titulo: a busca por equidade nos tratados bilaterais de investimento...
TRANSCRIPT
268
Titulo: A Busca Por Equidade nos Tratados Bilaterais de Investimento (TBIS)
Autor: Tiago Eler Silva
Publicado em: Revista Eletrônica de Direito Internacional, vol. 6, 2010, pp.
Disponível em: http://www.cedin.com.br/revistaeletronica/volume6/
ISSN 1981-9439
Com o objetivo de consolidar o debate acerca das questões relativas ao Direito e as Relações Internacionais, o Centro de Direito Internacional – CEDIN - publica semestralmente a Revista Eletrônica
de Direito Internacional, que conta com artigos selecionados de pesquisadores de todo o Brasil. O conteúdo dos artigos é de responsabilidade exclusiva do(s) autor (es), que cederam ao CEDIN os
respectivos direitos de reprodução e/ou publicação. Não é permitida a utilização desse conteúdo para fins comerciais e/ou profissionais. Para comprar ou obter autorização de uso desse conteúdo, entre em
contato, [email protected]
269
A BUSCA POR EQUIDADE NOS TRATADOS BILATERAIS DE
INVESTIMENTO (TBIS)
Tiago Eler Silva1
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo a análise dos Tratados Bilaterais de
Investimento, com enfoque especial na evolução das cláusulas inseridas nestes. Afinal, conforme restará comprovado, o Direito Internacional Clássico foi responsável pelo
desenvolvimento de relações desproporcionais entre entes na comunidade internacional.
Contudo, no período pós II-Guerra, com a inserção de novos atores na arena internacional
e o despertar de uma consciência coletiva sobre direitos e garantias fundamentais que
deveriam ser assegurados a todos os indivíduos, por ações afirmativas de todos os
Estados, trouxe um novo formato de relações entre Estados desenvolvidos e aqueles em
vias de desenvolvimento.
Palavras-chave: Tratados Bilaterais de Investimento – Direito Internacional – Equidade
– Interesses Públicos
ABSTRACT
Since the last century, Bilateral Investment Treaties are seem as one of the most
important signs that a State can send to international community as its commitment in
order to attract foreign investment. In the past, according to the needs of newly States to
attract capital as a way to consolidate its position in the international arena, BITs were
celebrated even if the benefits to the host State were not so clear. Nowadays, there is a
new conception about Bilateral Investment Treaties, affirming that they shall be a
positive force in order to promote development in any State. So, in cases which the
interests of foreign investors collide with public interests – such as healthy, safety and improvement of living conditions – these shall prevail over those. This paper examines
the development of the Bilateral Investment Treaties, with the inclusion of clauses aiming
the concession of mutual benefits.
Keywords: Bilateral Investment Treaties – International Law – Equity – Public Interests.
1 Pesquisador e aluno do 9º período da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.
270
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A dinâmica dos investimentos estrangeiros data de tempos remotos, havendo constante
aprimoramento e maior complexidade nas relações comerciais que envolvem agentes de
plúrimas nacionalidades. E sendo o fluxo internacional de capitais e mercadorias
reconhecido como a principal fonte de renda dos países, sempre fora inconteste a
importância dos estímulos aos investimentos estrangeiros, compondo em larga escala a
matriz da política externa e econômica de diversos Estados.
Contudo, ainda que hoje seja prática consolidada, a atividade de aporte de capitais em
nações estrangeiras sempre confrontou o binômio segurança e rentabilidade como
requisitos elementares para que o risco do investimento fosse compensatório. E mesmo
que reconhecida a relevância dos múltiplos fatores que compõem as análises de retorno
financeiro de aportes de capitais no estrangeiro, o presente artigo adota enfoque especial
na segurança.
Tem-se que em períodos passados, nos quais não havia qualquer instrumento exclusivo
de proteção de investimentos, a segurança dos investidores era respaldada especialmente
por dois elementos. O primeiro deles era o direito consuetudinário2, pois ainda que não
houvesse mecanismos específicos para disciplinar a matéria, os costumes de respeito e
proteção à propriedade privada ofereciam, ainda que em escala mitigada, certa garantia
aos investidores contra medidas indevidas e arbitrárias advindas dos governos dos
Estados receptores (host-State). Mesmo os exemplos de nacionalização de bens
estrangeiros que ocorreram durante os séculos não retiram do direito consuetudinário
mérito inerente a segurança conferida aos investimentos tendo em vista que, tais casos
compõem a exceção, sendo a regra o transcorrer de relações profícuas e crescentes entre
Estados receptores e investidores estrangeiros.
Ainda, havia a possibilidade de exercício de certo poder coercitivo, pelas vias
diplomáticas ou mesmo militares, dos Estados de origem dos investidores sobre os
2 De acordo com a doutrina anglo-saxônica: customary law.
271
Estado-receptores3. De fato, ainda que fosse rudimentar a estrutura de garantia aos
investimentos aportados em diversas nações, os Estados-receptores sempre tiveram plena
ciência das possíveis conseqüências advindas de violações, havendo desgastes
diplomáticos com outros entes soberanos da comunidade internacional ou mesmo severas
sanções, das quais resultados adversos seriam gerados.
Contudo, no decorrer do século XX ficou excluída a possibilidade da aplicação de
recursos militares como forma de assegurar investimentos ou solucionar controvérsias de
qualquer origem, havendo em contrapartida um exponencial crescimento do fenômeno de
normatização da temática dos investimentos no âmbito internacional. Nesse contexto, os
Tratados Bilaterais de Investimento (TBIs) foram e ainda são utilizados, por excelência,
pelos investidores internacionais como instrumento jurídico apto a solucionar as
demandas inerentes a dinâmica do investimento na escala global.
Embora seja notável a proliferação de tratados internacionais versando sobre
investimentos, com a inserção de cláusulas que buscam a regulação mais completa da
matéria, abarcando diversificada gama de assuntos, houve desde os primeiros TBIs
questionamentos acerca dos reais benefícios para o Estado-receptor. Afinal, a aplicação
da Hull Rule é inquestionavelmente onerosa aos Estados receptores.
Decorrente de tais entendimentos, surge a questão sobre o TBI ser quase um
contrato de adesão, com negociações figurativas, sendo que os patamares de obrigações e
deveres entre Estado Receptor e investidores estrangeiros encontrava-se de tal forma
desproporcionais que alguns já afirmavam serem os TBIs instrumentos atentatórios
contra a soberania estatal. Como manifestação de tal desproporção, cita-se a maior
concessão de benefícios aos investimentos estrangeiros do que os concedidos às
3 Neste contexto cita-se o caso da Venezuela que no início do século XX tomou algumas medidas
expropriatórias contra investimentos estrangeiros. Como resposta ordenada, alguns países europeus como
Alemanha e Inglaterra atacaram portos venezuelanos. Acompanhando a tendência de mitigação dos casos
lícitos de guerra, adquiriu grande destaque a doutrina do chanceler argentino Luis Maria Drago asseverando
que: “nenhuma potência estrangeira poderia utilizar da força contra uma nação americana com a finalidade
de cobrar alguma dívida.” Complementando o pronunciamento do chanceler argentino, o diplomata norte-
americano Horace Porter elencou que a arbitragem deveria sempre preceder qualquer litígio. Assim nasce a
doutrina internacional conhecida como Drago-Porter.
