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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Jair Jose Della Libera O PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA APLICADO AO PROCESSO DE FALÊNCIA CURITIBA 2011

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Jair Jose Della Libera

O PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA APLICADO AO

PROCESSO DE FALÊNCIA

CURITIBA

2011

Jair Jose Della Libera

O PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA APLICADO AO

PROCESSO DE FALÊNCIA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Vinicius Klein

CURITIBA

2011

O PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA APLICADO AO

PROCESSO DE FALÊNCIA

Curitiba

2011

TERMO DE APROVAÇÃO

Jair Jose Della Libera

O PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA APLICADO AO

PROCESSO DE FALÊNCIA

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Bacharel em Direito no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, de maio de 2011.

_____________________________________

Curso de Direito

Universidade Tuiuti do Paraná

______________________________________ Orientador: Prof. Dr. Vinícius Klein Universidade Tuiuti do Paraná. ______________________________________ Prof. Dr.: Universidade Tuiuti do Paraná. ______________________________________ Prof. Dr.:

Universidade Tuiuti do Paraná.

Dedico este trabalho a minha progenitora, Ilda Baldo, figura divina, batalhadora e dedicada, a qual sempre manifestou apoio incondicional aos meus estudos.

Sou profundamente grato à minha família e aos meus colegas por me incentivarem nesses anos no caminho do conhecimento na vida acadêmica.

Quanto mais aumenta nosso conhecimento, mais evidente fica nossa ignorância.

John F. Kennedy

RESUMO O objeto deste trabalho é analisar o conteúdo do princípio da preservação da empresa, o qual está inserido na Lei 11.101/2005, a qual disciplina a Recuperação de Empresas. Discute questões relacionadas à aplicação deste princípio a um caso concreto, bem como sua aplicação no julgamento da ADIN nº. 3934 perante o Supremo Tribunal Federal. Como fonte, utiliza a pesquisa bibliográfica e jurisprudencial. O Estudo é relevante na medida em que analisa a possibilidade da aplicação deste princípio no âmbito de processos de falência, uma vez que tal princípio está relacionado, inicialmente, ao instituto da recuperação de empresas, mais precisamente no artigo 48, da Lei 11.101/2005. Palavras-chave: princípio; preservação da empresa; falência; Lei 11.101/2005.

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SUMÁRIO

1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS ................................................................................ 7

2. ASPECTOS TEÓRICOS ......................................................................................... 9

2.1 NOÇÕES PRELIMINARES SOBRE PRINCÍPIO ............................................... 9

2.2 PRINCIPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA ............................................ 11

2.3 O PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA E A CONSTITUIÇÃO

FEDERAL ............................................................................................................... 13

2.4 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CONCEITO DE EMPRESA E

EMPRESÁRIO ....................................................................................................... 14

3. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA EM CASOS

CONCRETOS ........................................................................................................... 17

3.1 JULGAMENTO DA ADIN Nº. 3934 No SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ...... 17

3.2 O PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA APLICADO AO

PROCESSO DE FALÊNCIA ................................................................................... 21

3.3 O CASO CONCRETO ...................................................................................... 22

4. CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS CASOS ANALISADOS ............................... 26

4.1 O JULGAMENTO DA ADIN Nº. 3934 NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL . 26

4.2 PROCESSO DE FALÊNCIA Nº. 236/2007 ....................................................... 27

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 30

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 32

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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Com a evolução do comércio entre os povos, com o surgimento das

grandes cidades, com a organização dos Estados, bem como modernamente com a

globalização que transforma os povos interligados e sensíveis a mudanças, as quais

acontecem em velocidade considerável em todo o globo. As empresas - enquanto

organismos geradores de riquezas, trabalho e tributos - acabam passando por

dificuldades que tornam sua atividade vulnerável.

Diante deste quadro, cumpre analisar os mecanismos que podem ser

utilizados para viabilizar a atividade da empresa, propiciando a sua recuperação.

Com o advento da Lei 11.101/2005, de 09 de fevereiro de 2005, a qual regula a

recuperação judicial, e extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade

empresária, ganhou relevo o princípio da preservação da empresa, uma vez que o

Estado quer fomentar a economia e a atividade empresarial para garantir empregos

e arrecadação de tributos. Assim, é plenamente viável para uma empresa em

dificuldade se socorrer do processo de recuperação, seja judicial ou extrajudicial,

para superar uma crise momentânea em que possa estar enfrentando.

No entanto, o intuito deste trabalho é ir além, estudar a possibilidade de

aplicação do princípio da preservação da empresa no processo de falência, a partir

da análise de um caso concreto no qual já houve um pronunciamento judicial

decretando a quebra da sociedade empresária. Para tanto, se buscará revelar à

vontade do legislador e a finalidade da Lei 11.101/2005 e, principalmente a

possibilidade de aplicação do princípio da preservação da empresa, tendo como

base o julgamento no Supremo Tribunal Federal da Ação Direta de

Inconstitucionalidade nº. 3934, bem como promover a análise de um caso concreto

que envolveu a aplicação do princípio supra referido.

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Além disso, é a intenção do presente estudo compreender a natureza do

princípio da preservação da empresa, sua finalidade e as conseqüências de sua

aplicação, eis que com o dinamismo da economia e de todos os fatores externos

que, em certas situações, atingem as empresas, causando desequilíbrios sociais e

desestabilizando um setor produtivo em um sistema cada vez mais interdependente.

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2. ASPECTOS TEÓRICOS 2.1 NOÇÕES PRELIMINARES SOBRE PRINCÍPIO

A palavra princípio, em seu sentido literal, é o momento do início, começo,

origem ou existência de algo ou a partir do que se delineia um conhecimento e

baliza-se um fim por ele determinado.

