torcedor do atlético mineiro não consegue indenização por erro de arbitragem

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Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL 1.296.944 - RJ (2011/0291739-0) RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO RECORRENTE : CUSTÓDIO PEREIRA NETO ADVOGADO : CUSTÓDIO PEREIRA NETO (EM CAUSA PRÓPRIA) E OUTRO RECORRIDO : CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL - CBF ADVOGADOS : CARLOS EUGÊNIO LOPES E OUTRO(S) LUIZ EDUARDO RORIZ EMENTA ESTATUTO DO TORCEDOR E RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PÊNALTI NÃO MARCADO. COMPENSAÇÃO POR ALEGADOS DANOS MORAIS DECORRENTES DE ERRO DE ARBITRAGEM GROSSEIRO, NÃO INTENCIONAL, AINDA QUE COM O CONDÃO DE INFLUIR NO RESULTADO DO JOGO. MANIFESTO DESCABIMENTO. ERROS "DE FATO" DE ARBITRAGEM, SEM DOLO, NÃO SÃO VEDADOS PELO ESTATUTO DO TORCEDOR, A PAR DE SER INVENCÍVEL A SUA OCORRÊNCIA. NÃO COGITAR EM DANOS MORAIS A TORCEDOR PELO RESULTADO INDESEJADO DA PARTIDA. DANO MORAL. PARA SUA CARACTERIZAÇÃO É IMPRESCINDÍVEL A CONSTATAÇÃO DE LESÃO A DIREITO DA PERSONALIDADE, NÃO SE CONFUNDINDO COM MERO DISSABOR PELO RESULTADO DE JOGO, SITUAÇÃO INERENTE À PAIXÃO FUTEBOLÍSTICA. 1. O art. 3º do Estatuto do Torcedor estabelece que se equiparam a fornecedor, nos termos do Código de Defesa do Consumidor - para todos os efeitos legais -, a entidade responsável pela organização da competição, bem como aquele órgão de prática desportiva detentora do mando de jogo. Todavia, para se cogitar em responsabilidade civil, é necessária a constatação da materialização do dano e do nexo de causalidade. 2. "Observada a classificação utilizada pelo CDC, um produto ou serviço apresentará vício de adequação sempre que não corresponder à legítima expectativa do consumidor quanto à sua utilização ou fruição, ou seja, quando a desconformidade do produto ou do serviço comprometer a sua prestabilidade. Outrossim, um produto ou serviço apresentará defeito de segurança quando, além de não corresponder à expectativa do consumidor, sua utilização ou fruição for capaz de adicionar riscos à sua incolumidade ou de terceiros". (REsp 967623/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/04/2009, DJe 29/06/2009) 3. É sabido que a Fifa tem vedado a utilização de recursos tecnológicos, por isso que o árbitro de futebol, para a própria fluidez da partida e manutenção de sua autoridade em jogo, tem a delicada missão de decidir prontamente, valendo-se apenas de sua acuidade visual e da colaboração dos árbitros auxiliares. 4. O art. 30 da Lei n. 10.671/2003 (Estatuto do Torcedor), atento à Documento: 1231457 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 01/07/2013 Página 1 de 23

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Por unanimidade de votos, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou indenização por danos morais a um torcedor do Atlético Mineiro inconformado com erro de arbitragem. Advogado que atuou em causa própria, o torcedor defende que a não marcação de um pênalti claro no finalzinho da partida contra o Botafogo eliminou o Galo da Copa do Brasil de 2007. Ele queria ser indenizado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Leia mais: http://j.mp/STJacordaofutebol

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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.296.944 - RJ (2011/0291739-0)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃORECORRENTE : CUSTÓDIO PEREIRA NETO ADVOGADO : CUSTÓDIO PEREIRA NETO (EM CAUSA PRÓPRIA) E OUTRORECORRIDO : CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL - CBF ADVOGADOS : CARLOS EUGÊNIO LOPES E OUTRO(S)

LUIZ EDUARDO SÁ RORIZ

EMENTA

ESTATUTO DO TORCEDOR E RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PÊNALTI NÃO MARCADO. COMPENSAÇÃO POR ALEGADOS DANOS MORAIS DECORRENTES DE ERRO DE ARBITRAGEM GROSSEIRO, NÃO INTENCIONAL, AINDA QUE COM O CONDÃO DE INFLUIR NO RESULTADO DO JOGO. MANIFESTO DESCABIMENTO. ERROS "DE FATO" DE ARBITRAGEM, SEM DOLO, NÃO SÃO VEDADOS PELO ESTATUTO DO TORCEDOR, A PAR DE SER INVENCÍVEL A SUA OCORRÊNCIA. NÃO HÁ COGITAR EM DANOS MORAIS A TORCEDOR PELO RESULTADO INDESEJADO DA PARTIDA. DANO MORAL. PARA SUA CARACTERIZAÇÃO É IMPRESCINDÍVEL A CONSTATAÇÃO DE LESÃO A DIREITO DA PERSONALIDADE, NÃO SE CONFUNDINDO COM MERO DISSABOR PELO RESULTADO DE JOGO, SITUAÇÃO INERENTE À PAIXÃO FUTEBOLÍSTICA.

1. O art. 3º do Estatuto do Torcedor estabelece que se equiparam a fornecedor, nos termos do Código de Defesa do Consumidor - para todos os efeitos legais -, a entidade responsável pela organização da competição, bem como aquele órgão de prática desportiva detentora do mando de jogo. Todavia, para se cogitar em responsabilidade civil, é necessária a constatação da materialização do dano e do nexo de causalidade.

2. "Observada a classificação utilizada pelo CDC, um produto ou serviço apresentará vício de adequação sempre que não corresponder à legítima expectativa do consumidor quanto à sua utilização ou fruição, ou seja, quando a desconformidade do produto ou do serviço comprometer a sua prestabilidade. Outrossim, um produto ou serviço apresentará defeito de segurança quando, além de não corresponder à expectativa do consumidor, sua utilização ou fruição for capaz de adicionar riscos à sua incolumidade ou de terceiros". (REsp 967623/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/04/2009, DJe 29/06/2009)

3. É sabido que a Fifa tem vedado a utilização de recursos tecnológicos, por isso que o árbitro de futebol, para a própria fluidez da partida e manutenção de sua autoridade em jogo, tem a delicada missão de decidir prontamente, valendo-se apenas de sua acuidade visual e da colaboração dos árbitros auxiliares.

4. O art. 30 da Lei n. 10.671/2003 (Estatuto do Torcedor), atento à

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realidade das coisas, não veda o erro de fato não intencional do árbitro, pois prescreve ser direito do torcedor que a arbitragem das competições desportivas seja independente, imparcial, previamente remunerada e isenta de pressões. Destarte, não há falar em ocorrência de ato ilícito.

