger-se aquele que dele não consta como proprietário. Consequentemente, é necessário saber se a prova de compropriedade no caso dos unidos está exclusivamente dependente de título. Ora, a lei não tem resposta para estas questões. Contudo, os nossos tribunais já foram chamados a decidir sobre esta matéria24.

Nessas decisões jurisprudenciais optou-se por aplicar o princípio geral do enriquecimento sem causa nas situações em que um dos membros da união de facto, por ter um bem em seu nome, pretende ficar único proprietário desse bem. Se o bem foi adquirido para fazer face às necessidades da vida em comum, com dinheiro de ambos, consideramos ser da mais elementar justiça, reconhecer-se que a propriedade do bem pertence a ambos. Inclusivamente, quando um dos membros da união não aufere rendimentos por se dedicar ao trabalho doméstico.

Outra questão importante que se levanta, é a de discutir a extensão da protecção do credor de um dos parceiros que, em sede de execução, pretenda nomear bens à penhora (artigo 821.º CPCiv). Ora, dado que só os bens do devedor estão sujeitos à execução, será do interesse do credor definir a propriedade dos bens adquiridos na vigência da união de facto, dado o regime a que fica sujeito em cada uma das situações possíveis. Evidentemente, que não se poderá penhorar bens que sejam exclusiva propriedade do outro companheiro; por outro lado, se se provar que o devedor-executado é comproprietário, o exequente terá de requerer a notificação do outro comproprietário (artigo 862.º CPCiv) e não pode penhorar uma parte especificada desse bem (artigo 826.º CPCiv).

A propriedade de um bem adquirido pelos unidos pode ainda ter interesse na situação de um deles pretender aliená-lo na constância da união, dado que a legitimidade para o alienar na sua totalidade ou só uma quota-parte dele, depende, conforme haja propriedade plena ou compropriedade.

ii) Responsabilidade por dívidas

24 acórdãos do STJ, de 15 de Novembro de 1995 e do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21 de Janeiro de 1999

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Consideramos que outra questão relevante a colocar é a seguinte: “Em que difere a responsabilidade pelas dívidas contraídas pelos dois membros do casal no casamento da na união de facto, seja a título individual ou conjuntamente?”

Comecemos a responder à nossa pergunta, analisando o Código Civil no que respeita a esta matéria. O citado código, enumera no seu artigo 1691.º, as dívidas que responsabilizam ambos os cônjuges, que são, basicamente, as contraídas pelos dois ou por um deles com a autorização do outro (nº1, alínea a)), bem como as apenas contraídas por um deles para ocorrer aos encargos normais da vida familiar (id., alínea b)), em proveito comum do casal (id., alínea c)), no exercício do comércio, a menos que se prove que não foram contraídas em proveito comum do casal (id., alínea d)), entre outras legalmente previstas. Quanto às dívidas consideradas próprias do cônjuge devedor, encontram-se estabelecidas nos artigos 1692.º e 1693.º, nº1 do mesmo Código25.

Nas leis que regulam a união de facto nada consta a este respeito, assim, para se poder saber se uma dívida contraída por um dos unidos poderá, em qualquer caso, responsabilizar também o outro, teremos de recorrer aos princípios gerais em matéria de responsabilidade civil contratual.

Suponhamos o seguinte: “André e Maria vivem em união de facto. André, com o objectivo de equipar, convenientemente, a cozinha da casa de ambos compra uma série de electrodomésticos. Apenas André é responsável pelo pagamento das respectivas prestações?”

Quanto à resposta a esta pergunta, pode afirmar-se que, a responsabilidade pela dívida resultante da compra dos electrodomésticos caberá ao André, visto ser o membro da união que consta no título como devedor, sendo que não existe expediente legal para responsabilizar Maria ainda que seja evidente que, nesta hipótese, existe proveito de ambos. Assim, neste caso, o credor apenas pode accionar André, sendo que, nos termos do artigo 817.º CCiv, em caso de execução, apenas poderá executar bens que sejam propriedade deste. Apesar de não haver dúvidas, desta ser a solução legal que brota do direito vigente, é óbvio que embora apenas André conste do título aquisitivo, Maria também beneficia dos electrodomésticos que originaram a dívida. Deste modo, poderíamos considerar poder invocar-se o princípio da solidariedade passiva, no entanto tal consideração (embora lógica) não tem base legal, dado que o artigo 513.º CCiv prevê só existir responsabilidade solidária quando tal resulte da lei ou da vontade das partes.

No entanto, há autores que pensam, iure condendo, ser defensável a extensão da responsabilidade a Maria, mediante o recurso à responsabilidade parciária. No

25 É evidente que, não se pode aplicar o mencionado aos unidos de facto, visto não ser possível interpretar analogicamente os citados artigos, uma vez que a comunicabilidade ou não destas dívidas aos companheiros é de aplicação exclusiva aos regimes de bens do casamento.

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entanto, a questão só pode ser colocada em sede de acção de condenação e não em fase executiva, pois como do título exequível apenas consta o nome de André, o credor só poderia nomear bens de Maria caso estes estivessem vinculados à garantia do crédito, ou se os mesmos fossem objecto de acto praticado em prejuízo do credor, que este haja precedentemente impugnado (artigo 818.º CCiv), situações estas que não se colocam na hipótese em análise. Assim, existe doutrina que entende que o credor, na situação levantada, tanto podia executar bens de André como de Maria, em proporção do interesse satisfeito por cada um deles, sendo que deverá presumir-se ser em partes iguais para cada um.

