toilette artigo jane

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nº 9 - 2 semestre de 2001 Jane de Almeida http://www.faap.br/revista_faap/revista_facom/artigos_toilette1.htm Uma piada contada por Freud: "Você está mentindo ao me dizer que vai para a Cracóvia apenas para que eu acredite que vai para Lemberg, mas na realidade você está indo mesmo para a Cracóvia". Trata-se de dois judeus que se conhecem e se encontram numa viagem de trem, mas trata-se principalmente de um jogo retórico no qual eles estão inseridos. Um jogo apresentado por Lacan: o jogo de "par ou ímpar" (even and odd) relatado pelo detetive Dupin, personagem de Edgar Allan Poe, sobre um impressionante garoto que na escola ganhava todas as partidas pela mera suposição da astúcia ou estupidez do adversário. O jogo começa com o "eu sei que você sabe" para infinitas dobras de "eu sei que você sabe que eu sei". Mudando de contexto, é esse mesmo o jogo da lógica das aparências (semblant para Lacan) que revela um descolamento da linguagem em relação ao objeto como nos paradoxos lógicos que encontram o sentido no não-sentido. Assim como o caso "Cracóvia e Lemberg" é uma piada - chamada de "chiste sofístico" por Freud -, os paradoxos são uma espécie de discurso da lógica e o "par ou ímpar" um jogo. Piada, lógica e jogo cumprem, por assim dizer, a função metalingüística. É do código do humor que se fala quando o sofisma dos judeus é relatado pelo terceiro-outro Freud. O jogo do garoto relatado por Poe é usado por Lacan para falar da intersubjetividade a partir de uma terceira cena em que se sabe o que se passa pelo jogo intersubjetivo. Movimento evidentemente metalingüístico, porém Lacan já estruturava o que viria propor como saída dessa relação que não será pela metalinguagem, mas sim pela dobra mesma das relações duais para daí extrair o terceiro. No sentido lacaniano, a própria metalinguagem será uma dobra retórica, sofística da sofística. Em contextos comunicacionais, a relação de emissão e recepção se revela como uma dobra conhecida e debatida: quem define a audiência é o público receptor a quem é dirigida a mensagem ou o emissor que, há não muito tempo atrás, era considerado o principal fator do evento comunicacional? Essa relação já se encontra em tal estado de proliferação de dobras

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Page 1: Toilette Artigo Jane

nº 9 - 2 semestre de

2001

Jane de Almeida

http://www.faap.br/revista_faap/revista_facom/artigos_toilette1.htm

Uma piada contada por Freud: "Você está mentindo ao me dizer que vai para a Cracóvia

apenas para que eu acredite que vai para Lemberg, mas na realidade você está indo mesmo

para a Cracóvia". Trata-se de dois judeus que se conhecem e se encontram numa viagem de

trem, mas trata-se principalmente de um jogo retórico no qual eles estão inseridos. Um jogo

apresentado por Lacan: o jogo de "par ou ímpar" (even and odd) relatado pelo detetive Dupin,

personagem de Edgar Allan Poe, sobre um impressionante garoto que na escola ganhava

todas as partidas pela mera suposição da astúcia ou estupidez do adversário. O jogo começa

com o "eu sei que você sabe" para infinitas dobras de "eu sei que você sabe que eu sei".

Mudando de contexto, é esse mesmo o jogo da lógica das aparências (semblant para Lacan)

que revela um descolamento da linguagem em relação ao objeto como nos paradoxos

lógicos que encontram o sentido no não-sentido. Assim como o caso "Cracóvia e Lemberg" é

uma piada - chamada de "chiste sofístico" por Freud -, os paradoxos são uma espécie de

discurso da lógica e o "par ou ímpar" um jogo. Piada, lógica e jogo cumprem, por assim dizer,

a função metalingüística. É do código do humor que se fala quando o sofisma dos judeus é

relatado pelo terceiro-outro Freud. O jogo do garoto relatado por Poe é usado por Lacan para

falar da intersubjetividade a partir de uma terceira cena em que se sabe o que se passa pelo

jogo intersubjetivo. Movimento evidentemente metalingüístico, porém Lacan já estruturava o

que viria propor como saída dessa relação que não será pela metalinguagem, mas sim pela

dobra mesma das relações duais para daí extrair o terceiro. No sentido lacaniano, a própria

metalinguagem será uma dobra retórica, sofística da sofística.