5. A derrota de time de futebol, ainda que atribuída a erro "de fato" ou "de direito" da arbitragem, é dissabor que também não tem o condão de causar mágoa duradoura a ponto de interferir intensamente no bem-estar do torcedor, sendo recorrente em todas as modalidades de esporte que contam com equipes competitivas. Nessa esteira, consoante vem reconhecendo doutrina e jurisprudência, mero dissabor, aborrecimento, contratempo, mágoa - inerentes à vida em sociedade -, ou excesso de sensibilidade por aquele que afirma dano moral, são insuficientes à caracterização do abalo, tendo em vista que este depende da constatação, por meio de exame objetivo e prudente arbítrio do magistrado, da real lesão a direito da personalidade daquele que se diz ofendido.

6. De fato, por não se verificar a ocorrência de dano a direito da personalidade ou cabal demonstração do nexo de causalidade, ainda que se trate de relação equiparada a de consumo, é descabido falar em compensação por danos morais. Ademais, não se pode cogitar de inadimplemento contratual, pois não há legítima expectativa - amparada pelo direito - de que o espetáculo esportivo possa transcorrer sem que ocorra erro de arbitragem, ainda que grosseiro e em marcação que hipoteticamente possa alterar o resultado do jogo.

7. Recurso especial não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo Filho, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 07 de maio de 2013(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.296.944 - RJ (2011/0291739-0) RECORRENTE : CUSTÓDIO PEREIRA NETO ADVOGADO : CUSTÓDIO PEREIRA NETO (EM CAUSA PRÓPRIA) E OUTRORECORRIDO : CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL - CBF ADVOGADO : CARLOS EUGÊNIO LOPES E OUTRO(S)

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Custodio Pereira Neto ajuizou ação pretendendo indenização por danos

morais em face da Confederação Brasileira de Futebol - CBF. Sustenta ser torcedor do

Clube Atlético Mineiro e que, em 10 de maio de 2007, em partida realizada no Rio de

Janeiro entre o Atlético e o Botafogo Futebol de Regatas, pela "Copa do Brasil 2007",

organizada pela ré, houve erro crasso de arbitragem, pois não foi marcado pênalti que

beneficiaria seu clube, em lance em que o jogador Valdecir de Souza Júnior (Tchô) foi

violentamente derrubado na área.

Assevera que o árbitro principal, Carlos Eugênio Simon, "como integrante do

quadro de árbitros da FIFA e exercendo a profissão há 20 anos, com atuação nacional e

internacional, em todos os continentes e em duas Copas do Mundo, JAMAIS o Sr.

SIMON poderia inobservar, de forma brutal e grosseira, uma das 17 Regras do Futebol".

Obtempera que, apesar de não poder ser afirmado que o pênalti seria

convertido em gol, a quase totalidade o é.

Assegura que o próprio árbitro afirmou em entrevista concedida

ulteriormente ao programa Globo Esporte que, "revendo o lance pela televisão", admite

que houve pênalti. Garante que, como conforme a tabela de enfrentamento seu clube

havia empatado com o Botafofo no jogo precedente, realizado em Belo Horizonte, teria

sido classificado se tivesse sido marcado a penalidade máxima.

Argumenta que a organizadora é fornecedora de serviços, nos termos do

art. 3º da Lei n. 10.671/2003. Afirma que o torcedor é um consumidor que não pode e

não quer se submeter ao serviço defeituoso fornecido pela ré. Pondera que as partidas

de futebol são momentos de lazer profundo, porém constituem imenso mercado, objeto

de exploração das mais diversas formas, "em que a CBF se destaca como gestora do

futebol e 'dona' dos corações apaixonados por futebol".

Assegura que os torcedores deveriam receber tratamento respeitoso por Documento: 1231457 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 01/07/2013 Página 3 de 23

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parte da ré, permitindo que seus times pudessem ganhar ou perder pelo desempenho em

campo, mas "nem esse mínimo direito" é observado; por isso não se pode admitir que

erros, cada vez mais comuns, sejam entendidos como algo que "faz parte do futebol".

Sustenta que o art. 30 da Lei n. 10.671/2003 prevê ser direito do torcedor que a

arbitragem das competições desportivas seja independente, imparcial, previamente

remunerada e isenta de pressões, e que o art. 3º do mesmo Diploma estabelece que se

equipara a fornecedor, nos termos do CDC, a entidade responsável pela organização da

competição, bem como a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo, por

isso tem a ré responsabilidade objetiva.

Acena que, em vista do disposto nos arts. 5º, V e X, da Constituição

Federal, 186, 187, 926, 927, 932 e 933 do Código Civil e 6º e 14 do CDC combinados

com o Estatuto do Torcedor, cabe indenização por dano moral.

O Juízo da 7ª Vara Cível da Barra da Tijuca julgou improcedentes os

pedidos formulados na exordial.

O autor interpôs apelação para o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que

negou provimento ao recurso.

A decisão tem a seguinte ementa:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. TORCEDOR OFENDIDO POR ERRO DE ARBITRAGEM. FALTA DE MARCAÇÃO DE PENALIDADE DURANTE A DISPUTA ENTRE ATLÉTICO MINEIRO E BOTAFOGO, NA COPA DO BRASIL DE 2007. INEXISTÊNCIA DE DIREITO VIOLADO. 1. Embora se trate de relação de consumo, consoante o disposto no artigo 3º da Lei nº 10.671/2003 (Estatuto de Defesa do Torcedor), não praticou a ré qualquer ilícito a macular o alegado direito do autor-torcedor. 2. Ao promover campeonato de futebol e partidas entre times rivais, com a presença de público mediante a venda de ingressos, a ré não se compromete a garantir resultado em benefício de quaisquer dos times, muito menos responde pelo eventual equívoco de arbitragem, havendo no país tribunal especializado que prima pela observância das regras aplicáveis ao desporto.3. O erro de arbitragem não gera para o torcedor-consumidor, na sua mera condição de espectador, qualquer direito de cunho moral ou muito menos material, já que sequer uma má partida de futebol autoriza a restituição do valor gasto com o pagamento do ingresso. 4. Ausência absoluta de violação de direito a tutelar.5. Desprovimento do recurso.

O autor interpôs recurso especial, com fundamento no art. 105, inciso III,

alínea "a", da Constituição Federal, sustentando violação aos arts. 186, 187, 926, 927,

932 e 933 do Código Civil; 6º e 14 do Código de Defesa do Consumidor e 2º, 3º, 5º e 30

da Lei n. 10.671/2003.

Alega que: tanto a sentença quanto o acórdão recorrido reconheceram o

erro do árbitro, há relação de consumo entre torcedor e a CBF, existe responsabilidade Documento: 1231457 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 01/07/2013 Página 4 de 23

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objetiva da ré pelos atos praticados por seus prepostos (árbitros) e que o torcedor é titular

de inúmeros direitos assegurados pelo Estatuto do Torcedor.

Argumenta que a única controvérsia entre a tese que vem defendendo e o

entendimento perfilhado pelas instâncias ordinárias cinge-se à configuração do dano

moral no caso concreto.

Afirma que na inicial contextualizou a situação precária da arbitragem do

futebol brasileiro, trazendo à baila que há muito os torcedores, jogadores e dirigentes

reclamam providência por parte da CBF.