Colocando agora a situação de os companheiros terem adquirido os electrodomésticos com recurso a crédito bancário, em cujo contrato ambos intervieram, assumindo-se como devedores. Aqui, a solidariedade da dívida resulta do próprio título, isto é, da vontade manifestada por Maria e André (artigo 513.º CCiv).

No caso mencionado, o credor poderá demandar ambos os devedores ou apenas um deles indiscriminadamente, e em sede de sentença condenatória, executar bens do ou dos condenados na medida da condenação. No entanto, tal sucederia com a generalidade dos sujeitos de uma qualquer relação jurídica, dado que da situação de união de facto não decorrem quaisquer efeitos juridicamente relevantes que permitam supor um tratamento diferenciado.

Por último, é de salientar que os unidos de facto e os sujeitos passivos casados e não separados de pessoas e bens podem gozar de idêntico regime de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares (IRS), como dispõe a alínea d) do art.º3 da Lei nº7/2001.

12. Prestação de alimentos

Em caso de divórcio, o ex-cônjuge está obrigado a prestar alimentos ao outro (artigo 2009.º CCiv), nos termos do artigo 2004.º CCiv. No entanto, em caso de cessação da união, tal exigência não se coloca, dado que o direito a alimentos em vida dos unidos não se encontra legalmente previsto, nem a jurisprudência tem considerado a sua atribuição. Assim, o rompimento dos unidos, por acto unilateral e injustificado de um dos seus membros, não concede ao outro o direito a alimentos, dado este ter de ser legalmente reconhecido (artigo 2009.º CCiv) ou resultar da vontade das partes (artigo 2014.º CCiv).

Em caso de morte, no âmbito do casamento, o cônjuge viúvo tem direito a ser alimentado pelos rendimentos dos bens deixados pelo falecido, sendo que neste caso ficam obrigados à prestação de alimentos os herdeiros ou legatários a quem tenham

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sido transmitidos os bens, segundo a proporção do respectivo valor (artigo 2018.º CCiv).

No que respeita à união de facto, nesta matéria, afigura-se indispensável a análise do artigo 2020.º CCiv26. Analisemos, então, os requisitos exigidos pela lei civil para a atribuição de alimentos ao unido sobrevivo, em caso de morte do outro membro da união de facto; são eles:

- Morte de pessoa não casada ou separada judicialmente ou separada judicialmente de pessoas e bens;

- Vida em comum há mais de dois anos;- Vida em condições análogas às dos cônjuges;- Impossibilidade de obtenção de alimentos nos termos das alíneas a) a d) do

artigo 2009.º.A primeira condição, exige que o companheiro falecido seja pessoa solteira,

viúva ou divorciada (neste caso, com sentença, transitada em julgado), equiparando-se a esta última situação a de separação judicial de pessoas e bens. Assim, a lei veda a protecção ao companheiro sobrevivo caso exista um casamento anterior não dissolvido. Pensamos, como parte da doutrina, que neste aspecto o legislador poderia ter ido mais longe, sendo que existindo uma união de facto devidamente comprovada, nos parece excessiva a importância dada a uma situação meramente formal do ponto de vista jurídico, já que, nesta circunstância, não existem nenhuns requisitos substanciais da definição de casamento. No entanto, contra esta tese limita, o impedimento à união de facto previsto na alínea c) do artigo 2.º da Lei //2001, de 11.05.

Relativamente ao segundo requisito, este exige que os companheiros vivam há mais de dois anos em união de facto, importando clarificar se deve considerar-se que o estado de não casado do falecido deve durar por esse período ou se é suficiente que se verifique na data da morte.

Ora, em defesa da primeira orientação pode argumentar-se com o, já supramencionado, impedimento do casamento não dissolvido para a produção de efeitos da união de facto. Deste modo, não parece adequado que não se exija uma união de facto “eficaz” durante um período mínimo de dois anos para que a “reivindicação” de alimentos da herança do companheiro falecido seja possível. No entanto, o preceito tem sido interpretado pela jurisprudência no sentido da segunda hipótese mencionada.

26 “Art.º2020- União de Facto

1- Aquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, tem direito a exigir alimentos da herança do falecido, se os não puder obter nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009.º. “

2-

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Por outro lado, é de referir que este prazo, que consta igualmente no artigo 1 nº1 da Lei nº7/2001, de 11.05, foi estabelecido com o objectivo de servir de critério para aferir a intenção séria dos membros na manutenção da sua relação de vida em comum, pretendendo restringir-se tal preceito somente às uniões em que exista um mínimo de durabilidade, estabilidade e aparência conjugal.

Em terceiro lugar, impõe-se que exista uma comunhão de vida em condições análogas à do casamento. Assim, é afastada a possibilidade de exigência de alimentos, nas situações em que exista apenas uma relação fugaz, como nos casos normalmente designados de concubinato.

