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TIRANDO DO BAÚ… AS BRINCADEIRAS DE OUTRORA. VAMOS REAPRENDER A BRINCAR?
Dione Salete Brustolin1
Eneida Maria Troller Conte2
Resumo: Este artigo é resultado de estudos e de implementação pedagógica do projeto Resgate e Valorização Cultural dos Jogos e Brincadeiras Tradicionais, cuja intervenção pedagógica foi desenvolvida com 60 alunos dos 6° anos do Ensino Fundamental II, do período matutino da Escola Estadual “Jorge Nacli”, de Nova Aurora – PR. Considerando a importância do brincar para o desenvolvimento integral do educando e ponderando sobre as mudanças do mundo contemporâneo e sua interferência no universo lúdico infantil, foi realizado, junto aos alunos, um resgate da cultura dos jogos e das brincadeiras tradicionais, proporcionando uma reflexão referente ao modo de brincar, bem como uma vivência prática das brincadeiras que fizeram parte das gerações passadas e que, com os avanços tecnológicos, estão sendo menosprezadas. O estudo utilizou a metodologia de pesquisa-ação e indicou, como resultado, que a maioria expressiva dos alunos reaprendeu a brincar, surpreendendo-se com a gama de jogos e de brincadeiras tradicionais resgatados através do histórico familiar. Ficou constatada também a possibilidade da inserção e utilização das brincadeiras tradicionais na vida cotidiana e na prática lúdica dos escolares envolvidos neste estudo.
Palavras-chave: Resgate. Jogos. Brincadeiras tradicionais.
1 INTRODUÇÃO
A Secretaria de Estado de Educação do Paraná – SEED/PR, no documento
das Diretrizes Curriculares Educacionais da Educação Básica, no tocante aos
conteúdos da disciplina de Educação Física, contempla especificamente os jogos e
as brincadeiras como estratégia metodológica de relevância a ser oportunizada aos
escolares do Ensino Fundamental. Estão inseridos, nesse contexto, também os
jogos e as brincadeiras tradicionais e sua valorização cultural através dos tempos.
1 Professora PDE da Rede Estadual de Educação do Estado do Paraná, graduada em Educação Física, com especialização em Educação Especial.
2 Mestre em Educação Física, graduada em Educação Física, professora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE – Campus de Marechal Cândido Rondon – PR.
Desse modo, este artigo visa atender às exigências de desenvolvimento do
trabalho didático exigido dos docentes participantes do Programa de
Desenvolvimento Educacional – PDE, da mesma SEED/PR e, sobremaneira, atende
ao anseio profissional pessoal desta docente de buscar metodologias que venham
ao encontro das políticas públicas da escola contemporânea.
O mundo contemporâneo, e consequentemente a escola, tem sofrido notável
mudança no que se refere à cultura lúdica da criança, mudanças essas que podem
ser atribuídas à acelerada industrialização, instituindo um sofisticado mercado de
novos brinquedos, muitos deles eletrônicos e inéditos.
Neste contexto de análise, é possível verificar que as brincadeiras, que antes
eram desenvolvidas coletivamente nas ruas, e geralmente transmitidas de geração
para geração, foram e estão sendo gradativamente substituídas pelos jogos com
utilização de aparatos eletrônicos, e assumindo a conotação da individualidade.
Essa mudança comportamental frente aos modos de brincar é determinada
pela tecnologia industrial, que exerce influência nos processos de socialização, de
aquisição de valores, de interatividade das crianças e muda o contexto da ludicidade
da infância, construindo um mundo de fantasia imaginária pelo viés tecnológico.
Mesmo assim, contudo, a constituição humana não se transforma
abruptamente com o tempo. O ser humano não deixa de ser humano nem vai
transformando em robô, e é com esse olhar que pondero preponderantemente a
favor do respeito ao desenvolvimento saudável e harmônico da espécie humana,
incorporando o novo sem perder o conhecimento das tradições.
Dada essa realidade e considerando ser a escola um espaço rico em
diversidade, onde os alunos expressam, através de ações, a historicidade que
trazem incutidas em seu processo formativo, a Educação Física, enquanto disciplina
curricular, deve incluir e valorizar atividades que tragam benefícios não somente
motores, mas também para a vida fora do espaço escolar.