272
iniciativas nacionais - resultando numa crescente dependência do capital internacional - e
mitigação da capacidade interna do Estado de dominar maiores parcelas de sua própria
economia.
Dessa forma, propõe-se o presente trabalho a analisar a evolução das cláusulas
dos TBIs e se, na expansão das matérias reguladas, houve igual preocupação com os
interesses estatais e dos nacionais envolvidos.
2. HISTÓRICO DE DESPROPORCIONALIDADE NO DIREITO
INTERNACIONAL
O tema de investimentos estrangeiros sempre figurou como um dos pontos de
maior complexidade e discordância no Direito Internacional dada, especialmente, a
contraposição de opiniões e interesses envolvidos. De fato, os estudos sobre os aspectos,
normas e doutrinas acerca dos investimentos no Direito Internacional, refletem a natureza
dinâmica do fenômeno bem como de suas implicações, sendo que a cada período
corresponderá específica e distinta forma de tratamento do mesmo tema.
Fato inconteste é que a base do Direito Internacional, como hoje é conhecido, teve
início na Europa4, havendo a criação do conceito de Estado-Nação e a decorrente
necessidade de um direito cuja aplicação pudesse transcender fronteiras nacionais,
4 PELLET, Alain. Direito Internacional Público. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 2003.
p.43: (...) foi na Europa que apareceu o Estado Moderno, com a chegada do modo de produção
capitalista; foi na Europa que se desenvolveram e que se definiram as principais instituições de
direito das gentes contemporâneo; resultaram do expansionismo colonial as regras forjadas na
Europa que se impuseram ao resto do mundo. Sem negligenciar os contributos e as influência
extra-européias, sobretudo no período recente, é pois sobre a maturação deste direito de origem
européia que convém pôr a tónica. No mesmo sentido: SORNARAJAH. M. The Pursuit of
nationalized property. Martinus Nijhoff Publisher. 1986. p.4: “Uma verdade inegável e
indubitável é que o atual corpo de normas do Direito Internacional, como é encontrado hoje, é
não apenas fruto da ativa consciência européia, como também extraiu sua mais intrínseca essência
dos mais comuns preceitos e crenças presentes na Europa, e ambos os aspectos são genuinamente
inerentes a Europa Ocidental” (tradução livre).
273
permitindo a regulação das relações desenvolvidas entre entes soberanos5. Dessa forma,
no estágio de formação do Direito Internacional, os objetivos centrais orbitavam acerca
do respeito entre entes soberanos europeus, gerando, assim, a manutenção da paz.
Coincide com este período, as primeiras grandes conquistas náuticas européias na busca
por novas terras, desencadeando um processo de intensa colonização promovida para
além dos territórios do Velho Continente.
E o desenvolvimento jurídico acompanhava o intenso fluxo de descobertas e
fixação de colônias em novas terras, refletindo assim os interesses dos Estados europeus
na noção de proteção à propriedade, liberdade de comércio bem como segurança aos seus
nacionais estacionados nas novas colônias. Indubitável é que, uma vez superada a questão
de soberania no âmbito europeu como forma de garantir paz e equilíbrio no continente, os
doutrinadores e juristas voltaram-se para a disciplina das realidades confrontadas pela
expansão marítima. Tanto quanto a necessidade de identificar os novos povos como
detentores ou não de personalidade e direitos, havia igual preocupação acerca dos novos
modos de aquisição de terras, demarcação de territórios e cessão de direitos através dos
tratados internacionais.
Conforme doutrina inglesa, a tentativa dos estudiosos europeus da época fora,
uma vez identificado um gap de civilização entre os europeus e os novos povos, fazer uso
de instrumentos culturais e normativos para que tal vazio fosse preenchido, permitindo
assim uma aproximação entre os povos.6 Tal concepção levou à imposição de valores e
preceitos europeus sobre os novos colonizados, gerando no Direito Internacional uma
realidade até então desconhecida.
5 Ainda que existam controvérsias sobre o marco temporal a ser adotado para consideração do início do
Direito Internacional, adota-se a conceituação amplamente divulgada sobre os Tratados de Wesfália (1648).
Tal tratado resultou no fim da Guerra dos Trinta Anos, e determinou na Europa a noção de soberania e
igualdade dos Estados, possibilitando assim o chamado “equilíbrio europeu”. Contudo, o termo direito
internacional fora utilizado pela primeira vez apenas no ano de 1780, pelo jurista inglês, Jeremias Bentham
em sua obra: An Introduction to the Principles of Morals and Legislation.
6 ANGHIE, Antony. Imperialism, Sovereignty, and the making of International Law. Cambridge Press.
2005
274
Afinal, nos conflitos advindos da tentativa de submissão da vontade dos colonos
aos anseios imperais, não estavam envolvidos dois Estados soberanos, regulados pelos
preceitos do Direito Internacional clássico. Diferentemente, havia em tais hipóteses
apenas um Estado soberano enquanto o outro, em sendo não europeu, era classificado
como não detentor de qualquer soberania, ou na melhor das hipóteses lhe era atribuída
soberania parcial.7
Os anos que seguiram as décadas finais do século XIX representaram o ápice do
domínio europeu, sendo que países como Inglaterra, Holanda, Espanha e França
afirmavam de forma veemente a noção de inferioridade dos Estados não-europeus, não
havendo qualquer admissibilidade de igualdade e noção de soberania entre os primeiros e
estes. A “Conferência de Berlim sobre a África Ocidental” (1884/1885) visou à
determinação de claras regras para os Estados europeus em relação à ocupação do
continente africano, havendo como única preocupação a resolução da crise instaurada em
conseqüência dos desideratos imperialistas, sendo no contexto irrelevante qualquer noção
de direitos ou interesses africanos. E dada a superioridade tecnológica e militar dos
europeus, apenas alguns países conseguiram apresentar efetiva resistência a dominação,
como o caso das forcas etíopes que lograram êxito contra as forças de invasão italianas8.
E não apenas ao continente africano estavam restritas as ações européias. O leste asiático,
em especial China, Coréia e Japão foram onerados de forma extrema através dos
7 ________________. Finding the Peripheries: Sovereignty and Colonialism in Nineteenth-Century
International Law. Harvard International Law Journal. Vol.40 1999. p.27. Afinal, a noção de soberania
exige um controle territorial realidade de forma predisposta por instituições, havendo a definição de
jurisdição e exercício ordenado e legítimo do uso de meios coercitivos. Portanto, às novas nações, que não
repetiam o modelo europeu de organização social e política não detinham os elementos necessários à
soberania.