Em contextos comunicacionais, a relação de emissão e recepção se revela como uma dobra

conhecida e debatida: quem define a audiência é o público receptor a quem é dirigida a

mensagem ou o emissor que, há não muito tempo atrás, era considerado o principal fator do

evento comunicacional? Essa relação já se encontra em tal estado de proliferação de dobras

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que nos provoca a resposta do irmão de Mark Twain depois de ver sua casa destruída pelas

vacas pela enésima vez: esta situação está se tornando repetitiva!...

A questão é que bastam duas mentes interpretantes para que esse processo possa funcionar

e funciona com duração infinita se o gozo não for interrompido de alguma forma. No jogo do

par ou ímpar, a particularidade de even e odd na língua inglesa modula um deslocamento de

sentido, pois eles significam respectivamente "o mesmo" e "estranho" - nas palavras de Poe,

o personagem chefe de polícia tinha a mania de chamar odd qualquer coisa que estivesse

além de sua compreensão, vivendo dentro de uma absoluta legião de oddities. Por

similaridade de significado, essa excentricidade de odd pode ser relacionada ao Umheimlich

freudiano sem a propriedade de uma estranheza tão aguda. O próprio Freud se lembra do

espantoso incômodo que sentiu ao ver sua imagem refletida na porta do trem.

Estranhar, ao ponto da inquietação tem sido cada vez mais distante dando lugar à legião de

oddities contemporâneas, de uma espécie de subjetividade em relação direta com a

dimensão da virtualidade, que reconhece o fora como possibilidade do dentro. Ou seja, o odd

pode ser, ele mesmo, uma dobra incorporadora do Umheimlich - que, por sua vez, já

continha em si a ambivalência do heimlich, o familiar e doméstico que se projeta em seu

contrário para captar a estranheza. Assim, as discussões sobre o potencial de deslocamento

subjetivo de textos e as produções artísticas e intelectuais se vêem às voltas com a

mesmidade (sameness) duplicada no caráter de reconhecimento da excentricidade. É como

se o 'estranho' tivesse sido fagocitado pelo interpretante que, por sua vez, o formatará como

'o já conhecido'.

Pelo sim, pelo não, o processo de reprodutibilidade se relaciona a esse fenômeno, pois ele

tem e teve em si um potencial de deslocamento do familiar pelo familiar mesmo, como no

caso do Kitsch que aplaudiu o objeto em queda do seu lugar de "Coisa". Rosalind Krauss

localiza um momento privilegiado em que o fenômeno se coloca a respeito de Rodin que ao

favorecer a industrialização do trabalho artesanal favorece "a corrupção da estética manual

pela reprodução mecânica ". Evidentemente trata-se da questão da obra e do original, na

medida em que a reprodução é a obra. Nesse sentido, a reprodução pode ser mais familiar

que o próprio original. Se há estranhamento é na familiaridade que se perguntará se a

reprodução "sabe-se como reprodução que se sabe como obra".

Em Freud, o Umheilich contém o aspecto de duplicidade que remeterá à compulsão à

repetição e em Lacan, o odd propõe a relação do par ou ímpar para falar da

intersubjetividade. Então, quando se compara o odd de Lacan com o Umheilich de Freud

haverá de se perceber que muitos aspectos são incongruentes e eles vão ao encontro dos

propósitos de seus autores. Em sua construção do caráter de estranhamento, Freud

apresenta um texto com demônios, almas, mortos e membros vivos separados do corpo

humano. Mas lembra sempre a possibilidade de que essa ficção, que fica assegurada pelo

sentimento de medo como ponto de apoio, possa se resvalar para o cômico: um dos

fenômenos do riso que Freud apresentou como estruturalmente dual. Nesse sentido, um

mecanismo que proporcionaria prazer pela economia do sentimento de medo. Trazendo o

evento freudiano para esse raciocínio, o sujeito, para não sentir medo, se refugiaria

antecipadamente no cômico.