Sendo assim, os jogos e as brincadeiras tradicionais podem ser conteúdos
que possibilitem mudanças positivas para os escolares, pois podem abalar a
dominação dos jogos eletrônicos e ampliar o conhecimento interpessoal nas
relações entre os envolvidos na escolarização.
Diante disso, surgiu a preocupação profissional de oportunizar aos escolares
o resgate e a valorização das brincadeiras tradicionais, bem como uma
conscientização e reflexão a respeito do modo de viver a infância atual, e, como
consequência, despertar mudanças comportamentais e a posterior apropriação dos
jogos e das brincadeiras tradicionais como prática cotidiana em prol da ludicidade
coletiva.
Sendo assim, este estudo culminou na intencionalidade de garantir a vivência
e prática das maneiras de brincar ludicamente, construindo e assegurando a
perpetuação e a valorização do repertório histórico-cultural dos jogos e das
brincadeiras tradicionais que eram praticados pelas gerações de outrora e que
constituem rico instrumento de vida social para as gerações de hoje.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 UM OLHAR PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR
A Educação Física escolar, do modo como se apresenta cotidianamente na
prática, enquanto disciplina curricular, pode ser contextualizada quase que
relevantemente pelo uso do conteúdo dos esportes e sua prática.
Essa prática remete à valorização dos desempenhos técnicos e motores nos
escolares, contudo as DCEs (2008) propõem uma reflexão sobre as reais
necessidades do ensino da Educação Física, questionando se esses conteúdos
realmente trazem benefícios para os escolares da contemporaneidade e, nesse
sentido, procuram pontuar critérios para a superação das contradições curriculares e
enfatizam a valorização da educação como veículo de melhoria de vida em
sociedade.
Busca-se, assim, uma mudança na forma de pensar e de agir na prática
profissional da Educação Física escolar, haja vista a necessidade de “[...] ir além da
ideia de que o movimento é preponderantemente em comportamento motor, visto
que também é histórico e social” (PARANÁ, 2008, p. 51).
Embora a atuação do professor de Educação Física se efetive quase que
fundamentalmente no ambiente da prática desportiva, o seu compromisso enquanto
agente transformador da sociedade não pode ser relegado e muito menos
menosprezado. O seu compromisso ultrapassa o espaço onde atua cotidianamente
e atinge a dimensão humana, que deve ser sempre em favor da promoção e da
valorização das relações entre o ser e o agir.
Sendo assim, é necessária e fundamental uma inter-relação entre as práticas
corporais, rompendo paradigmas e atingindo um contexto de reflexão, de
conscientização e de ação de modo a desenvolver, construir e contribuir para um
melhor viver e conviver em sociedade.
Nesse viés, as Diretrizes Curriculares de Educação Física trazem, claramente
evidenciado, que, “[...] ao vivenciar os aspectos lúdicos que emergem nas e das
brincadeiras, o aluno torna-se capaz de estabelecer conexões entre o imaginário e o
real e de refletir sobre os papéis assumidos nas relações em grupo” (PARANÁ,
2008, p. 54).
Essas vivências dos alunos vêm a reafirmar a importância de se trabalhar,
pedagogicamente falando, com o lúdico, os jogos e brincadeiras, pois as atividades
lúdicas se apresentam como parte integrante do ser humano e se constituem
elemento indispensável nas interações pessoais, principalmente ao olharmos pelo
prisma da faixa etária dos escolares.
Nesse sentido, um profissional comprometido e preocupado com sua atuação
no contexto educacional e social deve estar atento e consciente para responder às
demandas sociais e históricas da educação brasileira. Sendo assim, sua atuação
profissional deve buscar atender às orientações normativas e políticas, mas deve,
sobremaneira, buscar um agir transformador da realidade em que está atuando e,
assim, construir espaços de reflexão, de conscientização e de mudanças
significativas para os envolvidos na sua atuação, ou seja, diretamente os escolares e
seus familiares e, indiretamente, a sociedade como um todo.
