título: a recuperação judicial à luz do princípio da preservação da

68
A recuperação judicial à luz do princípio da preservação da empresa Miria Soares Eneias 1 Viviane Santos Dias 2 RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo apresentar a importância da recuperação judicial, visando preservar a função social da empresa, ou seja, o interesse social, não ficando restrito à pessoa do empresário ou à sociedade- empresária, mas a sociedade de uma forma geral. E é nesse contexto que se baseia o entendimento da recuperação, a qual se justifica a revogação do Decreto-lei 7.661/45, pela Lei 11.101/2005. Desse modo, realizou-se uma pesquisa bibliográfica, partindo-se da leitura do conteúdo jurídico acerca do tema na nova lei falimentar, avaliando a importância social da empresa, bem como as conseqüências negativas na hipótese de extinção de uma unidade empresarial de uma determinada região. A Lei 11.101/2005 foi um grande avanço legislativo, em relação a norma anterior, a qual não oferecia condições de recuperação para a atividade empresarial. Assim, podemos concluir uma empresa exerce um papel essencial na sociedade, pois é através da atividade empresarial que geri toda a economia de um país, sendo fundamental que se preserve a empresa para que esta exerça a sua função social. PALAVRAS-CHAVE: Função social. Empresa. Recuperação Judicial e Extrajudicial. 1 Mestre em Direito das Relações econômicas empresarias pela Universidade de Franca – UNIFRAN. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Uberlândia. Professora da disciplina Direito Processual Civil na Universidade Presidente Antônio Carlos, campus Araguari-MG. Advogada. 2 Bacharela em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Presidente Antônio Carlos, campus Araguari-MG.

Upload: vonguyet

Post on 07-Jan-2017

223 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

A recuperação judicial à luz do princípio da preservação da

empresa

Miria Soares Eneias1

Viviane Santos Dias2

RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo apresentar a importância da

recuperação judicial, visando preservar a função social da empresa, ou seja, o

interesse social, não ficando restrito à pessoa do empresário ou à sociedade-

empresária, mas a sociedade de uma forma geral. E é nesse contexto que se baseia

o entendimento da recuperação, a qual se justifica a revogação do Decreto-lei

7.661/45, pela Lei 11.101/2005. Desse modo, realizou-se uma pesquisa

bibliográfica, partindo-se da leitura do conteúdo jurídico acerca do tema na nova lei

falimentar, avaliando a importância social da empresa, bem como as conseqüências

negativas na hipótese de extinção de uma unidade empresarial de uma determinada

região. A Lei 11.101/2005 foi um grande avanço legislativo, em relação a norma

anterior, a qual não oferecia condições de recuperação para a atividade empresarial.

Assim, podemos concluir uma empresa exerce um papel essencial na sociedade,

pois é através da atividade empresarial que geri toda a economia de um país, sendo

fundamental que se preserve a empresa para que esta exerça a sua função social.

PALAVRAS-CHAVE: Função social. Empresa. Recuperação Judicial e Extrajudicial.

1 Mestre em Direito das Relações econômicas empresarias pela Universidade de Franca – UNIFRAN. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Uberlândia. Professora da disciplina Direito Processual Civil na Universidade Presidente Antônio Carlos, campus Araguari-MG. Advogada. 2 Bacharela em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Presidente Antônio Carlos, campus Araguari-MG.

2

INTRODUÇÃO

A lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, chamada pelos operadores de

direito de LRE, regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do

empresário e da sociedade empresária. A LRE modificou a disciplina jurídica

aplicável às empresas com dificuldade, substituindo o Decreto-lei 7.661/45, a antiga

Lei de Falência e Concordatas.

Antes de declarar que o devedor está insolvente pelo fato de descumprir com

as obrigações de pagar, a lei oferece-lhe meios e condições para se evitar uma crise

econômica-financeira em que se encontra. Dando a oportunidade de recuperar-se é

readquirir a capacidade de solver e, efetivamente, solver.

O regime falimentar continua sendo destinado ao empresário insolvente sem

possibilidade de recuperação e tenderá a cessação da atividade do empresário, mas

não necessariamente ao encerramento da atividade empresarial.

Hoje, quando se destaca o papel da empresa para a coletividade e os

interesses ligados ao exercício da atividade econômica, a reorganização e a

manutenção da atividade empresarial assumem condições de importantes

instrumentos para se evitar a falência. Aliás, a LRE põe em destaque tal

possibilidade.

Salienta-se que a recuperação judicial revela-se um mecanismo que, em tese,

auxiliaria as empresas e empreendimentos que se encontrem em dificuldades

financeiras a superarem a crise, com especial preocupação para a manutenção da

fonte produtora, a preservação da empresa e da sua função social, bem como a

garantia dos interesses dos credores.

É precisamente esse o conceito estabelecido no art. 47 da Lei 11.101/05.

O plano de recuperação, prevista na LRE, não precisa, necessariamente, ser

ordenado por mediação do magistrado, o devedor tem a liberdade de se dirigir aos

seus credores e negociá-lo, ficando a cargo do juiz somente homologar o acordo

feito entre eles.

Com o intuito de evitar a falência e recuperar a empresa a lei brasileira

oferece duas alternativas: a recuperação extrajudicial e a recuperação judicial. A

3

diferença entre elas está na deflagração do plano de recuperação. Sendo que na

primeira, estando de pleno acordo o devedor e seus credores, o judiciário é

solicitado para homologar e manter o controle da legalidade da operação. Enquanto

que a segunda, o devedor dirigi-se ao juiz, que move os credores a se manifestarem

sobre a proposta supervisionada pelo mesmo.

É importante dizer que em ambas é determinante a intervenção da

assembléia de credores, não apenas concordando ou discordando do pedido, mas

revendo propostas e sugerindo alternativas.

Não há como se vislumbrar atividade empresarial separada de uma função

social, assim como o dever de solidariedade deve constituir um critério conformativo

da liberdade de iniciativa econômica.

Se não fosse a implementação de uma lei com um cunho social embutido,

muitas grandes empresas hoje não estariam mais no mercado tais como: VARIG3,

VASP4, PARMALAT5, BOMBRIL6, estão entre algumas das mais de duzentas que

recorrem ao novo regime falimentar.

A lei falimentar deve atender à sociedade, visto que, a empresa é, hoje,

encarada como uma entidade de suma importância e sua recuperação não advém

de mera abstração, e sim de uma necessidade incontestável, sendo o Estado o

principal interventor da grande questão.

CAPÍTULO I – A RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS

1.1 ESBOÇO HISTÓRICO

A disciplina do Direito Comercial assinala o Ministro Bento de Faria7

3 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Recuperação judicial das concessionárias de serviços aéreos e uma análise do processo da empresa Varig. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=694> Acesso em: 29 out. 2011. 4 PORFIRIO, Fernando. Nova chance. Disponível em:<http://conjur.estadao.com.br/static/text/38581,1>. Acesso em: 01 nov. 2011. 5 COSTA, Priscyla. Empresa convalescente. Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/41555,1>. Acesso em: 01 nov. 2011. 6 PORFÍRIO, Fernando. Livre da falência. Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/43129,1> Acesso em: 01 nov. 2011. 7 FARIA Bento de. Direito Comercial. Falência e Concordata. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco Filho Editor, 1974, v. 4. p. 13

4

não existiu em Roma, não se distinguido, sob o aspecto

jurídico, o comerciante do não comerciante. Eram tratados

igualmente com relação à execução das suas dividas, a qual,

primitivamente, tinha por objeto a pessoa do obrigado, cujo

tratamento ia ao extremo da dureza e da opressão

exorbitantes.

Um dos meios mais antigos para assegurar a execução da obrigação era

permitir que a própria pessoa do devedor estabelecesse a garantia.

O direito das Tábuas tornava necessária a intervenção do magistrado, mas

estabelecia apenas uma formalidade sem efeitos, uma vez que este não tinha o

poder de recusar ao credor o direito de encarcerar o devedor.

Todavia, o credor se comprometia a emancipá-lo, isto e, a libertá-lo logo

após o pagamento da dívida, o que se verificava, habitualmente, no próprio

momento do reembolso.

O credor que não recebia o pagamento tinha o direito, também, de colocar o

devedor sob ferros durante sessenta dias, dentro dos quais teria de levá-lo ao

comitium, em três mercados sucessivos, com intervalos de nove dias, tornando- se

publica a importância devida.

Esse sistema legal manteve-se até o ano 428 a.C., quando a Lex Poetelia

Papiria o modificou, abolindo o nexum, isto e, a emancipação da pessoa e da família

do devedor, sendo que o meio mais eficiente, porém, era tomar posse dos bens para

vendê-los publicamente.

Esse movimento em favor da execução real se desenvolveu no ano 737,

quando a Lex Julia introduziu a cessio bonorum, por meio da qual o devedor de boa

fé, mediante declaração judicial ou extrajudicial, abandonava seus bens aos

credores, poupando-se, assim, a prisão e a infâmia, contudo, se o devedor

adquirisse novos bens, não poderiam executá-los sem reservar-lhe o necessário

para a sua manutenção e a de sua família.

5

Conforme resulta do exposto, conclui Bento de Faria,8 a missio in bona e a

cessio bonorum podem ser consideradas as formas rudimentares do processo de

falência, posteriormente disciplinado nas legislações contemporâneas.

Consoante a opinião unânime dos doutrinadores, posteriormente o instituto

da falência teve influencia direta nas regras que a disciplinaram na Idade Média,

notadamente na Itália, mais aproximadamente nos estatutos da suas cidades, com

certeza devido ao desenvolvimento do seu comércio. Contudo, a mais antiga

legislação em que se encontra delineada claramente a organização falencial e a

veneziana.

Da apreciação em conjunto dos estatutos das cidades italianas resulta que 9:

a) havia uma jurisdição falencial (Giudizi Del Petizioni, os Supracon-sules e os

Magistratus Ruptorum);

b) declarada a falência, o devedor perdia a disponibilidade dos bens, que eram

arrecadados e inventariados, devendo quaisquer outros efeitos ser entregues

por quem os detivessem;

c) ditos bens eram sujeitos a uma execução geral, com a admissão de todos os

credores cujos créditos deveriam ser apresentados em certo prazo,

devidamente justificados.

d) os credores eram sujeitos a classificação, mas determinada de modo diverso;

e) a divisão era feita pro rata parte, na conformidade da graduação dos credores;

f) era admitida a concordata, sendo imposta ao juiz a obrigação de ajudar o

falido, quer proporcionando-lhe auxílio para evitar que o mesmo fugisse, quer

intervindo junto aos credores relutantes, a fim de conseguir a aceitação da

proposta baseada em condições equitativas;

g) processo era rápido e simples, não sendo admissíveis senão ações e

exceções líquidas.

8 FARIA, Bento de. Direito Comercial. Falência e Concordata. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco Filho Editor, 1974, v. 4. p. 17. 9 FARIA, Bento de. Direito Comercial. Falência e Concordata. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco Filho Editor, 1974, v. 4. p. 18

6

É evidente, pois, a influência de tais estatutos nas legislações, que, embora os

alterassem grandemente, mantiveram princípios ainda hoje observados no moderno

Direito Falimentar.

São exatamente esses usos e costumes que se introduziram na França, onde

em 1673, Luiz XIV os codificou porem, pelo Código Napoleônico, de 1807, que a

falência foi disciplinada como instituição peculiar a classe dos comerciantes.

Devido a imperfeições e vícios que se apresentaram na sua aplicação, já se

verificava a ocorrência de acordos desonestos entre o falido e alguns credores, sem

qualquer fiscalização da autoridade pública e essa codificação francesa acabou por

servir de base as elaborações legislativas de outros países, influindo decisivamente

nos demais códigos mercantis, especialmente nos dos países latinos, dentre eles o

nosso de 1850.

1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA NO DIREITO BRASILEIRO

Durante o período colonial, o Brasil não teve propriamente uma legislação

especial sobre o instituto da falência, palavra esta que não se empregava naquela

época, utilizando-se em seu lugar o termo “quebra”.

O Alvará de 13 de novembro de 1756 reafirmou-a, mandando fosse observada a

risca. Mais tarde, a lei de 18 de agosto de 1769 adotou, para direito subsidiário

também nos negócios mercantis e marítimos, as leis dos povos cultos europeus.

Quando da independência, essa mistura de diversos elementos do legislativo

passou para o Brasil por força da lei de 30 de outubro de 1823 e perdurou,

incoerente e indefinido, ate o ano de 1850, salvo no que concernia ao Direito Penal,

matéria desde cedo inovada pelo Código Criminal de 1830, cujo art. 263 punia a

bancarrota “qualificada de fraudulenta na conformidade das leis do comércio”.

O advento do Código Comercial, nesse ano, trazendo a terceira parte, que

tratava especialmente das quebras, determinou a substituição, com vantagem

evidente, de semelhante caos por um sistema regular, dividido em oito capítulos, a

natureza e declaração das quebras e seus efeitos, a reunião dos credores e

7

concordata, o contrato de união, os administradores, a liquidação e dividendos, as

diversas espécies de créditos e suas graduações, as preferências e distribuição, a

reabilitação dos falidos, as moratórias e, finalmente, disposições gerais.

Assim se conservou a subseqüente legislação imperial. De novo, limitou-se a se

referir, por vezes, ao instituto para declarar que as companhias ou sociedades

anônimas em geral, notadamente as de crédito real e os bancos, não lhe estavam

sujeitos e, sim, a liquidação forçada, cujo processo estabelecia, e para alterar certas

disposições do Código Comercial (arts. 844 e 847) e autorizar as concordatas por

abandono.

Contudo o governo provisório não esqueceu o importante assunto e na sua

prodigiosa atividade legislativa lançou o Decreto n. 917, de 24 de outubro de 1890,

mandando observar o projeto redigido em 14 dias pelo jurista Carlos de Carvalho,

designado pelo então Ministro da justiça Campos Salles. Esse ato ditatorial foi

substituído pela Lei n. 859, de 16 de agosto de 1902, regulamentada pelo Decreto n.

4.855, de 02 de junho de 1903, e de vida efêmera, poucos anos depois, sobreveio a

Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908, modificada e acrescentada pela Lei

n.5.746, de 9 de dezembro de 1929.