Assegura que a ré se limita a aceitar e validar as falhas em que incidem os

seus prepostos, sem investir na formação e aperfeiçoamento das condições de trabalho

dos árbitros - incapazes de desempenhar corretamente o ofício que lhes fora confiado.

Assevera, como consumidor, que tem direito à arbitragem correta e de exigir

reparação por erros dela decorrentes. Reconhece que o árbitro não é livre de falhas,

"mas embora errar seja humano, acertar é ainda mais".

Sustenta que nem sequer interessa saber se o pênalti que não foi marcado

resultaria em gol, pois a responsabilidade civil se consuma no momento do erro, devendo

ser aferida sob este enfoque.

Defende que a indenização pleiteada baseia-se no fato de que o árbitro que

apitou o jogo não estava preparado para o mister, conforme reconheceu o presidente da

CBF, tendo errado por imperícia, "porque estava despreparado, como ele mesmo

assumiu posteriormente".

Assenta que a indenização por danos morais vindicada visa a oferecer não

só uma compensação ao lesado, mas também aplicar sanção à ré, desestimulando a

prática de atos lesivos à personalidade de outrem.

Em contrarrazões afirma a CBF que: a) "a seriedade da Justiça" não permite

"rever decisões esportivas de árbitro de futebol"; b) a matéria fática é insuscetível de ser

regulada pelos dispositivos invocados pelo recorrente; c) a decisão recorrida restringiu-se

a examinar e qualificar os fatos, concluindo que não se revestiam do caráter de ilicitude

afirmada pelo recorrente; d) as Súmulas 7/STJ e 282/STF impedem o conhecimento do

recurso.

Em face "das peculiaridades da inusitada controvérsia", recorrente nas

instâncias ordinárias, dei provimento ao Agravo de Instrumento n. 1.133.057-RJ, para

determinar a subida do presente recurso especial.

É o relatório.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.296.944 - RJ (2011/0291739-0) RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃORECORRENTE : CUSTÓDIO PEREIRA NETO ADVOGADO : CUSTÓDIO PEREIRA NETO (EM CAUSA PRÓPRIA) E OUTRORECORRIDO : CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL - CBF ADVOGADO : CARLOS EUGÊNIO LOPES E OUTRO(S)

EMENTA

ESTATUTO DO TORCEDOR E RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PÊNALTI NÃO MARCADO. COMPENSAÇÃO POR ALEGADOS DANOS MORAIS DECORRENTES DE ERRO DE ARBITRAGEM GROSSEIRO, NÃO INTENCIONAL, AINDA QUE COM O CONDÃO DE INFLUIR NO RESULTADO DO JOGO. MANIFESTO DESCABIMENTO. ERROS "DE FATO" DE ARBITRAGEM, SEM DOLO, NÃO SÃO VEDADOS PELO ESTATUTO DO TORCEDOR, A PAR DE SER INVENCÍVEL A SUA OCORRÊNCIA. NÃO HÁ COGITAR EM DANOS MORAIS A TORCEDOR PELO RESULTADO INDESEJADO DA PARTIDA. DANO MORAL. PARA SUA CARACTERIZAÇÃO É IMPRESCINDÍVEL A CONSTATAÇÃO DE LESÃO A DIREITO DA PERSONALIDADE, NÃO SE CONFUNDINDO COM MERO DISSABOR PELO RESULTADO DE JOGO, SITUAÇÃO INERENTE À PAIXÃO FUTEBOLÍSTICA.

1. O art. 3º do Estatuto do Torcedor estabelece que se equiparam a fornecedor, nos termos do Código de Defesa do Consumidor - para todos os efeitos legais -, a entidade responsável pela organização da competição, bem como aquele órgão de prática desportiva detentora do mando de jogo. Todavia, para se cogitar em responsabilidade civil, é necessária a constatação da materialização do dano e do nexo de causalidade.

2. "Observada a classificação utilizada pelo CDC, um produto ou serviço apresentará vício de adequação sempre que não corresponder à legítima expectativa do consumidor quanto à sua utilização ou fruição, ou seja, quando a desconformidade do produto ou do serviço comprometer a sua prestabilidade. Outrossim, um produto ou serviço apresentará defeito de segurança quando, além de não corresponder à expectativa do consumidor, sua utilização ou fruição for capaz de adicionar riscos à sua incolumidade ou de terceiros". (REsp 967623/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/04/2009, DJe 29/06/2009)

3. É sabido que a Fifa tem vedado a utilização de recursos tecnológicos, por isso que o árbitro de futebol, para a própria fluidez da partida e manutenção de sua autoridade em jogo, tem a delicada missão de decidir prontamente, valendo-se apenas de sua acuidade

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visual e da colaboração dos árbitros auxiliares.

4. O art. 30 da Lei n. 10.671/2003 (Estatuto do Torcedor), atento à realidade das coisas, não veda o erro de fato não intencional do árbitro, pois prescreve ser direito do torcedor que a arbitragem das competições desportivas seja independente, imparcial, previamente remunerada e isenta de pressões. Destarte, não há falar em ocorrência de ato ilícito.

5. A derrota de time de futebol, ainda que atribuída a erro "de fato" ou "de direito" da arbitragem, é dissabor que também não tem o condão de causar mágoa duradoura a ponto de interferir intensamente no bem-estar do torcedor, sendo recorrente em todas as modalidades de esporte que contam com equipes competitivas. Nessa esteira, consoante vem reconhecendo doutrina e jurisprudência, mero dissabor, aborrecimento, contratempo, mágoa - inerentes à vida em sociedade -, ou excesso de sensibilidade por aquele que afirma dano moral, são insuficientes à caracterização do abalo, tendo em vista que este depende da constatação, por meio de exame objetivo e prudente arbítrio do magistrado, da real lesão a direito da personalidade daquele que se diz ofendido.

6. De fato, por não se verificar a ocorrência de dano a direito da personalidade ou cabal demonstração do nexo de causalidade, ainda que se trate de relação equiparada a de consumo, é descabido falar em compensação por danos morais. Ademais, não se pode cogitar de inadimplemento contratual, pois não há legítima expectativa - amparada pelo direito - de que o espetáculo esportivo possa transcorrer sem que ocorra erro de arbitragem, ainda que grosseiro e em marcação que hipoteticamente possa alterar o resultado do jogo.

7. Recurso especial não provido.

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VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. A questão controvertida consiste em saber se diante da ocorrência de

erro manifesto de arbitragem, ainda que com potencial para influir decisivamente no

resultado de partida esportiva, mas não sendo constatado o dolo do árbitro, é possível

cogitar em responsabilidade civil da entidade responsável pela organização da

competição, a exsurgir obrigação de compensar danos morais.