8 Em 1895, a Etiópia foi invadida pela Itália, que pretendia anexar o país ao seu protetorado. Em 1896, os
italianos subjugaram a parte oriental da região, estabelecendo a Colônia da Eritreia. No entanto, neste
mesmo ano, em 1896, o exército etíope (com 110.000 homens), sob a liderança de Menelik II, derrotaram
os italianos (20,800), na famosa batalha de Adwa – a primeira vitória militar de uma nação africana
sobre o colonizador europeu – mantendo o país livre e independente. Disponível em:
www.ethiopianhistory.com. Acesso em: 10 de julho de 2010.
275
chamados “tratados desiguais”, representando a submissão econômica e por vezes
política dos países asiáticos aos desígnios europeus, após severas derrotas militares. 9
O domínio europeu sobre suas colônias ao redor do globo através da imposição de
tratados internacionais cuja principal característica era a desproporcionalidade entre as
obrigações. E quando as vias de negociação falhavam, ações militares eram
desencadeadas.
“O auge dos investimentos nessa época estava diretamente ligado ao auge do expansionismo colonial europeu, de modo que os interesses
econômicos dos investidores estavam estreitamente conectados aos
interesses estratégicos dos seus Estados.” 10
Em suma, a essência do Direito Internacional em sua origem corroborava os
anseios das potências européias e seus desideratos expansionistas. A concepção do
eurocentrismo levava à veemente crença de inferioridade das demais nações no mundo,
havendo, portanto, não apenas o direito, mas a obrigação atribuída aos europeus de
dominação sobre os povos não civilizados. Conforme a afirmação de Carl Schimitt, as
nações cristãs européias eram consideradas detentoras de um ordenamento jurídico
aplicável a todos os países do mundo.
3. O DIREITO INTERNACIONAL NO PÓS SEGUNDA GUERRA
Uma vez compreendida a formação do Direito Internacional Clássico, resta
comprovado o direcionamento jurídico ao encontro dos interesses das potências
européias. As gradativas mudanças no conceito de soberania e principalmente a inserção
de novos entes na comunidade internacional conclamaram por profundas mudanças
ideológicas e normativas. Afinal, os novos Estados, decorrentes dos processos de
independência ou mesmo de fragmentação de impérios, contestam a submissão a um
Direito Internacional do qual sequer tiveram parte na construção. Assim, diversos são os
9 Apenas em relação aos três paises asiáticos supracitados foram celebrados mais de trinta e seis “tratados
desiguais”, sendo um dos mais emblemáticos o Tratado de Nanking marcando o fim da primeira Guerra do
Ópio (1839-1842). Disponível em: http://web.jjay.cuny.edu/~jobrien/reference/ob24.html. Acesso: 12 de
junho de 2010.
10 COSTA, Larissa Maria Lima. Arbitragem Internacional e Investimento Estrangeiro. 1º Ed. São Paulo,
2007. p.57.
276
autores que alegam a necessidade de profunda revisão do Direito Internacional, sendo
que suas formulações originais já não mais são aplicáveis a realidade atual.11
Assim que as ex-colonias se tornaram entes soberanos, puderam fazer com que
suas opiniões fossem consideradas, sendo relevantes para a construção de um
novo direito consuetudinário internacional. E como o numero desses novos
paises crescia, suas visões se tornavam ainda mais relevantes na arena
internacional, sendo que houve ate mesmo questionamento de normas
internacionais, como a Hull Rule. 12
Mesmo antes da eclosão das grandes guerras, algumas manifestações contrárias
ao modelo clássico do Direito Internacional já eram contempladas. Como primeiro
exemplo tem-se a declaração do Presidente norte-americano James Monroe que no ano de
1823 proíbe a interferência européia no continente americano13
. E no decorrer dos
séculos XIX e XX, tantos outros posicionamentos revolucionários são vistos,
demonstrando a inaplicabilidade de certos conceitos até então vigentes no Direito
Internacional. Caso emblemático envolvendo a Espanha em disputa contra o Zaire por
questão possessória da área do Saara Ocidental, no qual o princípio de terra nullis
utilizado pelos espanhóis, fora considerado pelos juízes que apreciaram a questão como:
“concepção materialista que levou ao desmembramento da África”14
.
11
FALK, A. The New States and International Legal Order, 1966, vol.II. DUROSELLE, J. Les Nouveux
Ėtats dans le Relations Internationales. Centre d`Etude des Relations Internationales. 1968. FATOUROS,
A. The participation of the “new States” in the International order. 1969.
12 GUZMAN, A. Why LDCs Sign Treaties that Hurt Them: Explaining the Popularity of Bilateral
Investment Treaties. Virginia Journal of International Law 38 (1998): 639-688.
Disponível em: http://works.bepress.com/andrew_guzman/15. Acesso em: 12 de junho de 2010.
13 “Julgamos propícia a esta ocasião para afirmar, como um princípio que afeta os direitos e interesses dos
Estados Unidos, que os continentes americanos, em virtude da condição livre e independente que
adquiriram e conservam, não podem mais ser considerados, no futuro, como suscetíveis de colonização por
nenhuma potência européia […] (tradução livre). Pronunciamento do Presidente dos Estados Unidos da
América, James Monroe ao Congresso, 1823.
14 Western Sahara Case in VERZILJ in SORNARAJAH. M. The Pursuit of nationalized property. Martinus
Nijhoff Publisher. 1986. Na ocasião, com distinta propriedade, o pronunciamento dos juizes acerca da
questão dos marcos divisórios e atribuição de propriedade da terra, ponderaram peculiaridades existentes
no continente africano sem qualquer correspondência na Europa. A ligação cultural e espiritual dos
africanos com a terra fazia com que os preceitos europeus sobre terra nullis fossem inadequados para o
julgamento da causa. Afinal, não poderia ser imposto ônus ao Estado do Zaire que este, ou qualquer outro
país africano, tivesse instituições e preceitos idênticos àqueles existentes no continente Europeu.
277
Já no contexto do pós II-Guerra ergueram-se na comunidade internacional
elevadas preocupações acerca da promoção de valores comuns, proteção de direitos e
inclusão dos diversos Estados à esfera de tomada de decisões. Reflexo de tais
preocupações fora a disposição das Nações Unidas, através da concessão eqüitativa de
poder de decisão aos Estados-membros.15
Afinal, a permissão de que o fenômeno da
globalização ocorressem sem a efetiva consolidação de instituições regionais e globais de
caráter inclusivo, certamente conduziria o mundo ao caos.
E na década de 60, com a intensificação dos processos de independência de
colônias européias, principalmente nos continentes asiático e africano, e o crescente
acesso às vias jurisdicionais internacionais para resolução de conflitos e reivindicação de
direitos, o problema da incompatibilidade entre a realidade político-econômica
internacional e o Direito Internacional Clássico se torna ainda mais intenso.
