trabalho final factos na petiçao inicial

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1 CATARINA DA CONCEIÇÃO DIAS VITÓRIA 22209 FUNÇAO DOS FACTOS NA PETIÇÃO INICIAL

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CATARINA DA CONCEIÇÃO DIAS VITÓRIA

22209

FUNÇAO DOS FACTOS NA

PETIÇÃO INICIAL

2012

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FUNÇAO DOS FACTOS NA PETIÇÃO INICIAL

PROCESSO CIVIL

TRABALHO REALIZADO SOB A ORIENTAÇÃO DA EXMA. PROFESSORA

DOUTORA ELIZABETH FERNANDEZ

DEPARTAMENTO DE DIREITO

Num ser humano o corpo funciona como o sistema de sustentação da vida. Quando o corpo imerge, resta a imaterialidade, o espírito, a alma. Num processo a matéria de facto é o corpo e o direito é a alma. Ambos são essenciais ao conjunto, mas em planos diferentes….

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ÍNDICE:

INTRODUÇÃO...................................................................................................... 4

1. O Direito De Acção .........................................................................................6

2. A Petição Inicial…………………………………..………………..……….……..7

3. Partes, Causa De Pedir e Pedido………………............................................11

4. Causa de Pedir e Direitos Auto Determinados e Absolutos …................ 16

5. Conceito De Substanciação .........................................................................20

6. Conceito De Individualização ...................................................................... 22

CONCLUSÃO ..................................................................................................... 25

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................. 27

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho versa sobre a função dos factos na petição inicial.

Conforme será estudado adiante, os factos podem ser constitutivos ou

instrumentais.

O nosso processo é um processo que assenta no princípio do dispositivo art.º

264 CPC, o que leva, a que seja absolutamente necessário que a parte que quer

fazer valer o seu direito venha a juízo, formular o seu pedido.

É as partes que compete impulsionar o processo, embora cumpra ao juiz, nos

termos do art.º 265, n.º1 providenciar pelo andamento regular e célere do processo.

A petição inicial é o articulado em que o autor formula o pedido através da

exposição dos fundamentos de facto e de direito, tendentes à verificação dessa

mesma pretensão.

Pode-se assim dizer, que a petição Inicial tem uma dupla função:

1- Levar a questão juízo, iniciando a instância (art.º 267 nº 1, e 467)

2- Individualizar a acção, quer num plano subjectivo (tribunal e partes),

quer num plano objectivo através da exposição de factos e de direito, e da formulação

do pedido.

Há pois o desencadeamento do direito de acção por parte do autor

constituindo, assim, através da petição inicial, a relação processual.

O autor atendendo aos factos que verte na petição inicial, define os limites da

lide, isto é, estabelece os limites factuais sobe os quais o juiz, se vai versar para

decidir, art.º 664 CPC.

Com o presente trabalho pretende-se apurar os elementos necessários à

identificação do pedido, e à pretensão da causa de pedir, que uma vez apresentado

pelo autor e, citado o réu, não poderá ser alterado o pedido sem acordo das partes,

conforme consta do art.º 272 CPC, não existindo acordo, pode o autor proceder á

sua alteração nos termos do art.º 273 CPC.

Assim versarei sobre o que poderá vir a ser a causa petendi “ a causa de

pedir” e investigar o que determina a individualidade e singularidade do pedido,

pois é somente sobre os elementos informadores desta, que recai a imposição

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legal de inalterabilidade, o que se pretende analisar é a possível modificação de

inúmeros argumentos, e mesmo a introdução de novos factos e os limites em que

isso pode ser feito. A causa de pedir é um conceito elástico que pode ser alargado

ou reduzido, variando de acordo com a teoria considerada e com os elementos

analisados, a medida em que isso pode ser compatível, com o sistema processual

civil é também algo que se pretende analisar com este trabalho.

Assim o nosso ordenamento jurídico, ao contrário de outros ordenamentos,

opta por uma teoria, em que é permitido ao autor invocar o seu direito com base

numa só causa de pedir, não estando sujeito, como nesses outros ordenamentos

ocorre, a um ónus de alegação relativamente a todas as casas de pedir, ou seja, tal

ocorre em virtude da amplitude de caso julgado que o nosso legislador consagrou,

onde através do estabelecimento de uma triple identidade (sujeitos, causa de pedir e

pedido), permite que o autor através da alteração da causa de pedir vise alcançar o

mesmo direito, por uma via distinta.

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1. O DIREITO DE ACÇÃO

A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde um

processo adequado ao seu reconhecimento em juízo – art. 2º do CPC (diploma a que

pertencem todas as normas, salvo menção contrária). É o que se designa por direito

de acção, que tem consagração constitucional no art. 20º da lei fundamental e cujo

conteúdo é integrado pelo poder de aceder ao tribunal para a protecção de direitos ou

interesses legalmente tutelados.

O direito de acção não tem natureza absoluta. Conquanto a boa fé não seja um

pressuposto da constituição do direito de acção, é no entanto pressuposto do seu

exercício não abusivo. A própria essência normativa do direito, impõe a necessidade

de o proteger contra a instrumentalização, mais ou menos inteligente, das suas

normas por parte dos destinatários. Por isso é que o uso anormal do processo é

sancionado com uma decisão impeditiva dos objectivos de simulação ou fraude

processual (665ºCPC).

À parte que, no exercício do direito de acção, promove o impulso processual

inicial, ficando assim investida numa situação jurídica activa, contrapõe-se a parte

causada, submetida à acção e aos efeitos decorrentes do acto final.