Neste âmbito, interessa ainda esclarecer, se foi intenção do legislador equiparar as duas modalidades de uniões de facto quanto à prestação de alimentos por morte de um dos membros. A doutrina divide-se. Alguns autores, defendem que o artigo 2020.ºCCiv apenas abrange as uniões de facto heterossexuais, dado que da exigência de uma condição análoga à dos cônjuges, decorre a necessidade da diversidade de sexos. Por outro lado, há quem evoque a ratio legis do citado artigo que é a de conferir uma certa protecção mortis causa a favor de quem vivesse com outro em união de facto há mais de dois anos e a equiparação das uniões de facto heterossexuais às homossexuais (na Lei7/2001, de 11.05), para legitimar a inserção destas na previsão legal do mencionado preceito. Para consolidar esta posição, é ainda de referir a remissão presente no nº1 do artigo 6.º da Lei nº7/2001, de 11.05 para o artigo 2020.º CCiv, manifestando-se assim, inequivocamente, que o legislador pretende a aplicação deste preceito às uniões de facto homossexuais.

Por último, é necessário que, na pressuposição de que companheiro sobrevivo necessita de alimentos (artigo 2004.º nº1 CCiv), se esgotem antes outras vias que a lei coloca à disposição do alimentante para receber a respectiva prestação. Deste modo, este artigo emerge como regime residual, com aplicação prática bastante invulgar.

Pertinente, ainda, será esclarecer se a pessoa que recebia alimentos da herança do falecido ou do seu ex-cônjuge de quem se divorciou, perde esse direito se passar a viver em união de facto.

A existência de uma união de facto, ao contrário do que sucede no casamento, segundo Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira não veda que um seu membro continue a auferir de pensão de alimentos do seu ex-cônjuge ou da herança do falecido. Assim, se um titular de uma pensão casar, perde a pensão. Se se mantiver em união de facto, continua a recebê-la. Estaríamos perante uma situação de grande injustiça para com quem tem o dever jurídico de prestar uma pensão, se concordássemos com estes autores.

No entanto, consideramos que esta injustiça não existe. O artigo 2020º do Código Civil confere ao unido de facto o direito de exigir alimentos da herança do falecido. E prevê o seu n.º 3, que o artigo 2019º do citado código aplica-se, com as necessárias adaptações, à união de facto. Assim, cessa o direito a alimentos se o

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alimentado contrair nova união de facto, ou se se tornar indigno do benefício pelo seu comportamento moral.

O facto de o artigo 2019º ter a palavra «casamento» advém de os artigos anteriores respeitarem todos ao casamento e porque quando se consagrou o artigo 2019º não se cogitava ainda o conteúdo que o art.2020º viria a ter em 1977, pelo que não se escreveu a expressão: casamento ou união de facto. Deste modo, o legislador pensou que ao inserir o n.º 3 no artigo 2020º a questão em análise nunca se poria.

Finalmente, é de salientar que o ónus da prova não só da união de facto com o falecido durante mais de dois anos, como também da carência efectiva da prestação de alimentos e da impossibilidade de os obter de outras pessoas obrigadas a essa prestação compete ao pretendente da pensão de alimentos.

13. Destino da casa de morada de família e residência comum

A questão do destino da casa de morada de família só se coloca com pertinência e fundamento legal em caso de cessação da relação do casal ou quando um dos seus membros morre.

Em caso de divórcio, a casa de morada da família só poderá ser atribuída a um dos cônjuges. Deste modo, estes, quando o divórcio é por mútuo consentimento terão de entrar em acordo quanto ao destino da casa de morada de família (artigo 1775.ºnº1 d) CCiv), assim como no divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges. Relativamente a este último caso, o artigo 1793.º CCiv prevê a possibilidade do juiz dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada de família, quer esta pertença a ambos em compropriedade ou exclusivamente a um deles, considerando, nomeadamente as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.

No âmbito da união de facto, aquando da dissolução, quando se trate de casa própria a Lei nº7/2001 remete no seu artigo 4.º nº4 para o citado 1793.º CCiv, podendo, portanto, qualquer dos unidos pedir de arrendamento a casa, quer seja comum quer própria do outro, nos termos estabelecidos no mencionado artigo.

No caso de o casal não viver em casa própria, mas antes em casa tomada de arrendamento, o regime é semelhante quer se trate de união de facto, quer se trate de casamento. Na hipótese em análise, podem os dois membros (unidos ou cônjuges) acordar em que a posição de arrendatário fique a pertencer a qualquer deles (art.º4 nº3 da Lei nº7/2001 e 1105º, nº1 CCiv). Caso não se chegue a um acordo compete ao tribunal decidir, tendo em conta as circunstâncias estabelecidas no 1105.º, nº2 CCiv,

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para o qual remete o art.º4 nº4 da Lei nº7/2001, acrescentando que aquele artigo só se aplicará aos unidos caso o tribunal considere que tal é necessário27.

Quanto à transmissão de arrendamento da casa de morada de família e residência comum por morte de um dos membros do casal, a solução jurídica que o legislador atribuiu à união de facto não difere em muito da do casamento. Dispõe o artigo 1106.º CCiv nº1 que o arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário ou daquele a quem tiver sido cedida a sua posição contratual, se lhe sobreviver cônjuge com residência no locado, ou pessoa que com ele viva em união de facto no locado e há mais de um ano.

Neste âmbito, assinala-se, porém, uma diferença entre a união de facto e o casamento que é a de prova do companheiro sobrevivo do seu direito.