A sentença consignou:

[...]O Código do Consumidor no seu artigo 14 disciplinou a responsabilidade por danos causados aos consumidores em razão da prestação de serviços defeituosos, em exata correspondência com o artigo 12. O caput do dispositivo prevê a responsabilidade do fornecedor de serviços, independentemente da extensão da culpa, acolhendo, também, nesta sede, os postulados da responsabilidade objetiva. O fornecedor de serviço só não será responsabilizado quando provar que, tendo prestado o serviço, o defeito inexistiu ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.In casu , é o réu fornecedor enquanto desenvolve atividade desportiva, nos moldes do Estatuto do Torcedor, em seu artigo 3º e da Lei 8.078/90, também artigo 3º.O serviço prestado consiste, pois, na atividade de realização dos jogos, assegurados ao torcedor a publicidade e transparência na organização das competições, nos moldes do artigo 5º da Lei 10.671/03.No que concerne à arbitragem esportiva, objeto da presente lide, é, efetivamente, direito do torcedor que esta seja independente, imparcial, previamente remunerada e isenta de pressões, além de que a escolha dos árbitros se dê mediante sorteio, conforme preceitua o artigo 32 da Lei 10.671/03 e artigo 62, do Estatuto da Confederação Brasileira de Futebol. O fornecimento da atividade em tela está, pois, balizada no Estatuto que estabelece normas de proteção e defesa do torcedor, Autor. Neste sentido, notadamente no que tange ao objeto da presente - serviço defeituoso decorrente da não marcação de um "pênalti CLARÍSSIMO", como assinalado na inicial, vale destacar a necessidade de se garantir uma arbitragem livre de pressões.Após acurada análise dos elementos coligidos aos autos, extrai-se que o erro de arbitragem restou inconteste. A questão que se põe, contudo, como primordial é a de que se o fornecimento da atividade desportiva em questão abrange uma arbitragem livre totalmente de falhas.Parece-me que não.Com efeito, a eficiência e adequação na prestação do serviço desportivo abrange transparência na organização da competição, segurança do torcedor partícipe do evento desportivo, venda de ingressos até setenta e duas horas antes do início da partida correspondente, acesso a transporte seguro e organizado, higiene e qualidade das instalações físicas dos estádios e dos produtos alimentícios vendidos no local e observância, pelos Órgão de

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Justiça Desportiva, no exercício de suas funções, aos Princípios da Impessoalidade, Moralidade, Celeridade, Publicidade e Independência, tudo em conformidade com a Lei 10.671/03.Neste ponto, mister aprofundar o direito do torcedor, nos moldes do artigo 30 da Lei 10.671/03, a uma arbitragem isenta de pressões. Durante os noventa minutos de jogo, é certo que a atividade do árbitro deve consistir no fiel cumprimento das leias que o regem, o que, em nenhuma hipótese, determina a ausência de falhas no seu atuar. Concluir-se em sentido diverso afigura-se inevitável afronta ao próprio direito que o autor torcedor quer ver respeitado com a presente lide: uma arbitragem isenta de pressões, já que não há maior pressão que a da exigência da perfeição. Ademais, ao tratarmos das consequências da não marcação de um pênalti, nos mantemos nos terreno das probabilidades, tendo a responsabilização civil como pressuposto a ocorrência efetiva de um dano.Vale, por fim, destacar, que o relato autoral inicial traduz sentimentos de toda ordem, inerentes, contudo, a uma partida de futebol, inserida num contexto de campeonato.(fls. 432-435)

O acórdão recorrido dispôs:

Postula o autor indenização por danos morais, advindos da má atuação do árbitro Carlos Eugênio Simon, que deixou de marcar um pênalti a favor do Atlético Mineiro, durante partida de futebol realizada entre o referido time mineiro e o Botafogo Futebol de Regatas, em 10/05/2007, no Maracanã, Rio de Janeiro, na etapa das quartas de final da Copa do Brasil de 2007. Inicialmente, cabe ressaltar que a legitimidade passiva ad causam da apelada decorre do disposto no art. 1º, parágrafo único, do Regulamento da Copa do Brasil/2007, extraído do sítio http://www.cbf.com.br/, que assim dispõe:[...]No mérito, salienta-se que a relação versada nos autos é nitidamente de consumo, haja vista que, a teor do disposto no artigo 3º do Estatuto de Defesa do Torcedor, Lei nº 10.671/2003, "para todos os efeitos legais, equiparam-se a fornecedor, nos termos da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, a entidade responsável pela organização da competição, bem como a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo".Trata-se, portanto, de responsabilidade civil objetiva da instituição ré baseada no risco da atividade, bastando para a sua configuração que haja a demonstração do fato, do dano e do nexo causal, não havendo que se cogitar do elemento culpa, somente sendo afastada tal responsabilidade em razão de fato exclusivo da vítima ou de terceiros, ou, ainda, pela inexistência de defeito na prestação do serviço, consoante o disposto no art. 14 do CDC.Embora se trate de relação de consumo, não praticou a ré qualquer ilícito a macular o alegado direito do autor-torcedor. Ao promover o campeonato de futebol e partidas entre times rivais, com a presença de público mediante a venda de ingressos, a ré não se compromete a garantir resultado em benefício de quaisquer dos times, muito menos responde pelo eventual equívoco da arbitragem, havendo no país tribunal especializado que prima pea observância das regras aplicáveis ao desporto. Ademais, destaca-se que embora a falta de marcação do pênalti pelo árbitro da referida partida tenha sido por ele próprio assumida como um "erro", conforme se depreende das matérias jornalísticas de fls. 71 e 72, tal conduta não tem o condão de configurar qualquer lesão à esfera íntima do autor.Portanto, o erro de arbitragem não gera para o torcedor-consumidor, na sua

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mera condição de espectador, qualquer direito de cunho moral ou muito menos material, já que sequer uma má partida de futebol autoriza a restituição do valor gasto com o pagamento do ingresso.Não merece acolhida o argumento sustentado pelo apelante no que diz respeito á falta de preparo do árbitro em questão, destacando-se, ainda, que não se vislumbra, in casu , a inobservância, pela confederação ré, das disposições contidas no Capítulo VIII, que trata da Relação com a Arbitragem Esportiva , artigos 30 e ss, da Lei nº 10.671/2003, que merecem transcrição:[...]Assim sendo, o simples erro de arbitragem não viola qualquer direito do torcedor, verificando-se a mais absoluta ausência de ilícito como fato gerador dos danos morais postulados. (fls. 483-487)

No que interessa à solução da lide, os arts. 14 do Código de Defesa do

Consumidor e 2º, 3º, 5º e 30 do Estatuto do Torcedor, dispositivos tidos por violados,

respectivamente, dispõem:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:I - o modo de seu fornecimento;II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;III - a época em que foi fornecido.§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

-------------------------------------------------------------------------------------------------------

Art. 2º Torcedor é toda pessoa que aprecie, apóie ou se associe a qualquer entidade de prática desportiva do País e acompanhe a prática de determinada modalidade esportiva.Parágrafo único. Salvo prova em contrário, presumem-se a apreciação, o apoio ou o acompanhamento de que trata o caput deste artigo.