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2. A Petição Inicial

Na origem de qualquer processo, existe sempre um conflito que surge na vida

de duas ou mais pessoas relativamente à definição de uma situação jurídica. A

instabilidade gerada pelas posições controvertidas das pessoas envolvidas no

conflito, determina, que uma delas decida recorrer ao tribunal para obter a sua

resolução. A liberdade da decisão sobre a instauração do processo, emanada do

princípio do dispositivo propriamente dito, cabe, em exclusivo, à parte (disponibilidade

da tutela jurisdicional). O tribunal não pode resolver o conflito de interesses, que a

acção pressupõe, sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes (art. 3º).

O primeiro passo a incidir na petição inicial, é proceder à selecção e

classificação dos factos, segundo critérios jurídicos, concluindo pela dedução da

pretensão.

Esta pode dirigir-se a diversos efeitos (art. 4º).

Se a acção é meramente declarativa, o autor pedirá ao tribunal que verifique a

existência (declaração positiva) ou a inexistência (declaração negativa) de

determinado direito ou facto; se é constitutiva, o autor designará a mudança que

pretende obter na ordem jurídica e pedirá que seja decretada essa mudança; se é

condenatória, especificará a prestação (de coisa ou de facto) que julga de seu direito

e pedirá que o réu seja condenado nessa prestação.

A petição estrutura-se em quatro partes: cabeçalho, narração, conclusão e

elementos complementares.

A narração compreende, precisamente, os factos e as razões de direito que

servem de fundamento à acção, ou seja, a causa de pedir (467º, n.º 1, al. d)).

Pode definir-se como o conjunto dos fundamentos de facto e de direito da

pretensão alegada pelo autor. Integrada pela norma ou pelas normas alegadas, os

factos principais, invocados como suporte concreto dessas normas e os factos

instrumentais alegados como substrato concreto desses factos principais 1 .

1 Mariana França Gouveia, “A Causa de Pedir na Acção Declarativa”, pág. 529

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Convém que fique definido, desde já, o que se entende por factos principais e

factos instrumentais, reportando-se, uns e outros, unicamente à matéria que

fundamenta a procedência da acção.

A doutrina elabora tal distinção através da norma alegada, como decorre, aliás,

do art. 511º.

Para saber quais, de entre os factos alegados são os principais, há que

averiguar a ou as normas invocadas pelo autor como fundamento da sua pretensão.

Assim, se num dado caso se pretende aplicar a regra da responsabilidade

contratual, é evidente que a celebração de determinado contrato é essencial, mas se

se pretende aplicar à mesma situação a regra da responsabilidade extracontratual, já

o contrato poderá não ser facto principal 2.

Face ao exposto, temos assim de distinguir, entre factos principais ou

constitutivos e, factos instrumentais:

- Factos principais são todos os que integram a causa de pedir, fundando o

pedido;

- Factos instrumentais são aqueles, cuja função é apenas probatória, não

substanciam ou preenchem as pretensões jurídico materiais do autor, mas da sua

prova pode inferir-se a prova dos factos principais.

Na petição inicial o autor deve, portanto, expor os factos principais ou

constitutivos e instrumentais, necessários à procedência do pedido e,

acessoriamente, mencionar as razões de direito, isto é, a interpretação e aplicação

das regras jurídicas aos factos narrados. Este é o corolário do acolhimento pelo nosso

direito processual civil da teoria da substanciação, que implica para o autor a

necessidade de articular os factos de onde deriva a sua pretensão, formando-se o

objecto do processo e, consequentemente, o caso julgado, apenas relativamente aos

factos integradores da causa de pedir invocada3.

Os fundamentos de facto e de direito devem estar para o pedido na mesma

relação lógica em que as premissas dum silogismo estão para a conclusão 4 .

2 Mariana França Gouveia, ob. cit., pág. 3843 Cfr., entre outros, Alberto dos Reis, ob. cit.,Volume II, 3ª edição, pág. 354, Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, Vol. I, pág. 207, e Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, 2ª edição, Vol. I, pág. 193.4 Alberto dos Reis, ob. cit., Volume II, pág. 350

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Quando falte ou seja ininteligível a causa de pedir, a petição é inepta (193º, n.º

2, al. a)), ainda que a apreciação desse vício de conteúdo apenas tenha lugar, depois

da apresentação de todos os articulados, salvas as situações contempladas no art.

234º, n.º 4, als. a) a e), por força do n.º 1 do art. 234º-A.

Para efeitos de petição inicial, a causa de pedir terá de ser constituída, no

mínimo, pelos elementos de facto e de direito que permitam ao réu contestar ou que,

por outro lado, permitam logo um juízo de mérito no caso de ocorrer revelia do réu

(484º)5 .

O caso específico das acções de simples apreciação negativa:

Neste tipo de acções a causa de pedir é constituída pela alegação da

inexistência do direito ou do facto concreto e ainda pelos factos indiciadores do

estado de incerteza ou de insegurança que justificam a causa judicial 6.

A alegação dos factos constitutivos da situação negada pelo autor incumbe ao

réu (343º, n.º 1, do CC), que fica onerado com a demonstração desses factos.

Este critério especial do ónus de prova, assenta na ideia de que é mais fácil ao

réu provar a existência de um direito ou de um facto contestado pelo autor, visto que

impor a este, a prova da inexistência do direito ou do facto em questão seria forçá-lo a

uma prova impossível ou muito difícil 7.

Algumas palavras ainda para a causa de pedir complexa e para as causas de pedir

múltiplas.

A causa de pedir complexa ocorre quando assenta num facto complexo. Não

são diversos factos mas um só e este em si complexo 8 .

