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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO TÂNIA HALLEY OLIVEIRA PINTO A APROPRIAÇÃO DO DISCURSO CIENTÍFICO SOBRE EVOLUÇÃO BIOLÓGICA POR FUTUROS PROFESSORES DE CIÊNCIAS EM FORMAÇÃO NO CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO DA UFMG Belo Horizonte Dezembro de 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

TÂNIA HALLEY OLIVEIRA PINTO

A APROPRIAÇÃO DO DISCURSO CIENTÍFICO SOBRE EVOLUÇÃO BIOLÓGICA POR

FUTUROS PROFESSORES DE CIÊNCIAS EM FORMAÇÃO NO CURSO DE

LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO DA UFMG

Belo Horizonte

Dezembro de 2013

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TÂNIA HALLEY OLIVEIRA PINTO

A APROPRIAÇÃO DO DISCURSO CIENTÍFICO SOBRE EVOLUÇÃO BIOLÓGICA POR

FUTUROS PROFESSORES DE CIÊNCIAS EM FORMAÇÃO NO CURSO DE

LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO DA UFMG

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação da

Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais

como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em

Educação.

Linha de pesquisa: Educação e Ciências

Orientadora: Profa. Dra. Maria Emília Caixeta de Castro Lima.

Co-orientadora: Profa. Dra. Andréa Horta Machado.

Belo Horizonte

Dezembro de 2013

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AGRADECIMENTOS Como nos diz Bakhtin, somente no outro e através do outro é que nos completamos. Durante este

tempo do mestrado fiquei muito tempo fechada em mim mesma, sem interagir. Somente ao me

abrir, ao desabrochar para o outro, é que me completei. E o que faltou em mim, na minha visão,

sobrou no excedente de visão dos anjos que me acompanham. Por isso só tenho a agradecer.

Quando me faltou garra, surgiu minha MÃE, com tamanho empenho. No lugar da minha

autocrítica, cedi espaço à ponderação do meu PAPITO. Quando o medo me abateu, segui a coragem

de minha mãe maior (minha bisavó). Na falta de persistência, tive minha Dindinha para buscar a

força para lutar. Ao não querer escutar minha consciência, busquei os ouvidos mais perfeitos que já

conheci, minha iluminada e OUVINTE irmã Tetel. Ao deparar-me com um amor-próprio destruído,

encontrei um amor que me demonstrou um amor tão grande, capaz de se anular e me dar todo seu

amor para me reconstruir, meu inigualável marido, meu Marcelo. Quando a despreocupação comigo

mesma tomou conta de mim, encontrei um GRANDE AMIGO para se preocupar por mim,

Marcelim. Onde me faltaram forças para lutar, achei o exemplo na amiga guerreira Luciane,

companheira de jornada e confidente das horas de angústia. Nos momentos do sofrer e ranger de

dentes houve sempre a fé inabalável da Jucélia para me reerguer. Nas durezas do processo,

relembrar a leveza da Junia me proporcionou leves momentos de suspiro. Nos choros, encontrei

sempre o lindo sorriso da minha companheira de trabalho, Tânia Alves. Nas escuridões do

sofrimento, tive a honra de receber os raios solares da Shirley (The Sun). Na falta de rumo,

encontrei sempre auxílio de minha querida chefinha, Dri, apontando meus caminhos.

Agradeço imensamente às duas pessoas que conheci no curso sobre Bakhtin em Campinas: ao

professor Wanderley Geraldi, por me proporcionar o vislumbre de outras possibilidades de

horizonte a partir de suas aulas e de sua conversa amiga, e àNara Rúbia por me harmonizar com a

visão da beleza dos meus dados.

Ao CECIMIG agradeço a oportunidade que tive de fazer novas amizades, conhecer pessoas que

fizeram toda a diferença no meu construto como ser humano. Obrigada Walkiria, Jéssica, Gilberto,

Ângela, Maurício, Henrique, Ellen e Leo por todas as tardes agradáveis que passamos juntos,

trabalhando, sorrindo e nos divertindo.

À professora Isabel Antunes agradeço a acolhida, no projeto do LeCampo, ondeaprendi muito e me

constituí como uma pessoa mais batalhadora, aprendendo os valores da luta e da persistência. Às

professoras Fátima e Penha obrigada pela oportunidade de continuar o trabalho iniciado com a

Isabel e, claro, obrigada também pelo carinho de sempre comigo.

Aos colegas de trabalho do EDUCAMPO: Aryanne, Vândiner, Andréia, Thalles, Conde, Thiago e

Nalva, meu muito obrigada por tornar a jornada de trabalho, estudo e pesquisa neste local tão

agradável.

Aos colegas da roda de estudo – Marília, Luís, Célio e Junia – só posso agradecer todo o

aprendizado cedido em nossos encontros.

Às minhas amigas de infância, Vivi e Fatine tenho tudo a agradecer, pois o reflexo do hoje sou

como ser humano, eu devo a vocês duas. Amigas inseparáveis que tanto me complementam.

Às meninas da secretaria da EMILCAM, muito obrigada pelas manhãs de trabalho que passamos

juntas e pelos almoços filosóficos que tanto me alimentaram o corpoe a alma.

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Às minhas queridas orientadoras, Maria Emília e Andréa, tenho muito que agradecê-las, mas não

tenho palavras para chegar aos pés de tudo que me proporcionaram durante esta jornada.

Vocêsforam para mim como mães acolhedoras, professoras sábias, amigas conselheiras e, acima de

tudo, minhas cúmplices! Obrigada pela paciência e aprendizado!!

Por fim, agradeço a Deus por ter me unido a todas essas pessoas e tantas outras que também tem e

tiveram importância na construção do que sou e do que serie. Todos foram e são muito importantes

na conclusão deste trabalho, assim como na minha vida. Obrigada Senhor pela oportunidade de

vencer mais essa etapa!!

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Eu escrevo com a pura e simples esperança de que o que eu escrevo altere

alguma coisa. Mesmo que seja um quase nada ... Por que no fundo a gente

só quer contribuir com algo. Mas ao final, escrever valeu a pena só por ter

conseguido desabrochar de um modo ou de outro. (adaptação de texto de

Clarice Lispector)

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RESUMO

O presente trabalho faz uma aproximação entre os estudos da linguagem e os estudos

relacionados ao aprendizado em ciências. Pretende contribuir para o entendimento do processo de

apropriação do discurso científico sobre evolução biológica pelos futuros educadores do campo que

cursavam a graduação em Licenciatura em Educação do Campo da UFMG, na habilitação em

Ciências da Vida e da Natureza. Nosso problema de pesquisa está inserido no âmbito das

investigações sobre os processos de ensino e aprendizagem de conteúdos escolares em confronto

com as visões de mundo que os educadores do campo trazem para a sala de aula de ciências. Para

tanto, nos apoiamos nas ideias de Bakthtin e de seu círculo visando percorrer caminhos entre a

linguagem e a aprendizagem de ciências, visto que esse autor esteve interessado em compreender a

produção dos sentidos e os processos humanos de constituição dos sujeitos na relação destes com o

mundo. Também nos valemos das contribuições de Mortimer (1996), Driver (1999) e Aikenhead

(2009) pela compreensão que nos fornecem do ensino de ciências como introdução do estudante no

universo de uma outra cultura e dos modos como os estudantes reagem frente ao ensino de ciências

no que se refere às suas concepções ou visões de mundo. O presente estudo se desenvolveu com

uma turma de 37 alunos em formação docente, no curso de Licenciatura em Educação do Campo da

UFMG, na habilitação em Ciências da Vida e da Natureza. O principal material de análise desta

pesquisa é composto por um conjunto de 23 atividades, uma de cada licenciando, que foram

realizadas em sala de aula e solicitadas aos estudantes pela professora que ministrava aulas da

disciplina de ‗História da vida na Terra‘. Observamos que o cruzamento de fronteiras feito pelos

estudantes ao serem introduzidos nos modos de explicações científicas permite a recriação ou

atualização da própria cultura. Eles não se entregam facilmente à dominação aos discursos

assépticos e formatados. As diferentes configurações apresentadas nas explicações deles sobre a

evolução se apresentaram para nós como recriação original e, portanto, essencialmente pessoal,

além de tais explicações demonstrarem resistência às explicações científicas apresentadas em aula.

Por isso, concluímos a partir do indiciamento de nossos dados que ocorre uma recriação das

explicações da ciência face às visões trazidas pelos estudantes para o âmbito da sala de aula, como

uma hibridização de discursos e, portanto, de crenças.

Palavras chaves: Apropriação de discurso, cruzamento de fronteiras culturais, ensino de evolução

biológica, educação do campo.

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ABSTRACT

This study makes a connection between language studies and learning in science. Aims to

contribute to the understanding of the process of appropriation of scientific discourse on biological

evolution by future field educators who attended the graduate Degree in Rural Education, UFMG,

the qualification in Life Sciences and Nature. Our research problem is inserted in the investigation

of the processes of teaching and learning of school subjects in comparison with the worldviews of

the field that educators bring to the science classroom. To do so, we rely on the ideas of Bakthtin

and his circle go seeking paths between language and science learning , since this author has been

interested in understanding the production of meanings and processes of constitution of human

subjects in their relationship with the world . We also relied on the contributions of Mortimer

(1996), Driver (1999) and Aikenhead (2009) by understanding that we provide science education to

introducing the student in the universe from another culture and the ways in which students react

against the teaching of sciences in relation to their conceptions or worldviews. This study was

conducted with a class of 37 students in teacher education at the Bachelor's Degree in Rural

Education, UFMG, the qualification in Life Sciences and Nature. The main material of analysis of

this research consists of a set of 23 activities, one for each licensing, which were requested by the

teacher to the students she taught classes and were carried out in the classroom. We observed that

the crossing of borders that are being introduced to the ways of scientific explanations allows

recreating or updating one's own culture. They do not give themselves easily to domination to

speeches aseptic and formatted. The different configurations presented in their explanations about

evolution are presented to us as original recreation and therefore essentially personal and resistant to

scientific explanations presented in class. Therefore, we conclude from the indictment of our data

support the idea that there is a re-creation of the explanations of science against the visions brought

by students to the scope of the classroom, as a hybridization speeches and therefore beliefs.

Keywords: Appropriation of speech, crossing cultural boundaries, teaching biological evolution,

field education.

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Sumário

CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO .......................................................................................................................10

1.1 - Apresentação ..................................................................................................................................10

1.2 - Meu caminhar para o despertar desta pesquisa: a construção do objeto de pesquisa .....................12

1.3 - Contexto da pesquisa ......................................................................................................................19

1.4 - O que buscamos: nossos objetivos ..................................................................................................22

1.5 - Justificativa .....................................................................................................................................23

1.6 - Evolução biológica no ensino de ciências .........................................................................................27

CAPÍTULO 2 - Considerações Teóricas: Nossa conversa com os teóricos ......................................................32

2.1 - O conceito de cultura e o ensino de ciências como um empreendimento cultural ...........................32

2.2 - Cruzamento de fronteiras no ensino de ciências: um movimento dos sujeitos envolvidos ...............37

2.3 - Interculturalidade no ensino de ciências: relações de empoderamento ...........................................40

2.4 - Bakhtin: diálogos possíveis entre os escritos desse autor e nossa pesquisa......................................52

CAPÍTULO 3 – Considerações Metodológicas: Um jeito de olhar para os dados ...........................................58

3.1 - A pesquisa nas Ciências Humanas ...................................................................................................58

3.2 – A construção dos dados ..................................................................................................................62

CAPÍTULO 4 – Nossas análises: o que os dados nos dizem ...........................................................................67

4.1 – A análise do material didático .........................................................................................................67

4.2 – A análise da primeira produção ......................................................................................................69

4.2. 1. Explicações iniciais e suas perspectivas .........................................................................................71

a) A perspectiva criacionista ............................................................................................................71

b) A dupla perspectiva: criacionista e evolucionista .........................................................................72

c) Outras perspectivas: nem criacionista, nem evolucionista ...........................................................73

d) Perspectivas evolucionistas .........................................................................................................75

4.3 – A análise da segunda produção ......................................................................................................83

4.3. 1. O segundo texto dos estudantes e seus posicionamentos frente aos primeiros ........................86

a) Explicações colonizadas pelo discurso da ciência .........................................................................87

b) Estudantes não colonizados pelo discurso da ciência ...................................................................91

c) A dupla perspectiva como forma de se posicionar .......................................................................94

CAPÍTULO 5 – Extraindo lições na pauta de outras questões .......................................................................96

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................................................99

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“Toda pesquisa só tem começo depois do fim. Dizendo melhor, é impossível saber

quando e onde começa um processo de reflexão. Porém, uma vez terminado, é

possível ressignificar o que veio antes e tentar ver indícios no que ainda não era e

que passou a ser”. (AMORIM, 2001, p. 11)

CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO

1.1 - Apresentação

O ensino das Ciências Naturais sofreu relevantes mudanças ao longo do tempo a partir de

novas perspectivas de ensino que foram surgindo. Junto a elas surgiram algumas contribuições

marcantes no tocante ao modo como o ensino de ciências pode ser compreendido e efetivado, com

especial destaque para as relações de ensino-aprendizagem, o papel do professor e as visões dos

estudantes. De uma abordagem que encarava o estudante como uma tábua rasa, vazio de

conhecimentos, e que considerava o professor como o detentor do conhecimento e fornecedor de

informações, fomos caminhando para uma perspectiva mais humanista e sociointerativista. O

conhecimento de mundo que o aluno traz consigo é considerado fundamental no processo de

ensino-aprendizagem. O papel do professor passa a ser o de mediador do conhecimento, na medida

em que ele se apresenta como guia do estudante rumo à aprendizagem dos conteúdos escolares

confrontados com os modos de compreender e explicar o mundo, próprios das visões dos

estudantes. Essa mudança de perspectiva que vai de um professor provedor de conhecimentos e um

estudante receptor passivo ou ainda que ativo, traz para a cena sujeitos interativos em franco

processo dialógico. Por consequência, o ensino de ciências incluiu novas possibilidades de forma a

contemplar discussões e argumentações entre os professores, estudantes e as teorias ensinadas, ou

seja, a consideração dos aspectos dialógicos passou a ser fundamental para a compreensão dos

processos de ensino e aprendizagem nas aulas de ciências.

Esse panorama mais recente das aulas de ciências está em consonância com um ensino de

ciências como um espaço para se expor e confrontar as diferentes concepções e explicações que os

sujeitos apresentam sobre o mundo, os fenômenos da natureza e as transformações produzidas pelos

seres humanos. A perspectiva explicitada nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2001)

indica que o ensino de Ciências necessita ser um espaço de expressão das explicações espontâneas

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dos alunos e daquelas oriundas de vários sistemas explicativos. Dentro dessa abordagem de ensino,

a contraposição de ideias e de diferentes pontos de vista faz-se indispensável para o aprendizado,

contribuindo para entendimento de que os processos envolvidos na aprendizagem em sala de aula se

constituem em processo dialógico, nos quais há confronto, debate, contraposição das visões de

mundo dos sujeitos que participam dos diálogos.

De acordo com essa perspectiva dialógica, o que se entende por aprender ciência também

sofreu modificações. Nas interações entre os sujeitos, as visões de mundo são postas em relação,

tencionam-se e se confrontam na disputa pela significação, haja vista que se trata de culturas

diferentes. As explicações científicas são muito estranhas para os estudantes acostumados a outros

modos de pensar. Assim, ensinar ciências pressupõe uma tensão constante entre as explicações da

ciência e as que os estudantes possuem, no sentido de promover cruzamentos de fronteiras

(AIKENHEAD, 2009), como teremos oportunidade de aprofundar em outra seção.

Nessa concepção de ensino, o aprendizado de qualquer conteúdo está intimamente

envolvido com a linguagem, pois não há aprendizado sem diálogo, nem diálogo que não transponha

o caminho da linguagem, seja ela falada, escrita ou pensada.

Essa relação entre a linguagem e o aprendizado é um tema abordado em diversos campos de

estudo, dentre eles o da psicologia, da sociologia e da filosofia da linguagem. Os campos de

pesquisa da área da educação também têm se valido dessa relação entre linguagem e aprendizado

para estudar seus fenômenos. Dentre eles, podemos destacar a Educação em Ciências,

principalmente no que se refere às situações de aprendizado no contexto de salas de aulas.

Estudos realizados (Freguglia e Lima, 2009) acerca dos trabalhos publicados em periódicos

nacionais e internacionais mais recentes sobre a aprendizagem na Educação em Ciência, revelam

que há uma forte tendência de interlocução entre o campo da ciência e o da linguagem, com

destaque para teorias da leitura, da escrita e do discurso. Grande parte dessas pesquisas foca o olhar

sobre os anos intermediários e finais da educação básica, dando especial atenção aos modos de

reação dos estudantes frente às estratégias de abordagem para o ensino de ciências.

Nosso trabalho de pesquisa também faz uma aproximação entre os estudos da linguagem e

os estudos acerca do aprendizado em ciências. Mais especificamente, pretende contribuir para o

entendimento do processo de apropriação do discurso científico sobre a evolução biológica,

entendida como processo de transformação dos seres vivos – origem e extinção de espécies –, pelos

educadores em um curso de licenciatura do campo, na área de ciências da natureza.

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Nosso problema de pesquisa está inserido no âmbito das investigações sobre os processos de

ensino e aprendizagem de conteúdos escolares em confronto com as visões que os educadores do

campo trazem para a sala de aula de ciências. Pretendemos analisar os cruzamentos de fronteiras

realizados pelos educadores do campo a partir do confronto que eles mesmos fazem das explicações

pessoais de como deve ter ocorrido a diversidade biológica das espécies e as explicações científicas

acerca da evolução biológica. Para isso é necessário conhecer as explicações iniciais fornecidas por

eles; conhecer as intervenções de ensino praticadas pela professora da disciplina, bem como analisar

os registros finais por meio dos quais eles se posicionam acerca do tema.

Para tanto, nos apoiamos nas ideias de Bakthtin e de seu círculo (1992, 2003) visando

percorrer caminhos entre a linguagem e a aprendizagem de ciências devido à centralidade que a

linguagem ocupa nas discussões desse autor. Bakhtin esteve interessado ao longo de sua obra em

compreender a produção dos sentidos e os processos humanos de constituição dos sujeitos na

relação destes com o mundo.

Por fim, valemo-nos ainda de modo destacado das contribuições de Mortimer (1996) e

Aikenhead (2009) pela compreensão que nos fornecem do ensino de ciências como introdução do

estudante no universo de outra cultura e dos modos como os estudantes reagem frente ao ensino no

que se refere às suas concepções ou visões de mundo.

Discutiremos nos capítulos que se seguem, as condições nas quais este trabalho foi

realizado. Descreveremos como as experiências vivenciadas se descortinaram em dados palpáveis a

análises. Exibiremos ainda os referenciais teórico-metodológicos por nós utilizados, as justificativas

para a realização deste trabalho, o conjunto de dados analisados, as análises feitas e os

apontamentos possíveis a partir do que analisamos.

1.2 - Meu caminhar para o despertar desta pesquisa: a construção do objeto de

pesquisa

A história da construção do meu objeto de pesquisa se mistura a minha história de vida. Por

isso, considero importante que os leitores tenham acesso a um breve relato no que tange minha

trajetória, para que possam entender de onde surgiram minhas questões e inquietações que

suscitaram numa pesquisa acadêmica. Afinal, nossas escolhas não são fortuitas, mas produzidas

social e historicamente.

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As brincadeiras de escolinha de uma menina de 6 anos pareciam, naquele tempo, ou

poderiam ser traduzidos como momentos lúdicos que fazem parte do repertório de brincadeiras de

meninas. Hoje, percebo que ali estava um ensaio daquilo que viria ser: o despertar de um destino.

De acordo com Fontana, nem destino, nem dom.

A minha sina foi se cumprindo e na escolha da profissão as dúvidas foram muitas: letras,

geografia, química, educação física, biologia, pedagogia, etc. Entretanto, já havia uma certeza, a de

que o sonho de menina iria se cumprir. Não havia maneira de fugir, as licenciaturas me encantavam,

a educação era o meu lar.

O encantamento não era propriamente em si pelas teorias da educação, mas sim pela sua

matéria-prima, o sujeito a ser trabalhado. Como o carpinteiro que transforma a madeira, a escola

também transforma os sujeitos. Essa transformação, esse processo é que me encantara. O

desabrochar do outro a partir da relação vivida entre os sujeitos no ambiente escolar, o

desenvolvimento propiciado por esse espaço de aprendizagem, onde, de acordo com Vygotsky, a

aprendizagem acelera o desenvolvimento (VYGOTSKY,1991). Lidar com outros sujeitos, a

possibilidade de conhecer o outro, de me apresentar ao outro, enfim, o relacionamento humano me

seduzia. Seduzida também pelas ciências da natureza, optei pela licenciatura em ciências biológicas.

Lidar com a vida, com a natureza e com gente, em vez de coisas, apresentou-se como experiência

rica para mim, por meio da qual produziria minha própria existência.

Ainda nos semestres iniciais da graduação, em meio à um crise sobre minha escolha

profissional, minhas convicções sobre a área da educação ficaram abaladas. A licenciatura já não

fazia mais sentido para mim como antes. Sentia-me frustrada com a escolha realizada e tentei fugir,

procurar outros caminhos.

Seis meses trancafiada em um laboratório de pesquisa, estudando micro-organismos, me

bastaram para provar como havia sido certeira minha opção pelas licenciaturas. Os ambientes

fechados dos laboratórios, com suas pesquisas demasiadamente objetivas (no sentido de que

analisam seres como objetos), afloraram em mim um sentimento de vazio, pois ainda que na

pesquisa estivesse trabalhando com vidas (mesmo que fosse a dos micro-organismos) sentia falta de

vida naquele ambiente, falta de gente, que sente, se relaciona, pulsa ... Na pesquisa nas ciências

naturais não me completei, não realizei as trocas com os sujeitos pesquisados. Houve então a

necessidade de retomar minhas origens. ―Brincar‖ de ser professora, com a seriedade e a

responsabilidade com o outro que o ofício nos coloca. Criar novos vínculos com a licenciatura, mas

agora baseados em experiências concretas. A retomada se deu em 2006, ainda na metade da minha

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graduação, quando assumi 3 turmas do ensino fundamental em uma escola estadual por um período

de um ano.

Essa foi uma experiência paradoxalmente concreta, pela realidade vivida e ao mesmo tempo

muito abstrata, pela inexperiência diante dos enormes desafios enfrentados: formar o outro por meio

do ensino de biologia. Mesmo assim, essa experiência foi renovadora, revigorante para minha

vontade e definição de querer estudar cada vez mais sobre a educação. A partir de então, o curso

ganhou novo sentido para mim.

A graduação terminou, mas não a vontade de permanecer a estudar. Por isso, emplaquei logo

na continuidade de estudos no intuito de não perder o vínculo com a universidade e também ganhar

tempo para pensar sobre a possibilidade de me aventurar em novos desafios. Desafios que já se

encontravam bem delineados em minha mente, pois a essa altura ansiava iniciar uma nova

experiência, agora como pesquisadora da educação.

O começar desse novo caminho como professora recém-formada foi trilhado numa nova

seara. Minha experiência como aluna de graduação, aprendiz de pesquisadora e colaboradora na

formação de educadores se iniciou quando me tornei bolsista no curso de Licenciatura em Educação

do Campo (LeCampo), no ano de 2009. A atuação como bolsista de graduação nesse curso exigiu-

me um protagonismo docente nunca antes experimentado, nem mesmo durante todo o ano em que

fui professora na rede estadual. Até então, minha vivência docente baseava-se em ensinar uma

ciência estanque, pronta e acabada. Eu trabalhava 'A CIÊNCIA' como uma verdade absoluta e não

como mais uma forma de explicar os fenômenos da natureza. Os reflexos da minha formação como

educadora no Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG começavam a ruir. Mudar minha

visão como professora foi difícil, mas era necessário. Deixar para trás as convicções de uma ciência

aprendida no ICB, uma ciência neutra que não deve ser questionada, para trabalhar uma ciência que

exige senso crítico por parte dos estudantes, causou-me estranheza. A disparidade entre os dois

modos de ensinar ciências era gritante e tive que desconstruir a concepção de ensino em que fui

formada. Estava eu, reaprendendo a ensinar.

As teorias biológicas de explicação da vida e sua origem, a evolução dos seres, os estudos

dos animais, plantas, fungos, bactérias, a genética, enfim todos os assuntos estudados

exaustivamente no ICB foram de extrema importância para que eu tivesse a base teórica da ciência,

mas a forma como trabalhar esses conteúdos passou a ser inspirada nos novos modos de ver a

ciência e sua prática que me foram apresentados na Faculdade de Educação, na minha prática diária

como bolsista do LeCampo.

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Toda essa movimentação entre os campos de ensino foram decisivos para minha atuação

como bolsista do LeCampo, pois passei a ocupar a função de ‗orientadora de aprendizagem‘, uma

espécie de monitora dos alunos e do curso.

Os orientadores de aprendizagem são fundamentais na execução do curso de formação de

Educadores do Campo. Os orientadores de aprendizagem auxiliam não só nos processos de ensino

aprendizagem dos licenciandos, mas também de forma muito próxima dos problemas e dificuldades

que eles têm de enfrentar para realizarem o curso.

Ser uma orientadora de aprendizagem permite construir uma relação muito estreita com os estudantes, conhecer suas necessidades e servir de mediador entre o que

eles dizem e o que os professores do curso de licenciatura acreditam que é preciso

fazer. Na universidade, os orientadores fazem a mediação entre os estudantes e os professores, entre estudantes e a coordenação do curso, além de: (I) prestar

informações sobre localização e funcionamento de setores da universidade e sobre

serviços diversos existentes na cidade (por exemplo: como marcar uma consulta com médico de especialidade tal? Onde fica tal loja? Como faço para chegar a tal

lugar?); (II) auxiliar em consultas à biblioteca, empréstimos de livros, uso das salas

de informática, realização de pesquisas e trabalhos, entre várias outras coisas. Em

decorrência da relação de proximidade que se desenvolve ao longo dos encontros, os orientadores desenvolvem a capacidade de escuta e de encorajamento dos

estudantes, visando contribuir para que eles superem as dificuldades que se lhes

apresentam ao longo do curso. São variadas as ocasiões em que nos vemos aconselhando algum (a) estudante que está querendo desistir do curso devido a

problemas enfrentados com o(a) companheiro(a), ou devido às dificuldades

encontradas em alguma disciplina. Em outras situações, o trabalho do orientador

(a) de aprendizagem é o de estar ali apenas como um ouvinte para os choros e risadas de pais e mães ao contar sobre os seus filhos que ficaram em casa. São

fotos e gravações em celulares ou então cartinhas recebidas no momento da

despedida, quando tudo vale para diminuir a saudade. (PIO-VENÂNCIO, 2011, p.20)

Os orientadores de aprendizagem acompanham todas as aulas do curso dentro das salas de

aulas e fora delas nos momentos de preparação, que antecedem os encontros, e os momentos

posteriores, de avaliação. Participam também das reuniões de coordenação pedagógica, auxiliando

tanto na organização de cada semestre letivo, como na preparação das aulas e do material didático

utilizado em classe e em casa, entre um módulo e outro. A atuação do orientador é regida tanto pelo

contato diário com as questões levadas pelos coordenadores de curso, quanto pelas dúvidas dos

orientandos, pois os orientadores de aprendizagem, em última instância, são aqueles que estão

permanentemente em contato com os alunos. O exercício de tal função encarna o que se entende por

práxis (Vasquez, 1977). Segundo o autor, a práxis, no sentido que lhe atribui o marxismo, diz

respeito a atividade livre, universal, criativa e auto criativa, por meio da qual o homem cria (faz,

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produz) e transforma (conforma) seu mundo humano e histórico a si mesmo. Ainda utilizando o

conceito de Vasquez (1997), a práxis não é apenas atividade social transformadora, no sentido da

transformação da natureza, é transformadora também com relação ao próprio homem que, na

mesma medida em que atua sob a natureza, transformando-a, produz e transforma a si mesmo.

