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172 Intervenção lúdico-pedagógica: promovendo aprendizado em crianças com defasagem na lecto-escrita Autoras: Denise Barreto de Resende - Pedagogia Rute Nunes Góes Franco de Oliveira Professoras Orientadoras: Dra. Anterita Cristina de Sousa Godoy Esp. Simone Schneider Denzin Centro Universitário Anhanguera - Unidade Pirassununga Trabalho apresentado no IV Simpósio de Práticas Educativas na Educação Básica e no 7º Congresso Nacional de Iniciação Científica - CONIC-SEMESP 2007 Trabalho premiado com o 1º lugar na área de Ciências Humanas e Sociais, Letras, Lingüística e Artes no 1º. Seminário da Produção Docente e Discente das Faculdades da Anhanguera Resumo Com o término da pesquisa sobre “Afetividade e alfabetização: olhando crianças de uma Casa Abrigo”, ficaram evidenciados 02 (dois) graves casos de defasagem na evolução da leitura e escrita, nos quais percebeu-se que essas crianças se encontravam em fases de evolução cognitivas muito diferentes às correspondentes às suas idades cronológicas. A partir de dados oriundos da aplicação de testes de evolução da lecto-escrita, elaborou-se um trabalho de atendimento pedagógico individualizado, ensejando minimizar o déficit escolar apresentado, também com a intenção de dar-lhes a possibilidade de compreender a função social da leitura e escrita e de vislumbrar a superação da condição de marginalização sócio-educacional vivida. Optou-se por priorizar atividades lúdicas que ajudaram as crianças a perceber os sentidos e os significados da leitura em um determinado contexto e a partir daí, ao poucos, em seu cotidiano conseguiram fazer uso dessa habilidade cognitiva. Todo o trabalho foi registrado, por escrito e por fotografias, para melhor análise da evolução das crianças, portanto, metodologicamente, desenvolveu-se um estudo de caso cujo foco esteve sobre o processo de reconstrução da estrutura da aprendizagem e do desenvolvimento da lecto-escrita. Os avanços apresentados foram altamente satisfatórios e proporcionaram às crianças envolvidas possibilidades de construção de uma nova perspectiva de vida. Palavras-chave: atividades lúdicas, leitura, escrita, defasagem escolar. Introdução Uma Casa Abrigo é lócus de acolhimento de crianças judicialmente afastadas da família. Consequentemente abriga crianças com grande carência afetiva, baixo aproveitamento no desenvolvimento escolar e, além disso, envoltas pelo estigma da marginalização social. Em vista de sua proteção física, elas possuem uma vida de poucos relacionamentos sociais: durante a semana saem para ir à escola e aos finais de semana, precisam contar com a boa vontade de famílias que, com autorização especial, levam-nas a passeio. No ano de 2006, com o desenvolvimento da pesquisa “Afetividade e alfabetização: olhando para crianças de uma casa abrigo”, Oliveira e Resende trabalharam com 17 crianças, da faixa etária dos 07 aos 11 anos, na intenção conhecer as interferências das relações sócio-afetivas sobre o nível de desenvolvimento da lecto-escrita. Nesta fase todas estas crianças, teoricamente, deveriam encontrar-se no período denominado por Piaget de operatório-concreto, que é caracterizado pela capacidade de assimilar diferentes aspectos e abstrair dados da realidade (TAFNER, 2007) e, por conseqüência, já terem atingido a hipótese da escrita alfabética. Segundo Ferreiro e Teberosky (1999), na hipótese de escrita alfabética a criança já deve ser

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Intervenção lúdico-pedagógica:promovendo aprendizado em criançascom defasagem na lecto-escrita

Autoras: Denise Barreto de Resende - Pedagogia Rute Nunes Góes Franco de OliveiraProfessoras Orientadoras: Dra. Anterita Cristina de Sousa Godoy Esp. Simone Schneider Denzin

Centro Universitário Anhanguera - Unidade Pirassununga

Trabalho apresentado no IV Simpósiode Práticas Educativas na EducaçãoBásica e no 7º Congresso Nacional deIniciação Científica - CONIC-SEMESP2007Trabalho premiado com o 1º lugar naárea de Ciências Humanas e Sociais,Letras, Lingüística e Artes no 1º.Seminário da Produção Docente eDiscente das Faculdades da Anhanguera

Resumo

Com o término da pesquisa sobre “Afetividade e alfabetização: olhando crianças de uma Casa Abrigo”, ficaramevidenciados 02 (dois) graves casos de defasagem na evolução da leitura e escrita, nos quais percebeu-se que essascrianças se encontravam em fases de evolução cognitivas muito diferentes às correspondentes às suas idadescronológicas. A partir de dados oriundos da aplicação de testes de evolução da lecto-escrita, elaborou-se um trabalhode atendimento pedagógico individualizado, ensejando minimizar o déficit escolar apresentado, também com a intençãode dar-lhes a possibilidade de compreender a função social da leitura e escrita e de vislumbrar a superação dacondição de marginalização sócio-educacional vivida. Optou-se por priorizar atividades lúdicas que ajudaram as criançasa perceber os sentidos e os significados da leitura em um determinado contexto e a partir daí, ao poucos, em seucotidiano conseguiram fazer uso dessa habilidade cognitiva. Todo o trabalho foi registrado, por escrito e por fotografias,para melhor análise da evolução das crianças, portanto, metodologicamente, desenvolveu-se um estudo de caso cujofoco esteve sobre o processo de reconstrução da estrutura da aprendizagem e do desenvolvimento da lecto-escrita.Os avanços apresentados foram altamente satisfatórios e proporcionaram às crianças envolvidas possibilidades deconstrução de uma nova perspectiva de vida.