Dois casos, entre muitos, para ilustrar essa situação:

Nas acções de acidente de viação a causa de pedir complexa é constituída,

não apenas pelo acidente, nem apenas pelos prejuízos, mas também pelo conjunto

dos factos exigidos por lei para que surja o direito de indemnização e a correlativa

obrigação. Referimo-nos, claro está, aos indispensáveis nexos causais, seja a título

de risco ou de culpa do responsável 9 .

5 Mariana França Gouveia, ob. cit., págs. 151/1526 Abrantes Geraldes, ob. cit., I Volume, 2ª edição, pág. 2047 Vaz Serra, “Provas”, BMJ n.º 110, pág. 1648 Ac. STJ de 28.10.1997, CJ STJ, Ano V, Tomo III, pág. 1039 Acórdão do STJ, de 19.05.2005, processo n.º 05B1627, www.dgsi.pt

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Nas acções de demarcação, são elementos da causa de pedir complexa a

existência de propriedade confinante e a incerteza ou discussão sobre as estremas

dos prédios 10.

Nas causas de pedir múltiplas associam-se tantas causas de pedir quantas as

previsões normativas invocadas, independentemente de os factos concretizadores

desses fundamentos serem, numa perspectiva natural, os mesmos.

Exemplos frequentes são os das acções de despejo em que são avançados

diversos fundamentos fácticos para a resolução do contrato de arrendamento e os

das acções de divórcio em que o cônjuge acusante invoca factos integradores da

violação de vários deveres conjugais.

A apresentação em juízo da petição inicial marca o momento da propusitura da

acção.

Posto isto, poderemos dizer que os factos instrumentais são factos segundo

CASTRO MENDES – que interessam indirectamente à solução do pleito, (acção) por

servirem para demonstrar a verdade ou falsidade dos actos pertinentes, ou seja, são

factos que se podem traduzir como indispensáveis à acção uma vez que os mesmos

podem influenciar a apreciação dos factos constitutivos.

MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA indica estes factos instrumentais como

indiciários dos essenciais (constitutivos) uma vez que, permitem aferir a real

ocorrência e consistência destes.

Por sua vez, LOPES DE REGO define factos instrumentais como aqueles que

nada tem a ver com a substanciação da acção e da defesa, e por isso mesmo

carecem de serem incluídos na base instrutória, podendo ser livremente, investigados

pelo juiz, contrapondo-se assim, aos factos essenciais, que por sua vez, são aqueles

de que depende a procedência da acção iniciada pelo autor.

Em termos de actuação oficiosa do juiz, não é demais referir, e novamente

devido ao principio do dispositivo, que o juiz se encontra limitado, para chegar a uma

decisão, aos factos alegados pelas partes.

Sem prejuízo, de o poder inquisitório ao juiz conferido, lhe permitir ter uma

consideração os factos instrumentais complementares ou concretizadores dos factos

constitutivos alegados inicialmente. Não significando isto como decidiu o STJ

10 Acórdão da Relação do Porto, de 06.03.2008, processo n.º 0831102, www.dgsi.pt

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1.7.2004. que à parte bastará alegar os factos constitutivos cabendo ao juiz fazer tudo

o resto, ou seja, a parte se quer ver a sua pretensão ser considerada como

procedente deve realizar uma exposição factual e de direito que forme uma base

sustentável para a sua pretensão, até porque, deve o autor enunciar na sua petição

inicial, todos os factos que ache relevantes à procedência da acção e que sejam do

seu conhecimento ate aquele momento, sob pena de não as poder invocar

posteriormente.

3. Partes, causa de pedir e pedido

Em razão de uma herança histórica, cujas bases estão na tradição romana, a

identificação das acções é um problema que quase sempre é tratado sobre o

prisma da tríplice identidade (eadem personae, eadem res, eadem causa

petendi).

A identidade da causa ou eadem causa petendi é “o elemento mais delicado a

examinar” dentre aqueles que servem para determinação e individualização do

pedido (Chiovenda)11.

A causa de pedir é “o mais delicado e controverso dos elementos

identificadores da acção”, a expressão causa, significava a razão legitimadora do

agir, seja através do uso da própria força seja atribuindo a alguém o interesse

de agir contra outros por intermédio do Poder Judiciário. Pode-se assim dizer que

Causa nada mais é do que, o próprio conflito posto em juízo.

Toda a petição inicial deve ser obrigatoriamente portadora de um pedido

fundamentado, isto é, de uma causa de pedir. É através da petição inicial e das

limitações delineadas na causa de pedir que se determinará a extensão da

matéria que poderá ser conhecida e decidida pelo juiz, pois este só poderá decidir

com base nos factos articulados pelas partes, art.º 664 CPC.

11 Chiovenda, Instituições de direito processual civil, I, p. 358.

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Os factos e os fundamentos jurídicos contidos na petição inicial consubstanciam o

pedido nela deduzido, delimitando assim a relação de direito material objecto do

processo, ou seja, quando um ou mais sujeitos tem interesse sobre o mesmo

objecto, está instaurada a lide que deverá ser dirimida pela entrega da tutela

jurisdicional a quem tiver razão. A indispensabilidade da causa de pedir decorre

da necessidade de definição dos elementos constitutivos do pedido.

A causa de pedir tem como elementos o facto (causa remota) e os

fundamentos jurídicos (causa próxima).

A causa remota “compreende tanto o facto constitutivo do vínculo quanto o facto

particular, ou seja, o facto do réu contrário ao direito afirmado pelo autor, que vem a

constituir o interesse de agir. A causa próxima compõe-se na relação jurídica que

vincula autor e réu (direito constitutivo) conjuntamente com o direito particular

invocado pelo autor como causador do efeito.