Mesmo quando o orientador de aprendizagem está ―apenas‖ observando as aulas, ainda que

sem se assentar junto dos estudantes, faz-se necessário por em prática o olhar de discente

embaralhado com o de docente. O lugar do orientador de aprendizagem é de uma singularidade

ímpar que merece ser estudada com mais detalhe. Por acompanhar as intenções docentes, as

injunções políticas do curso e suas tensões internas, o orientador de aprendizagem conhece, por

antecipação, o lugar e a responsabilidade do docente. Por outro lado, na condição de aluno de

graduação, conhece também os desafios, as necessidades e a fragilidade frente ao peso de ser aluno

da UFMG.Foi assim, no cumprir da prática docente, mesmo que implicitamente, que o aprendizado

de formar o educador do campo na área de ciências da vida e da natureza ia se tecendo, urdindo um

tecido alinhavado por muitas dúvidas e pela riqueza dos saberes partilhados. A aproximação com os

estudantes do curso causa-nos cumplicidade e compaixão, não como um ato religioso, mas uma

paixão voltada para o outro, que está tão próximo de nós e ao mesmo tempo tão distante e diverso

de nós, por viverem uma vida tão diferente da nossa. Isso nos leva a ter uma compreensão maior das

dimensões políticas e ideológicas que estão envolvidas no curso, a ressignificação da escola para o

campo e da própria educação do campo.

Com o passar do tempo, os questionamentos foram se tornando inquietações e essas,

apareciam também nas conversas de corredor com os colegas, como que numa tentativa de um

ajudar ao outro a encontrar as respostas às perguntas que divagavam em nossas cabeças, como

pássaros a plainar em voo infinito.

Nesse ponto, o sentimento de inquietação já provocava necessidade de movimentação, de

saída da inércia dos questionamentos para busca efetiva de respostas. Era a necessidade de revisitar

minha graduação no ICB para aprofundar teoricamente na compreensão do universo da educação do

campo na área de biologia. Era então, a vontade de ingressar no mestrado que começava a fazer

suas primeiras manifestações em meu íntimo.

O ingresso na pós-graduação não era tão somente um interesse de busca por respostas às

questões que iam se avolumando, mas também como compromisso político, ou melhor, uma

maneira de responder ao LeCampo, curso que tanto me ensinou a ter vontade de me qualificar e

poder trazer contribuições a essa parcela da comunidade, de devolver o aprendizado cedido. Como

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nos fala Bakhtin (2003), o mais importante dos critérios de acabamento como ato ético é a

possibilidade de responder, mais especificamente, a de tomar uma postura responsiva para com ele.

Dessa forma, temos a responsabilidade, no sentido de responder pelos próprios atos, e a

responsividade, no sentido de se atentar para o fato de que estamos a responder aos anseios dos

povos do campo.

Era tempo então de voos mais altos, como estratégia para ver mais longe. Meu ingresso no

mestrado da FaE tinha como destino certeiro investigar e contribuir com a Educação do Campo.

O primeiro aprendizado foi no sentido de entender o que é pesquisa, sua necessidade de

definição de foco, objetivos, recortes, referenciais teórico-metodológicos, etc. Compreender o que

consiste pesquisar é desafio enorme para nós professores. Nosso desejo de encontrar respostas para

grandes problemas é tão grande que se torna um desafio delinear uma questão de pesquisa. O que

escolher como tema? O que priorizar em termos de objetivos? Como um aprendiz de qualquer arte,

o delinear do caminho é sempre doloroso e árduo. As inquietações são muitas... O que pesquisar?

Voltar o olhar sobre o quê? Em meio ao turbilhão de dúvidas do que fazer, começaram a surgir

apontamentos.

O conhecimento de vida que os alunos desse curso trazem para a sala de aula e a intensidade

com que trazem é algo incomum. Os debates entre a cultura da ciência e suas culturas locais eram

acirrados e intrigantes. Foi intrigada pelo desenrolar de uma disciplina intitulada ‗A história da vida

na Terra‘, na qual são abordadas questões sobre a origem da vida e sobre a evolução dos seres

vivos, que surgiu a primeira versão do projeto de pesquisa que viera a se configurar nessa

dissertação. As contradições presentes nas aulas dessa disciplina me encantaram. Compreender o

que aqueles alunos haviam entendido do assunto me intrigava e a possibilidade de me aproximar

daqueles entendimentos me fascinava. Fisgada pelas ideias de Bakhtin, ainda que a partir de uma

primeira aproximação com o autor, decidi procurar compreender as apropriações que aqueles alunos

fizeram acerca da ‗evolução biológica‘. Esse foi o projeto com o qual fui aprovada no mestrado e

que, depois de mais bem delimitado, configurou-se como a pesquisa que aqui apresento.

Em resumo, propus-me no projeto inicial a compreender a apropriação que os alunos

egressos do curso de licenciatura do campo fizeram acerca da evolução biológica, mas por meio do

exercício deles na docência nos assentamentos. Inicialmente intencionava observar aulas

―encomendadas‖ sobre esse tema de ensino, onde os estudantes egressos, agora como professores,

iriam ensinar aos seus alunos. A intenção era filmar e gravar as falas que surgiriam durante as aulas.

Mas as modificações e mudanças de plano se mostravam necessárias para que se pudesse concluir

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essa pesquisa no tempo destinado ao mestrado. Entretanto, o medo de mudar, fez o replanejamento

ser adiado inúmeras vezes. Até que os estudos de Bakhtin me auxiliaram a compreender o olhar de

pesquisador, na então pesquisadora-aprendiz. De acordo com Freitas (2003) uma pesquisa não se

constrói a partir de questões operacionalizadas por meio de variáveis, mas no sentido da

compreensão dos fenômenos em toda a sua complexidade e em seu acontecer histórico. O

acontecimento histórico do processo de ensino e de aprendizagem estava cuidadosamente registrado

pela orientadora de aprendizagem que fui. Não seria mais o caso de criar artificialmente uma

situação de investigação. Os referenciais teóricos orientam, portanto, não só as análises e coletas de

dados, mas o próprio modo de organizarmos nossas pesquisas e olharmos para elas no seu

acontecer, no seu processo de desenvolvimento.

Não era o caso de analisar ―mundos e fundos‖ para encontrar as respostas tão sonhadas e

equivocadamente pensadas como sendo objetivas e neutras por meio de dados meticulosamente

construídos ―por encomenda‖ e controlados pelos interesses da pesquisadora. As verdadeiras

respostas e as respostas verdadeiras podem ser encontradas no essencial, nos sujeitos a serem

pesquisados, nos seres humanos, aqueles mesmos seres que me seduziram e encantaram desde

menina e, que como uma peça de teatro, vi se descortinarem à minha frente em cada situação em

que estive presente como orientadora de aprendizagem.

Qual foi minha surpresa ao me deparar de frente com os verdadeiros dados: aqueles que

sempre estiveram em minhas mãos? Aqueles que foram produzidos como aula ou esforço de

significação de uma professora do curso, responsável pela disciplina. Revisitando anotações sobre a

disciplina observada e com um novo olhar mais informado sobre o que seja pesquisar, percebi que

os resultados de uma atividade didática realizada em sala de aula se mostravam ricos de tal maneira

que poderiam se configurar como um corpus de análise para se desenvolver uma pesquisa de

mestrado. Por consequência e com todo o cuidado que esse tipo de pesquisa requer, assumi a

condição de pesquisadora e de orientadora de aprendizagem, o que me coloca tanto no palco quanto

na plateia do desenrolar de uma trama a ser compreendida e significada do ponto de vista teórico.

Assim, com a mesma pergunta, mas um modo novo de enxergar a pesquisa, continuei meus

estudos, agora com o olhar voltado para o material empírico que já possuía em mãos e que então era

preciso se configurarem como dados, transformados pelo olhar do pesquisador. Nesse sentido, os

dados que compõem esta pesquisa são um conjunto de textos e desenhos feitos por um grupo de

alunos em formação docente que traduzem os discursos que circularam em sala de aula, no decorrer

da disciplina. Esses mesmos dados também trazem à tona as crenças individuais que esses alunos

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possuem sobre o tema da evolução biológica. Nesses textos ou imagens é possível perceber

inúmeros sentidos produzidos que vão nos dar evidências da visão que cada aluno tem sobre os

mistérios da vida, da herança gênica e da evolução da vida na Terra. Segundo Aikenhead (2009), a

visão que temos das coisas é construída pelo cruzamento de várias subculturas, a subcultura da

ciência, da religião, da família, da escola, etc. Tal ideia que será retomada com maior profundidade

mais a frente, quando faremos uma apresentação e discussão de nossos referenciais teóricos.

A partir desse entendimento é que minha pesquisa tomou uma guinada e meus estudos

bakhtinianos sobre a constituição do sujeito e sobre a compreensão de mundo de cada um passou a

fazer real sentido em meu trabalho. Foi preciso caminhar um bocado para entender que o sentido

das coisas só faz sentido quando buscamos entender a origem delas, ou seja, o sujeito-autor.

Compreendendo os autores é que entenderemos suas obras. É essa visão do que seja pesquisar que

justifica a escolha teórico-metodológica assumida nessa pesquisa.

1.3 - Contexto da pesquisa

Os sujeitos a serem investigados nesta proposta de pesquisa pertencem a uma realidade

social de marginalidade de seus direitos básicos. Em sua maioria, são sujeitos engajados em

Movimentos Sociais do campo que visam à luta pela terra.

Segundo Antunes-Rocha et al (2009) nas últimas décadas, os Movimentos Sociais do campo

têm voltado seu olhar também para a luta pelo direito universal de acesso à educação. Para tanto,

estabeleceram parcerias com universidades, entidades e organizações não governamentais,

conquistando a implementação de políticas públicas que buscam garantir o acesso e a permanência

à Educação do Campo.

Entretanto, a reivindicação dos povos do campo não tem por objetivo apenas garantir o

acesso à educação, mas educação de boa qualidade. A preocupação nesse âmbito tem fundamento

quando se analisa o breve panorama da formação dos sujeitos que atuam como professores no

campo, produzido pelo Inep/MEC em 2007 (BRASIL, 2007). Com relação à formação docente, as

estatísticas1 desse estudo informam que apenas 21,6% dos professores que atuam no Ensino

Fundamental 1 apresentam formação superior. No Ensino Médio, o percentual corresponde a 8,3%

e no Ensino Fundamental 2, cerca de 46,7% dos docentes apresentam somente o Ensino Médio

1 Os números dessas estatísticas foram retirados do documento publicado pelo Inep/MEC em 2007e

intitulado como Panorama da Educação do Campo (BRASIL, 2007).

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(BRASIL, 2007). Mais grave ainda é a existência de docentes com formação apenas no nível do

Ensino Fundamental. Dados do Relatório de Referência da Educação do Campo de 2008

demonstram uma melhora no gradiente de professores leigos que atuam nas escolas das zonas rurais

nos anos iniciais do Ensino Fundamental: houve o declínio acentuado do número de professores

sem formação, que passou de 8,3% para 2,7% do total de professores em exercício em escolas

rurais (BRASIL, 2008).

Diante desse cenário delicado, a criação de um curso de licenciatura específico para a

Educação do Campo delineava-se como um caminho possível para formar professores para o

campo, buscando a expansão do quadro de profissionais, assim como uma formação mais adequada

à realidade do campo brasileiro.

A necessidade de pensar uma concepção de escola, de aprendizagem e de formação

de educadores que seja capaz de entender as demandas apresentadas pela população que emerge das lutas sociais: o novo campo dos assentamentos de

Reforma Agrária; o novo campo que os agricultores familiares e camponeses/as

estão discutindo e construindo, especialmente em relação às novas práticas agrícolas com base na agroecologia; o novo campo que os quilombolas estão

construindo, a partir da luta pela demarcação e titulação de suas terras; o novo

campo das quebradeiras de coco e dos pescadores, a partir de suas conquistas em termos de direitos. Enfim, as novas condicionalidades que criam outras e exigentes

possibilidades. (VENÂNCIO, 2011, p. 13)

No contexto da Educação do Campo nas universidades brasileiras, a UFMG foi uma das

pioneiras na implantação de um curso superior para formar professores, o curso de Licenciatura em

Educação do Campo (LeCampo). Outras três instituições também fizeram parte desse projeto do

Ministério da Educação da Cultura (MEC) sendo elas a Universidade de Brasília (UnB), a

Universidade Federal da Bahia (UFBA) e a Universidade Federal de Sergipe (UFS). O objetivo dos

cursos é promover a formação de professores do campo, em nível superior, para trabalhar na

educação básica, nas escolas do campo, com enfoque nos anos finais do Ensino Fundamental e

Ensino Médio.

Atualmente, o LeCampo faz parte da grade oficial de cursos da UFMG, como um curso

regular da instituição. Isso foi motivado com base na experiência de duas turmas anteriores que

surgiram a título de projeto piloto, uma iniciada em 2005 (Pedagogia da Terra) e a outra (já

utilizando o nome de Licenciatura em Educação do Campo) em 2008.A partir de 2009, o curso

passou a ser ofertado regularmente na grade de cursos da instituição, prevendo a oferta anual de

uma área de conhecimento: Ciências da Vida e da Natureza, Linguagens, Ciências Sociais e

Matemática (a cada ano será oferecida uma habilitação por área). A turma que faz parte da história

desta pesquisa teve sua entrada na UFMG em 2008 com previsão de formatura para 2011.

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O curso de Licenciatura em Educação do Campo tem duração de 8 semestres e é organizado

na modalidade da alternância2, sendo composto por dois momentos: o tempo escola (TE) realizado

sempre nos meses de fevereiro e julho nas dependências da UFMG, consistindo no módulo

presencial, e o tempo comunidade (TC), que acontece sempre entre dois módulos presenciais. Este

último é um período dedicado à realização de trabalhos previamente orientados e nele os estudantes

permanecem em suas comunidades de origem. Venâncio diz que “esse regime de alternância entre

os tempos escola e comunidade permite arranjos que contribuem para o ingresso e a permanência

dos profissionais que atuam nas escolas do campo sem a necessidade de deixarem de viver naquele

lugar” (2011, p. 09).

O currículo geral do curso contempla uma formação básica comum, com abordagens de

temas da educação em geral e também da educação do campo, e ainda uma formação específica em

uma das seguintes áreas do conhecimento: Linguagens (expressão oral e escrita em Língua

Portuguesa, Artes, Literatura), Ciências da Vida e da Natureza, Ciências Sociais e Humanidades e

Matemática.

A habilitação em ciências visa proporcionar uma formação mais ampla que abrange campos

de conhecimento da Biologia, Física, Geografia e Química. Pretende-se com essa modalidade de

ensino por área, contribuir para uma formação de professores que sejam capazes de superar a

fragmentação e a especialização disciplinar.

Tal opção está justificada no projeto político-pedagógico do curso como um desafio e

necessidade do futuro professor do campo vir a dar conta de uma série de dimensões educativas

presentes na realidade sociocultural em que está inserido. Essa perspectiva do curso, de trabalhar

com a realidade sociocultural do sujeito, de certo modo está orientada em uma perspectiva

bakhtiniana de construção histórica cultural do sujeito e de seu conhecimento, onde o grupo social

com o qual o indivíduo interage é que lhe fornece o universo de significados que organiza o real em

categorias - conceitos (REGO, 2007).

2 Pedagogia da Alternância – Sistema criado na França, na década de 30 do século XX, para atendimento escolar aos

filhos de agricultores, face às defasagens educacionais de ensino do meio rural e diante do desinteresse desses jovens

pela escola tradicional - não contextualizada com as especificidades do campo. Consiste numa articulação entre os dois

tempos educativos da alternância – o tempo escola (TE) e o tempo comunidade (TC). No TE o educando permanece no

espaço da escola em regime de internato. No TC, o educando retorna ao seu contexto sócio-político para colocar em

prática as questões que foram objeto de estudo no TE. Nesse espaço ocorrem as intervenções denominadas Inserção

Orientada na Escola (IOE) e Inserção Orientada na Comunidade (IOC). Além desse trabalho, o educando leva, como

tarefa, textos próprios da etapa para estudos. Por ser um método de ensino diferenciado que articula prática e teoria,

exige do professor uma formação específica que não tem sido considerada nos cursos de formação de professores em

geral (OLIVEIRA, 2010, p.3 apud VENÂNCIO , 2011, p. 17)

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Dentre os vários sujeitos envolvidos na estruturação do curso de Licenciatura em Educação

do Campo, estão presentes alunos de graduação (bolsistas) dos cursos de Licenciatura em Ciências

Biológicas, Física e Química da UFMG que foram designados para desenvolver a função de

―orientadores de aprendizagem‖ na área de Ciências da Vida e da Natureza. O projeto de elaboração

do LeCampo prevê que o orientador de aprendizagem seja responsável por acompanhar o percurso

acadêmico dos alunos no decorrer do curso e realizar uma articulação entre os alunos e a proposta

pedagógica do curso por meio de um atendimento mais individualizado, analisando as dificuldades,

e, mais do que isso, compreendendo as singularidades de cada estudante e propondo atividades

diferenciadas (UFMG, 2009). Desempenhar o papel de orientador de aprendizagem proporciona ao

bolsista um contato mais rico com a dinâmica do curso e com os alunos, uma vez que, na condição

de orientador, acompanha presencialmente as aulas no tempo escola.

Foi levando em conta todas essas informações sobre os desafios que permeiam a Educação

do Campo e também minha vivência como bolsista no LeCampo, além da minha trajetória

acadêmica no curso de Licenciatura em Ciências Biológicas no ICB/UFMG, que fez sentido por em

prática a pesquisa que se desenha nas linhas escritas deste texto. Fazendo jus a um compromisso de

compreender mais esse curso e poder contribuir não somente para a realidade do LeCampo na

UFMG, mas para outros cursos de formação de professores do campo, esta pesquisa busca fornecer

elementos de reflexão sobre como os educadores do campo estão se apropriando da cultura

científica e mediando esse modo de ver o mundo no encontro/confronto de pontos de vistas com

aqueles que fazem parte do universo cultural de explicação do homem do campo.

1.4 - O que buscamos: nossos objetivos

A questão principal que nos levou a desenvolver esta pesquisa relaciona-se com os

processos de apropriação de conceitos que ocorrem dentro da sala de aula e como essas

apropriações se revelam ao longo do curso de formação de professores. Por isso, os objetos de nossa

atenção são os textos ou discursos construídos pelos sujeitos acerca de como inicialmente os

estudantes explicavam a evolução e as mudanças nos modos de pensar decorridas do aprendizado

das teorias da evolução biológica. Assim, buscamos compreender que sentidos acerca do conceito

científico de evolução circularam em sala de aula e como foram apropriados pelos futuros

educadores do campo que cursavam a graduação em Licenciatura em Educação do Campo da

UFMG, na habilitação em Ciências da Vida e da Natureza.

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As questões específicas de pesquisa que nos ajudaram a buscar respostas para a nossa

questão central foram:

Que discursos acerca da evolução biológica circularam em sala de aula na disciplina que

abordou esse tema?

Que sentidos acerca do conceito científico de evolução ou que ideias evolutivas foram

utilizados pelos estudantes para explicar a evolução das espécies?

Que relações os sujeitos dessa pesquisa estabeleceram entre o discurso científico sobre

evolução biológica e a cultura emergente de suas vidas cotidianas?

1.5 - Justificativa

O estudo mais aprofundado do processo de apropriação do discurso científico em cursos de

formação de professores, especificamente na formação de educadores do campo, pode contribuir

para a construção de cursos que apresentem currículos mais articulados com os saberes do cotidiano

e da experiência de vida dos sujeitos com os saberes produzidos nas diferentes áreas do

conhecimento científico, preparando os educadores para enfrentarem a diversidade cultural que está

presente nas escolas do campo e no seu entorno. Além disso, poderá ajudar a pensar outros cursos

de formação de educadores do campo que sejam capazes de respeitar e levar em consideração as

vivências cotidianas, as experiências de vida e os modos de ser dos sujeitos do campo.

Os sujeitos do campo anseiam por uma formação que seja capaz de dar respostas às

defasagens educacionais que apresentam, em termos de uma educação básica. Ao mesmo tempo,

têm a expectativa de que essa formação os auxilie a lidar com o desinteresse dos sujeitos do campo

em decorrência de uma escola que se apresenta divorciada de suas vidas. Acerca disso, Lima (2010)

acrescenta:

Em função desse quadro consideramos que é preciso aprofundar a discussão

sobre a complexidade de se formar professores para tal realidade sem

reeditar as tão criticadas licenciaturas curtas em ciências ou entender que

uma suposta pobreza das condições materiais das escolas do campo deve

redundar no empobrecimento ou na simplificação dos conteúdos de ciências

que comporão o currículo dessas escolas. Trata-se de uma formação de

professores que leve em conta a história de quem vive e trabalha no campo e

que vem educando as crianças, jovens e adultos nos acampamentos e

assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nas

Escolas Famílias Agrícolas, nas salas multisseriadas, ou atuando nas

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secretarias municipais de educação, entre outros. São trabalhadores do

campo que chegam não só marcados pela origem, mas trazem também o

destino de educar para o campo. (LIMA, 2010: 172)

Considerando que o processo de construção do conhecimento supõe uma produção de

sentidos sobre as ideias que são postas em circulação nos espaços formativos, confrontadas com o

que os sujeitos já sabem, os ditos conhecimentos prévios, o processo de apropriação do discurso

científico pode configurar-se como um processo de negociação, de cruzamentos de fronteiras

culturais. Segundo Cobern e Aikenhead (1998) o cruzamento de fronteiras culturais é um fenômeno

que ocorre continuamente em qualquer sala de aula de ciências. Para esses autores, os alunos em

uma sala de aula de ciências participam de diferentes subgrupos culturais – identificados pela raça,

etnia, linguagem, gênero, classe social, categoria trabalhista, religião, etc. – formados por pessoas

que participam e consideram sistemas de conhecimento diferenciados, que em grande parte diferem

daquele próprio da cultura científica, podendo exercer uma poderosa influência na aprendizagem de

ciências. A própria ciência escolar pode ser entendida como uma subcultura, cuja aprendizagem

constitui para muitos alunos uma experiência de aprender uma segunda cultura.

Admitindo a visão de Bakhtin (1992) de que no processo de construção e apreensão de

novos conhecimentos, os sujeitos só podem assumir uma postura ativa, não basta, portanto, que os

alunos memorizem ou reproduzam um determinado conceito ou significado para que se realize

efetivamente a sua apropriação. Faz-se necessário que os sujeitos interajam com o conhecimento

com o qual está tendo contato, com o conhecimento que já possuía e com as ideias de outros sobre o

conhecimento que está sendo aprendido, pois é nesse movimento de confronto, enfrentamento e

interpretação das suas próprias ideias e das ideias alheias, que são elaborados os sentidos outros das

palavras e dos conceitos a elas relacionados (BAKHTIN, 1992). Compreender significa atribuir

sentidos.

Para Bakhtin:

Não existe nem a primeira nem a última palavra, e não existem fronteiras para um

contexto dialógico (ascende a um passado infinito e tende a um futuro igualmente infinito). Inclusive os sentidos passados, gerados no diálogo dos séculos anteriores,

nunca podem ser estáveis (concluídos de uma vez para sempre, terminados);

sempre irão mudar, renovando-se no processo posterior de desenvolvimentos do diálogo. Em qualquer momento do desenvolvimento do diálogo existem

quantidades enormes e ilimitadas de sentidos esquecidos, mas em momentos

determinados do desenvolvimento posterior do diálogo, serão recordados e

reviverão num contexto renovado e num aspecto novo. Não existe nada morto de uma maneira absoluta: cada sentido terá sua festa de ressurreição. (BAKHTIN,

1985, p. 392)

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Então, torna-se importante investigar os enunciados produzidos por esses alunos sobre

evolução biológica, pois é na análise do discurso/texto deles, nos modos de dizer de cada um sobre

tal visão ou explicação de mundo sobre a evolução biológica, que se tornará possível perceber como

essas culturas dialogam. Investigar o discurso/texto deles sobre o discurso científico que tiveram

contato no curso, bem como as estratégias de ensino propostas pode nos ajudar a construir reflexões

para o aperfeiçoamento do próprio curso. Será que há sobreposição de um discurso sobre o outro? A

visão etnocêntrica da ciência é reproduzida nos textos dos licenciandos? As explicações que se

inserem em outros modos de pensar se aproximam do discurso científico e dialogam com ele?

A partir dessas análises, poderemos obter elementos para refletir sobre as contribuições que

a educação em ciências tem oferecido a esses alunos, não só no sentido de compreender como a

cultura científica explica a evolução, mas também de como têm aprendido a por em relação

culturas, ou visões de mundo, diferentes.

A relevância de estudar os alunos do curso de Licenciatura em Educação do Campo da

UFMG se justifica quando analisamos o processo de constituição do sujeito sob o olhar

bakhtiniano. Para Bakhtin esse processo é dialógico e envolve entrecruzamento de pontos de vista

que divergem entre si, que não coincidem, o que demonstra a singularidade de cada sujeito, que é

proveniente da não coincidência dos pontos de vista, onde ninguém coincide física e mentalmente

por completo com ninguém. Tomando como ponto de partida a ideia da singularidade na formação

de cada indivíduo e lembrando que o curso em questão – LeCampo – apresenta também suas

especificidades, a análise interpretativa da apropriação do discurso científico, realizada por esses

alunos, poderá apresentar elementos significativos na investigação da construção de significados na

educação científica em contextos multiculturais.

A escolha do conteúdo de ‗evolução biológica‘ para análise neste trabalho, justifica-se pela

natureza complexa, polêmica e multifacetada do assunto. Seu ensino e aprendizado é permeado por

outros aspectos além dos científicos, tais como dogmas religiosos, contextos em que os sujeitos

estão inseridos, meio cultural e crenças pessoais (DANIEL, 2003). O entendimento do conceito de

evolução biológica envolve a compreensão de outros conceitos como adaptação, diversidade

biológica, seleção natural, deriva genética, dentre outros que apresentam significação abstrata.

Assim, este tema é comumente apontado como eixo norteador e articulador das Ciências

Biológicas, por se configurar como elemento indispensável para a compreensão adequada de grande

parte dos conceitos e das teorias que constituem essas ciências (MEYER e EL-HANI, 2005). Seu

caráter integrador e estruturante é mencionado por vários autores da área das ciências, como o

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geneticista Theodosius Doubzhansky que, em 1973, escreveu um artigo intitulado: ―Nada faz

sentido em Biologia exceto à luz da Evolução‖ e nos dizeres de Mayr (1998) quando afirma que

dificilmente existe uma estrutura, ou função, ou organismo, que possa ser plenamente

compreendido se não for confrontado com o estudo de sua história evolutiva.