O transmissário que não pretenda renunciar à transmissão do arrendamento, tem o dever de comunicar ao senhorio por carta registada com aviso de recepção, a morte do primitivo arrendatário, no prazo de 180 dias após a ocorrência (artigo 1107º, nº1 CCiv), comunicação essa que deverá ser acompanhada dos documentos autêntico ou autenticados que comprovem o seu direito, sob pena de caducidade deste (id., n.º2). No caso do casamento, tais documentos serão a certidão de óbito do falecido e um documento que comprove o matrimónio que existia entre este e o transmissário. Quando o transmissário seja um unido de facto, deverá apresentar na comunicação referida, necessariamente, também a certidão de óbito do falecido companheiro e atestado de residência com este no locado há mais de um ano. No entanto, estes dois documentos poderão não ser suficientes, dado que o primeiro apenas comprova o estado civil e do segundo resulta somente que o potencial transmissário residia na casa há determinado tempo, nada tendo de conclusivo também quanto à união de facto, já que este podia habitar o locado como mero acompanhante do falecido. Assim, fazer prova do direito em análise no caso dos unidos afigura-se bem mais complexo do que no dos cônjuges; podendo exigir-se à Junta de Freguesia um atestado comprovativo do tipo de ligação que o eventual transmissário mantinha com o arrendatário que falecera, já que a união de facto só relevará quando os demais cidadãos considerem os companheiros como vivendo em condições análogas às dos cônjuges. Naturalmente, serão as pessoas que com eles mais de perto conviveram que se encontram em melhores condições para o atestar.

Finalmente, analisaremos a hipótese do falecido ser proprietário da casa de morada comum.

Como prevê o artigo 2103.º-A CCiv, no momento da partilha, o cônjuge sobrevivo tem direito a ser encabeçado, no direito de habitação da casa de morada de família e no direito de uso do respectivo recheio.

27 Esta possibilidade de o tribunal recusar a decisão em causa, por falta de acordo dos unidos, pode ser, efectivamente, apontada como uma diferença entre o regime do casamento do da união; porém, tal dissemelhança é do ponto de vista prático pouco visível.

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Em caso de morte do membro da união de facto proprietário da casa de morada comum, o membro sobrevivo tem direito real de habitação, pelo prazo de cinco anos, sobre a mesma, e no mesmo prazo direito de preferência na sua venda (art.º4 nº1 da Lei nº7/2001). No entanto, o mencionado, não se aplica caso ao falecido caso sobrevivam descendentes com menos de um ano de idade ou que com ele convivessem há mais de um ano e pretendam habitar a casa, ou no caso de disposição testamentária em contrário (art.º4 nº2 da Lei nº7/2001). Assim sendo, concluí-se que este direito tem fraca protecção, sendo um “legado legítimo”, que, na hierarquia das designações sucessórias, posiciona-se em lugar inferior ao da sucessão testamentária e da sucessão legitimaria, nos termos gerais. De notar ainda, que a lei atribui ao sobrevivo o direito real de habitação da casa e não o direito de uso do recheio, como estabelece o artigo 2103.º-A CCiv.

14. Regimes de Protecção Social

A relevância jurídica do regime legal de assistência à família, tem vindo a evoluir em Portugal, na senda do que tem sido exigido pela comunidade europeia em matéria de política social.

Neste campo, o art.º3 da Lei nº7/2001 estende a aplicação de princípios presentes em vária legislação com vista à protecção social dos cônjuges aos unidos de facto, sendo de destacar algumas categorias que examinaremos de seguida.

Primeiramente, analisaremos a equiparação do regime jurídico de férias, faltas, licenças e preferência na colocação ao dos cônjuges dos funcionários públicos (art.º3 b) da Lei nº7/2001).

O Decreto-lei nº100/99, de 31 de Março regula o regime jurídico de férias, faltas e licenças dos funcionários e agentes, ainda que em regime de tempo parcial, da administração central, regional e local, incluindo os institutos públicos que revistam a natureza de fundos públicos ou de serviços personalizados.

No que concerne às licenças e preferência na colocação dos funcionários da Administração Pública, foi estabelecida a equiparação dos membros da união de facto aos cônjuges, pois, embora os artigos que regulam esta matéria não se refiram expressamente à união de facto, é certo que são aplicáveis a esta por força da alínea b) do art.º3 da Lei nº7/2001. Neste âmbito, não existem portanto diferenças a apontar.

O citado Decreto-Lei, relativamente à marcação de férias, dispõe no seu artigo 5.º nº7 que, sem prejuízo do rateio dos meses mais “solicitados”, quando necessário, é dada preferência na marcação de férias em períodos coincidentes. O nº8 do artigo referido estabelece ainda que, sem prejuízo da conveniência do serviço devidamente fundamentada, a preferência mencionada estende-se ao pessoal cujo cônjuge

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(funcionário ou agente), tenha, ope legis ou pela natureza do serviço, de gozar férias num determinado período do ano.

As preferências expostas são aplicáveis às pessoas que vivam durante mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges (art.º5 nº9 Dec-Lei nº100/99), pelo que há quem entenda que tais “privilégios” apenas se aplicam aos unidos de facto heterossexuais. Não é essa a interpretação que efectuamos. Consideramo-la pouco lógica, dado que, se assim fosse, o legislador estaria a dar com uma mão para de seguida retirar com a outra, visto o âmbito subjectivo da Lei nº7/2001 abranger todas as uniões de facto28.

O nº2 do artigo 10.º do mesmo diploma, prevê que as férias possam ser interrompidas para assistência a familiares doentes, assim, pode dizer-se que o companheiro é equiparado a familiar (como sucede com o cônjuge).