A causa de pedir é um estado de facto e de direito, que “é a razão pela qual

se exerce uma acção” e, é composta por dois elementos: uma relação jurídica e

um estado de facto contrário ao direito.

O fundamento jurídico do pedido não é a norma (artigo de lei) na qual se

funda a pretensão. Evidentemente que é conveniente ao autor indicar o preceito de

lei que protege sua pretensão, mas não existe qualquer obrigação em fazê-lo. O

nomen juris atribuído pelo autor é absolutamente irrelevante para identificação da

causa de pedir, pois não é esse o significado de fundamento jurídico. O nomen

juris pode até ser relevante quando a denominação serve à individuação do

pedido, mas as deduções jurídicas podem ser livremente alteradas. O fundamento

jurídico do pedido é a declaração da natureza do direito. Ou seja, bastaria afirmar o

direito de crédito, a uma prestação, à entrega de uma coisa etc, fundamento

jurídico, estaria verificado.

Assim, compete ao autor apresentar a causa de pedir (factos e fundamento

jurídico) para que o juiz lhe entregue a tutela jurisdicional (teoria da substanciação).

Não há na teoria da substanciação qualquer vinculação do juiz com o direito

declarado, mas somente com os factos e com o pedido deduzido, tal não ocorre na

teoria da individuação.

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A acção identifica-se por meio dos elementos de facto que tornam concreta a

vontade da lei, e não pela norma abstracta.

Permanece, no entanto, a dificuldade de se identificar os factos que

integram a causa de pedir.

A causa de pedir é uma figura ligada à fundamentação do pedido (em

sentido amplo) proposta pela perspectiva processual. Sempre que houver a

necessidade de se discutir os fundamentos do pedido será necessário o exame da

causa petendi.

MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA sublinha a importância do enquadramento

legal dos factos que constituem o núcleo da causa de pedir, mas logo em

seguida, afirma a independência da subsunção do facto ao preceito legal, ao

reconhecer o seu valor intrínseco: “os factos que constituem a causa de pedir

devem preencher uma determinada previsão legal, isto é, devem ser subsumíveis a

uma norma jurídica, mas valem independentemente dessa qualificação”.12 Os factos

essenciais que autorizam a procedência do pedido devem ter a aptidão de se

emoldurarem a algum fundamento jurídico ou regra jurídica, mas essa qualidade,

deve ser analisada considerando o sistema jurídico na sua totalidade, não se

confinando à delimitação dos fundamentos jurídicos invocados pelo autor.

Dessa forma, é questionável, ao menos pela sua irrelevância, a inclusão dos

fundamentos jurídicos no núcleo da causa de pedir. Mais apropriado seria,

considerar que a causa de pedir é constituída unicamente pelos factos suficientes à

individualização do pedido.

Para identificação dos factos essenciais será imprescindível análise do

pedido deduzido, já que somente por meio dessa relação é que se poderá precisar

quais são os factos essenciais e quais são os factos auxiliares (instrumentais,

acessórios, simples, secundários etc.) que apenas complementam os fundamentos

do pedido, mas, que permitem a procedência deste independentemente da sua

comprovação.

Essa concepção de causa de pedir necessita da identificação do objecto do

processo, para que se chegue ao núcleo da causa de pedir. Ou seja, é necessária

12 Miguel Teixeira de Sousa, As partes, o objecto e a prova na acção declarativa, p. 123.

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a identificação do objecto para delimitação da causa petendi. Verifica-se portanto,

que esse conceito de causa de pedir não é suficiente para a identificação

completa de todos os elementos do pedido, já que não separa o objecto litigioso

da causa de pedir, o que significa que somente, identificando ambos é que se

poderá saber quais as questões que serão objecto de decisão.

Como a decisão a ser proferida pelo juiz não está vinculada aos fundamentos

jurídicos do pedido descrito na petição inicial, haverá uma claríssima dificuldade

em se separar, a priori, os factos essenciais dos acessórios, pois dependendo do

direito a aplica os mesmos factos poderão enquadrar-se objectivamente num ou

noutro grupo. Os factos essenciais são factos jurídicos e portanto necessitam de

fundamentos jurídicos à sua identificação.

Mas os fundamentos jurídicos não são expostos definitivamente na petição

inicial – já que é permitido ao juiz a aplicação de fundamentos jurídicos diversos –

de modo que, a identificação dos factos essenciais, só será possível no momento de

aplicação do direito (sentença). Para identificação de um núcleo resistente da causa

de pedir, há a necessidade de extrair do conjunto de factos aqueles que constituem

o fundamento do pedido e que, não obstante possa ser dada qualificação jurídica

diversa, o direito a ser aplicado necessariamente deverá recair sobre esse conjunto

de factos resistentes. É por essa razão que é tão difícil chegar a uma definição

praticamente utilizável de causa de pedir, que possa ser indistintamente aplicada

para todas as figuras processuais que dela se utilizam para sua compreensão, bem

com da própria definição da causa petendi em si para as mais diversas situações

e direitos perseguidos no processo.

Facto essencial é aquele que se ajusta à situação jurídica, seja qual for a

situação jurídica. São os factos que abstractamente podem ser enquadrados a um

direito, ainda que diverso daquele indicado pelo autor. Ou seja, os factos devem ser

analisados à luz dos objectivos colimados pelo pedido, aproximando-se com isso do

próprio direito material. Essa concepção da causa de pedir é materialmente

orientada, pois tem no direito material um parâmetro certo para a sua identificação.