A seleção do tópico de evolução decorreu, ainda, do modo como ele foi trabalhado em sala

de aula do curso de licenciatura. Isso suscitou-nos grande interesse em pesquisar em que medida as

metodologias ou práticas pedagógicas utilizadas no curso se revelam de imediato dentro do próprio

curso e contribuem nos modos de pensar sobre o ensino dos futuros professores. Acreditamos que

mais do que falar sobre metodologias específicas ou fornecer receitas sobre como ensinar ciências

importa a atenção para a coerência entre a prática de ensino adotada no curso e não para os

discursos sobre uma boa prática.

Nesse contexto, entendemos que o olhar para os processos de apropriação do discurso

científico dos alunos do LeCampo acerca do conceito de evolução biológica, constitui-se como

assunto relevante para pesquisa.

Esperamos que esta pesquisa possa oferecer contribuições sobre as relações dialógicas

possibilitadas pela abordagem do discurso científico e ainda as inter-relações que se estabelecem

entre as vozes da ciência e dos saberes cotidianos nos seus discursos. Em termos de aprendizagem

das ciências, esperamos encontrar elementos que deem visibilidade aos modos de negociação

envolvidos nos processos de elaboração de significados.

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1.6 - Evolução biológica no ensino de ciências

A evolução biológica está constantemente em debate, posto que algumas de suas ideias

ainda sejam questionadas, enquanto outras continuam se mantendo inalteradas, como é o caso da

seleção natural proposta por Darwin (EL-HANI e MEYER, 2007). Explicitar as discussões em

torno das questões que envolvem esse tema, bem como suas repercussões para o ensino de ciências,

é importante, pois incluem as concepções de estudantes e de professores acerca dos processos e dos

mecanismos que explicam a diversidade e a evolução dos seres vivos (FREGUGLIA, 2009).

Carneiro (2004) fala em seu trabalho de autores defensores da ideia de que através da

perspectiva evolutiva, torna-se possível analisar e interpretar as múltiplas facetas dos cenários que

compõem a história da vida na Terra, perpassando todos os tipos de fenômenos envolvidos na

origem e na extinção das diferentes formas de vida, desde seu início há alguns bilhões de anos atrás

até os dias atuais. Sem o pensamento evolutivo, o estudo das disciplinas de zoologia, botânica e

genética, por exemplo, são ensinadas sem relacioná-las entre si, fragmentando o ensino e tornando o

conhecimento tão compartimentalizado que pode não parecer fazerem parte das mesmas ciências

biológicas.

Mas a relevância da teoria da evolução não está fechada entre os muros da escola e dentro

do círculo da comunidade científica, sua importância vai além por se configurar como uma chave

para compreensão do processo de diversificação dos seres vivos. Questões cruciais para nossa

sociedade, como a conservação da biodiversidade ou as consequências do uso indiscriminado de

antibióticos, estão intimamente relacionadas com o entendimento da evolução (SANTOS, 2002).

Vários autores reconhecem a posição central da biologia evolutiva no ensino de ciências,

entretanto alertam que a mesma ainda não representa uma prioridade à altura de sua importância

intelectual e potencial para contribuir com a sociedade (CARNEIRO, 2004). Apesar de a evolução

ser considerada como um conceito estruturante (SANTOS, 2002) por apresentar ideias-chaves em

torno das quais a sequência de conteúdo poderia ser estruturada, segundo Carneiro (2004) o tema

não é trabalhado com a relevância necessária e isso fica claro quando os currículos educacionais são

analisados.

As Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006), definem que este

conteúdo não deve ser contemplado em apenas um bloco de aulas, mas sim constituir uma linha

orientadora para a abordagem de todos os demais temas relacionados à biologia. Na apresentação

do tema estruturador ―origem e evolução da vida‖, os PCN+ destacam que nele

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[...] são tratados temas dos mais instigantes para o ser humano, que, desde sempre, tem procurado compreender as origens da vida, da Terra, do Universo e

dele próprio. São conteúdos com grande significado científico e, sobretudo, filosófico, pois abrangem questões polêmicas, envolvendo várias interpretações

sobre a história da vida, como, por exemplo, a de que seu surgimento foi

decorrência de um acidente, ou, de modo oposto, de um projeto inscrito na

constituição da própria matéria. Nessa medida, permitem aos alunos confrontar diferentes explicações sobre o assunto, de natureza científica, religiosa ou

mitológica, elaboradas em diferentes épocas. No desenvolvimento desse tema,

ainda, os alunos têm oportunidade para perceber a transitoriedade dos conhecimentos científicos, posicionar-se em relação a questões polêmicas e

dimensionar processos vitais em diferentes escalas de tempo, além de se

familiarizarem com os mecanismos básicos que propiciam a evolução da vida e do

ser humano em particular. Com isso, podem perceber a singularidade do processo evolutivo em que fatores culturais interagem com os biológicos, e as

intervenções humanas apoiadas pelo desenvolvimento científico e tecnológico

alteram o curso desse processo. (BRASIL, 2004, p.50)

Os PCN+ ainda sugerem que se faça a comparação entre as ideias evolucionistas de Darwin

e Lamarck através da apresentação de textos científicos e históricos, identificando dessa forma as

semelhanças e a diferenças entre a abordagem desses dois autores (BRASIL, 2004). Também é

proposto que esse tema comece a ser estudado a partir da análise das hipóteses sobre a origem da

vida e a vida primitiva, sugerindo “identificar diferentes explicações sobre a origem do Universo,

da Terra e dos seres vivos, confrontando concepções religiosas, mitológicas e científicas,

elaboradas em diferentes momentos‖ (BRASIL, 2004, p.50).

Pesquisas realizadas na década de 70 do século passado indicam que alunos já apresentavam

explicações sobre alguns eventos evolutivos mesmo antes que o tema fosse tratado pela educação

formal (SANTOS, 2002). Posteriormente, outros estudos constataram que a maioria dos estudantes

utilizaram ideias do senso comum para explicar questões evolutivas e que isso foi verificado em

todos os níveis de ensino (IDEM, 2002). Esse comportamento pode ser explicado porque a evolução

é considerada um tema controverso e as opiniões sobre ela são frequentemente influenciadas por

ideias adversas às estabelecidas pela ciência, isso porque os alunos não chegam à sala de aula sem

trazerem consigo suas próprias concepções acerca do assunto, ao contrário, chegam carregando

memórias, conhecimentos, experiências e concepções quase sempre marcadas pela atribuição de

finalidade e direção ao processo evolutivo (CHAVES, 1993).

A esse respeito, Bizzo (1991) adverte que a teoria evolutiva já é divulgada de maneira

distorcida para o público e que versões simplistas das teorias propostas pela comunidade científica

são apresentadas aos estudantes. Segundo esse autor durante o processo de divulgação do

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conhecimento produzido na comunidade científica para o público leigo, quer seja por meio de livros

de divulgação científica ou por livros didáticos, acontecem novas interpretações desse

conhecimento, dessa forma iriam surgindo novos significados para os conceitos e ideias propostas

pelos cientistas (BIZZO, 1991). Santos e Calor (2007) corroboram com a ideia de Bizzo

acrescentando que interpretações errôneas são comuns nas salas de aula e em textos de biologia

sobre o processo evolutivo. Segundo esses autores, está presente nas escolas uma ideia de que a

evolução é um processo linear e funcionaria como um tipo de progresso. Exemplificar isso não é

tarefa difícil, basta lembrarmo-nos da figura clássica da fila indiana que ilustra a evolução da

espécie humana através da transformação de espécies primitivas, dando a ideia de que as espécies

anteriores são inferiores aos seres humanos (FREGUGLIA, 2009).

Santos (2002) nos chama atenção para o fato de que a ciência nem sempre é compreendida

pelos estudantes como uma produção de conhecimento público, que surge de conjuntos de

explicações compartilhadas por uma comunidade e que essas explicações são revistas

continuamente. O conhecimento científico, para os estudantes, parece algo tão verdadeiro e sólido

que não é passível de transformações no tempo (SANTOS, 2002, p. 110).

Oliveira (2011) conclui em seu trabalho de levantamento de toda a produção acadêmica

sobre ‗Origem da vida‘ e ‗Evolução Biológica‘ que

O ensino dos temas ―Origem da Vida‖ e ―Evolução Biológica‖ apresenta

tanto dificuldades internas, relacionadas a complexidades conceituais,

como externas, relacionadas a aspectos culturais e religiosos que estão presentes no meio sociocultural e que emergem na educação científica,

frequentemente na forma de conflitos e tensões que confrontam os

conhecimentos científicos com sistemas de crenças;

Outros fatores ligados aos professores, pessoais e profissionais, também

complicam o ensino desses temas: deficiências na formação inicial,

equívocos sobre os principais conceitos envolvidos no entendimento da

origem e evolução dos seres vivos, falta de domínio dos conteúdos e falta de formação continuada sobre os mesmos;

Fatores ligados à organização do espaço e do tempo escolar também

prejudicam o ensino desses temas: sobrecarga de trabalho do professor,

carência de material didático e paradidático de boa qualidade, para a

abordagem desses temas e tempo escasso durante o ano letivo para que isso ocorra;

As concepções religiosas dos estudantes interferem, direta ou indiretamente,

na aprendizagem de conceitos relacionados à Origem da Vida e a Evolução

Biológica, havendo forte rejeição das explicações científicas principalmente quando se trata da origem da espécie humana;

Os Livros Didáticos parecem não contribuir adequadamente para processos

de ensino-aprendizagem mais eficientes dos temas ―Origem da Vida‖ e

―Evolução Biológica‖. Mesmo com programas como o PNLD e o PNLEM,

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que contribuíram substancialmente para a melhoria da qualidade desses

materiais, a abordagem dos temas em pauta permanece desproporcional à

importância que lhes é conferida na Biologia, continuando marginal e esparsa, restrita a poucas páginas ou capítulos dos livros e sem promover a

desejada integração/unificação com as demais áreas das Ciências

Biológicas;

O potencial do uso de materiais alternativos, como textos de divulgação

científica, permanece pouco explorado. Embora ainda escassos, mesmos os que estão disponíveis não são devidamente aproveitados pelos professores,

que parecem não conseguir analisá-los de forma crítica a ponto de optar

por sua efetiva utilização nas aulas sobre ―Origem da Vida‖ e ―Evolução Biológica‖.

Em levantamento das teses e dissertações (HALLEY, LIMA & MACHADO, 2011) que

abordam o tema ‗Evolução biológica e seu ensino‘ que foram publicadas no portal da CAPES,

encontramos 26 trabalhos de pesquisa que tratam efetivamente de tal tema, sendo que 23 são

dissertações e 3 são teses, abordando as seguintes categorias3: Formação docente – trabalhos que

tratam diretamente ou que tenham implicações para a formação de professores; Concepções sobre

o conteúdo – trabalhos que abordam as concepções dos professores e/ou as concepções dos alunos

sobre o tema ‗evolução biológica‘ e suas implicações para o processo de ensino-aprendizagem;

Recursos Didáticos – os trabalhos que abordam a utilização de recursos pedagógicos,

metodologias, estratégias de ensino, etc.; Linguagem e ensino de evolução – trabalhos que

analisam temas relacionados à evolução e suas relações com a linguagem – e Ciência versus

Religião – trabalhos que abordam aspectos da relação entre conhecimento científico e crenças

religiosas no ensino de assuntos ligados ao tema ‗evolução biológica‘.

Considerando o panorama dos trabalhos encontrados que tratam do assunto ‗evolução

biológica no ensino de biologia‘, consideramos ser ainda muito pequeno o número de trabalhos que

tratam do tema frente à importância atribuída e reconhecida de tal assunto dentro das ciências

biológicas.

Com base na análise da natureza dos estudos encontrados, verificamos que a maioria dos

estudos refere-se aos conflitos estabelecidos entre as ideias evolutivas e as crenças religiosas, seja

no âmbito das discussões sobre as concepções dos professores e dos alunos ou no que se refere às

implicações desse conflito para o processo de ensino-aprendizagem da evolução biológica ou nas

implicações desse conflito para a formação docente. Observamos também que a maior parte dos

3 As categorias utilizadas para classificação e análise dos trabalhos encontrados foram adaptadas de artigos onde

os autores (AMORIM e LEYSER, 2009; CASTRO e AUGUSTO, 2009) também realizaram o levantamento da

produção científica existente sobre evolução biológica.

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trabalhos dedicou-se a investigar as concepções dos alunos e/ou professores sobre o tema ‗evolução

biológica‘, relacionando tais concepções como obstáculos na aprendizagem desse tema. Esses dados

demonstram que as pesquisas sobre evolução biológica, em sua maioria, verificam a existência de

barreiras e dificuldades de trabalhar e aprender o assunto e apontam as possíveis causas desses

problemas.

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CAPÍTULO 2 - Considerações Teóricas: Nossa conversa com os teóricos

2.1 - O conceito de cultura e o ensino de ciências como um empreendimento

cultural

Investigar os processos de ensino e aprendizagem de conteúdos escolares numa perspectiva

de confronto entre as explicações pessoais dos estudantes e as explicações canônicas da ciência faz

com que o ensino de ciências seja, por excelência, o espaço para as disputas, os diálogos entre os

saberes. Na arena de disputas entre as explicações pessoais dos estudantes e o que diz a ciência

pode começar a surgir uma espécie de naturalização da diferença como sinônimo de desigualdades e

inferioridade, ou seja, a diferença que poderia ser algo bom por representar a diversidade de

pensamentos e explicações sobre os fenômenos da vida, passa a ser algo negativo que expressa

relações de desigualdade. Relações essas que estão presentes também na vida, por exemplo, dos

sujeitos que vivem e produzem a vida no campo, quando se deparam com os discursos hegemônicos

que lhes são impostos. Dessa forma, o discurso científico pode se apresentar como hegemônico e

revelar as desigualdades existentes no processo de ensino e aprendizagem da ciência escolar. Nessa

compreensão de ensino de ciências a educação científica toma uma configuração ideológica e

cultural, fazendo jus à ideia de que o ensino de ciências seja um empreendimento cultural

(AIKENHEAD, 2009).

Nesse sentido, trabalhar o ensino de ciências é colocar em jogo as visões de mundo

culturalmente construídas para explicar os fenômenos do mundo natural, isso inclui trabalhar com

as concepções que os estudantes trazem para dentro da sala de aula, assim como as versões da

ciência ocidental4.

Cogitar as visões de mundo no ensino de ciências sugere uma perspectiva mais ampla sobre

a educação científica: a de que aprender ciências é promover um encontro cultural do estudante com

a ciência, no sentido da aquisição cultural (AIKENHEAD, 2009).

Aikenhead toma para si a ideia de cultura expressa por Phelan et al (1991 apud

AIKENHEAD, 2009) que concebe a cultura como um conjunto de normas, valores, crenças,

4 Acerca do termo ‗Ciência Ocidental‘, Aikenhead (2009) nos esclarece que a comunidade científica usufrui

geralmente de uma linguagem própria, de suas crenças, valores, convenções, expectativas e tecnologia próprias.

Estes atributos ajudam a definir uma cultura que é comumente identificada como ‗Ocidental‘, posto que a cultura da

ciência Ocidental evoluiu dentro dos parâmetros culturais Euro-Americanos. ―Atualmente a cultura da ciência

Ocidental existe no seio de inúmeras nações, onde quer que a ciência Ocidental figure.‖ (IDEM, 2009, p. 152)

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expectativas e ações convencionais de um grupo. E justifica a escolha de tal conceito por considerar

que

esta definição possui um número relativamente pequeno de categorias que podem

ser interpretadas genericamente de maneira a abranger os atributos educacionais frequentemente associados à educação científica: conhecimento; capacidades;

valores. O conhecimento científico canônico irá ser classificado face à definição de

―crença‖ de Phelan et al. Uma segunda razão para a minha escolha é a coerência. (AIKENHEAD, 2009:94)

Baseado nesse conceito cultural Aikenhead faz ainda um desdobramento no sentido do

conceito de subcultura. Segundo o autor, inseridos num grupo cultural qualquer há subdivisões ou

subgrupos identificados pelas mais diversas características como raça, língua, etnia, gênero, classe

social, ocupação, religião, etc. Um indivíduo pertencente à determinada cultura pertence

concomitantemente a vários desses subgrupos, por sua vez, cada um desses subgrupos compartilha

uma cultura (conjunto bem definido de normas, valores, crenças, expectativas e ações

convencionais) específica que forma o que o autor denomina de subcultura. (AIKENHEAD, 2009).

Dentro dessa visão, a ciência se configura como uma subcultura da cultura Ocidental, e

como tal, partilha de um sistema de significados e de símbolos bem definidos, com o qual interagem

socialmente (IDEM, 2009:95). Acompanhando esse raciocínio, a subcultura da ciência é formada

também por outras subculturas ou subgrupos, um deles é a subcultura da ciência escolar, cujo

objetivo central pode ser traduzido em termos do ensino de normas, valores, crenças, expectativas e

ações convencionais da subcultura da ciência. Haja vista que o ensino de ciências dedica-se mais

ao ensino de conceitos científicos - produtos da ciência – do que dos processos de produção e

validação do conhecimento. Em outras palavras, é um ensino de produtos acabados e, por vezes, até

mesmo já superados por outras explicações que tomam lugar de um ensino sobre ciências ou por

meio dela.

Mas o mundo cultural do estudante não é formado apenas pelas subculturas escolarizadas (a

da ciência ocidental e da ciência escolar) e sim por uma gama de outras subculturas que acabam por

influenciar a compreensão ou a visão da ciência que os estudantes irão formar, como por exemplo, a

subcultura familiar, social, econômica, dos pares, da escola, do ambiente físico, da religião, etc.

Cada uma dessas subculturas partilha uma cultura que irá definir a identidade de cada grupo.

Partindo do entendimento de Aikenhead (2009) de que o ensino de ciências é um

empreendimento cultural, ensinar ciências é entendido, então, como um cruzamento de fronteiras

culturais, onde o estudante deve cruzar as fronteiras desde uma realidade cotidiana baseada em

orientações humanistas até o mundo científico da ciência escolar (IDEM, 2009:93). Conforme diz

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o autor, ao nos deslocarmos de uma subcultura à outra, vamos alterando de maneira intuitiva e até

mesmo subconsciente nossas crenças, expectativas e convenções, como que a negociá-las. O

deslocar entre as diferentes subculturas cria naturalmente a obrigação de cruzamento entre as

fronteiras culturais, como nos mostra Phelan et al:

Num dia de escola normal, os adolescentes desta sociedade (Estados Unidos)

movem-se de um contexto social para outro. Famílias, grupos de pares, aulas e

escolas são as arenas primárias, nas quais os jovens negociam e constroem as suas realidades. Geralmente, o processo de transição dos estudantes entre os diferentes

meios é dado como adquirido. Existem relativamente poucos estudos centrados

nesse processo apesar destas transições requererem frequentemente esforço e

mobilização de inúmeras capacidades dos estudantes, especialmente quando os contextos são governados por diferentes valores e normas. (citado por

AIKENHEAD, 2009:101)

Seguindo os preceitos do autor, uma perspectiva de ensino de ciências alicerçada no

cruzamento de fronteiras resultará, portanto, de uma interação orgânica – no sentido de imbricada –

entre as orientações pessoais do estudante, as subculturas do estudante e as subculturas da ciência e

da ciência escolar. A perspectiva cultural de ensino admite ainda que ensinar ciências, no modo

convencional, seja uma tentativa de transmitir uma subcultura científica aos estudantes e reconhece

que essa transmissão pode se dar por dois modos distintos: aculturação ou assimilação. Posto que

para Aikenhead (2009. p.99), tradicionalmente, a ciência escolar tenta aculturar ou assimilar os

estudantes na subcultura da ciência.

A aculturação tenderá a apoiar a visão de mundo que o estudante já possui, o que acontece

geralmente quando a visão da subcultura da ciência encontra-se em harmonia com a subcultura da

vida do estudante (IDEM, 2009). De maneira oposta está a assimilação, que ocorre quando a visão

da subcultura da ciência está em discordância da visão cultural de mundo do estudante. Na

assimilação, o esforço é de haver substituição ou marginalização da cultura do mundo do estudante

em detrimento da subcultura da ciência (IBIDEM, 2009). A assimilação funcionaria como uma

força que obrigaria os estudantes a abandonarem suas formas tradicionais de conhecimento,

reconstruindo no seu lugar a forma de conhecimento das ciências.

Na mesma perspectiva, outros pesquisadores também abordam a questão da educação

científica como uma especificidade discursiva do conhecimento científico que torna necessário que

os estudantes sejam iniciados nas ideias e práticas da comunidade científica (Driver et al, 1999,

p.2-3). Para Driver e colaboradores (1999), aprender ciências implica a entrada numa nova

comunidade discursiva, numa nova cultura. Segundo essa autora e seus colaboradores, ensinar

ciências significa introduzir o estudante em uma nova cultura, a da comunidade científica, que

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possui ideias e práticas próprias, utilizando uma linguagem específica que carrega significados e

estabelece relações com outros conceitos. Nessa concepção, por definição, o processo de ensino e

aprendizagem da ciência pode ser caracterizado como um processo de “enculturação”

(FREGUGLIA, 2009, p.43). Essa visão do ensino de ciências como uma inserção do sujeito em

uma nova cultura - a científica - que possui uma linguagem específica, associa o ensino de ciências

à linguagem, pois o aprendizado de ciências nessa perspectiva torna-se um diálogo, uma conversa

entre a linguagem do cotidiano (do sujeito) e a linguagem científica. Seria como aprender uma

linguagem estrangeira. Nesse processo de diálogo entre culturas/linguagens que pertencem a

contextos diferentes surgem novos significados e/ou sentidos para os conceitos estudados. Como os

sentidos são dinâmicos em qualquer processo formativo ou de constituição humana, na dinâmica

interlocutiva da sala de aula acreditamos que na medida em que os sujeitos mudam, algo pode

ganhar sentido, perder o sentido que tinha antes ou ganhar um sentido novo (Lima, 2005, p.203).

Outra concepção de ensino-aprendizagem de ciências que dialoga com as perspectivas de

Driver (1999) e Aikenhead (2009) é a de Mortimer (1996) que trabalha com a ideia de que a

aprendizagem de ciências envolve um processo de socialização das práticas da comunidade

científica e de suas formas particulares de pensar e de ver o mundo, em última análise, um

processo de “enculturação” (MORTIMER, 1996:24). No entendimento de Mortimer (1996)

aprender ciências é um processo de ―enculturação‖ que abrange a iniciação dos estudantes numa

nova forma de explicar e pensar o mundo natural e tais explicações são diferentes das que se

encontram disponíveis nas explicações do senso-comum. Dessa forma, o autor afirma que ao

aprender ciências, os estudantes começam a entrar num mundo que é ontológica e

epistemologicamente diverso do mundo cotidiano. Mas também esclarece que a ―enculturação‖ não

é um processo limitado à saída do campo das ideias do senso-comum ou mundo cotidiano para

entrada no entendimento do conhecimento científico. Um estudante que tem uma visão clássica do

mundo ao aprender mecânica quântica estará passando por um processo de ―enculturação‖. O

processo de ―enculturação‖ não ocorre como uma substituição das ideias alternativas ou das

preconcepções dos estudantes pelas ideias científicas. O que acontece segundo Mortimer é uma

evolução de um perfil de concepções, onde as novas ideias adquiridas no processo de ensino-

aprendizagem passam a conviver com as ideias anteriores, sendo que cada uma delas pode ser

empregada no contexto conveniente (MORTIMER, 1996:23). Assim sendo, a noção de perfil

conceitual é um reconhecimento de que uma pessoa pode usar formas distintas de pensar em

diferentes domínios (IDEM, 1996), portanto, o perfil conceitual que se desenvolve é dependente do

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contexto, uma vez que é fortemente influenciado pelas experiências distintas de cada indivíduo; e

dependente do conteúdo, já que para cada conceito em particular tem-se um perfil diferente

(IBIDEM, 1996:34).

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2.2 - Cruzamento de fronteiras no ensino de ciências: um movimento dos

sujeitos envolvidos

Esclarecidos sobre em que consiste uma perspectiva cultural no ensino de ciências,

Aikenhead (2009) nos fornece ainda elementos para entender como o processo de cruzamento de

fronteiras acontece nas salas de aula de ciências, na medida em que defende uma “educação

científica para todos”, expressão cunhada por ele que também nomeia uma de suas obras (2009).

O autor usa o modelo de Phelan et al (1991:228 apud AIKENHEAD, 2009:103) para

descrever como os alunos se movem do seu mundo cotidiano para o mundo das ciências. Segundo

tal modelo, a ―viagem‖ entre os dois mundos se configura como uma transição para os estudantes,

sendo que esta última pode ser classificada em quatro tipos: as transições suaves, quando os mundos

são congruentes; as transições manejáveis, que ocorrem entre mundos diferentes; as transições

arriscadas, como consequência de aproximações entre mundos diversos e, finalmente, as transições

virtualmente impossíveis, resultantes de tentativas de aproximações entre mundos altamente

discordantes.

Baseado na descrição classificatória das transições que ocorrem no processo de cruzamento

de fronteiras culturais, Aikenhead (2009) utiliza cinco categorias para classificar os estudantes que

estão envolvidos nesses processos.

Cientistas potenciais: os mundos da família e dos amigos são congruentes com os

mundos da escola e da ciência; Outros miúdos inteligentes: os mundos da família e dos amigos são congruentes com o mundo da escola, mas são inconsistentes com

o mundo da ciência; Estudantes “Eu não sei”: os mundos da família e dos amigos

são discordantes com os mundos da escola e da ciência; Outsiders: os mundos da

família e dos amigos são discordantes com os mundos da escola e da ciência; Outsiders internos: os mundos da família e dos amigos são inconciliáveis com o

mundo da escola, mas são potencialmente compatíveis com o mundo da ciência.

(COSTA, 1995: 316 apud AIKENHEAD, 2009:103).

Para os cinco grupos de estudantes descritos, as transições de cultura que vão ocorrer ao

cruzarem as fronteiras culturais podem ser suaves, acessíveis, arriscadas ou virtualmente

impossíveis. Os cruzamentos de fronteiras considerados suaves podem ser experimentados pelos

estudantes cuja subcultura da vida cotidiana encontra-se de alguma maneira em harmonia com a

subcultura da ciência. Esses estudantes irão encarar o ensino de ciências como uma aculturação.

Para os demais estudantes, os quais têm as subculturas de suas vidas cotidianas em ruptura com a

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subcultura da ciência, o ensino de ciências convencional configura-se como assimilação

(AIKENHEAD, 2009).

Numa descrição mais detalhada do perfil de cada tipo de estudante feita por Aikenhead

(2009), podemos destacar alguns atributos importantes, que, por julgarmos como esclarecedores do

modo como ocorre o cruzamento de fronteiras para esses personagens, iremos tratar brevemente.

Os estudantes denominados por Aikenhead (2009) como „Cientistas Potenciais‟ geralmente

atribuem grande significado às aulas de ciências e se mostram confortáveis com a imagem

estereotipada da ciência moderna que lhes é apresentada. Além disso, por mostrarem uma relação

de congruência entre as subculturas da escola e da ciência com as subculturas da família e do pares,

o aprendizado de ciência para esse público se mostra como um processo de aculturação e o

cruzamento de fronteiras ocorre de forma suave.