Relativamente às faltas, o artigo 22.º do Decreto-Lei nº100/99, prevê a possibilidade de o funcionário ou agente faltar justificadamente 11 dias úteis seguidos por via do casamento, muito embora este princípio não seja, na nossa opinião, aplicável às uniões de facto, visto a lei portuguesa não estabelecer qualquer formalidade administrativa para o reconhecimento desta.

Neste âmbito, a única diferença que existe foi a já apontada, pois embora os outros artigos que regulam esta matéria não façam referência expressa à união de facto, o seu regime pode e deve aplicar-se a esta com as necessárias adaptações, por aplicação do princípio da equiparação decorrente da alínea b) do artigo 3.º da Lei nº7/2001.

Por outro lado, o legislador na alínea c) do artigo 3.º da Lei nº7/2001 dispõe que os unidos de facto beneficiam de regime jurídico de férias, feriados, faltas, aplicado por efeito de contrato de trabalho individual de trabalho, equiparado ao dos cônjuges, nos termos da lei. Deste modo, não existem diferenças a mencionar a este respeito, sendo que a título de exemplo podemos referir o facto de o unido poder (assim como o cônjuge) faltar justificadamente durante cinco dias em caso de falecimento do companheiro ou de parente deste.

A Lei em análise, protege ainda o unido na eventualidade de morte de beneficiário, pela aplicação do regime geral da segurança social e da lei (alínea e) do artigo 3.º da Lei nº7/2001). No entanto, como resulta do disposto no artigo 6.º n.º1 da mesma Lei, o reconhecimento deste direito encontra-se dependente de sentença judicial que reconheça o direito a alimentos da herança do falecido.

28 Consideramo-la ainda infundada e injusta, dado que a nosso ver as condições análogas às dos

cônjuges abrangem igualmente os unidos homossexuais, pois “análogo” não significa igual, e por estarem preenchidos os requisitos para a analogia que não têm que ver com a diversidade ou não de sexos, mas com o tipo de relação que os membros compõem.

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A mesma Lei atribui também a quem viva em união de facto com o falecido, o direito às prestações por morte resultante de acidente de trabalho ou doença profissional (art.3.º, al. f)) e às pensões de preço de sangue e por serviços excepcionais prestados ao País.

Por último, é ainda de referir que os membros da união não usufruem de ADSE, uma vez que não são previstos como «beneficiários familiares ou equiparados» no âmbito do Decreto-lei que define o funcionamento da ADSE.

15. Efeitos patrimoniais post mortem

Lemos este título…e desde logo somos forçados a fazer a seguinte pergunta: a união de facto é fonte de relações sucessórias, tal como acontece com as relações familiares fundadas no casamento? A Lei nº7/2001 pode atribuir, de forma directa ou indirecta, direitos sucessórios ao companheiro sobrevivo?

Como resposta às perguntas efectuadas, desde logo, é de referir que a Lei nº7/2001 não prevê qualquer sucessão mortis causa do companheiro sobrevivo. Assim, nesta matéria, somos remetidos para os princípios da lei civil, à excepção da possibilidade de constituição de um direito real de habitação a favor do companheiro sobrevivo sobre a casa de morada de família (já analisada). Ora, analisando o Código Civil no seu art.º 2133 n.º1, que dispõe as classes de sucessíveis na sucessão legal, vemos que entre estes não consta o “unido de facto”.

De facto, é evidente que o legislador não pretendeu, por enquanto, equiparar ou sequer aproximar a posição sucessória do cônjuge sobrevivo à do unido de facto.

O cônjuge sobrevivo para além de ser herdeiro legitimário, ao lado dos ascendentes e descendentes, pode ainda ser chamado à totalidade da herança, na falta ou incapacidade de ascendentes e descendentes. O cônjuge sobrevivo possui uma protecção especial enquanto herdeiro, quer na sucessão legitimaria, como na legítima. Dentro da legítima global, o cônjuge sobrevivo recebe sempre, pelo menos, ¼ desta, quando em concurso com descendentes (artigo 2139.º, n.º1, 2º parte CCiv) ou 2/3 quando em concurso com ascendentes (artigo 2142.º, n.º1 CCiv).

Relativamente à quota remanescente, isto é, enquanto herdeiro legítimo, o cônjuge mantém as quotas privilegiadas já mencionadas, como resulta dos referidos artigos 2139.º, n.º1 e 2142.º n.º1, por força do princípio contido no 2131.º, todos do Código Civil.

Por conseguinte, pode-se concluir que o unido de facto ao não estar previsto como herdeiro legal, qualquer tipo de protecção sucessória que se atribua ao companheiro sobrevivo, tem de partir da iniciativa do falecido, sempre por conta da quota disponível deste, através de disposição a favor daquele em testamento.

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Porém, aprofundando um pouco mais esta temática, analisemos duas hipóteses, consoante o de cuius seja ou não casado à data da abertura da sucessão.

Caso o unido falecido fosse casado à data da abertura da sucessão, a união de facto não teria efeitos jurídicos, visto a Lei nº7/2001 considerar como impeditivos dos efeitos jurídicos da união de facto, o casamento anterior não dissolvido, salvo se tiver sido decretada separação judicial de pessoas e bens (artigo 2.º c)). Tal, todavia, não impossibilita uma análise da possibilidade de verificação de direitos post mortemquando o companheiro se encontre vinculado por um casamento não dissolvido, apelando aos princípios gerais em matéria de direito sucessório.