Analisando os contextos dos esportes, não se pode negar que cada contexto
desses traz benefícios e é praticado pelo prisma do prazer e da aceitação pelos
alunos, muito embora se possa conjecturar que, para essas crianças e ou jovens,
essas atividades não se apresentem como de importância máxima na prática
docente, haja vista a riqueza de conteúdos que fazem parte do contexto curricular da
Educação Física, contexto educacional em que jogos e brincadeiras são apenas
parte e não a totalidade.
2.2 UMA ABORDAGEM HISTÓRICA DO UNIVERSO INFANTIL NO CONTEXTO
DOS JOGOS E BRINCADEIRAS
Estudos acerca do tema proposto contextualizam os jogos e as brincadeiras
como comportamento integrante do processo do desenvolvimento infantil desde os
primórdios dos tempos da humanidade até o homem contemporâneo. Considerando
esse entendimento história, é possível conceituar o jogo como toda e qualquer
atividade humana que, segundo Huizinga (1999), não deve ser analisada e
contextualizada pelo aspecto conclusivo da metafísica, mas, sim, como um fator
distinto e fundamental presente em tudo o que acontece no mundo.
Nessa abordagem e perspectiva histórica é importante ressaltar que os jogos
e as brincadeiras são contextualizados enquanto fenômeno cultural e, neste viés,
devem ser compreendidos e analisados por uma abordagem histórica que interfere
no processo da formação humana, na construção da realidade social e sucumbe
com os processos de interações humanas e de inter-relações pessoais.
De acordo com o autor citado acima, o jogo pressupõe a sociedade humana
numa relação onde ocorre a convivência, o respeito às regras e, sobremaneira, onde
se vivencia o prazer e o divertimento.
Nessa complexidade, a humanidade surge e se desenvolve no jogo e pelo
jogo, e, pelo recorte da filosofia, o jogo apresenta uma dimensão, um sentido que
ultrapassa o imediatismo da vida e remete significado à ação, onde ganha relevância
e essência além do material. Para melhor explicitar, Huizinga (1999, p. 6) conjectura
que a realidade do jogo ultrapassa a esfera da vida humana e institui uma
perspectiva onde “[...] reconhecer o jogo é, forçosamente, reconhecer o espírito, pois
o jogo, seja qual for sua essência, não é material”.
Nessa mesma linha de raciocínio, Kishimoto (2001) considera que o jogo,
como parte da cultura popular, guarda a produção espiritual produzida por um povo
em certo período histórico e essa preservação cultural se realiza no tempo através
da oralidade, sofrendo as transformações pelo processo das interações culturais
decorrentes das influências de geração a geração.
É importante referir que a análise histórica dos jogos e das brincadeiras indica
um estudo de caráter heterogêneo e:
Por seu caráter heterogêneo, a vida cotidiana não apresenta uma lógica, um planejamento racional. Ela é cheia de contradições e inclui a vida do homem por inteiro. São essas características que permitem a construção de diferentes tipos de imagens da criança, conforme o contexto social a que o ser humano está submetido. (HELLER, 1960 apud KISHIMOTO, 2001, p. 7).
Segundo a mesma autora, o jogo e a brincadeira são fenômenos
fundamentais para a educação e o desenvolvimento infantil, sendo oriundos dos
tempos passados, de fragmentos de contos, de práticas religiosas e culturais e por
esta linha de raciocínio apresentam relevância para a valorização dos fenômenos
culturais da humanidade, seja no aspecto físico, motor, cognitivo e sociocultural.
Velasco (1996) realizou estudos históricos a partir dos quais afirma que, na
Antiguidade, as crianças brincavam e participavam espontaneamente do lazer e dos
jogos dos adultos, além de terem um espaço reservado para criarem suas próprias
brincadeiras. Essas brincadeiras, num sentido cultural, ganham a conotação de
brincadeiras populares, pois eram derivadas do riso, do improviso e do folclore.
Por serem elementos do universo folclórico, os jogos e as brincadeiras
populares assumem, de acordo com Kishimoto (2001), as características de
anonimato, de mudança e de transmissão oral e ao, mesmo tempo, ganham
manifestação espontânea da cultura popular com a função de perpetuar a cultura
infantil e desenvolver formas de convivência social.