Para os estudantes designados como ‗Outros miúdos inteligentes‘ apesar de a ciência não

aparentar ser tão significativa em seus mundos pessoais ou tão útil nas suas vidas cotidianas, eles

também não questionam os estereótipos tradicionais da ciência, como suas normas, valores, crenças,

etc. Esses estudantes tem um cruzamento de fronteiras tranquilo, tanto que não enxergam a

subcultura da ciência como uma subcultura alheia ao mundo deles.

Já os estudantes „Eu não sei‟ apresentam atitudes evasivas em relação à ciência escolar.

Costumam apresentar pouco conhecimento sobre a subcultura da ciência, reproduzindo noções

veiculadas pela mídia sobre a subcultura da ciência. Para eles, o cruzamento de fronteiras rumo a

subcultura da ciência escolar é arriscada.

O grupo dos estudantes classificados como „Outsiders‟ são aqueles que o autor diz não

saberem nada sobre a subcultura da ciência e nem se interessarem em saber. A escola e a ciência

são subculturas desconhecidas dos estudantes e fazer o cruzamento de fronteiras até a ciência

escolar é um processo considerado pelo autor como virtualmente impossível.

Já no grupo formado pelos estudantes „Outsiders internos‟ estão classificados os estudantes

que se mostram interessados na ciência, apesar de se sentirem impossibilitados de cruzarem as

fronteiras rumo a subcultura da ciência escolar. Caracterizam-se por apresentarem uma elevada

curiosidade pelos conhecimentos da cultura científica, mas em contrapartida apresentam uma

desconfiança em relação aos professores de ciências e aos administradores das escolas. Por esses

motivos, julgam ser impossível realizar o cruzamento de fronteiras.

Ao falar do perfil dos alunos frente às posições que tomam ao cruzar ou não as fronteiras,

somos levados a nos questionar o significado de tal cruzamento e o papel do professor nessa

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história. Qual seria o perfil do professor num ensino balizado pelo esforço de se promover

cruzamento de fronteiras culturais? Para Aikenhead (2009) os professores exerceriam o papel de

“guias”, ao conduzirem os estudantes até o outro lado da fronteira e ao ajudá-lo no uso das ciências

nos contextos de suas vidas. No cumprimento desse papel, caberia ao professor a informação ao

estudante dos modelos de explicação científicas utilizados na subcultura da ciência, não como um

axioma, mas como um conhecimento cultural adicional, como mais uma visão de mundo ou outra

forma de explicar um fenômeno. Em resumo, o professor adotaria uma postura de mediador

cultural, pois assim poderia promover o ensino de ciências numa perspectiva de diálogo entre as

subculturas do estudante e da ciência.

Agindo como mediador cultural, um professor de ciências tornará o cruzamento

das fronteiras culturais explícito para os estudantes aborígenes, ao aceitar que as preconcepções destes estudantes, bem como as suas visões do mundo, tenham um

papel fundamental na sua vida diária e na sua cultura. (IDEM, 2009:153)

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2.3 - Interculturalidade no ensino de ciências: relações de empoderamento

O poder não sobrevive ao riso, à desordem, à variação. Ele se exerce pela ordem.

Em termos de língua, pelo ‗empoderamento‘ de um dos modos de dizer – aquele da elite de plantão – como o único correto, a fim de produzir os silenciamentos não só

de outros modos de dizer, mas também de dizeres outros. (GERALDI, 2010b, p.

20)

O conceito de cultura discutido por variados teóricos que se debruçaram sobre o assunto é

polissêmico, na medida em que trata de diferentes modos de compreender e lidar com a diversidade.

Nesse contexto, faz-se de suma importância aprofundarmos a discussão sobre esse conceito,

trazendo as contribuições de Aikenhead (2009), Sahlins (1997), Bakhtin (1993) e Ginzburg (1987).

O conceito de cultura permeia toda a obra de Bakhtin, embora seja objeto de atenção

específica no livro ―A cultura Popular na Idade Média e no Renascimento‖ (BAKHTIN, 1993).

Nessa obra, Bakhtin analisa a tensa relação entre a cultura popular e as culturas oficiais da Igreja e

do Estado feudal. Tematiza a seriedade e o riso, o profano e o grotesco, como manifestações

exteriores à cultura oficial. A contestação e a subversão são dados a serem vistos através do

conceito de carnavalização5 como estratégias de oposição e de ridicularização dos valores oficiais

vigentes. O poder dominante e a verdade dominante não se veem no espelho do tempo, assim como

também não veem o seu ponto de partida, seus limites e fins, sua face velha e ridícula, a estupidez e

suas pretensões à eternidade e à imutabilidade. (BAKHTIN, 1993, p.185)

Para Bakhtin, a relação existente entre a cultura popular e cultura hegemônica é ao mesmo

tempo harmoniosa e marcada pelo conflito e pelas dissonâncias. Revela a unidade, o sentido e a

5 Em ‗Cultura popular na idade média e no renascimento no contexto de François Rabelais‟, Bakhtin

retoma as proposições a respeito da cultura popular, focalizando, dessa vez, o renascimento, onde

novamente, e com toda força, floresceu essa cultura do riso, apresentando especialmente a obra de François

Rabelais (um frade franciscano, médico e professor francês do Renascimento). Conforme Bakhtin, Rabelais,

ao lado de Cervantes e de outros contemporâneos, foi um catalisador de uma cultura antiquíssima que estava presente nas ruas, nas feiras e no carnaval popular, que foi transposta ao papel em sua obra Gargantua e

Pantagruel. O efeito de transpor essa cultura à literatura e à arte recebeu o nome de ―carnavalização‖. A

linguagem da carnavalização – que também é uma cosmovisão – é a dos insultos, do baixo ventre, palavras de baixo calão, dos xingamentos entre familiares que manifestam laços de proximidade, da inversão de

valores e do realismo grotesco. O carnaval foi escolhido por que este era o momento em que a cultura do

povo encontrava oportunidade para uma subversão não destrutível, onde o pobre e o rico eram nivelados, pois, nas apresentações do inferno medieval era isso o que se manifestava, ―Alexandre o Grande remendava

calções e assim ganhava a vida, Xerxes lá vende mostarda, Rômulo é lenhador, Dário limpador de latrinas‖

(LEITE, 2011).

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natureza ideológica profunda da cultura popular. Em outras palavras, revela o seu valor como visão

de mundo e de apreciação estética. Aliás, nos seus primeiros escritos (BAKHTIN, 2010) o autor já

esboçava profundo incômodo com o divórcio entre o mundo da vida (o mundo que importa aos

sujeitos, pois é lá que vivem) e o mundo da cultura (como o da teoria, da ciência) que prescinde dos

sujeitos porque não tem espaço para eles. Podemos falar de discursos, de certo modo interditados –

no sentido mais amplo de tendência determinada, mas dinâmica e em processo de desenvolvimento

– convencionalmente chamados pelo autor de grotesco e clássico. De acordo com Bakhtin não há

cultura popular pura, na medida em que ela é tecida nos encontros de outras vozes com as quais

entra em contato.

Ao lado dessa coexistência de culturas, Bakhtin aborda a circulação cultural – termo

cunhado como circularidade – como decorrência dos momentos de integração e influenciação

recíprocas.

Na realidade histórica viva, esses cânones (mesmo o clássico) nunca foram estáticos nem

imutáveis, mas encontravam em constante evolução, produzindo diferentes variedades

históricas do clássico e do grotesco. Além disso, sempre houve entre os dois cânones

muitas formas de interação: luta, influências recíprocas, entrecruzamentos e combinações.

Isso é válido sobretudo para a época renascentista, como já observamos. (1993, p.27)

Essa concepção de constituição de sujeitos e de grupos sociais em interação nos permite

abordar a cultura de uma perspectiva social, com destaque para a complexidade e diversidade de

valores e sentidos em disputa e circulação não só entre pares, mas no sentido vertical de culturas

diferentes com baixos pontos de identificação. Nesse sentido, Bakhtin nos apresenta uma teoria

sobre a partilha de padrões e signos e a necessária e intensa relação de reciprocidade,

principalmente valendo-se da expressão literária de Rabelais6. A produção cultural emerge da

relação entre culturas pela existência em comum. Contudo, o autor reconhece que a partilha na

constituição das culturas gera produtos repartidos e controlados de forma desigual.

Carlo Ginzburg toma de Bakhtin a ideia de circulação de visões de mundo ou circularidade,

como movimento mesmo de permeabilidade entre culturas em interação e dialogia. Ao analisar o

6 O carnaval consistia em variadas formas de manifestações populares na idade Média e no Renascimento

como um momento de suspensão do sério e do sagrado, para dar lugar ao riso e ao profano. Na Idade Média, sob o regime feudal, as festas oficiais da Igreja e do Estado feudal ―tendiam a consagrar a estabilidade, a

imutabilidade e a perenidade das regras que regiam o mundo: hierarquias, valores, normas e tabus religiosos,

políticos e morais correntes‖ (p.09). O riso, o palavrão, o deboche, o sarcasmo, entre outras características do realismo grotesco, que compõem o carnaval são manifestações do vivido como um momento de inversão das

hierarquias, regras e privilégios como tempo de fuga, evasão e renovação da vida. Essa forma sincrética de

espetáculo popular ao ser transposta para o gênero literário, como o fez Rabelais nos seus textos do século

XV, é ao que Bakhtin deu o nome de carnavalização e cujo conceito será utilizado como categoria de análise do movimento de sentidos entre culturas que se produz, por excelência, nesse jogo de inversão das

hierarquias, pela dialogia e pela ambivalência.

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cotidiano de um moleiro perseguido pela inquisição, chamado Menoccio, em ―O queijo e os

vermes‖ (1987), Ginzburg fornece evidências/pistas/sinais da permeabilidade entre culturas,

explicitando sua concordância teórica com Bakhtin e a apropriação que faria do termo circularidade,

sintetizado na citação a seguir:

O termo circularidade: entre a cultura das classes dominantes e a das classes subalternas

existiu, na Europa pré-industrial, um relacionamento circular feito de influências

recíprocas, que se movia de baixo para cima, bem como de cima para baixo [...]‖

(GINZBURG, 1987, p. 13).

Desse modo, o conceito de circularidade cultural define que a cultura popular é dinâmica,

podendo, inclusive, influenciar a cultura hegemônica. Conforme o autor:

[...] obscuros elementos populares [...] enxertados num conjunto de ideias muito claras e

consequentes, que vão do radicalismo religioso ao naturalismo tendencialmente científico,

às aspirações utópicas de renovação social. A impressionante convergência entre as

posições de um desconhecido moleiro friulano e as de grupos intelectuais dos mais

refinados e conhecedores de seu tempo e propõe com toda força o problema da

circularidade da cultura formulado por Bakhtin (GINZBURG, 1987, p. 25-26).

O conceito de circularidade seja na sua origem bakhtiniana ou em Ginzburg rompe com a

dicotomia entre cultura popular/subalterna e cultura dominante pelo influxo recíproco entre

cultura subalterna e cultura hegemônica (GINZBURG, 1987, p. 20).Essa mesma base conceitual

nos permite dialogar com Aikenhead (2009) e Sahlins (1997).

Pensar numa educação em ciências dentro dos moldes interculturais suscita algumas

questões de suma importância. Uma delas é a de como trabalhar a educação científica sem

desrespeitar as tradições, crenças, valores que fazem parte da identidade de grupos inseridos em

culturas que se organizam de modo divergente ao modo da ciência ocidental?

Nossa resposta a essa interrogação indica a necessidade de sermos

antropologicamente relativistas, de modo a nos tornamos críticos em relação às ciências ocidentais e, portanto, à nossa própria cultura, sem deixarmos de sê-lo,

também, em relação à cultura dos nossos alunos. A crítica a essa cultura primeira,

todavia, não poderá ocorrer a partir de um olhar etnocêntrico, nem ser dirigida pelo objetivo de diminuirmos a identificação dos estudantes com suas práticas culturais.

(PAULA & LIMA, 2011, p. 203).

A educação em ciências, quando encarada como um modo de transmissão de

conhecimentos, mesmo que seja como uma transmissão cultural, vale-se do seu status de ciência

ocidental face a uma cultura não-ocidental para impor seus conhecimentos a estudantes que não

partilham seus sistemas de símbolos e significados. Num ensino de ciências convencional,

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tradicionalmente, a ciência escolar tenta aculturar ou assimilar os estudantes na subcultura da

ciência (AIKENHEAD, 2009:99).

Mas é necessário olhar para a ciência com uma visão mais crítica de modo a entender que a

ciência ocidental pode ser compreendida apenas como uma forma de saber dentre várias outras

(CREPALDE, 2012).

Nesse sentido, o conceito de ciência, da ciência ocidental, precisa ser reconhecido

como uma das formas de saber, uma das formas de abordar a realidade. Além disso, não como qualquer forma de conhecimento, mas como forma hegemônica da

civilização ocidental que impõe, com seu discurso de poder, sua racionalidade. Sua

invisibilidade precisa ser combatida e sempre interrogada criticamente como experiência de descentramento. (IDEM, 2012:33).

Sem esse olhar crítico sobre a ciência ocidental, poderíamos colaborar, ainda que sem a

intenção, para que seja reforçada a visão de uma ciência objetiva, neutra, imparcial e atemporal.

Estaríamos deixando de evidenciar outros interesses que influenciam as relações de poder dentro do

campo da ciência e além disso, ignoraríamos a força cultural poderosa que a ciência exerce em

nossa sociedade.

Um exemplo do poder do conhecimento científico ocidental é que até meados dos anos 1990

os saberes da ciência ensinados na escola eram regidos pela pressuposição de que a ciência escolar

somente cumpriria seu papel de conhecimento hegemônico se reconhecesse o discurso científico

como a única forma adequada de descrever e compreender a realidade (SEPULVEDA e EL-HANI,

2006).

O discurso hegemônico da ciência, assim como todo o discurso, é composto por intenções e

significados que permeiam sua ideologia. O discurso então é território comum entre o eu e o outro

ou entre o locutor e seu interlocutor, sendo constituído por interações entre sujeitos socialmente

organizados (no sentido de que pertencem a um tempo-espaço e como tal, se organizam em torno

das construções sociais que norteiam esse tempo-espaço socialmente). Nesse sentido, o discurso de

alguém sempre estará dirigido a outrem, a quem podemos denominar de público alvo, o qual

determinará o tipo de construção textual e a estrutura da enunciação elaborada.

Ao admitirmos a existência de um público alvo que delimita o horizonte do discurso e que

esse público está imerso num meio social, podemos aferir que este meio social, por consequência,

também determinará a estrutura da enunciação. Logo, o autor de um texto ou de um enunciado, ao

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falar sempre evocará uma voz7, uma linguagem social específica, com o objetivo de alcançar seu

interlocutor.

Na teoria enunciativa de Bakhtin (1983), o autor faz a distinção entre duas categorias de

discurso: o autoritário e o internamente persuasivo.

O discurso autoritário pressupõe que as enunciações e seus significados são fixos, não sendo

possível sua modificação mesmo ao entrarem em contato com outras vozes (MORTIMER;

MACHADO, 2001), fundamentando-se na ideia do discurso como uma verdade absoluta. Esse

discurso está vinculado a imagens de autoridade como a religiosa, política, moral, dos pais,

professor. O discurso autoritário está presente no discurso citado, onde não há espaço para a

argumentação, a refutação ou a contestação (RAMOS e SCHAPPER, 2010), uma vez que

... a palavra autoritária não se representa – ela apenas é transmitida. Sua inércia,

sua perfeição semântica e rigidez, sua singularizarão aparente e afetada, a impossibilidade de sua livre estilização, tudo isto exclui a possibilidade da

representação artística da palavra autoritária. (BAKHTIN, 1983, p. 144)

Já o discurso internamente persuasivo não é acabado, finito. Sua estrutura semântica está

aberta à negociação de significados com discurso alheios, por isso, é permeado por contra-palavras,

podendo até mesmo revelar ressignificações de palavras (RAMOS e SCHAPPER, 2010).

... a estrutura semântica da palavra interiormente persuasiva não é terminada,

permanece aberta, é capaz de revelar sempre todas as novas possibilidades semânticas em cada um de seus novos contextos dialogizados. (...) nós a

introduzimos em novos contextos, a aplicamos a um novo material, nós a

colocamos numa nova posição , a fim de obter dela novas respostas ―para nós‖ (uma vez que a palavra produtiva do outro engendra dialogicamente em resposta

uma nova palavra nossa).‖ (BAKTHIN, 1983, p. 144)

Pode-se perceber que o discurso autoritário não apresenta muito espaço para que o

interlocutor possa influenciar seu autor ou até mesmo responder com suas contra palavras

(SEPULVEDA, EL-HANI 2006), enquanto que o discurso internamente persuasivo assume uma

função dialógica permitindo negociações de significados entre as diversas vozes em confronto nesse

discurso. (IDEM, 2006).

7 É importante frisar que para Bakhtin, ‗voz‘ se refere à perspectiva do falante e está relacionada à visão do

mundo, ao horizonte conceitual do autor da fala, ao seu lugar social. (MORTIMER; MACHADO, 2001:117)

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Toda essa discussão sobre a natureza dos discursos torna-se pertinente no tocante ao caráter

do discurso científico. A cultura científica apresenta um discurso próprio da ciência que diverge do

discurso do mundo cotidiano por possuir uma maneira diferenciada de ver e explicar o mundo.

Analisando-se o discurso científico, podemos compará-lo a uma forma de discurso autoritário, posto

que o discurso científico não apresenta muito espaço para o questionamento e o diálogo. É um

discurso encontrado de antemão, exige do seu interlocutor certo reconhecimento e até mesmo

submissão ou sobreposição em relação ao discurso do mundo cotidiano. Está ligado a um tom

hierárquico por se caracterizar como o discurso monológico, ou seja, de uma só voz, a voz da

ciência, que se sobrepõe sobre a voz do seu interlocutor.

Em contrapartida, o discurso do mundo cotidiano poderia ser comparado ao discurso

internamente persuasivo, por buscar no cruzamento de vozes e por que não de culturas, como uma

tentativa de explicar os fenômenos do mundo. Nas explicações do cotidiano é possível encontrar

lendas, mitos, crendices populares, mas também saberes populares derivados da prática ou da

observação, como um esforço de explicação.

Do embate entre discursos, sobressai o jogo de poderes, a tentativa de dominação. De um

lado um discurso autoritário, que se apodera da voz dos cientistas, como suas autoridades, para se

impor perante o outro lado, correspondente ao discurso dialógico, que busca sua validade e

segurança na confluência de vozes que o apoiam.

Um exemplo claro do empoderamento do discurso científico sobre o discurso de mundo dos

sujeitos é a valorização que o primeiro recebe no contexto escolar em detrimento do último. Para a

maioria dos estudantes, os conteúdos da ciência escolar que são ensinados na sala de aula não

apresenta quase nenhuma relevância em suas vidas cotidianas (AIKENHEAD, 2009). Mesmo assim

o conhecimento científico continua sendo trabalhado nas escolas como maneira majoritária de

explicação do mundo. A ciência escolar é uma força cultural poderosa em qualquer sociedade,

diariamente incutida à força à maioria dos estudantes (IDEM, 2009, p. 100).

A sobreposição da retórica da comunidade científica sobre as demais parcelas da sociedade é

sustentada por jogos de interesses que podem ser

... interesses econômicos do mundo dos negócios, das indústrias e do trabalho, para

manter uma força de trabalho especializada; os interesses pessoais dos cientistas

universitários em manter suas disciplinas; interesses de grupos sociais em tornarem-se mais poderosos em sociedades cuja cultura e vida social é diretamente

influenciada pela ciência e pela tecnologia; os interesses dos estudantes na sua

satisfação e no crescimento individual‖ (IBIDEM, 2009, p.100)

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Nesse sentido, o ensino de ciências pode ser tratado como um tipo de dominação, que ao

disputar entre os poderes e os privilégios sociais, acaba por ―colonizar‖ os modos de ensino nas

salas de aula de ciências.

Na medida em que a escolarização nega o subjetivo e as vozes socioculturalmente

desenvolvidas pelos estudantes através da sua experiência vivida ... e na medida em

que os professores insistem que o diálogo apenas pode ocorrer nos seus termos, a escolarização torna-se uma instrumento de poder que serve para perpetuar as

desigualdades de classe e as iniquidades raciais já presentes na sociedade

(O‘LOUGHLIN, 1992:816 apud AIKENHEAD, 2009:150)

Nessa relação de ensino dominada pelas disputas de poder e privilégio de um discurso em

detrimento de outros, cabe uma analogia com o processo de colonização de um território. Onde o

conhecimento científico assumiria o papel da metrópole, com seu discurso autoritário, o professor

assume o de colonizador e o estudante adota o papel do protagonista principal da trama, o colono,

que em seu território cultural dos conhecimentos do mundo cotidiano pode assumir posições de

colonizado ou de resistência a todo esse processo.

Uma tentativa de equilibração dos poderes no processo de ensino-aprendizagem pode estar

contida num modelo de educação científica alternativa ao discurso convencional da ciência,

unívoco, assimilativo e autoritário. Seria uma tentativa de equidade entre o discurso da ciência e os

de seus públicos, por meio da elaboração dialógica de significados (AIKENHEAD, 2009), pois uma

educação científica dialógica possibilita a legitimação dos lugares dos conhecimentos dos

estudantes.

A criação de significado dialógico ocorre quando a pessoa que aprende é

influenciada pelo texto, mas sendo-lhe também permitido tomar um papel ativo no desenvolvimento de uma compreensão pessoal da mensagem do autor ou do

professor, através de um processo de intercâmbio dialógico. (O‘LOUGHLIN,

1992:813 apud AIKENHEAD, 2009:150)

Uma educação dialógica caminha para o entendimento de que também o professor aprende

com os conhecimentos dos estudantes, fazendo com que “novas relações de poder substituam a

hierarquia convencional entre o colonizador e o colonizado.” (AIKENHEAD, 2009, P. 158)

Segundo O‘Loughlin (1992) uma pessoa aprende “para participar na cultura do poder e,

simultaneamente, aprender como refletir criticamente nas relações de poder das quais faz parte”

(O‘LOUGHLIN, 1992 p. 807 apud AIKENHEAD, 2009, p.150).

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Toda essa discussão só faz sentido, se considerarmos a perspectiva cultural do ensino de

ciências como uma abordagem possível. É isso que vem acontecendo nos últimos quinze anos, com

a área de ensino de ciências que tem apresentado uma mudança significativa com relação ao teor

cientificista de suas orientações curriculares, adotando uma perspectiva mais crítica, onde cabem

discussões sobre as relações entre cultura e educação científica, assumindo uma perspectiva cultural

e antropológica na pesquisa e na educação em ciências (SEPULVEDA e EL-HANI, 2006). Dessa

maneira, a ciência passa a ser encarada como um dos mais diversos aspectos que compõem a

cultura, em oposição à visão hegemônica da ciência.

No entendimento de que a ciência é uma das culturas ou subculturas utilizadas pelo homem

como forma de explicar os fenômenos do mundo, torna-se importante discutir o conceito de cultura

do ponto de vista antropológico.

O conceito de cultura leva à identidade e ao mesmo tempo ele nos diferencia, posto que a

identificação é produto de aproximações, e a identidade está sempre em construção nestas

aproximações (GERALDI, 2010a, p. 164). Por pertencer a uma cultura é que temos uma identidade

e essa identidade é que ao mesmo tempo nos aproxima nos distancia, uma vez que uma cultura é

diferente da outra. Então, esse conceito já nasce dentro de uma tensão, da identidade e da

diferenciação. Daí vem a visão de cultura como demarcação de diferenças.

Com relação as nossas identidades, Geraldi (2010a) nos lembra de que somos múltiplos

desde sempre, no processo de constituição de nossas subjetividades (p.164), nossas semelhanças se

dão porque estamos imersos no mesmo tempo e compartilhamos um mesmo espaço, mas o que nos

diferencia é que os percursos de formação de cada um, e logo de cada cultura, não se fazem em

série (GERALDI, 2010a).

Existe uma concepção de que para compreendermos melhor uma cultura alheia, é preciso a

imersão total nessa cultura. É necessário transferir-se para ela, esquecer-se da sua e voltar o olhar

para o mundo com os olhos da cultura do outro. No processo de compreensão de uma cultura alheia,

certa compenetração da mesma seria desejável, mas a total imersão tornaria a compreensão um

simples processo de dublagem daquela cultura e não acrescentaria nada de novo e enriquecedor

consigo (BAKHTIN, 2003).

No campo da cultura, a distância é a alavanca mais poderosa da compreensão. A

cultura do outro só se revela com plenitude e profundidade (...) aos olhos de outra cultura. Um sentido só revela as suas profundidades encontrando-se e contactando

com outro, com o sentido do outro: entre eles começa uma espécie de diálogo que

supera o fechamento e a unilateralidade desses sentidos, dessas culturas.

(BAKHTIN, 2003, p. 366).

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O distanciamento entre os sujeitos e entre as culturas é que permite o estranhamento

necessário para que possamos perceber o outro ou a outra cultura, a imersão num determinado

cotidiano pode cegar justamente por causa de sua familiaridade (AMORIM, 2001, p. 26). Nessa

perspectiva, o conceito de alteridade torna-se importante, pois a alteridade é o entendimento de que

todo homem como ser social interage e interdepende de outros sujeitos (VENÂNCIO, 2011). É na

interação com o outro, no estranhamento do outro e suas culturas, que se torna possível o meu

reconhecimento, pois ao me relacionar com o outro, diferente de mim, distancio-me dele e voltando

o olhar sobre mim encontro maneiras diferentes de me enxergar e me reconhecer.

... é na relação com a alteridade que os indivíduos se constituem. [...] A

partir do momento em que o indivíduo se constitui, ele também se altera,

constantemente. E esse processo não surge de sua própria consciência, é

algo que se consolida socialmente, através das interações, das palavras, dos

signos. Constituímos-nos e nos transformamos sempre através do outro.

(PONZIO et al, 2009, p. 13).

Assim sendo, a alteridade ganha uma dimensão de estranheza por não se tratar do simples

reconhecimento de uma diferença, e sim de um certo distanciamento dentro de uma relação, pois

seria impossível alguém defender uma posição própria sem colocá-la em relação a outras posições

(PONZIO et al, 2009). Entre os sujeitos, a relação que se estabelece é de uma diferença no interior

de uma identidade (AMORIM, 2001).

A cultura demarca as diferenças de costume entre povos e grupos e ao fazê-lo visa à

demarcação de populações subordinadas dentro de regimes políticos opressivos. Por exemplo, ao

citar a cultura afro-brasileira, seria uma forma de fazer menção à servidão dessa cultura (SAHLINS,

1997a). Dessa forma, a cultura seria:

... um modo intelectual de controle que teria como efeito ―encarcerar‖ os

povos periféricos em seus espaços de sujeição, separando-os

permanentemente da metrópole ocidental progressista. Ou, falando de modo

mais geral, a ideia antropológica de cultura, por conspirar para a

estabilização da diferença, legitimaria as múltiplas desigualdades —

inclusive o racismo — inerentes ao funcionamento do capitalismo ocidental.