Especificamente sobre a matéria de investimentos, a primeira referência sobre
tratamento eqüitativo é encontrada na Carta de Havana para criação da Organização
Mundial do Comércio (1948).16
Contudo, devido ao baixo número de ratificações por
parte dos países em desenvolvimento, o esforço de consenso multilateral no pós-guerra
não obteve uma conclusão bem sucedida. Já no âmbito regional, na 9ª Conferência
Internacional dos Estados Americanos (1948) houve o projeto do Acordo Econômico de
Bogotá17
com iguais preocupações com o tratamento a ser dispensado aos investimentos
estrangeiros. Porém, ainda que a matéria de investimento tenha recebido adequado
15
“Every nation in the U.N. regardless of size or population, is represented by only one vote”. United
Nations Conference. World Financial and Economic Crisis and its Impact on Development. 2009. p.4.
Disponível em: www.un.org/ga/president/63/interactive/.../outcomedoc80509.pdf. Acesso: 22 de junho de
2010.
16 O artigo 11 da Carta de Havana dispunha como funções da Organização Mundial do Comércio a
recomendação para celebração de acordos bilaterais e multilaterais na matéria de investimento. E ainda,
deveria OMC assegurar justo e eqüitativo tratamento de investimentos, tecnologia, artes e habilidades,
levadas de um país a outro “Intergovernamental Agreements Relating to Investment in Developing
Countries”, OCDE, 1984:
17 Conforme a disposição do art. 22 do Acordo de Bogotá: “foreign capital shall receive equitable
treatment. The States therefore agree not to take unjustified, unreasonable or discriminatory measures that
would impair the legally acquired rights or interests of nationals of other countries in the enterprises,
capital, skills, arts or technology they have supplied”
278
tratamento no Acordo de Bogotá, este tampouco obteve êxito, por falta de suporte dos
Estados americanos.
Nas décadas que sucederam as primeiras tentativas de normatização dos
investimentos, foram propostas e aprovadas diversas resoluções na Assembléia Geral das
Nações Unidas sobre o exercício da soberania estatal em detrimento aos interesses dos
capitais estrangeiros. Exemplos de maior repercussão ocorreram nos anos de 1962 e 1973
com as Resoluções de Permanente Soberania sobre os Recursos Naturais, estabelecendo
que nos casos de expropriação de ativos estrangeiros alocados na exploração de recursos
naturais, as normas que definiram a justa e eqüitativa compensação seriam aquelas do
Estado receptor do investimento, mitigando em grande parte a incidência da onerosa
definição contida na Hull Rule18
.
Nos anos que se seguiram as resoluções de soberania sobre recursos naturais, as
iniciativas dos países em desenvolvimento se tornaram ainda mais audaciosas, afastando
a concepção clássica de justa compensação nos casos de expropriação. Através da
Resolução 3201, são consideradas inadmissíveis quaisquer forma de sanção contra um
Estado que tenha expropriado ativos de um investidor estrangeiro, sendo que o direito de
expropriação é considerado inalienável para o Estado. E ainda que tais resoluções não
contassem com força normativa, tiveram grande efeito no sentido de afastar a incidência
da regra do Hull Rule como norma de direito consuetudinário internacional. Ainda,
expressavam os países em desenvolvimento uma capacidade de articulação, expressando-
se de forma uniforme sobre a preferência de um regime no qual coubesse ao Estado-
receptor a determinação sobre em quais casos caberia a expropriação e ainda, sob quais
circunstâncias haveria a obrigação de pagamento de justa indenização.
18
UN – United Nations, (1973). Resolution of Permanent Sovereignty over natural resources (3.711) New
York: United Nations, General Assembly. “The application of the principle of nationalization carried out
by States, as an expression of their sovereignty in order to safeguard their natural resources, implies that
each State is entitled to determine the amount of possible compensation and the mode of payment, and that
any dispute which might arise should be settled in accordance with the national legislation of each State
carrying out such measures”
279
Compreendendo tais mudanças no cenário internacional e com o objetivo de
responder aos novos questionamentos inerentes a uma nova ordem econômica mundial, a
Declaração das Nações Unidas no ano de 1974 elencou os seguintes objetivos:
“(...) fundada na equidade, na igualdade soberana, na
interdependência, no interesse mutuo e na cooperação entre todos
os Estados, independentemente do seu sistema econômico e social,
que corrigirá as desigualdades e retificará as justas atuais, permitirá
eliminar o fosso crescente entre os países em desenvolvidos e os
países em via de desenvolvimento, e assegurará na paz e na justiça
às gerações presentes e futuras um desenvolvimento econômico e
social que se irá acelerando”19
Tal declaração é resultado do coordenado movimento de países em
desenvolvimento, que fazendo uso das organizações multilaterais das quais eram
signatários, em especial as Nações Unidas, reivindicavam não apenas o reconhecimento
das desigualdades instauradas ao longo dos séculos, mas igualmente a concessão do
direito de participar da construção de um novo modelo econômico e de um novo Direito
Internacional no qual fossem refletidos os interesses desses novos atores no cenário
internacional20
. Certo é que o contexto de independência destes novos Estados, os
inserindo como entes detentores de soberania na comunidade internacional bem como a
divisão bipolar então vigente, fazia com que o apoio destes novos países fossem
imprescindível as pretensões norte-americanas e soviéticas, fazendo com que seus
interesses obtivessem maior atenção.21
Ainda que restem criticas acerca do conceito de “nova ordem econômica
mundial”, tendo em consideração seu extenso conteúdo material sem que de forma
19
__________________ (1974). Declaration on the establishment of a new international economic
order. Resolution 3.201 (S-VI). New York: United Nations, General Assembly, Sixth Special Session.
20 RAJAGOPAL, Balakrishnan. International Law from Below – Development, social movements and
Third World Resistance. Cambridge, 2003.
21 Neste mesmo contexto histórico nasce o “Movimento dos Paises Não-Alinhados, que realizaram diversos
encontros como: Belgrado (1961); Cairo (1964); Lusaka (1970); Argel (1973); Colombo (1976); Havana
(1979); Nova Deli (1983); Harare (1986). Tais conferencias reafirmavam o posicionamento externo de
diversos paises recém independentes no sentido de não se alinharem a qualquer pacto militar, não arrendar
bases militares a potencias estrangeiras e manter certa independência, colocando tais paises como um pólo
pacificador com funções de mediação entre os poderes antagônicos. ”
280
concomitante fossem desenvolvidos instrumentos suficientes para implementação de tais
políticas, fato inconteste é que as iniciativas dos países em desenvolvimento à época
mostraram a capacidade de mobilização e resistência as pretensões exacerbadas dos
investidores internacionais. E por certo, o que o afastamento dos conceitos clássicos de
própria, justa e efetiva compensação representaram grande vitória aos Estados-receptores.