Nesse contexto, é importante compreender que os jogos e as brincadeiras
infantis possuem caráter de liberdade de expressão, pois com eles as crianças
brincam pelo prazer de brincar, ao mesmo tempo em que lapidam seu caráter e
constroem mecanismos e estruturas de personalidade positivas no âmbito da
educação e formação humana.
Pelo estudo histórico dos jogos e das brincadeiras é possível pontuar que
tanto os jogos quanto as brincadeiras têm sofrido mudanças com a evolução da
sociedade e da espécie humana, sobretudo pela presença da tecnologia e dos jogos
eletrônicos, mas não deixam de ter significância no cotidiano infantil.
Cabe, então, não perder a essência de que os jogos e as brincadeiras infantis
são significativos e formativos, sobretudo por estabelecerem sentido à verdadeira
vida social do universo infantil, independentemente do período histórico em que
esteja, vivendo, sejam as crianças de gerações passadas, sejam as crianças da
contemporaneidade.
2.3 A IMPORTÂNCIA DOS JOGOS E DAS BRINCADEIRAS NO CONTEXTO
ESCOLAR
Os jogos e as brincadeiras infantis fazem parte do patrimônio cultural de uma
sociedade, e conhecer e valorizar esse patrimônio cultural é de relevância para se
garantir e assegurar a perpetuação de valores culturais que estão intrinsecamente
incutidos nesse referencial.
Nessa linha de raciocínio, as Diretrizes Curriculares Educacionais para a
Educação Básica estaduais sinalizam que:
É interessante reconhecer as formas particulares que os jogos e as brincadeiras tomam em distintos contextos históricos, de modo que cabe à escola valorizar pedagogicamente as culturas locais e regionais que identificam determinada sociedade. (PARANÁ, 2008, p. 65).
A escola, por ser um espaço onde se concretiza e ocorre o processo
formativo e o desenvolvimento globalizado dos escolares, e por ser, segundo
Vasconcellos (2008), um equipamento da modernidade, deve assegurar que toda
sua estrutura, desde prédio até currículo, tem que estar voltada para o caráter
eminentemente pedagógico.
É com base nessa análise que o espaço escolar deve ser explorado com vias
a garantir o melhor do todo, ou seja, o objetivo maior deve ser sempre o pleno
desenvolvimento do processo formativo integral numa articulação entre disciplinas
curriculares, estratégias pedagógicas e políticas educacionais que sustentam e
garantam esse processo.
A Educação Física escolar também deve estar voltada para atender a essas
necessidades e, com base em estudos do desenvolvimento infantil, atender às
necessidades características da faixa etária correspondente.
Nesse sentido, é inegável a importância que os jogos e as brincadeiras
exercem no desenvolvimento infantil, uma vez que “[...] a criança vive para brincar, e
é através do jogo que se manifesta e se desenvolve” (VELASCO, 1996, p. 96).
Dada a relevância que o jogo exerce no processo de desenvolvimento infantil,
pode-se afirmar, segundo Friedmann (1996, p. 15), “[...] que o jogo é uma
necessidade para a criança”.
Segundo esse viés, os jogos e as brincadeiras podem e devem fazer parte
das atividades curriculares da Educação Física escolar, uma vez que ainda,
segundo a mesma autora ressalta, “[...] o jogo implica para a criança muito mais do
que o simples ato de brincar. Através do jogo, ela está se comunicando com o
mundo e também está se expressando” (Id., ibid., p. 14).
Nessa concepção cabe analisar que a criança se desenvolve através do jogo
e se utiliza dos respectivos recursos como meio para apropriação e construção de
novos conhecimentos e de desenvolvimento.
De acordo com Kishimoto (2000), a utilização do jogo pode ser explorada pelo
viés da alternativa e da estratégia com fins pedagógicos para favorecer situações de
ensino-aprendizagem e desenvolvimento, e, nesse sentido, pondera a respeito da
importância do jogo, afirmando que:
Utilizar o jogo na educação infantil significa transportar para o campo do ensino aprendizagem condições para maximizar a construção do conhecimento introduzindo as propriedades do lúdico, do prazer, da capacidade de iniciação e ação ativa e motivadora. (KISHIMOTO, 2000, p. 36-37).