No que tange ao significado ao qual o direito empresta ao termo princípio, há

que se analisarem os ensinamentos de juristas já apresentados por inúmeras obras

e pelo seu reconhecimento no mundo jurídico, a exemplo de Carlos Ari Sundfeld, o

qual assim leciona:

Os princípios são as idéias centrais de um sistema, ao qual dão sentido lógico, harmonioso, racional, permitindo a compreensão de seu modo de organizar-se. Tomando como exemplo de sistema certa guarnição militar, composta de soldados, suboficiais e oficiais, com facilidade descobrimos a idéia geral que explica seu funcionamento: “o subordinados devem cumprir as determinações dos superiores”. Sem captar essa idéia é totalmente impossível entender o que se passa dentro da guarnição, a maneira como funciona. De nada adianta conhecer os nomes das varias categorias de militares envolvidos, a atividade diária de cada um deles, os veículos que usam, seu horário de trabalho etc., se não tivermos ciência do principio que organiza todos esses elementos. Assim, podemos enunciar o principio da “hierarquia” para descrever, de modo sintético, o sistema “guarnição militar”. A Enunciação dos princípios de um sistema tem, portanto, uma primeira utilidade evidente: ajudar no ato de conhecimento. O cientista, para conhecer o sistema jurídico, precisa identificar quais os princípios que o ordenam. Sem isso, jamais poderá trabalhar com o direito. (2000, p.143).

Continua, com profunda eloquência, o nobre jurista, a aclarar e conceituar a

aplicação do princípio no sistema jurídico:

Os princípios jurídicos constituem a base do ordenamento jurídico, ‘a parte permanente e eterna do direito e também a cambiante e mutável, que determina a evolução jurídica’; são as idéias fundamentais e informadoras da organização jurídica da nação. (2000, p. 146)

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Nota-se que o princípio é base fundamental do sistema jurídico e a este

irradia conseqüências a serem observadas, eis que possui natureza especial,

conforme arremata Carlos Ari Sundfeld:

O principio jurídico é norma de hierarquia superior à das regras, pois determina o sentido e o alcance desta, que não podem contrariá-lo, sob pena de pôr em risco a globalidade do ordenamento jurídico. Deve haver coerência entre os princípios e as regras, no sentido que vai daqueles para estas. (2000, p.146)

Celso Antonio Bandeira de Mello, em passagem notável, presta importante

contribuição ensinando que o princípio é:

Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe da sentido harmônica. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo” (1999, p. 46)

Ainda, é importante colacionar o magistério de Humberto Ávila, o qual assim

traz os seguintes ensinamentos:

(...) os princípios instituem o dever de adotar comportamentos necessários à realização de um estado de coisas, inversamente, institui o dever de efetivação de um estado de coisas pela adoção de comportamentos a eles necessários. Essa perspectiva de analise evidencia que os princípios implicam comportamentos, ainda que por via indireta e regressiva. Mais ainda, essa investigação permite verificar que os princípios, embora indeterminados, não o são absolutamente. Pode haver incerteza quanto ao conteúdo do comportamento a ser adotado, mas não há quanto à sua espécie: o que for necessário para promover o fim é devido. (2006, p. 80)

Paulo Bonavides ensina que “Princípios são verdades objetivas, nem

sempre pertencentes ao mundo do ser, senão do dever-ser, na qualidade de normas

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jurídicas, dotadas de vigência, validez e obrigatoriedade.” (BONAVIDES,2001, p.

229).

Deste modo, princípio, tomando por base a sua significância no sistema

jurídico, é o ponto de partida para o conhecimento e harmonia daquele, eis que seus

comandos são de observância obrigatória e entendimento indispensável.

2.2 PRINCIPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA

Após enveredar ao estudo do termo princípio em sua forma geral, busca-se

estudar o princípio da preservação da empresa, eis que é um princípio especial do

ordenamento jurídico. Assim sendo, Carlos Roberto Claro apresenta comentários

elucidativos sobre a finalidade do princípio da preservação da empresa:

O propósito da nova lei é, efetivamente, apresentar mecanismos jurídicos às empresas que atravessam momentânea crise econômico-financeira, a fim de que se mantenham no mercado. Com isso, empregos serão mantidos; os credores poderão vislumbrar a possibilidade de receber o que lhes é devido; haverá geração de tributos e o estímulo à atividade econômica, sendo certo que em tese, a empresa poderá cumprir sua função social. Evidentemente que o principio da preservação da empresa não pode ser interpretado ao extremo. Em outras palavras, mas com igual alcance, muito embora o Estado conceda instrumentos à recuperação da entidade, não pode permitir que aquelas em situações precárias, com problemas crônicos e sem condições de soerguimento se mantenham abertas. Haverá a inequívoca necessidade de retirada do mercado daquelas empresas deficitárias e sem solução, a fim de evitar o agravamento de seus problemas puxando para mesma situação aquelas entidades saudáveis, com verdadeiro efeito dominó. A retirada do mercado se deve dar com o pedido de autofalência formulado pelo próprio devedor ou mesmo com pleito judicial formulado por credores que cumpram todas as condições exigidas pelo novo texto normativo. Portanto, preservar a empresa é preciso até mesmo pelos reflexos danosos que a falência poderá provocar. Porém, tal preservação tem limites óbvios: as entidades são recuperáveis devem ser afastadas imediatamente do segmento de mercado no qual atuam, quer por iniciativa própria (autofalência), quer mediante pedido expresso de credor, observada as formalidades legais. (2006, p. 248).

