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i TIAGO OLIVEIRA Trabalho e Padrão de Desenvolvimento: uma reflexão sobre a reconfiguração do mercado de trabalho brasileiro Campinas 2015

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TIAGO OLIVEIRA

Trabalho e Padrão de Desenvolvimento: uma reflexão sobre a

reconfiguração do mercado de trabalho brasileiro

Campinas 2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

TIAGO OLIVEIRA

Trabalho e Padrão de Desenvolvimento: uma reflexão sobre a

reconfiguração do mercado de trabalho brasileiro

Prof. Dr. Marcelo Weishaupt Proni – orientador

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutor em Desenvolvimento Econômico, área de concentração: Economia Social e do Trabalho.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO TIAGO OLIVEIRA E ORIENTADO PELO PROF. DR. MARCELO WEISHAUPT PRONI.

CAMPINAS

2015

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TESE DE DOUTORADO

TIAGO OLIVEIRA

Trabalho e Padrão de Desenvolvimento: uma reflexão sobre a

reconfiguração do mercado de trabalho brasileiro

Defendida em 27/02/2015

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Para meu filho, Theo.

Na esperança de que ele possa desfrutar de um País mais justo e solidário.

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AGRADECIMENTOS

Ao professor Marcelo Proni, pela confiança, apoio e orientação na elaboração desta tese, sempre

sereno, atento e rigoroso.

Aos professores Paulo Baltar, Márcio Pochmann, Antonio Prado e José Celso Cardoso Júnior,

membros da comissão julgadora e referências pessoais na lida com a “ciência triste”, pelos

comentários, críticas e sugestões que muito enriqueceram este trabalho.

Aos professores José Carlos de Souza Braga, Simone Silva de Deos, Wilson Cano, Ricardo

Carneiro, Pedro Paulo Zahluth Bastos, Claudio Salvadori Dedecca, Eduardo Mariutti, Fernando

Nogueira da Costa, André Biancarelli, Fernando Sarti, Célio Hiratuka e Francisco Luiz Lopreato,

pelas aulas ministradas no Instituto de Economia da Unicamp, de importância capital para a

minha formação intelectual.

Aos amigos e amigas da Unicamp Leonardo Bispo, Thiago Mandarino, Marina Sequetto, Olívia

Mattos, Beatriz Mioto, Francisco Lima Junior, Paulo Van Noije, Rita Kallabis, Tulio Chiarini,

Fernando Chafim, Pedro Loureiro, Leon Egidio e Ítalo Martins, pelos papos descontraídos, pelos

chopps e petiscos, fundamentais para a minha estadia em Campinas.

Aos amigos e amigas Frederico Lopes de Almeida, Taíssa Dagher, Ana Cláudia Farranha,

Cláudia Couto, Elízio Costa, Reginaldo de Carvalho, Eunice Léa de Moraes, Viviane Cesário,

Liza Uema, Luciano Maduro, Antônio de Pádua Melo Neto, Ricardo Martins, Daniella Campos,

Pedro Tupinambá, Naira Fonseca, Kenys Machado, Clarissa Machado, Cleyton Barros, Marcelo

Galiza, Andréa Barreto, Vagner Mesquita, Cledson Mesquita, Fernanda Olivaes e Nayara Del

Rey Eça, por tornarem esta caminhada mais leve.

Aos companheiros e companheiras do DIEESE, instituição a qual muito devo da minha formação

intelectual, Clóvis Scherer, Lílian Marques, Max Leno, Antônio Ibarra, Laender Batista,

Alexandre Ferraz, Fiorella Macciavello, Yonaré Barros, Ana Paula Mondadore, Juliano Musse,

Terrânia Bispo e Alessandra Cadamuro, pelas conversas, formais e informais, que, além de

prazerosas, em muito enriqueceram a minha forma de ver e interpretar o Brasil, a América Latina

e o mundo.

À Aninha, minha companheira de vida, pela paciência, compreensão e apoio incondicional. Sem

ela, este trabalho jamais teria sido concluído.

À minha mãe, pelo carinho e por ter me tornado uma pessoa íntegra, questionadora e capaz.

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“Em matéria econômica, as ideologias costumam seguir com atraso os

acontecimentos, ou mesmo sobreviver por muito tempo a eles.”

Raúl Prebisch - O Desenvolvimento Econômico da América Latina e Alguns

de seus Principais Problemas, 1949.

“É indispensável não esquecer que uma teoria só se justifica quando nos arma para

conhecer a realidade e atuar sobre ela.”

Celso Furtado - Desenvolvimento e Subdesenvolvimento, 1961.

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RESUMO

O estudo ora apresentado pretende colocar em discussão o significado do processo atual de

reconfiguração do mercado de trabalho brasileiro, iniciado em 2004, destacando seus principais

elementos, determinantes e obstáculos. De modo mais específico, as reflexões presentes nesta

tese de doutorado têm como objetivos: a) analisar de que forma a adoção de um novo padrão de

desenvolvimento condicionou a dinâmica do mercado de trabalho brasileiro e a sua nova

configuração; b) ponderar acerca dos limites intrínsecos à estratégia de crescimento neoliberal na

tarefa de superar os traços persistentes de subdesenvolvimento do mercado de trabalho brasileiro;

c) e, finalmente, examinar se a reconfiguração em curso representa uma tendência à superação

dos problemas estruturais deste mercado de trabalho.

Assim sendo, defende-se que, muito embora o excedente de mão de obra, a informalidade, os

baixos salários, a alta rotatividade e a desigualdade de rendimentos continuem sendo problemas

crônicos, os determinantes estruturais da organização e funcionamento do mercado de trabalho se

alteraram decisivamente no capitalismo contemporâneo. Além do mais, a nova divisão

internacional do trabalho, as tendências de polarização e precarização do mercado de trabalho e

de flexibilização das relações de emprego na Europa alteraram os termos do debate sobre a

estruturação do mercado de trabalho e o padrão de emprego desejado, assim como da discussão

sobre as políticas necessárias para a solução dos referidos problemas.

Nesse contexto, trava-se no Brasil uma disputa entre dois discursos distintos no que tange ao

tema “desenvolvimento e mercado de trabalho”: o discurso neoliberal e o social-

desenvolvimentista, derivando de cada um deles diferentes implicações sobre a dinâmica do

mercado de trabalho. Diante desse debate, argumenta-se que a estratégia de crescimento

neoliberal é incapaz de enfrentar os problemas crônicos inerentes a um mercado de trabalho

subdesenvolvido como o brasileiro.

Ao final do presente estudo, espera-se ter reunido argumentos para discutir a seguinte hipótese: a

superação dos traços herdados do passado (responsáveis pela reprodução da pobreza extrema e

das desigualdades socioeconômicas) e a consolidação de um mercado de trabalho condizente com

a nova inserção do País na economia mundial e com os avanços no campo da cidadania e dos

direitos sociais dependem, em última instância, da viabilidade de sustentação do novo padrão de

desenvolvimento gestado na década passada.