Palavras-chave: atividades lúdicas, leitura, escrita, defasagem escolar.

Introdução

Uma Casa Abrigo é lócus de acolhimento decrianças judicialmente afastadas da família.Consequentemente abriga crianças com grande carênciaafetiva, baixo aproveitamento no desenvolvimento escolare, além disso, envoltas pelo estigma da marginalizaçãosocial. Em vista de sua proteção física, elas possuemuma vida de poucos relacionamentos sociais: durante asemana saem para ir à escola e aos finais de semana,precisam contar com a boa vontade de famílias que, comautorização especial, levam-nas a passeio.

No ano de 2006, com o desenvolvimento da

pesquisa “Afetividade e alfabetização: olhando paracrianças de uma casa abrigo”, Oliveira e Resendetrabalharam com 17 crianças, da faixa etária dos 07 aos11 anos, na intenção conhecer as interferências dasrelações sócio-afetivas sobre o nível de desenvolvimentoda lecto-escrita. Nesta fase todas estas crianças,teoricamente, deveriam encontrar-se no períododenominado por Piaget de operatório-concreto, que écaracterizado pela capacidade de assimilar diferentesaspectos e abstrair dados da realidade (TAFNER, 2007)e, por conseqüência, já terem atingido a hipótese daescrita alfabética. Segundo Ferreiro e Teberosky (1999),na hipótese de escrita alfabética a criança já deve ser

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capaz de reconhecer sons e letras, entender as relaçõesentre fonema e grafema, além de já ter superado outrasdificuldades que impeçam o desenvolvimento da lecto-escrita.

Do total de crianças avaliadas nesta pesquisa, pormeio de testes de construção e desenvolvimento daescrita e do desenho1, similares aos elaborados porFerreiro e Teberosky (1999), duas se destacaram porapresentar uma situação de alto de déficit deaprendizagem, o que lhes provocava grande atrasoescolar. Pode-se afirmar que elas pertenciam ao grupodaqueles classificados como “alunos com defasagemidade/série”, visto que tratava-se de crianças com idadecronológica entre 10 e 12 anos, ambas na hipótese pré-silábica na qual, normalmente, encontram-se as criançasdo período da Educação Infantil (4-5 anos)2.

Não se pode negar a constatação de casos emque crianças são marginalizadas e discriminadassocialmente por não terem uma família “estruturada” oupor estarem afastadas de sua família, por motivos dentreos quais se encaixam àquelas que são encaminhadas parauma Casa Abrigo. Da mesma forma, não se pode deixarde considerar os números alarmantes, resultantes deavaliações de cunhos nacional e internacional,recentemente publicados e que revelam o baixoaproveitamento dos alunos brasileiros na educaçãobásica, especificamente das escolas públicas, nas quaisestas crianças estão oficialmente matriculadas.

Numa visada ampla, pode-se afirmar que a partirda introdução das mudanças provocadas pela nova Leide Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBN -(lei nº. 9394/96), a avaliação educacional tornou-se umapoderosa ferramenta para orientar as políticas públicasda educação brasileira, fato que justifica a existência dediferentes mecanismos nos diversos níveis e sistemas deensino - ENEM, SAEB, SARESP, ENADE, Prova Brasil- incluindo-se alguns internacionais, tais como o PISA.

Em relação à participação do Brasil no ProgramaInternacional de Avaliação de Estudantes3 - PISA -pode-se dizer que, teoricamente, o propósito foi o de“gerar dados de qualidade, examiná-los comcompetência e tirar lições e implicações de políticasprocedentes” (BRASIL, 2001, p. 08). É preciso,entretanto, destacar que

O principal foco do PISA são as questões depolíticas públicas. Os governos querem respondera questões tais como:“Até que ponto os alunos próximos do términoda educação obrigatória adquiriram conheci-mentos e habilidades essenciais para a sua

participação efetiva na sociedade? As escolasestão preparando os alunos para enfrentarem osdesafios do futuro? Quais estruturas e práticaseducacionais maximizam oportunidades paraalunos que vêm de contextos poucoprivilegiados? Qual a influência da qualidade dosrecursos da escola nos resultados alcançadospelos alunos?” (BRASIL, 2001, p. 08)

Os resultados obtidos nos anos de 2000, 2003 e2006 revelam a ineficiência da educação brasileira. Em2003, o Brasil ficou em último lugar, abaixo da Indonésiae Tunísia. Em relação à leitura e escrita, as avaliações de2000 e 2003 não apresentaram quaisquer alteraçõesconfirmando que os estudantes brasileiros possuemgrande deficiência no uso correto da linguagem e nacapacidade de interpretação do que é lido,provavelmente relacionada à “falta de exposição dessesalunos ao tipo de competência para leitura que o Pisafocalizou” (BRASIL, 2001, p. 62).

Em relação ao SAEB4 - Sistema de Avaliação daEducação Básica - criado pelo Ministério da Educaçãoem 1995, com o objetivo de “oferecer subsídios para aformulação, reformulação e monitoramento de políticaspúblicas, contribuindo, dessa maneira, para auniversalização do acesso e a ampliação da qualidade,da eqüidade e da eficiência da educação brasileira”(BRASIL, 2007, p. 02), os resultados não diferem muitono que diz respeito à Língua Portuguesa, visto que“revelam que o país forma cidadãos semi-analfabetos”(FREITAS, 2005, p. 01). Márcio Antônio Salvato,coordenador do laboratório do Sudeste de acompanha-mento de testes do ODM para o Programa das NaçõesUnidas para o Desenvolvimento e professor deMacroeconomia da PUC-MG, destaca que esses dadosmostram que “mais da metade deles [alunos] nãoentendeu nada da prova e a devolveu em branco ourasurada ou entendeu algo, mas não conseguiu montaruma única frase para responder” (FREITAS, 2005, p.01)

Em função desses e de outros resultados é que oGoverno Federal, procurando enxergar com precisãoas deficiências em sala de aula em todos os níveis deensino, busca definir ações no âmbito educacional e, aomesmo tempo, apresentar e destacar os resultados dosprogramas que efetivamente acontecem.