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Waldo Fazzio Junior, em sua contribuição, leciona sobre o princípio em

comento:

Insolvente ou não, a empresa é uma unidade econômica que interage no mercado, compondo uma labiríntica teia de relações jurídicas com extraordinária repercussão social. È uma unidade de distribuição de bens e/ou serviços. È um ponto de alocação de trabalho, oferecendo empregos. É um elo na imensa corrente do mercado que, por isso, não pode desaparecer, simplesmente, sem causar seqüelas. A atividade empresarial desborda dos limites estritamente singulares para alcançar dimensão sócio econômica bem mais ampla. Afeta o mercado e a sociedade, mais que singela conotação social. Daí porque urge prevenir a insolvência da empresa. Daí porque basta à presunção de insolvência para justificar a busca de uma solução jurisdicional. O interesse de agir nos processos regidos pela LRE habita na necessidade de um provimento judiciário ato a dirimir não só a crise econômica financeira de um empresário, mas também toda sorte de relações daí decorrentes, de modo a preservar, se possível, a unidade econômica produtiva. A conservação da atividade negocial é o ponto mais delicado do regime jurídico de insolvência. Ao contrario da concepção cirúrgica adotada na extinta LFC, pretende-se, com a LRE, na medida do possível, priorizar a recuperação sobre a liquidação. Só deve ser liquidada a empresa inviável, ou seja, aquela que não comporta uma reorganização eficiente ou não justifica o desejável resgate. É bom frisar que a preservação da empresa não significa a preservação do empresário ou dos administradores da sociedade empresaria. Proteger a atividade produtiva implica, quase sempre, apartar os reais interesses de seus mentores. A separação entre a sorte da empresa e a de seus titulares apresenta-se, às vezes, como o caminho mais proveitoso no sentido de uma solução justa e eficaz para conjuntura jurídico-econômica da insolvência. Se é verdade que a proteção do credito mantenedor da regularidade do mercado é um intento que precisa ser perseguido, não é menos verdade que o interesse sócio econômico de resguardar a empresa, como unidade de produção de bens e/ou serviços, prevalece sobre quaisquer outros afetados pelo estado deficitário, porque se revela como o instrumento mais adequado para atender aos interesses dos credores, dos empregados e do mercado.(...) O objetivo econômico da preservação da empresa deve preponderar em regra, sobre o objetivo jurídico da satisfação do titulo executivo, se este for considerado apenas como a realização de pretensão singular. O regime jurídico de insolvência não deve ficar preso ao maniqueísmo privado que se revela no embate entre a pretensão dos credores e o interesse do devedor. A empresa não é mero elemento da propriedade privada. (2005, p. 35).

O senador Ramez Tebet em seu relatório apresentado no PLC n71, de 2003,

perante a Comissão de assuntos econômicos no Senado, faz a seguinte

observação:

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Em razão de sua função social, a empresa deve ser preservada sempre que possível, pois gera riqueza econômica e cria emprego e renda, contribuindo para o crescimento e desenvolvimento social do país. Além disso, a extinção da empresa provoca a perda do agregado econômico representado pelos chamados intangíveis como nome, ponto comercial, reputação, marcas, clientela, rede de fornecedores, know-how, treinamento, perspectiva de lucro futuro, entre outros. (2003, p. 20).

Deste modo, ao analisar os conceitos apresentados sobre o princípio da

preservação da empresa, é nítida a intenção do legislador em fornecer uma proteção

para a empresa que passa por dificuldades. No entanto, não é a intenção da lei em

privilegiar interesses individuais, pois ao tentar preservar a empresa, está se

buscando manter empregos, gerar riquezas, tributos, uma vez que o estado tem que

fomentar a atividade econômica.

2.3 O PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA E A CONSTITUIÇÃO

FEDERAL

O princípio da preservação da empresa não esta explícito no texto da

Constituição federal de 1988, no entanto, ao analisar o capítulo que disciplina a

ordem econômica conclui-se que tal princípio está implícito no sistema econômico

nacional. O artigo 170, da constituição federal assim dispõe:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte.

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IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995) Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Assim, ao analisar o artigo em comento, nota-se que a proteção da

propriedade privada, a função social da propriedade, a busca do pleno emprego são

princípios que necessitam ser conjugados com o princípio da preservação da

empresa, eis que não há que se manter postos de trabalho, os quais propiciarão

dignidade para muitos trabalhadores em razão do seu trabalho, bem como retirar de

uma sociedade que deixou de existir a função social da propriedade, uma vez que

será mais um esqueleto vazio e objeto de disputas jurídicas sobre os equipamentos

e direitos trabalhistas decorrentes de sua bancarrota.

É certo que o Estado não deve ajudar a manter sociedades empresárias

que não são competitivas, o que causaria desigualdade no sistema de concorrência,

mas garantir mecanismos para que as instituições em dificuldade não deixem de

existir, para continuarem gerando riquezas, empregos, tributos e divisas para o país,

o que é saudável para o capitalismo e para a sociedade em geral.

2.4 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CONCEITO DE EMPRESA E

EMPRESÁRIO

À luz do código civil, mais precisamente no artigo 966, tem-se a seguinte

definição sobre o empresário:

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Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

Assim sendo, analisando o artigo supra referido destacam-se as seguintes

características, as quais caracterizam o empresário:

a) o profissionalismo, o qual é associado aos três elementos a seguir

delineados: I - habitualidade, eis que o empresário é quem se dedica de forma

habitual no desenvolvimento de uma atividade empresarial, nunca de forma

esporádica. II - pessoalidade, o empresário é quem implementa a empresa (como

atividade produtiva), uma vez que contrata empregados, os quais produzem e fazem

circular os bens ou serviços produzidos, na condição de colaboradores, mas o risco

do negócio é suportado pelo profissional (empresário). III - Monopólio da informação,

o qual define que se o empresário é o profissional que produz um produto ou

serviço, ele é responsável perante terceiros pelos produtos fornecidos, bem como

pelas informações (sobre insumos utilizados, defeitos de fabricação, riscos

potenciais à saúde ou vida) prestadas aos consumidores e usuários.

a) atividade: uma ação tendente a produzir ou colocar em circulação de

bens ou serviços no mercado, sendo assim, empresa uma atividade econômica do

empresário. No entanto, Fabio Ulhoa coelho adverte sobre o cometimento de

equívoco ao se referir ao termo empresa:

Na linguagem cotidiana, mesmo nos meios jurídicos, usa-se a expressão “empresa” com diferentes e impróprios significados. Se alguém diz “a empresa faliu” ou “a empresa importou essas mercadorias”, o termo é utilizado de forma errada, não técnica. A empresa, enquanto atividade, não se confunde com o sujeito de direito que a explora, o empresário. É ele que