Descrente quanto às consoantes alterações legislativas, Paulo de Lacerda10

desabafou:

Alterem os legisladores a disciplina da falência quanto bem

lhes aprouver, ou quanto os interessados reclamarem, as

queixas não descontinuarão, os clamores gerais redobrarão de

furor em torno do instituto da quebra.Quando se trata de

apontar os remédios, ou ninguém oferece indicações precisas

e adequadas a satisfação das reclamações intermináveis e

veementes, não passando de um receituário vago, ou então la

vem a balha medicamentos inutilmente violentos e cruéis, e, as

mais das vezes, ate contraproducentes. A maior parte da tarefa

da chamada ‘moralização das falências, alem de depender da

continência e lealdade de credores e devedores, bem como da

10 LACERDA, Paulo Maria de. Da Falência no Direito Brasileiro. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1931.p.10.

8

compostura e honestidade dos administradores, resulta da

inteligência e retidão dos homens da justiça; mas, isto não se

consegue a golpes de lei, toca muito especialmente a

magistratura a qual compete presidir os processos.

Se, por um lado, o Decreto n. 917 continha essa grande vantagem sobre a

legislação passada, padecia, por outro, de graves defeitos, que fizeram com que

clamores únicos se levantassem contra o mesmo.

Essa agitação, dirigida principalmente contra os meios preventivos da

declaração de falência, existentes na lei citada, era realmente justa, porque eles

foram, na frase de Carvalho de Mendonça11, “as portas por onde entrou,

desabusada, a fraude maior que se tem visto”.

Impunha-se, portanto, a reforma da lei de falências. Com a edição da Lei n.

2.024, de 17 de dezembro de 1908, que, como atesta Carvalho de Mendonça,12

“inspirou-se no Decreto n. 917, de 1890, houve um acentuado avanço, sendo

superior a todas as que a precederam, podendo ser colocada entre as melhores e

mais completas das então vigorantes entre as nações cultas, sobre essa matéria”.

Por fim, o Decreto n. 5.746, de 1929, foi substituído pelo Decreto lei n. 7661,

de 21 de junho de 1945.

As maiores inovações introduzidas pelo agora revogado Decreto lei n.

7661/45 eram:

a) se enumerou as obrigações líquidas e certas, cuja falta de pagamento

conduzia a falência, e nem se fez distinção entre dívida civil e mercantil. Essa

enumeração se tornou desnecessária, em face do que estabelece o Código

de Processo Civil; e a distinção também não se justificava, dada a unidade

de patrimônio do devedor, sistema, aliás, mantido pela atual Lei n.

11.101/2005;

11 PRATES, Lincoln. Manual de Direito Comercial. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da UFMG, 1954,t.1.p.12. 12 CARVALHO DE MENDONÇA, J.X. Tratado de Direito Comercial Brasileiro.2.ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos , 1934. Livro V. Parte I, v 7. p.136.

9

b) o art. 5º estabeleceu que os sócios solidária e ilimitadamente responsáveis

pelas obrigações sociais não eram atingidos pela falência da sociedade ,

mas lhes são extensivos, na falta de disposição especial, todos os direitos e

sob as mesmas penas, todas as obrigações que cabem ao devedor falido, o

que foi modificado pelo art. 81 da atual lei ;

c) suprimiu- se, na fase de liquidação da falência, a nomeação do liquidante

pelo juiz para se evitar a cisão da administração;

d) instituiu-se o inquérito judicial, inexistente na legislação anterior, o qual

poderia ser requerido pelo sindico, ou por qualquer credor , para apurar-se a

responsabilidade criminal do falido, que podia ser promovida por denuncia do

Ministério Publico, ou, na sua falta , por queixa de qualquer credor.

e) a concordata passou a ser requerida ao juiz, cuja sentença substituía a

vontade dos credores na formação do contrato entre eles e o devedor,

sistemática também modificada pela atual lei quanto a recuperação judicial

de empresas.

f) suprimiu-se, ainda, a classificação da falência em criminosa ou fraudulenta,

distribuindo as modalidades delituosas por artigos , conforme a gravidade

delas e cominando as penas correspondentes;

g) eliminou-se o instituto da reabilitação pelo qual o falido, satisfeitas as

condições legais, era restituído, por sentença, a situação anterior a falência,

passando a vigorar, no seu lugar, o processo de extinção das obrigações do

falido, nos termos do então art. 134 e seguintes.13

Com a edição da Lei n. 11.101, em 9 de fevereiro de 2005, varias

modificações foram introduzidas no direito falimentar, no entanto, manteve-se como

forma de caracterização da falência a impontualidade do então art.1º do Decreto lei

n. 7661/45, no art. 94, inciso I, e os atos ensejadores de falência do art. 2º do

Decreto lei n. 7661/45, no art. 94, incisos II e III.

1.3 A RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS

13 PRATES, Lincoln. Manual de Direito Comercial. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da UFMG, 1954,t.1.p.16-17.

10

Em 09 de fevereiro de 2005, o Presidente da República ratificou a Lei nº

11.101/05 a chamada “Nova” Lei de Recuperação de Empresas e Falências que

resgata os valores coletivos da atividade empresarial como um bem comum, de toda

sociedade. Essa legislação veio substituir o Decreto-Lei nº 7.661/45, antiga “Lei de

Falências”.

Primeiramente, é importante dizer que estamos diante de um meio normativo

incomparável ao anterior, posto que a legislação antiga, o Decreto Lei n º 7.661/45

estabelecia a regra da falência e excepcionalmente permitia a concordata. Esse

decreto, segundo Rubens Requião14, conceituava a concordata como o “ato

processual que visa resolver a situação econômica de insolvência do devedor ou

prevenindo a falência (preventiva) ou suspendendo a falência (suspensiva) para

proporcionar a recuperação da empresa comercial”.

Já o novo paradigma, a Lei nº 11.101/05, estabelece como regra a

recuperação da empresa e excepcionalmente a sua falência, como podemos ver em

seu art. 47 que dispõe:

A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação

da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de

permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos

trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo,

assim, a preservação da empresa, sua função social e o

estimulo à atividade econômica.

A recuperação de empresas, nos moldes instituídos pela Lei nº 11.101/2005,

pode ser judicial ou extrajudicial. A judicial é decretada pelo Judiciário, mediante a

aprovação de um plano de recuperação judicial. Já na extrajudicial, o Judiciário

funciona apenas como órgão homologador de um acordo extrajudicial já entabulado

entre o devedor empresário e os credores.

14 REQUIÃO Rubens. Curso de Direito Falimentar. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1993, v.2, p. 1.

11

O objetivo dessas duas recuperações não é o prolongamento das dívidas,

mas a retirada das causas da crise econômica-financeira de empresa, para que

utilize os melhores meios de solver os débitos, sem liquidar-se

A recuperação extrajudicial com a Lei 11.101/05 apresenta-se como mudança

na mentalidade legislativa, na medida em que o objetivo principal é viabilizar

efetivamente a superação da empresa em crise econômico-financeira,

diferentemente do instituto da concordata do Decreto-Lei 7.661/45 que na prática se

apresentava ineficaz e não dava suporte para a recuperação da empresa em crise.

O legislador na nova Lei de Falência abre uma porta menos formal para que

credores e devedores cheguem a um resultado satisfatório, com o objetivo de

manter viva a empresa, como unidade produtiva.

O instituto da recuperação extrajudicial, obedecidos a seus requisitos

específicos, garantiu liberdade ao devedor para que selecione seus credores para a

negociação dos débitos anterior a uma solução judicial, simplificando a aceitação de

novas condições de pagamento, evitando a participação de todos os credores

envolvidos e a morosidade do processo judicial. Verifica-se na concordata que

poderia ser proposta preventivamente ou suspensivamente, anterior ou posterior a

declaração de falência.

A concordata preventiva nunca impediu que houvesse negociações

extrajudiciais, mas ficava meramente no plano contratual, sem reconhecimento

formal no plano da concordata judicial. Diferentemente desta antiga realidade, com o

advento da LRE os acordos preventivos extrajudiciais são objeto de homologação

judicial, conferindo certeza e segurança aos credores e devedores.

1.4 RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL

A recuperação extrajudicial é uma tentativa do devedor solver seus problemas

com os credores sem que haja grande necessidade da intervenção judicial; sendo

assim, estando de acordo o devedor e seus credores, o Judiciário é requerido para

homologar e manter o controle da legalidade da operação.

12

Vale ressaltar que, para que isso aconteça, é necessário que exista uma

situação financeira e econômica compatível com uma renegociação parcial, apta a

possibilitar a recuperação da empresa. Nessa renegociação, salvo os credores

impedidos por lei, tem o devedor plena liberdade para selecionar apenas os que ele

quiser e propor estes novas condições de pagamento. É importante dizer que em

regra é o devedor quem toma a iniciativa do plano de recuperação judicial, mas pode

o credor também fazê-lo

Na prática, o processo de recuperação extrajudicial representa a primeira

tentativa de solução amigável das dívidas do empresário.

O art. 161 da Lei 11.101/05 dispõe que se o devedor poderá propor e

negociar com credores um plano de recuperação extrajudicial, desde que preencha

os requisitos exigidos para a recuperação judicial, que está disposto no art. 48 da

LRE, isto é:

Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no

momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há

mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos,

cumulativamente

I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por

sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí

decorrentes;

II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de

recuperação judicial;

III – não ter, há menos de 8 (oito) anos, obtido concessão de

recuperação judicial com base no plano especial de que trata a

Seção V deste Capítulo.

IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou

sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes

previstos nesta Lei.

13

Thomas Benes Felsberg15, de uma forma clara, explica sobre o avanço do

direito falimentar com o advento da Lei nº 11.101/2005 que estabeleceu a

recuperação extrajudicial, a seguir:

Com a aprovação da nova lei, o devedor passa a ter condições

especiais para pagar suas dívidas, além de poder convocar

seus credores para negociações e elaboração do plano de

reestruturação. A mudança representa um enorme avanço,

propiciando condições adequadas à recuperação de empresas.

A recuperação extrajudicial é um acordo celebrado entre o

devedor e seus credores no âmbito privado, que deve ser

homologado judicialmente quando da adesão de todos os

credores ao plano ou de pelo menos três quintos de cada

classe de credores sujeitos ao plano.

1.4.1 Características da recuperação extrajudicial

A primeira característica que devemos ressaltar da recuperação extrajudical é

que somente os credores que concordarem expressamente com o plano ficaram

sujeitos aos seus efeitos.

Aos credores que não aderirem terão o papel de mero fiscalizador, podendo,

quando muito, quando o plano já estiver em juízo para a homologação, manifestar

sobre eventuais vícios ou inconvenientes que recomendem sua rejeição. É certo

que, nessa oportunidade, poderão também inserir suas pretensões no plano.

Pelo seu caráter negocial, a recuperação extrajudicial passa pela formalidade,

antes de sua homologação em juízo. O credor seleciona e convoca quem quer.

Adere ao plano quem entender conveniente. Quem não quer, não se sujeita aos

efeitos do plano. A recuperação extrajudicial é um negócio cuja irretratabilidade

decorre da homologação judicial.

15 FELSBERG. Thomas Benes. Os objetivos da recuperação de empresas. Senado Federal, 28.dez.2004: p.01. Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/274l86/1/noticia.htm>.

14

A recuperação extrajudicial se transforma quando o devedor requer a

homologação do acordo do plano de recuperação extrajudicial, com a anuência de

credores que representam mais de 3/5 de todos os créditos de cada espécie. Nessa

hipótese, o plano de recuperação obriga a todos os credores por ele abrangidos. A

sentença homologatória do plano de recuperação extrajudicial é titulo executivo

judicial.

Outra situação relativa ao plano abrangente da totalidade de uma

determinada espécie de créditos ou grupos de credores da mesma natureza e

sujeitos às mesmas condições de pagamentos. Nessa hipótese, a homologação do

plano obriga todos os créditos das espécies envolvidos constituídos até a data do

pedido de acordo.

Vale ressaltar, que há uma regra válida para todas essas hipóteses. A

apuração do percentual de três quintos observa dois modelos legais: os créditos de

sócios do devedor, sociedades coligadas, controladoras etc.; a conversão do crédito

em moeda estrangeira para moeda nacional deverá operar-se com base no câmbio

da véspera da assinatura do plano.

Essa variação cambial só poderá ser afastada por aprovação expressa do

titular do crédito. No entanto, no caso de venda dos bens gravado com garantia real,

a eventual supressão da garantia ou, até mesmo, sua substituição, depende de

expressa concordância do credor que titula a garantia.

1.4.2 Credores sujeitos a recuperação extrajudicial

De acordo com o art. 161, §1º da LRE, todos os credores estão sujeitos à

recuperação extrajudicial, salvo os créditos tributários, trabalhistas, decorrentes de

acidente de trabalho, dívidas com garantia fiduciária de móveis ou imóveis,

arrendamento mercantil, compra e venda de imóveis com determinadas

características, compra e venda com reserva de domínio (art. 49, §3º) e

adiantamento de contrato de câmbio (art.86, II).

Na realidade, este §1º não proíbe a proposta de recuperação extrajudicial

para tais tipos de credores. Tal disposição apenas deixa tais credores fora da

15

“inclusão obrigatória” prevista no art.163. Em suma, se tal tipo de credor aceitar o

plano de recuperação, poderá ser incluído; porém, se ele não concordar não será

atingido pela obrigatoriedade prevista no art. 163.

Vale dizer que, não existe a possibilidade de vinculação de credores que não

estejam de acordo com o plano de recuperação apresentado pelo devedor, pois o

devedor não é obrigado a incluir todos os créditos no plano de recuperação

extrajudicial, e o credor também não é obrigado a aceitar o plano.

Isto ocorre porque tal recuperação poderá atingir somente aqueles credores

que a ela tiverem aderido ou, se for o caso, todos os credores, desde que, nesta

hipótese, o plano de recuperação conte com a aprovação de credores

representando mais do que 3/5 ou 60% (sessenta por cento) de todos os créditos de

cada espécie que venha a ser abrangida pelo plano de recuperação apresentado

pelo credor.

Ainda nesse sentido, o art.161, §4°, da Lei de Falências, discorre que:

O pedido de homologação do Plano de recuperação

extrajudicial não acarretará suspensão de direitos, ações ou

execuções, nem a impossibilidade do pedido de decretação de

falência pelos credores não sujeitos ao plano de recuperação

extrajudicial.

Dessa forma, o credor que não esteja de acordo com o plano de recuperação

extrajudicial apresentado pelo devedor não está vinculado a tal plano, e ainda assim

está autorizado por vias próprias, a pedir a decretação de falência do devedor.