Odd and simple, diz Dupin. A oddity, como explicada pelo personagem de Allan Poe, é uma

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fórmula simples que fez toda a fama de Maquiavel e Rochefoucault pela identificação com o

adversário (leitor) antecipando-lhe um lance na jogada. É dentro dessa perspectiva que se

pode vislumbrar o odd da intersubjetividade nos tempos contemporâneos. Não haveria mais

uma preocupação de uma adequação da imagem ao referente, ou seja, não se acredita mais

que o objeto possa ser substituído pelo seu referente. Assim, o Umheilich não teria um

potencial de estranhamento pela dinâmica do objeto deslocado em busca da representação,

a não ser pela familiaridade com a série de familiaridades em relação aos ímpares dessa

mesma série. Talvez, medo e fobia sendo reciclados em pânico e cômico, um excêntrico

acomodado nas propriedades do odd.

Dois por dois

Em textos ficcionais, Freud apresenta dois pontos sobre o estranhamento que chamam sua

atenção, sendo o segundo conseqüência do primeiro: a decepção com o desfecho da história

(Freud fala do livro de Arthur Schnitzler, A profecia) que, irá revelar os mecanismos que

iludiram o leitor, e argumenta que o efeito poderá se prolongar na medida em que o autor

mantenha o suspense até o fim e ainda assim não o revele. Ou seja, que o sentido não seja

estabelecido e o texto continue aberto em processo de ressignificação posterior. No segundo,

afirma que o escritor criativo pode nos levar em seu mundo representativo nos aproximando

do familiar ou nos distanciando, e nós aceitamos as regras. Certamente antecipando a

recepção do leitor e, quanto mais competente no jogo for o autor, maior surpresa ele

proporcionará, dentro da perspectiva da intersubjetividade.

Com seu peculiar movimento metafórico, Freud mostra suas expectativas sobre a

desmontagem desse processo: um grupo de senhoras combina dizer que vai colher flores

para poder ir ao banheiro. Daí, uma pessoa "maliciosa" manda imprimir o seguinte texto no

programa que circula pelos grupos: 'Pede-se às senhoras que desejem retirar-se à toilette,

que anunciem que vão colher flores'. Essa revelação metalingüística, metáfora do processo

analítico, deverá fazer, de acordo com Freud, "com que as pessoas sejam honestas,

confessem seus desejos, instintos e pulsões e então procurem lutar ou renunciar ao que

desejam" . No movimento contrário, cabe ao escritor dirigir o leitor no sentido das flores, para

depois, antes que a toilette seja revelada, criar outra perspectiva que possa desviá-lo daquele

sentido, mantendo o movimento da aposta. No lugar da pessoa "maliciosa" temos o

movimento das artes cuja função metalingüística se dirige à arte em sua criação.

Primeiramente pela instabilidade da arbitrariedade do signo saussureano, como mostra Marcel

Duchamp em seus roto-reliefs ou na ambigüidade da identidade sexual de Rrose Sélavy, seu

alterego. Mas, principalmente pelo deslocamento calculado que provoca ao expor os ready-

mades numa época em que a arte ainda podia dourar sua aura. O jogo de adivinhação não se

dirige, pelo menos diretamente, ao espectador ou crítico em relação primária com a arte, mas

ao espectador crítico na relação de "saber que sabe" da arte.

Mais tarde, nos anos 80, essa lógica multiplica a dobra com a pintura "neo-geo" ou

"simulacionismo" que tenta subverter a representação dentro do sentido que pode se

considerar o de Baudrillard, porém sem sua relação com a realidade: a reduplicação sígnica.

Ross Bleckner, Phillip Taaffe e Peter Schuyff são os expoentes dessa arte que Hal Foster

chama de "cínica" devido, principalmente, a um deslocamento da postura crítica à patética em

seu movimento de apontar a falha no processo de simulação - uma simulação da simulação

em si, um "simulacionismo". Com fervor crítico, Foster diz:"uma redução paródica da

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abstração analítica ou a reciclagem "campy" da abstração "op" . Esse processo desembocará

no "abjeto" na arte dos anos 90.