4. OS TRATADOS BILATERAIS DE INVESTIMENTO E A COMPETIÇÃO
ENTRE OS ESTADOS-RECEPTORES
Após o período das duas guerras mundiais e a criação das Nações Unidas, a
sociedade internacional através de compromissos assumidos de forma multilateral,
buscava abolir o recurso aos meios militares para a solução de controvérsias ou
imposição de interesses, havendo comprometimento recíproco na busca por uma paz
duradoura através de esforços no sentido de cooperação e igualdade entre os Estados.
As nações recém independentes necessitavam de estímulos que lhes permitissem a
real inserção na esfera internacional, a consolidação de instituições governamentais que
pudessem exercer de fato o poder dentro dos limites territoriais e ainda promover a
organização social e econômica. E o método aplicado por algumas dessas nações fora a
expropriação tanto como forma de tomar o controle da infra-estrutura existente no país,
bem como concretizar em certa medida certa pretensão punitiva contra os ex
colonizadores22
. A legitimar tais posições adotadas, alegaram alguns Estados a aplicação
do princípio da soberania territorial, sob o qual o governo instituído teria ilimitados
poderes dentro de suas fronteiras23
. Havia ainda, a aplicação do preceito dos interesses
nacionais¸ defendendo que na justa ponderação de méritos envolvidos, haveria
22 No início dos anos 70, o regime de Mu’ammar Qaddafi na República da Líbia nacionalizou a indústria
do petróleo, havendo estabelecimento de um sistema de arbitragem ad hoc com as empresas British
Petroleum, Texaco e Libyan American Oil Company. No Chile, houve a privatização das minas de
exploração de cobre e na Jamaica as companhias de exploração de bauxita também sofreram abruptas
mudanças com as mudanças legislativas que aumentaram tributos sobre os investimentos estrangeiros.
23 BISHOP, Doak. CRAWFORD, James. REISMAN, William. Foreign Investment Disputes: cases,
material and commentary. Hague: Kluwer Law International. 2005. p.5-9.
281
predominância do interesse coletivo na expropriação e seus benefícios aos nacionais em
relação a manutenção da propriedade privada24
.
Ainda sem substancial normatização da matéria de investimentos no âmbito
internacional, os investidores se valiam os recursos disponibilizados por seus países para
protestar contra condutas arbitrárias e pleitear nos casos de expropriação a justa
compensação pelas perdas infligidas.
Contudo, as vias diplomáticas mostraram-se pouco eficazes por dois especiais
motivos. O primeiro era a falta de coercitividade das decisões diplomáticas, havendo
apenas diálogos e observância obrigatória do preceito basilar do direito internacional, o
consenso. Ainda, havia ponderação que os atritos diplomáticos advindos da direta
intervenção do Estado em nome de seus nacionais, poderiam advir conseqüências
adversas em tal escala, que tal intromissão estatal seria desastrosa.
Criou-se dessa forma, um aparente paradoxo internacional na matéria de
investimentos. Afinal, era comprovada a situação de extrema dependência dos Estados-
receptores em relação ao investimento estrangeiro como forma de desenvolvimento e
inserção na economia global25
. Contudo, as políticas de alguns desses países em relação
aos ativos estrangeiros aportados em suas fronteiras, gerava entre os agentes econômicos
internacionais o temor que governos recém formados e cujo poder fora conquistado
através de insurreições e golpes de Estado pudessem agir de forma oportuna, atraindo
vultosos aportes e em momento posterior agindo de forma oportunista através de medidas
como a nacionalização de ativos ou mesmo modificações na legislação vigente que
24 Algumas dessas medidas contavam ainda com o respaldo da Organização das Nações Unidas, que
através da representação maciça de novos países aprovou a resolução 1803 sobre a permanente soberania
nacional sobre as fontes naturais permitindo que fossem expropriados investimentos sobre fontes de
recursos naturais, desde que provida uma justa compensação. Disponível em: http://daccess-
ods.un.org/access.nsf/Get?Open&DS=A/RES/1803(XVII)&Lang=E&Area=RESOLUTION. Acesso: 22 de
junho de 2010.
25 Conforme relatório: Foreign Direct Investment Trends and Statistics os investimentos estrangeiros
representavam no ano de 2001 a cifra de 6.8 trilhões de dólares, empregando mais de 54 milhões de
pessoas. Report: International Monetary Fund, Statistics Departament, 2003.
282
representassem danos catastróficos para os investidores26
. Estabelecido estava, portanto,
entrave no fluxo internacional de investimentos, do qual nefastas conseqüências eram
sentidas tanto pelos Estados quanto pelos investidores.
Então, os esforços internacionais voltaram-se a prestar solução viável a tal
impasse e diversas iniciativas tomaram forma de tratados multilaterais. A proposta de
criação de uma organização mundial do comércio, proposta em Havana no ano de 1948,
contemplava algumas disposições acerca das condições e exigências no caso de
expropriação. No mesmo sentido o Acordo Econômico de Bogotá (1948) tinha como fim
a proteção do investimento estrangeiro a ser promovida pelos governos ocidentais.
Contudo tais acordos falharam. Ainda que sejam diversas as razões pelas quais poder-se-
á explicar o malfadado fim que tiveram tais tratados, compreende-se que a celebração de
acordos multilaterais implica na ponderação de diversos, e por vezes contraditórios,
interesses. De tal premissa, decorrem por vezes dificuldades homéricas ou mesmo
impossibilidade de obtenção do consenso necessário a celebração de tais tratados.
Assim, como resposta a tal entrave ao fluxo de capitais e desenvolvimento
econômico em escala global, pode se assumir que os Tratados Bilaterais de Investimento
foram instrumentos que perfeitamente se amoldaram as condições pré-existentes,
resolvendo de forma célere o problema da desconfiança estrangeira em relação aos países
em desenvolvimento. A ponderação na exata medida de peculiaridades existentes nas
relações bilaterais permitia maior flexibilidade na redação das cláusulas, possibilitando
assim maior atendimento dos interesses envolvidos.
Mesmo que reconhecidas as diferentes formas de composição de um TBI, com a
inserção das mais diversas cláusulas, existe uma matriz que permite a identificação dos
mesmos. Além de estabelecer o escopo de aplicação e estabelecimento de investimentos
estrangeiros, condições de equidade e justiça no tratamento, incidência da cláusula da
26 BISHOP, Doak. CRAWFORD, James. REISMAN, William, op cit., p.8: “Considerando como
condição sine qua non para a realização de investimentos vultosos a existência não apenas de lucros
consideráveis mais também garantias, através de instrumentos jurídicos, de que tais investimentos estaram
garantidos e as condições acordadas inicialmente não seriam abruptamente modificadas”. (tradução livre)
283
Nação-mais-Favorecida27
, é característica inerente a todos os TBIs a proteção do
investimento estrangeiro através de uma apropriada, adequada e efetiva compensação no
caso de expropriação, diretriz conhecida como Hull Rule28
.