Não existe, a mais, pequena possibilidade de identificação da causa de pedir,

sem um confronto com o pedido deduzido. Quando se prescinde do pedido, recorre-

se aos fundamentos jurídicos, mas esses não são rígidos e podem mudar ao longo

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da marcha do processo, sendo certo, por isso, que o valer-se deles para identificar

da causa de pedir é inadequado. Pelo facto, de a parte ser obrigada a deduzir

fundamentos jurídicos na sua petição inicial, quer dizer que tenha a faculdade de

estabelecer esses critérios jurídicos, relativamente a elementos integrantes do

núcleo do conceito de causa de pedir.

O autor ajuíza a sua causa pedindo o reconhecimento de uma obrigação sob

a alegação de que existe um contrato verbal celebrado entre as partes. O réu

contesta negando que haja um contrato verbal, mas traz documentos que

demonstram a existência de um contrato onde já estão definidas as partes, o

objecto e o preço, inclusive, com comunicação das partes sobre a aceitação. Mas

nega o direito do autor, pois entende que, aqueles documentos configuram meros

documentos sem qualquer vinculo entre as partes. O autor, ao verificar os

documentos, entende que eles representam o próprio contrato definitivo e que agora

há um contrato escrito. Ninguém questiona que o juiz poderá qualificar aqueles

documentos como melhor entender, o que poderá levar a causa a ser julgada

procedente ou improcedente. Quais são os factos essenciais contidos na petição

inicial? Seriam aquelas obrigações que o réu verbalmente assumiu? No entanto,

com a contestação, verificou-se a existência de missivas trocadas pelas partes que

permitem a identificação de um contrato, escrito e definitivo. O juiz poderá

reconhecer a obrigação contida nesse contrato ou estará vinculado ao direito

invocado, que decorre de um suposto contrato verbal?

Se os factos essenciais forem analisados somente à luz dos fundamentos

contidos na petição inicial haverá alteração da causa de pedir na hipótese de outro

direito ser aplicado, ainda que não haja qualquer impedimento relativamente a

proceder-se dessa forma. Portanto, não é possível associar a causa de pedir aos

fundamentos jurídicos da causa, uma vez que, a modificação destes, implicará a

alteração da causa petendi. Os factos essenciais, nesse contexto, só podem ser

aqueles que se enquadram nas mais diversas previsões normativas, pois só

assim será mantido um núcleo resistente, em torno do qual poderão orbitar todos

os possíveis direitos que conduzam à procedência do pedido.

Não há identificação da pretensão processual como direito material porque

não se identifica um único direito material, mas todos os potenciais enquadramentos

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jurídicos que aqueles factos essenciais podem consubstanciar, independentemente

do direito aplicável que leve a esse resultado, são os factos que determinam

uma consequência jurídica revelada pelo pedido. O juiz poderá alterar o

fundamento legal invocado ou até mesmo reconhecer a existência de uma relação

jurídica diversa daquela peticionada pelo autor, mas a consequência jurídica será

imutável, já que está relacionada ao objectivo da causa revelada pelo pedido que,

uma vez formulado, será imodificável.

É mais adequado que os factos constitutivos do núcleo duro da causa de

pedir não sejam estabelecidos por regras matemáticas, mas sim identificados caso a

caso de acordo com as particularidades de cada caso concreto. É certamente uma

missão predestinada ao insucesso imaginar que esse núcleo resistente da causa de

pedir possa ser o mesmo no caso de uma causa reivindicatória do domínio de bem

imóvel e de uma acção de cobrança.

4. Causa de pedir e direitos auto determinados e absolutos

As bases do conceito de causa de pedir serão sólidas, se analisarmos a

teoria, à luz de determinados pedidos e direitos tutelados no processo que causam

mais ou menos elementos de facto à sua individualização. A identificação da

causa de pedir quando envolve direitos auto-determinados ou absolutos, como são

os direitos reais (usufruto, propriedade, servidões), os de direito de família, aqueles

referentes ao estado da pessoa exigem maior atenção do processualista, já que

esses direitos manifestam-se uma única vez.

Assim como dois corpos não ocupam o mesmo espaço, há direitos que não

comportam mais de que um titular. Esse não é o caso, por exemplo, dos direitos de

crédito, onde cada sujeito pode ser titular de infinidades de direitos. No entanto,

direitos como o de propriedade, não comportam pluralidade de titulares mesma

ordem jurídica. Os direitos reais de gozo são individualizados, sem que haja a

necessidade de apresentação ou descrição de um título constitutivo. Ou seja, um

dado sujeito é proprietário de um imóvel por tê-lo adquirido por meio de contrato

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de venda, devidamente desonerado. Caso esse mesmo sujeito tenha a posse

pacífica desse bem, habilitada a caracterizar usucapião, isso não fará com que ele

tenha uma dupla propriedade desse imóvel. Não haverá multiplicação do direito

ainda que o titular tenha vários títulos que, isoladamente, lhe confiram o direito de

propriedade, o domínio é só e apenas um direito.

A narração dos factos é dispensável, sobretudo por não implicar qualquer

dificuldade de defesa ao réu, cuja resposta à causa formulada será necessariamente

por meio de proposições que demonstrem ser ele o único titular do direito. Tanto o

autor, como o réu procurarão no processo a comprovação do mesmo direito. A

causa poderá ser julgada improcedente pela não demonstração do direito pelo

autor, mas isso está relacionado com a regra de distribuição do ónus da prova e

não com qualquer fundamento oposto pela defesa. Seria possível até mesmo que o

réu revel, fosse beneficiado com a tutela jurisdicional, se o autor não demonstrar a

existência do seu direito. São elucidativas as palavras de Chiovenda, para quem,

“na acção real, basta a afirmação da relação jurídica (propriedade, usufruto,

servidão), a fim de que a acção seja suficientemente identificada. Em especial, na

acção de reivindicação, onde basta a afirmação de se ser proprietário de

determinado objecto, a fim de que a identificação seja plena, e não é, com efeito,

necessário indicar o facto jurídico em virtude do qual se tornou proprietário, isso

pode ser necessário para provar a existência da relação jurídica de propriedade,

não o é, porém, para identificar a acção”.13

Os direitos de crédito, por outro lado, necessitam de uma individualização

pormenorizada, já que, a relação deste com o titular poderá ter origem em diversos

factos (jurídicos) e, cada um destes, poderá dar momento a um novo e diferente

direito de crédito. Para cada facto constitutivo haverá um direito de crédito

correspondente, e daí advém a necessidade de indicação da origem do direito, o

que não ocorre com os direitos de propriedade, que são auto determinados por

definição.