1.5 RECUPERAÇÃO JUDICIAL

A recuperação judicial é uma ação judicial que tem como escopo resolver a

situação de crise econômica-finaceira da empresa devedora. Nela, o devedor pede

um tratamento diferenciado, justificável, para extrair a crise na qual a empresa

padece. Seu objeto mediato é a salvação da atividade empresarial em risco e seu

16

objeto imediato é a satisfação, ainda que atípica, dos credores dos empregados, do

Poder Público e, também, dos consumidores.

Diferentemente da concordata, que abrangia somente os credores

quirografários, ou seja, aqueles que não tiverem título legal de preferência têm o

mesmo direito que os outros credores, nas mesmas condições sobre os bens do

devedor comum, sendo pago em rateio do saldo que houver. A recuperação judicial

atinge toda a comunidade de credores anterior ao ajuizamento do pedido de

recuperação.

A Lei 11.101 de 2005 trouxe a possibilidade de reestruturação às empresas

economicamente viáveis que passem por dificuldades passageiras, mantendo os

empregos e os pagamentos aos credores.

Um dos grandes interesses apontados na nova legislação falimentar é a

preferência dada à conservação da empresa e dos seus recursos produtivos. Ao

acabar com a concordata e criar as figuras da recuperação judicial e extrajudicial, a

nova lei potencializa a abrangência e a flexibilidade nos processos de recuperação

de empresas, indicando meios para que a empresa devedora enfrente as

dificuldades econômicas e financeiras. O que podemos observar no art. 47, da Lei

11.101/05, que dispõe:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a

superação da situação de crise econômico-financeira do

devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do

emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores,

promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função

social e o estímulo à atividade econômica.

Pela nova lei, o abarcamento direto do Judiciário é precedido de uma tentativa

de transação informal entre o devedor e os credores, através de uma sugestão de

recuperação apresentada pelo devedor a uma assembléia de credores. Na qual a lei

define como negociação extrajudicial.

17

Assim podemos dizer que a principal novidade da recuperação judicial é que

ela visa sanear a situação de crise econômico-financeira da empresa por meio de

ação judicial, o que admite o controle do Poder Judiciário e do Ministério Público.

O processo de recuperação judicial será conhecido pelo Registro Público de

Empresas Mercantis e Atividades Afins, mediante comunicação do juiz competente.

Caberá à Junta Comercial realizar a anotação pertinente (prontuário e

cadastro), não podendo a empresa cancelar seu registro. Deverá ser acrescida, ao

final do nome empresarial, a expressão "em recuperação judicial", como determina o

art. 69 da Lei nº. 11.101./2005.

Durante o processo de recuperação judicial, a Junta Comercial poderá

arquivar alterações contratuais, desde que não importem alienação do patrimônio,

salvo com autorização do juiz processante.

1.5.1. Requisitos para o pedido de recuperação judicial

O art. 4816 da LRE dispõe acerca das exigências necessárias a serem

cumpridas para seja deferida a recuperação judicial da atividade em crise.

Portanto, através da análise do dispositivo legal conclui-se que só possui

legitimidade para requerer a recuperação judicial quem a tem para a falência. Ou

seja, somente quem está exposto ao risco de ter a falência decretada pode pleitear o

benefício da recuperação judicial. Como é medida destinada a preservar o devedor

da falência, a lei só a defere a quem pode falir.

Saliente-se que a recuperação judicial só tem cabimento se o titular da

empresa em crise assim desejar. Portanto, são legitimados para o pedido de

16 Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; III – não ter, há menos de 8 (oito) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo. IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.

18

recuperação judicial as sociedades empresárias e o empresário individual, desde

que exerçam suas atividades regularmente há mais de dois anos.

Apenas os devedores em estado de pré-falência podem ser socorridos pela

recuperação judicial, não sendo, portanto, acionável por quem já teve a quebra

decretada.

O inciso II impede que a recuperação seja deferida ao devedor que a tenha

obtido há menos de cinco anos, pois sugere falta de competência suficiente para a

exploração da atividade econômica. Sendo a devedora sociedade microempresária

ou empresária de pequeno.

Outro requisito apontado pela lei no inciso IV do transcrito artigo exige que o

sócio controlador e nenhum dos administradores tenha sido condenado pela prática

de crime falimentar, salvo posterior obtenção de reabilitação, pois a lei considera

que o controle ou a administração da empresa por criminoso é indicativo do uso

indevido do instituto.

1.5.2 Legitimidade ativa para o pedido de recuperação judicial

A legitimidade ativa além do devedor empresário também pode requerer a

recuperação da empresa o conjugue do empresário falecido seus herdeiros e o

inventariante do espólio. O sócio remanescente de sociedade desfeita, igualmente,

pode fazê-lo.

No tocante a petição inicial, a LRE cataloga os requisitos instrutórios

específicos para a deflagração do processo de recuperação judicial. Os gerais são

os expostos no art. 282, CPC.

A lei não reclama que a exposição do devedor seja um relato técnico, mas é

conveniente que o seja. Afinal de contas, trata-se da causa de pedir da ação de

recuperação judicial. Deve, pois, conter dados e fatos e suas conseqüências, de

modo a justificar a necessidade e a possibilidade da recuperação anelada. A

exposição deve ser acompanhada de elementos relativos à situação patrimonial da

empresa e de sua regularidade.

19

É importante ressaltar que o peticionário da recuperação deve ser inscrito, há

mais de 2 (dois) anos, no registro de empresa. Daí por que a própria LRE determina

que o devedor junte certidão de sua regularidade no registro de empresas, o ato

constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores.

Para explicitar a situação patrimonial autorizadora da recuperação, é

necessária a anexação de demonstrações financeiras, conforme as normas da

contabilidade, relativa aos três últimos exercícios sociais. Reclama-se, também, a

instrução da inicial com demonstrações contábeis levantadas especificamente para

esse fim. Ou seja, não basta a juntada de demonstrações financeiras dos exercícios

anteriores. É necessário que se apresente outra especialmente dedicada à

justificação do pedido de recuperação.

Essas demonstrações compreendem o balanço patrimonial, a demonstração

de resultados acumulados, a demonstração do resultado desde o último exercício

social e o relatório gerencial de fluxo caixa, bem como de sua projeção.

O balanço patrimonial serve para expressar a real situação da empresa. O de

resultado econômico oferece o cotejo de créditos e débitos, exprimindo os

resultados da empresa.

É obrigatória a apresentação contábil, qualquer que seja a sua forma. Os

documentos pertinentes permanecerão à disposição do juízo e do administrador

judicial, mas qualquer interessado poderá consultá-los, mediante autorização

judicial. O juiz pode, inclusive, determinar que esses documentos sejam depositados

em cartório. Tratando-se de microempresa ou empresa de pequeno porte, os livros e

a escrituração contábil são simplificados.

No livro diário ou equivalente (balancetes diários e balanços) deve trazer os

registros em ordem cronológica, a identificação das contas debitadas e creditadas e,

também, o histórico e o valor dos eventos contábeis.

Se o devedor é empresário que adota o regime de vendas com prazo superior

a trinta dias, deve apresentar o registro de duplicatas ou equivalente mecanizado,

nos termos do art. 19 da Lei nº 5.474/69

Além dos livros, há outros de natureza fiscal exigíveis conforme a natureza da

atividade econômica da empresa em crise.

20

Conforme art. 226, CC, os documentos contábeis das sociedades fazem

prova contra elas e, provam em seu favor quando escriturados sem vícios, desde

que confirmados por outros subsídios. Quatro são as relações que devem

acompanhar o pedido: credores, empregados, de bens particulares dos sócios e de

ações judiciais.

Igualmente é exigida a oferta de extratos atualizados das contas bancárias e

aplicações financeiras, inclusive em fundos de investimentos ou em Bolsa de

Valores, devendo tais documentos serem os emitidos pelas respectivas instituições

financeiras. Embora a lei não o diga, parece que também devem ser juntados os

extratos pertinentes aos controladores, administradores e sócios ilimitamente

responsáveis.

Outra documentação imprescindível é a pertinente às certidões completas dos

cartórios de protesto situados no domicílio da sede da empresa e naqueles onde

possuir filiais. Não é demasia anotar que o devedor pode ter títulos protestados em

outros cartórios, situados em outros locais. Só para exemplificar, os títulos de crédito

devem ser protestados na respectiva praça de pagamento, que, conforme o caso

pode não ser a da sede da empresa ou de suas filiais.

1.5.3 Os excluídos da recuperação judicial

Nem todo exercente de atividade econômica empresarial encontra-se sujeito

à lei nº. 11.101/05. Algumas sociedades empresárias, embora produzam ou circulem

bens ou serviços por empresas organizadas, estão excluídas da lei. A norma prevê a

exclusão completa e absoluta dessas sociedades, conforme dispõe o art. 2º:

Art. 2º Esta Lei não se aplica a: I - empresa pública e

sociedade de economia mista; II - instituição financeira pública

ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de

previdência complementar, sociedade operadora de plano de

assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de

21

capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às

anteriores.

Como já citado, estarão sujeitas aos processos de falência e de recuperação

todas as sociedades empresárias, as simples e os empresários individuais. No

entanto, a sociedade de economia mista e a empresa pública não estão sujeitas à

falência nem podem pleitear recuperação judicial.

Podemos enumerar, em síntese, os argumentos que justificam a exclusão das

empresas públicas e das sociedades de economia mista: a) são empresas com

interesses vinculados ao governo, sobre as quais o Estado exerce o controle

administrativo e diretivo; b) são empresas operantes sob as regras de direito

privado, mas seu poder não torna eqüitativo o relacionamento com pessoas

privadas; c) é de capital inteiramente governamental; d) é a empresa pública sui

generis, com características próprias como o de ser sociedade com apenas um

sócio; e) representam intervenção do estado nas atividades empresariais, que, via

de regra, cabem à iniciativa privada.

Como estão relacionadas com a administração pública, caso precisem de

recuperação judicial, terão elas solução doméstica, vale dizer, no seio do próprio

Poder Executivo.

Quanto à previsão do inciso II, leis específicas disporão sobre as formas de

intervenção e liquidação nas instituições financeiras públicas e privadas,

cooperativas de crédito, empresas de previdência privada e operadoras de planos

de saúde, sociedades seguradoras e de capitalização, estabelecendo procedimentos

diferenciados.

A doutrina pátria majoritária aponta ainda a exclusão das sociedades

cooperativas e dos agricultores que exploram propriedades rurais apenas para fins

de subsistência, pois esse tipo de atividade não é considerada empresarial, já que

não produz para suprir o mercado consumidor.

É importante dizer, ainda, que também estão excluídas as sociedades civis de

prestação de serviços profissionais relativos ao exercício de atividade legalmente

regulamentada e as que prestam funções que exerçam tarefa profissional autônoma,

de forma individual ou organizada. É o caso de escritórios de advocacia, em que

22

vários advogados se unem e prestam serviços não individuais. Formam eles um tipo

de sociedade, mas não tem caráter empresarial.

1.5.4 Meios de recuperação judicial

O art. 50 menciona, exemplificativamente, os meios de recuperação judicial

da empresa. São eles:

I – concessão de prazos e condições especiais para

pagamento das obrigações vencidas ou vincendas;

Este primeiro inciso é o mais comum dos meios de recuperação, refere-se à

concessão de prazos e condições especiais para a solução dos débitos vencidos.

II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade,

constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou

ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da

legislação vigente;

Neste inciso, o legislador preferiu deixar de lado os rígidos modelos de

pagamento parcelado, o qual era vivenciado na antiga concordata, não estipulando

valores e prazos mínimos. Se atendo, em cada caso, as peculiaridades da empresa,

de sua situação econômica e da natureza dos seus créditos, ficando a cargo do

magistrado deferir ou não a concessão de prazos e valores que, ensejando a efetiva

recuperação do devedor, não prejudicando os direitos dos credores.

III – alteração do controle societário;

23

Como meio de recuperação, se faz necessário uma alteração do controle

societário, por isso uma reorganização administrativa é concedida como expediente

recuperatório para empresas geridas de forma insatisfatória.

IV – substituição total ou parcial dos administradores do

devedor ou modificação de seus órgãos administrativos;

Este inciso IV, do art. 50 da LRF, não é, por si só, um meio de recuperação

empresarial. A simples troca de administradores não tem a finalidade de dilatar

prazos de pagamentos. Quase sempre será um meio secundário, contudo não

podemos afastar a sua relevância. A própria Lei de Recuperação e Falência, reza,

especificamente, sobre o afastamento dos gestores, nas hipóteses e circunstâncias

que justifiquem a assunção da atividade empresarial pelo Comitê ou por

administrador-gestor. Podendo assim dizer que o que vale na recuperação não é o

interesse dos gestores ou sócios e sim a preservação da atividade empresarial.

Pois nas hipóteses em que a minoria societária, afastada da administração e

do centro de tomada de decisões, concedendo que a crise econômica financeira

deve-se à gestão dos administradores, e estando impedida de corrigir os rumos da

empresa, postule do juiz a substituição administrativa.

V – concessão aos credores de direito de eleição em separado

de administradores e de poder de veto em relação às matérias

que o plano especificar;

Este inciso V é uma prática consolidada na vida empresarial das médias e

grandes empresas em dificuldades. Nas crises econômico-financeiras é usual a

nomeação branca de "interventores", assim designados os comissários dos

credores, que passam a intervir diretamente nas decisões empresariais, visando

criar condições favoráveis ao pagamento dos débitos.

24

VI – aumento de capital social;

O aumento de capital social representa a injeção de recursos para tornar

possível a viabilidade econômica da empresa em crise. Difícil é encontrar candidatos

que queiram se arriscar investindo em uma empresa em estado pré-falimentar; que

a veja como uma boa oportunidade de negócios.

VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive

à sociedade constituída pelos próprios empregados;

Este inciso VII é um meio de recuperação que se torna adequado àquelas

empresas cujo passivo trabalhista chegue a tal ponto que a atividade empresarial

tenha se tornado inviável nos moldes tradicionais, vislumbrando-se a falência da

empresa e o fechamento dos postos de trabalho.