Palavras-chaves: mercado de trabalho, desenvolvimento e subdesenvolvimento, neoliberalismo.

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ABSTRACT

The study presented here discusses the meaning of the current process of reconfiguration of the

Brazilian labor market, started in 2004, highlighting its main elements, determinants and

obstacles. More specifically, this doctoral thesis has the following objectives: a) to analyze how

the adoption of a new development pattern conditioned the dynamics of the Brazilian labor

market and its new setting; b) to identify the intrinsic limitation of a neoliberal growth strategy to

overcome the persistent characteristics of underdevelopment of the Brazilian labor market; c) and

finally to examine whether the ongoing reconfiguration has the potential to overcome the

structural problems of the labor market.

Therefore, it is argued that, although the labor surplus, informality, low wages, high turnover and

income inequality continue to be chronic problems, the structural determinants of the

organization and functioning of the labor market have changed decisively in contemporary

capitalism. Moreover, the new international division of labor, the trends of polarization and

precarious labor market and flexibilization of the labor relations in Europe changed the terms of

the debate about the structure of the labor market and the intended job patterns, as well as the

discussion on the policies needed to solve those problems.

In this context, in Brazil two different discourses regarding the theme "development and the labor

market" are in dispute: the neoliberal and the social-developmentalism, each one with

implications for the dynamics of the labor market. Given this debate, it is argued that the

neoliberal growth strategy is unable to address the inherent chronic problems of an

underdeveloped labor market as is the Brazilian.

This study gathers arguments to discuss the following hypothesis: overcoming the inherited traits

of the past (responsible for the reproduction of extreme poverty and socioeconomic inequalities)

and the consolidation of a consistent labor market with the new insertion of the country into the

global economy and the advances in the field of citizenship and social rights depend, ultimately,

on the new development pattern conceived in the last decade.

Keywords: labor market, development and underdevelopment, neoliberalism.

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LISTA DE TABELAS

Quadro 01 – Estruturas de Regulação do Trabalho e da Renda 31

Quadro 02 – Medidas de Flexibilização do Mercado de Trabalho nas Décadas de 1980 e 1990 62

Quadro 03 – Comparação Metodológica entre a PED e a PME 117

Quadro 04 – A Segurança do Trabalho nos Países Desenvolvidos 184

Quadro 05 – Tendências do Mercado de Trabalho Brasileiro Desde os Anos 1990 190

Quadro 06 – Principais Condicionantes dos Padrões de Desenvolvimento 200

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01 – Taxas de Desemprego Aberto Urbano, América Latina e Países Selecionados,

1990/1995/1999/2002

64

Gráfico 02 – Indicadores da Evolução da Estrutura do Emprego e da Proteção Social, América

Latina e Caribe, 1990-2002

65

Gráfico 03 – Evolução da Taxa de Desemprego, Brasil, 1992/2003 126

Gráfico 04 – Evolução da Taxa de Desemprego, por Tipo de Desemprego, Região Metropolitana

de São Paulo, 1989/2003

128

Gráfico 05 – Evolução do Salário Mínimo Real, Brasil, Períodos Selecionados 133

Gráfico 06 – Evolução do Rendimento Médio Real dos Ocupados, Região Metropolitana de São

Paulo, 1991-2003

134

Gráfico 07 – Variação Real Anual do PIB, Brasil, 1998/2014 141

Gráfico 08 – Reajustes Reais e Evolução do Valor Real do Salário Mínimo, Brasil, Maio de

1995 a Janeiro de 2014

144

Gráfico 09 – Evolução das Vendas no Comércio Varejista Ampliado e da Produção na Indústria

de Transformação, Brasil, Dezembro de 2004 a Dezembro de 2014

145

Gráfico 10 – Evolução da Taxa de Desocupação e do Crescimento do PIB, Brasil, 2001-2013 152

Gráfico 11 – Evolução da Taxa de Desocupação, Regiões Metropolitanas, janeiro/2008-

dezembro/2014

153

Gráfico 12 – Evolução da Taxa de Desocupação, da População Economicamente Ativa, do

Número de Ocupados e de Desocupados, Brasil, 2002-2013

157

Gráfico 13 – Evolução da População Economicamente Ativa, do Número de Ocupados e da

Taxa de Crescimento do PIB, Brasil, 2002-2013

160

Gráfico 14 – Evolução da Taxa de Atividade, Segundo o Gênero, Brasil, 2001-2013 161

Gráfico 15 – Evolução da Taxa de Atividade, Segundo Faixa Etária, Brasil, 2001-2013 162

Gráfico 16 – Variação Anual Média da Ocupação, por Setores da Atividade Econômica, Brasil,

2001-2013

163

Gráfico 17 – Distribuição Relativa da Ocupação, por Setores da Atividade Econômica, Brasil,

2001

164

Gráfico 18 – Distribuição Relativa da Ocupação, por Setores da Atividade Econômica, Brasil,

2013

164

Gráfico 19 – Distribuição Relativa da Ocupação, Segundo Posição na Ocupação, Brasil, 2013 165

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Gráfico 20 – Evolução do Estoque de Empregos Formais e do seu Índice de Crescimento, Brasil,

1994-2013

167

Gráfico 21 – Criação Média Anual de Empregos Formais em Períodos Selecionados, Brasil,

1995-2013

168

Gráfico 22 – Variação do Emprego Formal e do Produto Interno Bruto, Brasil, 1995-2013 168

Gráfico 23 – Variação do Emprego Formal por Tipo de Vínculo Empregatício, Brasil, 1994-

2013

169

Gráfico 24 – Evolução do Grau de Informalidade do Mercado de Trabalho, Brasil, 1995-2013 170

Gráfico 25 – Percentual de Contribuintes da Previdência Social no Trabalho Principal Ocupada

na Semana de Referência, Brasil, 2001-2013

171

Gráfico 26 – Distribuição relativa dos empregos segundo faixas de salários mínimos, Brasil,

1995-2013

174

Gráfico 27 – Taxa de Rotatividade no Mercado Celetista, Brasil, 2003-2013 175

Gráfico 28 – Evolução do Rendimento Médio Mensal Real dos Ocupados, Brasil, 2001-2013 176

Gráfico 29 – Evolução do Rendimento Médio Mensal Real dos Ocupados, do Salário Mínimo e

do PIB, Brasil, 2004-2013

177

Gráfico 30 – Distribuição dos reajustes salariais e valor do aumento real médio, em comparação

com o INPC-IBGE, Brasil, 2008-2014

178

Gráfico 31 – Evolução do Coeficiente de Gini, Brasil, 2001-2013 179

Gráfico 32 – Evolução da Proporção de Domicílios Extremamente Pobres e Pobres, Brasil,