Essa ideia vem a confirmar a necessidade da utilização dos jogos e das
brincadeiras no cotidiano escolar e, paralelamente, garante e sustenta a importância
da Educação Física enquanto disciplina curricular na conjuntura de explorar suas
alternativas e estratégias pedagógicas e de conteúdos como os jogos e a
brincadeiras para intervir positivamente no processo formativo dos escolares.
2.4 RESGATE DOS JOGOS TRADICIONAIS: POR QUÊ? PARA QUÊ?
Dentre a multiplicidade de alternativas pedagógicas, os jogos tradicionais
podem ser instrumentos com fins educativos e, nesse sentido, é que cabe ressaltar
seu valor, tanto educacional como social, para os escolares.
O jogo tradicional faz parte do patrimônio lúdico-cultural infantil e traduz valores, costumes, formas de pensamento e ensinamentos. Seu valor é inestimável e constitui para cada indivíduo, cada grupo, cada geração parte fundamental da sua historia de vida. (FRIEDMANN, 1996, p. 43).
Nesta linha de raciocínio é possível analisar que os jogos e as brincadeiras
tradicionais estão intrinsecamente ligados à cultura popular, haja vista serem fontes
enriquecedoras de conhecimento e de preservação cultural de uma sociedade. A
partir desse entendimento, faz sentido ressaltar a importância de se fazer um
resgate dos jogos tradicionais no contexto escolar e, sobremaneira, no cotidiano
social dos escolares.
Os jogos tradicionais são manifestações da cultura popular de um povo e
segundo Friedmann (1996), por serem criados coletivamente, por não serem
devidamente registrados e por serem transmitidos de forma oral de uma geração
para outra, sofrem modificações constantes, sendo passíveis de caírem no
esquecimento.
Os estudos realizados pela autora contemplam algumas razões que fizeram
com que ocorressem modificações nas atividades lúdicas e nas manifestações
culturais no decorrer deste século. E, por essa conjuntura de análise interpretativa,
elenca algumas razões determinantes para esse fato. Assim, dentre as mais
significativas, ressaltam-se: (i) a migração do campo para as cidades, reduzindo,
assim, o espaço físico do lúdico; (ii) a escola passou a ocupar mais tempo
pedagógico com atividades de cunho intelectivo em detrimento do tempo dedicado
ao lúdico; (iii) a ausência da mulher no cotidiano familiar, por conta da necessidade
do trabalho externo, culminou com maior tempo dedicado a assistir televisão pelas
crianças, tornando-se este um hábito de vida, deixando ao ostracismo o tempo com
as brincadeiras; (iv) a sofisticada tecnologia instalada nas indústrias dos brinquedos
infantis, que faz com que o objeto (brinquedo) seja mais importante que o próprio
brincar, mais importante até que a interação social e construtiva que a criança no
passado realizava com o brinquedo; (v) o sistema capitalista, que disponibiliza, no
mercado, uma gama significativa de brinquedos e se utiliza do mundo midiático para
a divulgação da necessidade de possuí-los, construindo, assim, um sistema de
consumo imperativo sobre toda a faixa etária da infância e da adolescência, a
começar da mais tenra idade.
Nessa perspectiva a que uma acurada análise histórica da infância conduz, é
inegável a acepção de que a modernização e a evolução tecnológica industrial
ocasionaram transformações significativas na forma de brincar e nos tipos de jogos.
Neste sentido, esta temática de valoração não pode ser negada, seja no
âmbito da escola, da sociedade e da família, porém esses valores podem ser
abordados e investigados a fim de resgatar os jogos e brincadeiras tradicionais nos
diferentes aspectos da sociedade, na objetividade de construir intervenções no
campo educacional e familiar e, quiçá, culminar assim em possíveis transformações
sociais.