Por isso, a opção de trespasse ou arrendamento a sociedades de

trabalhadores, até mesmo cooperativas, vem se tornando saída. Constituídas por

empregados, a concessão se dá sem a sucessão de encargos ou transferências de

direitos e obrigações. Assim, esses créditos podem ser convertidos em cotas de

cooperativa, dividindo-se o resultado da atividade entre os cooperados,

desonerando-se o empresário dessas obrigações que, mais das vezes, ultrapassam

o valor dos bens sociais e passam a gravar seu patrimônio pessoal

VIII – redução salarial, compensação de horários e redução da

jornada, mediante acordo ou convenção coletiva;

A empresa que se valer desse inciso, depende de uma interpretação

constitucional, já que não existe acordo coletivo ou convenção sem a participação

dos sindicatos. Não bastando uma previsão de acordo na redução salarial, no

aumento ou redução de carga horária dos trabalhadores em no plano de

recuperação apresentado pelo devedor. A empresa deverá suscitar o competente

25

dissídio na Justiça do Trabalho, pois sem o contrato coletivo de trabalho não há

renegociação das obrigações ou do passivo trabalhista.

IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo,

com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro;

A dação em pagamento somente é apropriada quando, por fatores de

mercado, a venda de determinados bens seja impossível sem uma redução

significativa de seu valor de avaliação.

Já quanto à novação de dívidas do passivo, trata-se de efeito previsto pela

própria adoção do plano de recuperação de empresa, conforme expresso no art. 59

da LRF( “O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao

pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das

garantias, observado o disposto no § 1o do art. 50 desta Lei”), sendo esta uma

forma de adimplemento e extinção das obrigações, mediante assunção de nova

obrigação que substitui a originária.

X – constituição de sociedade de credores;

A constituição de sociedade de credores pode se organizar em qualquer uma

das formas societárias admissíveis em lei para adjudicar bens do devedor, para

arrendá-los, para recebê-los em pagamento, com conseqüente desoneração das

dívidas.

XI – venda parcial dos bens;

Este inciso foi uma novidade traga pela Lei 11.101 de 2005 para a

recuperação da empresa permitindo que sejam alienados aqueles bens que não

sejam indispensáveis a continuação da atividade produtiva, sob pena de

agravamento da crise.

26

XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de

qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da

distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se

inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do

disposto em legislação específica;

É uma forma da aplicação do princípio “pars conditio creditorum”, ou seja, o

princípio da igualdade entre os credores. Conforme este preceito legal, os débitos

vencidos e vincendos de qualquer natureza podem ser equalizados, tomando como

termo inicial o da data do pedido de recuperação judicial, com a correspondente

desvalorização dos encargos devidos nas dívidas de longo prazo ou pelo

alongamento das dívidas de curto prazo.

XIII – usufruto da empresa;

Neste inciso XIII, podemos dizer que não se transfere a domínio da empresa

ou de seus bens, mas o usufrutuário passa a receber total ou parcialmente seus

frutos ou resultados, devendo ser o fato averbado na Junta Comercial.

XIV – administração compartilhada;

Quanto à administração compartilhada, em alguns casos, o devedor, tem

interesse em dividir com os credores a administração de seu negócio, uma vez que

tal ato garante o compromisso de todos pelo bom resultado da empresa; afinal é

desejo de ambos o bom andamento do plano de recuperação judicial.

XV – emissão de valores mobiliários;

27

Este inciso terá relevância se a pessoa jurídica gerar abertura de capital, para

transação de seus papéis em bolsa, objetivando capitalização da empresa. Tendo

efeito somente se ligado com outras empresas, mostrando ao mercado efetiva

possibilidade de saneamento da parte devedora, podendo assim captar os

investidores.

XVI – constituição de sociedade de propósito específica para

adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor.

A parte final deste inciso restringiu as possibilidades da sociedade de

propósito especifico à adjudicação de bens do devedor, pois se mistura com o

disposto no inciso X – formação de sociedade de credores. Assim, dentre outras

possibilidades, este inciso XVI, deve ser usado para realizar determinadas

operações vantajosas à empresa em recuperação bem como favorecer participação

sua em empreendimentos ou negócios, ou de terceiros investidores, sem a

contaminação das operações ou da novel sociedade pelo passivo pré-existente.

1.5.5 Órgãos da Recuperação Judicial

1.5.5.1 Comitê de Credores

A LRE conferiu ao Comitê de Credores funções extremamente relevante nos

processos de recuperação judicial, como a fiscalização do todos os personagens na

recuperação, dentre os quais o administrador judicial e a(s) sociedade(s) em

recuperação. Não obstante, disciplinou a criação, composição e extinção do órgão e

tratou de diversos outros aspectos referentes ao Comitê adiante analisados.

Versando inicialmente da formação e composição do Comitê de Credores,

disciplinou-se que será constituído por deliberação de quaisquer das classes de

credores na Assembléia-Geral, quando ocorrerá a constituição do Comitê e a

escolha de seus membros, valendo mencionar que também será decidida na

28

referida Assembléia, entre outras questões, a aprovação ou rejeição do plano de

recuperação judicial.

De acordo com o dispositivo legal exposto no artigo 26 da lei 11.101/2005, o

Comitê será composto por:

Art. 26. O Comitê de Credores será constituído por deliberação

de qualquer das classes de credores na assembléia-geral e

terá a seguinte composição:

I – 1 (um) representante indicado pela classe de credores

trabalhistas, com 2 (dois) suplentes;

II – 1 (um) representante indicado pela classe de credores com

direitos reais de garantia ou privilégios especiais, com 2 (dois)

suplentes;

III – 1 (um) representante indicado pela classe de credores

quirografários e com privilégios gerais, com 2 (dois) suplentes.

Porém é importante observar as exceções previstas no artigo 30 da referida

Lei, segundo as quais está impedido de integrar o Comitê aquele que:

Art. 30. Não poderá integrar o Comitê ou exercer as funções de

administrador judicial quem, nos últimos 5 (cinco) anos, no

exercício do cargo de administrador judicial ou de membro do

Comitê em falência ou recuperação judicial anterior, foi

destituído, deixou de prestar contas dentro dos prazos legais

ou teve a prestação de contas desaprovada.

§1º Ficará também impedido de integrar o Comitê ou exercer a

função de administrador judicial quem tiver relação de

parentesco ou afinidade até o 3º (terceiro) grau com o devedor,

seus administradores, controladores ou representantes legais

ou deles for amigo, inimigo ou dependente.

29

Vale mencionar que na escolha dos representantes de cada classe no Comitê

de credores somente os respectivos membros poderão votar.

Quanto à instalação do Comitê registra-se ser facultativa, devendo, em tese,

devendo haver somente se a complexidade e o volume da massa falida justificarem

a sua constituição. Isso porque a instauração desnecessária do Comitê pode

burocratizar e atrasar o andamento do processo de recuperação judicial.

Na inexistência do Comitê, elucida-se que, suas atribuições são exercidas,

basicamente, pelo administrador judicial ou pelo próprio juiz competente. Este

atuará, inclusive, na fiscalização do administrador judicial, já que haveria

incompatibilidade do exercício de tal função pelo próprio administrador.

A função essencial do Comitê é a de fiscalização, seja em relação ao

administrador judicial ou à sociedade em recuperação. Para o exercício dessa

atribuição fiscal é permitido o acesso às dependências das empresas em

recuperação, à escrituração e demais documentos relacionados à empresa em

recuperação. Detectada alguma irregularidade, especialmente ação ou omissão que

se mostre oposta ao plano de recuperação judicial aprovado, deve o Comitê

manifestar-se nos autos da recuperação judicial requerendo ao magistrado que

adote as medidas necessárias à eliminação de atos contrários ao plano de

recuperação judicial.

Ao juiz deve ser apresentado relatório mensal das atividades realizadas pela

recuperanda, assinalando falhas e irregularidades. Tal dever é de suma importância

não apenas para que se apresente ao magistrado e credores todas as ações que

possam gerar o fracasso da recuperação, mas também para livrar os membros do

comitê de eventual responsabilização por mau desempenho de suas funções, uma

vez que responderão pelos prejuízos causados por dolo ou culpa.

Outra importante atribuição do Comitê é a de, até o encerramento da

recuperação judicial, poder requerer a exclusão, outra classificação ou a retirada de

qualquer crédito nos casos de descoberta de dolo, falsidade, simulação, fraude, erro,

ou ainda documentos ignorados na época do julgamento do crédito ou da inclusão

no quadro geral de credores.

30

Cabe ainda ao Comitê ajustar e aprovar os honorários de advogados

eventualmente contratados para representar a massa falida em juízo, devendo se

pronunciar quanto à venda ou oneração de bens ou direitos do ativo permanente do

devedor após a distribuição do pedido de recuperação judicial.

Vale lembrar que as resoluções do Comitê, como órgão colegiado que é, são

sempre tomadas pela maioria de seus membros, tendo direito a voto um único

representante de cada classe. As decisões serão registradas em livro de atas,

rubricado pelo juízo, que ficará à disposição do administrador judicial, dos credores e

do devedor.

Caso não seja possível a obtenção de maioria em deliberação do Comitê, o

impasse será resolvido pelo administrador judicial ou, na incompatibilidade deste,

pelo juiz.

Para fins de responsabilização, fica excluída a responsabilidade de membro

do Comitê que for voto vencido em determinada deliberação contrária à lei ou

prejudicial ao sucesso da recuperação, bem como ao interesse dos credores, desde

que registrada em ata a sua discordância.

Em relação às despesas originadas com a instalação do Comitê, seus

membros podem ser remunerados, ou não, de acordo com decisão obtida na

Assembléia de Credores. A lei 11.101/2005 prevê que tais custos não serão

atribuídos ao devedor, que deverá arcar apenas com as despesas realizadas para a

realização de atos previstos na Lei, se devidamente comprovados e com a

autorização do juiz.

Assim, a remuneração dos membros do Comitê ocasiona-se de recursos

alçados pelos próprios credores. A legislação procurou não onerar ainda mais as

empresas em recuperação, não atribuindo a elas parte dos custos gerados pelo

Comitê.

Deve-se ter em mente que, na prática, em recuperações complexas, são

elevados os custos com honorários do administrador judicial e de advogados, custos

estes já suportados pelas recuperandas.

Já a dissolução do Comitê, este será desconstituído por determinação judicial,

uma vez decretado, por sentença, depois de cumpridas as obrigações vencidas até

dois anos depois da concessão do plano, o encerramento da recuperação judicial.

31

Deste modo, perante o exposto acima, nota-se que o comitê retém

respeitáveis funções, na qual podemos destacar, seu papel de fiscal em

recuperações complexas e que envolvam créditos significativos, onde estão em jogo

interesses de diversos credores.

1.5.5.2 Administrador Judicial

O administrador na recuperação judicial tem atribuição semelhante a um

fiscal, encarregado de acompanhar e fiscalizar o processo de recuperação judicial e

o comportamento da empresa em recuperação e daqueles que a gerem. Não se

trata de administração controlada, mas fiscalizada. Segundo Waldo Fazzio Júnior17,

“o administrador é um auxiliar qualificado do juízo. Inserto no elenco dos particulares

colaboradores da justiça, não representa os credores nem substitui o devedor

falido.” Ainda que não possua poderes gerenciais, não é sinônimo de uma

participação meramente passiva. Caso verificado a ocorrência de fatos que

prejudiquem o cumprimento da recuperação, deverá comunicar ao órgão judicial

para que se tomem as devidas providências

Na recuperação judicial, as atribuições do administrador mudam de acordo

com dois vetores, conforme cita Fabio Ulhoa18 “caso o comitê, que é órgão

facultativo, exista ou não; e caso tenha sido ou não decretado o afastamento dos

administradores da empresa em recuperação.”

Sendo que o primeiro vetor, uma vez estabelecido o comitê, ao administrador

judicial caberá essencialmente verificar os créditos, presidir a Assembléia dos

Credores e fiscalizar a sociedade empresaria devedora. Caso não haja Comitê, o

administrador assumirá também a competência reservada pela lei a esse órgão

colegiado, exceto se houver incompatibilidade.

Já no segundo vetor, o administrador judicial terá o poder de administrar e

representar a sociedade empresária requerente da recuperação judicial quando o

magistrado decidir pelo afastamento dos seus diretores, enquanto não for eleito o

17 FAZZIO JR, Waldo. Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. São Paulo: Atlas, 2005. p. 326. 18 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de Recuperação de empresas. Ed. 21ª. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 375 .

32

gestor pela Assembléia Geral. Este é o único caso que ele tem o privilégio de

imiscuir por completo na intimidade da empresa e tomar as decisões administrativas

relativas à exploração do negócio.

1.5.5.3 Assembléia Geral de credores

A Lei 11.101/2005 inovou ao prever a existência e a atuação de uma

Assembléia Geral de Credores na recuperação judicial, na qual o credor deixou de

ser um simples agente passivo, passando a atuar intensamente e de maneira

permanente, durante todo o processo de recuperação, através do Comitê de

credores ou da Assembléia Geral de Credores.

A Assembléia Geral de Credores é um órgão de deliberação dos credores no

processo de recuperação judicial, onde os credores são chamados para defender e

expor seus interesses.

Conforme o art. 35 da nova lei, este órgão possui como atribuições, a

aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado

pelo devedor; a constituição do Comitê de Credores, a escolha de seus membros e

sua substituição; deliberação sobre o pedido de desistência do devedor; o nome do

administrador judicial, quando o devedor se afastar, bem como qualquer outra

matéria que possa afetar os interesses dos credores.

A relação de matérias nas quais haverá manifestação dos credores reunidos

em Assembléia Geral é exemplificativa. Ou seja, qualquer matéria, que seja de

interesse deles, relacionada com o salvamento da empresa em crise, deverá ser

debatida por este colegiado, afinal nenhuma decisão poderá ser processada sem a

atuação desse colegiado.

O poder da Assembléia Geral não é decisório, não se sobrepondo ao

jurisdicional. Pois, por conta do funcionamento da Assembléia, principalmente se

houver grande número de credores, os litígios seriam intermináveis, já que na

Assembléia de Credores busca-se a proteção de interesses individuais.

Se o plano for consistente, conforme o laudo apresentado, e possibilitar

mecanismos eficientes para a recuperação, certamente contará com a aprovação

33

dos credores que se sacrificarão para salvar o empreendimento. Portanto, a

concordância dos credores é necessária, pois são eles que avaliarão a viabilidade

do plano e sua capacidade de reorganizar a empresa, salvando seus créditos.

O juiz poderá deferir o pedido de recuperação com base em plano que não

obteve aprovação pela Assembléia Geral de Credores, desde que esse plano de

recuperação seja aprovado com maciço apoio dos credores.