A diferença entre os direitos absolutos e relativos repercute-se no próprio

conceito de causa de pedir, que condiciona o direito que se visa tutelar, o que, leva

a que, se repercuta nos elementos que servem de base ao conceito.

13 Chiovenda, Instituições de direito processual civil, I, p. 360-361.

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19

Na procura de um conceito de causa de pedir verifica-se em certas situações

que há uma modificação na definição de acordo com a norma que se investiga.14

A sentença de mérito que julga a causa possui limites objectivos que não

serão definidos pelo objecto do processo, fruto de uma análise inicial, nem tão

pouco pelo que foi objecto de discussão pelas partes, mas unicamente pelo que foi

efectivamente decidido. Se durante a pendência do processo é possível identificar o

objecto que deverá ser decidido pelo juiz, uma vez proferida a decisão em sentença

os limites objectivos da coisa julgada material, deverão ser analisados à luz do

que foi decidido em confronto com o que foi discutido.

Caso o autor peça x mas o juiz lhe entregue y este mesmo autor poderá

ainda perseguir x, pois x não foi objecto de julgamento, apesar de estar inserido no

objecto do processo e ter sido discutido entre as partes. Também é possível que o

autor peça x e y e o juiz somente decida sobre x. Nesse caso o autor também

poderá pedir por y, muito embora tenha sido objecto do processo transitado em

julgado. Salienta JOSÉ DE SOUZA BRITO que o “objecto do processo, sendo uno,

admite desvios entre o objecto da sentença e, o objecto da controvérsia”.15

A análise da causa de pedir será condicionada pelos fins objectivados, de

acordo com o instituto processual estudado, não havendo um conceito que se

adeqúe a todas as figuras que se utilizam da ideia de causa de pedir.

Ora, inicialmente é necessário analisar o objecto litigioso para verificar a existência

de eventual ineptidão da petição inicial, mas, não é obrigatório que o mesmo

conceito seja utilizado para solucionar problemas com a eventual alteração da causa

ou de litispendência. Quando estiver em questão o acesso à justiça, o que arroga o

direito terá que ter um cuidado redobrado em tratar essa questão. Pense-se no

autor que fundamenta o seu pedido condenatório em determinados factos e em

determinado direito.

Factos supervenientes fazem com que o autor, que inicialmente não tinha

razão, passe a ter o direito à procedência do seu pedido. Se esses factos tendem

à alteração da causa, já que, o que importa é o pedido deduzido e não

14 José de Sousa Brito, “Identidade e variação do objecto em processo declarativo”, p. 11-12.

15 José de Sousa Brito, Identidade e variação do objecto em processo declarativo, p. 36.

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propriamente os motivos ou a causa que está à sua base.16

Mariana França Gouveia analisa a causa de pedir em oito institutos ou

figuras processuais: (a) inaptidão da petição inicial; (b) competência; (c) cumulação

inicial, (d) reconvenção, (e) cumulação sucessiva e alteração do objecto; (f)

litispendência; (g) princípio dispositivo e (h) caso julgado. Ressalta assim, a

existência de diferenças no tratamento da causa de pedir e no objecto do processo

em cada uma dessas situações.17

Para cada situação processual a autora estabelece a preponderância de

determinados valores. Quando está em causa o caso julgado, a interpretação do

que vem a ser a causa de pedir é bastante diferente quando comparada com o

mero exame superficial da aptidão da petição inicial.

Quando a questão posta é a possível ineptidão da petição inicial, por ausência

de causa de pedir, os valores relevantes são o direito de defesa do réu e a

possibilidade de o tribunal analisar a pretensão processual da parte, identificando

na petição inicial uma lógica jurídica interna.

Já no que se refere à excepção de caso julgado a exigência de identidade

da causa petendi será muito mais rigorosa, impondo a extinção somente quando

todos os factos alegados tenham sido apresentados como factos essenciais da

primeira causa. Ou seja, os factos reconhecidos e provados na causa antecedente

deverão ser novamente expostos como factos essenciais a fundamentar o pedido

deduzido.18 Ainda quando haja parcial coincidência de factos essenciais, mas

existindo outros do mesmo modo fundamentais não coincidentes, deverá ser

afastada a excepção de caso julgado, privilegiando-se o acesso à justiça e o

direito da parte a ter sua nova causa julgada.

16 Essa é posição de Gottfried Baumgärtel, Zur Lehre vom Streitgegenstand apud Mariana França Gouveia,

A causa de pedir na acção declarativa , p. 93.

17 Mariana França Gouveia, A causa de pedir na acção declarativa, p. 507-50918 Mariana França Gouveia, op. cit., p. 509. Cfr.. ainda p. 493 ss.