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fale ou importa mercadorias. Similarmente, se uma pessoa exclama “a empresa esta pegando fogo!” ou constata “a empresa foi reformada, ficou mais bonita”, está empregando o conceito equivocadamente. Não se pode confundir a empresa com o local em que a atividade é desenvolvida. O conceito correto nessas frases é o de estabelecimento empresarial; este sim pode incendiar-se ou ser embelezado, nunca a atividade. Por fim, também é equivocado o uso da expressão como sinônimo de sociedade. Não se diz “Separam-se os bens da empresa e os dos sócios em patrimônios distintos”, mas “separam-se os bens sociais e os dos sócios”; não se deve dizer “fulano e beltrano abriram uma empresa”, mas “eles contrataram uma sociedade”. Somente se emprega de modo técnico o conceito de empresa quando for sinônimo de empreendimento. Se alguém reputa “muito arriscada a empresa”, está certa a forma de se expressar: o empreendimento em questão enfrenta consideráveis riscos de insucesso, na avaliação desta pessoa. Como ela se está referindo à atividade, é adequado falar em empresa. (2010, p. 12)

c) econômica: se é uma atividade desenvolvida em um mercado capitalista,

ela tem que gerar lucros, isto é, ser economicamente viável.

d) organizada: sendo uma atividade empresarial, devem estar presentes o

capital, mão de obra, insumos, tecnologia em favor da atividade que vai ser

desenvolvida (produção ou circulação de bens ou serviços).

No entanto, no ordenamento jurídico brasileiro não há uma conceito definido

para o termo empresa, assim tal tarefa ficou a cargo da doutrina, a qual buscou

definir empresa analisando vários perfis, dos quais se extraí a título de exemplo, eis

que não é uma tarefa muito simples, a definição de BULGARELLI citado por

NEGRÃO, em que define empresa como “atividade econômica organizada de

produção e circulação de bens e serviços para o mercado, exercida pelo empresário,

em caráter profissional através de um complexo de bens”. (NEGRÃO, 2001, p.77)

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3. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA EM CASOS CONCRETOS 3.1 JULGAMENTO DA ADIN Nº. 3934 No SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O julgamento da ADIN 3934 é um caso emblemático, no qual o Partido

Democrático Trabalhista – PDT propôs Ação Direita de Inconstitucionalidade, com

pedido de liminar, impugnando os arts. 60, parágrafo único, 83, I e IV, c, e 141, II, da

Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, a qual regula a recuperação judicial, a

extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, por entender

incompatíveis com o disposto nos arts. 1º, III e IV, 6º, 7º, I, e 170, VIII, da

Constituição federal.

Para fundamentar o seu pedido, o requerente alegou inconstitucionalidade

formal e material nos dispositivos supra referidos. No entanto, é relevante para o

presente trabalho relatar somente o fundamento no qual o requerente sustenta que

os dispositivos que disciplinam a responsabilidade do arrematante na alienação

judicial (art. 60, parágrafo único e art. 141, II, da Lei 11.101/2005) padecem de

inconstitucionalidade material. O relator do julgamento, Senhor Ministro Ricardo

Lewandowiski, assim expõe as razões do requerente:

(...) o requerente encontra neles inconstitucionalidade de ordem material, porquanto, ao liberarem os arrematantes de empresas alienadas judicialmente das obrigações trabalhistas, tornando-os imunes aos ônus de sucessão, estariam afrontando os valores constitucionais da dignidade da pessoa humana, do trabalho e do pleno emprego, abrigados nos arts. 1º, III e IV, 6º e 170, VIII, da lei Maior. (2009, p. 378) (...) Segundo o requerente, o regramento impugnado, nesse aspecto “ passará a constituir caminho fácil para o desrespeito aos direito adquiridos pelos empregados no curso da relação desenvolvida com seu empregador, que vindo a prestigiar outros credores comuns e, uma vês acumulando com eles grandes dívidas, delas poderá se livrar com a simples realização de uma alienação judicial em falência” (fl.9). (...)

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Com esses argumentos, alinhavados em resumo, almeja ver reconhecida a procedência da ação para que seja declarada “ a inconstitucionalidade do artigo 83 incisos I e VI, letra “c” da Lei 11.101/05, na parte em que limita os créditos trabalhistas em falência ou recuperação judicial ao montante de 150 ( cento e cinqüenta) salários mínimos e do artigo 141, inciso II, da mesma Lei 11.101/05, na parte em que isenta o adquirente de empresa, filial ou unidade produtiva, nos casos de falência, de obrigações de natureza trabalhista, ambos com efeito ex tunc.” E , Ainda, “ seja dada interpretação conforme ao artigo 60, parágrafo único, da mesma norma (Lei 1.101/2005), de modo a que seja esclarecido que os adquirentes de unidades produtivas ou empresas, em processos de recuperação judicial, respondem pelas obrigações da legislação do trabalho” (fls.22-23). (2009, p. 379).

Feitas as considerações iniciais e colhidas às manifestações dos

interessados, o relator passa a se manifestar sobre o mérito e apresentar o seu voto,

nos seguintes termos:

Convém registrar que, a rigor, um dos principais objetivos da Lei 11.101/2005 consiste justamente em preservar o maior número possível de empregos nas adversidades enfrentadas pelas empresas, evitando ao máximo as dispensas imotivadas, de cujos efeitos os trabalhadores estarão protegidos, nos termos dos art.10, II, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, de aplicabilidade imediata, segundo entende esta corte, enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora. (...) Nesse aspecto, o requerente sustenta que os arts. 60, parágrafo único e 141, II, da Lei 11.101/2005 são inconstitucionais do ponto de vista substantivo, ao estabelecerem que o arrematante das empresas em recuperação judicial não responde pelas obrigações do devedor, em especial as derivadas da legislação do trabalho. (2009 p. 385 e 386).