Friedmann (1996), ao justificar o porquê de se defender o resgate dos jogos
tradicionais no ambiente escolar, apresenta as suas considerações pelo prisma de
que os jogos em geral possuem qualidades que vêm a satisfazer as necessidades
de desenvolvimento das crianças da contemporaneidade. Seu maior valor está nas
inúmeras possibilidades de estimulação nos níveis de desenvolvimento infantil das
capacidades físicas, motoras, afetivas, cognitivas, sensoriais, intelectuais, sociais e
nas interações com o meio e com o outro.
No contexto do lúdico escolar e priorizando o aspecto formativo e o
desenvolvimento globalizado nos escolares, pelo recorte dos conteúdos da
Educação Física escolar, justifica-se a utilização dessa alternativa pedagógica dos
jogos tradicionais, em virtude da sua relevância na conjuntura de que:
Esses jogos dão prazer às crianças;
São parte da cultura lúdica infantil, e utilizá-los é uma forma de resgatá-los;
Podem servir como um recurso metodológico destinado a diagnosticar necessidades e interesses dos diferentes grupos de crianças e, também destinado a contribuir para o desenvolvimento da inteligência e de aprendizagens específicas. (FRIEDMANN, 1996, p. 51).
Assim, os estudos referenciados nos autores indicam a possibilidade de se
concretizar um resgate dos chamados jogos tradicionais, bem como recuperá-los,
trazê-los de volta na dialética do mundo contemporâneo e também no contexto
escolar, fazendo com que integre a prática pedagógica da Educação Física.
Essa possibilidade está relacionada com a perspectiva de entender a
importância de sua preservação pela significância histórica e cultural que os jogos
tradicionais possuem, oportunizando a construção de espaços e de oportunidades
para a vivência e transformação cultural e social dos escolares.
Ao creditar valor e importância para os jogos tradicionais, rompendo
paradigmas do imediatismo, é possível redimensionar o lúdico, o jeito de brincar das
crianças contemporâneas e, numa visão mais idealizadora, tonificar a prática
cotidiana desses jogos e dessas brincadeiras, isso a fim de perpetuar esse
conhecimento para o memorial histórico da sociedade moderna e das gerações
futuras.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O presente artigo é resultado de anseios profissionais oriundos do “chão da
escola” e, nesta referência, justifica-se pela busca, segundo Boaventura (2007), de
compreender, entender e arrolar problemas não resolvidos.
Sendo assim, este estudo, inicialmente, partiu pelos caminhos de uma
pesquisa bibliográfica, com a intenção de obter dados e informações qualitativas e
poder formular, posteriormente, uma perspectiva de construção de metodologias
pedagógicas alternativas.
Então, no decorrer das buscas, a metodologia culminou no planejamento de
uma pesquisa-ação, tipo de pesquisa que, de acordo com Gil (2002), delineia a
perspectiva de trabalhar com mais facilidade pela flexibilidade que proporciona e,
sobretudo, porque envolve a ação dos pesquisadores diretamente com o objeto de
pesquisa e pesquisados.
Para melhor explicitar, informa-se que a pesquisa ação transcorreu em
momentos pedagógicos diferenciados, pois envolveu, como sujeitos, os alunos, a
família e comunidade escolar.
As etapas de realização do projeto fizeram parte da implementação
pedagógica e se iniciaram com a apresentação do projeto na escola em reunião
pedagógica com professores, funcionários, equipe pedagógica e direção da escola.
Como é de praxe nesse tipo de pesquisa, essa apresentação da proposta à
instituição escolar tem o objetivo de informar e esclarecer a relevância do estudo
para a comunidade escolar.
No tocante aos envolvidos diretamente no estudo, ressaltando serem estes os
alunos dos 6°anos do período matutino, no total de 60 alunos do Ensino
Fundamental II, as atividades perpassaram os campos da apresentação, do
levantamento de dados pessoais e do levantamento histórico familiar, atividades
teóricas e atividades práticas.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A materialização dos dados levantados com a implementação do projeto de
intervenção pedagógica oportunizou a constatação de resultados positivos acerca
das ações pedagógicas propostas, referentes ao tema do resgate e valorização dos
jogos e das brincadeiras tradicionais.