Neste ano, o Ministério da Educação, através doIDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica- além de divulgar um novo ranking de escolas públicasde ensino fundamental, o mais completo já feito no país,mostra o panorama da educação brasileira estabelecendometas objetivas para as escolas públicas, principalmente

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porque também o IDEB comprovou o baixo nível dasescolas brasileiras (VEJA, 2007).

Vários são os motivos apontados como causadessa situação. Especificamente no Estado de São Paulo,alguns educadores, reconhecidos no âmbito educacional,indicam que colabora para a manutenção desse fracassoa política de progressão continuada, adotada desde1997. Saviani, por exemplo, assim destaca: “o resultadoda progressão continuada é o que está aí: alunos saemda 8ª série mal sabendo ler e escrever e entram noensino médio sem condições de acompanhar as aulaspor absoluta falta de conhecimentos básicos” (inCAPRIGLIONE, 2007 p. C1 - grifos nossos).

Mais do que em outras épocas, torna-se relevanterever os quadros referenciais e os processosmetodológicos de ensino que tem predominado nas salasde aula, a fim de se possa contribuir para a construçãode uma nova atitude diante do ensino da leitura, da escritae da formação de leitores, o que, certamente, refletiráno desenvolvimento e na formação de adultos letrados,pois a manutenção desse processo cíclico coloca “amaioria da juventude excluída da atual sociedade doconhecimento” (SAVIANI in CAPRIGLIONE, 2007,C1).

Frente a esse panorama e com um olhar maisminucioso sobre os resultados da pesquisa de 2006 queevidenciou, numa Casa Abrigo de uma cidade do interiordo Estado de São Paulo, duas crianças com sério déficitno aprendizado da leitura e da escrita, que asprejudicavam demasiadamente, também, em seusrelacionamentos sócio-afetivos no seu próprio grupo,fato que além de confirmar, reforçava a situação demarginalização e exclusão vivida, encontrou-se oelemento que impulsionou e motivou esse estudo.

Assim, mais que um exercício de cidadania,destaca-se nesse processo a aprendizagem do amorhumanitário, visto que todos os esforços foram no sentidode possibilitar a essas crianças ao menos uma alternativapara superação do fracasso experimentado, através dooferecimento de um trabalho que possibilitou odesenvolvimento do aprendizado da leitura e da escritade uma forma não mecânica ou repetitiva, massignificativa às suas condições sociais de produção. Noentanto, isso não bastaria se não fosse possível mostrar-lhes a função social desses processos cognitivos e, naaquisição e domínio dessas habilidades, as possibilidadesde construção de uma outra (nova) perspectiva de vida,mais digna e humana, verdadeiramente cidadã.

Objetivos

A proposta de trabalhar com essas duas crianças,que apresentavam alto déficit de aprendizagem edefasagem idade/série objetivou: desenvolverintervenções lúdico-pedagógicas individuais comacompanhamento e analise da evolução cognitiva, dodesenvolvimento da construção das hipóteses de escritae das relações afetivas no transcorrer das atividadesproporcionadas, na intenção de possibilitar-lhes asuperação das dificuldades apresentadas e melhorariade seu rendimento escolar, principalmente, no que serefere ao desenvolvimento da lecto-escrita.

É imprescindível ressaltar que o trabalhoindividualizado torna-se necessário para que se possaperceber os indícios e acompanhar os processos deelaboração das hipóteses de construção da escrita, afim de se intervir pedagogicamente de forma eficiente eeficaz.

Metodologia

Quando se trabalha com indivíduos em umprocesso de pesquisa, um dos pontos mais importantesa ser definido, logo de início, é o que será tomado comoobjeto de estudo: o processo de desenvolvimento dotrabalho ou o produto resultante do trabalho.Dependendo do que se assume ou sobre o quê vai sercolocado o foco do trabalho esclarece-se grande partedo referencial metodológico a ser adotado.

Quando prioriza-se olhar para o produto final, porexemplo, analisa-se o objeto estável e fixo e privilegia-se uma análise que Vygotsky (1998) chama de fenotípica,cuja abordagem “categoriza os processos de acordo comsuas similaridades externas” (p. 83) ou seja, apreocupação científica centra-se na tentativa de explicaruma dada manifestação externa (produto) e não deanalisá-la, embora entenda-se que “necessariamente aanálise objetiva inclui uma explicação científica tanto dasmanifestações externas quanto dos processos em estudo”pois “a análise não se limita a uma perspectiva dodesenvolvimento. Ela não rejeita a explicação (...), aocontrário, subordina-as à descoberta de sua origem real(p.84) .

Sendo assim, é importante esclarecer que apreocupação assumida volta-se muito mais sobre oprocesso de aprendizagem das crianças, sujeitos dessapesquisa, evitando-se olhar para seus comportamentoscomo processos fossilizados, “mais facilmenteobservados (...) assim chamados processos psicológicosautomatizados ou mecanizados (...) [que] repetidos pela

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enésima vez (...) perderam sua aparência original, e asua aparência externa nada nos diz sobre sua naturezainterna” (VYGOTSKY, 1998, p. 84). Dessa forma, parapoder compreender o déficit de aprendizagemapresentado pelas crianças a fim de superá-lo é“precis[o] concentrar-[se] não no produto dodesenvolvimento, mas no próprio processo deestabelecimento das formas superiores” (VYGOTSKY,1998, p.85 – grifos do autor). Na dimensão prática,olhou-se para os processos de construção e evoluçãoda escrita de A e B5 nos momentos de intervençãopedagógica realizada na Brinquedoteca e, a partir dahistória escolar de cada uma delas, buscou-se“reconstr[uir] todas as partes e faz[er] retornar à origemo desenvolvimento de uma determinada estrutura”(VYGOTSKY, 1998, p.86), neste caso da leitura e daescrita.