Já é consolidado o entendimento de que a celebração de TBIs tem como
decorrências diretas a maior estabilidade, transparência e previsibilidade requeridas pelos
investidores internacionais como necessárias a realização de aportes. Em contrapartida,
preclaros são os benefícios para o Estado-receptor que além da captação de vultosos
volumes de capitais e inserção na economia global, tem nos TBIs instrumento apto a
efetivação de suas políticas públicas, já que investimentos envolvem criação de novos
empregos, retenção de parte do lucro auferido dentro do território nacional e estímulos ao
desenvolvimento tecnológico.
O contexto histórico no qual se situam os primeiros TBIs coincidem com o
período de grande afirmação dos países em desenvolvimento sobre as exacerbadas
pretensões das grandes potências. Através de uma representatividade democrática em
organizações multilaterais, tais países não apenas questionavam instituições e preceitos
nos quais nenhuma participação tiveram e afirmavam novas alternativas e soluções para o
Direito Internacional.
E tal movimento de ascensão dos países em desenvolvimento, desestabilizando
moldes clássicos vigentes na comunidade internacional, despertou nos países
desenvolvidos e em especial nos investidores elevado temor sobre as novas condições
que enfrentariam na atividade econômica. Afinal, se outrora havia a aceitação tácita de
27 A cláusula da Nação-mais-Favorecida (more favoured nation - MFN) remete a história com tratados
bilaterais entre nações que concediam reciprocamente condições mais benéficas para comercialização de
produtos e entrada de investimentos. A Organização Mundial do Comércio (OMC), como forma de
fomentar o desenvolvimento econômico global, através da integração das regiões, estabeleceu que todos os
membros da OMC devem dispensar tratamento eqüitativo entre si, havendo extensão de vantagens a todos
os países.
28 A regra de direito consuetudinário internacional que foi geralmente aplicada em casos de expropriações é
conhecida como “Hull Rule”, em referência ao Secretário de Estado Cordell Hull quem consolidou a norma
no ano de 1932 por ocasião de conflitos entre Estados Unidos e México devido a nacionalização de ativos
petrolíferos norte-americanos em território mexicano. As palavras centrais, descritas por Hull, que definem
o conceito de “compensação completa” é que no caso de expropriação, os investidores estrangeiros
deveriam receber própria, adequada e efetiva compensação. HACKWORTH, Green. DIGEST OF
INTERNATIONAL LAW § 228 (1942).
284
regras como a Hull Rule e mesmo o recurso a vias militares como forma coercitiva sobre
os Estados-receptores, tais alternativas já não mais se encontravam disponíveis.
Contudo, por mais que o contexto fosse favorável aos países em desenvolvimento
para promover maior equidade no tratamento dispensado em suas relações com
investidores e demais Estados desenvolvidos, tal lógica fora subvertida por um erro
crucial de conduta dos países em desenvolvimento. Com um comportamento considerado
inconsistente, ao mesmo tempo em que os países receptores de investimentos
estabelecem normas e preceitos internacionais nos quais há maior consideração à
soberania estatal no controle de suas relações com estrangeiros e seus ativos aportados
dentro das fronteiras nacionais, estes mesmos países mostram-se ansiosos pela celebração
de tratados, dos quais decorre efeito justamente contrario aquele explicitado
anteriormente. Afinal, sendo tais tratados válida expressão do consentimento de entes
soberanos, os países em desenvolvimento não mais poderiam alegar que certas restrições
ao exercício de sua soberania decorreriam de normas das quais estes não participaram no
momento de criação. Ao contrário, os Tratados Bilaterais de Investimento constam com
previsões acordadas entre dois Estados, vinculando-os, portanto, aos termos de suas
expressões de vontade contidas no seu texto.
O ciclo normal de desenvolvimento de reputação e confiança internacional
devesse em regra decorrer de crescentes e duradouras relações de comércio, tal lapso
temporal representaria período no qual tanto investidores sentiram a ausência de novos
mercados quanto que os novos Estados careciam de investimentos estrangeiros,
impossibilitando assim a realização de diversas de suas políticas públicas. Desta forma, a
demanda dos países recém independentes por capital que lhes permitisse promover o
desenvolvimento nacional, a incapacidade de tais Estados em acordarem mutuamente
visando benefícios comuns em detrimento a submissão exagerada aos interesses de
grandes atores econômicos, levou a competição entre tais países na busca por diminuir o
custo da importação de investimento em relação aos demais, sem que, contudo, houvesse
285
adequada ponderação sobre quais seriam os reais ganhos auferidos pelos Estados-
receptores.29
Ainda que os Tratados Bilaterais de Investimento pudessem representar ganhos
aos Estados-receptores, na medida em que estes não apenas encerram obrigações para o
Estado, mas também vinculam os investidores com algumas responsabilidades, a lógica
utilizada pelos países receptores de investimento mostrou-se errônea. Afinal, ao invés de
ações coletivas, nas quais tais países contavam com força numérica e econômica
expressiva, optaram estes por ações individuais, dando início a uma desenfreada
competição pelos capitais estrangeiros sem a devida ponderação sobre os reais benefícios
advindos.30
Na hipotética situação na qual dois países potenciais receptores de investimento
tenha celebrado um Tratado Bilateral de Investimento com o estado de origem do
investidor, ao menos a priori ambos os Estados têm iguais condições de receber os
capitais. Nesta situação, deverão ser considerados outros fatores de desempate como
retorno financeiro, competitividade mercadológica e principalmente outros benefícios a
serem concedidos. Ambos os Estados iniciaram uma campanha na qual a concessão de
maiores benefícios ao investidor representará a diminuição dos ganhos auferidos pelo
Estado-receptor. O resultado de tal campanha será de maximização dos lucros auferidos
pelos investidores estrangeiros e perdas significativas tanto por parte do Estado que não
recebeu o investimento quanto por aquele que recebeu os capitais. Afinal, enquanto
aquele não contara com vultosos aportes que teoricamente contribuiriam para o
desenvolvimento nacional, este mesmo recebendo os investimentos terá para tanto,
29
Sobre o tema ver GUZMAN. A. Interessante estudo analisa a postura dos países em desenvolvimento e
seu comprometimento com os TBIs através da ótica da Teoria dos Jogos. “É reconhecido que os TBIs são
assinados para resolver o Dilema do Prisioneiro que enfrentam os países em desenvolvimento. Ainda que
reconheçam que posteriormente, tais países estariam em melhores condições se agissem juntos e não
assinassem tais tratados, cada um deles age individualmente buscando atrair para seus territórios
investimentos às custas de outros países em desenvolvimento Desta forma, países em desenvolvimento se
comportam como competidores e tal situação leva a perfeita competição no qual a fim de reduzir custos
para os investidores estrangeiros, tais países acabam não auferindo lucros.”