(SAHLINS, 1997a, p. 43)

Olhando a cultura como um aparato classificatório de povos, onde uma cultura é

subordinada à outra, faz sentido o entendimento da cultura como ―fruto do colonialismo‖,

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cumprindo mais uma vez com a função de diferenciação e agregando uma nova característica, a de

dominação (SAHLINS, 1997a).

―O conceito antropológico de cultura nunca poderia ter sido inventado se

não houvesse um teatro colonial que, ao mesmo tempo, tornasse necessário

um conhecimento das culturas (com o propósito de controle e dominação) e

fornecesse povos colonizados especificamente administráveis pela noção de

cultura. Sem o colonialismo, a cultura não poderia ter sido ao mesmo tempo

(e com tanto êxito) organizada e organizadora, dada na natureza e regulada

pelo Estado. Não apenas muito daquilo que chamamos ―cultura‖ foi

produzido pelo encontro colonial, como o conceito mesmo de cultura foi em

parte inventado por causa desse encontro‖. (Dirks, 1992:3 apud SAHLINS,

1997a:45)

Apesar disso, Sahlins (1997a) nos lembra de que vários povos têm conscientemente se

utilizado das suas culturas para se opor às forças do imperialismo ocidental. O conceito de cultura

surge então como uma força anticolonialista, pois que os povos estão utilizando-o tanto para

assinalar sua identidade quanto para retomar o controle de seus destinos.

Isso pode sugerir que a cultura emerge, desse modo então, como uma maneira de resistência,

abrangendo possibilidades de recuperação de sua autonomia cultural (PÁDUA, 2008). A cultura é

uma ferramenta essencial para a fabricação de alteridades (ABU-LUGHOD apud SAHLINS,

1997a:43) posto que na relação entre as culturas é que um povo descobre sua identidade própria.

Poderia se pensar que no choque entre culturas, na colonização das culturas nativas pelo

sistema cultural ocidental, ocorresse apenas desaparecimento das culturas subordinadas. Mas

pensando assim, negaríamos qualquer possibilidade de autonomia cultural indígena8 ou até mesmo

sua alteridade (SAHLINS, 1997a). Nesse encontro dialógico de duas culturas elas não se fundem

nem se confundem; cada uma mantém a sua unidade e a sua integridade aberta, mas elas se

enriquecem mutuamente (BAKHTIN, 2003, p. 366). As culturas tidas como em processo de

desaparecimento, estão na realidade se reinventando, na incorporação do sistema mundial de uma

forma mais abrangente, ao seu próprio sistema de mundo. (SAHLINS, 1997a). Esse processo de

reinvenção é o que o autor chama de indigenização da modernidade: povos indígenas9 de várias

partes do mundo estão elaborando culturalmente toda a colonização cultural que lhes foi imposta,

8 A palavra indígena é entendida aqui com o significado de nativo. 9 O conceito de povos indígenas, nesse caso, não remete apenas aos modos de resistência dos índios, mas a todos os

povos colonizados/subjulgados de alguma forma, que estão colocados à margem da sociedade como sujeitos de

direito, de desejos, de necessidades. Sendo assim, se encaixam nesse conceito, por exemplo, os índios, como

também os trabalhadores do campo, integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), do Movimento

dos Atingidos por Barragens (MAB), etc.

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num movimento de incorporação do sistema mundial aos seus próprios sistemas, e reorganizando

essas experiências segundo suas tradições e valores (PÁDUA, 2008).

Para Sahlins (1997a), a indigenização da modernidade é um processo onde as práticas e

relações tradicionais de um povo ganham novas funções e novas formas a partir da transformação

do externo em algo que seria próprio da cultura indígena, numa versão localizada da modernidade.

São versões indigenizadas, reelaboradas a partir do modo de se organizar, de interpretar, de pensar,

desses grupos. Seria uma apropriação do mundo moderno no mundo indígena, onde os objetos e

experiências externos são apropriados, para satisfazer aos interesses e fins das relações locais

(SAHLINS, 1997b).

A indigenização da modernidade pode ser interpretada como ―tentativas, conscientes e

organizadas, de reavivar ou perpetuar aspectos da cultura de um povo‖ (PÁDUA, 2008:4), sendo

também uma forma de marcar e auto-definir suas identidades, aparecendo em processos outros

como na hibridização, invenção e também inversão das disposições habituais de outros povos

(PÁDUA, 2008).

Vista assim, esse fenômeno de indigenizar culturas estrangeiras às culturas locais ou

tradicionais poderia promover uma intensificação cultural de um determinado povo, na medida em

que após o contato com as culturas externas, geralmente ocidentais, há uma reorganização da

cultura às novas condições por meio das instituições sociais já existentes. As instituições

sobrevivem, mas com novos arranjos e valores, dentro de um novo sistema social.

Outra maneira de enxergar a indigenização da modernidade é pensá-la como uma maneira

de resistência, é entender que ao invés de dominados ou colonizados, o que os povos indígenas

estão a fazer é resistindo, bravamente, quando fazem um desenvolvimento simultâneo de uma

integração global, transformando-o em uma diferenciação local. Mesmo sob peles aparentemente

bem comportadas de um mundo desejado uniforme, dos conflitos parecem emergir diferenças

insubmissas (GERALDI, 2010a, p. 105)

Uma analogia possível com relação ao termo ‗indigenização da modernidade‘ é a

‗indigenização da ciência‘. Este último seria um movimento parecido com o primeiro, onde a

educação científica seria ressignificada dentro dos moldes da cultura do cotidiano dos estudantes.

A educação científica é permeada pelo ensino de uma linguagem científica, os estudantes

são iniciados nesse novo mundo e espera-se que eles aprendam a pensar, falar, ler e escrever dentro

dos parâmetros da linguagem científica (SEPULVEDA e EL-HANI, 2006). Numa perspectiva de

ensino levando-se em conta a indigenização da ciência, seria desejável que os estudantes tivessem

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acesso a todo o ―aparato científico‖ próprio da ciência escolar, mas ao fim, incorporassem o que

lhes for interessante para satisfazer aos interesses e finalidades de suas comunidades e culturas

locais, num movimento de ressignificação das práticas locais a partir da transformação do

conhecimento externo, agora reelaborados a partir dos modos de cultura de seu povo.

No entendimento da indigenização da ciência, a aprendizagem de um determinado

conhecimento não obriga o sujeito a usá-lo em seu sistema de explicação do mundo cotidiano. Na

perspectiva da indigenização da ciência, seria dado como compreendido um conteúdo que foi

aprendido e ressignificado dentro da cultura de um povo.

Todas essas considerações sobre as relações de poder no ensino-aprendizagem de ciências,

bem como as discussões sobres as ressignificações de aspecto culturais ocidentais no seio de

culturas tidas como tradicionais, ajuda-nos a melhor analisar o processo de negociação de fronteiras

culturais que ocorrem na aprendizagem em ciências. Sendo nosso intuito compreender como os

estudantes do LeCampo se apropriaram da cultura da ciência ressignificando seus discursos, seus

pontos de vista, suas visões de mundo, enfim, suas ideologias, a partir do que aprenderam, torna-se

pertinente essa breve imersão em tais assuntos.

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2.4 - Bakhtin: diálogos possíveis entre os escritos desse autor e nossa pesquisa

Nesta pesquisa a referência teórica baseia-se em discussões que articulam a visão

sociocultural de formação dos sujeitos e de sua aprendizagem com os estudos da linguagem que se

relacionam à produção de sentidos que surge das interações discursivas.

Dentro dessa proposta de discussão, as principais referências adotadas partem de Bakhtin e

de seu círculo, já que esse autor e seus colaboradores elaboraram preceitos que, além de apontar a

linguagem como ponto de partida na investigação das questões humanas e sociais (SOUZA, 1995),

consideram o homem como um ser histórico cultural.

Nessa perspectiva, a linguagem - como atividade sígnica - destaca-se mesmo como um meio

de interação entre o sujeito e o mundo que o cerca. Na perspectiva de Bakhtin, a linguagem é

constitutiva dos sujeitos e dos processos de elaboração conceitual, pois a comunicação entre os

sujeitos não está restrita ao modelo de transporte de mensagens, onde há um emissor ativo – o

falante ou escritor – e um receptor passivo – o ouvinte ou o leitor (PAULA e LIMA, 2010). Os

sujeitos assumem papéis e funções através da linguagem. Por isso a comunicação não é apenas um

modo de emissão de mensagens. As mensagens emitidas e os contextos nos quais isso ocorre

definem os papéis dos interlocutores. A concepção de linguagem em Bakhtin, segundo Freitas

(1994) está ligada a um fenômeno social, de interação verbal. As interações entre os sujeitos apenas

serão compreendidas se estiverem devidamente interpretadas em seus contextos de formação e se o

grupo que interage, compartilha do mesmo código.

Bakhtin trata da linguagem como signo, considerando que todo signo é um fenômeno do

exterior, criado pelo homem e cuja efetiva significação só se produz na dinâmica das interlocuções

(FREITAS, 1994). Portanto, considera que a significação toma forma nos signos criados por um

grupo organizado no curso de suas relações sociais. Para esse autor, a palavra é o signo por

excelência e vai funcionar como um elo entre os sujeitos, por possibilitar a relação entre eles. A

palavra é um território comum entre eu e o outro, ela é permeada de muitas intenções e significados.

Bakhtin trata em suas obras da dicotomia entre o significado e o sentido de uma palavra.

Para ele, o significado é relativo à palavra abstrata, contempla os sentidos reiteráveis, previsíveis,

cristalizados, estabilizados e dicionarizados da língua (PONZIO et al, 2009) e o sentido

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é potencialmente infinito, mas pode atualizar-se somente em contato com outro

sentido (do outro), ainda que seja com uma pergunta do discurso interior do sujeito

da compreensão. Ele deve sempre contatar com outro sentido para revelar os novos elementos da sua perenidade (como a palavra revela os seus significados somente

no contexto). [...] Não pode haver um sentido único (um). Por isso, não pode haver

o primeiro nem o último sentido, ele está sempre situado entre os sentidos, é um

elo na cadeia dos sentidos, a única que pode existir realmente em sua totalidade.

(BAKHTIN, 2005, p. 382)

Assim sendo, o sentido acaba por configurar-se dentro de uma dimensão mais ampla de

contextualização, que exige uma compreensão ativa, uma relação recíproca e dialógica, além da

simples decodificação do significado. (FREGUGLIA e LIMA, 2009).

Nota-se que para Bakhtin o significado das palavras e todos os seus desdobramentos não

podem ser estudados ou compreendidos fora de sua ligação com um contexto. ―Não pode haver

enunciado isolado. Ele sempre pressupõe enunciados que o antecedem e o sucedem. Nenhum

enunciado pode ser o primeiro ou o último. Ele é apenas o elo na cadeia e fora dessa cadeia não

pode ser estudado” (BAKHTIN, 2003, p. 371). Assim, o sentido precisa de um contexto definido e

de indivíduos ligados por certas condições de vida para que haja compartilhamento de suas

significações. Alterações no contexto, bem como diferentes indivíduos são capazes de mudar

completamente o sentido que surge.

O sentido não quer (e não pode) mudar os fenômenos físicos, materiais e outros, não pode agir como força material. Aliás, ele nem precisa disso: ele mesmo é mais

forte que qualquer força, muda o sentido total do acontecimento e da realidade sem

lhes mudar uma vírgula na composição real (do ser); tudo continua como antes mas

adquire um sentido inteiramente distinto (a transfiguração do ser centrada no sentido). Cada palavra do texto se transfigura em um novo contexto. (BAKHTIN,

2003, p. 404)

No processo de produção de sentidos sobre um determinado assunto ocorre um

entrecruzamento de valores contraditórios, que resulta da interação dialética. É dessa contraposição

de valores, desse choque entre culturas e contextos que surgem novos sentidos para uma mesma

palavra ou assunto. O sentido produzido traduz a ideologia da produção e do contexto de produção.

Nesse processo de produção de novos sentidos, encontramos na teoria de linguagem de

Bakhtin, sua concepção dialógica do processo de compreensão, ou seja, da apropriação de um

discurso específico (SEPULVEDA; EL-HANI, 2006). Para Bakhtin a compreensão só ocorre

quando acontece o contato entre duas ou mais vozes (dialogia) e quando essas vozes se contatam,

se confrontam. Para ele não se pode interpretar a compreensão como passagem da linguagem do

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outro para a minha linguagem (BAKHTIN, 2003, p.377). Portanto, de acordo com a concepção

dialógica da linguagem de Bakhtin, a compreensão implica um mínimo de negociação de

significados entre as vozes dos sujeitos envolvidos no discurso a ser compreendido (SEPULVEDA;

EL-HANI, 2006). Ao ser interpelado pela enunciação de outrem, no processo de compreensão e

interpretação do enunciado, o interlocutor oferece suas contrapalavras. O que explica o fato de

toda relação falante-ouvinte ser dialógica por natureza, assim como é a vida (VENÂNCIO, 2011,

p. 44). Nessa perspectiva, a compreensão assume o caráter ativo, só há movimento de compreensão

quando os sujeitos estão dispostos a contrapor suas formas de ver o mundo com o discurso ou o

texto de outrem, a compreensão não pode ser passiva. Todo ato de compreensão implica uma

resposta (BAKHTIN, 1992, p. 339) Desta forma, para Bakhtin, qualquer apropriação de

conhecimento supõe alguma forma de contato entre duas ou mais vozes e, portanto, tem como parte

essencial a dialogia.

Na linguagem da vida real, todo ato concreto de compreensão é ativo: o sujeito assimila o mundo a ser compreendido em seu próprio sistema conceitual

constituído por objetos específicos e por expressões emocionais, e é

indissoluvelmente imerso na resposta, com uma concordância ou discordância motivada. De algum modo, a resposta predomina como princípio ativo: ela cria a

base para a compreensão, para uma compreensão ativa e engajada. Compreensão e

resposta são dialeticamente imbricadas e mutuamente condicionadas cada uma a outra, uma é impossível sem a outra. (BAKHTIN, 1981:282 citado por LIMA et al

2011:862)

Segundo Bakhtin (1992), compreender envolve colocar em correspondência uma série de

palavras nossas e responder com nossas contra palavras às palavras do outro, pois produzimos

enunciados que respondem ao nosso interlocutor. A compreensão, diz Bakhtin, é um processo de

apropriação da palavra do outro, ou seja, da palavra ‗não minha‘, denominada de palavra ‗alheia‘.

Na interação com o discurso alheio, faço a reestruturação do meu próprio discurso, apropriando-me

das palavras do outro, transformando-as em palavra ‗própria alheia‘, e depois, na reelaboração

dialógica do meu discurso com de outrem, crio meu discurso próprio, onde as palavras que outrora

eram alheias, agora se constituem como palavras ‗próprias‘.

Por palavra do outro (enunciado, produção de discurso) eu entendo qualquer

palavra de qualquer outra pessoa, dita ou escrita na minha própria língua ou em

qualquer outra língua, ou seja, é qualquer outra palavra não minha. Neste sentido, todas as palavras (enunciados, produções de discurso e literárias), além das minhas

próprias, são palavras do outro. Eu vivo em um mundo de palavras do outro.

(BAKHTIN, 2003, p. 379)

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O processo de compreensão leva ao esquecimento dos autores das palavras alheias, quando

esta se torna anônima, esquecem-se as relações dialógicas iniciais com a palavra do outro: é como

se elas fossem absorvidas, se infiltrassem nas minhas palavras, perdessem as aspas (BAKHTIN,

2003).

A palavra existe para o locutor sob três aspectos: como palavra neutra da língua e

que não pertence a ninguém; como palavra do outro pertencente aos outros e que

preenche o eco dos enunciados alheios; e finalmente, como palavra minha, pois, na medida em que uso essa palavra numa determinada situação, com uma intenção

discursiva, ela já se impregnou de minha expressividade. A palavra do outro se

transforma, dialogicamente, para tornar-se ‗palavra pessoal-alheia‘ com a ajuda de

outras ‗palavras do outro‘, e depois, palavra pessoal (com, poder-se-ia dizer, a perda das aspas). (GERALDI, 2010b, p. 160)

A partir do entendimento do processo de compreensão, à luz da teoria bakhtiniana, podemos

inferir que o homem é um ser de expressão bilateral, necessita da interação entre duas consciências

– a do eu e a do outro – para compreender o mundo e para se compreender no mundo, posto que ao

homem como ser isolado não são dadas as suas fronteiras temporais e espaciais, mas as fronteiras

do outro lhe são dadas integralmente (BAKHTIN, 2003). Dessa relação de profunda coexistência

entre o eu e o outro, derivam outros três grandes conceitos da teoria de Bakhtin: excedente de visão,

exotopia e acabamento. Todos eles balizados na necessidade de completude do ser humano no

outro, pois a princípio eu tomo consciência de mim através dos outros: deles eu recebo as palavras,

as formas e a tonalidade para a formação da primeira noção de mim mesmo (BAKHTIN, 2003, p.

373-374).

O excedente de visão trata de algo que está externo a nós, que não nos é alcançável, por falta

de acesso. Trata-se da possibilidade que o outro tem de ver a mim, devido à sua posição exterior

(exotópica) a meu corpo, ou seja, o sujeito tem uma possibilidade de ver mais do outro sujeito do

que de si mesmo. Tomemos para exemplo a explicação de Bakhtin (2003):

Quando contemplo no todo um homem situado fora e diante de mim, nossos

horizontes concretos efetivamente vivenciáveis não coincidem. Porque em qualquer situação ou proximidade que esse outro que contemplo possa estar em

relação a mim, sempre verei e saberei algo que ele, da sua posição fora e diante de

mim, não pode ver: as partes de seu corpo inacessíveis ao seu próprio olhar – a

cabeça, o rosto, e sua expressão -, o mundo atrás dele, toda uma série de objetos e relações que, em função dessa ou daquela relação de reciprocidade entre nós, são

acessíveis a mim e inacessíveis a ele. (p. 21)

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Nas palavras de Geraldi (2010b) o outro tem uma experiência de mim que eu próprio não

tenho, mas que posso, por meu turno, ter a respeito dele. Nesse entendimento, o excedente de visão

só se torna possível pela possibilidade que o sujeito tem de se situar fora do outro, de olhar de fora,

de estar distanciado, do lugar da exotopia. O sujeito olha o outro de um lugar, de um tempo e com

valores diferentes (PONZIO et al, 2009, p. 44). O fato de não nos completarmos, não nos

enxergarmos por completo sozinhos, faz de nós seres dependentes do outro, incompletos,

inconclusos por natureza. Quando nos olhamos, dois diferentes mundos se refletem na pupila dos

nossos olhos (BAKHTIN, 2003, p. 21). Sendo assim, nossa incompletude é revelada pelo encontro

com o outro e também acabada (no sentido de receber um acabamento estético) no encontro com o

outro. Precisamos do outro para nos completar, para nos fornecer acabamento, completude. No

desejo de completude, aproximo-me do outro, também incompleto, na ânsia de encontrar a fonte

restauradora da totalidade perdida (GERALDI, 2010b). O outro me incompleta ao procurar ao

procurar me completar. Revela ausências de mim. (PONZIO et al, 2009, p. 45)

O não-acabamento do sujeito está ligado à outra ideia que permeia a teoria bakhtiniana, a

questão da singularidade dos sujeitos. Somos sujeitos únicos e ―irrepetíveis‖, em nossa maneira de

ser e agir, em nossa visão de mundo. Isso porque

Como temos distintas histórias de relações com os outros – cujos excedentes de visão buscamos em nossos processos de constituição – vamos construindo nossas

consciências com diferentes palavras que internalizamos e que funcionam como

contrapalavras na construção dos sentidos do que vivemos, vemos, ouvimos, lemos. São estas histórias que nos fazem únicos e ―irrepetíveis‖. (GERALDI,

2010b, p. 159)

Esse excedente da minha visão, do meu conhecimento, da minha posse – excedente sempre presente em face de qualquer outro indivíduo – é condicionado pela

singularidade e pela insubstitutibilidade do meu lugar no mundo: porque nesse

momento e nesse lugar, em que sou o único a estar situado em dado conjunto de

circunstâncias, todos os outros estão fora de mim. (BAKHTIN, 2003, p.21).

Na produção de sentidos é interessante considerar ainda a definição de Bakhtin acerca dos

gêneros discursivos. Segundo esse autor, os diferentes gêneros discursivos são transmitidos social e

historicamente. Dessa forma, um determinado tipo de discurso é o resultado de estruturas e relações

sociais que repetem e são típicas de cada cultura.

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A estrutura da enunciação é determinada pelo meio social mais amplo e/ou pela

situação social mais imediata, que obrigam o discurso interno a realizar-se numa

expressão exterior definida. De acordo com esta perspectiva, ao produzir uma enunciação, um falante sempre invoca uma linguagem social, um discurso peculiar

a um certo estrato social ou grupo particular de falantes e apropria-se de um certo

repertório de fórmulas correntes estereotipadas que se adaptam ao canal de

interação social que lhe é reservado. (SEPULVEDA; EL-HANI, 2006, p. 39)

Na aprendizagem em ciências há uma especificidade discursiva do conhecimento científico

que ―torna necessário que os estudantes sejam iniciados nas ideias e práticas da comunidade

científica‖ (DRIVER, 1999). Ou seja, aprender ciências na sala de aula implica que os estudantes

sejam introduzidos numa nova comunidade discursiva, numa nova cultura, a cultura científica.

A perspectiva instável da significação, proposta por Bakhtin, conversa/interage com o

dinamismo e a instabilidade da ciência ou do conhecimento científico, pois nenhum conhecimento,

do ponto de vista da ciência, é totalmente estável. Portanto é possível fazer um paralelo entre a

estabilidade provisória do sentido da palavra com as teorias da ciência que explicam os fenômenos.

Essas últimas podem mudar a qualquer momento, assim que uma nova teoria for aceita pela cultura

científica.

É a partir desse contexto, em que a linguagem desempenha papel mediador e constitutivo

nos processos de elaboração de sentidos que ocorre nas interações entre os sujeitos, que pretendo

analisar as condições de apropriação do discurso científico sobre evolução biológica.

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CAPÍTULO 3 – Considerações Metodológicas: Um jeito de olhar para os

dados

3.1 - A pesquisa nas Ciências Humanas

Considerando-se as questões levantadas neste estudo, a abordagem metodológica escolhida

foi a qualitativa, com enfoque na perspectiva sócio-histórica.

O objetivo da pesquisa qualitativa não é testar hipóteses a fim de comprová-las ou refutá-las

ao término da pesquisa, a intenção primordial é a compreensão dos processos que se estudam.

Uma maneira de análise qualitativa de dados é a análise discursiva textual, proposta por

Moraes (2003). Conforme o autor esclarece, a análise textual qualitativa pode ser caracterizada

como uma metodologia na qual, partindo-se de um conjunto de textos ou documentos, é produzido

um metatexto, que descreve e interpreta sentidos e significados os quais o pesquisador elabora,

tendo como base o corpus de dados. Essa metodologia se fundamenta em torno de quatro focos

principais:

1. Desmontagem dos textos: implica em examinar os materiais em seus detalhes,

fragmentando-os no sentido de atingir unidades constituintes, enunciados referentes aos

fenômenos estudados;

2. Estabelecimento de relações: seria o processo de categorização propriamente dito. Implica

estabelecer relações entre as unidades de base, combinando-as e classificando-as de

maneira a compreender como esses elementos unitários podem ser reunidos na constituição

de conjuntos mais complexos, denominados categorias.

3. Captação do novo emergente: há um processo de intensa impregnação nos materiais da

análise, desencadeada pelos dois estágios anteriores (desmontagem dos textos e

estabelecimento de relações) que torna possível a emergência de uma compreensão

renovada do todo. O metatexto resultante desse processo representa um esforço em

explicitar a compreensão que se apresenta como produto de uma nova combinação dos

elementos construídos ao longo dos passos descritos;

4. Um processo auto-organizado: O ciclo de análise descrito nos três passos anteriores, em seu

todo constitui um processo auto-organizado do qual emergem novas compreensões.

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Em resumo, a análise textual discursiva é uma metodologia qualitativa que pode ser julgada

como um processo auto-organizado de construção de compreensão no qual há surgimento de novos

entendimentos. Moraes (2003) faz uma analogia entre esse processo e uma tempestade de luz, onde

do meio caótico e desordenado, formam-se flashes fugazes de raios de luz iluminando os

fenômenos investigados, que possibilitam, por meio de um esforço de comunicação intenso,

expressar novas compreensões atingidas ao longo da análise.

Na primeira etapa do processo, a desmontagem dos textos, há algumas discussões

pertinentes, entre elas, a de leituras e a de significações de um texto.

Para Moraes (2003), todo texto possibilita uma multiplicidade de leituras e cada uma delas é

uma interpretação. Portanto não haverá uma única interpretação possível, mesmo que possam

ocorrer semelhanças entre elas, um texto sempre possibilitará múltiplas significações. Isso é

possível, em parte, por causa da polissemia que se encontra implícita em qualquer texto, permitindo

diferentes tipos de leituras e interpretações (IDEM, 2003).

... nenhum leitor comparece aos textos desnudado de suas contrapalavras de modo

que participam da compreensão construída tanto aquele que lê quanto aquele que escreveu, com predominância do primeiro porque no diálogo travado na leitura o

autor se faz falante e se faz miúdo nas muitas palavras cujos fios de significação

reconhecidos são reorientados segundo diferentes direções impostas pelas contra

palavras da leitura. (GERALDI, 2010a:133).

Nesse caminhar da interpretação, estamos sempre utilizando as palavras para nos fazermos

entender e entender ao outro.Como falamos sempre pela palavra do outro, pois somos sempre

dependentes do que já foi dito, nossos enunciados também se mostram como réplicas de um diálogo

que incorpora e se apropria do discurso de outrem (RAMOS e SCHAPPER, 2010). Dessa forma, a

análise textual se mostra como um esforço de colocar entre parênteses as próprias ideias e teorias

e exercitar uma leitura a partir da perspectiva do outro (MORAES, 2003:193).

A matéria-prima da análise textual é um conjunto de documentos, denominado corpus,

formado essencialmente de produções textuais10

(MORAES, 2003).

Com relação ao corpus de análise, o autor constrói uma reflexão importante de que os

―dados‖ que compõem o corpus da análise não nos são dados, mas sim construídos a partir de suas

análises em relação com o referencial teórico utilizado pelo pesquisador. Nesse sentido, os textos

10 O autor explica que ao utilizar o termo ‗texto‘, não se refere exclusivamente no sentido das produções escritas, mas

que o termo dever ser entendido num sentido mais amplo, que inclui imagens e outras expressões linguísticas,

aproximando-se a ideia de textos como discursos.

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não trazem consigo apenas significados a serem identificados, são também significantes que

anseiam uma construção de significados com base nas teorias e pontos de vista do pesquisador

(IDEM, 2003). O referencial teórico adotado na pesquisa, de alguma maneira, irá se revelar na

análise dos dados. Também pode acontecer que o uso de outras teorias (não planejadas no início)

torne-se viável ou necessário a partir da e para a análise dos dados.

Esse processo exige um posicionamento ativo do pesquisador que passa a ser autor das

interpretações que constrói sobre o corpus de dados que analisa. Nesse exercício de interpretar os

textos e reinterpretá-los criando novos sentidos aos discursos investigados, é importante que o

pesquisador esteja ciente de que, ao analisar os dados, é influenciado pela multiplicidade de vozes

que há aí, ainda que o mesmo esteja a fazer suas leituras próprias a partir de seus referenciais

(MORAES e GALIAZZI, 2007).