Por outro viés, ao dar prioridade ao processo emdesenvolvimento, pode-se dizer que a pesquisadesenvolvida apresenta uma abordagem qualitativa, poisestá em contato direto e em plena interação com oambiente e com os sujeitos envolvidos. Por conta disso,os dados coletados e analisados somente fazem sentidoe possuem significados quando são considerados em seucontexto social. Foi necessário, portanto, trabalhar comdados predominantemente descritivos, principalmente osrelatos elaborados posteriormente ao atendimento dascrianças e os trabalhos por elas desenvolvidos nasintervenções, também registrados por fotografias.

Mas não existe apenas um tipo de pesquisaqualitativa e, em vista das características apresentadas eassumidas, pode-se classificar esse estudo como umestudo de caso por possuir incidência “naquilo que eletem de único, de particular, mesmo que posteriormentevenham a ficar evidentes certas semelhanças de outroscasos ou situações” (LUDKE e ANDRÈ, 1986, p.17).Somente neste tipo de pesquisa tem-se o “pressupostode que o conhecimento não é algo acabado, mas umaconstrução que se faz e refaz constantemente” e na qualo “pesquisador estará sempre buscando novas respostase novas indagações no desenvolvimento de seu trabalho”(LUDKE e ANDRÈ, 1986, p.18).

Olhando para a situação de A e B busca-secompreender uma realidade singular, única e vivida porcada uma dessas crianças, num contexto multidimensionale historicamente situado, porém possível de ser visto sobdiferentes prismas e focos. Foi partindo dessasconsiderações que pensou-se nas possibilidades detrabalho que nunca são únicos ou plenamenteverdadeiros, mas relacionais, contextuais e pontuais (ouseja, o que responde a esse caso, não necessariamente

responde a outro mesmo que similar, principalmente porconta do contexto de inserção e da história de vida decada sujeito), isto porque “o cotidiano é o amontoadoinconseqüente das ações humanas”(CHIZZOTTI inFAZENDA,1993,p.89).

A realidade enfrentada foi a falta de domínio dashabilidades cognitivas de ler e de escrever. Para aconstrução de um parâmetro de acompanhamento daevolução de A e B, inicialmente foi aplicado o teste dedefinição do nível da lecto-escrita, tal qual aplicado porFerreiro e Teberosky (1999), do qual resultou aconfirmação da definição das hipóteses de leitura e escritano desenvolvimento dessas crianças, naquele momento6.

O conteúdo que Ferreiro e Teberosky procuramdemonstrar é aquele referente ao que a criançaquer representar e às estratégias utilizadas parafazer diferenciações e representações. Estasconstituem os aspectos construtivos da escrita,que sofrem uma evolução regular, já constatadascomo semelhantes em crianças de diferenteslínguas, ambientes culturais e situações deprodução (AZENHA, 1998, p. 71).

É preciso ressaltar que esta pesquisa ambientou-se na brinquedoteca da Faculdade de Educação dePirassununga, lócus das intervenções pedagógicas elúdicas, a partir das quais os dados da pesquisa foramsendo, encontro-a-encontro, coletados. Como sepretendeu olhar para o cotidiano das intervençõesrealizadas, no diz respeito ao trabalho com o ensino eao incentivo da leitura e da escrita; também, para adimensão relacional dos processos vivenciados – poiseles permitem considerar as relações dialógicas e amediação pedagógica tanto pelo viés do ensinar e doaprender a ensinar quanto do refletir sobre o ensino esobre o desenvolvimento do processo de aprendizagemem processo nas crianças - isso significou ao mesmotempo elaborar os procedimentos para odesenvolvimento das relações de ensino e configurar oprocesso e os procedimentos da pesquisa. A partir deum novo viés, essa pesquisa de cunho qualitativo,desenha-se também como o que é considerado porZeichner (1998) de “pesquisa do professor”, na maioriadas vezes não consideradas como científicas, por nãocorresponder ao modelo rígido e cartesiano propostopela academia, por ser “trivial, ateórica e irrelevante”(p. 208).

A maioria dos acadêmicos envolvidos com omovimento de professores-pesquisadores nomundo reduz o processo de investigação realizado

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pelos próprios professores a uma forma dedesenvolvimento profissional e não o consideracomo uma forma de produção de conhecimento.(ZEICHNER, 1998, p. 208)

No entanto, é preciso considerar a capacidadedos professores, em sua profissão, serem autônomos ede refletirem criticamente sobre sua própria prática esobre a realidade social vivenciada, produzindoconhecimentos. No entanto, também os professoresignoram os conhecimentos produzidos pelospesquisadores, fato que decorre da concepção de“produção de conhecimento” veiculada.

Apesar da chamada revolução mundial em tornodo professor como pesquisador, na qual se falamuito sobre professores como produtores deconhecimentos, é ainda muito dominante no meiodos professores, uma visão de pesquisa comouma atividade produzida por pesquisadores forada sala de aula. Também a teoria educacional évista como aquilo que outros, com mais status eprestígio na hierarquia acadêmica, têm a lhesdizer sobre seus trabalhos (ZEICHNER, 1998,p. 209).