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5. Conceito de Substanciação

Quando se pensa em substanciação desde logo se pensa no facto. O facto

puro, o facto verdadeiro, o facto real, enfim o facto como ele é, como ele

verdadeiramente é. Então caberá ao juiz emoldurar aqueles factos numa categoria

jurídica e pronunciar o direito, entregando a tutela jurisdicional a quem tem razão

segundo essa operação (subsunção do facto à norma).

Essa concepção parte de uma premissa absolutamente questionável de que

existe uma claríssima separação entre facto e direito, como se o direito não

fosse permeado por factos e como se os factos não fossem invadidos pelo direito.

Na teoria da substanciação a parte tem o dever de narrar os factos jurídicos e

ao juiz caberá a aplicação e declaração do direito. Mas os factos jurídicos já não

são os factos puros (aqueles que ocorrem fora do processo), os factos são, em

verdade, os factos jurídico processuais, ou seja, aqueles descritos pela parte com o

intuito de demonstrar a sua juridicidade e que conduzem à procedência do seu

pedido. Interessa à teoria da substanciação somente os factos essenciais, que são

os acontecimentos concretos da vida, discutidos pelo autor, de onde ele extrai a

consequência jurídica pretendidas na sua causa. Os factos acidentais ou

instrumentais não importam, pois não individualizam a causa e, por isso, não

integram a causa de pedir ou o seu núcleo resistente, visto não terem a aptidão de

justificar o pedido. Os factos essenciais são, por outro lado, aqueles que

singularizam a pretensão processual, distinguindo-a de todas as outras que o autor

poderia apresentar a juizo.

A lei impõe, sempre, um enquadramento jurídico aos factos apresentados, do

qual decorre uma interpenetração do direito ao facto e do facto ao direito. Compete

ao juiz realizar essa separação e, se for o caso, realizar um novo enquadramento

daquelas alegações (factos e normas) para pronunciar o direito.

Os factos, nessa concepção substancialista, são elementos determinantes

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da causa de pedir, mas para que o juiz esteja realmente livre da contextualização

jurídica feita pela parte, ele deve primeiro procurar o facto puro. Os factos devem

ser provados nos autos e o direito deverá ser sobre eles aplicado após a realização

de um juízo de valor.

Não é difícil verificar que não existe substanciação pura, pois essa conceito

par te de uma falsa premissa de que poderia existir factos puros ou absolutamente

verdadeiros no processo civil, quando apenas existem sujeitos interessados que

ajuízam os factos da forma que lhes convém.

Mesmo o juiz, supostamente parcial e equidistante em relação as partes, tem

os seus valores, as suas crenças e sobretudo o seu olhar singular e próprio da

realidade. Aplicar a norma ao facto é uma proposição transcendente pois

pressuporia a separação absoluta entre facto e direito, o que faz da teoria da

substanciação uma ideia conceitual e abstracta plenamente válida, mas jamais

possível de se verificar na prática do direito processual civil, que procura a verdade

material. O que pode ocorrer são factos incontroversos decorrentes da ausência de

impugnação ou da própria concordância da parte contrária.

Pode haver também presunções que determinam a aplicação de regras

jurídicas, mas isso também não significa que será possível identificar o facto na sua

essência, tal como ele efectivamente ocorreu, como se ele não tivesse sido

apresentado pela parte que dele beneficia. Os factos apresentados no processo são

fruto de uma elaboração mental e, por isso, nunca poderão ser puros e isentos de

ideologia.

A substanciação pura é uma ideia criada para determinar um comportamento

às partes, para prescrever condutas e o modo de comportamento exigido ou

esperado, mas não pode ser considerada como uma verdade absoluta. Os factos

apresentados no processo são fruto de uma escolha e portanto serão sempre

retratos parciais da realidade, ou não fosse o processo um meio de resolver litígios.

Na teoria da substanciação a alegação do facto constitutivo do pedido é

essencial, enquanto que, na individuação é suficiente a afirmação da relação de

direito para que o pedido seja individualizado.

O método desenvolvido para investigação da causa petendi numa ou noutra

concepção é literalmente o mesmo, sendo os mesmos os elementos

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investigados para identificação da causa (ao menos nos direitos relativos). O facto

de uma procurar a identificação por meio da afirmação da relação jurídica

(individuação) e a outra ter nos factos constitutivos o fundamento do agere não

fazem das teorias dois métodos absolutamente distintos de vislumbrar o problema,

mas duas formas que se complementam com o mesmo propósito de entender o

que é posto à prova do juiz, os limites em que o pedido articulado poderá ser

modificado e o que efectivamente ficará sujeito à autoridade do caso julgado

material.

6. Conceito de individualização

O objecto do processo sob o prisma da individualização é determinado pela

identificação da relação jurídica. Nessa visão os factos não integrariam propriamente

a causa petendi, mas a qualificação jurídica que lhes empresta.

Uma vez apresentada a relação jurídica, ela passa à condição de imutável e

o objecto da causa cinge-se à análise da correcção do tratamento jurídico atribuído

aos factos. Visto desse modo, aquela relação jurídica apresentada na petição inicial

não poderá ser matéria de novo julgamento, já que integrará os limites objectivos da

caso julgado ou induzirá a excepção de litispendência.19

Perante a teoria da individualização, aplicável aos direitos auto-determinados,

os factos estão intimamente relacionados com a procedência do pedido, mas não

se prestam a individualizar a causa. Por essa razão, mostra-se importante fazer

algumas considerações, ainda que breves, para melhor compreensão desse

complexo problema na vida do direito processual.