Como Duchamp, Godard se dirigiu à ilusão do cinema como quem anuncia que quando se diz

que se está colhendo flores, se está, na verdade, indo a toilette. Em Pierrot le fou, não só o

cinema mas também a publicidade são alvos de suas ironias e, mais ainda, a publicidade no

cinema, fascínio a ser desmascarado pelo cinema da época. Seu metacinema afasta a câmera

e revela que o carro em movimento é um truque de luzes e sons. Auto-referente, Godard

transporta seu detetive L. Caution de Alphaville, filme que acontece no futuro ano de 1990,

para Alemanha ano nove (o) zero, em 1990. São pequenas dobras que uma obra pode

provocar reciclando-se a si mesma e buscando o cúmplice conhecedor de sua série que, por

sua vez, se sentirá narcisicamente homenageado como especial escolhido receptor da obra.

Mais recentemente, o melodrama musical de Lars Von Tries, Dancer in the dark reduplica os

signos da denúncia ao sistema (no caso americano), das ilusões dos musicais, dos clichês

mais desgastados das imagens em movimento. O espectador, em dúvida diante de tal

instabilidade sígnica, responde antecipadamente e com a sanção da mídia: o filme sabe que

sabe. Ou, talvez, assuma que tenha sido antecipado em sua aposta. Como diria Lacan em seu

jogo de identificações apresentado em forma de sofisma: "apresso-me em me afirmar como

tal, para que esses tais, por mim assim considerados, não me precedam ao se reconhecerem

como o que eles são" .

A psicanálise, de forma mais didática ou mais nebulosa, proporá a excelência de seu

paradigma para ir além da relação dual: o operador edípico. Muitas questões a respeito dessa

operação podem ser pensadas, como a oscilação dos sistemas diádicos e triádicos dentro da

própria psicanálise, mas que não cabem nesse ensaio. Considera-se aqui que o operador

edípico passará pelo mecanismo da transferência para que o terceiro seja extraído na

operação. Esse operador se estende em vários sistemas triádicos, que de uma forma ou de

outra, se correspondem como "lembrar, repetir, elaborar", "humor, cômico e chiste", "id, ego e

superego", que em outro momento foram "inconsciente, pré-consciente e consciente", entre

outros.

Quando Lacan apresenta o sofisma, ele o faz dentro da perspectiva de uma fundação

subjetiva através de momentos lógicos por ele chamados de "instante de ver, tempo para

compreender e momento de concluir". São também três tempos e três processos cognitivos

em conformação com três tempos edípicos. Eles incluem também três intervalos: um anterior,

a emergência e os outros alternados entre os tempos, a hesitação e a urgência. Se a urgência

de concluir responde diretamente à emergência do primeiro momento, sem passar pela

hesitação, teremos o ato precipitado (como Macbeth). Se, por outro lado, a hesitação não

segue o ritmo dos tempos e se descola da cadeia congelando a ação, teremos o intervalo

infinito do ser ou não ser, como Hamlet: tobeornotobeornot ... É nessa posição hameletiana

que o espectador se encontra diante da instabilidade sígnica.

Muitas obras se constroem nesse intervalo, entre o Je e o Moi, como diria Maurice Blanchot e

muitas outras criam um universo particular cujo recurso de inscrição no simbólico não se dará

pelo processo da captura diádica antecipadora da relação entre o que se vê do próprio olho e

o que vê de si no olhar do Outro. São processos de criação e de construção nas incertezas

das conexões em que o universo de similaridades de elementos e fragmentos se constituirá de

forma muito particular. Tais elementos e fragmentos são apresentados no texto que vai se

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dirigir ao espectador, interpretante em vertigem diante de tal quadro. O próprio Godard é um

mestre dessa fragmentação e disposição de elementos na construção de seu universo

vertiginoso de imagens, jogando com as duas lógicas: uma que assegura o sujeito capturado

dentro da dúvida e outra que o lança para a vertigem. No segundo caso, o efeito é de delíquio,

de desmaio, e não de solidificação.