2001-2013

179

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SUMÁRIO

Introdução 1

PARTE I 7

Capítulo 1 - Subdesenvolvimento e Mercado de Trabalho 9

1.1. Desenvolvimento e subdesenvolvimento 9

1.2. Heterogeneidade estrutural, insuficiência dinâmica e o padrão de desenvolvimento

latino-americano 17

1.3. O mercado de trabalho em economias subdesenvolvidas 30

Capítulo 2 - Trabalho e Padrões de Desenvolvimento no Capitalismo Contemporâneo 39

2.1. Mercado de trabalho e regulação do emprego no centro do capitalismo 40

2.2. A reconfiguração do trabalho na ordem capitalista contemporânea 49

2.3. Padrões de desenvolvimento e mercado de trabalho na América Latina 58

PARTE II 75

Capítulo 3 - A Estruturação Distorcida do Mercado de Trabalho (1930-1980) 77

3.1. Conformação e estruturação do mercado de trabalho urbano 78

3.2. Problemas crônicos do mercado de trabalho brasileiro 87

Capítulo 4 - Deterioração e Estreitamento do Mercado de Trabalho (1981-2003) 111

4.1. Estagnação, informalidade, erosão salarial e direitos do trabalho 112

4.2. O modelo neoliberal e a desregulação do mercado de trabalho 123

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Capítulo 5 - A Reconfiguração do Mercado de Trabalho (2004-2014) 139

5.1. Estrutura e dinâmica recente do mercado de trabalho brasileiro 140

5.1.1. O cenário macroeconômico 140

5.1.2. A nova dinâmica do mercado de trabalho 151

5.2. O sentido da reconfiguração do mercado de trabalho e os condicionantes atuais 181

Conclusão: Padrão de Desenvolvimento e Mercado de Trabalho no Brasil 203

Referências 229

Artigos em Periódicos Não Especializados 247

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Introdução

Nos últimos anos, houve um acalorado debate nos principais veículos de comunicação a

respeito das novas tendências do mercado de trabalho no Brasil, em particular, no que se refere

aos efeitos inflacionários da proximidade do pleno emprego e à necessidade de aumentar a

qualificação dos trabalhadores para incrementar a produtividade do trabalho e a competitividade

da economia nacional. Aparentemente, os problemas estruturais que marcavam o mercado de

trabalho brasileiro até o início da década passada, tais como o desemprego de longa duração, a

elevada informalidade e os baixos salários, teriam sido superados ou estavam sendo

equacionados. Nesse sentido, não haveria mais razão para falar em excedente estrutural de mão

de obra, seja por causa do avanço da urbanização e da ampla oferta de oportunidades

ocupacionais, seja por causa da evidente mudança na dinâmica demográfica. Contudo, vários

especialistas têm mostrado que os problemas relacionados com essa força de trabalho excedente e

com a heterogeneidade da estrutura produtiva continuam a caracterizar o mercado de trabalho

nacional, sendo equivocado falar em pleno emprego, e argumentam que é necessário manter as

políticas que possibilitaram os avanços obtidos e fortalecer os mecanismos para a geração de

empregos de qualidade, a ampliação da produtividade média e a elevação dos salários de base.

Procurando contribuir para o entendimento das tendências em curso, o estudo ora

apresentado pretende colocar em discussão o significado do processo atual de reconfiguração do

mercado de trabalho brasileiro, iniciado em 2004, destacando seus principais elementos,

determinantes e obstáculos. De modo mais específico, as reflexões presentes nesta tese de

doutorado têm como objetivos: a) analisar de que forma a adoção de um novo padrão de

desenvolvimento condicionou a dinâmica do mercado de trabalho brasileiro e a sua nova

configuração; b) ponderar acerca dos limites intrínsecos à estratégia de crescimento neoliberal na

tarefa de superar os traços persistentes de subdesenvolvimento do mercado de trabalho brasileiro;

c) e, finalmente, examinar se a reconfiguração em curso representa uma tendência à superação

dos problemas estruturais deste mercado de trabalho.

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Para realizar esta reflexão, este estudo está dividido em duas partes.

Inicialmente, é fundamental considerar as especificidades de um mercado de trabalho

subdesenvolvido, estruturado com base em um desenvolvimento capitalista que ocorreu

tardiamente com relação às experiências nacionais dos países desenvolvidos e organizado

mediante uma frágil regulação pública. Assim, reconhece-se que a formação e o desenvolvimento

das economias subdesenvolvidas moldaram estruturas econômicas profundamente heterogêneas,

cujos avanços do progresso técnico nos setores líderes pouco se difundiram pelo tecido

produtivo, convalescendo a sua capacidade de oferta de postos de trabalho em camadas técnicas

de alta produtividade. Esta condição, aliada a um excedente estrutural de mão de obra, impõe a

estas economias uma insuficiência dinâmica, que se manifesta na impossibilidade de empregar

uma ampla parcela da população ativa, a qual precisa se inserir no mercado de trabalho por meio

de ocupações de produtividade reduzida, com baixa remuneração e ao largo das relações de

trabalho assalariadas.

Ademais, o padrão de desenvolvimento capitalista na periferia exigiu uma elevada

concentração da renda no topo pirâmide distributiva, como forma de possibilitar o acesso de uma

parcela da população ao consumo de duráveis, ao tempo que foi incapaz de forjar uma estrutura

ocupacional que assegurasse para amplos contingentes um patamar mínimo de segurança no

emprego. Estas são as questões que norteiam a reflexão realizada no capítulo 1.

As transformações capitalistas contemporâneas, delineadas a partir dos anos 1970, e a crise

da dívida externa na América Latina, na década seguinte, colocaram em xeque o padrão de

desenvolvimento vigente na periferia latino-americana desde os anos 1930. Desse modo,

testemunhou-se nesses países a ascensão do pensamento neoliberal, que ancorado em uma agenda

de liberalização dos mercados, prometia mitigar o passivo econômico e social herdado do período

desenvolvimentista. Porém, conforme se discute no capítulo 2, os problemas dos mercados de

trabalho latino-americanos foram amplificados (ao invés de equacionados), à medida que se

consolidou a aplicação da agenda neoliberal no continente.

Os capítulos 1 e 2 formam a primeira parte desta tese. Assim, os elementos gerais que

caracterizaram o desenvolvimento capitalista na periferia latino-americana e o processo de

construção dos seus mercados de trabalho servem como referências para a discussão sobre

mercado de trabalho e padrão de desenvolvimento no Brasil que terá lugar na segunda parte do

estudo, composta de três capítulos.

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No capítulo 3, demonstra-se como o excedente estrutural de mão de obra – oriundo de uma

problemática transição do trabalho escravo para o assalariamento, das condições adversas

imperantes no campo e do crescimento populacional acelerado em centros urbanos – e a ação

regulatória ambígua do Estado brasileiro, condicionaram uma estruturação distorcida do mercado

de trabalho. Se, por um lado, foi ampliado o alcance do emprego regular assalariado em

estabelecimentos, com um peso relevante do emprego manufatureiro e/ou em grandes empresas,

por outro, continuaram frequentes fenômenos como o desemprego estrutural e a informalidade,

os baixos salários e a elevada desigualdade de renda, assim como a instabilidade e a alta

rotatividade no emprego.