A tutela de um interesse estará sempre l igada a determinado facto, mas

esse facto é apenas um ponto de referência espacial e temporal, sem que se

possa atribuir-lhe qualquer qualificação jurídica e, portanto, não serve para individuar

a causa. Considere-mos, p. ex., uma causa que visa à restituição de coisa

determinada. O objecto substancial da causa será a obrigação de restituir a coisa

19 Mariana França Gouveia, A causa de pedir na acção declarativa, p. 58

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recebida indevidamente e o objecto processual será o provimento jurisdicional

pedido. A causa de pedir é a anulação do contrato e a entrega efectiva da coisa ao

réu. Haverá modificação da causa de pedir (e portanto da causa) se no decurso

do processo o autor tentar fundamentar o seu direito em eventual entrega

indevida do bem (p. ex., entrega a pessoa diversa daquela estabelecida no

contrato) e não mais na anulabilidade do contrato. Não haverá alteração da

causa de pedir quando no curso do processo for invocada outra causa de

anulação do contrato (invocou-se erro e, no curso do processo, invoca-se a

ocorrência de coacção); nessa hipótese, haverá modificação dos elementos de

facto, mas não da fattispecie constitutiva do direito deduzido. Para a teoria

da substanciação, o facto constitutivo que integraria o núcleo resistente da causa

de pedir seria aquele descrito na petição inicial que serve de fundamento para o

pedido de anulação por erro, vedando-se a introdução de novos factos que

substanciem o pedido de anulação por dolo ou coacção, ainda que a fattispecie seja

a mesma.

A noção principal ao analisar-se uma causa sob o prisma da individualização

é o conceito de afirmação do direito. Esta afirmação não é da lei em abstracto,

mas do direito concreto aplicado aos factos narrados. Afirmar o direito é identificar

um facto constitutivo deste com vista à obtenção do pedido mediato por meio do

provimento jurisdicional.

Para determinar o objecto do processo é suficiente a indicação da relação

jurídica em causa, pois a causa não será individualizada pela delimitação dos

factos descritos napetição inicial. O sujeito e a prestação, são os elementos

individualizadores da pretensão de direito material. Essa é uma noção material do

objecto do processo, onde a causa de pedir é identificada pela norma de direito

material (fundamento substancial da pretensão). Isso não significa que o objecto do

processo seja uma pretensão de direito material, pois no direito civil há um direito

efectivo, enquanto que no processo esse direito é apenas afirmado e provavelmente

contrariado pela contestação.

Pretensão de direito material é a posição jurídica (elemento material, regra

jurídica de direito material) de onde é extraído o valor jurídico normativo do objecto

do processo. Mas para essa visão do direito é absolutamente necessário que seja

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identificado o objecto litigioso, onde há uma relação de proximidade entre o direito

material e o processual. A pretensão de direito processual é a protecção jurídica

identificada à luz da pretensão de direito material e, portanto, não independente

dela.

Assim como não se concebe uma pureza prática na teoria da substanciação,

também não é possível vislumbrar um sistema que acolha integralmente a ideia de

individuação.

É de difícil visualização considerar irrelevantes os factos constitutivos (ou

modificáveis a qualquer tempo no curso do processo) nas causas que envolvem

direitos de crédito ou para entrega de coisa pertencente a um género.

Simplesmente afirmar a relação jurídica (direito a uma prestação) não é suficiente

para individualizar a causa, distinguindo-a de outras em que se o mesmo pedido. A

afirmação do direito (relação jurídica), é suficiente para delimitar o direitos auto

determinados (absolutos), não se aplicando ao direito a uma prestação

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CONCLUSÃO

O direito que se procura em juízo é determinante para a interpretação da causa

proposta. A individualização é a que permite identificar as causas sobre direitos

absolutos, ao passo que a substanciação é a única forma possível para individualizar

as causas que versem sobre direito a uma prestação ou ao cumprimento de uma

obrigação (direitos relativos). Não existe sistema jurídico que incorpore somente um

desses princípios de modo absoluto, de onde se extrai que as teorias podem conviver

harmonicamente num único ordenamento jurídico.

Portanto, não se pode dizer que os factos são imutáveis no nosso ordenamento

jurídico, nem tão pouco que a relação jurídica afirmada pode ser livremente alterada.

A mudança dos factos não enfraquece necessariamente o núcleo resistente da causa

de pedir, o que permite ao juiz o conhecimento de factos novos. A dificuldade passa

por encontrar os limites para que isso ocorra dentro das premissas estabelecidas pelo

ordenamento jurídico.

As teorias da individuação e da substanciação complementam-se e permitem

melhor entendimento do problema da identificação da causa de pedir.

As teorias da individuação e da substanciação são, portanto, um método de

investigação dos elementos individualizadores da causa, motivo pelo qual não são

categorias jurídicas que comportem um tratamento igual em todas as situações

possíveis. Como método, podem ser utilizadas com maior o menor intensidade

dependendo do direito em que é fundada a acção.

Assim, o processo deve dispor dos meios necessários para proporcionar a

actuação do direito material, sendo, acima de tudo, um instrumento de tutela

dos direitos.

Direitos esses, que ao serem articulados aquando da realização do pedido na

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petição inicial, devem ser acompanhados de factos essenciais que o demonstrem,

bem como de factos instrumentais tendentes a comprovar a veracidade daqueles,

uma vez que, são esses mesmos factos que vão delimitar o objecto da lide, e vincular,

a decisão do juiz relativamente á relação jurídica que exige uma solução jurisdicional.

Veja-se portanto, a importância que os factos constitutivos e instrumentais têm

no articulado, que dá inicio ao processo, visto que a sua alegação em conjunto com a

alegação do direito, terá como objectivo primordial, a indicação ao julgador, do

caminho que aquele deve, em termos jurídicos seguir, por forma a que a pretensão do

autor possua uma base factual tendente à realização do seu direito e assim este veja

o seu pedido ser procedente.

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