Mas, apesar de prevalecer essa condição no meioeducacional existem pesquisadores universitáriosenvolvendo ativamente os professores em suas pesquisas,principalmente no que diz respeito à significação dessaspara a prática deles, como uma obrigação ética. Zeichner(1998) ressalta que “há lugar para conhecimentos emeducação que não devem ser obstruídos pelas demandase pressões de utilização prática” (p. 228), mas torna-secada vez mais necessário que a pesquisa educacionalseja utilizada para “favorecer a realização de objetivoseducacionais numa sociedade mais democrática - osquais buscam a promoção de todos os estudantes a umaforma de vida mais decente e significativa” (p. 229).Explicitamente, é nesta vertente que esse trabalho sedesenvolve!, também porque comunga com oposicionamento desse autor de que pesquisadores eprofessores têm contribuições importantes “a fazer naprodução de conhecimentos educacionais que suportemas reformas escolares e a política de desenvolvimentodos professores” (p. 231).

Desenvolvimento da pesquisa

De acordo com Cunha (apud AZEVEDO, 2004),a brinquedoteca surgiu no do século XX com diferentesfinalidades. Na Suécia (1963), por exemplo, o objetivo

era o de orientar pais de crianças portadoras denecessidades especiais, enquanto que na Inglaterra(1967), o objetivo foi o da criação de uma bibliotecasde brinquedos, nas quais as crianças poderiam escolhero que gostariam de levar para casa.

O reflexo desse movimento chega ao Brasilsomente em 1973, com a Ludoteca da APAE quefuncionava com um rodízio de brinquedos. A primeirabrinquedoteca brasileira, no entanto, vai surgir somenteem 1981, em uma escola na cidade de São Paulo, como objetivo de dar prioridade ao ato de brincar. Em 1984,é criada a Associação Brasileira de Brinquedoteca, fatoque vai incentivar o surgimento de inúmeras outrasbrinquedotecas nos vários estados brasileiros. Na décadade 90, a Fundação ABRINQ7, através da distribuiçãode folhetos informativos, explicita ao Brasil as funçõesde uma brinquedoteca e, em 1996, no VII CongressoInternacional de Brinquedotecas, uma equipes apoiadapela ABRINQ apresenta os resultados positivos de umapesquisa sobre o desenvolvimento de crianças assistidasem uma brinquedoteca (AZEVEDO, 2004).

Numa visada ampla pode-se dizer que umaBrinquedoteca tem o objetivo de proporcionar umespaço para brincadeiras destinado às crianças. Esteambiente, portanto, dever ser alegre e colorido com oobjetivo focado para o desenvolvimento do faz-de-conta,da imaginação, da socialização, da solução de problemasentre outras coisas, possibilitando a ludicidade individuale coletiva.

Existem diferentes tipos de brinquedotecas e, deacordo com as especificações apresentadas por Azevedo(2004), a que utilizamos para o desenvolvimento denossa pesquisa é uma Brinquedoteca de Universidade,montada por profissionais da Educação, tendo como umade suas finalidades constituir-se, especificamente para ocurso de Pedagogia, em um laboratório ondeprofessores-formadores e alunos-professores dedicam-se à exploração do brinquedo e de brincadeiras,buscando viabilizar novas alternativas e métodos deestudo, estágios, vivências e intervenções nacomunidade.

Considerando o contexto de inserção das criançassujeitos desse estudo, no qual o contato com diferentesambientes sociais é extremamente limitado, e que umdos únicos motivos pelos quais elas saem da Casa Abrigoé quando de sua ida para a escola, foi solicitado aosresponsáveis por essa entidade autorização para que elaspudessem freqüentar a Brinquedoteca da Faculdade deEducação de Pirassununga, para o desenvolvimento dasatividades de intervenção pedagógica. Acreditou-se queesse local de trabalho pudesse se constituir em mais uma

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fonte de motivação para a aprendizagem da leitura e daescrita, pois para além das atividades elaboradas para odesenvolvimento das intervenções, eles poderiam tercontato com brinquedos e jogos com os quais nãotinham, assim, ali tudo era novidade.

No primeiro momento, após uma exploração daBrinquedoteca pelas crianças, aplicou-se o teste de EmíliaFerreiro para atestar - confirmar em vista dos resultadosobtidos em 2006 - o nível da escrita em que A e B seencontravam. A criança A, de 12 anos, definiu-se nahipótese pré-silábica e a criança B, de 10 anos, natransição da silábica para a silábica-alfabética.

ALUNO A

ALUNO B

Com esses dados planejou-se o direcionamentoa ser dado aos atendimentos pedagógicos epsicopedagógicos, com base nos estudos teóricos feitos.Nas primeiras intervenções percebeu-se, por meio das

conversas preliminares, certa resistência das crianças aotrabalho com a leitura e da escrita. Recusavam-se adesenvolver qualquer atividade que envolvessediretamente os dois aspectos, muito provavelmente pornão verem nelas nenhum tipo de significado ou sentido.Também foi percebido muita dificuldade em relação aouso de regras, visto que possuíam, e faziam prevalecer,as suas próprias, mostrando-se arredios às novas regraspropostas para o desenvolvimento dos trabalhos.

A partir destas constatações, logo após o primeiroencontro, reorganizou-se as propostas de intervençõespensadas anteriormente e começou-se um trabalho deaplicação direta de jogos que envolviam palavras, taiscomo jogo da memória e dominó figura-palavra, com

os quais, para além de analisar os conhecimentos queelas já possuíam da língua escrita, também trabalhava-se com a implantação de novas regras.