Embora o plano não tenha alcançado o quorum qualificado de deliberação na

Assembléia, ele obteve de forma cumulativa: o voto a favor de credores que

representam mais da metade do valor de todos os créditos presentes,

independentemente das classes de seus titulares; aprovação pela maioria das

classes ou por uma, se apenas duas votam; na classe que o houver rejeitado, o voto

favorável de mais de um terço dos credores, computados na forma dos parágrafos

1º e 2º, do art. 45.

Destaque-se que a recuperação judicial somente poderá ser deferida na

forma citada se o plano não implicar em tratamento diferenciado entre os credores

da classe que o houver rejeitado.

O juiz terá discricionariedade relativa para decidir se aprova ou não o plano,

se atendidos os requisitos legais previstos nos parágrafos 1º e 2º, do art. 58 da Lei

11.101/05, já que se não atendidas às condições previstas, o juiz decretará a

falência do devedor, pois os planos discutidos não foram aprovados.

Portanto, será concedida a recuperação judicial caso o plano não tenha

sofrido objeção. Poderá o juiz deferir a recuperação judicial desde que o plano

apresente todos os requisitos exigidos pela LRE. Segundo o art. 58, uma vez

cumpridas todas as exigências legais, o juiz concederá a recuperação judicial do

devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credores ou tenha sido aprovado

pela assembléia-geral de credores.

Se o plano apresentado pelo devedor sofrer, no prazo estabelecido em lei,

alguma objeção, o juiz não deferirá a recuperação de imediato, devendo-se adotar

medidas, como a convocação da Assembléia Geral para deliberar sobre o plano de

recuperação

34

1.5.6 O procedimento

Inicia-se o procedimento da recuperação judicial com a distribuição da petição

inicial do legitimado ativo, que deverá expor as causas concretas da situação

patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira, devendo, ainda,

ser instruída com os documentos indicados pelo art. 51 da LRE, in verbis:

Art. 51, inciso II – as demonstrações contábeis relativas aos 3

(três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente

para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância

da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente

de:

a) balanço patrimonial;

b) demonstração de resultados acumulados;

c) demonstração do resultado desde o último exercício social;

d) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção;

III – a relação nominal completa dos credores, inclusive

aqueles por obrigação de fazer ou de dar, com a indicação do

endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor

atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos

respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis

de cada transação pendente;

IV – a relação integral dos empregados, em que constem as

respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a

que têm direito, com o correspondente mês de competência, e

a discriminação dos valores pendentes de pagamento;

V – certidão de regularidade do devedor no Registro Público de

Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação

dos atuais administradores;

35

VI – a relação dos bens particulares dos sócios controladores

e dos administradores do devedor;

VII – os extratos atualizados das contas bancárias do devedor

e de suas eventuais aplicações financeiras de qualquer

modalidade, inclusive em fundos de investimento ou em bolsas

de valores, emitidos pelas respectivas instituições financeiras;

VIII – certidões dos cartórios de protestos situados na comarca

do domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial;

IX – a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações

judiciais em que este figure como parte, inclusive as de

natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos valores

demandados.

Ao portar todos os documentos exigidos por lei, que foi apresentada

juntamente com a petição inicial, o juiz deferirá o processamento da recuperação

judicial e, no mesmo ato nomeará o administrador judicial, determinará a dispensa

de apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades

(exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou

incentivos fiscais ou creditícios).

O mesmo ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o

devedor, determinará ao devedor a apresentação de contas demonstrativas mensais

enquanto perdurar a recuperação judicial, sob pena de destituição de seus

administradores, ordenará a intimação do Ministério Público e a comunicação por

carta às Fazendas Públicas Federal, bem como de todos os Estados e Municípios

em que o devedor tiver estabelecimento.

O juiz disporá a expedição de edital que contenha: o resumo do pedido do

devedor e da decisão que defere o processamento da recuperação judicial; a

relação nominal de credores, em que se discrimine o valor atualizado e a

classificação de cada crédito; a advertência acerca dos prazos para habilitação dos

créditos e para que os credores apresentem objeção ao plano de recuperação

judicial apresentado pelo devedor.

36

O despacho de processamento conterá medidas administrativas e medidas

judiciais propriamente ditas. Algumas, o juiz adotará de oficio, outras mediante

requerimento dos credores.

O devedor não poderá desistir do pedido de recuperação judicial após o

deferimento de seu processamento, salvo se obtiver aprovação da desistência na

assembléia-geral de credores.

Após o deferimento do processamento, deverá ser apresentado o plano de

recuperação no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias, contados da publicação

da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial.

Repita-se: o plano de recuperação é um documento apresentado em juízo

pela empresa devedora contendo análise da sua situação econômico-financeira e

demonstração de sua viabilidade econômica. O Plano deverá indicar uma proposta

para o pagamento das dívidas e mecanismos de recuperação judicial da empresa,

podendo ser rejeitado pelos credores, hipótese em que o juiz deverá decretar a

falência do devedor.

Qualquer credor poderá manifestar ao juiz sua objeção ao plano de

recuperação judicial, situação na qual deverá ser convocada Assembléia de

credores para apreciá-lo.

Desempenhadas as exigências legais, o magistrado cederá à recuperação

judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor ou tenha sido

aprovado pela assembléia-geral de credores, sendo recorrível por meio de agravo.

Saliente-se que a LRE vincula o indeferimento da recuperação judicial à

decretação da falência, tornando vulnerável o modelo brasileiro de recuperação

judicial e criando o ambiente propício ao surgimento da "indústria da recuperação

judicial".

Por fim, podemos descrever o procedimento da recuperação judicial da

seguinte forma:

1. O devedor dirige ao juiz pedido de recuperação da empresa;

2. Uma vez deferido o processamento da recuperação judicial, o devedor tem

o prazo improrrogável de sessenta dias, sob pena de convolação em falência, para

apresentar ao juízo um plano de recuperação que contenha a discriminação

37

pormenorizada dos meios de recuperação a serem empregados, a demonstração da

viabilidade econômica do plano de recuperação e o laudo da situação econômica,

financeira e patrimonial do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado

ou funcionário de empresa especializada;

3. O juiz então ordena a publicação de edital contendo aviso aos credores

sobre o recebimento do plano de recuperação e fixando o prazo para a manifestação

de eventuais objeções;

4. Não havendo objeções, o juiz defere a recuperação judicial;

5. Havendo objeção por parte de algum credor, o juiz convoca assembléia-

geral de credores para deliberar sobre o plano de recuperação, podendo os credores

alterar o plano, aprová-lo ou rejeitá-lo. Na última hipótese, o juiz deverá decretar a

falência do devedor.

1.5.7 Plano de recuperação judicial

No prazo improrrogável de sessenta dias da decisão que autoriza o

processamento da recuperação judicial, o devedor tem que apresentar em juízo o

plano de recuperação. A sanção para o descumprimento desse dever é a

convolação da recuperação em falência.

A LRE em seu art. 53 apresenta uma peça indispensável à superação da

crise. É nele que serão estabelecidos e apresentados argumentos que convençam

tanto o juiz quanto os credores da viabilidade do procedimento.

Observemos o dispositivo legal:

Art. 53. O plano de recuperação será apresentado pelo

devedor em juízo no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias

da publicação da decisão que deferir o processamento da

recuperação judicial, sob pena de convolação em falência, e

deverá conter:

38

I – discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a

ser empregados, conforme o art. 50 desta Lei, e seu resumo;

II – demonstração de sua viabilidade econômica; e

III – laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e

ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente

habilitado ou empresa especializada.

Parágrafo único. O juiz ordenará a publicação de edital

contendo aviso aos credores sobre o recebimento do plano de

recuperação e fixando o prazo para a manifestação de

eventuais objeções, observado o art. 55 desta Lei.

Trata-se de um dos artigos mais relevantes do processo de recuperação

judicial, dependendo exclusivamente dele a realização ou não dos objetivos visados

pelo instituto, quais sejam, a preservação da atividade econômica e o cumprimento

da sua função social. Se o plano é consistente, há chances de a empresa se

reorganizar e superar a crise em que se encontra.

O plano de recuperação deve indicar minuciosamente e motivadamente os

meios pelos quais o devedor deverá superar as dificuldades que enfrenta. A

consistência econômica do plano está diretamente relacionada ao adequado

diagnóstico das razões da crise e de sua natureza (econômica, financeira ou

patrimonial) e à adequação dos remédios apontados para o caso.

A elaboração do plano estará sujeito a ajustes convencionados entre devedor

e credores, de forma a permitir que a empresa se reestabilize financeiramente e

economicamente a fim de afastar a incidência do regime falimentar.

Não há o estabelecimento de parâmetros rígidos na lei sobre a extensão das

concessões mútuas que serão descritas no plano, o que significa legar seu contido

às possibilidades e interesses dos agentes econômicos nele envolvidos.

Entretanto na medida em que a rejeição do plano pelos credores conduz à

decretação de falência, torna-se imprescindível a observância dos interesses de

todos os grupos de credores sujeitos ao plano de recuperação, sem benefícios

exagerados a determinados grupos, para o êxito da recuperação.

39

Um bom plano de recuperação não é, por si só, garantia efetiva de

reestruturação da empresa. Fatores macroeconômicos globais ou nacionais,

agravamento da concorrência no segmento de mercado em causa ou mesmo

imperícia na sua execução podem comprometer o reerguimento pretendido. Mas um

plano ruim é garantia absoluta de fracasso.

Deve vir instruído com dois laudos assinados por contador ou empresa

especializada: o de avaliação patrimonial e o econômico-financeiro. O primeiro diz

respeito aos bens do devedor que compõe o ativo indicado especificamente para a

ocasião, devendo abranger não somente os bens móveis e imóveis como eventuais

direitos suscetíveis de apropriação contábil ou alienação (marcas, patentes etc.). O

segundo é relacionado ao potencial de geração de negócios da empresa em crise.

No artigo subsequente, encontram-se restrições ao plano apresentado pelo

devedor, no tocante à alteração das obrigações da beneficiária:

Art. 54. O plano de recuperação judicial não poderá prever

prazo superior a 1 (um) ano para pagamento dos créditos

derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de

acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de

recuperação judicial.

Parágrafo único. O plano não poderá, ainda, prever prazo

superior a 30 (trinta) dias para o pagamento, até o limite de 5

(cinco) salários-mínimos por trabalhador, dos créditos de

natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses

anteriores ao pedido de recuperação judicial.

O prazo máximo para o processo de recuperação judicial é de dois anos da

concessão da recuperação, mas o prazo para pagamento das obrigações poderá ir

além deste prazo.

Conforme já mencionado nesse trabalho, o plano indicará quais meios de

recuperação judicial serão utilizados para o propósito. O art. 50 da LRE indica

algumas modalidades na confecção do plano, mas apenas de forma exemplificativa,

40

cabendo ao devedor indicar quais são efetivamente as providências e estratégias

que, se implementadas, permitirão a recuperação da empresa.

As medidas de recuperação podem ser divididas em categorias: de natureza

obrigacional, de natureza societária, de modificação de controle e de titularidade.

Como medidas de natureza obrigacional enquadram-se: concessão de prazos

e condições especiais de pagamento; trepasse ou arrendamento de

estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados ou

terceiros; redução salarial, compensação de horários e redução da jornada,

mediante acordo ou convenção coletiva; dação em pagamento ou novação de

dividas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro;

venda parcial dos bens; equalização dos encargos financeiros a partir da

distribuição do pedido de recuperação judicial.

Serão medidas de natureza societária: cisão, incorporação, fusão ou

transformação de sociedade, constituição de subsidiaria integral ou cessão de cotas

ou ações, respeitados os direitos dos sócios; aumento do capital social; emissão de

debêntures, no caso de sociedade anônima.

Na hipótese de operações societárias, a proposta deve estar fundamentada

num benefício para a empresa decorrente de um pontencial maior inserção no

mercado, por exemplo. É aconselhável também apresentar, junto com o plano, a

manifestação da outra sociedade que poderá participar em caso de fusão ou

incorporação.

As medidas de modificação do controle e administração são: alteração do

controle societário; substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou

modificação de seus órgãos administrativos; concessão aos credores de direito de

eleição de administradores e poder de veto sobre determinadas matérias;

administração compartilhada.

Por último, existem medidas que acarretam a modificação de titularidade da

empresa, constituição de sociedade de credores; usufruto da empresa; constituição

de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os

ativos do devedor.

Conforme já indicado, as possibilidades que serão apresentadas no plano

poderão inovar em relação às hipóteses estabelecidas em lei, que contemplam

41

vários mecanismos, na maior parte regulada por leis especificas necessários

segundo a ótica do devedor para a reestruturação da empresa, propósito maior da

LRE.

Quando estiver previsto no plano de recuperação judicial a venda de filiais ou

de unidades produtivas isoladas do devedor, deverá ela se operar por uma das

modalidades previstas na lei (art. 142 da LRE: leilão, proposta ou pregão), segundo

determina o art. 60.

O parágrafo único desse dispositivo traz uma determinação que deverá

chamar a atenção dos operadores do direito, quando determina que o objeto da

alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas

obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária.

O plano será publicado por edital, com fixação do prazo de trinta dias pra

eventuais impugnações, cabendo ao credor o ônus de demonstrar que sua

materialização lhe causaria mais perdas que a outros credores, ou mesmo, a outra

categoria de credores. O termo a quo desse prazo é a publicação da relação de

credores oferecida pelo há devedor. Se essa publicação for anterior ao edital

contendo aviso sobre a recepção do plano, este aviso é que definirá o início do

prazo.

Vale lembrar que, se no plano aprovado em juízo é prevista a substituição de

determinada garantia real por outra de menor valor, o credor atingido simplesmente

não tem meios para se opor ao mérito dessa medida, por mais que considere seus

interesses injustamente sacrificados.

As novações, alterações e renegociações feitas no âmbito da recuperação

judicial são sempre condicionais. Ou seja, valem e são eficazes unicamente na

hipótese de o plano de recuperação ser implementado e ter sucesso.

Caso ocorra a convolação da recuperação judicial em falência, os credores

retornam, com todos os seus direito, ao status quo ante.

Salienta-se que os credores sujeitos aos efeitos da recuperação judicial

conservam ilesos seus direitos contra coobrigados, fiadores e obrigados de

regresso, como reza o artigo 49, §1º, da LRE.