Quanto à validação da análise e à construção do texto interpretativo dessa análise é

interessante que o pesquisador tenha consciência dos limites desses processos. Nenhuma análise,

por melhor que seja, consegue abranger o fenômeno investigado em sua totalidade (MORAES e

GALIAZZI, 2007), pois os resultados de uma análise trazem apenas uma versão parcial e

incompleta dos fenômenos investigados. Isso porque, mesmo examinando o mesmo conjunto de

informações, cada investigador pode construir compreensões diferentes do mesmo fenômeno, o que

demonstra que os fenômenos são sempre mais ricos do que a linguagem consegue expressar.

Esse aspecto de incompletude da análise de certo modo está em consonância com o

entendimento de Bakhtin sobre o sujeito e sua singularidade (BAKHTIN, 2003). Cada sujeito

(pesquisador) é único e traz consigo, em suas análises, as particularidades de sua formação sócio-

histórica, que acabam por serem ―limitadores‖ de suas interpretações, sejam elas sobre o mundo ou

sobre seus dados analisados.

A abordagem sócio-histórica como metodologia de estudo acredita que a pesquisa é vista

como uma relação entre sujeitos (o sujeito pesquisado e o pesquisador). Pensando assim, não faz

sentido falar de objeto da pesquisa, mas de sujeitos – ser expressivo e falante (BAHKTIN, 1995) e,

consequentemente, dos discursos que circularam, postos em relação e negociados por esses sujeitos,

como esforço de entendimento. A centralidade dos sujeitos na pesquisa em oposição aos objetos, já

que estamos investigando discursos, decorre da compreensão de que os sujeitos do campo são

possuidores de suas próprias vozes e que são capazes de construir conhecimento sobre a realidade

deles, o que o torna coparticipante do processo de pesquisa. Dessa perspectiva advém então a ideia

de conceber a pesquisa como uma relação entre sujeitos (FREITAS, 2003). Nesse sentido, há uma

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radicalidade enorme ao assumir que há uma grande diferença entre falar de objetos de pesquisa e de

sujeitos e discursos investigados, de acordo com o referencial adotado.

Qualquer objeto do saber (incluindo o homem) pode ser percebido e conhecido

como coisa. Mas o sujeito como tal não pode ser percebido e estudado como coisa

porque, como sujeito e permanecendo sujeito, não pode tornar-se mudo; consequentemente, o conhecimento que se tem dele só pode ser dialógico.

(BAHKTIN, 2003, p.400)

A objetificação dos sujeitos, isto é, a transformação deles e de seus discursos em objetos de

pesquisa, está consistentemente criticada em toda a obra de Bakhtin e ainda mais especificamente

em ―Questões de literatura e estética‖ (BAKHTIN, ANO). Portanto, o mundo ético e o mundo

estético estão na base da arquitetura de toda a obra do autor e significa para nós condição primeira

para falar de pesquisa em educação. Queremos dizer com isso que a concepção de sujeito orienta os

modos de pesquisar nas ciências humanas e, portanto, consistem dados a serem analisados .

Considerado como ser falante, o sujeito da pesquisa sempre irá se manifestar através da expressão

das suas ideias e isso se dará por meio de textos (enunciados, falas). Se não houver a construção de

textos pelos sujeitos da pesquisa, não haverá objeto de estudo e logo, não haverá o que investigar

(FREITAS, 2003). Por isso, pode-se dizer que o modo de investigação das ciências humanas é a

interpretação dos textos criados. Para Bakhtin (2003), ―toda interpretação é o correlacionamento de

dado texto com outros textos‖ (p.400). A interpretação ou cotejamento de textos é que permite às

ciências humanas o estudo dos sujeitos, pois é nesse movimento de construção dos textos que se

torna possível analisar o encontro entre sujeitos. Ora, se o sujeito pesquisado fornece ao pesquisador

textos que, por sua vez, trazem em si diferentes vozes constituintes, a interpretação desses textos só

é possível com o cotejamento das vozes que estão presentes nesses textos, com outras vozes

presentes em textos outros. Encontro de vozes, encontro de sujeitos, de autores. Diálogo. Por isso,

temos que admitir o caráter dialógico da pesquisa nas ciências humanas.

Ao trabalharmos com a abordagem sócio-histórica acreditamos assumir o caráter histórico-

cultural do objeto de estudo e do próprio conhecimento, como uma construção que se realiza entre

sujeitos, dando uma visão mais humanizada à construção do conhecimento (FREITAS, 2003).

Corroborando com a nossa escolha, Freitas (2003), descreve algumas características

distintas da pesquisa qualitativa que nos ajudam a justificar nossa escolha por tal abordagem

metodológica.

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A fonte dos dados é o texto (contexto) no qual o acontecimento emerge,

focalizando o particular enquanto instância de uma totalidade para, através deles,

compreender também o seu contexto.

As questões formuladas para a pesquisa não são estabelecidas a partir da

operacionalização de variáveis, mas se orientam para a compreensão dos fenômenos em toda a sua complexidade e em seu acontecer histórico, isto é, não se

cria artificialmente uma situação de investigação no seu acontecer, no seu processo

de desenvolvimento.

O processo de coleta de dados caracteriza-se pela ênfase da compreensão,

valendo-se da arte da descrição que deve ser completada, porém, pela explicação dos fenômenos em estudo, procurando as possíveis relações dos eventos

investigados numa interação do individual com o social.

A ênfase da atividade do pesquisador situa-se no processo de transformação

e mudanças em que se desenrolam os fenômenos humanos, procurando reconstruir a história de sua origem e de seu desenvolvimento.

O pesquisador é um dos principais instrumentos da pesquisa porque, sendo

parte integrante da investigação sua compreensão se constrói a partir do lugar sócio

histórico no qual se situa e depende das relações intersubjetivas que estabelece com os sujeitos com quem pesquisa.

O critério que se busca numa pesquisa não é a precisão do conhecimento,

mas a profundidade da penetração e a participação ativa tanto do investigador

quanto do investigado, disso resultam que o pesquisador e pesquisado têm

oportunidade para refletir, aprender e ressignificar-se no processo de pesquisa. (idem, p.27-28)

3.2 – A construção dos dados

Tendo em vista uma perspectiva metodológica coerente com nosso referencial teórico,

descreveremos os modos pelos quais os dados foram construídos e como procedemos à suas

análises.

O presente estudo se desenvolveu com uma turma de 37 alunos em formação docente, no

curso de Licenciatura em Educação do Campo da UFMG, na habilitação em Ciências da Vida e da

Natureza. Os estudantes em questão cursavam o sexto período do curso quando estudaram ‗A

História da vida na Terra‘. A presente pesquisa está circunscrita a essa disciplina na qual são

abordadas questões sobre a origem da vida no planeta, assim como as teorias evolucionistas de

Darwin e Lamarck.

A carga horária total da disciplina de História da vida na Terra é de 45 horas/aula, sendo que

desse total, 32 horas/aula são dedicadas ao Tempo Escola e 13 horas/aula são voltadas para a

realização das atividades do Tempo Comunidade (realização de trabalhos, resolução de exercícios,

pesquisas de campo, estudo, etc.). As 32 horas/aula do Tempo Escola foram divididas em 8 turnos

de aula, cada um composto de 4 horas/aula, ministrados ao longo de uma semana

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A professora que ministrou as aulas dessa disciplina é uma profissional com longa

experiência na docência e na formação de professores, aposentada e professora visitante do curso de

Educação do Campo. Ela é formada em biologia pela UFMG e mestre em ecologia pela

Universidade de Brasília - UNB. Esteve envolvida desde a criação do curso de educadores do

campo na UFMG. Já havia lecionado para a turma inicial de 2005 intitulada de Pedagogia da Terra

– PTerra e teve papel ativo na construção dos preceitos pedagógicos e nas definições do currículo

do curso. A docente, oriunda do ICB/UFMG, formada no curso de História Natural, já trabalhava

com a turma desde o início do curso, colaborando em diversas disciplinas, como professora e autora

dos materiais didáticos utilizados nessa formação. Desse modo, o contato e a proximidade com os

estudantes da licenciatura do campo vinham ocorrendo desde o primeiro semestre do curso. Isso

pode explicar o ambiente agradável de ensino que permeava as aulas e as atividades propostas. A

interação e a cumplicidade entre a professora da disciplina e os estudantes da licenciatura do campo

eram inegáveis, sendo publicamente elogiada pelos docentes e discentes do curso. Queremos dizer

com isso que os estudantes acabavam por participar das aulas com visível entusiasmo, além de

realizarem as atividades propostas sem maiores constrangimentos com a presença da orientadora de

aprendizagem, fazendo os registros e participando das atividades como era esperado por ela.

Os dados utilizados nesta pesquisa foram coletados por meio de trabalhos solicitados aos

estudantes pela professora regente da disciplina; do material didático impresso utilizado no curso,

intitulado Guia do aluno; da ementa e do plano de curso da disciplina; entrevista gravada em áudio

com a professora e transcrita para efeito de análise; dos registros em caderno de campo da

pesquisadora que desenvolvia a função de orientadora de aprendizagem.

O principal material de análise desta pesquisa é composto por um conjunto de 23 atividades,

uma de cada licenciando, que foram realizadas em sala de aula do curso. As atividades nos foram

gentilmente disponibilizadas pela professora que ministrou as aulas em questão e fazem parte dos

arquivos de trabalhos do curso. Cada uma dessas atividades já era do conhecimento da orientadora

de aprendizagem, pois o trabalho dela consistia inclusive em auxiliar nas correções e controle de

trabalhos entregues, bem como na devolutiva dos mesmos, em alguns casos, de um semestre para

outro entre os tempos escola e comunidade. A turma era composta de 37 estudantes, 31 deles

estiveram presentes nos dias de aplicação da atividade, mas somente 23 atividades foram utilizadas

em nossas análises, em função dos critérios adotados para análise e que serão discutidos na seção

3.3.

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64

A atividade em questão originou-se da resolução de um exercício contido no Guia do aluno

que é parte do material didático utilizado no curso, produzido pelos professores das disciplinas.

Logo no início da disciplina, na primeira aula, após fazer uma breve apresentação dos assuntos que

seriam abordados ao longo da disciplina e das estratégias de ensino a serem utilizadas, a professora

orientou a realização da atividade 1 do Guia do aluno. A atividade a ser desenvolvida

individualmente era intitulada Explicando a diversidade. A orientação consistia em examinar uma

figura (Figura 1) que ilustrava vários seres vivos – duas crianças, uma menina e um menino, um

jacaré, um pássaro, uma borboleta e uma planta. O objetivo era identificar e registrar por escrito as

semelhanças que acreditavam existir entre esses seres.

Em seguida, os estudantes foram convidados a socializar com os colegas suas impressões

sobre a imagem observada e a citarem o que haviam encontrado de semelhanças. A professora

anotou no quadro todas as contribuições e logo começou a discutir com os mesmos as contribuições

de cada um.

Figura 1 – Desenho contido na proposta de atividade 1 do Guia do estudante

Após essa primeira intervenção, solicitou que fizessem a segunda parte da atividade que não

constava do guia, mas que foi incluída por ela em decorrência de um estudo recente que havia feito

de formação intercultural (Aikenhead, 2009). Entregou a eles uma folha de papel em branco, pediu

que eles a dividissem ao meio fazendo um traço e que ali, numa das metades da folha, elaborassem

um desenho ou um texto explicativo de como cada um compreendia a diversidade biológica que

existe em nosso planeta. Foi solicitado ainda aos estudantes que ao fazerem essa atividade, eles

tentassem relacionar suas explicações sobre a diversidade biológica a partir das suas

histórias/conhecimentos pessoais sobre o assunto. Essas produções foram recolhidas pela professora

e guardadas até o último dia de aula da disciplina quando voltaram para a discussão final e

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fechamento da disciplina. A professora devolveu as produções para cada um de seus autores e pediu

que, na outra parte da folha de papel, a que estava em branco, explicassem o que havia mudado e o

que não havia mudado nas explicações deles sobre diversidade biológica. Teriam que comparar o

que eles pensavam antes de estudarem as ideias evolucionistas e o que havia mudado ou não depois

do ensino. É esse material, compreendido como duas produções, que foi mais detidamente analisado

nessa pesquisa.

Por questão de entendimento e organização do nosso trabalho de análise, vamos nomear de

Primeiro texto o que foi realizado no primeiro dia de aula. E consequentemente, chamaremos de

Segundo texto, a segunda parte da atividade que teve sua realização no último dia de aula.

A escolha por trabalhar com os textos/desenhos produzidos pelos estudantes da licenciatura

do campo está fundamentada na perspectiva sócio-histórica. Nosso desafio é flagrar o movimento

discursivo dos sujeitos, ainda que o que vem antes e depois tenha elementos de um discurso

interrompido, porém passível de ser preenchido ou significado como movimento de vir a ser.

Esse movimento interlocutivo é um acontecimento constituído pelos textos criados, pelos enunciados que são trocados. Os sentidos construídos emergem dessa relação

que se dá numa situação específica e que se configura como uma esfera social de

circulação de discursos. Os textos que dela emergem marcam um lugar específico

de construção do conhecimento que se estrutura em torno do eixo da alteridade, possibilitando o encontro de muitas vozes que refletem e retratam a realidade da

qual fazem parte. (FREITAS, 2007, p. 10)

Nesse sentido, Bakhtin nos ajuda a compreender que os textos produzidos e os discursos que

circulam em sala de aula, por exemplo, são todos enunciados que se originam de sujeitos, os quais

são constituídos por diferentes histórias, marcadas pelos lugares sociais que cada um ocupa e

também pelas marcas culturais impregnadas em cada indivíduo (BARROS, 2005 – p. 26).

A análise do nosso corpus de dados consistiu em 3 etapas, como descrito a seguir:

I) Na primeira etapa analisamos apenas o primeiro texto. Tomamos para análise os desenhos e

esquemas também como textos por considerar que os mesmos também exprimem enunciados, sem

distinção entre eles. Em outras palavras, voltamos nosso esforço de significação para os textos que

os estudantes fizeram no início da disciplina, os quais foram caracterizados e descritos quanto:

1. À presença de desenhos (imagens, figuras), textos escritos ou as duas modalidades;

2. A posição criacionista ou evolucionista indiciada pelas marcas/pistas deixadas.

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II) Na segunda etapa de análise analisamos em separado o segundo texto, ou seja, os textos

produzidos ao final da disciplina, conforme os mesmos critérios adotados para os primeiros.

III) Por fim, os textos foram analisados em conjunto, estudante por estudante, quer dizer, o primeiro

texto ao lado do segundo texto, comparando-se um texto com o outro para avaliar se houve entre

eles uma relação de contraposição, de manutenção de pontos de vista ou até mesmo de

complementaridade de informações como se fosse uma peça única de discurso. Isso foi feito com o

intuito de que, por meio do cotejamento dos textos, pudéssemos perceber as relações estabelecidas

entre o discurso científico sobre evolução biológica praticado no curso e as ideias evolutivas que os

estudantes apresentaram em sala de aula, às vezes problematizadas como uma forma de confronto

de perspectivas. Tinha-se também como objetivo identificar os sentidos produzidos sobre o conceito

de evolução biológica que surgiram na realização dessa atividade em sala de aula.

Concomitantemente também analisamos o material didático escrito utilizado no curso –

Guia do aluno - (produzido pela própria professora que ministrou as aulas), bem como a ementa e o

plano de curso da disciplina ministrada. Nosso intuito foi o de, por meio dessas análises e como

consequência dessa pesquisa, podermos também avaliar o conteúdo e a pertinência da disciplina,

bem como as estratégias de ensino utilizadas para produzir contra palavras nos estudantes acerca da

evolução biológica. Para complementar nosso entendimento sobre a aula em questão foi preciso

fazer um estudo do próprio conteúdo nas disciplinas da biologia no que se refere à relação entre

diversidade biológica e evolução. Lacunas que foram sendo encontradas na medida em que se

produziam as análises foram preenchidas com dados de entrevista feita com a professora.

Não esquecendo a questão ética na pesquisa em educação, como nos alerta Lima (2006),

para que não haja nenhuma circunstância que possa levar os sujeitos pesquisados ao

constrangimento, os envolvidos na pesquisa tiveram suas identidades preservadas pela mudança de

seus nomes.

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CAPÍTULO 4 – Nossas análises: o que os dados nos dizem

4.1 – A análise do material didático

Na busca por um melhor entendimento de quais modelos de explicação sobre evolução

biológica foram usados nas aulas de História da vida na Terra e quais os possíveis discursos que

foram postos em circulação, analisamos o material didático utilizado durante o curso dessa

disciplina.

O material didático analisado é parte integrante do „Guia do estudante‟, que é uma

compilação dos materiais didáticos de todas as disciplinas que são cursadas pelos estudantes em

cada período do curso. O material que foi alvo de nossas análises é oriundo do „Guia do estudante‟

do sexto período do curso de Licenciatura em Educação do Campo, da turma que cursava a

habilitação de Ciências da Vida e da Natureza. O material é constituído de textos didáticos e

exercícios que foram elaborados pela professora que ministrava as aulas ou então com textos anexos

retirados de livros didáticos de ciências11

.

A forma como o material foi elaborado permite aos estudantes o movimento de circulação

de culturas proposto por Bakhtin (1993), a circularidade, primeiramente porque os estudantes têm a

possibilidade de se expressarem conforme os seus próprios contextos culturais, sem o receio de

receberam punições ou reprovações por serem considerados ―não científicos‖. Na verdade, os

estudantes são convidados desde a primeira página do material didático a expressarem suas

convicções pessoais acerca do assunto tratado. A professora faz um texto de introdução da

disciplina onde chama os alunos a trazerem para sala de aula suas explicações e crenças.

Nesta disciplina vamos estudar algumas explicações elaboradas ao longo do

tempo sobre a diversidade dos seres vivos, sobre como e quando a vida apareceu.

Para discutir essas proposições convidamos você a trazer para sala de aula artigos que você leu, suas ideias sobre as explicações evolutivas, buscar na

biblioteca os livros especializados para orientar suas leituras, buscar respostas

para duvidas e questões que você não compreendeu. Não se esqueça de anotar em seu caderno as nossas discussões com as ideias sistematizadas.

11 Os textos anexos foram retirados da coleção didática ―Construindo consciências‖.

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Outro trecho que evidencia a intenção da professora em colocar culturas em circulação e/ou

confronto ao preparar as aulas e o material didático está contido nos objetivos do curso, listados

pela professora.

Ao final do curso o aluno deverá ser capaz de:

- identificar evidências de parentescos entre os seres vivos;

- analisar as explicações existentes sobre as origens da diversidade dos seres

vivos.

- explicar as transformações da Terra e dos seres com base na análise dos fosseis.

- reconhecer algumas características da natureza da ciência usando informações

sobre a história dos conhecimentos humanos sobre evolução.

A circulação de culturas também foi promovida pela realização das atividades propostas

pelo material, nas quais os estudantes tiveram a oportunidade de se deixarem emergir, quer pelas

suas culturas próprias, quer pela cultura da ciência ocidental, no debate dessas ideias. Essa prática

nos remete a circularidade proposta por Bakhtin (1993), em que há uma influência recíproca entre

as culturas. A própria atividade que gerou os dados desta pesquisa é um exemplo de como as

culturas foram postas em circulação e discussão, revelando a natureza dialógica do exercício.

Quando a professora solicita inicialmente aos estudantes que escrevam ou representem como eles

explicam a diversidade de seres na Terra, ela não está interessada se eles trarão para suas

explicações ecos, indícios ou marcas do conhecimento científico. O interesse maior dela12

era fazer

emergir o conhecimento que os estudantes já tinham sobre a evolução biológica, o que fica evidente

na seguinte instrução da atividade: ―Tente relacionar suas explicações com sua história sobre a

formação de seus conhecimentos”. Outros enunciados de exercícios também nos revelam essa

natureza dialógica ao abrir espaço para o estudante dizer o que ele acha que é correto, que é

diferente do enunciado que pede qual é a resposta correta.

Leia, discuta e argumente sobre a função didática dessas questões de evolução

para os estudantes.

1 – Marque as palavras que você acha que estão relacionadas com evolução:

Transformação- Progresso- Aprimoramento- Aptidão – Hereditariedade- Adaptação- Competição- Sobrevivência- Extinção- Seleção.

2- Que seres você acha que ainda estão evoluindo? Por quê?

12 Essa informação foi complementada através de entrevista realizada com a professora.

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3 – Como o conhecimento humano tem explicado a diversidade de espécies no

planeta Terra?

Outro tipo de discurso posto em circulação durante as aulas e que está presente no material

didático é o discurso científico sobre evolução biológica. A professora ao produzir o material

didático também incluiu as evidências científicas para explicar a evolução: dados bioquímicos,

dados da embriologia, dados da anatomia comparada, dados dos órgãos vestigiais, registro fóssil.

As teorias evolucionistas também se encontram presentes no material, perpassando desde os

contributos de Lamarck, Darwin, o neodarwinismo e teoria sintética da evolução. Trata ainda das

explicações científicas para a origem da vida.

Podemos ressaltar quea além da circulação de culturas populares também houve a circulação

do conhecimento científico no material didático utilizado pelos estudantes.

Observamos que a maneira como a professora conduziu a construção do material didático

aqui analisado, proporcionou aos estudantes não somente a liberdade para exporem suas crenças

pessoais como também oportunizou a eles o conhecimento do discurso científico, fazendo

contrapontos entre uma forma e outra de explicar a evolução, promovendo a permeabilidade entre

as culturas indicada por Ginzburg (1987). Essa forma de encarar a relação de ensino-aprendizagem

pode trazer importantes contribuições na maneira como os estudantes se posicionam diante do

discurso hegemônico da ciência. Ao dar abertura para a discussão de outros modos de explicar a

evolução biológica sem desmerecer ou diminuir a importância dessas outras formas de explicação, o

material didático acaba por reequilibrar as relações de poder dentro da discussão da ciência, já que a

relação entre a cultura popular e a cultura hegemônica é marcada por conflitos e dissonâncias

(BAKHTIN, 1993).

Foi tendo em vista esse panorama dado pela análise do material didático que partimos para

as análises das atividades dos estudantes que compuseram o corpus desta pesquisa.

4.2 – A análise da primeira produção

O conjunto de atividades que forma o corpus de análise desta pesquisa resultou de uma

atividade regular de ensino realizada em sala de aula, como mencionado anteriormente, e era

formado por 31 produções dos estudantes. Ao iniciarmos nossas análises sentimos a necessidade de

se fazer uma seleção das atividades que seriam tomadas como dados. Do total das 31 atividades, 8

foram excluídas de nossas análises. Fizemos isso porque ao propor a referida atividade, a intenção

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da professora, conforme nos relatou em entrevista, era seguir a metodologia do caderno dicotômico

mencionado por Aikenhead (2009). Para isso, os estudantes realizaram seus registros em duas

etapas, uma no início das discussões e a outra ao final, depois que os assuntos foram estudados em

sala de aula. O critério para a exclusão de 7 das 8 atividades foi baseado em indícios contidos

nesses exercícios de que os mesmos foram realizados no mesmo dia: datas coincidentes nas duas

colunas da atividade, expressões temporais como ‗semana passada eu pensava assim‘ ou ‗antes eu

pensava assim‘ escritos na coluna da esquerda do exercício. O uso de tempos verbais no passado

indicaram para nós que os estudantes estavam fazendo ambas as reflexões no presente da

enunciação. Em outras palavras, diziam no primeiro texto como pensam antes e não como estariam

pensando naquele primeiro momento presente. Dentre as atividades excluídas, uma delas também

não foi analisada porque a aluna só realizou apenas a segunda parte da atividade, de um único lado

do ‗caderno dicotômico‘ (o lado direito referente ao ―depois‖). Por essas características, as

atividades não cumpriram com seu objetivo de criar um quadro de comparação entre os

conhecimentos que os estudantes apresentavam antes e depois das aulas ministradas sendo,

portanto, desprezadas suas apreciações. Então, das 31 atividades iniciais, restaram 23 que fizeram

parte do nosso estudo.

Na análise da primeira produção dos 23 estudantes, 6 deles utilizaram apenas textos para se

expressarem; 12 estudantes valeram-se de desenhos ou esquemas, acompanhados de textos e 5 deles

usaram somente desenhos para explicar a diversidade biológica. O número reduzido de estudantes

que utilizaram apenas desenhos para realizar a atividade proposta pode ser explicada pela grande

dificuldade de expressar somente através de desenhos conceitos tão abstratos quanto os que

envolvem as ideias evolutivas. Explicar a diversidade da vida é muito complexo, portanto, traduzir

as explicações para esse acontecimento através de um único desenho não é tarefa fácil. Nessa linha

de raciocínio, podemos pensar que a escolha dos outros 12 estudantes por mesclarem textos com

desenhos se fez por considerarem que uma forma de texto complementaria a outra na tarefa de

explicar a diversidade de seres. Isso também pode nos ajudar a entender porque dentre os cinco

estudantes que fizeram somente desenhos, quatro se utilizaram de uma figura muito comum em

livros didáticos de ciências ou mídias de divulgação para representar a evolução, o desenho de uma

árvore para representar a diversidade de seres existentes, conhecido como árvore da vida ou árvore

filogenética. O desenho da árvore é muito utilizado para expressar a visão biológica sobre a questão

da origem da vida e da evolução dos seres vivos. Isso nos leva a pensar em outra hipótese de

explicação para o uso das árvores como representação das explicações dos estudantes. Como esta é

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uma figura muito representativa no meio do ensino de ciências, os estudantes podem ter preferido

sua utilização pelo fato de acreditarem que assim estariam respondendo de forma satisfatória ao que

a professora havia pedido na atividade.

A análise quanto à perspectiva teórica adotada pelos estudantes – criacionista ou

evolucionista 13

– em seus discursos, está sintetizada no Quadro I:

Quadro I. Perspectiva adotada pelos estudantes para explicar a diversidade

Criacionismo 2

Criacionismo e

Evolucionismo

2

Evolucionismo 16

Outras 3

4.2. 1. Explicações iniciais e suas perspectivas

a) A perspectiva criacionista

A categorização dos discursos de dois estudantes como criacionistas está embasada em

passagens dos textos destes sujeitos. O estudante Henrique14

explica textualmente a diversidade de

vida que existe em nosso planeta a partir do sopro da vida, como explicitado em seu texto: “A partir

do sopro. As coisas começaram a existir conforme seleção divina”. Henrique ainda faz um desenho

que representa o sopro da vida (Figura 2).

13 O critério analisado para classificação das explicações dos estudantes como criacionistas foi a presença de termos ou

desenhos que mencionassem a questão divina como, por exemplo, a criação divina de seres ou a seleção divina dos

seres que evoluíram. Já os textos classificados como evolucionistas apresentaram mesmo que de maneira não

satisfatória termos do discurso evolucionista como espécie, adaptação, seleção natural, etc. 14 Os nomes dos estudantes são fictícios para preservar a identidade dos mesmos e garantir o anonimato dos sujeitos

autores das produções.