De acordo com Macedo et al (2005),desenvolvimento e aprendizagem são duas fontes deconhecimento, uma que se processa no interior de cadapessoa e outra que se produz no exterior, na tentativa

de incorporar algo. Assim,

a criança desenvolve brincadeiras e aprendejogos. Pode também aprender brincadeiras comseus pares ou cultura e, com isso, desenvolverhabilidades, sentimentos ou pensamentos. Omesmo ocorre nos jogos: ao aprendê-losdesenvolvemos o respeito mútuo, o sabercompartilhar uma tarefa ou um desafio em umcontexto de regras e objetivos, a reciprocidade,as estratégias para o enfrentamento dassituações-problema, os raciocínios (MACEDOet al,2005, p. 10).

Para Fontana e Cruz (1997) o enfoque dabrincadeira na escola se mostra muito complexa, poisvai ao encontro de um princípio didático-pedagógico queassocia o brincar ao aprender. Brincar leva a criança aexperimentar, relacionar, imaginar, expressar,envolvendo-a como um todo. Quando um professor fazuso de um jogo, ele pode observar tanto as criançasbrincando quanto as suas respostas frente ao jogo,sendo-lhe possível identificar o que a criança conhece,como desempenha as tarefas implicadas no jogo e comosoluciona os problemas que se lhe apresentam.

Mas, é preciso não deixar de considerar que acriança brinca pelo simples prazer de brincar, sem saberas conseqüências positivas que essas ações podem trazer(MACEDO et al, 2005) e isso lhe possibilita aprendercom objetos e com as pessoas envolvidas nasbrincadeiras.

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A distinção feita entre o jogo e a brincadeira, eassumida neste trabalho, é que o jogar trata-se de umbrincar com regras definidas e com um objetivo a seralcançado, ou seja, no jogo ou se ganha ou perde, já nabrincadeira inventa-se ou faz-de-conta que. Assim,enquanto o brincar está diretamente ligado à necessidadeda criança; o jogo é uma brincadeira que evoluiu e passoua ter papéis e posições bem demarcadas (MACEDO etal, 2005), portanto, “joga-se e brinca-se porque isso édivertido, desafiador, promove disputas com os colegas,possibilita estar juntos em um contexto que faz sentido,mesmo que às vezes frustrante e sofrido” (p. 17).

Mesmo com a utilização de jogos foi percebido,ainda, algumas resistências, principalmente quando elescontinham palavras, ficou evidente que as criançasmostravam-se mais receptivas quando a proposta feitaenvolvia jogos livres, ou seja, quando elas mesmaspodiam escolher o jogo ou brincadeira que,normalmente, não envolviam o lidar com palavras.

Mais uma vez foi preciso rever a estruturação dotrabalho repensado para encontrar não apenas um jogoque fosse de interesse das crianças, mas também ummeio de utilizar o jogo para “quebrar” a resistênciaapresentada diante da leitura e da escrita. Uma hipóteseconsiderada foi a do uso do Tangran, um jogo que possuisete peças geométricas e que, em vários arranjos,possibilitam a formação de diferentes figuras.

Tangran é um jogo milenar, de origem chinesa econhecido mundialmente.(...) Seu objetivo éconstruir uma figura idêntica a um modelopreviamente determinado, utilizando todas as setepeças que o compõe: dois triângulos, doispequenos e um médio, um quadrado e umparalelogramo (MACEDO et al, 2005, p. 67)

A idéia foi a de iniciar as intervenções com essejogo para, em seguida, inserir atividades de leitura eescrita, pois o uso do Tangran possibilita maneiras de

observar e perceber e analisar aspectos afetivos dodesenvolvimento humano, já que jogando o indivíduopode expressar sentimentos, tais como medo, raiva, dor,ansiedade, alegria e outros (MACEDO et al, 2005).Além disso, trata-se de um ótimo jogo para trabalharquestões de desafio, que começa no momento em que acriança decide onde irá encaixar cada uma das peças.Quando conseguem superar esse conflito sentem-seseguros, satisfeitos e capazes de enfrentar novos desafios,são nesses momentos que o professor deve abrir umespaço para o diálogo, a fim de provocar o surgimentode novas idéias e formas, além de colaborar com o alíviode tensões, diminui também alguns medos.

Foi apoiado no trabalho de Macedo et al (2005)que a opção pelo tangran se fortaleceu, pois nesteprocesso, da mesma forma ele, foi preciso considerar oafetivo.

Ainda que o nosso trabalho esteja diretamentevoltado para questões de ordem cognitiva, nãopodemos negar a influência do aspecto afetivono desenvolvimento e na aprendizagem. Semdesejo, interesse e motivação, torna-se muitodifícil supor a possibilidade de aquisição deconhecimento(...) mas uma vez, os jogos deregras podem ser um instrumento para resgataro sentido, o interesse e a possibilidade de ascrianças estabelecerem uma relação melhorcom o meio e as pessoas com quem convivem(MACEDO et al, 2005, p.87)

As intervenções com o Tangran foram muitopositivas, sendo bem aceitas pelas crianças e trazendouma grande motivação à participação nas intervenções.Inicialmente foi solicitado que as crianças montassem umafigura qualquer com o tangran de madeira, em seguidadeveriam recortar o jogo reproduzido em papel coloridopara, em seguida, reproduzir a figura e colá-la no cadernode desenhos. Um próximo passo seria a conversa sobrea figura produzida. Ao perceber que essa tarefa era fácilpara elas, iniciou-se a inserção de palavras digitadas emletra tipo bastão a fim de que pudessem nomear as figurasjá prontas.

O procedimento metodológico utilizado foi o deconstruir uma frase junto com a criança, na qual a palavraa ser usada para nomear a figura se fizesse presente, afim de que ela pudesse ser destacada. Essa frase eraescrita, em letra bastão pela pesquisadora, e quandopossível copiada pela criança (como no caso da criançaB). Em seguida, a palavra era lhes oferecida para quecolassem sob a figura e, nos momentos posteriores, cadacriança deveria separar a palavra em sílabas e em letras.