A partir dos anos 80 do século passado o padrão de desenvolvimento capitalista no Brasil

foi posto em xeque pela deterioração do cenário internacional e pela eclosão da crise da dívida

externa. Com isto, as taxas brasileiras de crescimento econômico reduziram-se expressivamente e

a remarcação diária dos preços provocou níveis hiperinflacionários, de sorte que o processo de

estruturação do mercado de trabalho brasileiro foi interrompido, ainda que avanços importantes

tenham sido alcançados no campo da regulamentação do trabalho (capítulo 4).

Nesse cenário, e em linha com os acontecimentos mundiais, o neoliberalismo colocou-se,

nos anos 1990, como uma estratégia alternativa de desenvolvimento, prometendo revitalizar a

concorrência intercapitalista por meio de reformas liberalizantes e, assim, debelar o processo

inflacionário e impulsionar o crescimento econômico em bases mais sustentáveis e duradouras.

No entanto, os resultados práticos da aplicação da doutrina neoliberal no Brasil estiveram

longe de ser satisfatórios, em um cenário externo pouco favorável. A inflação inegavelmente

recuou para patamares aceitáveis, contudo, o crescimento econômico continuou baixo, a dívida

pública aumentou rapidamente e as contas externas se deterioraram expressivamente. Os

impactos sobre o mercado de trabalho foram decepcionantes, visto que o processo em curso de

desestruturação foi aprofundado, agora acompanhado por medidas de desregulamentação dos

direitos trabalhistas e de flexibilização dos contratos de trabalho. Estas questões também são

objeto de discussão no capítulo 4 deste estudo.

O término deste percurso dar-se-á com uma reflexão, no capítulo 5, acerca da inauguração

de uma nova fase para a economia brasileira, a partir de meados dos anos 2000, no contexto de

mudanças importantes do cenário internacional e de desgaste da estratégia de crescimento

neoliberal. Nesse sentido, em 2004, começa a ser gestado um novo padrão de desenvolvimento,

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aqui denominado “social-desenvolvimentista”, que adquire contornos mais definidos nos anos

subsequentes. Tal padrão baseou-se na geração de empregos formais, na concessão de estímulos

ao mercado de consumo, nas políticas sociais de combate à pobreza, no aumento dos

investimentos públicos e na oferta de financiamento para investimentos privados, tendo

mobilizado diferentes instrumentos de política econômica e requerido a recuperação da

capacidade de planejamento governamental.

O mercado de trabalho assumiu um papel central na configuração do novo padrão de

desenvolvimento. As políticas deliberadas de sustentação do consumo e do investimento

apoiavam-se na expansão da renda do trabalho (valorização do salário mínimo), no acesso ao

crédito (que muitas vezes depende de um contrato de trabalho formal) e em baixas taxas de

desemprego, além dos maiores gastos sociais, elementos que se reforçavam mutuamente.

Os resultados para o período 2004-2010 foram bastante alvissareiros, não obstante a

eclosão da grave crise internacional no final de 2008: as taxas de crescimento econômico

alcançaram um patamar expressivo para o período recente, a inflação manteve-se acomodada em

níveis toleráveis, a dívida pública recuou significativamente e as contas externas assinalaram uma

reversão de sua situação deficitária, colocando o país em uma situação de credor no mercado

internacional. O mercado de trabalho, por sua vez, apresentou melhoras em seus principais

indicadores: a taxa de desemprego caiu praticamente de modo contínuo no período; a geração de

empregos formais cresceu a taxas expressivas, reduzindo a informalidade; os rendimentos médios

reais do trabalho cresceram, com destaque para a elevação do salário mínimo; e a desigualdade

de renda e os níveis de pobreza diminuíram sensivelmente, mais um sinal evidente das melhorias

verificadas no mercado de trabalho.

Interessante notar que o prolongamento da crise internacional, muito embora tenha

derrubado as taxas de crescimento da economia brasileira e iniciado um processo de deterioração

das contas externas, associado a decisões equivocadas em termos de política econômica, não foi

suficiente para reverter o quadro geral positivo do mercado de trabalho acima delineado, ainda

que em 2014 fosse evidente a paulatina perda de fôlego, apontando para uma possível inflexão

desta tendência.

As reflexões realizadas ao longo dos capítulos desta tese de doutorado procuram oferecer

algumas contribuições ao debate atual sobre a reconfiguração do mercado de trabalho brasileiro.

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Sem pretender estabelecer conclusões definitivas, o capítulo 5 apresenta algumas proposições

para um melhor entendimento desta problemática. É oportuno, aqui, adiantar algumas ideias.

Muito embora o excedente de mão de obra, a informalidade, os baixos salários, a alta

rotatividade e a desigualdade de rendimentos continuem sendo problemas crônicos, os

determinantes estruturais da organização e funcionamento do mercado de trabalho se alteraram

decisivamente no capitalismo contemporâneo: a) a globalização financeira moldou uma nova

arquitetura econômica internacional; b) os espaços para o manejo das políticas macroeconômicas

se estreitaram; c) a economia brasileira tornou-se muito mais integrada ao comércio

internacional; d) o Estado assumiu o papel de indutor (e não de garantidor) da acumulação

capitalista e de provedor de serviços sociais; e) o bônus demográfico e a perspectiva de lento

crescimento populacional redefiniram a dinâmica demográfica; f) os arranjos produtivos

passaram a ser pautados por movimentos de terciarização, desindustrialização e reposicionamento

das cadeias globais de valor; g) o complexo eletrônico assumiu a vanguarda do paradigma

tecnológico-econômico; h) e, finalmente, o toyotismo afirmou-se como modelo eficaz (embora

não único) de organização do trabalho e da produção.

Além do mais, convém reconhecer que a nova divisão internacional do trabalho, as

tendências de polarização e precarização do mercado de trabalho e de flexibilização das relações

de emprego na Europa alteraram os termos do debate sobre a estruturação do mercado de trabalho

e o padrão de emprego desejado, assim como sobre as políticas necessárias.

Nesse contexto, trava-se no Brasil uma disputa entre dois discursos distintos no que tange

ao tema “desenvolvimento e mercado de trabalho”: o discurso neoliberal entende que o mercado

de trabalho não deve criar obstáculos para a competitividade da economia brasileira, nem

pressionar a inflação, e por isso defende que o seu funcionamento se dê em bases mais

“flexíveis”; o outro discurso, o social-desenvolvimentista, enxerga o mercado de trabalho como

pilar de sustentação de um novo padrão de desenvolvimento, orientado para a ampliação do

mercado interno e a constituição de uma sociedade de consumo de massa, via distribuição da

renda e valorização do emprego. As implicações sobre a dinâmica do mercado de trabalho são,

portanto, inteiramente distintas em cada proposta, devendo-se reconhecer que a estratégia

neoliberal é incapaz de enfrentar os problemas crônicos inerentes a um mercado de trabalho

subdesenvolvido como o brasileiro.