Neste âmbito, somos conduzidos para o artigo 2196.º CCiv e verificamos que a hipótese referida se encontra fortemente limitada, pois é nula a disposição a favor de cúmplice do testador adúltero. No entanto, há doutrina que considera que tal nulidade não se verifica quando o cúmplice seja homossexual. Afirmam, estes autores, que tal solução está de acordo, quer com a letra, quer com o espírito da lei, que teve em vista proteger o cônjuge sobrevivo quando o testador vivesse em situação adulterina. Utilizando, o mesmo argumento, ousamos em discordar com esta interpretação na medida em que uma pessoa pode ser casada mas viver em união de facto com outra pessoa do mesmo sexo; e, assim, socorrendo-nos da ratio legis da norma que é a protecção do cônjuge sobrevivo, não vemos razão para a referida nulidade não se estender às uniões de facto homossexuais.

Porém, tal nulidade, tem excepções. Uma delas, é quando a deixa testamentária se limita a assegurar alimentos ao beneficiário (art.º 2196 n.º2 b) CCiv). Parece-nos óbvio que estes alimentos poderão ser atribuídos ao companheiro sobrevivo independentemente das necessidades deste, podendo resultar, por exemplo, da vontade que o testador tenha em que o seu companheiro mantenha a qualidade e nível de vida que lhe era proporcionado durante a vigência da união de facto. Assim, conclui-se que o regime de alimentos do artigo 2020.º CCiv é, um regime supletivo legal, a que o companheiro sobrevivo poderá recorrer na falta de disposição testamentária nos termos mencionados. Contudo, pensamos que os dois regimes podem existir cumulativamente, quando, por exemplo a deixa testamentária é demasiado insignificante, quando comparada com as necessidades do companheiro sobrevivo, e os rendimentos dos bens da herança permitam atribuir uma pensão de alimentos superior à da deixa testamentária.

A alínea a) do n.º2 do 2196.º CCiv, dispõe a outra excepção à nulidade referida que é a situação do cônjuge estar separado judicialmente de pessoas e bens ou separado de facto há mais de seis anos. De realçar, porém, que tal norma não visa proteger o companheiro sobrevivo, sendo o resultado duma fundada desvalorização de um casamento em crise por período razoável.

Finalmente, se o falecido não for casado à data da abertura da sucessão, aplica-se o regime que vigora para qualquer pessoa solteira, ou por que nunca contraiu

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matrimónio, ou porque este foi declarado nulo ou anulado. Nesta circunstância, já não se aplica necessariamente a limitação da disposição às forças da quota disponível do testador, embora continue a ter de se verificar uma disposição expressa a favor do companheiro sobrevivo. É que, não sendo o de cuius casado, se faltarem descendentes e ascendentes, não existe legítima e, portanto, este pode dispor testamentariamente de todos os seus bens a favor de companheiro sobrevivo, visto neste caso já não existir qualquer eventual redução por inoficiosidade29.

16. Dissolução da União de facto e do Casamento

A união de facto, cessa com a sua dissolução, cujas formas a Lei nº7/2001 artigo 8.º n.º1 prevê; são elas a o falecimento de um dos membros, a vontade de um dos seus membros e o casamento de um dos seus membros. Efectuada a enumeração, conclui-se que a lei estabelece apenas causas unilaterais de dissolução da união de facto. No entanto, a dissolução por vontade bilateral deverá ser vista como mais provável ainda que não conste expressamente no citado artigo, já que resulta inequivocamente do espírito da lei em causa. Efectivamente, se a união de facto se pode dissolver por vontade unilateral, por argumento lógico de maioria de razão, poderá dissolver-se por vontade expressa dos dois unidos.

É de salientar que, neste âmbito, existe uma diferença substancial entre o regime da união de facto e o regime do casamento, pois ao contrário do que sucede no divórcio por mútuo consentimento, os unidos, para que haja dissolução da sua relação, não têm de acordar quanto ao destino da casa de morada comum, nem mesmo quanto à divisão dos bens em compropriedade, regulação do poder paternal dos filhos menores nascidos da união e prestação de alimentos entre eles. Em suma, para que a dissolução da união ocorra é somente necessário que uma das partes exprima a sua vontade nesse sentido.

A primeira das três causas unilaterais de dissolução da união de facto enumerada no artigo 8.º n.º1 Lei nº7/2001 , é a do falecimento de um dos seus membros. Assim como ocorre no casamento que se dissolve por morte de um dos seus cônjuges, as uniões de facto dissolvem-se pela morte de um dos seus membros, já que tanto um conceito como outro exigem a existência de duas pessoas.

A vontade de um dos seus membros é a segunda causa unilateral de dissolução da união. Assim como no casamento, pode ser decretada a dissolução da união de facto, quando desejada somente por uma das partes. Porém, enquanto na união de

29 Todavia, é de notar, que não existe nesta possibilidade a atribuição de qualquer condição especial ao companheiro sobrevivo, o qual, para efeitos sucessórios, é tratado como qualquer estranho.