42

Desse modo, se conclui que o plano de recuperação é imprescindível para

que o princípio da LRE alcance a sua finalidade, que é o de facilitar a recuperação

da empresa em crise. Devendo ser consistente de modo a indicar abertamente quais

as medidas adotadas para a superação da situação da empresa.

Como o plano deve ser aprovado pelos credores. Ele deve ser

suficientemente coerente de forma a demonstrar que a partilha entre credores e

devedor será igualitária e que os ganhos gerados com a recuperação serão maiores

do que aqueles obtidos com a liquidação dos bens da sociedade.

1.5.8 Convolação em Falência

A recuperação tem como característica principal evitar a falência. Contudo

nem sempre isso é possível e o plano de recuperação pode fracassar, seja na fase

de processamento, seja na fase executiva.

Para que haja a recuperação judicial se faz necessário que o devedor cumpra

rigorosamente uma serie de obrigações que, caso não o faça, ocorrerá à convolação

em falência.

O artigo 73 e seus incisos (I ao IV) especificam as situações em que se dará a

convolação em falência, na qual podemos subdividi-la em duas fases:

a) Na fase postulatória

I - Por deliberação da assembléia geral de credores.

II - Não apresentação do plano de recuperação em tempo

hábil.

Deferido o processamento do pedido de recuperação, o devedor tem o prazo,

improrrogável, de 60 (sessenta) dias, a contar da publicação da decisão

mencionada, para apresentar o plano, se não o faz, o juiz decretará a falência.

43

Em se tratando de micro e empresa de pequeno porte, o juiz decretará a

falência, havendo objeção de mais da metade dos credores quirografários.

III – Rejeição do plano de recuperação.

Havendo objeção de qualquer credor, o juiz convocará a assembléia geral de

credores para deliberar sobre o plano de recuperação, se o plano for rejeitado pela

assembléia e inexistindo um plano alternativo, o juiz decretará a falência.

b) Na fase executória

IV - por descumprimento de qualquer obrigação assumida no

plano de recuperação.

Se ocorrer o descumprimento do plano de recuperação acordado, qualquer

credor poderá requerer a convolação em falência.

Neste sentido Waldo Fazzio Júnior19 leciona:

A rescisão do regime de recuperação judicial significa o

reconhecimento jurisdicional do não cumprimento do respectivo

plano. A situação de crise econômico-financeiro do devedor já

está caracterizada pelo próprio fato da recuperação. Isso

significa que o pressuposto para a decretação da falência está

embutido em todos os processos de recuperação judicial

assentados, não na mera iliquidez ou em situação de

dificuldades transitória, mas no estado patrimonial de

insolvência.

19 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de Direito Comercial, p.635

44

Durante o período de dois anos após a concessão da recuperação, o

descumprimento de qualquer das obrigações mencionadas acarretará a convolação

da recuperação em falência.

A rescisão da recuperação e a conseqüente decretação da falência não

invalidem os atos da administração, praticados durante o período de recuperação. A

validade de tais atos é presumida, desde que praticados conforme a lei.

1.5.8 A apresentação de objeções ao plano e a convocação da Assembléia

Geral de Credores

A questão da convocação da Assembléia Geral de Credores mediante a

simples apresentação de objeções ao plano é matéria enfrentada pela doutrina.

Trata-se de questão relativamente recente e que desperta interesse em razão da

apresentação de objeções, em alguns casos, ocorrer como mero cumprimento de

protocolo de conduta e, em outros casos, como ato que pode caracterizar, até

mesmo, abuso de direito.

O art. 5520 da Lei n° 11.101/2005 prevê que qualquer credor pode apresentar

objeção ao plano. Entretanto, é evidente que a objeção deve conter fundamentos

relevantes que justifiquem a sua apresentação, devendo o objetor especificá-los e

comprová-los de forma adequada, do contrário, as objeções ao plano tornar-se-ão

meios meramente procrastinatórios nos processos de recuperação judicial.

A objeção deve ser elaborada de forma criteriosa e responsável pelo credor,

diante da possibilidade de configurar abuso de direito e, dependendo do caso,

caracterizar até mesmo litigância de má-fé, em razão dos interesses relacionados e

da conseqüência prevista no art. 56, caput, da Lei n° 11.101/2005:

Art. 56. Havendo objeção de qualquer credor ao plano de

recuperação judicial, o juiz convocará assembléia-geral de

credores para deliberar sobre o plano de recuperação.

20 Art. 55. Qualquer credor poderá manifestar ao juiz sua objeção ao plano de recuperação judicial no prazo de 30 (trinta) dias contado da publicação da relação de credores de que trata o § 2o do art. 7o desta Lei.

45

Diante da respectiva previsão legal, surgem as seguintes indagações: a) a

apresentação de objeções por credores não sujeitos ao plano exige,

necessariamente, a convocação da Assembléia Geral de Credores pelo juiz? b) a

apresentação de objeções por credores não sujeitos ao plano, contendo elementos

que podem ser facilmente solucionados diante de manifesto equívoco, exige

necessariamente a convocação da Assembléia Geral de Credores pelo juiz?

Sem dúvida trata-se de questões de grande complexidade, que exige análise

cuidadosa e voltada para a finalidade da lei, diante dos interesses envolvidos. A

princípio, considerando exclusivamente o disposto no art. 56, caput, a resposta seria

positiva para as duas perguntas apresentadas acima. Entretanto, quando

analisamos os dispositivos legais em conjunto, a clareza do art. 56 desaparece e a

certeza da afirmativa apresentada antes, não resiste ao disposto no art. 45, §3°:

§3°. O credor não terá o direito a voto e não será considerado

para fins de verificação de quorum de deliberação se o plano

de recuperação judicial não alterar o valor ou as condições

originais de pagamento de seu crédito.

Nesse sentido, assevera o consagrado Magistrado Manoel Justino Bezerra

Filho21, ao comentar o art. 45 da Lei n° 11.101/2005:

“O §3° estipula, ainda, que apenas tem direito a voto nas

deliberações sobre o plano de recuperação o credor cujo

crédito vier a ser alterado em seu valor ou nas condições de

pagamento. Se o crédito não sofre qualquer alteração, o

respectivo credor não tem direito a voto, além de não poder ser

computada sua presença para fins de verificação de quorum”.

21 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova Lei de Recuperação e Falências Comentada. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005, p.126.

46

De acordo com os dispositivos apresentados, qualquer credor poderá

apresentar objeção ao plano, mas, não é qualquer credor que poderá votar na

Assembléia Geral de Credores nas deliberações referentes ao plano. A convocação

da Assembléia Geral de Credores estabelece ônus para a recuperanda e também

para os credores sujeitos ao plano, retardando o deferimento da recuperação judicial

e o respectivo início dos pagamentos previstos, além das despesas impostas à

recuperanda (convocação e realização da AGC) e aos credores (viagens e

hospedagens).

O respeitado jurista Adalberto Simão Filho22, ao tratar do sistema de

aprovação tácita do plano de recuperação judicial, enfrenta a questão, apresentando

entendimento inovador:

Este sistema é criado a partir do artigo 55 da lei, que concede a

qualquer credor a possibilidade de manifestar ao juiz a sua

objeção ao plano de recuperação judicial. O credor poderá

objetar o plano, no curso do prazo de 30 (trinta) dias contados

ou da publicação da relação de credores de que trata o § 2º do

artigo 7º, ou da publicação do aviso do artigo 53 sobre o

recebimento do plano de recuperação, caso na primeira

hipótese ainda não se tenha o plano nos autos.

Esta objeção ao plano de recuperação, quando formulada nos

moldes da lei, leva à necessidade de convocação de

Assembléia Geral de credores por parte do Juiz.

Contudo, a lei não menciona acerca da natureza da objeção

que possa levar o juiz à convocação da assembléia. Será

qualquer objeção de ordem formal ou material que gerará esta

conseqüência? Pensamos que não. Pode haver objeção que

não se relaciona efetivamente ao plano de recuperação, mas

sim a questões de diversas ordens que possam envolver o

22 SIMÃO FILHO, Adalberto. Interesses transindividuais dos credores nas assembléias gerais e sistemas de

aprovação do plano de recuperação judicial. In DE LUCCA, Newton & DOMINGUES, Alessandra de Azevedo (Coord.). Direito Recuperacional: Aspectos teóricos e práticos. São Paulo: Quartier Latin. 2009, pp. 49-50.

47

credor que objetou e a devedora, concernentes ao negócio

jurídico subjacente.

Ainda, pode ser apresentada como objeção, alguma

inconformidade por parte de credor que sequer é concorrente

na recuperação judicial. Pode ainda o devedor, prontamente,

refutar os argumentos de objeção a demonstrar que os

mesmos não são válidos, gerando o conformismo daquele que

objetou.

Nestes casos e assemelhados, entendemos pela

desnecessidade da convocação da assembléia de credores por

parte do juiz.

A objeção tem aqui a intelecção de contrariedade e esta

contraposição deve ser formulado pelo credor diretamente

sobre o plano de recuperação judicial, seu conteúdo,

consistência e fundamento, gerando assim, a necessidade de

convocação de Assembléia Geral.

Todavia, uma vez não havendo objeção de qualquer credor ou,

ainda, solucionados os temas que possam ter gerado objeção

com uma posição favorável daquele que objetou, após o curso

do prazo previsto no artigo 55, o juiz concederá a recuperação

judicial, por ter entendido ter sido o plano aprovado

tacitamente. A este conjunto de providências que redundam na

aprovação do plano, demos a denominação de sistema de

aprovação tácita e o seu fundamento se encontra na primeira

parte do caput do artigo 58 da lei.

Considerando a conseqüência decorrente da apresentação de objeção ao

plano, que pode ser realizada por qualquer credor, o juiz deve analisar o conteúdo

da objeção para verificar se a mesma apresenta fundamentos relevantes que

justifiquem a sua apresentação, devendo o objetor especificá-los e comprová-los de

forma adequada, do contrário, as objeções ao plano tornar-se-ão meios meramente

procrastinatórios nos processos de recuperação judicial.

48

O art. 56 deve ser interpretado em conformidade com os demais dispositivos

legais, de forma a não servir de meio protelatório a favor de devedor mal

intencionado ou para atender pretensões infundadas de credor, em detrimento dos

legítimos interesses dos demais credores.

Nesse contexto, ressalta-se a importância do juiz na identificação das

referidas questões. A LRE atribui poderes, funções e atribuições maiores e mais

amplos ao juiz na condução do processo de recuperação da empresa. Nesse

sentido, o art. 58, §1°, demonstrando que o juiz mantém o poder de decisão nos

autos, prevê situação na qual, mesmo rejeitado o plano pela Assembléia Geral de

Credores, o juiz poderá conceder a recuperação pretendida pelo devedor.

Ao tratar da atuação do juiz no processo de recuperação judicial, Jorge Lobo23

ressalta:

Na ação de recuperação judicial, o juiz exerce poder-fim,

portanto de cunho jurisdicional, por exemplo, nas hipóteses dos

arts. 52, caput; 55, caput; 56, §4°; 58, caput e §1°; 63; exerce

poder-meio, por conseguinte instrumental, por exemplo, nas

hipóteses dos arts. 51, §§ 1° e 3°; 52, III e V e §1°; 53,

parágrafo único; 65, caput e § 2°, e exerce poder

administrativo, por exemplo, nas hipóteses dos arts. 52, I, II e

IV, §1°; 60; 66; 69, parágrafo único.

É curial que, ao exercer os poderes de caráter jurisdicional,

instrumental ou administrativo, o juiz não é um órgão passivo,

mero homologador das decisões da assembléia geral ou do

comitê de credores ou do administrador judicial, pois, ao

ordenar o processamento da ação, proferir despachos,

decisões e sentenças, superintender a administração da

empresa em crise, enfim, presidir o processo de recuperação,

deve fazê-lo com tirocínio, competência e plena liberdade,

formando sua convicção, seu ‘livre convencimento’, de acordo

23 LOBO, Jorge. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. TOLEDO, Paulo F. C. Salles de & ABRÃO, Carlos Henrique (coord.). São Paulo: Saraiva. 2007, p.171.

49

com as provas dos autos, ciente de que seus atos estão

sujeitos a recurso de agravo.

Manoel Justino Bezerra Filho24, ao comentar o art. 56 da LRE, ressalta os

poderes do juiz para verificar se as objeções apresentadas são suficientes para

motivar a convocação da Assembléia Geral de Credores:

Terá o juiz que se valer de seu poder de direção do processo e

examinar, para formação de conhecimento provisório sobre a

viabilidade (ou não) de existência do crédito e, a partir da

convicção, também provisória, que formar, decidir se deve ou

não convocar a Assembléia-Geral.

Ressaltando a necessidade de ser atribuído ao julgador atuação além dos

limites literais da lei para assegurar o princípio da preservação da empresa, a

seguinte decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

Agravo de Instrumento - Recuperação Judicial - Aprovação do

Plano - Critérios. Ao julgador há de ser dado certo campo de

atuação além dos limites literais da lei para que prevaleça o

princípio da manutenção da empresa que revele possibilidade

de superar a crise econômico-financeira pela qual esteja

passando - Quanto à previsão de pagamento em ações de

sociedade anônima, evidente que não se confunde com

constrangimento do Agravante a associar-se, não só porque o

Agravante não precisa participar ativamente da nova

sociedade, usando as ações como valores mobiliários, como

porque poderá livremente negociá-las. Agravo desprovido.

(TJSP. Ag. Inst. 6577334600. Rel. Lino Machado. DJ

27.12.2009) 24 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova Lei de Recuperação e Falências Comentada. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. p.165

50

CAPITULO II – PRINCÍPIOS NORTEADORES DA RECUPERAÇÃO DA EMPRESA

Os princípios essenciais ao desenvolvimento econômico e social da

sociedade são molas propulsoras do processo de evolução das relações

econômicas, processo de modernização, permitindo que os particulares se

antecipem às leis na criação de novas modalidades negociais.

E para que isto ocorra foi realizada a construção dos dois institutos que

compõem o novo arcabouço falimentar. Foi desenvolvido o regime da recuperação,

decomposto nas suas opções judicial e extrajudicial.

Como já informado a judicial é decretada pelo Judiciário, mediante a

aprovação de um plano de recuperação judicial. Já na extrajudicial, o Judiciário

funciona apenas como órgão homologador de um acordo extrajudicial já entabulado

entre o devedor empresário e alguns credores.