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Foi a partir dessas atividades que se desencadeou otrabalho de relação entre grafemas e fonemas.

Aluno A

Aluno B

Esse trabalho, além do desencadeamento dacompreensão da relação grafema-fonema, ajudou aquebrar resistência das crianças com o trabalho compalavras, principalmente porque elas passaram a tersentido e significado naquele contexto. Pode-se dizerque no primeiro período de trabalho a evolução dascrianças foi bastante significativa, elas passaram, porexemplo, a aceitar atividades que envolviam palavras eque não necessariamente eram jogos, como por exemplo:

Aluno A

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Aluno B

Assim as atividades transcorreram até o início dejunho quando tiveram que ser interrompidas por contada volta dessas crianças à sua família. Como já estavampróximas as férias de julho, optou-se por fazer umaanálise bem minuciosa de todo o trabalho feito até entãoe discutir com os responsáveis pela Casa Abrigo asmelhores formas de continuar todo esse processo comas crianças, a fim de que elas dessem continuidade aoprogresso que vinham tendo. Assim aconteceu, até queem meados de julho, as crianças retornaram a casaabrigo, um retorno não previsto ocasionado pelofalecimento do pai.

A notícia, vinda de supetão, fez com que todo otrabalho anteriormente planejado foi retomado erepensado em vista de um possível retrocesso dascrianças, considerando-se uma provável desestruturaafetiva.

As intervenções foram retomadas em agosto,quando se realizou um novo teste a fim de verificar asituação cognitiva das crianças. Antes porém, a fim de

dar continuidade ao trabalho que vinha sendo feito como Tangran, fez-se uma adaptação da história “O espelhoda princesa” (MACEDO et al, 2005), que conta a origemdo jogo, intitulando-a “O menino e o espelho”. A partirda história escolheu-se as palavras que fariam parte donovo teste, cujo resultado está apresentado a seguir:

Aluno A

Aluno B

Olhando para os testes reaplicados foi possívelperceber que a criança A, a mais velha, teve umretrocesso considerável ao último teste realizado,provavelmente em vista de toda a situação emocionalvivida, fato que já era esperado. Já o aluno B, nãoapresentou nenhuma alteração de nível de leitura e escrita.Para além desses dados, este teste indiciou a necessidadede diferenciação das atividades para as duas crianças.Assim, o preparo das novas intervenções foicuidadosamente planejado em conjunto com asorientadoras, considerando-se a especificidade de cadacaso.

No encontro seguinte, a historia “O menino e oespelho” foi entregue às crianças devidamente digitadae dividida em: começo, meio e fim. A proposta feita paraque A e B foi a de organizá-la, juntamente com asilustrações também fornecidas. O aluno A conseguiucolocar a história em ordem, usando como recurso aidentificação das primeiras letras de cada trecho. Já oaluno B, leu pausadamente toda a história e conseguiualém de organizá-la, interagir com o texto, pois ao seufinal escreveu um recado ao menino, personagem dotexto.

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Nas intervenções posteriores, com a criança A,trabalhou-se com histórias de seqüência lógica, nas quaisa partir das figuras, procurava-se provocar a escriturado texto que, no primeiro momento, em vista da recusadesta em escrever, fez a pesquisadora assumir a funçãode escriba. Utilizando o “alfabeto móvel” como umrecurso facilitador para A, procurou-se motivá-la aformar palavras e tentar escrevê-las, oferecendo-lhe,junto com este atividade de separação de sílabas e letrase formação de palavras. Esse trabalho intencionou auxiliaresta criança na formulação das hipóteses de leitura eescrita, já que lhe era possível a partir do erro, reformular.

Já as intervenções feitas com a criança B,voltaram-se para a leitura e escrita, pois ela estava emum nível mais avançado que A, embora fossecronologicamente mais nova. Realizaram-se atividadesde construção de palavras, frases e textos. Percebeu-seque B gostava muito das atividades, principalmentequando se voltavam para a organização das letras a fimde descobrir a palavra. Sentia-se, também, muitomotivado quando era a proposta era de construção de

textos, fato que facilitou o trabalho com esta criança,bem como a busca por atividades que lhe fossemsignificativas.

Resultados

Após os dez primeiros encontros de intervençãopedagógica e psicopedagógica planejados para aprimeira etapa do trabalho, aplicou-se novamente o testede avaliação do nível da lecto-escrita, como elaboradopor Emília Ferreiro, e constatou-se que a criança A, de12 anos, antes na hipótese pré-silábica (diferenciaçãoda escrita) passou para a fase de transição da silábicapara silábica alfabética e a criança B, de 10 anos, evoluiuda transição de silábica para silábica-alfabética para aalfabética.

Na continuidade das atividades pode-se perceberum pequeno retrocesso, considerado até que normal nodesenvolver da aquisição da habilidade cognitiva daleitura e da escrita, mesmo porque ao findar do 1ºsemestre as crianças estavam cansadas, no entanto, doisfatos ocorridos mexeram muito com o aspecto afetivodelas: o retorno para casa e o posterior falecimento dopai, o que as fez retornar à Casa Abrigo, após exatosdois meses. Essas tristes novidades interferiram nosencontros que necessitaram ser interrompidos poralgumas semanas e retomados de uma forma diferente,dando ênfase ao aspecto afetivo.

Mesmo com esses entraves, a constatação doprogresso das crianças foi bastante visível.

Em relação ao aluno A, após as atividades foramaplicados mais dois testes para comprovando suaevolução no processo de escrita, comprovando-se queo aluno conseguiu atingir o nível alfabético.