30 GUZMAN, A. op cit. p.22.
286
realizando tantas concessões que na realidade será indiferente ter ou não recebido tais
investimentos.
Ainda, reconhecendo nos interesses de seus nacionais a extensão de seus próprios
interesses, os Estados de origem dos investidores alegavam pelas mais distintas razões
que o tratamento a ser dispensado aos investimentos estrangeiros deveria ser idêntico ao
tratamento para os investimentos internos. Desde a exposição dos benefícios advindos
com a entrada de capitais até a subversão da lógica de Justiça, notável é que característica
inerente aos primeiros TBIs era a latente a preponderância de onerosas obrigações
contraídas pelos Estados-receptores.31
E sobre essa lógica de competição não razoável entre os Estados receptores foram
assinados os Tratados Bilaterais de Investimento, cuja essência era a
desproporcionalidade com direcionamento total dos ganhos para os investidores sem
quaisquer surplus para os Estados. Estabeleceu-se então manifesto retrocesso aos avanços
promovidos nas décadas anteriores, havendo-se em certa medida a volta ao status quo de
prevalência de interesses das potencias européias - e por conseqüência dos investidores
internacionais.
5. A BUSCA POR EQUIDADE NOS TBIS
A Declaração das Nações Unidas (1948) compreende diversos direitos e garantias
fundamentais os quais são elencados como imprescindíveis e comuns à sociedade
internacional. O tratamento dispensando a tais direitos e garantias reforça seu caráter
inalienável, sendo apenas permitido o afastamento de tais direitos, quando na
31 ROOT, Elihu. American Society of International Law. “Each country is bound to give to nationals of
another country in its territory the benefit of the same laws, the same administration, the same protection,
and the same redress for injury which it gives to its own citizen’s, and neither more or less: provided the
protection which the country gives to its own citizens conforms to the established standard of civilization”
287
ponderação32
do caso concreto restar comprovados que outros interesses maiores serão
privilegiados.33
E a responsabilidade de implementar e zelar pela realização de tais direitos, que
sumarizam as necessidades e anseios humanos mais básicos, recai sobre os Estados
soberanos, devendo estes em suas ações internas e posicionamentos e compromissos
assumidos perante a comunidade internacional observar em que medida tais ações
incidem, fomentam ou prejudicam o núcleo de direitos considerado inalienável.
O artigo 103 da Carta das Nações Unidas34
estabelece que em um eventual
conflito entre tratados internacionais e a própria Carta, as dispostas desta deverão
prevalecer. No mesmo sentido o artigo 56 da Carta conclui sobre as obrigações dos
Estados signatários em contribuir para a perfeita realização de cooperação internacional e
defesa aos direitos fundamentais. Para tanto, estabelece o mesmo artigo que no eventual
conflito entre obrigações internacionais e direitos considerados fundamentais, estes
deverão prevalecer sobre aquelas.
Dessa forma, tem-se que os Tratados Bilaterais de Investimento, em sendo
acordos internacionais que encerram obrigações e tem conseqüências diretas sobre
diversos nacionais dos Estados-receptores, é obrigatória no momento de redação e
celebração de tais tratados, o respeito a direitos e garantias considerados como
fundamentais.35
Afinal, como instrumentos internacionais, os TBIs devem ser orientados
32
AYALA, Yira. Restoring the Balance in Bilateral Investment Treaties: Incorporating Human Rights
Clauses. Baranquilla: Revista de Derecho. 2009. p.11
33 Art. 4. Convenção Internacional Sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. New York: United
Nations. 1996. Disponível em: http://www.ohchr.org/English/law/cescr.htm.
34 UN CHARTER, 1945. Disponível em: http://www.un.org/en/documents/charter/index.shtml. Acesso: 12
de junho de 2010.
35 AYALA, Yira. op cit. “Even though states have international responsibilities, they have started to forget
their international obligations within the celebration of BITs, and by looking to give security to the
international corporations, they have started to include clauses which deter the fulfillment of these
obligations, in such a manner that nationals suffer the consequences of many concessions given to foreign
investors within the celebration of IIA”
288
pelo Direito Internacional e a interpretação deverá ser feita a luz de qualquer dos
relevantes preceitos do direito internacional.36
Tem-se a crescente inserção de preâmbulos nos Tratados Bilaterais de
Investimento com devida ponderação sobre os interesses envolvidos na negociação e
estabelecimento de diretrizes interpretativas para o tratado. Na medida em que os
Estados-receptores percebem os significativos impactos dos tratados internacionais sobre
questões inerentes a seus súditos, há expressa menção sobre o reconhecimento da
importância do investimento estrangeiro sem contudo ignorar que a busca pela proteção e
fomento econômico não poderão ser perseguidas as custas de outras políticas públicas
essenciais como a proteção a saúde, segurança, meio-ambiente e demais direitos laborais
e civis reconhecidos internacionalmente.37
Ė indubitável que o receio dos Estados em inserir cláusulas mais onerosas, que
defendam interesses de seus nacionais, é fundamentado no fato de tais clausulas
colocarem o Estado em posição de menor competitividade na busca por investimentos.
Contudo, a ponderação dos prejuízos gerados pelas concessões exacerbadas, como não
incidência de legislações ambientais, isenções tributarias e permissividade na remessa
irrestrita dos lucros auferidos pelos investimentos aos países de origem dos investidores,
não havendo qualquer aplicação de capitais no Estado-receptor como forma de
desenvolvimento e melhorias nas condições de vida dos seus nacionais, tem provocado
intensas mudanças na forma de redação dos TBIs.
Ė cada vez maior o numero de países que aderem aos pronunciamentos que a
proteção ao investimento não poderá ser perseguida em detrimento de outros legítimos
interesses públicos38
. Para tanto, são delegadas um maior numero de obrigações aos
investidores, permitindo desta forma que os capitais estrangeiros aportados representem
36
Vienna Convention of the Law of Treaties Vienna, 23 May 1969, in force 27 January 1980, 1155 United
Nations Treaty Series 331; 8 International Legal Materials (1969) 679. 37
Bilateral Investment Treaties 1995-2006: Trends in Investment RuleMaking. New York: United
Nations, 2007. p.17.
38 UNCTAD. Bilateral Investiment Treaties 1995-2006: Trends in Investiment Rulemaking. Disponível em:
www.unctad.org/en/docs/iteiia20065_en.pdf. Acesso em: 10 de junho de 2010.