Assim, se faz necessário analisar os princípios que nortearam a criação de

institutos que possibilitam a reestruturação da empresa nos moldes da LRE, tais

como:

a) livre iniciativa, que é considerado como fundamento da ordem econômica e

atribui à iniciativa privada o papel primordial na produção ou circulação de

bens ou serviços, constituindo a base sobre a qual se constrói a ordem

econômica, cabendo ao Estado apenas uma função supletiva, pois a

Constituição Federal determina que a ele cabe apenas a exploração direta da

atividade econômica quando necessária a segurança nacional ou relevante

interesse econômica;25

b) liberdade de contratar, sendo esta o poder conferido às partes e suscitar os

efeitos que pretendem sem que uma lei imponha seus preceitos, ou seja, em

25 MAMED, Gladston. Direito empresarial brasileiro. São Paulo: Atlas, v. 1, 2009, p. 45.

51

decorrência desse princípio, acima de tudo, vale a vontade das partes e o que

por elas foi convencionado;26

c) livre concorrência, ela visa assegurar o regime de mercado no cenário

econômico, repelindo formas abusivas de dominação, seja mediante conduta

estatal, seja privada, impondo-se a obediência a determinados padrões

normativos. A fixação de limites normativos parte da premissa de que a

atuação do Estado não crie distorções no mercado, preservando-se a

isonomia entre os concorrentes. A livre concorrência decorre a liberdade de

iniciativa, enquanto um aspecto e uma das extensões das liberdades

individuais;27

d) função social, que será tratado a seguir;

e) preservação da empresa, que será analisado posteriormente.

Constata-se, que mesmo a atividade empresarial sendo guiada pelos

princípios ora analisados, tal atividade passou a ser relativizada pelo interesse

público, como referência, que dá limites ao interesse privado, evitando que o arbítrio

individual se estenda para prejudicar toda a coletividade.

2.1 Do princípio da função social da empresa

O princípio da função social da empresa surgiu na legislação brasileira em

1976, portanto antes da Constituição de 1988, com a Lei 6.404 de15 de dezembro

de 1976 (Lei das Sociedades Anônimas).28

Este princípio aplica-se à empresa com a finalidade de considerar o interesse

da sociedade como um todo, ainda que se trate de atividade privada, regida por

regime jurídico privado. Não se pode deixar de considerar o interesse da

coletividade na existência e no exercício, ou não, das faculdades privadas: a cada

faculdade, mesmo individual, corresponde uma razão de ser (uma função) dentro da

sociedade. 26 MAMED, Gladston. Direito empresarial brasileiro. São Paulo: Atlas, v. 1, 2009, p. 48. 27 MAMED, Gladston. Direito empresarial brasileiro. São Paulo: Atlas, v. 1, 2009, p. 52. 28 Artigo 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa. Cf. FIGUEIREDO, 2006, p. 965.

52

Eros Grau29 acrescenta que,

o princípio da função social da propriedade impõe ao

proprietário, ou quem detém o poder de controle, na empresa,

o dever de exercê-lo em benefício de outrem e não, apenas, de

não o exercer em prejuízo de outrem. Isso significa que a

função social da propriedade atua como fonte da imposição de

comportamentos positivos, prestação de fazer, portanto, e não,

meramente, de não fazer, ao detentor do poder que deflui da

propriedade.

A atividade econômica organizada para a produção de riqueza, pela produção

e circulação de bens e/ou pela prestação de serviços, embora tenha finalidade

imediata de remunerar o capital nela investidos, beneficiando os seus sócios,

beneficia igualmente ao restante da sociedade. Nessa seara, pode-se afirmar que a

empresa cumpre com sua função social.

A proteção da empresa, portanto, não é proteção do empresário, nem da

sociedade empresária, mas a proteção da comunidade e do Estado que se

beneficiam, com a produção de riquezas. Aliás, não apenas o empreendedor, o

empresário, mas também os terceiros que mantenham relações negociais com

empresa e cujos direitos e interesses possam ser também afetados pela função

social da empresa.

Nesse ínterim, Augusto Geraldo Teizen Júnior30:

o controlador das empresas tem o poder-dever insculpido na

exploração empresarial cujo escopo da função social o conduz

aos ditames não mais com as características egoísticas e única

do lucro, mas também, com os princípios da ordem econômica

constitucional [...] tendo por fim assegurar a todos existência

digna, conforme os ditames da justiça social. 29 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 269 30 TEIZEN JUNIOR, Augusto Geraldo. A função social no código civil. São Paulo: RT, 2004.p. 158 – 159.

53

Assim, podemos dizer que as empresas desempenham uma função social

relevante, por isso o poder judiciário intervém para permitir a sua recuperação,

evitando sua falência se possível.

2.2 Do princípio da preservação da empresa

O princípio da função social da empresa está intensamente ligado com o

princípio da preservação da empresa. É preciso preservar a empresa para que ela

cumpra a sua função social. Há a existência de um interesse público na preservação

da estrutura e da atividade empresarial, isto é, na continuidade das atividades de

produção de riquezas pela circulação de bens ou prestação de serviços, certo que a

empresa atende não apenas aos interesses de seu titular, de seus sócios (se

sociedade) e de seus parceiros negociais.

Conforme já citado neste trabalho, o art. 4731, da LRE, compreende a

continuidade das atividades de produção de riquezas como um valor que deve ser

protegido, sempre que possível, reconhecendo, em oposição, os efeitos insalubre da

extinção das atividades empresariais, que não só prejudica o empresário ou

sociedade empresária, prejudica todos os demais: trabalhadores, fornecedores,

consumidores, parceiros negociais e o Estado.

Este é o princípio mais moderno do novo processo falimentar, pois, a

empresa é composta de empregados que servem para a mão de obra, sócios para

cuidar do passivo e do ativo da empresa, de fornecedores que fornecem a matéria-

prima e outros tipos de matéria para o acontecimento do produto final, do fisco que

traz tributos a serem pagos, dos consumidores que vão consumir os produtos e

serviços despejados pela empresa no mercado de capitais.

31 Artigo 47 - A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estimulo à atividade econômica.

54

Desse modo, a empresa é fonte geradora de empregos, de recolhimento de

tributos e de ativação da economia. Desempenha papel preponderante no equilíbrio

da balança de pagamentos do País.

Destarte, pode-se afirmar que a empresa é um bem social, antes mesmo de

ser um bem que pertence ao empresário ou seus sócios. Em linguagem inversa, o

sócio tem cotas ou ações de uma empresa que pertence à sociedade. É por isso

que a empresa tem uma função social a cumprir.

Complementa Gladston Mamed32 que:

o princípio da função social da empresa reflete-se, por certo, no

princípio da preservação da empresa, que dele é decorrente:

tal princípio compreende a continuidade das atividades de

produção de riquezas como um valor que deve ser protegido,

sempre que possível, reconhecendo, em oposição, os efeitos

deletérios da extinção das atividades empresariais que

prejudica não só o empresário ou sociedade empresária,

prejudica também todos os demais: trabalhadores,

fornecedores, consumidores, parceiros negociais e o Estado.

Diante da importância social que as empresas desempenham na sociedade,

seja pela colocação no mercado de bens e serviços, seja pela geração de empregos

que resultam em pagamentos de salários e conseqüentemente dão acesso a certos

confortos, o Estado não poupou esforços para preservar a sua saúde financeira.

Cabe acrescentar, que o desenvolvimento de uma sociedade moderna

depende do fortalecimento de sua economia, sendo que sobre a empresa repousam

as expectativas de manutenção deste ciclo, como elemento que realiza a produção e

a circulação de riquezas. Neste cenário o novo diploma legal tem como objetivo

precípuo reestruturar, sanear as empresas em crise econômico-financeira, mas que

sejam viáveis, para isto, criou o instituto da recuperação judicial que se passa a

analisar.

32 MAMED, Gladston. Direito empresarial brasileiro. São Paulo: Atlas, v. 1, 2009, p. 417.

55

Reafirmando estes princípios acima, uma decisão do Tribunal de Justiça

gaúcho valorizando o art. 47, autorizam a recuperação de uma empresa. Observe a

sentença abaixo.

COMARCA DE PORTO ALEGRE

VARA DE FALÊNCIAS, CONCORDATAS E INSOLVÊNCIAS

Rua Márcio Veras Vidor (antiga Rua Celeste Gobato), 10

Nº de Ordem:

Processo nº: 001/1.10.0191115-7 (CNJ:.1911151-

10.2010.8.21.0001)

Natureza: Recuperação de Empresa

Autor: RP&M Engenharia de Telecomunicações Ltda

Réu: RP&M Engenharia de Telecomunicacoes Ltda

Juiz

Prolator:

Juiz de Direito - Newton Fabrício

Data: 26/08/2010

Vistos etc.

RP&M ENGENHARIA DE TELECOMUNICAÇÕES LTDA, já

qualificada, ajuizou o presente pedido de recuperação judicial,

acostando os documentos de fls. 14/179. Deferido o benefício

da AJG, foi determinada a emenda à inicial, à fl. 180, para que

a autora acostasse aos autos as demonstrações contábeis

relativas aos três últimos exercícios sociais e esclarecesse a

informação de que suspendeu as atividades desde 2006. A

autora se manifestou, às fls. 182/185, alegando que em 2005

interrompeu sua atividades comerciais pela falta de recursos

financeiros próprios e impossibilidade de obtê-los junto a

terceiros. Narrou que não possui as demonstrações contábeis

56

dos últimos três exercícios em razão de sua inatividade

comercial.

É o breve relatório.

Decido.

Trata-se de pedido de recuperação judicial que não preenche

os requisitos legais para o deferimento da inicial. Com efeito,

dispõe o art. 51, da Lei 11.101: 2

Art. 51. A petição inicial de recuperação judicial será instruída

com:

...

II – as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos

exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o

pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação

societária aplicável e compostas obrigatoriamente de:

a) balanço patrimonial;

b) demonstração de resultados acumulados;

c) demonstração do resultado desde o último exercício social;

d) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção;

...

IV – a relação integral dos empregados, em que constem as

respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a

que têm direito, com o correspondente mês de competência, e

a discriminação dos valores pendentes de pagamento;

...

A autora, conforme se verifica nos autos, deixou de satisfazer

os requisitos legais atinentes aos incisos II e IV, do artigo

supracitado, visto que, como alegou, está inativa desde 2005,

não possuindo as demonstrações contábeis dos últimos três

exercícios, assim como não possui qualquer empregado. De

outra parte, cabe salientar que o espírito da lei de recuperação

57

de empresas é viabilizar a superação da situação de crise por

que passa o empreendedor “a fim de permitir a manutenção da

fonte produtora”, como refere o art. 47, da LREF. Nesse

sentido, o principal objetivo da lei sequer seria atingido, pois no

caso concreto a empresa está efetivamente inativa desde

2005. DO EXPOSTO, julgo extinto o processo com amparo no

art. 267, I, c/c o art. 284, parágrafo único, ambos do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Porto Alegre, 26 de agosto de 2010.

Newton Fabrício,

Juiz de Direito

64-1-001/2010/3014516001/1.10.0191115-

7(CNJ:.191115110.2010.8.21.0001)

E Jomar Martins33 sabiamente resumiu está decisão

A Lei de Recuperação Judicial tem como objetivo maior

preservar a função social da empresa para facilitar a retomada

da atividade econômica. Por isso, o julgador precisa pesar com

prudência as exigências referentes à documentação. Com este

entendimento, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio

Grande do Sul acatou apelação de um empresário de Porto

Alegre. Assim, autorizou o processamento do pedido de

recuperação judicial, que foi negado em primeira instância. O

julgamento do recurso ocorreu dia 26 maio. Cabe recurso.

O autor da ação ajuizou pedido de recuperação judicial na Vara

de Falências, Concordatas e Insolvências de Porto Alegre. O

juízo determinou que autor acostasse aos autos as

33http://www.conjur.com.br/2011-ago-08/recuperacao-judicial-atender-funcao-social-nao-formalidades

58

demonstrações contábeis dos três últimos exercícios sociais,

bem como explicasse por que suspendeu as atividades em

2006. O empresário disse que interrompeu as atividades da

empresa em função da falta de recursos financeiros próprios e

pela impossibilidade de obtê-los junto a terceiros. Em razão da

inatividade comercial, afirmou não possuir as demonstrações

contábeis.

O juiz Newton Luís Medeiros Fabrício entendeu que o pedido

não preenche os requisitos legais para deferimento. Conforme

o artigo 51 da Lei 11.101/2005, em seus incisos II e IV, a

petição inicial deve apresentar as demonstrações contábeis

dos três últimos exercícios e a relação de empregados, com a

discriminação dos valores pendentes de pagamento.

O juiz de primeiro grau salientou que o espírito da Lei de

Recuperação Judicial é viabilizar a superação de crise por que

passa o empreendedor, para permitir a manutenção da fonte

produtores. Entretanto, ‘‘o principal objetivo da Lei sequer seria

atingido, pois no caso concreto a empresa está efetivamente

inativa desde 2005’’. Assim, julgou extinto o processo.

Derrotado, o autor interpôs Apelação no Tribunal de Justiça.

Alegou que atendeu ao requisito de apresentação do balanço

patrimonial, elaborado por contador, com base na atual

situação de ativo/passivo da empresa, assim como relatório

gerencial de fluxo de caixa e sua projeção. Com base no

espírito de Lei de Recuperação, disse discordar das razões que

extinguiram o processo, requerendo o provimento da Apelação

e, por conseguinte, do pedido inicial.

O relator do recurso, desembargador Artur Arnildo Ludwig,

afirmou que a Lei de Recuperação Judicial está focada no

aspecto social, independente de algumas formalidades legais.

‘‘Dessa forma, as exigências referentes à documentação e

atividade regular da empresa devem ser sopesadas com

prudência, considerando as peculiaridades de cada empresa,

59

tratando, sobretudo, de questão jurisdicional a ser solvida’’,

destacou.

Segundo o relator, em que pesem as circunstâncias do caso

concreto, não se pode perder de vista o objeto da recuperação

judicial e sua importância para a sociedade. Por isso, a Lei

11.105/2005 merece interpretação sistemática, nos termos

preconizados pelo STJ. O voto foi seguido, por unanimidade,

pelos desembargadores Luís Augusto Coelho Braga e Ney

Wiedemann Neto.