Figura 2 – Desenho do estudante Henrique

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A estudante Priscila não utilizou desenhos ou esquemas figurativos e sua explicação

evidencia a presença divina, como se segue:

No princípio, criou Deus o céu e a terra, com o toque do criador entre a água

surgiu o firmamento. Assim, surgiram os peixes e outras espécies como os seres

humanos. Assim, surgiu a vida humana.

b) A dupla perspectiva: criacionista e evolucionista

Os dois estudantes que adotaram a dupla perspectiva, Augusto e Fátima, utilizaram tanto o

discurso criacionista quanto o evolucionista. Contudo, Augusto apresentou seus argumentos

criacionistas como que em complementariedade às suas explicações evolucionistas. Os enunciados

1 e 2 se aproximam das explicações evolucionistas para a diversidade biológica, mostrando que

Augusto tem conhecimento das ideias evolucionistas e faz uso delas em suas explicações. Porém,

no enunciado 3 enfatiza a diversidade como uma criação divina , como podemos observar no texto

desse aluno:

1 – São seres vivos isolados, cada um com sua espécie definida.

2 – Os seres se adaptam de acordo com o ambiente.

3 – A diversidade existe porque foi uma criação de Deus e uns contribuem com a vida dos outros.

Na explicação de Fátima ocorreu a separação bem definida entre as duas perspectivas,

criacionista e evolucionista para explicar a diversidade de vida na Terra. Como podemos observar

nos trechos transcritos a seguir.

- Deus criou o mundo, fez a luz e tudo o que nele há, sendo criados os animais de

todas as espécies e o ser humano, através de um sopro no molde de barro.

- Com a explosão do Big Bang originou-se através de milhões de anos, formas simples na água, que foram as bactérias. Estas foram evoluindo, sofrendo

modificações, e sendo agrupadas as diversas formas de seres vivos de acordo com

suas características em reino, ordem, classe, filo e espécies.

No primeiro parágrafo não aparecem elementos da teoria evolucionista, todos os seres que

existem, foram criados por Deus, através do sopro no molde de barro. Na segunda perspectiva, a

que traz ecos do discurso científico, Fátima traz para o texto conhecimentos sobre a origem da vida

relacionados ao Big Bang, além de usar explicações que rementem ao discurso evolucionista,

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quando diz que os seres foram sofrendo modificações.

Augusto e Fátima não parecem se preocupar com o fato de um mesmo fenômeno ter duas

explicações diversas. Nenhum indício textual evidencia um esforço pessoal de colocar essas duas

perspectivas em diálogo como, por exemplo, tentar dizer que embora a explicação para a origem da

vida esteja embasada na explosão inicial, o Big Bang, também foi criado por Deus. Ou seja, Fátima

apresenta a versão criacionista antes da explicação científica, sem a preocupação de que haja

coerência entre os discursos utilizados. Eles apenas tomam cuidado de demonstrar que conhecem as

duas perspectivas. Sepulveda e El-Hani (2006) mencionam em seu trabalho que é comum a busca

pela integração entre os elementos dos modelos explicativos científicos e a concepção teísta da

relação entre Deus e Natureza, propondo uma espécie de síntese entre as duas visões, construindo

assim versões pessoais de criacionismo. Outro dado interessante a se observar é quanto à disposição

dos textos de ambos os estudantes. Eles foram escritos em tópicos – dando-nos indícios de que os

discursos apesar de estarem dispostos de maneira próxima, abordam perspectivas diferentes e que

talvez não possam dialogar entre si. Por isso, foi feita a separação bem demarcada dos mesmos.

c) Outras perspectivas: nem criacionista, nem evolucionista

Pedro, Rodrigo e Guilherme apresentam uma posição nem

criacionista, nem evolucionista. Isso porque, apesar de não explicitarem

elementos que remetam a uma criação divina, também não usam termos

ou expressões próprias da perspectiva evolucionista. O que acontece no

caso de Pedro e Rodrigo é que os estudantes parecem não compreender

o que a professora quer dizer com diversidade biológica ou não

dominam o conceito científico e, portanto, não conseguem explicá-lo.

No caso de Pedro, há um nítido esforço para responder a pergunta

lançada em sala de aula, uma tentativa de explicitação de como o

estudante compreende a diversidade. O que nos habilita a fazer tal

afirmação é que o estudante parece reconhecer a diversidade como

sendo a relação simbiótica entre duas plantas, o umbuzeiro e o ninho de

passarinho, como mostrado na explicação dele e na figura 3.

Figura 3 – Desenho de Pedro

para explicar a diversidade

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Um umbuzeiro no período de produção é uma planta que nasce sobre ele, que é

chamada popularmente por ninho de passarinho. No período da seca porque as

plantas perdem todas as folhas, mas o ninho de passarinho não perde a folha.

A explicação que o aluno trás para seu texto é da cultura própria de vida dele, da sua

vivência, pois o exemplo utilizado é muito peculiar. Apesar de incorporar o discurso científico,

Pedro não demonstra compreender o conceito de diversidade biológica do ponto de vista da ciência,

ou pelo menos aparenta não conseguir explicitá-lo utilizando ideias evolutivas. Apesar de utilizar

um exemplo prático de simbiose, do cotidiano de vida dele, representa a diversidade como a

convivência entre dois seres em um mesmo ambiente ou até mesmo em um mesmo ser.

Enquanto isso, o estudante Rodrigo que também não reconhece e nem explica o conceito de

diversidade, nos dá a entender que não há esforço de significação, isso porque sua resposta para o

exercício é um grande ponto de interrogação (Figura 4).

Dizemos que Guilherme, diferentemente dos outros dois estudantes, reconhece o conceito de

diversidade, porque em seu texto estão presentes referências aos vários seres vivos.

A diversidade biológica e a interação dos seres vivos entre si o que torna possível a vida na Terra. Os animais dependem dos alimentos produzidos pelas plantas.

Precisam do ar e da água. As plantas por sua vez, dependem da luz solar, do ar,

da água e dos animais que polinizam suas flores ou dispersam suas sementes. Enquanto que a manutenção da vida na Terra conta ainda com a ação dos

decompositores, que reciclam os materiais. Afinal, se não existissem os fungos e as

bactérias, como os restos de plantas e animais iriam ser reciclados?

Guilherme traz a diversidade de seres para seu discurso e fala ainda das relações que esses

seres estabelecem ente si e com o ambiente – plantas em relação com a luz solar, ar, água,

polinização das flores, decompositores, fungos bactérias. Se Guilherme reconhece a diversidade e

Figura 3 – Desenho de Pedro para

explicar a diversidade

Figura 4 – Desenho de Rodrigo para explicar a diversidade

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escreve tão bem sobre as relações entre os seres, por que o estudante não dá sua explicação pessoal

sobre a diversidade que existe no planeta? Uma hipótese é de que o tema em que ele se sente seguro

para falar, utilizando-se das explicações provenientes do discurso científico, é o das relações dos

seres vivos. Sendo assim, ele pode ter entendido que seria avaliado pelo bom uso do discurso no

âmbito da cultura científica, o que lhe resta então, é utilizar esse discurso para tentar responder,

mesmo que fuja da pergunta inicial sobre a diversificação das espécies. Outra hipótese possível é a

de que o estudante pode não ter explicado como é possível haver tanta biodiversidade, porque ele

não sabe o que significa o termo a explicar.

d) Perspectivas evolucionistas

Dos dezesseis estudantes restantes, podemos dizer que todos, desde a escrita do primeiro

texto, tomaram como referência para suas explicações o discurso evolucionista. Alguns fizeram isso

em maior grau, outros em menor, mas o fato é que é possível observar o uso de termos ou

expressões próprias do discurso evolucionista da ciência como espécie, adaptação, seleção natural,

reprodução, ancestral comum, cruzamento entre espécies. Dentro desse grupo de estudantes, no

processo de impregnação dos dados, fizemos uma nova categorização das produções textuais dos

estudantes na tentativa de melhor explicitar as ideias que os mesmos trazem da perspectiva

evolucionista. Portanto, dos 16 estudantes que assumem a perspectiva evolucionista temos o

quadro II.

Quadro II: Categorização das explicações evolucionistas utilizadas pelos estudantes

Não explicam, embora reconheçam o

conceito da diversidade

2

Tipo de reprodução 2

Variedade de sementes 3

Metáfora da árvore filogenética 4

Ambientação 4

Herança genética 1

Os discursos de André e Taís fornecem indícios de que reconhecem o conceito científico de

diversidade, mas não dão conta de explicar como é possível a existência da diversidade.

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Taís revela que reconhece o conceito de diversidade quando mostra em seu desenho a

presença de vários tipos de seres como fungos, bactérias, lagarta, peixe, árvore e pássaro (figura 5).

Mas ela não explica como foi possível chegar até essa diversidade, só diz que “A diversidade existe

porque ao longo dos anos os seres vivos evoluíram gerando novas espécies”. A ―explicação‖ é

tautológica na medida em que repete a afirmação.

Já o estudante André, apresenta elementos de reconhecimento da diversidade quando faz o

desenho de dois seres – pássaro e peixe – que vivem em ambientes distintos. Embora André não

explique o que é diversidade, parece trazer ecos do discurso evolucionista quando cita que os

animais, mesmo diversos, são formados pelo mesmo tipo de célula, remetendo a um ancestral

comum.

Os estudantes João e Lucas, trazem para seus

discursos elementos do evolucionismo ao explicarem

a diversidade utilizando o conceito de reprodução.

João reconhece a diversidade ao citar que há banana

prata, nanica, entre outras. Parece conhecer também o

conceito de hereditariedade e árvore genealógica, o

que pode ser observado em seu desenho de três

bananeiras – a planta mãe, a filha e a neta (figura 6).

Ele faz uma analogia entre a descendência das plantas

e da espécie humana puxando uma linha da planta

mãe para o que parece ser o pai na ―árvore

Figura 5 – Desenho de Taís para explicar a diversidade

Figura 6 – Desenho de João para explicar a diversidade

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genealógica‖ daquela família. A outra linha parece estabelecer uma ligação entre a ―planta filha‖ e o

que podemos interpretar como sendo a filha da família humana desenhada pelo estudante. Isso

também acontece entre a ―planta neta‖ e o que podemos entender que seja a neta da família. Ou

seja, parece que o estudante quer registrar que o mesmo fenômeno de hereditariedade que acontece

com a bananeira acontece também com os seres humanos e os demais seres vivos. Desta forma é

possível interpretar que para o estudante a hereditariedade que se torna possível pela reprodução das

espécies é o que explica a diversidade.

O estudante Lucas parece trazer de forma mais explícita elementos do discurso evolucionista

para sua explicação da diversidade biológica. Em sua explicação, Lucas faz uso de um esquema e

de texto. O esquema lembra um cladograma15

de evolução, mostrando a evolução dos seres desde o

início na água até chegar aos grandes animais (figura 7).

Além disso, o estudante usa palavras-chave de cunho evolucionista em seu texto

complementar como reprodução, cruzamento, adaptação, evolução das espécies, seleção natural.

Cita ainda o exemplo das girafas, remetendo-nos a um exemplo muito utilizado na educação escolar

para falar sobre a adaptação.

15 O cladograma é um esquema muito utilizado no estudo da evolução para demonstrar a descendência dos

seres e seus parentescos, além de ser uma forma eficiente de visualizar o processo evolutivo ao longo do

tempo.

Figura 7 – Desenho de Lucas para explicar a diversidade

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Indivíduos de espécies diferentes se cruzaram formando outros seres diferentes. Se [a reprodução] forna água [ocorre] um tipo de adaptação. Terra outro tipo de

adaptação. Alguns animais através de modificações climáticas e biológicas

desaparecem e surgem novos seres vivos = evolução das espécies. Através da seleção natural. Ex.: girafa: reprodução, adaptação, seleção natural.

Os alunos Roberto, Tatiana e Júlio criaram uma história sobre sementes para explicar a

diversidade. A estudante Tatiana diz o seguinte:

Um ancestral comum que produziu várias espécies de sementes. Em cada ambiente

que as sementes se desenvolveram, elas reproduziram características diferentes. E

cada animal que se alimentar destes frutos passará para as sementes as suas características.

O discurso de Tatiana traz elementos do evolucionismo, por exemplo, ao mencionar um

ancestral comum, várias espécies e a questão da herança genética, quando diz que cada semente

passará sua característica. Mas parece que a herança é vista como algo incerto, porque a germinação

da semente depende do solo, do ambiente ou ainda, do animal que a ingere. São sementes da

variedade e da incerteza. Já o estudante Júlio, cria uma história com as sementes do milho (figura

8).

Júlio cria um esquema parecido com os utilizados para representar os ciclos biogeoquímicos

encontrados em materiais didáticos, em que as características do milho vão passando de geração em

Figura 8 – Desenho de Júlio para explicar a diversidade

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geração. Além disso, é possível interpretar que as características do grão de milho são passadas para

os animais que as ingerem, como a galinha e o homem. O estudante ainda explica em seu desenho

que ―a reprodução do ser humano já vem com as características do milho‖, ou seja, parece que o

bebê indicado na figura, fruto da reprodução dos seres humanos, já traz em si as características

daquele milho inicial. Para o estudante parece que as características do milho também estão

presentes no ambiente, pois ele registra a matéria orgânica oriunda do milho, da galinha, dos seres

humanos e suas fezes. Como todas essas espécies contêm características do milho, estas seriam

transferidas para o ambiente após a decomposição da matéria orgânica. Consideramos o discurso

de Júlio como evolucionista por conter de forma implícita em sua explicação a questão da

hereditariedade e da variabilidade.

O estudante Roberto, apesar de não usar um exemplo de semente em sua explicação, usa a

mesma lógica das explicações de Júlio e Tatiana. O estudante considera que há algum elemento que

inserido em um ambiente determinado é capaz de modificá-lo, dando origem a novas vidas. Nas

palavras do estudante: “... todos transformam em matéria orgânica dando origem a novas vidas.

Transforma o meio ambiente proporcionando novas vidas, animal ou vegetal”. O raciocínio inicial

do estudante é uma sequência de eventos plausíveis, que podem ser a explicação causal dele para a

origem da biodiversidade, além de trazer consequências na evolução dos seres. Os desenhos de

Roberto nos dão elementos para dizer que o estudante reconhece o que é a diversidade (figura 9) ao

desenhar vários seres vivos em sequência. Apesar de não utilizar termos especificamente científicos

sobre evolução [adaptação, mutação, seleção natural, etc], podemos interpretar que o estudante

explica a evolução pela capacidade de um indivíduo sobreviver em um ambiente e nesse sentido,

sobreviver em um ambiente transformado.

Categorizamos outras quatro produções como evolucionista a partir da análise de suas

representações metafóricas da diversidade. Nestas produções os estudantes Thiago, Charles, César e

Figura 9 – Desenho de Roberto para explicar a diversidade

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Helena fizeram desenhos representando sua explicação sobre a diversidade na Terra. Os estudantes

Thiago, Charles e César fizeram uma representação de uma árvore (figura 10), que podemos

remeter a ideia da árvore filogenética, muito comum em livros didáticos e mídias de divulgação.

A árvore filogenética também é conhecida como árvore evolutiva ou árvore da vida, e é uma

representação muito utilizada para ilustrar as relações de parentesco e também a ideia de evolução

entre grupos de organismos que habitam o planeta. Sua construção está baseada em um diagrama,

consistindo de linhas que se bifurcam de acordo com um evento que deu origem a uma especiação.

O resultado desse diagrama é um desenho em forma de árvore, em que o tronco e os ramos

representam os ancestrais comuns dos quais derivaram os diferentes grupos de seres vivos como

representado na ilustração (figura 11).

Charles Darwin, em seu livro ―Origem das espécies‖ de 1859, utilizou um desenho do que

pode ser considerado o primeiro esboço de uma árvore filogenética. Darwin escreveu ―I think‖ (Eu

penso), ao lado do desenho de um diagrama onde representa as formas mais antigas de vida na base,

enquanto as espécies se ramificavam de um tronco central (figura 12) 16

.

A estudante Helena utiliza outra representação metafórica para representar seu entendimento

de como teria surgido a diversidade. Segundo a estudante, no início havia seres pequenos que foram

se modificando, mudando seu formato e se transformando, até chegar aos seres humanos, como

mostrado na figura 13. Aparentemente, Helena reconhece as mudanças como algo externo, somente

no âmbito fenotípico. Parece que ela não reconhece a diversidade como produto de uma

variabilidade genética, mas sim como uma diversidade de formas. Outra hipótese de interpretação

16 Figura 11 disponível em:

http://revistaescola.abril.com.br/fundamentos/evolucao-ideia-revolucionou-sentido-vida-432110.shtml

Figura 12, disponível em:

http://www.nano-macro.com/2012/07/arvore-da-vida.html

Figura 10 – Desenho de Thiago, Charles e César

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do desenho de Helena, que nos permite inferir ecos do discurso científico sobre evolução, é que a

estudante parece ilustrar um aumento tanto na quantidade do número de espécies quanto na

complexidade dos seres vivos ao longo do tempo, indicando que com o passar do tempo houve

evolução dos seres simples e unicelulares para seres cada vez mais complexos.

Figura 11 – Ilustração representando

a árvore filogenética

Figura 12 – Esquema de Darwin

para explicar o parentesco entre os

seres

Figura 13 – Desenho de Helena para explicar

a diversidade

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As produções que categorizamos como ambientação foram as dos estudantes Gustavo,

Caroline, Jussara e Antônio. As explicações desses quatro estudantes têm um ponto em comum.

Todas consideram o fato dos organismos adaptarem-se de acordo com o ambiente em que se

encontram. É um modelo de explicação em que os seres se adaptam por vontade própria diante da

necessidade. Desse modo, a diversidade de ambientes que existem passa a se configurar como fator

preponderante para que haja diversificação das espécies. Isso é bem ilustrado no discurso de

Caroline: ―Seres tão diferentes possuem características semelhantes porque houve transformações

entre as espécies e cada um se adaptou de acordo com o alimento, o clima, o tipo de solo ou de

água mais favorável”. O estudante Antônio também enfatiza isso em seu texto: “...cruzamentos

entre espécies parecidas resulta em seres diferentes e se o ambiente é de uma forma a espécie cria

formas de sobrevivência de acordo com o ambiente. Se ele encontra um ambiente favorável, ele

evolui, se transforma”.

Assim como Caroline e Antônio, Jussara também evidencia esse fato em seu discurso: “...

mas como não seria possível com apenas uma espécie, houve a modificação em algumas

características de modo que surgissem vários seres vivos”. São indícios de que esses quatro

estudantes incorporam em seus discursos elementos da teoria evolucionista, pois utilizam algumas

palavras bem específicas da teoria da evolução, como: cruzamento entre espécies, adaptação,

alimentação, sobrevivência, espécie, evolui, ancestral comum. Outro aspecto relevante é a

representação da evolução feita por Antônio, cujo desenho corresponde a um cladograma (figura

14).

Figura 14 – Desenho de Antônio para explicar a diversidade

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É possível dizer que Gabriel é o estudante que apresenta argumentos mais sofisticados para

a explicação da diversidade, pois tece seu discurso sobre a diversidade incorporando ideias da

genética:

A vida dos seres vivos na Terra depende de vários fatores que influenciam diferentemente na sobrevivência desses seres (sol, água, nutrientes). Todos os

seres vivos são constituídos de célula. Constituição dos seres vivos (célula),

mutação, alteração do código genético, origem de outros seres.

O aluno sofistica sua explicação quando utiliza o termo ‗alteração do código genético‘ e

remete isso à mutação. Ou seja, ele cita a mutação como origem da diversidade e ainda a explica

dizendo que é fruto de uma alteração do código genético. Remete tudo isso a algo que ocorre no

interior da célula.

É preciso relembrar que esses dados foram produzidos antes do ensino do tema no curso.

Portanto, são memórias de contatos com as explicações, ou não, durante a educação básica, seja na

escola ou em outros espaços não formais como cooperativas, folhetos de circulação ampla, eventos

e textos religiosos, etc. O que nos interessa até aqui é colocar o leitor a par das ideias que eles

trouxeram como ponto de partida para um diálogo que a professora estava se propondo a travar com

eles.

4.3 – A análise da segunda produção

Para entrarmos na análise do segundo texto produzido pelos estudantes após o processo de

ensino, faz-se necessário colocar o leitor a par do movimento da pesquisa originário do esforço de

se compreender o conjunto dos dados.

Ao planejarmos metodologicamente nossa análise, havia a intenção de utilizarmos a

categoria de cruzamento de fronteiras, inspirada em Aikenhead (2009), como uma forma de

classificar nossos dados e, por consequência, os sujeitos nas seguintes categorias, já apresentadas

previamente: Cientistas potenciais; Outros miúdos inteligentes; Estudantes ―Eu não sei‖; Outsiders;

Outsiders internos (COSTA, 1995: 316 apud AIKENHEAD, 2009:103). As transições culturais

seriam compreendidas como suaves; acessíveis; arriscadas ou virtualmente impossíveis. Por

correlação, poderíamos inferir quanta ―harmonia‖ havia entre a subcultura da vida daqueles sujeitos

com a subcultura da ciência. A aculturação ou a assimilação dos sujeitos aos discursos científicos,

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por seu turno, dariam-nos elementos para pensar o ensino de ciências praticado na disciplina da

Licenciatura do Campo analisada.

Ao considerarmos a excelência da professora do curso, sua larga experiência com o ensino

de biologia no Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, sua dedicação ao aprendizado dos

estudantes e o referencial de ensino adotado por ela, a partir do próprio AIKENHEAD (2009),

referencial teórico também adotado em nossa pesquisa, seria basicamente uma replicação de um

estudo já realizado em outro país com estudantes aborígenes. Esse era, portanto nosso referencial

teórico metodológico, orientador de nossas concepções prévias acerca dos resultados da pesquisa.

A atividade que deu origem aos dados deste trabalho nos fornecia elementos para

observarmos a posição que os sujeitos ocupavam quanto ao movimento deles no sentido do

cruzamento de fronteiras entre a subculturas deles e da ciência.

Contudo, ao olharmos mais detidamente para os dados, deparamo-nos com outra realidade.

Essa fronteira já vinha sendo cruzada pelos estudantes, antes mesmo da intervenção da professora.

Na condição de estudantes universitários, supostamente já teriam estudado o assunto em outros

contextos escolares ou mesmo participado de discussões fora do espaço escolar sobre a evolução

das espécies. De fato, a maioria trouxe consigo ecos do discurso científico impregnados, do

discurso religioso e de suas observações empíricas quanto à diversidade de plantas e animais

presentes no cotidiano de quem vive no campo. Como nos diz Geraldi (2010), os sujeitos não estão

desnudados de concepções, eles carregam consigo as vozes, os discursos apropriados sejam no

âmbito escolar ou da cultura da vida deles. Nós pesquisadores, também!

Como trabalhamos com a ideia da análise textual discursiva elaborada por Moraes e Galiazzi

(2007), na qual a impregnação dos dados gera uma nova compreensão emergente do corpus de

análise, começamos a desconfiar do conceito de enculturação, aculturação ou assimilação como

forma de colonização dos sujeitos. Daí surgiu uma nova pergunta: em que medida os estudantes

foram ‗colonizados‘ ou ‗não colonizados‘ no processo de enculturação?

A procura por outro referencial da antropologia nos fez olhar para a questão da cultura

colocada em outros termos, e não mais relacionada ao conceitos de enculturação/aculturação. O

conceito de indigenização (SAHLINS, 1997) nos forneceu outras lentes para ver o mesmo de outra

perspectiva e nos aproximar dos dados para além da classificação que vínhamos tentando. Sendo

assim, trouxemos de volta a questão do trabalho semiótico dos sujeitos no mundo, condenados a

significar como nos diz Bakhtin pelo encontro/confronto de vozes (BAKHTIN, 2003). A formação

no curso da licenciatura do campo se coloca para nós como ampliação de uma visão de mundo ou

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de uma recolocação do sujeito i no mundo, frente a ele, às suas explicações. Portanto, não faz

sentido perguntar se o estudante cruzou ou não fronteiras entre a ciência e a sua visão de mundo,

mas como ele lida com esse caldo de culturas e se reposiciona como sujeito: o que pensava e como

passa a ver o que pensa agora, após a intervenção pedagógica. A fronteira não é algo definido, fixo

ou ponto de demarcação entre ciência e não-ciência que podemos enxergar como uma fronteira

mecânica, como um obstáculo físico, um lugar a ser transposto. Se for assim, cruzar fronteira torna-

se uma mera passagem do mundo da cultura do estudante para o mundo da cultura científica. Seria

sair da cultura não-científica e passar para a científica, mais como uma conversão religiosa do que

constituição humana no e pelos discursos.

O movimento dos estudantes no entorno da ―fronteira‖ é exotópico por natureza, pois exige

do sujeito a saída do seu ponto de vista, um processo de distanciamento para que haja a apreciação

estética – o que eu sei a partir do que eu sabia e do que aprendi. Por isso, esse movimento exige

certa apropriação do sujeito com os outros discursos, mas também um distanciamento deles e uma

volta a si. É essa apropriação que nos interessa, indiciada pelas palavras e contra palavras

produzidas. Essa apropriação, pela tensão, permite ao sujeito continuar sendo autor da sua própria

história como produtor de sentidos outros. Porque cruzar a fronteira é conhecer o discurso alheio, o

que o outro tem a me dizer, como eu compreendo esse novo sentido em relação ao meu e como isso

me transforma e oportuniza outras formas de explicar e me relacionar com o mundo. Faz mais

sentido agora falarmos não de cruzamento de fronteiras, mas de movimento em torno de uma arena

de luta (Bakhtin, 1992), disputa de sentidos.

Por todos esses motivos, mudamos nosso olhar e passamos a analisar os dados como tensão

entre discursos, olhando para a relação entre discursos colonizados ou não pelo discurso da ciência.

Tomamos como base que o colonizado é aquele que se apropria do discurso científico em suas

explicações e, em contrapartida, o não-colonizado é aquele que não se convenceu pelo discurso da

ciência. Isso não quer dizer que o não-colonizado não cruzou a fronteira, pelo contrário, para se

posicionar como tal ele precisa fazer o movimento de aproximação com as explicações da ciência,

ainda que seja de modo precário, conhecer o discurso alheio, distanciar-se dele, para aí sim se

posicionar como sujeito de sentidos. Desse modo, usamos da premissa de que culturas em diálogo

estão a todo o momento cruzando fronteiras, circulando por outros modos de pensar. Por

consequência, fez sentido para nós analisarmos o posicionamento dos estudantes frente às

explicações acerca da diversidade e da evolução biológica.

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Narrar aqui esse movimento feito por nós ao longo dessa pesquisa decorre de três motivos:

1) o fato da escrita dessa dissertação ter se dado ao longo de muitos meses e, portanto, muitos textos

terem sido produzidos pela pesquisadora. Seria preciso haver mais tempo para excluir estudos

realizados que viraram texto. Os tempos institucionais não coincidem com os tempos das pesquisas

não formatadas. 2) Considerar a relação complexa entre análise dos dados e referencial teórico

metodológico. Em vez de esconder as dificuldades encontradas em harmonizar nossas análises com

o referencial teórico escolhido, optamos por expô-las. 3) Oportunizar ao leitor dialogar com as

questões teóricas que os dados nos impuseram e com isso podermos aprofundar a compreensão

acerca do que consiste ensinar ciências para culturas diferentes daquelas que chegam à Faculdade

de Educação depois de anos de imersão nos institutos de ciências biológicas.