-------------------------------------------------------------------------------------------------------

Art. 3º Para todos os efeitos legais, equiparam-se a fornecedor, nos termos da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, a entidade responsável pela organização da competição, bem como a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo.

-------------------------------------------------------------------------------------------------------

Art. 5º São asseguradas ao torcedor a publicidade e transparência na organização das competições administradas pelas entidades de

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administração do desporto, bem como pelas ligas de que trata o art. 20 da Lei no 9.615, de 24 de março de 1998.

-------------------------------------------------------------------------------------------------------

Art. 30. É direito do torcedor que a arbitragem das competições desportivas seja independente, imparcial, previamente remunerada e isenta de pressões.Parágrafo único. A remuneração do árbitro e de seus auxiliares será de responsabilidade da entidade de administração do desporto ou da liga organizadora do evento esportivo.

Registro, ainda, que o art. 932, III, do Código Civil dispõe:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:[...]III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

3. É interessante notar que, na relação contratual estabelecida entre autor e

réu, por expressa previsão do artigo 3º do Estatuto do Torcedor e para todos os efeitos

legais, equiparam-se a fornecedor, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, a

entidade responsável pela organização da competição, bem como o órgão de prática

desportiva detentora do mando de jogo.

A doutrina consumerista, de um modo geral, tem conceituado "vício" como

o característico que torna o produto inadequado para os fins a que se destina ou lhe

reduza o valor; ao passo que "defeito", além de tornar o produto inadequado, gera um

risco de segurança para o consumidor, podendo-lhe acarretar danos.

Como visto, a diferenciação não é ontológica, não reside na essência de

cada conceito. Diz respeito apenas à gravidade ou às possíveis consequências da

característica do produto, não se me afigurando necessário proceder a tal distinção para

a solução do caso em apreço.

Aliás, o próprio Código Civil de 2002 confere o mesmo tratamento jurídico

ao "vício" e ao "defeito", proclamando que "[a] coisa recebida em virtude de contrato

comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao

uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor" (art. 441, caput ).

3.1. Todavia, no caso, para se cogitar em responsabilidade civil é

necessária a constatação da materialização de ato ilícito omissivo ou comissivo, nexo de

causalidade e o dano.

A responsabilidade civil, nos termos do art. 14, caput, do CDC,

fundamentada no risco da atividade nas relações de consumo é, em regra, objetiva,

prescindindo da demonstração do dolo ou culpa por parte do fornecedor de serviços, mas

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sendo necessária a constatação do ato comissivo ou omissivo lesivo (dano) e do nexo de

causalidade.

A doutrina propugna:

São três os pressupostos da responsabilidade civil: ação, dano e nexo causal.Para que haja responsabilidade civil, é preciso existir a ação que importa na violação a direito de outrem, o dano, seja moral, seja material, e o nexo causal entre essa ação e o dano.Esses, efetivamente, são os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva e objetiva.É preciso separar os pressupostos dos fundamentos da responsabilidade civil, para que esse tema deixe de ser uma teia que não tem início ou fim, para que não se perca a base segura em seu estudo.São dois os fundamentos da responsabilidade civil: a culpa e o risco. Na responsabilidade subjetiva, fundamentada na culpa, é preciso demonstrar o modo de atuação do agente, sua intenção dolosa, isto é, a vontade do lesante de causar o dano, ou o seu comportamento negligente, imprudente ou imperito.Porém, quando se fala em culpa, devemos ter em conta sua noção abstrata. A conduta do agente deve ser apreciada em face do comportamento normal das pessoas, colocadas nas mesmas circunstâncias em que o ato se realizou.[...]A responsabilidade objetiva é fundamentada no risco. Assim é chamada essa espécie de responsabilidade porque não cabe examinar a vontade do agente, nem mesmo naquela comparação com a conduta normal das pessoas. Aqui não importa se houve dolo, se houve negligência, ou imprudência, ou imperícia. Importa apenas a existência da ação e o dano. Havendo ação lesiva e a relação de causalidade entre a ação e o dano, surge a responsabilidade civil. Em suma, não se cogita da subjetividade do agente. A vítima somente precisa demonstrar a ação ligada ao dano, para que surja o dever do lesante de repará-lo. Evidencia-se a facilitação das provas a serem produzidas pelo lesado na responsabilidade objetiva, já que bastará a comprovação da ação, do nexo causal e do dano. Por outro lado, na responsabilidade subjetiva o conjunto probatório envolve, além desses pressupostos, a culpa do lesante, seu dolo, ou sua negligência, sua imprudência ou sua imperícia.No Código Civil vigente, a regra geral continua a ser a da responsabilidade subjetiva, fundamentada na culpa (arts. 186 e 927, caput ). [...]Já no Código de Defesa do Consumidor, o fundamento geral da responsabilidade civil no fornecimento de serviços é o risco, aplicando-se a teoria objetiva, segundo seu art. 14, caput , que dispõe:[...]Então, nas relações de consumo, independentemente da existência de culpa, há responsabilidade do fornecedor de serviços. O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar que, tendo prestado o serviço, o defeito não existe (portanto, não há dano) ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (portanto, não há nexo causal), como estabelece o mesmo art. 14, em seu § 3º, I e II.[...]

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E, ainda, no Código de Defesa do Consumidor, o art. 20, caput , e incisos I, II e III, dispõe sobre os chamados "vícios de qualidade", pelos quais responde o fornecedor se tornarem os serviços impróprios ao consumo ou lhe diminuírem o valor, e também sobre disparidades entre as indicações ou mensagem publicitária da oferta e os serviços, casos em que o consumidor pode exigir a reexecução dos serviços sem custo adicional, ou a restituição imediata da quantia paga, corrigida monetariamente, sem prejuízo das perdas e danos, ou o abatimento proporcional no preço.[...]A resposta a essas indagações merece o devido e prévio detalhamento dos princípios a respeito de obrigações de meio e de resultado... [...]Se nos restringirmos ao disposto no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor de serviços responde independentemente de culpa e, portanto, apenas com a ação ou omissão e o dano... Isso em razão da teoria objetiva adotada pelo Código de Defesa do Consumidor, em que não há possibilidade de indagar se houve dolo ou culpa em sentido estrito - negligência, imperícia ou imprudência...[...]Se a obrigação descumprida for de meio, a responsabilidade civil será subjetiva, ou seja, baseada na culpa, em que haverá a apuração do dolo, ou da negligência, imperícia ou imprudência do agente. (SILVA, Regina Beatriz Tavares da (Org.). Responsabilidade Civil e sua Repercussão nos Tribunais. São Paulo: Saraiva, 2008, ps. 4-8)