289
para o Estado receptor não apenas ônus, mas sim instrumento hábil a realização de
políticas publicas.39
E ainda que seja entendido que o preâmbulo dos tratados internacionais não crie
diretamente obrigações jurídicas entre as partes contratantes, tem se que conforme o
Tratado de Viena sobre o Direito dos Tratados no art. 31.2 40
reconhece que o preâmbulo
deverá ser considerado para efeitos de interpretação dos tratados internacionais. Há até
mesmo no âmbito das Nações Unidas divisão metodológica dos Tratados Bilaterais de
Investimento conforme seus preâmbulos, sendo predominante após a década de 90 a
celebração de TBIS cujas disposições iniciais tratam de forma explícita sobre os
interesses públicos que deverão ser preconizados na aplicação dos TBIs em eventuais
conflitos com os interesses de investidores estrangeiros.41
6. CONCLUSÃO
A atual concepção sobre integração global derivada do fenômeno de globalização
demanda uma nova visão acerca do tema investimentos internacionais superando a
vetusta compreensão de benefícios unilaterais. Há entre a comunidade internacional um
senso comum sobre a obrigatoriedade relativa a direção de esforços voltados à um
modelo socioeconômico de superação da pobreza e promoção da equidade.42
39
Id. Ibid. p.159 : “more variation in BITs has its benefits but also gives rise to concern about policy
coherence in particular for developing countries”
40 Art. 31 - Geral de Interpretação: 1. Um tratado deve ser interpretado de boa fé segundo o sentido
comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de seu objetivo e finalidade. 2. Para os fins
de interpretação de um tratado, o contexto compreenderá, além do texto, seu preâmbulo e anexos.
Disponível em: http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm. Acesso: 22 de junho de 2010.
41 Cita-se como exemplo o TBI celebrado entre Uruguai e Estados Unidos (2005), no qual consta já no
preâmbulo que o tratado tem como objetivo precípuo a promoção de melhores condições de vida aos
nacionais uruguaios através da proteção de seus direitos e oferecimento de oportunidades de
desenvolvimento.
42 United Nations Conference. World Financial and Economic Crisis and its Impact on Development. 2009.
p.3. “The anti-values of greed, individualism, and exclusion should be replaced by solidarity, common
good and inclusion. The objective of our economic and social activity should not be limitless, endless,
mindless accumulation of wealth in a profit centered economy but rather a people centered economy that
guarantees human needs, human rights, and human security, as well as conserves life on earth.”
290
Conforme relatório do secretário geral da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico, ainda que seja crescente o fluxo de capitais no cenário
internacional, tal fenômeno é hoje confrontando por questões para as quais respostas
satisfatórias deveram ser propostas, sob o risco de entraves impedirem a continuidade das
relações entre Estados-receptores e investidores internacionais.
As preocupações erguidas pelos Estados-receptores sobre as condições de
fragilidade econômica derivadas da dependência do capital estrangeiro, domínio
internacional de seus setores econômicos produtivos e internacionalização de seus
recursos naturais, sem que tais medidas gerem benefícios em igual escala, é legítima e
deve ser considerada.
Superada uma primeira fase em que era latente a fragilidade de um dos pólos da
relação de investimentos, a saber, o Estado-receptor, encontram-se estes em melhores
condições para negociações mais justas nas quais não se mitigue completamente as
vantagens que estimulam os investimentos estrangeiros, mas que de forma concomitante
considerem igualmente a necessidade de atendimento de interesses outros, como a
promoção do bem estar, melhoria nas condições de vida dos nacionais dos países
receptores e transferência de tecnologia como forma de desenvolvimento.
Atenta-se para o fato de que ainda que a competição seja elemento inerente à
atividade econômica, cabe aos Estados-receptores a consideração sobre os efeitos de suas
concessões em favor dos investidores internacionais e em que escala tais prerrogativas
afetam a realização de interesses outros de seus nacionais. As negociações entre
investidores e Estados receptores – que em regra são países em desenvolvimento –
deverão ter como diretrizes norteadoras as devidas ponderações sobre as políticas de
atração de capitais e a realização de interesses sociais.
Tem-se por certo que os grandes avanços no sentido de equidade no Direito
Internacional foram resultado de esforços coordenados entre os Estados em
desenvolvimento e novamente devem concentrar ações no sentido de ganhos coletivos
em detrimento a uma competição irracional que resultou apenas na contração de
obrigações sem que destas adviessem quaisquer benefícios.
291
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANGHIE, Antony. Imperialism, Sovereignty, and the making of International Law.
Cambridge Press. 2005
___________________, Finding the Peripheries: Sovereignty and Colonialism in
Nineteenth-Century International Law. Harvard International Law Journal. Vol.40 1999
BISHOP, Doak. CRAWFORD, James. REISMAN, William. Foreign Investment
Disputes: cases, material and commentary. Hague: Kluwer Law International. 2005. p.5-
9.
COSTA, Larissa Maria Lima. Arbitragem Internacional e Investimento Estrangeiro. 1º
Ed. São Paulo, 2007
DOLZER, Rudolf; STEVENS, Margrete. Bilateral Investment Treaties. Netherlands:
Martinus Nijhoff Publishers
GUZMAN, A. Why LDCs Sign Treaties that Hurt Them: Explaining the Popularity of
Bilateral Investment Treaties. Virginia Journal of International Law 38 (1998): 639-688.
Disponível em: http://works.bepress.com/andrew_guzman/15. Acesso em: 12 de junho de
2010.
HACKWORTH, Green. DIGEST OF INTERNATIONAL LAW § 228 (1942).
PELLET, Alain. Direito Internacional Público. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
2003.
SORNARAJAH. M. The Pursuit of nationalized property. Martinus Nijhoff Publisher.
1986
_________________, The International Law on Foreign Investment. United Kingdom:
Cambridge Press. 2010
RAJAGOPAL, Balakrishnan. International Law from Below – Development, social
movements and Third World Resistance. Cambridge, 2003.
ROOT, Elihu. Addresses on International Subjects. Harvard University Press, 1916.
292
DOCUMENTOS
International Trade Organization, Habana Charter. Disponível em:
www.worldtradelaw.net/misc/havana.pdf. Acesso: 20 de junho de 2010.
Organization of American States, Bogotá Agreement. Disponível em:
www.oas.org/juridico/english/sigs/a-43.htm. Acesso em 12 de junho de 2010.
United Nations Charter, 1945. Disponível em:
http://www.un.org/en/documents/charter/index.shtml. Acesso: 12 de junho de 2010.
____________1969. Vienna Convention of the Law of Treaties.
____________. World Financial and Economic Crisis and its Impact on Development.
2009. Disponível em: www.un.org/ga/president/63/interactive/.../outcomedoc80509.pdf.
Acesso: 22 de junho de 2010.
______________(1973). Resolution of Permanent Sovereignty over natural resources
(3.711) New York: United Nations, General Assembly.
_____________(1974). Declaration on the establishment of a new international economic
order. Resolution 3.201 (S-VI). New York: United Nations, General Assembly, Sixth
Special Session
_____________(1996) Convenção Internacional Sobre Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais. New York. Disponível em: http://www.ohchr.org/English/law/cescr.htm
UNCTAD. Bilateral Investiment Treaties 1995-2006: Trends in Investiment Rulemaking.
Disponível em: www.unctad.org/en/docs/iteiia20065_en.pdf. Acesso em: 10 de junho de
2010.