Para buscar a intenção do diploma legal, a que se põe em julgamento, o

Ministro Ricardo Lewandowiski cita o parecer apresentado à comissão de Assuntos

Econômicos do Senado Federal, o Senador Ramez Tebet, o qual foi relator do

projeto de lei que originou a Lei 11.101/2005, nos seguintes termos:

A fim de conhecer as opiniões dos diversos segmentos da sociedade sobre o assunto e democratizar o debate, esta comissão promoveu, nos meses de janeiro e fevereiro de 2004, audiências publicas a cerca do PLC nr.71, de 2003, em que foram ouvidas centrais sindicais, representantes das associações e confederações comerciais e industriais, das micro e pequenas empresas, dos bancos e do Banco Central, das empresa de construção civil, dos produtores rurais, do Poder Judiciário, do Ministério

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Publico, do Governo Federal e outros especialistas em direito falimentar. Além disso recebemos numerosas sugestões por escrito, que também contribuíram para o aprofundamento do debate. (2009, p. 391).

Cita, o eminente o ministro, o comentário feito por Rubens Aprobato

machado, o qual assim esclarece:

(...) a falência (...) e a concordata, ainda que timidamente permitissem a busca da recuperação da empresa, no decorrer da vigência do Decreto-lei 7.661/45 e ante as mutações a vidas na economia mundial, inclusive com a sua globalização bem assim nas periódicas e inconstantes variações da economia brasileira, se mostram não só defazadas, como também se converteram em verdadeiros instrumentos da própria extinção da atividade empresarial. Para mente, uma empresa, em concordata conseguia sobreviver e, mais raramente ainda, uma empresa falida era capaz de desenvolver a continuidade dos seus negócios. Foram institutos que deixavam as empresas sem qualquer perspectiva de sobrevida. (2009, p. 392).

Salienta a intenção do legislador em desonerar o adquirente de empresas

alienadas judicialmente dos débitos trabalhistas, se utilizando assim do parecer

elaborado pelo Senador Ramez Tebet, em linhas acima já referido, nos seguintes

termos:

(...) O fato de o adquirente da empresa em processo de falência não suceder o falido nas obrigações trabalhistas não implica prejuízo aos trabalhadores. Muito ao contrário, a exclusão da sucessão torna mais interessante a compra da empresa e tende a estimular maiores ofertas pelos interessados na aquisição, o que aumenta a garantia dos trabalhadores, já que o valor pago ficará à disposição do juízo da falência e será utilizado prioritariamente os créditos trabalhistas, além do mais, a venda em bloco da empresa possibilita a continuação da atividade empresarial e preserva empregos. Nada pode ser pior para os trabalhadores que o fracasso na tentativa de vender a empresa, pois, se esta não é vendida, os trabalhadores não recebem seus créditos e ainda perdem seus empregos. ( 2009, p. 393).

O relator acentua a finalidade do diploma legal em questão, lecionando da

seguinte forma:

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Do ponto de vista teleológico, salta à vista que o referido diploma legal buscou, antes de tudo, garantir a sobrevivência das empresas em dificuldades – não raras vezes derivadas das vicissitudes por que passa a economia globalizada -, autorizando a alienação de seus ativos, tendo em conta, sobretudo, a função social que tais complexos patrimoniais exercem, a teor do disposto no art. 170, III, da lei maior. (...) O referido processo tem em mira não somente contribuir para que a empresa vergastada por uma crise econômica ou financeira possa superá-la eventualmente, mas também busca preservar, o mais possível, os vínculos trabalhistas e a cadeia de fornecedores com os quais ela guarda verdadeira relação simbiótica. ( 2009, págs. 394, 396).

Feitas todas as considerações, no tocante a suposta inconstitucionalidade

material, o relator decide pela constitucionalidade dos dispositivos atacados,

entendo que os artigos arts. 60, parágrafo único e 141, II, da Lei 11.101/2005 estão

de acordo com a constituição, uma vez que o legislador ordinário optou em dar maior

densidade aos princípios da livre iniciativa e da função social da propriedade-

materializados nas empresas - em detrimento de outros princípios de observação

indispensáveis, uma vez que reputou-os mais adequados.

O Ministro Cezar Peluso, o qual também acompanhou o voto do relator,

contribuindo para o julgamento com suas considerações, assim expostas:

E a propósito, lembrei-me – porque durante mais de vinte anos fui juiz civil e lidei cm muitos casos, sobretudo de concordatas – de que invocava sempre do eminente então Ministro Aleomar Baleeiro que dizia – e nisto ele simplesmente fazia um reconhecimento de caráter geral – que não há interesse social algum em decretar-se falência. É o caso. Todo propósito da lei, todo esquema de engenharia da lei foi exatamente de preservar as empresas como fonte de benefícios e de riqueza de caráter social, e não apenas de caráter individual. (2009, p. 417).

Continua, o senhor Ministro, esclarecendo a finalidade da lei em comento,

lançando mão de suas memórias de quando era Juiz cível e teve contato com

processos de falência em seu labor diário, do qual se retira o seguinte:

E digo mais: se fosse, como se pode sustentar, interessante ou atraente em colapso com integral sucessão jurídica, esta lei seria altamente inútil.

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Ela foi engendrada, concebida exatamente porque a realidade mostra, como, aliás, a experiência o comprova abundantemente, que ninguém jamais, salvo com finalidades escusas, teria o menor interesse em adquirir uma empresa nestas circunstâncias e arcar com débitos e absolutamente insuscetíveis de pagamento! Finalmente senhor, presidente gostaria de acentuar – isto me parece também importantíssimo – que o está por trás da interpretação desta norma é, na verdade, um conflito entre duas visões. De um lado uma visão macroeconômica, que tem o foco no dinamismo da economia e que, por isso mesmo, visa o beneficio de toda a coletividade, e, de outro, uma visão que eu diria um pouco mais microscópica e um pouco mais rente a aparentes interesses subjetivos individualizados, mas que, no fundo, reverte em dano geral, porque não permite a recuperação das empresas, nem que a lei atinja seus objetivos. Isso tudo, com base na experiência que nos mostrou que, durante a vigência da lei velha, ninguém costumava adquirir bens, muito menos toda a massa. Em muitos e muitos casos, a demora nos processos de falência levava à deterioração desses bens, e, portanto, à perda de seu valor econômico. Os créditos não eram satisfeitos - e a minha memória não é tão boa quanto o era, mas não me recordo de ter pago credito trabalhista em falência há muitos anos; não me lembro de ter feito isso. E as empresas eram extintas, e o desemprego era acelerado. (2009, p.418).