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Ao final do presente estudo, espera-se ter reunido argumentos para discutir a seguinte

hipótese: a superação dos traços herdados do passado (responsáveis pela reprodução da pobreza

extrema e das desigualdades socioeconômicas) e a consolidação de um mercado de trabalho

condizente com a nova inserção do País na economia mundial e com os avanços no campo da

cidadania e dos direitos sociais, dependem, em última instância, da viabilidade de sustentação do

novo padrão de desenvolvimento gestado na década passada.

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Parte I

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Capítulo 1: Subdesenvolvimento e Mercado

de Trabalho

O desenvolvimento capitalista na América Latina não foi capaz de forjar estruturas

econômicas relativamente homogêneas, nem propiciou a conformação de mercados de trabalho

inclusivos ou um padrão de emprego similar ao dos países economicamente mais desenvolvidos.

Para entender os motivos dessa diferença congênita, é necessário retomar a literatura que tratou

dessa questão.

O objetivo deste capítulo é examinar as características inerentes ao mercado de trabalho

numa economia subdesenvolvida, procurando revisar as teorias que explicam as razões para o

desenvolvimento permanecer truncado ou gerar estruturas distorcidas, assim como os fatores

responsáveis pela reprodução de um excedente estrutural de mão de obra na periferia do

capitalismo.

1.1. Desenvolvimento e subdesenvolvimento

Ao longo do século XIX, à medida que a Inglaterra tornava-se a potência hegemônica, foi-

se constituindo uma nova ordem econômica internacional, baseada numa nova divisão

internacional do trabalho e no dinamismo irradiado pela rápida expansão do mercado mundial e

pela exportação de capital britânico. A plena constituição do modo de produção capitalista

começou com a Revolução Industrial e se completou com as reformas liberais que instituíram

uma ordem social competitiva, na qual prevalece a crença no liberalismo econômico e na força

irresistível do progresso. Embora a Inglaterra tenha aberto o caminho, a industrialização que se

processou em outros países ocorreu em condições distintas. Por isso, é possível diferenciar o

padrão de desenvolvimento singular do “capitalismo originário” do padrão de desenvolvimento

que se verificou em países de industrialização tardia (em relação à pioneira), tais como França,

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Alemanha e Estados Unidos, denominado “capitalismo atrasado” (BARBOSA DE OLIVEIRA,

2003).

A implantação do modo de produção tipicamente capitalista e sua progressiva disseminação

trouxeram consigo o estabelecimento de profundas desigualdades entre as estruturas produtivas e

financeiras no plano internacional, com relações assimétricas que passaram a refletir uma

hierarquia de poder econômico entre as nações. Com o passar do tempo, foi aumentando o

descompasso entre as economias industrializadas e as economias que não eram capazes de

acompanhar a revolução tecnológica em curso.

É relevante reter, aqui, que o avanço e a difusão do capitalismo industrial provocaram uma

desarticulação generalizada das formas pretéritas de organização socioeconômica, em particular a

agricultura camponesa e a produção artesanal. Assim sendo, nessa fase, o desenvolvimento

capitalista pôde contar com uma oferta de mão de obra totalmente elástica e, por isso mesmo,

com níveis de remuneração próximos ao de sobrevivência.

Porém, um intenso processo de acumulação de capital, em um contexto histórico onde

predominava uma tecnologia relativamente arcaica – e, por isso mesmo, conforme chama a

atenção Eric Hobsbawm (1969), de elevado potencial de absorção de mão de obra1 –, incitou um

movimento de incorporação plena da economia pré-capitalista e de seu excedente estrutural de

mão de obra, inaugurando uma nova fase do desenvolvimento capitalista.

Se, em um primeiro momento, o desenvolvimento capitalista foi tributário de um conjunto

de transformações operado essencialmente no lado da oferta, em um segundo momento, os

elementos motores dessa economia passaram a atuar, simultaneamente, no lado da oferta e da

demanda. Ou seja, as transformações nas técnicas de produção e o aumento e a diversificação dos

padrões de consumo passaram a se influenciar reciprocamente, ensejando um ciclo econômico

expansivo (FURTADO, 1978).

Importante notar que a diferenciação dos padrões de consumo veio acompanhada por um

aumento da participação dos salários na renda nacional, resultado do esgotamento do excedente

estrutural de mão de obra e do consequente empoderamento dos trabalhadores na luta pela

apropriação de uma parcela do excedente econômico. Tal poder, vale frisar, viu-se reforçado pelo

1 Nesse sentido, o autor cita também, ainda que em sua visão estes sejam aspectos secundários, o papel desempenhado pela

emigração massiva de europeus em direção às áreas de colonização recente e pela queda da taxa de natalidade.

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surgimento de uma identidade de classe e pela consequente organização sindical destes

trabalhadores, na esteira de uma crescente concentração industrial e financeira.

Nesse sentido, o crescimento dos salários demandou uma onda de inovações tecnológicas

voltadas para a ampliação, a um só tempo, da produtividade e da economia do fator trabalho, o

que elevou gradualmente a densidade de capital por pessoa ocupada dos processos produtivos.

Em última instância, tais medidas se impuseram como um contraponto à rigidez da oferta de mão

de obra, restabelecendo a plasticidade e o dinamismo do sistema econômico.

As transformações mencionadas dizem respeito, grosso modo, ao processo de gênese e de

desenvolvimento de uma economia capitalista na Inglaterra e que, em seus traços mais gerais e a

despeito das peculiaridades nacionais, foram replicadas em outros países europeus,

particularmente na porção ocidental do continente.

No entanto, a propagação do capitalismo em escala mundial assumiu ainda duas outras

direções, seguindo a tipologia proposta por Celso Furtado (2009 [1961]; 2000 [1967]; 1980). A

segunda linha de desenvolvimento abarcou as regiões de baixa densidade demográfica, onde

havia terras disponíveis e de características similares às europeias, num movimento de

transferência de mão de obra, capital e técnicas. De fato, elas se constituíram como fornecedoras

de recursos naturais para a expansão econômica dos países pioneiros na adoção das técnicas

capitalistas, imprimindo um processo de desenvolvimento que, no essencial, não se diferenciava

do apresentado por estes. Em outras palavras, tais economias surgiram como meros

prolongamentos da economia industrial europeia dominante.