-------------------------------------------------------------------------------------------------------A doutrina, na análise dos tipos de contrato, costuma dividi-los em contratos de resultado e contratos de meio , classificação de relevantes efeitos no plano material, e, sobretudo no plano processual, onde se opera uma total mudança ao ônus da prova (RENÉ SAVATIER, Traité de la Responsabilité Civile en Dorit Français , Paris, LGDJ, 1939, T. I, p. 146).O fato de ser o contrato enquadrável numa das duas referidas espécies influi sobre a definição do objeto do negócio jurídico, isto é, a configuração da prestação devida, e, consequentemente, sobre a conceituação do inadimplemento .Na obrigação de resultado, o contratante obriga-se a alcançar um determinado fim, cuja não-consecução importa em descumprimento do contrato. No contrato de transporte e no de empreitada, por exemplo, se o bem transportado não chega incólume ao destino previsto, há inadimplemento do transportador, devendo este reparar os prejuízos do destinatário. Da mesma forma, inadimple o contrato de empreitada o construtor que não produz o edifício com a segurança e as especificações previstas no contrato. Ambos tinham, perante o outro contratante, um débito específico, que consistia no alcançar o fim predeterminado. Esse fim confundia-se com a prestação devida , motivo pelo qual se dá o inadimplemento contratual , quando tal meta não é atingida. Já na obrigação de meio , o que o contrato impõe ao devedor é apenas a realização de certa atividade, rumo a um fim, mas sem ter o compromisso de atingi-lo. O objeto do contrato limita-se à referida atividade , de modo que o devedor tem de empenhar-se na procura do fim que justifica o negócio jurídico, agindo com zelo e de acordo com a técnica própria de sua função; a frustração, porém, do objetivo visado não configura inadimplemento, com seus consectários jurídicos, quando a

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atividade devida for mal desempenhada. É o que se passa, em princípio, com a generalidade dos contratos de prestação de serviços, já que o obreiro põe sua força física ou intelectual à disposição do tomador de seus serviços sem se comprometer com o resultado final visado por este. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Dano Moral. Belo Horizonte: Del Rey, 7 ed., 2010, ps. 95-96)

Nesse passo, conforme precedente do STJ, relatado pela Ministra Nancy

Andrighi (REsp 967.623/SP), um produto ou serviço apresentará vicío de adequação

sempre que não corresponder à legítima expectativa do consumidor quanto à sua

utilização ou fruição:

CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE PELO FATO OU VÍCIO DO PRODUTO. DISTINÇÃO. DIREITO DE RECLAMAR. PRAZOS. VÍCIO DE ADEQUAÇÃO. PRAZO DECADENCIAL. DEFEITO DE SEGURANÇA. PRAZO PRESCRICIONAL. GARANTIA LEGAL E PRAZO DE RECLAMAÇÃO. DISTINÇÃO. GARANTIA CONTRATUAL. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DOS PRAZOS DE RECLAMAÇÃO ATINENTES À GARANTIA LEGAL.- No sistema do CDC, a responsabilidade pela qualidade biparte-se na exigência de adequação e segurança, segundo o que razoavelmente se pode esperar dos produtos e serviços. Nesse contexto, fixa, de um lado, a responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço, que compreende os defeitos de segurança; e de outro, a responsabilidade por vício do produto ou do serviço, que abrange os vícios por inadequação.- Observada a classificação utilizada pelo CDC, um produto ou serviço apresentará vício de adequação sempre que não corresponder à legítima expectativa do consumidor quanto à sua utilização ou fruição, ou seja, quando a desconformidade do produto ou do serviço comprometer a sua prestabilidade. Outrossim, um produto ou serviço apresentará defeito de segurança quando, além de não corresponder à expectativa do consumidor, sua utilização ou fruição for capaz de adicionar riscos à sua incolumidade ou de terceiros.[...]Recurso especial conhecido e provido.(REsp 967623/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/04/2009, DJe 29/06/2009)

3.2.. No caso, é incontroverso que se trata de genuína hipótese de erro de

arbitragem, isto é, equívoco não intencional.

Os genuínos erros de arbitragem são aqueles em que não há dolo por parte

do árbitro, sendo classificados em "erro de fato" e "erro de direito": os primeiros

caracterizados por má ou falsa percepção da realidade e os últimos por deficiência no

conhecimento das regras aplicáveis à modalidade esportiva (imperícia).

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O denominado "Código Brasileiro de Justiça Desportiva" estabelece que o

erro de direito é o que tem maiores consequências, pois, conforme o art. 259 desse

Diploma, pode implicar em anulação da partida se for relevante o suficiente para alterar

seu resultado -; hipótese em que se poderá cogitar de danos, todavia, apenas de ordem

patrimonial, consistente no direito à devolução do valor pago pelo ingresso ou troca do

bilhete por outro referente à nova partida a ser realizada (nos moldes do art. 20, I e II, do

CDC).

Note-se o que dispõe o "Código Brasileiro de Justiça Desportiva":

Art. 259. Deixar de observar as regras da modalidade.[...]§ 1º A partida, prova ou equivalente poderá ser anulada se ocorrer, comprovadamente, erro de direito relevante o suficiente para alterar seu resultado. (AC).

No caso em julgamento, porém, da leitura da causa de pedir conjugada com

os fatos ocorridos e incontroversos, fica evidenciado que houve erro de fato, e não a

alegada imperícia, pois o autor assegura que o árbitro afirmou em entrevista concedida

ulteriormente a um programa de televisão que, "revendo o lance pela televisão", admite

que houve pênalti.

Outrossim, na inicial não há menção a outro erro grosseiro de arbitragem

verificado no decorrer da partida, o autor sustenta que o árbitro apitou duas copas do

mundo, tendo atuado em todos os continentes, sendo também árbitro da Fifa e que,

embora tenha sido suspenso pela CBF por três jogos em decorrência do erro discutido na

presente demanda, ainda assim, durante o período de suspensão, apitou na Venezuela

partida relativa a campeonato internacional de seleções de futebol (Copa América).

3.3. Em monografia abordando o tema em exame, Leonardo José Roesler

(A Responsabilidade Civil do Árbitro de Futebol e a Legislação Desportiva

Brasileira, 2010, p. 38-48) anota que é previsível que o árbitro cometa falhas no

desenrolar de uma partida de futebol, pois "as jogadas ocorrem em frações de segundo";

bem observando que, em vista do fato de que o árbitro é um dos protagonistas de uma

partida, é impossível saber se, ausente aquela arbitragem, em que pese o eventual erro

cometido, se o placar seria diverso:

[...] o árbitro de futebol comete inúmeras falhas no desenrolar de sua atividade laboral, principalmente porque as jogadas ocorrem em frações de segundo, e também por não disporem de recursos técnológicos suficientes para dirimir suas dúvidas no terreno de jogo.Uma das essências do futebol são os erros de arbitragem que nunca sumiram do esporte, pois falhar é humano. No futebol moderno, as equipes de transmissão utilizam as mais avançadas tecnologias que flagram todos os

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lances do jogo permitindo assim, se afirmar nos mínimos detalhes se o jogador estava impedido, ou não, se a bola entrou, ou não, se foi falta dentro da área, ou fora. O grande problema para o árbitro de futebol é que esses equipamentos são apenas utilizados pela imprensa, a FIFA proíbe que os árbitros gozem da utilização destes recursos, com a fundamentação de o 'replay' acabaria com os lances polêmicos do esporte, mas defende principalmente o não uso pelo fato de que foi a simplicidade que tornou o futebol o esporte mais praticado no mundo.[...]A falha mais comum dentro de campo é o "erro de fato"... A sua principal característica é de ser não intencional e ocorre quando o árbitro acha que determinado lance não aconteceu e deixa de aplicar a regra que seria cabível, como, por exemplo, um pênalti não assinalado por entender que a falta foi do atacante. Geralmente esses erros acontecem em frações de segundos, e os árbitros, em razão da própria incapacidade visual humana e, também, às vezes, por deficiência técnica, não tem como evitá-los.Por fazer parte da falibilidade humana, o erro de fato não pode ser encarado como um ato ilícito. [...]O árbitro imagina que fez a marcação certa, mas, na verdade, acabou errando. Sem contar que é impossível saber se, ausente aquela arbitragem, o placar do jogo seria outro...