A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3934 foi julgada por maioria

improcedente, nos termos do voto do relator, sendo que acompanharam o relator os

senhores Ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello, César Peluso, Joaquim Barboza,

Eros Grau, as Ministras Ellen Gracie e Cármen Lúcia.

3.2 O PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA APLICADO AO PROCESSO

DE FALÊNCIA

O princípio da preservação da empresa está presente no ordenamento

jurídico - no mundo do dever ser-, mas a sua aplicabilidade e materialização - no

mundo do ser - depende de casos em que seja viável a sua concreção. Assim, no

presente estudo faz-se necessário estudar um caso concreto em que houve a

utilização do princípio supra referido, uma vez que cabe ao operador do direito a

tarefa de aplicar a norma aos casos concretos e pacificar as relações sociais.

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3.3 O CASO CONCRETO

O caso concreto objeto de análise no presente estudo consiste nos autos nº.

236/2007, o qual tramitou no Juízo da 2º Vara da Fazenda Pública, Falências e

Concordatas do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, no

qual a empresa AMÉRICA COMÉRCIO DE EMBALAGENS PLASTICAS FLEXIVEIS

LTDA ajuizou pedido de falência em face de SANTOS & COFERRE LTDA-ME

alegando, em síntese, que era credora da quantia de R$ 23.882,12 (vinte e três mil

oitocentos e oitenta e dois reais e doze centavos) devidamente corrigidos, referente

aos cheques de nº. 010284, nº. 01085, nº. 010286, nº. 010287 e nº. 010288

devidamente protestados, bem como Instrumento Particular de Confissão de Dívida

e outras Avenças. A ação de Falência foi contestada pela requerida, a qual

sustentou que efetuou o pagamento do valor relativo aos dois primeiros cheques,

dizendo que passava por dificuldades financeiras, ao final propôs um acordo para

parcelamento da dívida em 36 parcelas.

O Juiz da causa, MM. Dr. Juiz Substituto João Henrique Coelho Ortolano,

após a regular tramitação do processo, ouvido o Ministério Público, julgou

procedente o pedido e decretou a falência da requerida sob o seguinte fundamento:

A pretensão da parte autora prende-se no pedido de falência pela inadimplência da parte devedora, que não honrou com o pagamento dos cheques protestados descritos na inicial, originados do instrumento particular de confissão de dívida e outras avenças. Pelos documentos juntados a inicial, a autora comprova a existência do instrumento particular de confissão de dívida e outras avenças, formulado entre ela e parte ré. Além do mais, às fls. 29/33 a autora junta os cheques não adimplidos, bem como os instrumentos de protesto fls.34/40, comprovando assim a inadimplência da parte ré. Assim, a inicial está instruída com todos os documentos que comprovam a qualidade de credor da outra parte, na forma do artigo 11 da Lei Falimentar. Além disso, não houve prova de que o devedor possui solvabilidade, sendo que nem mesmo ofertou resposta ou efetuou o depósito elisivo, que contribuiria para afastar a presunção de insolvência. A parte ré alega que houve pagamento dos dois primeiros cheques, ocorre que não juntou documentos para comprovar tal alegação, bem como

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reconheceu que não efetuou o pagamento por estar passando por dificuldades financeiras. A impontualidade, considerada manifestação típica do estado de falência do devedor, e o título certo, líquido e exigível, devidamente protestado, constituem os requisitos necessários para a decretação da quebra. Portanto, a pretensão procede, tendo como objetivo o recebimento do valor dos títulos, estes devidamente comprovados. Preenchidos os requisitos do artigo 9º, é imperativo o proferimento da sentença, conforme o disposto no artigo 14 do referido diploma legal. (2010, p. 115/120).

A requerida SANTOS & COFERRE LTDA-ME, irressignada com a decisão,

interpôs agravo de instrumento, nos moldes do artigo 100, da Lei 11.101/2005, ao

Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, o qual foi autuado sob nº. 678.784-6,

sustentando que; a) todos os compromissos assumidos pela sociedade estão sendo

cumpridos e não foram registrados outros pedidos de falência; b) não cumpriu a

obrigação assumida com a sociedade empresária agravada por conta de

dificuldades financeiras; c) a dívida originária foi transacionada e dividida em

parcelas, sendo que pagou somente a primeira prestação; d) subsiste a

possibilidade de pedir a recuperação extrajudicial; e) a nova lei de falência

prioriza a continuidade da empresa, bem como a possibilidade de acordo

entre credor e devedor “desde que não transitada em julgado a decisão que

decretou a quebra.”

O agravo teve como relator o senhor Desembargador Lauri Caetano da

Silva, o qual em seu voto assim se manifestou:

(...) É de conhecimento notório que ao credor ser atingido pelo inadimplemento, o ordenamento jurídico oferta alternativas, quais sejam, a execução ou o pleito de quebra. No entanto, a mera inadimplência, não significa a comprovação da insolvência da empresa. Foi este aspecto que chamou especial atenção nos autos. Veja-se que após a decretação da quebra, ocorreram negociações entre as partes e a requerente acabou por anuir com os pagamentos dos débitos. Assim sendo, mesmo se tratando de procedimento incomum, é de se ter em mira, a impossibilidade da decretação da falência da agravante. Este raciocínio aplica-se à hipótese dos autos, porque a decisão que decretou a quebra, não considerou o desiderato da agravada, ou seja, o

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intuito puramente coativo para recebimento do seu crédito. Tanto é assim que a agravada atingiu seu objetivo, percebendo integralmente o que lhe era devido. Cumpre asseverar que a momentânea situação de dificuldade financeira não representa estado falimentar. Se assim o fosse, a empresa agravante não teria quitado os apontados débitos. Neste passo, verifico que restou provado que a empresa agravante cumpriu satisfatoriamente o acordo entabulado entre as partes, o que por certo, caracteriza sua solvabilidade. De outro lado, não se tem noticiado nos autos, outros pedidos de falência, resultando daí, a desnecessidade de afastar a empresa do meio comercial. E, sob este prisma mister reconhecer que a agravada não possui interesse processual, até porque cabalmente demonstrada a intenção real de simples cobrança de dívida mediante pedido de quebra. (2010, p.7).