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Já o trabalho com B, por conta de seu interesse emotivação em lidar com a leitura e a escrita, possibilitou-lhe sua evolução para o nível alfabético, como é possívelconstatar na história produzida abaixo.

Considerações Finais

Os resultados obtidos nessa pesquisa demonstramque o processo de intervenção a partir dos jogos facilitao desenvolvimento servindo como “ponte” para odesenvolvimento da lecto-escrita.

É preciso, entretanto, reconhecer que a entradanas novas fases de hipótese de construção da lecto-escrita, antes de vir a ser realmente consolidada,apresentou progressos e retrocessos. Vygotsky (1998),afirma que o desenvolvimento é feito muito mais deinvoluções do que de evoluções, o que nos ajuda aentender esse processo de forma não linear, mas comidas e vindas, com construções que vão se consolidandoaos poucos e se tornado desenvolvimento real.

Outro ponto verificado junto a essas crianças queestão lidando socialmente com a aquisição dessashabilidades cognitivas de forma significativa é que esse éum processo que interfere no desenvolvimento daafetividade e da socialização. Às vezes essa interferênciaé altamente positiva, outras negativas e, diante disso, épreciso que o professor busque a todo o momento estaratento aos indícios que lhe podem fornecer pistasimportantes de como conduzir o processo de ensinar eaprender.

Em relação às crianças, sujeitos dessa pesquisa épreciso ressaltar que não se pode desconsiderar que paraA, o mais velho (12 anos), todo esse processo foi maisdificultoso e doloroso e por conta disse ela apresentava-se muito mais resistente que B. Várias podem ser ashipóteses que expliquem esse comportamento de A, masprovavelmente por nunca ter percebido significado ousentido nos processos de leitura e na escrita, ela nãopossuía qualquer tipo de motivação ou interesse emaprender. Também porque, os tantos anos de fracassoescolar vivenciados na escola, mostraram-lhe que elanão era “capacitada” para o desenvolvimento dessashabilidades cognitivas. No entanto, a partir do momento

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em que, estimuladas pelos jogos oferecidos, as barreirascomeçam a ser quebradas, A percebe que é capaz e,pouco-a-pouco, permite-se aprender.

Casos como esses são muito mais comuns do quese pode imaginar, entretanto, infelizmente, não são todasas crianças que têm a oportunidade de reorganizar seuprocesso de elaboração da leitura e da escrita e“descobrir” que ler e escrever são habilidades que podemlhes possibilitar uma melhor condição de vida, assimcomo a construção de um projeto que lhes permita, comoelas mesmas dizem “ser alguém na vida”. Essa dimensãocidadã não pode, de forma alguma, ser negada a qualquerbrasileiro.

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Notas

1 O desenho é assumido nesse trabalho como uma faseque antecede a compreensão do sistema simbólico daescrita, como entendido por Vygotsky (1998).2 A hipótese pré-silábica é caracterizada, segundo Ferreiroe Teberosky (1999), exatamente pela não percepção darelação existente entre grafemas e fonemas quandoregistram algo no papel.3 O PISA é uma programa internacional desenvolvido emconjunto com a OCDE - Organização para Cooperaçãoe Desenvolvimento Econômico - que avalia habilidades econhecimentos de jovens de 15 anos, com a intenção deaferir até que ponto, nestes quesitos, estão prontos parauma participação efetiva na sociedade. Seus objetivos são:a) avaliar conhecimentos e habilidades que sãonecessários em situações de vida real; b) relacionardiretamente o desempenho dos alunos a temas de políticaspúblicas e c) permitir o monitoramento regular dos padrõesde desempenho, todos voltados para as áreas de Leitura,Matemática e Ciências. Os ciclos de avaliação acontecemde 03 em 03 anos, iniciados em 2000 com Leitura, 2003Matemática e 2006 Ciências. O Brasil participa como paísconvidado desde 2000, sendo que toda a coordenação é

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feita pelo Inep - Instituto Nacional de Estudos e PesquisasEducacionais “Anísio Teixeira”, assim como todas suasanálises preliminares.4 O SAEB avalia alunos das 4ªs e 8ªs séries do EnsinoFundamental e da 3ª série do Ensino Médio de todos ossistemas de ensino e de todas as unidades da federação,indicando níveis de proficiência em Língua Portuguesa eMatemática, no que se refere ao desenvolvimento dehabilidades, competências e aquisição de conhecimentospelos estudantes ao longo dos estudos.5 Nesse estudo as duas crianças serão denominadas A eB, sendo “A” a criança de 12 anos e “B” a criança de 10anos.6 Trata-se do mesmo teste aplicado na pesquisadesenvolvida em 2006, ou seja, foi dado às crianças umaficha na qual deveriam registrar quatro (4) palavras euma frase ditadas pela pesquisadora. Em seguida à escritaa criança procede à leitura para a verificação da fase emque estavam no processamento de sua escrita. SegundoAzenha (1995) a série de palavras propostas deve manterentre si uma relação semântica.7 A Abrinq é uma organização “amiga da criança” quepossui a missão de promover a defesa de seus direitos eo exercício da cidadania, sendo pautada pela ConvençãoInternacional dos Direitos da Criança (ONU, 1989),Constituição Federal Brasileira (1988) e Estatuto daCriança e do Adolescente (1990). Surgida em 1990, aAbrinq é mantida pela “por pessoas, empresas e agênciasnacionais e internacionais que lutam pela causa da criançae do adolescente (...) [contando] com um Conselho deAdministração formado por empresários de diferentessetores; um Conselho Consultivo composto porespecialistas na área da infância e da adolescência, quegarantem a discussão de temas relacionados à defesa dosdireitos; e um Conselho Fiscal, responsável pela assessoriae fiscalização financeira e contábil da organização” (siteABRINQ, 2007).