O início do projeto partiu da realidade dos alunos envolvidos. Assim, num
primeiro momento, foram lançados questionamentos de maneira informal com
relação ao tema, como: − Você gosta de brincar? – Você gosta de brincar de quê?
Como? Onde? − Que brincadeiras você conhece? Você conhece as brincadeiras do
tempo de criança dos seus pais ou seus avós? – Você sabe o nome dessas
brincadeiras antigas?
Assim, quando indagados, inicialmente, sobre se gostam de brincar, a grande
maioria (cerca de 95% desses alunos), respondeu que, sim, que gostam de brincar.
A questão ficou imbricada com o tipo de brincadeiras. Então, sobre a referência
imediata que os alunos traziam sobre a variedade dessas brincadeiras, ficou logo
constatado que o repertório lúdico deles era bem inexpressivo, uma vez que foram
poucas as brincadeiras lembradas, como: queima, esconde-esconde, amarelinha,
pega-pega, pular elástico, bete, morto-vivo, pique-bandeira, corda.
Com relação ao conhecimento sobre as brincadeiras tradicionais, 65% dos
alunos responderam não ter conhecimento, entretanto mais de 80% disseram que já
ouviram seus pais ou outros familiares ou parentes mais velhos relatarem histórias
ou curiosidades sobre experiências de brincadeiras das infâncias deles.
Para buscar dados referentes à perpetuação e à valorização do repertório
histórico-cultural dos familiares, em especial das gerações mais velhas, foi proposto
aos alunos uma atividade de pesquisa e registro, com seus pais ou familiares. Feita
essa pesquisa, os alunos reportaram dados expressivos de brincadeiras citadas
pelos entrevistados, acrescentando muitos nomes à lista acima: queima, esconde-
esconde, amarelinha, pega-pega, dança da cadeira, pular elástico, bulica, ioiô,
peteca, bete, ovo-choco, cinco-marias, morto-vivo, escolinha, lets, pé na lata,
balança-caixão, pique-bandeira, mamãe polenta, pular corda, jogo da velha, corrida
do saco, cobra cega, mãe da rua, fita colorida, carriola, corrida do ovo,
boneca/espiga de milho, casinha, peteca, pipa, maia, raminho verde e dança da
cadeira.
Quando os alunos indagaram os pais e demais familiares a respeito da
vivência lúdica da infância deles, os dados foram significativos no tocante à
valorização das brincadeiras daquela época, pois, através de uma análise
comparativa, referenciaram, de forma crítica, o modo de viver a infância de outrora e
a infância que os filhos estão tendo hoje. O dado mais relevante é o de que 95%
responderam que a sua infância foi ótima, com afirmações pontuais, tais como:
Sujeito 01: “Não tinha os perigos que tem hoje”.
Sujeito 02: “Bem diferente de hoje”.
Sujeito 03: “As brincadeiras eram muito mais saudáveis do que hoje em dia”.
Sujeito 04: “Ótima! Sinto saudades”.
Sujeito 05: “Antigamente não existia a internet, daí tinha brincadeiras mais
divertidas para fazer”.
Sujeito 06: “Acho que foi muito boa. Eram brincadeiras que movimentavam
todo o corpo”.
Sujeito 07: “Maravilhosa... Pois aprendi a conhecer as regras, fazer novos
amigos, além de desenvolver o raciocínio e as estratégias do jogo”.
Sujeito 08: “Na minha infância não tinha maldade, brincava e era muito feliz,
porque ali começaram as grandes amizades que até hoje me deixa feliz”.
Em relação ao questionamento de uma análise da infância das novas
gerações, em especial de seus filhos, relatam seu ponto de vista e compreensão
através de depoimentos como:
Sujeito 07: “Na infância de hoje tem poucas brincadeiras e, ao longo do
tempo, estão sendo substituídas por jogos eletrônicos”.
Sujeito 06: “Hoje em dia a infância é totalmente diferente da minha época.
Hoje as crianças ficam só no computador, video game e TV, não se movimentam,
até porque não têm onde brincar. Na minha infância eu morava no sítio, tinha
espaço à vontade para brincar, andava pelos pastos e brincava nos rios”.