A terceira frente de expansão do capitalismo abrangeu as regiões densamente povoadas,

onde predominavam diferentes modalidades de organização socioeconômica, todas, porém, de

caráter pré-capitalista. Assim, constituíram-se nestas regiões estruturas econômicas híbridas,

marcadas por uma dualidade básica: de um lado, um sistema capitalista de produção, atuando

com níveis de produtividade similares aos praticados pelos países desenvolvidos; de outro,

sistemas de organização da produção enredados nas estruturas preexistentes, de baixíssima

produtividade2. É a esta estrutura econômica híbrida ou dual, caudatária de um processo de

2 Aqui, o contraste com a experiência histórica dos países desenvolvidos, herdeiros de um sistema econômico feudal, é flagrante:

“Segundo a opinião corrente, a economia do feudo era um sistema fechado ou quase fechado. Mas não estava aí a sua principal

característica, e sim no fato de que era uma economia fechada de nível relativamente elevado de consumo. As comunidades

primitivas de dimensões idênticas – e que, como o feudo, eram economias fechadas, ou seja, de autoconsumo – apresentavam, via

de regra, um nível médio de consumo mais baixo que o das comunidades feudais europeias. Os barões feudais conseguiram, com

recursos locais, não só construir castelos, como também armar os seus homens para a guerra e manter um número quase sempre

elevado de pessoas ociosas em torno de si. O excedente de produção que chegava às mãos do senhor feudal, mesmo dos

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expansão de uma economia industrial que se desenvolveu externamente, que corresponde o

fenômeno do subdesenvolvimento.

É importante ressaltar, entretanto, que ao contrário do que pode induzir a terminologia

utilizada, o caráter dualista da estrutura econômica subdesenvolvida revela antes uma “integração

dialética” entre os setores “modernos” e “atrasados”, do que uma lógica de reprodução entre tais

compartimentos totalmente independente uma da outra. Conforme Francisco de Oliveira (2003

[1972], p. 32): “de fato, o processo real mostra uma simbiose e uma organicidade, uma unidade

de contrários, em que o chamado ‘moderno’ cresce e se alimenta da existência do ‘atrasado’”.

Assim sendo, o subdesenvolvimento deve ser compreendido como um processo histórico

autônomo, contemporâneo do surgimento e da expansão universal do capitalismo industrial, de

sorte que não se constitui, necessariamente, como uma etapa que os países atualmente

desenvolvidos vivenciaram em seu desenvolvimento econômico capitalista. Ou seja, “o

‘subdesenvolvimento’ é uma formação capitalista e não simplesmente histórica” (OLIVEIRA,

2003 [1972], p. 33).

Não se pode admitir que o subdesenvolvimento seja um momento na evolução de uma

sociedade, econômica, política e culturalmente isolada e autônoma. Postula-se, ao

contrário, que o subdesenvolvimento faz parte do processo histórico global do

desenvolvimento, que o subdesenvolvimento e o desenvolvimento são duas faces de um

mesmo processo universal, que ambos os processos são historicamente simultâneos, que

estão funcionalmente vinculados, isto é, interagem e se condicionam mutuamente, e que

sua expressão geográfica materializa-se em duas grandes polarizações: por um lado, a

polarização do mundo entre os países industrializados, avançados, desenvolvidos e

centrais e os países subdesenvolvidos, atrasados, pobres, periféricos e dependentes; e por

outro, uma polarização, dentro dos países, em espaços, grupos e atividades avançados e

modernos, e em espaços, grupos e atividades atrasados, primitivos, marginalizados e

dependentes (SUNKEL, 2000 [1970], p. 529).

Com efeito, torna-se evidente que a compreensão do fenômeno em análise exige um exame

mais aprofundado da natureza que assume as relações entre economias desenvolvidas e

subdesenvolvidas ou centrais e periféricas, para utilizar uma terminologia consagrada pelo

estruturalismo latino-americano.

Na percepção de Celso Furtado, o subdesenvolvimento tem suas raízes na assimilação

social de hábitos de consumo sofisticados, próprios da civilização industrial europeia,

desacompanhada da implantação das correspondentes técnicas produtivas capitalistas. Trata-se,

pequenos, era relativamente grande se se tem em conta que tinha esse excedente, origem na apropriação direta de parte do fruto da

produção de uma pequena comunidade. Ora, isto só foi possível porque era relativamente elevado o nível da técnica que

prevalecia dentro do feudo” (FURTADO, 2009 [1961], p. 118-119, grifos próprios).

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na verdade, de uma “dessimetria entre o sistema produtivo e a sociedade”, fenômeno que o autor

denominou de “modernização”3.

Esta modernização se alicerça em uma divisão internacional do trabalho que, em verdade,

espelha os diferentes perfis de inserção externa das economias nacionais. De forma esquemática,

têm-se, de um lado, os países que se notabilizaram pelo pioneirismo na adoção das técnicas

capitalistas de produção, e que, por isso mesmo, puderam encampar uma especialização

produtiva assentada nos segmentos econômicos portadores do progresso técnico, notadamente a

indústria manufatureira. São os chamados países centrais. De outro lado, reúnem-se os países de

desenvolvimento tardio, chamados de “periféricos”, que, beneficiando-se de vantagens

comparativas estáticas, promoveram uma especialização centrada na produção de recursos

naturais.

O estabelecimento de linhas de comércio entre os dois polos do sistema trouxe consigo a

formação de estruturas produtivas fundamentalmente distintas: no caso da periferia, marcada pelo

seu caráter especializado e heterogêneo, reflexo, por um lado, de uma concentração expressiva de

recursos produtivos no setor exportador de produtos primários de baixo custo, e, por outro, da

coexistência de setores produtivos de produtividade bastante díspares. Em oposição, nos centros,

a estrutura produtiva estabeleceu-se em bases diversificadas, em termos de distribuição de

recursos produtivos, e homogêneas, quando vistas pelo ângulo dos desníveis de produtividade

que apresentavam os seus compartimentos4.

Convém chamar a atenção ainda para o fato de que a dinâmica do sistema centro-periferia

atuou, ao longo do século XX, no sentido de reproduzir e ampliar as desigualdades entre estes

dois polos: as brechas de produtividade do trabalho e das rendas médias entre eles tenderam a se

alargar com o passar do tempo, em sintonia com o processo de deterioração dos termos de

intercâmbio que acometia as economias periféricas5.