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facto a Lei não exige qualquer fundamento do membro que quer a dissolução, no caso de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, para que este ocorra é necessário que apresente um dos fundamentos presentes no art.º1781 CCiv30. Todavia, tal declaração está limitada aos casos em se pretendam fazer valer direitos que estejam dependentes da dissolução da união, como resulta do art. 8.º n.º2 da Lei n.º7/200131. Assim, como esta declaração está dependente do pedido de reconhecimento de outros direitos, deverá constar da mesma acção em que os direitos reclamados são exercidos.32

Por último, a terceira causa de dissolução é o casamento de um dos membros da união de facto. No caso de os unidos se casarem, deixa de interessar, efectivamente, a ambos invocar efeitos à união de facto. Por outro lado, se um dos membros casar com outra pessoa, a união de facto não poderá ser invocada por qualquer dos membros (à excepção dos efeitos que só se produzem após a cessação da união), dada a prevalência legal do casamento perante a união de facto.

17. Síntese

Efectuado o percurso sobre os distintos aspectos da união de facto e elaborando, sempre, uma análise comparativa do seu regime com o do casamento,deveremos estar preparados para responder à seguinte questão: “Quais as principais diferenças entre a união de facto e o casamento?” Tal resposta, num ambiente informal, terá, em princípio, de ser dada ao seu amigo/a, ou mesmo ao seu futuro/a

30“ Artigo 1781.ºRuptura do casamentoSão fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges:a) A separação de facto por um ano consecutivo;b) A alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade,comprometa a possibilidade de vida em comum;c) A ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano;d) Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura do casamento.”

31 “Artigo 8.ºDissolução da união de facto2 - A dissolução prevista na alínea b) do número anterior apenas terá de ser judicialmente declarada quando se pretendam fazer valer direitos da mesma dependentes, a proferir na acção onde os direitos reclamados são exercidos, ou em acção que siga o regime processual das acções de estado.”

32 Porém, o art 8º nº2 Lei n.º7/2001 acrescenta que a dissolução da união de facto também pode ser declarada “em acção que siga o regime processual das acções de estado” . A este respeito, França Pitão, sugere que não se deverá fazer uma interpretação declarativa do preceito legal, pois a declaração só poderá ser emitida na hipótese de invocação dos referidos direitos, pelo que a parte final do mencionado artigo deverá ser entendida como um complemento do restante texto. Deste modo, deverá ler-se: “a proferir na acção onde os direitos reclamados são exercidos que segue o regime processual das acções de estado.”

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companheiro/a em menos tempo do que demorará a leitura deste trabalho. Assim, importa fazer uma síntese comparativa:

• É atribuída eficácia às uniões de facto homossexuais, enquanto que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é considerado inexistente pela nossa lei.

• Não existe uma definição legal de união de facto. Porém, podemos defini-la como a situação de duas pessoas que vivam juntas, em comunhão de cama, mesa e habitação, independentemente da diversidade de sexo entre elas.

• Exige-se a durabilidade da união de facto por um período superior a 2 anos.

• A constituição da união de facto não é objecto de qualquer registo. A sua existência faz-se, essencialmente, por prova testemunhal.

• Não constituí um impedimento à atribuição de eficácia à união de facto o casamento anterior não dissolvido decretada a separação judicial de pessoas e bens

• União de Facto não permite a qualquer um dos seus membros adoptar um ou mais dos apelidos do outro.

• Embora a lei não estabeleça deveres aos membros da união de facto (como faz para o casamento – art. 1672.º) , a sua relação pessoal não é desprezada.

• A união de facto possibilita, assim, como o casamento, a aquisição da nacionalidade portuguesa, por parte do cidadão estrangeiro que viva com um cidadão nacional, desde que judicialmente reconhecido.

• A regulação do estabelecimento da filiação e das responsabilidades parentais é feita pelo Código Civil relativamente aos filhos de pessoas não casadas, sendo estes princípios aplicáveis às uniões de facto.

• A adopção só é permitida no âmbito das uniões de facto heterossexuais.

• Lei atribui aos unidos de facto de sexo diferente o direito de adopção plena em condições análogas às dos cônjuges.

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• Identificam-se dois tipos de situação em que é admissível a adopção (plena) para unidos de facto (duplicação de regime): primeiro, união de facto é equiparada ao casamento no que se refere aos requisitos subjectivos para a adopção plena; segundo, reserva a possibilidade de os unidos de facto adoptarem nos mesmos termos em que o podem fazer as pessoas não casadas.

• Os nubentes podem optar, em convenção antenupcial por um regime de bens legalmente estabelecidos; tal opção, já não existe para os unidos de facto, visto não haver um regime de bens pré-definido.

• Os unidos podem gozar (isto é, podem optar) de idêntico regime de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares (IRS).

• Em caso de divórcio, o ex-cônjuge está obrigado a prestar alimentos ao outro (artigo 2009.º CCiv), nos termos do artigo 2004.º CCiv. No entanto, em caso de cessação da união, tal exigência não se coloca.

• Em caso de morte, no âmbito do casamento, o cônjuge viúvo tem direito a ser alimentado pelos rendimentos dos bens deixados pelo falecido. Na união de facto, são exigidos uma série de requisitos pela lei civil para a atribuição de alimentos ao unido sobrevivo, em caso de morte do outro membro da união.

• O destino da casa de morada de família e residência comum da união de facto é semelhante ao do casamento, porém, a prova pelo companheiro sobrevivo do seu direito é mais difícil.