Para sintetizar e expor a pesquisa direcionada sobre o repertório de jogos e
brincadeiras conhecidos ou praticados pelos familiares, foi realizada uma atividade
de exposição oral e confecção de um quadro mural que, posteriormente, foi exposto
no hall de entrada da escola.
Na busca pela ampliação de conhecimentos mais específicos acerca do tema,
desencadearam-se ações no campo teórico, através da apresentação da música
“Brincadeira de Criança”, vídeos e trabalho em grupo. Salienta-se que essas
atividades despertaram interesse nos alunos e, consequentemente, uma maior
aproximação e interesse pelo tema e a proposições das aulas subsequentes.
Na sequência, como proposta didática pedagógica, o projeto assumiu o
campo da vivência prática dos jogos e brincadeiras tradicionais, podendo referenciar
que 95% dos alunos apresentaram envolvimento concreto com as atividades e
brincadeiras propostas, uma vez que participaram efetivamente e afirmaram ser
muito prazeroso brincar igual o pai e a mãe brincavam antigamente.
Importante é citar que, nessa fase, por motivação desta pesquisa, aconteceu
no ambiente familiar um diálogo mais proximal entre pais e filhos, fatos esses
relatados pelos alunos e que geraram, como consequência, a valorização do tema e
objeto de estudo.
Para construir uma análise reflexiva e comportamental sobre o brincar de
forma lúdica e do mundo tecnológico foram propostas aos alunos aulas práticas com
uso de jogos eletrônicos. Registra-se que essas práticas foram propositais e
visavam estabelecer um paralelo analítico entre a vivência lúdica das brincadeiras e
dos jogos de aparatos eletrônicos.
A atividade final do projeto foi relatada em forma de produção de texto e teve
o propósito de construir uma reflexão crítica referente às formas de brincar por parte
dos envolvidos.
Vários foram os relatos, dentre os quais se destacam:
Aluno 01: “Depois do projeto eu pensei que podia brincar das brincadeiras
antigas”.
Aluno 02: “Eu passava muito tempo no computador. As brincadeiras são tão
divertidas que eu vou repetir em casa e com os meus amigos”.
Aluno 03: “Através do projeto vai ter mudanças...”.
Essas conclusões dos alunos trazem, à luz de análise, os aspectos positivos
do resgate dos jogos e brincadeiras tradicionais, ao mesmo tempo em que se
vislumbra a possibilidade da apropriação desse conteúdo como alternativa lúdica e
forma de brincar na vida cotidiana dos alunos participantes deste projeto de
intervenção pedagógica.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os conhecimentos adquiridos através dos estudos sobre o conteúdo jogos e
brincadeiras trouxeram incorporação significativa a respeito da importância da
Educação Física no contexto lúdico dos escolares. Além disso, oportunizaram aos
envolvidos reflexões decorrentes de indagações sobre “novas” antigas formas de
brincar e de se relacionar com o lúdico.
Diversas pesquisas, e esta em especial, revelam serem inegáveis os
benefícios que as brincadeiras desenvolvidas coletivamente trazem para o
desenvolvimento humano. É vivenciando continuadamente o brincar coletivo que a
criança explora as possibilidades de existir e de coexistir e interage com o mundo, e,
sobremaneira, internaliza regras e constrói um modelo de comportamento adequado
para viver em sociedade, incorporando valores e deveres socialmente desejados.
O resgate e valorização dos jogos e brincadeiras tradicionais possibilitaram a
utilização de novos processos pedagógicos formativos. E o fazem ao mesmo tempo
em que estabeleceram uma relação cultural entre as gerações passadas e as novas
gerações.
Diante do exposto e pela análise dos dados obtidos oriundos da
implementação pedagógica, aqui se informa que ocorreram discussões positivas
durante todo o processo da pesquisa, tanto no âmbito escolar quanto familiar, sendo
que essas discussões oportunizaram a construção de um novo olhar e de novos
posicionamentos comportamentais frente ao objeto de estudo e à intervenção
pedagógica, enfim, ocorrendo de fato o resgate e a valorização dos jogos e
brincadeiras tradicionais.
REFERÊNCIAS
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