3 “O aumento da renda de uma comunidade pode resultar de pelo menos três processos diferentes: a) o desenvolvimento

econômico: isto é, acumulação do capital e adoção de processos produtivos mais eficientes; b) a exploração de recursos naturais

não-renováveis; e c) a realocação de recursos visando a uma especialização num sistema de divisão internacional do trabalho. O

aumento da renda implica em diversificação do consumo, introdução de novos produtos, etc. Assim, esse aumento pode ocorrer

numa comunidade sem desenvolvimento econômico, isto é, sem acumulação de capital e introdução de processos produtivos mais

eficientes. Ele pode representar simplesmente um incremento devido aos itens b e/ou c, acima mencionados. Chamemos de

modernização a este processo de adoção de novos padrões de consumo, correspondente a níveis mais elevados de renda, na

ausência de desenvolvimento econômico” (FURTADO, 1974, p. 99). 4 A respeito do sistema centro-periferia, ver, entre outros, Rodríguez (1981; 2009) e Prebisch (2011a [1949]; 2011b [1949]; 2011

[1951]). 5 Entende-se por deterioração dos termos de intercâmbio a diminuição do poder de compra de bens industriais por parte dos bens

primários de exportação. Isto porque, ao longo dos ciclos econômicos, na crescente, os preços primários sobem de forma mais rápida do que os dos bens manufaturados. Na minguante, o contrário se observa, porém de modo mais intenso do que o verificado

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A causa fundamental para a manifestação deste fenômeno repousava na presença de um

excedente de mão de obra na produção primária das economias periféricas – em um cenário de

imobilidade internacional da mão de obra – e à pressão por ele exercida sobre os salários pagos e,

consequentemente, sobre os custos de produção, das atividades primário-exportadoras. Com

efeito, a escassez relativa e o maior poder de organização dos trabalhadores dos países centrais

ampliavam a rigidez salarial dessas economias, o que na prática significava a transferência para a

periferia dos custos dos ajustes diante de uma conjuntura econômica recessiva. Adicionalmente,

uma estrutura empresarial mais oligopolizada e especializada nas etapas mais avançadas dos

processos produtivos aumentavam o poder de defesa dos lucros por parte dos empresários dos

países centrais.

Paralelamente, as disparidades de elasticidades impunham graves problemas de balanço de

pagamentos ao desenvolvimento periférico. Com efeito, nos países centrais, a elasticidade-renda

da demanda de importações de produtos primários era menor que a unidade, ou seja, a demanda

por estes produtos crescia em ritmo inferior ao da renda. Isto porque o avanço do progresso

técnico modificava a utilização dos insumos e os padrões de consumo. Por um lado, tal avanço

contribuía para uma redução da participação das matérias-primas no valor final dos produtos e

para a substituição de matérias-primas naturais pelas sintéticas. Por outro lado, favorecia uma

oferta diversificada de produtos manufaturados e de serviços correlatos que, associados aos

mecanismos de publicidade próprios de uma sociedade de consumo de massas, moldava os

padrões de consumo das famílias, ampliando a participação destes em detrimento dos alimentos,

à medida que a renda se elevava.

O contrário se dava na periferia, onde a elasticidade-renda da demanda de importações era

maior que um. Nesse caso, contribuíam para tanto, além dos aspectos acima mencionados, a

mimetização de padrões de consumo prevalecentes nos centros e as importações de produtos

intermediários e de bens de capital, num quadro de aguda dependência técnica e tecnológica. Da

combinação dessas disparidades de elasticidades resultaram os desequilíbrios comerciais aos

quais se submetem as economias periféricas. Conforme esclarece Octávio Rodríguez, “[...] a

disparidade de elasticidades e a taxa de crescimento da renda central impõem um limite à taxa de

no primeiro movimento, de sorte que se promove o distanciamento entre os referidos preços, em desfavor dos primeiros.

Ademais, se se atenta para o fato de que a renda média dos países periféricos cresceu em um ritmo menor que a produtividade do

trabalho, conclui-se que não somente os países centrais retinham os frutos do progresso técnico gerados por suas economias,

como também captavam uma parcela destes originada na periferia do sistema.

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aumento da renda da periferia. Se esse limite for excedido, serão gerados sucessivos déficits

comerciais, que terminarão por impedir a continuidade da sua expansão” (RODRÍGUEZ, 2009,

p. 101).

Nesses termos, não restava alternativa aos países subdesenvolvidos senão uma mudança nas

bases sobre as quais se assentavam o seu desenvolvimento: de um modelo orientado para fora,

ancorado na exportação de produtos primários, para outro modelo voltado para dentro, cujo eixo

dinâmico da acumulação centrar-se-ia no setor industrial6. Somente por meio de uma

industrialização planejada, acreditava-se, seria possível absorver o excedente de população ativa,

elevar e homogeneizar os níveis de produtividade desta economia, conter os desequilíbrios

externos e internalizar os centros decisórios, pavimentando, assim, uma via de desenvolvimento

capaz de reter uma proporção maior dos frutos do próprio progresso técnico, condição sine qua

non para a melhoria do bem-estar da coletividade. Em uma só frase: a industrialização seria o

caminho obrigatório para a superação da pobreza e da dependência7.

Diante dessa realidade, a industrialização mediante substituição de importações constituiu-

se, antes que necessária, a via de desenvolvimento possível para os países periféricos8. Nesse

sentido, a produção interna de bens industriais, antes importados, exigiu a limitação da

importação destes bens, assim como a dos considerados de natureza supérflua, com o intuito de

viabilizar as novas importações requeridas por este processo.

Com efeito, industrializar-se por intermédio de um programa de substituição de

importações significava promover uma mudança estrutural em um duplo aspecto: em primeiro

6 A realidade dos fatos impôs a industrialização aos países periféricos: dentre os aspectos conjunturais, cabe destacar a eclosão de

duas guerras mundiais e de uma grave crise econômica neste ínterim; no âmbito das questões estruturais, encontram-se a mudança

do centro cíclico principal da Inglaterra para os Estados Unidos, cuja economia era submetida a uma maior proteção e padecia de

um coeficiente de importações muito mais baixo que a primeira, e a paulatina substituição de produtos in natura por sintéticos. A

convergência desses fatores, conjunturais e estruturais, acrescida da intervenção e do planejamento estatal do desenvolvimento,

atuaram no sentido de estimular a produção industrial interna, em detrimento das transações comerciais com o setor externo.

Ademais, convém salientar que a industrialização periférica se justificava ainda que a preços internos superiores aos externos: “é

vantajoso para a economia produzir a preços relativos elevados, em vez de deixar de utilizar fatores produtivos, ou utilizá-los de

formas que deprimam a relação de preços de intercâmbio e, por meio destes, a capacidade para importar” (PREBISCH, 2011

[1951], p. 275). 7 Sobre a industrialização periférica ver, além dos textos já citados, Cardoso de Mello (1998 [1982]); Rosenstein-Rodan (2010

[1943]); Tavares e Serra (1983 [1972]) e Tavares (1981). 8 A defesa da industrialização não significava uma rejeição automática e incondicional às políticas de promoção de exportações e

da produção agrícola, antes pelo contrário. Raul Prebisch, no Manifesto Latino-Americano, escrito em 1949, já afirmava que “a

solução não está em crescer à custa do comércio exterior, mas em saber obter, de um comércio exterior cada vez maior, os

elementos propulsores do desenvolvimento econômico” (PREBISCH, 2011 [1949], p. 97). Este mesmo autor, em documento

institucional publicado dois anos mais tarde, escreveu: “Em virtude de repetidas experiências, entretanto, é bem sabido que, à

medida que a técnica moderna aumenta a produtividade, vai-se criando um excedente de potencial humano que a agricultura já

não requer. Recorre-se então à indústria e a outras atividades, para absorver produtivamente essa força de trabalho. O

aprimoramento agrícola e o desenvolvimento industrial, por conseguinte, são dois aspectos do mesmo problema de

desenvolvimento econômico” (CEPAL, 2000 [1951], p. 141).