Com efeito, como a Fifa tem vedado a utilização de recursos tecnológicos, o

árbitro, para a própria fluidez da partida e manutenção de sua autoridade em jogo, tem a

delicada missão de decidir prontamente, valendo-se apenas de sua acuidade visual e da

colaboração dos árbitros auxiliares.

Nesse passo, não é despiciendo consignar que há lances em que até

mesmo consagrados ex-árbitros comentaristas, com larga experiência em arbitragem,

titubeiam em afirmar de pronto se, a título de exemplo, houve ou não conduta

antiesportiva, impedimento ou gol, preferindo lançar mão da tecnologia para, após a

imagem do lance ser reprisada e/ou congelada, com a utilização de todo o aparato

disponível, opinar a respeito da marcação.

Ademais, os erros de fato podem decorrer até mesmo do eventual

posicionamento de jogador(es), envolvido(s) ou não no lance ensejador da conduta

antiesportiva, a encobrir o campo de visão do árbitro.

Igualmente, não é incomum que, por meio de chute ou arremesso, a bola

seja lançada a grande distância, dificultando sobremaneira o acompanhamento visual

dos lances subsequentes.

Outrossim, como é notório, mesmo com os modernos recursos utilizados

pelas emissoras de televisão, não raro existem polêmicas entre renomados especialistas

em arbitragem acerca de marcações efetuadas por árbitros, que passam a ser tema de

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longos debates promovidos por programas esportivos.

Nessa toada, atento à realidade das coisas, o art. 30 da Lei n. 10.671/2003

(Estatuto do Torcedor) não veda o erro de fato não intencional do árbitro, pois prescreve

ser direito do torcedor que a arbitragem das competições desportivas seja independente,

imparcial, previamente remunerada e isenta de pressões.

Destarte, não há falar em ocorrência de ato ilícito e nem mesmo em nexo de

causalidade, pois a alegada conversão do pênalti em gol, ao contrário do afirmado pelo

autor, é fato incerto que, embora possível, é manifestamente imprevisível - e, como dito,

se a arbitragem fosse realizada por outro árbitro, não é certo que o resultado do jogo teria

sido satisfatório para o time do autor.

4. No que tange à alegada ocorrência de dano moral, anoto que os incisos V

e X do artigo 5º, da Constituição Federal consagram o direito à compensação por danos

morais, correlacionando-os à violação dos direitos da personalidade:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Dessarte, o direito à reparação exsurge de condutas que ofendam direitos

da personalidade, bens tutelados que não têm, per se, conteúdo patrimonial, mas

extrema relevância conferida pelo ordenamento jurídico, quais sejam: higidez física e

psicológica, vida, liberdade, privacidade, honra, imagem, nome, direitos morais do autor

de obra intelectual.

Desse modo, na verdade, como bem leciona a abalizada doutrina, o direito

tutela a personalidade, impondo sanção ao causador do dano e compensação ao lesado;

visto que, como bem observam Mazeaud e Mazeaud, de regra, não há possibilidade de

se "apagar os efeitos da lesão".

A derrota de time, ainda que atribuída a erro grosseiro de arbitragem, é

mero dissabor que também não tem o condão de causar mágoa duradoura, a ponto de

interferir intensamente no bem-estar do torcedor, sendo recorrente em todas as

modalidades de esporte que contam com equipes competitivas.

Nessa esteira, consoante vem reconhecendo doutrina e jurisprudência,

mero dissabor, aborrecimento, contratempo, mágoa - inerentes à vida em sociedade -, ou

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excesso de sensibilidade por aquele que afirma dano moral são insuficientes à

caracterização do abalo moral, tendo em vista que este depende da constatação, por

meio de exame objetivo e prudente arbítrio do magistrado, da real lesão a direito da

personalidade daquele que se diz ofendido:

O que configura e o que não configura o dano moral? Na falta de critérios objetivos, essa questão vem se tornando tormentosa na doutrina e na jurisprudência, levando o julgador a situação de perplexidade. Ultrapassadas as fases da irreparabilidade do dano moral e da sua inacumulabilidade com o dano material, corremos, agora, o risco de ingressar na fase da sua industrialização, onde o aborrecimento banal ou mera sensibilidade são apresentados como dano moral, em busca de indenizações milionárias.Este é um dos domínios onde mais necessárias se tornam as regras da boa prudência, do bom-senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida. Tenho entendido que, na solução dessa questão, cumpre ao juiz seguir a trilha da lógica do razoável , em busca da concepção ético-jurídica dominante na sociedade. Deve tomar por paradigma o cidadão que se coloca a igual distância do homem frio, insensível, e o homem de extrema sensibilidade. "A gravidade do dano - pondera Antunes Varela - há de medir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não a luz de fatores subjetivos (de uma sensibilidade particulamente embotada ou especialmente requintada). Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito : o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária do lesado" (Das obrigações em geral , 8ª ed., Almedina, p. 617).Dissemos linhas atrás que dano moral , à luz da Constituição vigente, nada mais é do que agressão à dignidade humana. Que consequências podem ser extraídas daí? A primeira diz respeito à própria configuração do dano moral. Se dano moral é agressão à dignidade humana, não basta para configurá-lo qualquer contrariedade. Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral, a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos. Dor, vexame, sofrimento e humilhação são consequência e não causa. Assim como a febre é o efeito de uma agressão orgânica, dor, vexame e sofrimento só poderão ser considerados dano moral quando tiverem por uma causa uma agressão à dignidade de alguém .Como julgador, há mais de 35 anos, tenho utilizado como critério aferidor do dano moral se, no caso concreto, houve alguma agressão à dignidade daquele que se diz ofendido (dano moral em sentido estrito e, por isso, o mais grave) ou, pelo menos, se houve alguma agressão, mínima que seja, a um bem integrante da sua personalidade (nome,