4.3. 1. O segundo texto dos estudantes e seus posicionamentos frente aos primeiros

Ao analisarmos a segunda produção dos estudantes, aquela que foi elaborada após o

conjunto de aulas dadas, na qual os estudantes eram solicitados a responder o que mudou ou não em

relação às suas explicações iniciais, encontramos 19 estudantes que optaram por se expressar

apenas por meio de textos, 3 que mesclaram texto com ilustrações e apenas 1 que fez somente

desenhos para explicar.

Quanto à categorização das produções como evolucionistas ou criacionistas, encontramos 20

produções que trazem elementos do discurso evolucionista, 2 produções que apresentam dupla

perspectiva – evolucionista e criacionista – e 1 produção com elementos exclusivamente

criacionista. Conforme sintetizado no Quadro III, comparativo com o quadro I.

Quadro III. Perspectiva adotada pelos estudantes no primeiro texto e no segundo para

explicar a diversidade

Explicações Primeiro texto Segundo texto

Criacionismo 2 1

Criacionismo e

Evolucionismo

2 1

Evolucionismo 16 20

Outras 3 -

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a) Explicações colonizadas pelo discurso da ciência

Iniciamos nossa análise da segunda produção dos estudantes, em contraposição com a

primeira, com a apreciação dos textos dos estudantes que foram colonizados. Consideramos

colonizados todos aqueles estudantes que se apropriaram do discurso da ciência e passaram a

utilizá-lo em suas explicações sobre a evolução, ainda que os sentidos se mostrem pouco

apropriados, coerentes e consistentes, tal como são para a ciência, com suas relações e hierarquias

conceituais fortemente estruturadas. Levamos em consideração o esforço de significação realizado

pelos estudantes diante do encontro com outras vozes. Nesses casos, os estudantes se dispõem a

compreender o discurso científico, negociando significados entre os dois discursos, mas sem que

houvesse imposição de um discurso sobre o outro.

O estudante Henrique apresentou uma explicação criacionista em sua primeira produção

enquanto que na segunda produção se posicionou dentro do discurso da ciência, o evolucionista,

como demonstrado em seu enunciado:

O que mudou é que a partir da evolução atmosférica, com os gases, trovões, descargas elétricas as coisas começam a mudar. Daí o raciocínio das coisas

começarem pelas evidências. Mudou minha forma de pensar que tudo começou

pela evolução dos seres ao longo dos milhões de anos. Que a mutação aconteceu

no DNA das células reprodutivas dando início de um mesmo ancestral por processo de mutação. Daí a origem.

Seria esse um caso típico de cruzamento de fronteiras de acordo com Aikenhead?

Poderíamos classificar seu discurso como colonizado? Henrique abre mão de suas convicções

pessoais, na medida em que adota o discurso evolucionista e sequer toca nas explicações pessoais

iniciais? Teria ocorrido a substituição de um discurso pelo outro? Consideramos Henrique como

sendo tipicamente colonizado, na medida em que suprime as explicações primeiras como discurso

interditado/censurado. A tensão também se mostra em não dizer sobre o que pensava antes.

Assim como Henrique, o estudante Rodrigo também apresenta discurso colonizado pela

cultura da ciência. Da primeira produção, na quale o estudante não nos forneceu nenhum indício do

que entendia ou acreditava como explicação para a diversidade – isso porque ele fez um ponto de

interrogação como explicação do exercício –, Rodrigo nos traz um esquema com traços muito

específicos de representações esquemáticas contidas em livros didáticos (figura 15) como o início

da vida na água com seres unicelulares fazendo uma massa de células, a evolução para o peixe, a

conquista do ambiente terreno pelos tetrápodes, surgimento das plantas e grandes animais,

surgimento do homem. Sua colonização pode ter sido enviesada pelo discurso científico, porque

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esse foi o discurso mais explorado nas aulas de ciências. Como ele não apresentava nenhuma

explicação no início ou não quis apresentar, Rodrigo adota a perspectiva da cultura científica, pois

afinal foi a que melhor lhe foi apresentada naquele momento ou também porque o estudante

entendeu que por ser a mais trabalhada em sala ela atenderia melhor às expectativas da professora

sobre a atividade. Ele, sequer faz referência à sua grande interrogação inicial. Consideramos que a

interrogação não significa que nada sabia, mas suas dúvidas ou desconfianças de que suas crenças

não têm ou não devem ter lugar na aula de ciências na universidade. Desse modo, também é um

discurso censurado/interditado pelo que não é ou julga ser o que vai ser aprendido ali.

Outros dois estudantes, Roberto e André, praticamente se intitulam colonizados ,mesmo não

utilizando para isso explicações formais da ciência sobre evolução, na medida em que confessam

que ficaram muito convencidos sobre a teoria evolucionista. O que estes estudantes fazem é dizer

que ampliaram suas explicações, mas não explicam como e nem nos dão pistas. No texto de

Roberto: “Fiquei muito convencido de que a diversidade da vida na Terra veio da evolução de

espécies diferentes que foi se adaptando ao seu convívio”.

André já trazia em seu desenho inicial pássaros e peixes, o que nos permitiu dizer que havia

reconhecimento de elementos da diversidade de vida em ambientes distintos. No segundo texto ele

diz que as explicações sobre as semelhanças entre os seres vivos não mudaram, mas foram mais

bem complementadas. Contudo, como ele não havia explicado a diversidade no primeiro texto,

embora dissesse que os animais são formados pelo mesmo tipo de célula, remetendo à ideia de um

ancestral comum, ficamos sem elementos de comparação sobre o que poderia ter se apropriado. Ele

Figura 15 – Desenho de Rodrigo para explicar o que mudou ou não em suas explicações

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diz no segundo texto que as explicações anteriores que tinha para a diversidade ficaram mais bem

esclarecidas, como se lê:

Minhas explicações sobre as semelhanças entre os seres vivos existentes mesmo na

diversidade não mudaram, mas foram melhor complementadas. Já minhas

explicações para as diferenças existentes na diversidade dos seres vivos foram melhor esclarecidas, compreendidas e complementadas com as atividades

realizadas durante a disciplina.

Dentro desse grupo há um subgrupo

formado por oito estudantes (Lucas, João,

Guilherme, Caroline, Helena, César, Júlio e

Tatiana) que dão elementos de que houve

significativa ampliação nas suas explicações,

que já eram de cunho evolucionista. São os

estudantes que fazem referência explícita ao

fenômeno da mutação genética. Essa é uma

característica marcante em seus textos, como

podemos observar na produção de Lucas

(figura 16), onde referências ao processo de

mutação são encontradas sete vezes.

O aparecimento da mutação como

explicação pelos estudantes pode estar

relacionada com a plausibilidade da explicação

para os estudantes, dentro dos seus marcos

iniciais, isto é, sem criar tensão com

explicações de outra natureza. Segundo

Sepulveda e El-Hani (2006), ao encontrarem no discurso científico contribuições que julgam

plausíveis para sua compreensão do mundo, os estudantes vão se apropriando de tais ideias. Isso

acabou por evidenciar-se nos textos desses oito estudantes, pois a explicação científica envolvendo

a questão da mutação se mostrou tão plausível para este grupo que foi apropriada passando a ser a

principal explicação adotada.

Figura 16 – Desenho de Lucas para explicar o que

mudou ou não em suas explicações

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Ainda dentro do grupo dos estudantes que assumiram as explicações científicas ou parte

delas como suas, nos chamou atenção a ampliação de conhecimentos dos estudantes Charles,

Jussara e Taís. Charles passa de sua representação metafórica da árvore da vida – na primeira

produção – para um texto elaborado e com muitos elementos de apropriação do discurso científico

evolucionista. Vejamos o que diz Charles:

Com as explicações pude notar que houve mudanças no meu conceito, por

exemplo: as variações genéticas, mutações, formas de sobrevivência dos animais,

estratégias de sobrevivência, formação dos seres, conquistas dos ambientes, entre

outros.

Na minha visão não imaginava que no ambiente houvesse tantas variações de comportamentos dos seres terrestres e os esclarecimentos obtidos nas aulas foram

de suma importância para minha visão de mundo.

Surpreendente é a constatação de que Charles diz que ele não imaginava que houvesse

tantas variações de comportamentos. Nesse caso, podemos dizer que o estudo da biologia o ajudou

a compreender aspectos das ideias evolutivas como a diversidade. Para quem vive no campo,

reconhecer a diversidade não nos parece difícil. Difícil seria explicá-la uma vez que isso se dá pelo

reconhecimento das semelhanças e diferenças entre os seres. Ele diz: os esclarecimentos foram de

suma importância para minha visão de mundo. Por que teriam tamanha importância para ele?

A estudante Jussara também revela ter ampliado significativamente suas explicações

incorporando vários conceitos do discurso evolucionista em seu enunciado.

Continuo com a explicação de que todos os seres tiveram um ancestral comum,

por isso, as semelhanças. Não sabia como se dava esse processo de modificação e surgimento da diversidade, aprendi que é através de mutação. Também que a

mutação acontece nas células reprodutoras e que este transmite as características

aos descendentes e que através de um processo de seleção vai permanecendo aquele que está melhor adaptado ao meio e com o passar de milhares de anos e

com o isolamento geográfico pode surgir uma nova espécie.

No enunciado de Taís ainda há outra ampliação interessante além da mencionada nos textos

de Charles e Jussara, que é a de reconhecer que a maneira como a ciência explica a diversidade não

é a única forma de explicação possível de ser considerada.

A minha explicação sobre a diversidade biológica foi aprimorada. Novos conceitos

foram construídos e agregados. Após as aulas eu continuo usando a evolução para explicar a diversidade, mas agora com base em teorias científicas, evidências e

estudos, compreendendo que esta não é a única explicação possível e que as

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outras não devem ser desconsideradas. Agora posso usar nas minhas explicações

as teorias de Lamarck e Darwin, os conceitos de mutação, transformação,

adaptação, etc.

Podemos observar que o estudante Gustavo também amplia seus conhecimentos sobre a

evolução.

Se considerar os conhecimentos anteriores, posso dizer que tinha uma noção, mas

com as aulas aprendi do ponto de vista das teorias e como o ambiente faz o

processo de seleção e não que os seres vivos criam resistência ou que se adaptam aos ambientes como afirma Lamarck.

As teorias de surgimento da vida foi outro ponto que entendi melhor, pois há

várias explicações de acordo com vários autores. A mutação foi responsável pelo

processo evolutivo.

Antônio diz que tinha uma visão que foi ampliada e que entendeu melhor, dando-nos

indícios de que incorporou a ciência por correspondência e complementaridade. Ele já estava dentro

desse campo explicativo, apenas aperfeiçoou, conheceu outas teorias, também científicas.

b) Estudantes não colonizados pelo discurso da ciência

No grupo dos estudantes que não se mostraram colonizados pelo discurso da ciência, temos

o texto da estudante Priscila, cujo caráter criacionista aparece como exclusivo em suas explicações

– tanto na primeira produção quanto na segunda. Mesmo após as aulas da disciplina, depois de

todas as discussões em sala de aula, Priscila não incorpora o discurso das ciências em suas

explicações, chegando mesmo a recusar de forma deliberada o conhecimento científico sobre o

assunto, como podemos perceber em seu discurso:

O meu conceito numa forma religiosa não mudou. Que foi o meu grandioso Deus

quem foi responsável pela diversidade e o surgimento da criação. Hoje em dia

existem cientistas que trabalham para realizar descobertas, porém acho que eles

giram, giram, mas o que eles conseguem com as descobertas não é nada mais do

que ver o que já existia. Tentando aprimorar, mas não tendo muito êxito. Pois

tenho certeza que foi Deus mesmo o responsável por tudo.

Priscila não apresenta elementos do discurso científico em seu enunciado. Ao contrário

disso, nega a capacidade explicativa dos cientistas. Não sabemos em que medida domina as

explicações dos cientistas sobre diversidade e evolução, mas nos dá elementos de que não assumiu

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o discurso da ciência, não sendo, portanto, colonizada pelo mesmo. Priscila faz sua viagem de

formação, visita a outra ―fronteira‖. Seu posicionamento de negação do conhecimento científico só

pôde ser feito depois dessa viagem/cruzamento. Ela pôde sair de seu modo de explicar, conhecer

um outro, voltar ao seu lugar e dizer o sentido para si dessa viagem de formação. Embora Priscila

mantenha-se firme nas suas explicações criacionistas podemos dizer que ela foi ao conhecimento

científico e colocou-o em relação com o seu conhecimento para exotopicamente se enunciar de

modo autoral e sem censura. Sai transformada pela possibilidade de conhecer e julgar as

explicações da ciência frente às suas. Segundo Ponzio et al (2009) só é possível a defesa de um

ponto de vista, um posicionamento ativo e ideológico a partir da comparação/interação com outro

ponto de vista, outras posições, por isso, podemos acreditar que Priscila fez essa viagem exotópica

de conhecimento da cultura científica. Como a atividade proposta não pede que os estudantes se

enunciem a partir do que aprenderam da cultura da ciência, não temos elementos para dizer que em

outras circunstâncias, diversas das que pedem explicitação das visões pessoais como numa

avaliação escolar, a estudante não mobilizaria os conhecimentos da cultura científica.

Gabriel e Pedro apesar de parecerem incorporar aos seus enunciados o discurso da ciência

acabam por indiciar em pequenas passagens do texto que não foram ou se deixaram colonizar.

Usam para isso o discurso indireto ou citações das teorias e/ou teóricos. Esses estudantes buscam

demarcar o discurso pessoal e o da ciência. Gabriel faz isso no início de seu texto quando enuncia:

“Pela ciência a vida surgiu na água.” Poderíamos complementar o vazio da frase com uma vírgula

e a incluir a expressão ―mas não para mim‖.

O estudante Pedro, que no início utilizou o exemplo do umbuzeiro com o ninho de

passarinho, apesar de reconhecer a diversidade biológica não a explicou enquanto conceito

científico em sua primeira produção. Já na segunda produção, Pedro também passa de certo modo a

limpo suas ideias iniciais e diz que já tinha uma noção. Demonstra estar de acordo com as

explicações da ciência na medida em que fala de adaptação, mutação, processo evolutivo, Lamarck,

etc. É interessante observar que para ele fenômeno da natureza é natural. Fenômeno explicado é da

ciência, científico:

Eu tinha uma concepção de que era apenas um fenômeno da natureza, onde a

árvore se perdia as folhas para produzir melhor. Hoje entendi que é uma adaptação da árvore com o meio e a planta que está acoplada ao umbuzeiro que

continua verde porque recebe todos os nutrientes possíveis para a sobrevivência.

Pode perceber que todos se adaptam, diz Lamarck (sic).

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Ao utilizarem dessa estratégia linguística, os estudantes parecem querer deixar claro que tem

a intenção de demarcar nitidamente a autoria dos discursos que circularam nas aulas de ciências. O

discurso pessoal é voz própria, o discurso científico ainda é voz alheia ou voz própria-alheia, na

medida em que esses estudantes deixam pistas de que não se sentiram seguros para se apropriar do

discurso da ciência. Ainda estão no processo de compreensão do discurso alheio. O uso do discurso

indireto indica justamente isso, que o discurso da ciência ainda não ―perdeu as aspas‖, que esses

estudantes não tomaram o discurso da ciência como seus por não se identificarem com ele. Ainda

há internamente uma arena de disputas (BAKKHTIN, 1993) entre um discurso e outro.

Dois outros casos de não colonização dos discursos se apresentam nas produções de Thiago

e Gustavo. O primeiro até aparenta ampliar suas explicações sobre evolução, ao passar de sua

primeira explicação baseada na representação metafórica da árvore da evolução para um texto

amplo com aplicação de conceitos como mutação, seleção natural e fósseis. Mas ao explicar sobre a

origem da vida, ele se posiciona contra o discurso da ciência. ―Tudo mudou – até me provarem o

contrário – nada me convenceu”. Ao dizer tudo mudou, o estudante demonstra entender que a

origem da vida pode não ser um evento de criação divina, mas que ele passou a entender como

próprio da explicação da ciência. Nos trechos seguintes, o aluno afirma: ―até me provarem o

contrário – nada me convenceu”. Dessa forma, Thiago reafirma sua posição criacionista e de não

colonizado, por não ter sido convencido pelo discurso da ciência e se permitir dizer assim em um

momento avaliativo da aprendizagem em que sua aprovação na disciplina estava em jogo.

Já o estudante Gustavo, constrói o seguinte texto:

Pude perceber que as teorias para o surgimento da vida são muito mais

complexas e sugestivas/questionáveis do que a minha concepção prévia,

antes eu considerava que a ciência tinha uma única explicação para a

origem da vida, após as aulas percebi que este conceito mesmo na ciência

pode apresentar contradições e/ou ideias diferenciadas.

Mas não podemos deixar de constatar que a diversidade da vida de uma

forma ou de outra se dá em consequência dos mais variados ambientes, ou

foram criados para viverem naquele determinado ambiente.

Gustavo se apropria da forma de construção do discurso científico – a própria conjugação do

verbo na primeira pessoa do plural„não confirmamos‟ faz menção ao discurso científico, que ao

usar desse elemento linguístico, aparenta ser imparcial – para se afirmar como não colonizado.

Portanto, ele faz apropriação do discurso científico, mas não se deixa colonizar por ele. Prova disso

está na comparação do primeiro texto com o segundo. No primeiro não havia menção alguma sobre

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a perspectiva criacionista, a qual aparece no final do seu segundo texto. Em sua segunda produção o

estudante questiona a natureza do conhecimento científico afirmando que este apresenta

contradições e pontos frágeis em sua constituição, traz para seu texto a fragilidade das ciências, do

campo da disputa das teorias e usa dessas colocações para questionar o próprio conhecimento

científico. Dessa forma, Gustavo ressalta em seu discurso as particularidades das ciências e

evidencia sua natureza conjectural, trazendo como aspecto negativo a incapacidade deste

conhecimento de trazer certeza e satisfação, sentimentos que possivelmente são alcançados pelo

estudante ao adotar a sua perspectiva de mundo para as explicações (SEPULVEDA e EL-HANI,

2006).

O posicionamento de Gustavo e Thiago como não colonizados pode ser uma maneira de

assinalar suas identidades culturais, como participantes, por exemplo, de uma cultura do campo, a

cultura de um povo resistente por natureza, de um povo que não se deixa colonizar. Os colonizados

se mostram insubmissos à outras culturas (SAHLINS, 1997), mesmo conhecendo a cultura

científica, mostrando-se como passíveis de fazer uma integração entre a cultura do cotidiano e a

científica, acabam fazendo o movimento inverso, ressignificando seu modo de posicionamento.

Posicionamento ressignificado à medida que utiliza da cultura científica para legitimar sua posição

de não colonizado. Só é possível o posicionamento de um sujeito frente a uma determinada cultura,

a partir da criação de uma identidade própria, com explicações legitimadas e isso só se torna

possível quando o sujeito se colocar em interação com a cultura do outro. Então, eleusa do

conhecimento da cultura do outro – nesse caso da cultura científica – para ressignificar sua própria

cultura, legitimá-la, ou seja, para indigenizá-la.

c) A dupla perspectiva como forma de se posicionar

Fátima e Augusto apresentam dupla perspectiva. No discurso de Fátima tem um forte

argumento de não se deixar colonizar pelo discurso da ciência logo no início do texto.

Nesta primeira teoria religiosa, meus conceitos continuaram iguais. Através da

teoria científica aprendi muito e reformulei meus conceitos vendo adaptação,

teorias de Darwin, de Lamarck. Percebi evidências das semelhanças nos animais, demonstrando que eles possuem um ancestral comum.

Fátima havia apresentado no primeiro texto duas versões: 1) A de que Deus criou o mundo e

tudo que nele existe pelo sopro no molde de barro; 2) A água até os diversos seres vivos com reinos,

classe, filo e espécie tiveram origem no Big Bang. É possível observar que a estudante incorpora em

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seu novo texto a ideia de que a semelhança decorre de um ancestral comum. Demonstra que

ampliou seu horizonte explicativo quanto às teorias evolucionistas, mas não abandona seu discurso,

seu ponto de vista pessoal e religioso ao dizer que meus conceitos na teoria religiosa continuam

iguais. Há duplicidade nas explicações, mas um posicionamento explícito de que a estudante se dá

o direito de manter seus conceitos anteriores.

No mesmo entendimento da estudante Fátima, observamos também a dupla perspectiva no

discurso de Augusto, embora menos enfática. Ele também havia apresentado uma versão de que a

diversidade era uma criação de Deus, com seres contribuindo uns com os outros e a outra de que

eram seres isolados, com sua espécie definida e adaptada ao ambiente. No segundo texto Augusto

diz:

1 – Os seres vivos sofreram mutações ao longo dos anos e chegaram nos seres que existem hoje.

2 – Os seres já nasceram com características próprias.

3 – Vários seres vivos apresentam características semelhantes, por isso, podem ter

vindo de um mesmo ancestral.

Augusto dá indício de ter ampliado seu conhecimento a partir das explicações da ciência.

Ele atribui a semelhança entre os seres vivos à tese do ancestral comum. Contudo, o uso do

condicional ‗pode ter sido‟ expressa uma desconfiança em relação à teoria científica. . O

questionamento é inserido justamente no trecho que se contrapõe com sua visão inicial que

explicava a diversidade como uma criação divina. Além disso, essa parte da explicação está

imediatamente precedida da afirmativa de que os seres já nascem com características próprias. Por

consequência, consideramos os argumentos contra a colonização do discurso científico, o que de

certo modo aproxima o aluno da posição adotada por Priscila.

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CAPÍTULO 5 – Extraindo lições na pauta de outras questões

Considerando-se as contribuições a partir dos estudos da antropologia e nos valendo do

conceito de indigenização da modernidade, cunhado por Sahlins (1997a), sentimos necessidade de

aprofundar nossa compreensão sobre os meios pelos quais os sujeitos investigados incorporam

elementos explicativos de mundo externos, o que poderíamos chamar, por correspondência, de

indigenização da ciência. Para levar a cabo esse estudo acreditamos que seria necessário centrar

nossa atenção em conteúdos científicos com maior e mais direta implicação dos sujeitos no que se

refere aos modos de produção da vida no campo.

Uma ideia inicial que emergiu dos nossos dados sugere que os processos de indigenização

da ciência não correspondem às respostas adaptativas dos sujeitos do campo ao discurso científico,

mas são parte de um processo de alteração dos modos de pensar e de subjetivação. Por isso,

acreditamos na necessidade de aprofundar na questão da subjetividade, levando em conta não só os

estudos da antropologia, mas também da sociologia do conhecimento científico, o que foge do

escopo de um trabalho de mestrado.

De todo modo, nosso estudo traz contribuições importantes para as áreas da educação em

ciências e para os estudos envolvendo processos de formação de educadores do campo.

Para a área da educação em ciências a contribuição se dá na medida em que a pesquisa

promove o diálogo da ideia de cruzamento de fronteiras, já incorporada nas recentes discussões da

área, com a perspectiva antropológica da indigenização da ciência e a perspectiva de Bakhtin. A

abertura deste diálogo enriquece as possibilidades de compreensão dos processos de aprendizagem

e abordagem do conhecimento de científico em aulas de ciências.

Para a educação do campo este estudo oferece algumas contribuição, na medida em que põe

em discussão processos de constituição dos sujeitos educadores do campo frente aos discursos

científicos hegemônicos. A questão para nós não é da individualidade ou ainda do individualismo

dos sujeitos, mas de olhar para a educação como modo de se compreender único no mundo. Tal

unicidade foi dada a ver pela singularidade das construções discursivas sobre o tema da evolução.

Shalins (1997) entende a cultura como processo de intercâmbio entre sujeitos, grupos e

sociedade. Compartilhamos com ele a ideia de que a cultura dos futuros educadores do campo não é

inferior/menor e passiva frente à cultura global. Desse modo, a interação entre culturas que fazem

ao serem introduzidos nos modos de explicações científicas permite a recriação ou atualização da

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própria cultura. Eles não se entregam facilmente à colonização, à dominação, aos discursos

assépticos e formatados.

Nosso trabalho nos fez compreender a diferença como valor na medida em que, do ponto de

vista antropológico, a diversidade cultural não é apreciada ou julgada como graus de cultura.

Cruzar as fronteiras significa entrar em contato com outros modos de explicação e produzir sentidos

novos. A apreciação estética não passa pelo julgamento do quanto foram aculturados ou como

assimilaram as explicações da ciência. Não significa serem avaliados pelos graus de apropriação das

explicações apresentadas pela ciência, mas pelas reconfigurações da tradição na medida em que

recriam os próprios marcos conceituais. A cultura de acordo com Shalins (1997), tal como

entendida a partir de Bakhtin (1993), é uma ferramenta essencial para a fabricação da alteridade.

As diferentes configurações apresentadas nas explicações dos sujeitos sobre a especiação se

apresentaram para nós como recriação original e, portanto, essencialmente pessoal, além de

resistentes às explicações científicas apropriadas em bloco. Por isso, concluímos a partir do

indiciamento de nossos dados a favor da ideia de indigenização da ciência. Em outras palavras, foi

possível perceber que ocorre uma recriação das explicações da ciência face às visões trazidas para o

âmbito da sala de aula, como uma hibridização de discursos e, portanto, de crenças. Não nos cabe

julgar se isso é bom ou ruim para o ensino de ciências, tal como vem sendo praticado nas escolas

brasileiras, mas compreender o cruzamento de fronteiras como movimento de culturas ou circulação

como já teorizada por Ginzburg na análise da historiografia como em ―Os andarilhos do bem‖, ―O

queijo e os vermes‖ e a ―História Noturna‖.

Ao trabalhar com o conceito de circularidade de Bakhtin, colocamos em jogo a circulação de

culturas que há no mundo. Esse é um movimento de ―via dupla‖, no qual tanto a ciência (com seus

discursos e conhecimentos) influencia a cultura popular, quanto a cultura popular influencia a

ciência com seus conhecimentos próprios. Em nosso trabalho estivemos envolvidos com as

discussões sobre a influência do discurso científico na cultura de vida e nos modos de ver o mundo,

de estudantes, ou seja, o movimento partindo da ciência com consequências para a cultura popular.

Mas não tocamos na outra questão, a influência que as culturas populares têm sobre a ciência. Para

alcançarmos esse objetivo, seria necessário, por exemplo, um estudo mais detalhado sobre a história

dos modelos de explicação da ciência, com as influencias religiosas, pagãs, de costumes indígenas e

outros tantos conhecimentos culturais que durante a história da ciência influenciaram os modos

como a ciência construiu suas explicações. Mas infelizmente, pelo constrangimento do tempo de

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uma pesquisa de mestrado e mesmo pela limitação estabelecida pelo próprio tema da pesquisa, esse

é um aprofundamento para possíveis desdobramentos para além deste trabalho.

E é assim que finalizamos este trabalho, pensando que esse não será seu fim, posto que toda

vez em que for realizada uma nova leitura, ele renascerá com novos significados, novos sentidos e

contribuições outras.

Só nos resta então, esperar na confiança de que nosso ponto final se transforme em

reticências, para que o diálogo aqui construído possa ressoar continuamente nas contra palavras dos

sujeitos que ao lerem esta pesquisa irão completar nossos sentidos.

“... resistir à finalização, não porque as coisas não teriam fim, mas porque o fim

deveria ser sempre provisório e dado pelo outro.” (GERALDI, 2010, p. XV)

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