O senhor relator prossegue a manifestar as razões do seu voto:

De outro lado, considero que a alegada impontualidade, necessita, mesmo inexistindo previsão na norma específica, ser interpretada à luz do bem comum, no sentido de não impingir à empresa, irreversível resultado, fatal para a continuidade dos seus fins sociais. (...) Portanto, quando ausente previsão normativa a disciplinar a conduta, fruto da própria dinâmica social, a partir de raciocínio lógico e razoável, necessário promover o mais detido exame em torno das conseqüências nefastas que resultam da decretação da quebra. Destarte, não se pode perder de vista, a preservação da empresa, de forma a pensar na sua função social que é o estímulo às atividades econômicas, porque a empresa é um organismo vivo, é fonte geradora de empregos, de recolhimento de tributos e de ativação da economia, merecendo destaque a importância da geração de empregos no contexto social. (2010, p.08).

O senhor Desembargador relator destacou os apontamentos de Gladston

Mamede, o qual aduz o seguinte:

O princípio da função social da empresa reflete-se por certo, no princípio da preservação da empresa que dele é decorrente. Tal princípio compreende a continuidade das atividades de produção de riquezas com um valor que deve ser protegido, sempre que possível, reconhecendo, em oposição, os efeitos deletérios da extinção das atividades empresariais que prejudica não só o empresário ou sociedade empresária prejudica os demais trabalhadores, fornecedores, consumidores, parceiros negociais e o Estado. (2010, p.09).

Feitas estas considerações o relator se manifestou, ao final, nos seguintes

termos:

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Assim, sob a ótica do interesse social pela preservação da empresa e ainda, considerando o novel espírito da Lei 11.105/2005 que enfatiza o princípio da continuidade da empresa e a hodierna forma de pensar o direito societário, não há coerência lógica e jurídica em ver decretada a falência da agravante. (2010, p.10).

O relator votou pelo provimento do agravo de instrumento manejado pela,

até então falida, julgando extinto o pedido de falência, por falta de interesse de agir

da agravada. O voto foi acompanhado pelos Desembargadores Vicente Del Prete

Misurelli e Stewald Camargo Filho. Deste modo, foi dado provimento ao agravo

manejado por unanimidade de votos.

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4. CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS CASOS ANALISADOS

4.1 O JULGAMENTO DA ADIN Nº. 3934 NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A Ação de Inconstitucionalidade Direta nº. 3934 manejada pelo Partido

Democrático Brasileiro foi julgada improcedente pela maioria dos ministros, uma vez

que houve uma ponderação dos princípios e dos interesses envolvidos quando o

legislador disciplinou que não haveria sucessão dos créditos trabalhistas pelos

adquirentes de empresas alienadas judicialmente. Nota-se que a intenção do

legislador, segundo o debate do julgamento, foi de garantir a atividade da empresa,

mantendo os empregos e a renda das pessoas que dependem da atividade da

empresa para manter a si e sua família.

O legislador ao optar pela não sucessão dos créditos trabalhistas pelo

adquirente de empresa em alienação judicial, conforme disciplinado nos artigos 60,

parágrafo único e 141, II, da Lei 11.101/2005, buscou que as empresas que estavam

sendo alienadas judicialmente ficassem mais interessantes para o adquirente, uma

vez que, não raras às vezes, estas empresas estavam com passivos trabalhistas

consideráveis. No entanto, isso não significa que tal situação deve ser utilizada para

sonegar os créditos trabalhistas, eis que o produto da venda da empresa em

alienação judicial será destinado para saldar os débitos trabalhistas da empresa

falida.

O princípio da preservação da empresa, conforme aplicado nos artigos em

comento, visa à manutenção da atividade da empresa, a qual está passando por

dificuldades e não havendo a alienação desta, as pessoas que dependem de seus

postos de trabalho ficarão desamparadas, assim com a venda judicial, buscasse

evitar o mal maior, o qual consiste no desaparecimento da empresa e o desemprego

em massa dos trabalhadores, os quais, ainda, não receberão os seus créditos

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trabalhistas, eis que o processo de falência, na maioria das vezes, se prolonga pelo

tempo e muitos dos credores trabalhistas ficam sem nada receber por ausência de

recursos para pagamento destas verbas, o que resulta em uma falência frustrada.

Deste modo, conforme salientado pelos senhores ministros do Supremo

Tribunal federal no julgamento exposto no presente trabalho, há que se ter em alvo a

preservação da empresa como instrumentos de manutenção da atividade produtiva,

uma vez que a falência da empresa causa enormes transtornos para os

trabalhadores e para a economia, sabendo que a quebra das empresas é um

acontecimento nocivo para os trabalhadores e sendo mais sensível em regiões muito

dependente de tais empreendimentos.

4.2 PROCESSO DE FALÊNCIA Nº. 236/2007

Analisando o caso apresentado nota-se que em primeira instância, o juiz da

causa, ao decretar a falência da requerida levou em consideração à impontualidade

desta em relação ao acordo entabulado entre as partes. Ainda, nota-se que, após

ser citada, a empresa requerida formulou nova proposta de acordo para a satisfação

da dívida com a requerente, agora em 36 parcelas. No entanto, uma vez quebrado o

primeiro acordo pela inadimplência não houve outra solução senão a decretação da

falência da devedora.

No entanto, o julgador do agravo de instrumento no Tribunal de Justiça do

Estado do Paraná, senhor Desembargador Lauri Caetano, se deparou com uma

outra situação, na qual as partes já haviam negociado a dívida e noticiaram o

integral cumprimento da obrigação assumida. Nesta nova situação enfrentada não

haveria razão para manter a quebra da empresa requerida, uma vez que passou por

dificuldades momentâneas para manter suas operações e honrar os seus

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compromissos.