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honra, imagem, reputação etc). Sem que isso tenha ocorrido, não haverá que se falar em dano moral, por mais triste e aborrecido que alega estar aquele que pleiteia a indenização. (CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabildiade Civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2010, ps. 86-87) -------------------------------------------------------------------------------------------------------De maneira mais ampla, pode-se afirmar que são danos morais os ocorridos na esfera da subjetividade, ou no plano valorativo da pessoa na sociedade, alcançando os aspectos mais íntimos da personalidade humana... Derivam, portanto, de "práticas atentatórias à personalidade humana" (STJ, 3ª T., voto do Relator EDUARDO RIBEIRO, no REsp 4.326, in BUSSADA, Súmulas do Superior Tribunal de Justiça , São Paulo, Jurídica Brasileira, 1995, vol. I, p. 680). Traduzem-se em "um sentimento de pesar íntimo da pessoa ofendida" (STF, RE 69.754/SP, RT 485/230) capaz de gerar "alterações psíquicas" ou "prejuízo à parte social ou afetiva do patrimônio moral" do ofendido (STF, RE 116.381 - RJ, BUSSADA, ob. cit., p. 6.873). (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Dano Moral. 7 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 2 e 3)

No mesmo sentido é a jurisprudência da Casa:

RESPONSABILIDADE CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. CONCESSIONÁRIA PRESTADORA DE SERVIÇO DE TELEFONIA. ENVIO DE COBRANÇAS PARA O ENDEREÇO DE HOMÔNIMA, EM VIRTUDE DE A VERDADEIRA CLIENTE TER FORNECIDO COMPROVAÇÃO DE RESIDÊNCIA INVERÍDICA. DANOS MORAIS. INEXISTÊNCIA. REVISÃO DO ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE ORIGEM. REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE.1. É tranquila a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que mero aborrecimento, mágoa ou excesso de sensibilidade por parte de quem afirma dano moral, por serem inerentes à vida em sociedade, são insuficientes à caracterização do abalo, visto que tal depende da constatação, por meio de exame objetivo e prudente arbítrio, da real lesão à personalidade daquele que se diz ofendido.[...]5. Recurso especial não provido.(REsp 944308/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 06/03/2012, DJe 19/03/2012)

-------------------------------------------------------------------------------------------------------

RECURSO ESPECIAL - RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - IMÓVEL - DEFEITO DE CONSTRUÇÃO - INFILTRAÇÕES EM APARTAMENTO - POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO - CONSTATAÇÃO, PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS - LAMENTÁVEL DISSABOR - DANO MORAL - NÃO CARACTERIZADO - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.I - As recentes orientações desta Corte Superior, a qual alinha-se esta Relatoria, caminham no sentido de se afastar indenizações por danos morais nas hipóteses em que há, na realidade, aborrecimento, a que todos estão sujeitos.II - Na verdade, a vida em sociedade traduz, infelizmente, em certas ocasiões, dissabores que, embora lamentáveis, não podem justificar a

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reparação civil, por dano moral. Assim, não é possível se considerar meros incômodos como ensejadores de danos morais, sendo certo que só se deve reputar como dano moral a dor, o vexame, o sofrimento ou mesmo a humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, chegando a causar-lhe aflição, angústia e desequilíbrio em seu bem estar.III - No caso, a infiltração ocorrida no apartamento dos ora recorrentes, embora tenha causado, é certo, frustração em sua utilização, não justifica, por si só, indenização por danos morais.Isso porque, embora os defeitos na construção do bem imóvel tenham sido constatados pelas Instâncias ordinárias, tais circunstâncias, não tornaram o imóvel impróprio para o uso.IV - Recurso especial improvido.(REsp 1234549/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/12/2011, DJe 10/02/2012)-------------------------------------------------------------------------------------------------------

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. NOTIFICAÇÃO FEITA PELO ESTABELECIMENTO BANCÁRIO A CORRENTISTA, COMUNICANDO-LHE O INTENTO DE NÃO MAIS RENOVAR O CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO. EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO. MERO ABORRECIMENTO INSUSCETÍVEL DE EMBASAR O PLEITO DE REPARAÇÃO POR DANO MORAL.[...]- Mero aborrecimento, dissabor, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral.Recurso especial conhecido e provido.(REsp 303396/PB, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 05/11/2002, DJ 24/02/2003, p. 238)

6. Com efeito, por não se verificar a ocorrência de ato lícito, dano ou mesmo

cabal demonstração do nexo de causalidade, é descabido, a meu juízo, falar em

compensação por danos morais.

Ademais, não se pode cogitar de inadimplemento contratual, pois não há

legítima expectativa - amparada pelo direito - de que o espetáculo esportivo possa

transcorrer sem que ocorra algum erro de arbitragem não intencional, ainda que

grosseiro, a envolver marcação que hipoteticamente pudesse alterar o resultado do jogo.

7. Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.296.944 - RJ (2011/0291739-0)

VOTO

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Sr. Presidente, nesse caso,

não tenho dúvida em acompanhar a conclusão do voto de V. Exa. A perplexidade

que me ficaria diz respeito a outras questões, como a própria legitimidade ativa de

um torcedor para questionar em juízo sobre a existência ou não de erro na

arbitragem e a aplicação do CDC na relação entre torcedores e a CBF. Tenho

dificuldade até em reconhecer que houvesse relação jurídica entre cada torcedor e a

CBF.

Mas concordo inteiramente que não há dano moral indenizável, exceto

aborrecimento, que é compartilhado por todos os torcedores desse time e,

eventualmente, até de outros times, cuja posição no campeonato seja prejudicada

pelo placar equivocado.

Deixando, todavia, essas ponderações para outra ocasião, também eu

nego provimento ao recurso especial.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.296.944 - RJ (2011/0291739-0)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃORECORRENTE : CUSTÓDIO PEREIRA NETO ADVOGADO : CUSTÓDIO PEREIRA NETO (EM CAUSA PRÓPRIA) E OUTRORECORRIDO : CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL - CBF ADVOGADOS : CARLOS EUGÊNIO LOPES E OUTRO(S)

LUIZ EDUARDO SÁ RORIZ

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA: Sr. Presidente,

cumprimento V. Exa. pelo primoroso voto que subscrevo integralmente.

NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOQUARTA TURMA

Número Registro: 2011/0291739-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.296.944 / RJ

Números Origem: 20072090095341 200800138743 200813518147

PAUTA: 07/05/2013 JULGADO: 07/05/2013

RelatorExmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. HUGO GUEIROS BERNARDES FILHO

SecretáriaBela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : CUSTÓDIO PEREIRA NETOADVOGADO : CUSTÓDIO PEREIRA NETO (EM CAUSA PRÓPRIA) E OUTRORECORRIDO : CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL - CBFADVOGADOS : CARLOS EUGÊNIO LOPES E OUTRO(S)

LUIZ EDUARDO SÁ RORIZ

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Responsabilidade Civil

SUSTENTAÇÃO ORAL

Dr(a). CUSTÓDIO PEREIRA NETO, pela parte RECORRENTE: CUSTÓDIO PEREIRA NETO Dr(a). LUIZ EDUARDO SÁ RORIZ, pela parte RECORRIDA: CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL - CBF

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Raul Araújo Filho, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

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