CAPITULO III – O CUNHO SOCIAL DA RECUPERAÇÃO PREVISTA NA LEI

11.101/2005

As grandes transformações sócio-econômicas, fundadas na livre concorrência e

na dignidade da pessoa humana, conduziram o legislador a repensar uma norma

falimentar mais voltada para a salvação das empresas do que para a punição das

mesmas com a decretação da quebra, o que conduzia a um só tempo, devedores e

credores para situações desvantajosas.

O Decreto-lei 7.661/45 não atendia mais as violentas crises da empresa,

impondo-se um marco entre o passado e o presente, sendo no passado marcado

por um processo liquidatório e hoje como sendo um processo recuperatório de

empresas.

Prova disso é o esforço legislativo de elaboração da nova lei de falências, acima

mencionado, que fundada nos princípios da preservação e da socialidade, prestigia

a manutenção do empreendimento, sempre que possível, visando assegurar o

desenvolvimento econômico, reduzir o custo do crédito e, acima de tudo, proteger os

postos de trabalho.

A principal finalidade da LRE é reestruturar, sanear e salvar a empresa

econômica e financeiramente viável. Com isso, cria-se a possibilidade de superação

da crise pelo devedor, permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego dos

60

trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da

empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Esse entendimento é reafirmado pelo doutrinador Wilson de Souza Campos

Batalha34:

Significativa é a alusão à função social da empresa, num

indisfarçável apagamento dos conceitos meramente

contratualistas, abrindo os caminhos para o conceito

institucional da empresa organizada sob a forma de sociedade

anônima.

A função que a empresa desempenha assegura a função social dos bens de

produção, o proprietário tem o dever de dar uma destinação compatível com o

interesse da coletividade. Tendo que proteger a empresa contra a veracidade

patrimonialista do mercado. Preocupou-se a lei com a recuperação econômica da

empresa, ao invés de esmagá-la. Sendo que, com o desaparecimento de uma

empresa acaba exterminando com os postos de trabalho, com a arrecadação

tributária e dependendo do porte da empresa e da cidade onde ela está localizada, o

seu fechamento pode acarretar o desaparecimento da própria cidade.

Desta forma, pode-se afirmar que o cunho social da empresa é obrigação que

incide em sua atividade, ou seja, no exercício da atividade empresarial. O lucro,

então, não pode se levado à prioridade máxima, em prejuízo dos interesses

coletivos estabelecidos.

A geração de lucros constitui, na verdade, o fim específico para o qual o

empreendimento foi constituído. Isso, porém, nada tem com a função social, que diz

respeito com a liberdade de atuação empresarial encontrada no interesse público e

no dever de solidariedade social. Na verdade, a função social da empresa dará

maior ênfase à sua própria sobrevivência, não esquecendo do lucro, porque uma

posição não exclui a outra. O lucro é importante, mas a sobrevivência do social da

empresa é mais importante.

34 BATALHA, Wilson de Souza Campos. Comentários à lei das S/A. Rio de Janeiro: Forense,1977. p. 563.

61

Faz-se necessário que não associemos a lucratividade de uma empresa, às

atividades sociais que ela desenvolve, uma vez que não há provas precisas de

causa e efeitos de tais fatos. Prova disto foi a Levi’s35, nos anos 90, que mesmo com

tantos programas sociais teve uma gestão decepcionante.

A manutenção de empregos, pagamento de impostos, desenvolvimento

tecnológicos, movimentação do mercado econômico, entre os outros fatores, é que

devem ser analisados, para impulsionarem o ciclo econômico, realimentando o

processo de novos empregos, novos investimentos assim sucessivamente.

O doutrinador, Modesto Carvalhosa36 ensina:

Tem a empresa uma óbvia função social, nela sendo

interessados os empregados, os fornecedores, a comunidade

em que atua e o próprio Estado, que dela retira contribuições

fiscais e parafiscais. Considerando-se principalmente três as

modernas funções sociais da empresa. A primeira refere-se às

condições de trabalho e às relações com seus empregados (...)

e a segunda voltasse ao interesse dos consumidores (...) a

terceira volta-se ao interesse dos concorrentes (...). E ainda

mais atual é a preocupação com os interesses de preservação

ecológica urbano e ambiental da comunidade em que a

empresa atua.

O raciocínio natural que se tem a respeito da importância social das empresas

para a comunidade, é que o Estado deve envidar todos os esforços para preservar a

saúde financeira delas.

Inegavelmente, todas as espécies empresárias contribuem fundamentalmente

para toda sociedade, seja pela produção de mercadorias, seja pela colocação no

mercado de bens e serviços que facilitam a vida das pessoas, seja pela geração de

35 BEZERRA, Cícero Lino. As reformas trabalhistas e tributárias e a função social da empresa na sociedade moderna. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, n. 146.Disponível em:<http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=842> Acesso em: 29 out. 2011. 36 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedade anônimas. São Paulo: Saraiva, 1977. v. 3. , p. 237.

62

empregos que resultam em pagamentos de salários que dão acesso a esses

confortos.

É possível dizer, portanto, que o desenvolvimento de uma sociedade moderna

depende do fortalecimento de sua economia, sendo que sobre a empresa repousam

as expectativas de manutenção deste ciclo, como elemento que realiza a produção e

a circulação de riquezas e de rendas.

Não há como se vislumbrar atividade empresarial separada de uma função

social, assim como o dever de solidariedade deve constituir um critério conformativo

da liberdade de iniciativa econômica.

Se não fosse a implementação de uma lei com um cunho social embutido,

muitas grandes empresas hoje não estariam mais no mercado tais como: VARIG37,

VASP38, PARMALAT39, BOMBRIL40, estão entre algumas das mais de duzentas que

recorrem ao novo regime falimentar.

Deve o instituto da função social da empresa procurar zelar pelo pleno

exercício da atividade empresarial, gerando riquezas, mantendo empregos, pagando

impostos, enfim movimentando o mercado econômico, entre outros fatores, tendo o

Estado papel decisivo na aplicação normativa, elaborando políticas públicas de

fiscalização, proteção e incentivo ao desenvolvimento, especialmente para as

médias e pequenas empresas.

A lei falimentar deve atender à sociedade, visto que, a empresa é, hoje,

encarada como uma entidade de suma importância e sua recuperação não advém

de mera abstração, e sim de uma necessidade incontestável, sendo o Estado o

principal interventor da grande questão.

CONCLUSÃO

37 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Recuperação judicial das concessionárias de serviços aéreos e uma análise do processo da empresa Varig. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=694> Acesso em: 29 out. 2011. 38 PORFIRIO, Fernando. Nova chance. Disponível em:<http://conjur.estadao.com.br/static/text/38581,1>. Acesso em: 01 nov. 2011. 39 COSTA, Priscyla. Empresa convalescente. Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/41555,1>. Acesso em: 01 nov. 2011. 40 PORFÍRIO, Fernando. Livre da falência. Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/43129,1> Acesso em: 01 nov. 2011.

63

Uma empresa em crise, afligida por dificuldades decorrentes de insuficiência

de meios e pagamentos, causa grandes transtornos à sociedade. A sua eventual

falência traz como efeitos inevitáveis; o fechamento de postos de trabalho, o

desaquecimento da economia, a redução das exportações, a queda dos níveis de

concorrência, dentre outros.

O presente trabalho teve como objetivo apresentar a importância da

recuperação judicial, visando preservar a função social da empresa, ou seja, o

interesse social, não ficando restrito à pessoa do empresário ou à sociedade-

empresária, mas a sociedade de uma forma geral. E é nesse contexto que se baseia

o entendimento da recuperação, a qual se justifica a revogação do Decreto-lei

7.661/45, pela Lei 11.101/2005.

A LRE, como é chamada à Lei 11.101/2005, apresenta dispositivos legais

que exigem a aplicação ajustada pela doutrina e pela jurisprudência para o efetivo

atendimento à finalidade prevista em seu art. 47, de forma a assegurar os fins

previstos para a recuperação judicial, em especial a preservação da empresa e os

seus fins sociais. Nesse contexto, o direito do credor deve ser compreendido no

âmbito da recuperação judicial, analisando-se os demais fatores envolvidos, não

parecendo adequada à interpretação literal e isolada de qualquer dispositivo da Lei

n° 11.101/2005.

A Lei de Falências e de Recuperação de Empresas convida os sócios da

empresa inadimplente, os credores, os defensores dos empregados, o Poder

Judiciário, os procuradores do interesse público, os fiscais da lei, para encontrarem

meios legais e exequíveis para restaurar a condição econômico-financeira da

empresa em crise. Isso se deve ao fato de que a LRE se constitui num instrumento

de recuperação da atividade empresarial, ao contrário da lei anterior que primava

pela liquidação da empresa.

Deste modo, há de se conseguir êxito na recuperação judicial aquela empresa

que realmente é viável pela ótica coletiva e econômica, porquanto, deve antes de

iniciada a recuperação judicial passar pelo crivo dos credores, na aprovação do

plano e, pelo Judiciário, quando de sua homologação.

64

O legislador reservou para as empresas que forem consideradas inviáveis o

instituto da falência, garantindo a preservação dos credores pelo pagamento dos

passivos.

Neste passo, deve-se mencionar que a legislação, no ato da criação desse

instituto denominado recuperação judicial, se adequou a realidade social que se vive

hoje, ao substituir a antiquada concordata.

Assim sendo, a lei falimentar hoje, faz menção ao antigo brocardo forense

que recomendava as vantagens de um bom acordo sobre a má demanda. Deve o

instituto da função social da empresa procurar zelar pelo pleno exercício da

atividade empresarial, sendo que desta maneira acarretará na geração de riquezas,

manutenção de postos de trabalho, desenvolvimento tecnológico, movimentação do

mercado econômico, entre outros fatores.

Portanto, a Lei 11.101/2005 está mais susceptível para com a importância da

empresa no contexto social, e dos consequentes reflexos negativos para a

comunidade na hipótese dela encerrar as suas atividades. Encontra-se aí

comprovada, portanto, os princípios da função social e o da preservação da

empresa, fundados na valorização do trabalho humano, na livre concorrência e na

livre iniciativa, e que tem por fim assegurar existência digna a todos, de

conformidade com os ditames da justiça social.

The judicial recovery under the company preserving principle

ABSTRACT: This paper aims to present the importance of bankruptcy in order to

preserve the function of the company, is, the social interest, not being restricted to

the person of the entrepreneur-manager or society, but society in general. It is in this

context that underlies the understanding of recovery, which justifies the repeal of

Decree-law 7.661/45, Law 11.101/2005. Thus, we performed a literature search,

starting from the reading of the legal content of the topic in the new bankruptcy law,

evaluating the importance of the company, as well as the negative consequences in

the event of termination of a business unit of a given region . Law 11.101/2005 was a

65

great legislative advance in relation to the previous standard, which did not offer

conditions for the recovery of business activity. Thus, we conclude a company plays

an essential role in society, for it is through business activity that manage the entire

economy of a country, being essential to preserve the company so that it exercises

its social function.

Keywords: Civil society. Company. Judicial and extra judicial recovering.

REFERÊNCIAS

BATALHA, Wilson de Souza Campos. Comentários à lei das S/A. Rio de Janeiro:

Forense, 1977.

BERTOLDI, Marcelo M. e RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Curso Avançado de direito

comercial. 5. ed. ver. E atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

BEZERRA, Cícero Lino. As reformas trabalhistas e tributárias e a função social da

empresa na sociedade moderna. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, n.

146.Disponível em: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=842

Acesso em: 29 out. 2011.

BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova Lei de Recuperação e Falências

Comentada. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005.

CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da

insolvência empresarial. 4ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

CARVALHO DE MENDONÇA, J.X. Tratado de Direito Comercial Brasileiro.2.ed. Rio

de Janeiro: Freitas Bastos , 1934.

66

CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedade anônimas. São Paulo:

Saraiva, 1977.

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de Recuperação de

empresas. Ed. 21ª. São Paulo: Saraiva, 2009.

COSTA, Priscyla. Empresa convalescente. Disponível em:

http://conjur.estadao.com.br/static/ text/41555 Acesso em: 01 nov. 2011.

FARIA Bento de. Direito Comercial. Falência e Concordata. Rio de Janeiro: A.

Coelho Branco Filho Editor, 1974.

FAZZIO JR, Waldo. Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. São Paulo:

Atlas, 2005.

__________. Manual de direito comercial. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

FELSBERG. Thomas Benes. Os objetivos da recuperação de empresas. Senado

Federal, 28.dez.2004: p.01. Disponível em:

http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/274l86/1/ noticia.htm Acesso em: 15

out. 2011.

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 6. ed. São

Paulo: Malheiros, 2001.

GUIMARÃES, Maria Celeste Morais. Recuperação judicial de empresas e falência.

ver. atual. ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

67

LACERDA, Paulo Maria de. Da Falência no Direito Brasileiro. São Paulo: Cia Editora

Nacional, 1931.

LOBO, Jorge. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência.

TOLEDO, Paulo F. C. Salles de & ABRÃO, Carlos Henrique (coord.). São Paulo:

Saraiva. 2007.

MAMED, Gladston. Direito empresarial brasileiro. São Paulo: Atlas, 2009.

OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Recuperação judicial das concessionárias de serviços

aéreos e uma análise do processo da empresa Varig. Disponível em:

http://www.boletimjuridico. com. br/ doutrina/texto.asp?id=694 Acesso em: 29 out.

2011.

PRATES, Lincoln. Manual de Direito Comercial. Belo Horizonte: Faculdade de Direito

da UFMG, 1954.

PORFIRIO, Fernando. Nova chance. Disponível em:

http://conjur.estadao.com.br/static/ text/38581,1 Acesso em: 01 nov. 2011.

_________. Livre da falência. Disponível em: http://conjur.estadao.com.br/static/

text/43129,1 Acesso em: 01 nov. 2011

REQUIÃO Rubens. Curso de Direito Falimentar. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1993.

SIMÃO FILHO, Adalberto. Interesses transindividuais dos credores nas assembléias

gerais e sistemas de aprovação do plano de recuperação judicial. In DE LUCCA,

68

Newton & DOMINGUES, Alessandra de Azevedo (Coord.). Direito Recuperacional:

Aspectos teóricos e práticos. São Paulo: Quartier Latin. 2009

TEIZEN JUNIOR, Augusto Geraldo. A função social no código civil. São Paulo: RT,

2004. http://www.conjur.com.br/2011-ago-08/recuperacao-judicial-atender-funcao-

social-nao-formalidades. Acesso dia 30 out. 2011.