• O cônjuge sobrevivo tem direito a ser encabeçado, no momento da partilha, no direito de habitação da casa de morada de família e no uso do respectivo recheio; o unido sobrevivo tem apenas direito real de habitação, pelo prazo de cinco anos, sobre a mesma, e no mesmo prazo direito de preferência na sua venda (art.º4 nº1 da Lei nº7/2001). No entanto, o mencionado, não se aplica caso ao falecido caso sobrevivam descendentes com menos de um ano de idade ou que com ele convivessem há mais de um ano e pretendam habitar a casa, ou no caso de disposição testamentária em contrário.

• Os membros da união não usufruem de ADSE como os cônjuges.

• O cônjuge sobrevivo possui uma protecção especial enquanto herdeiro, tanto na sucessão legitimaria, como na legítima. O unido de facto ao não estar previsto como herdeiro legal.

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• Para que a dissolução da união ocorra é somente necessário que uma das partes exprima a sua vontade nesse sentido; ao contrário de no casamento, em que os cônjuges têm de acordar quanto ao destino da casa de morada comum, quanto à divisão dos bens em compropriedade, regulação do poder paternal dos filhos menores, entre outros.

• Na união de facto a Lei não exige qualquer fundamento do membro que quer a dissolução; no caso de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, para que este ocorra é necessário que apresente um dos fundamentos previstos na Lei Civil.

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Depois de efectuada a análise comparativa entre o casamento e a união de facto, importa fazer um balanço.

Olhando para a Lei Civil e para a Lei da União de facto, é comum a afirmação de que os unidos de facto só têm direitos, ao contrário dos cônjuges que também têm deveres (principalmente pela inexistência de um artigo semelhante ao art. 1672.ºCCiv na Lei n.º7/2001). Porém, com uma análise mais atenta, concluí-se que apesar do balanço direitos/deveres ser, realmente, positivo na união de facto, tal não significa uma total inexistência de deveres. Para afirmar o mencionado, nem é fulcral (julgamos) um debruçar intenso sobre o texto legal, basta ter presente que se um dos membros tem um direito relativamente ao outro, assim este (o outro) terá um dever para com aquele. Por exemplo, o artigo 1793.º CCiv (para o qual a Lei n.º7/2001 remete) prevê a possibilidade do juiz dar de arrendamento a qualquer dos unidos, a seu pedido, a casa de morada de família, quer esta pertença a ambos em compropriedade ou exclusivamente a um deles. Assim, um dos unidos, pode ver-se privado do direito de habitação da sua própria casa, para que o outro tenha o direito de habitar a casa do qual não é proprietário; isto é, um dos unidos tem o dever de ceder a sua residência para o outro aí morar caso o tribunal assim determine, considerando, as necessidades de cada um dos membros e o interesse dos filhos. Contudo, com isto não queremos, obviamente dizer, que a existência de direitos para um dos membros significa a necessária existência de deveres para o outro. Por exemplo, os unidos têm o direito de gozar de semelhante regime de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares (IRS), e tal não acarreta nenhum dever para ambos.

Não há dúvida de que a principal semelhança entre o casamento e a união de facto é que ambos regulam a mesma relação de facto. Porém, a expressão de vontade em aderir a um conjunto de direitos e deveres naquele é determinante para que os mesmos se apliquem ao casal; ao invés, na união de facto existem uma série de direitos e deveres que integram, ao fim de dois anos, as esferas jurídicas dos membros da união, sem ser necessária qualquer assinatura prévia ou frases pré-feitas que traduzam a aceitação dos mesmos.

Assim, há uma pergunta que se impõe, ainda com maior pertinência depois daentrega pelo PS, a 19 de Fevereiro, na Assembleia da República, de um projecto para alterar e “aperfeiçoar” a lei das uniões de facto para “melhor proteger direitos e deveres”, que é a seguinte: Há necessidade de legislar mais em matéria de união de facto?

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Consideramos, efectivamente, que a relação de união de facto não pode ser deixada num total terreno de liberdade, porque isso poderia criar situações muito injustas, nomeadamente, em caso de separação. No entanto, pensamos que legislar mais nesta área pode ser excessivo. Tal, entendemos, pode traduzir-se num espartilho à liberdade de viver conforme critérios próprios, sendo que aos unidos de hoje, no futuro, poderá apenas restar uma espécie de “união de visitas recíprocas” ou “união de ano e meio mais ano e meio mais ano e meio…” para os subtrair às bem intencionadas necessidades de os proteger.

Actualmente, é acesa a discussão sobre se se deverá ou não dar direitos e os correlatos deveres a casais homossexuais… Pensamos, que é oportuno reflectir um pouco e tentar perceber a “lógica” de um Estado que se sente autorizado a conferir direitos e obrigações a quem não os pede, e que não os atribui a quem por estes luta.

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& AA. VV., Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, vol. I, Direito da família e das sucessões, Coimbra 2004.

& Coelho, Francisco Pereira; Oliveira, Guilherme de, Curso de Direito da Família, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2008

& Pitão, José António de França, Uniões de Facto e Economia Comum, 2.ª ed., Almedina, 2006

& Prata, Ana, Dicionário Jurídico, vol. I, Direito Civil, Direito Processual Civil eOrganização Judiciária, 5ª ed., Almedina, 2008.

& Tomé, Maria João, Direito da Família e Política Social, Universidade Católica, 2001

8 Páginas da Internet:

http://jar.planetaclix.pt/dissert_u_f.htm

http://pt.wikipedia.org/wiki/Uni%C3%A3o_de_fato

http://www.ilga-portugal.pt/glbt/gip/uf.htm

http://www.portugalzone.com/?p=44438

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