Efeito e antecipação: considera-se, partindo dessas lógicas, que os autores, antes de

controlarem e dominarem seus estilos, são dominados e lançados por eles e seria seriamente

moralizante acreditar que haveria uma superioridade estética ou intelectual em cada

perspectiva. Ambas se colocam e se reconhecem dentro da produção artística e cultural,

dentro da ordem simbólica. Mas, a primeira perspectiva, em seu movimento de antecipar

certezas, não partiria do princípio de que há metalinguagem? De que, por baixo da mentira do

simulacionismo há algo? Uma consciência irônica que aponta que sabe da mentira? Sabe

como se engenha o processo, principalmente em sua cumplicidade com o que o autentica

como obra estética. O princípio de que há "Outro do Outro", nas palavras de Lacan.

A partir do Romantismo ficou muito difundida a idéia do sopro criador da estética ligado ao

"engenho", ao "gênio". Então, seria a engenhosidade, dentro de uma propriedade intelectual,

que construiria o espírito estético. Aliás, poderia se fazer uma dialogia entre o "engenho" e o

"espírito" tendo um, sua constituição lógica diádica e outro, triádica. Um vinculado à aposta, na

direção do "já visto" e o outro, ao sopro criador na direção ainda desconhecido. Porém, quanto

de espírito há no engenho e quanto de engenho há no espírito? O caráter oddness, em jogo

rítmico com sameness, se aproximaria da engenhosidade de seu processo, admirável como

tal. Se ele se constrói como efeito da implacável lógica, mesmo sendo fruto de um orgulho

superegóico, que circula em torno de si, deverá provocar um prazer que é certamente

identificatório, e nem por isso menos estético. É o que pode haver de belo e de sublime nos

movimentos do jogo intelectual. A faculdade do engenho serviu de contraponto para aquilo

que se costumou denominar o "gosto" , um juízo de valor a respeito de alguma produção, e

também para a "fantasia" como referência ao feitiço, ou fetiche na captura do olhar. Dentro da

dicotomia "engenho" e "fantasia" está contida a dicotomia 'objeto e sujeito'; e 'natureza e

espírito' por extensão, o que certamente faz oscilar para um lado ou para outro, o peso da

superioridade. Longe de pretender verificar essa hierarquia, é preciso reconhecer os méritos

do virtuosismo no sentido de reconhecer sua potencialidade de também gerar vertigem.

Nesse jogo em dobras, será o contexto que dará sanção ao movimento. A partir do

desdobramento do segundo giro, percebe-se o deslocamento da referência a qual se afixava a

primeira dobra. Marcel Duchamp, com o readymade, chama a atenção retoricamente para a

questão da cópia e do modelo. Mas, Sherrie Levine, por exemplo - que se inicia com o

movimento neo-geo nos anos 80 - segundo Foster, simula o abstracionismo sem propósito

reflexivo, sem fazer a crítica da representação como se poderia pensar. Daí, aquilo que se

esperaria de subversivo da simulação é convertido em objetos de consumo e imagens da

sociedade capitalista atual. Objetos de fetiche com conteúdos retóricos do "bom

intencionismo" campy que propunham a identificação com as produções de massa. O pingüim

da geladeira nos anos 80, resgatado dos anos 50, vem com a reafirmação: não nos iludamos,

não há aura. Esperava-se com ele duas reações: a resposta atrasada desprezando o teor da

demonstração kitsch, ou a resposta do atualizado reconhecendo no gesto o saber do outro.

Não tardou o esvaziamento do gesto que provocou uma crise com maior potencialidade para

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discutir justamente o problema da representação entorno da simulação pela provocação do

"abjeto". Cindy Sherman emprestará então seu corpo para simulações mais radicais.

Dessa forma, o "simulacionismo" sugere a degradação sígnica, a queda da representação

pela extensão do distanciamento do suposto original. Mas não é esse o aspecto de maior

importância, pois, como teria dito Glauber Rocha ao ver o filme Limite de Mário Peixoto:"a

decadência é bela!". O que essa dobra sugere no seu jogo que anuncia a toilette como toilette,

é que é sabido que não há flores, ou seja, que há tempo para a metalinguagem. Mistura de

gozo e ingenuidade do sujeito cartesiano. A lição que se apreendeu de Lacan é que fazer a

metalinguagem é antecipar o parceiro no jogo do par ou ímpar, pois não há um Outro -

ilusoriamente universal - que garante o Outro.

Jane de Almeida

Psicanalista, doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Professora de Teoria da

Comunicação 1