As dificuldades enfrentadas pelas empresas, bem como as crises, as quais

em razão de uma economia globalizada estão sendo mais freqüentes, tornam as

empresas frágeis e as conseqüências são sentidas só pelos responsáveis pelo

empreendimento, mas por todos que dela dependem. Neste sentido, confira-se os

ensinamentos de Fabio Ulhoa Coelho:

A crise da empresa pode ser fatal, gerando prejuízos não só para os empreendedores e investidores que empregaram capital no seu desenvolvimento, como para os credores e, em alguns casos, num encadear de sucessivas crises, também para outros agentes econômicos. A crise fatal de uma grande empresa significa o fim de postos de trabalho, desabastecimento de produtos ou serviços, diminuição na arrecadação de impostos e, dependendo das circunstâncias, paralisação de atividades satélites e problemas sérios para a economia regional ou, até mesmo, nacional. (2008, p. 24).

Deste modo, a aplicação do princípio da preservação da empresa e o

provimento ao recurso mantendo as atividades empresariais da postulante foi uma

decisão acertada, uma vez que as conseqüências do processo falimentar são graves

e devem ser combatidos, pois quando uma empresa – enquanto geradora de

atividade econômica – deixa de existir, contribui para o desemprego, informalismo,

menos renda e arrecadação de tributos. Assim, a manutenção da empresa, quando

viável, deve ser buscada sempre, para que a propriedade privada cumpra com sua

função social e contribua para a produção de riquezas no país.

As dificuldades das empresas geram a insolvência que é a diminuição da

capacidade patrimonial, na lição de Fabio Ulhoa Coelho “O estado patrimonial em

que se encontra o devedor que possui o ativo inferior ao passivo é denominado

insolvência.” (COELHO, 2010, p. 317).

A insolvência é dividida em relativa e absoluta, sendo, como regra, na

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insolvência relativa ainda existe uma possibilidade de recuperação, já na insolvência

absoluta a empresa não tem mais condições de permanecer na atividade. No

entanto, com a possibilidade da aplicação do princípio da preservação da empresa,

atendendo as peculiaridades do caso concreto, existe a possibilidade de

reorganização de empresas que estão em insolvência, ainda que absoluta. Não

importando em dizer que os mesmos indivíduos, os quais deixaram a atividade

entrar em decadência, continuem a comandar a atividade. Assim, preservar a

empresa não é preservar a incompetência empresarial gerada por uma possível

sucessão familiar ou por uma má escolha de estratégia, o que levaria ao juiz

influenciar na livre concorrência e desequilibrar a atividade empresarial se aplicasse

o princípio da preservação da empresa nestas condições explanadas.

Deste modo, uma empresa que teve sua falência decretada não

necessariamente tem que desaparecer, pois o que se quer é a manutenção da

atividade da empresa e com a decretação da falência deve-se buscar somente a

punição do empresário que não foi eficiente ao gerir sua atividade e não das

pessoas envolvidas naquela atividade. Uma solução é a alienação da empresa falida

na sua totalidade para outro empresário ou grupo econômico, preservando assim a

atividade da empresa que foi prejudicada por ineficiência empresarial. Tal

providência garante a preservação da empresa, o que quebra o preconceito de que

com a falência a empresa inevitavelmente deixará de existir.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve o fito de ser arvorar e estudar sobre a

possibilidade da aplicação do princípio da preservação da empresa em processos de

falência, uma vez que as empresas, em uma economia dinâmica, atravessam crises

e percalços que fragilizam as suas atividades e, muitas vezes, fazendo com que elas

deixem de existir, o que causa desemprego e queda na arrecadação de tributos e

geração de riqueza para o país.

A Lei 11.101/2005, de 09 de fevereiro de 2005, a qual regula a recuperação

judicial, e extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária trouxe

em seu texto o artigo 48, o qual disciplina o instituto da recuperação de empresas, o

princípio da preservação da empresa, visando assim a recuperação de empresas em

dificuldade. No entanto, o presente trabalho apresentou a possibilidade da aplicação

do princípio da preservação no processo de falência, fazendo o estudo de casos

concretos.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIN 3934, conforme linhas

acima relatado, ao apreciar o mérito da referida ação aplicou o princípio da

preservação da empresa, uma vez que declarou a constitucionalidade dos artigos

que disciplinavam a não sucessão do arrematante nos débitos trabalhistas da

empresa alienada judicialmente, tendo como motivo a intenção do legislador de

manter e viabilizar a atividade da empresa, bem como os empregos que dependem

desta atividade, uma vez que uma empresa que teve sua falência decretada possui

um passivo trabalhista considerável e, consequentemente não é atraente em uma

alienação judicial em uma situação de sucessão em relação aos débitos trabalhistas.

O segundo caso relatado houve a aplicação do princípio da preservação da

empresa em um processo que houve a decretação da quebra pelo juiz singular, mas

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o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, ao julgar o agravo de instrumento

manejado pela falida, decidiu que as razoes que provocaram a quebra da agravante

não mais existiam e que a empresa deveria continuar com suas atividades, uma vez

que enfrentou dificuldades passageiras. Deste modo, considerando as

conseqüências derivadas do processo falimentar e os prejuízos que deste são

derivados em relação à empresa e os empregos que deixarão de existir, houve uma

ponderação dos interesses envolvidos com conseqüente manutenção das atividades

da empresa e com a extinção do processo falimentar.

Assim, nota-se que o campo de aplicação do princípio da preservação é

muito amplo, sempre a depender do caso concreto e das peculiaridades e interesses

envolvidos, uma vez que foi essa razão que levou o legislador ordinário em 2005,

dando vida ao novo diploma que disciplina a falência e a recuperação das empresas,

ao valorizar a atividade das empresas, os empregos, a geração de renda e a

arrecadação de tributos, o que fatalmente deixaria de ser produzido em caso de

decretação da falência das empresas que passam por dificuldades passageiras em

favor de interesses individuais do credor.

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