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lugar, na estrutura produtiva, por meio da expansão das atividades industriais; e, em segundo

lugar, na estrutura das importações, que, ao longo da industrialização, tendia a subordinar-se e

adequar-se às necessidades deste programa.

Em um primeiro momento, a industrialização periférica centrou-se na produção de bens de

consumo de elaboração simples, promovendo, desta forma, uma crescente diversificação

horizontal à medida que o leque de produtos elaborados para o mercado interno de consumo se

expandia. A produção interna de novos tipos de produtos inaugura um segundo momento para a

industrialização periférica. A partir de então, o referido processo tende a se apoiar em bens de

consumo duráveis, intermediários, e, em algumas experiências nacionais, nos bens de capital,

ampliando, não somente a diversificação horizontal, mas também o grau de complementaridade

intersetorial e de integração vertical da estrutura industrial9.

Tal processo veio acompanhado de uma internacionalização crescente das bases produtivas

dos países periféricos, uma vez que as empresas transnacionais, detentoras das técnicas e das

tecnologias modernas, tornaram-se um ator social vital para a expansão industrial na periferia.

Com elas, além dos padrões de produção avançados, viram-se reforçados o grau de

monopolização da economia, assim como os padrões de consumo “à imagem e semelhança” dos

países desenvolvidos.

Nesses termos, ao cabo de aproximadamente meio século, algumas regiões

subdesenvolvidas latino-americanas presenciaram, ainda que em ritmos e em extensões

diferenciadas, uma transição de uma economia agrário-exportadora para uma economia urbano-

industrial, em muitos aspectos, similar à encontrada nos países desenvolvidos, no entanto, sem

alterar significativamente a sua posição na divisão internacional do trabalho.

Ademais, a aludida transição não obteve êxito na promoção de estruturas socioeconômicas

mais homogêneas, posto que a pobreza absoluta e a desigualdade de renda e de riqueza não

somente não regrediram a patamares civilizados, como, por vezes, foram reforçadas. Isto se

deveu a problemas oriundos do próprio processo de industrialização, marcado pela incompletude

de sua base técnica, por uma articulação micro-macro problemática e por desproporções setoriais

9 Esta estratégia de desenvolvimento tinha em Ragnar Nurkse e Paul Rosenstein-Rodan seus mais ilustres defensores. Segundo

este último, “a criação planejada de um sistema de indústrias complementares desse tipo reduziria o risco de insuficiência da

procura e, como o risco pode ser considerado um custo, reduziria os custos. É, nesse sentido, um caso especial de ‘economias

externas’. (...) Dois outros tipos de ‘economias externas’ podem também surgir quando um sistema de diversas indústrias é criado.

Em primeiro lugar, as economias estritamente marshallianas, externas a uma empresa, no conjunto de um ramo industrial em

crescimento. O mesmo ocorre, entretanto (secundariamente), com as economias externas a uma indústria por causa do

crescimento de outras indústrias” (ROSENSTEIN-RODAN, 2010 [1943], p. 269).

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importantes10. Isso de um lado. De outro, e principalmente, encontrava-se a incapacidade das

sociedades periféricas de levar adiante um conjunto de reformas sociais que promovessem

padrões mínimos de igualdade de renda e de bem-estar social.

Em suma, o desenvolvimento dos países periféricos, apoiado por uma industrialização

retardatária11, defrontou-se com obstáculos inéditos, a julgar pela experiência dos países de

capitalismo avançado, dois dos quais já apresentados nesta seção inicial: o desequilíbrio externo e

a deterioração dos termos de intercâmbio. Um terceiro obstáculo, que enfeixa dimensões

fundamentais para a compreensão do subdesenvolvimento, reside na tendência estrutural a uma

subutilização da mão de obra, cujo entendimento demanda um maior esforço analítico, a ser

realizado na seção seguinte.

1.2. Heterogeneidade estrutural, insuficiência dinâmica e o padrão de

desenvolvimento latino-americano

A concepção moderna de desenvolvimento econômico nasceu, a rigor, com o surgimento

da Economia Política no século XVIII, aqui entendida como um campo delimitado das ciências

sociais que tem como propósito compreender as relações sociais de produção que se estabelecem

sob o capitalismo. No entanto, foi somente em meados do século XX, em um momento histórico

ainda envolto pelos acontecimentos ocorridos na “era da catástrofe”12, que floresceram os estudos

precursores do que veio a chamar-se posteriormente de teorias do desenvolvimento e do

subdesenvolvimento13.

10 “Se nos países centrais a atividade industrial opera como força primária transformadora das estruturas econômicas e sociais,

isso se deve a duas razões. Em primeiro lugar, ao fato de que a expansão das atividades industriais é acompanhada de

modificações na composição da demanda final no sentido de sua diversificação. De uma ou outra forma, o crescimento da

indústria acarreta elevação na taxa média de salário da massa trabalhadora, mesmo quando não implique a criação de novos

empregos (...). A segunda razão deriva da articulação das atividades industriais entre si. (...). Essa articulação não é outra coisa

senão a diversificação da atividade industrial, decorrente da instalação de indústrias de produtos intermédios e de equipamentos.

Na medida em que aumenta a importância relativa destas últimas, a capacidade autotransformadora do sistema econômico se

inscreve na estrutura industrial” (FURTADO, 1980, p. 118-119). 11 “Não basta, no entanto, admitir que a industrialização latino-americana é capitalista. É necessário, convir que a industrialização

capitalista na América Latina é específica e que sua especificidade está duplamente determinada: por seu ponto de partida, as

economias exportadoras capitalistas nacionais, e por seu momento, o momento em que o capitalismo monopolista se torna

dominante em escala mundial, isto é, em que a economia mundial capitalista já está constituída. É a esta industrialização

capitalista que chamamos retardatária” (CARDOSO DE MELLO, 1998 [1982], p. 104, grifos do autor). 12 A expressão é de Eric Hobsbawm (1995) e se refere ao período histórico demarcado pelas duas Guerras Mundiais e que

engloba, neste ínterim, o crash da bolsa de valores de Nova York em 1929 e a grande depressão econômica subsequente, o

colapso do liberalismo, o surgimento da União Soviética e o fim dos impérios coloniais. 13 A coletânea organizada por Amar Agarwala e Sampat Singh (2010 [1958]), que reúne textos clássicos sobre a temática em

questão, constitui-se em uma das principais referências.

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Nesse contexto, a ideia de desenvolvimento passou a ser crescentemente identificada com a

ampliação do bem-estar material, medida pela expansão da renda real per capita. Esta seria

corolário da elevação da produtividade média do trabalho, viabilizada, por sua vez, por um

aumento da dotação de capital por trabalhador ocupado, característica inerente aos métodos

modernos de produção. Subjacente a essa cadeia argumentativa, encontram-se os processos de

acumulação de capital e de assimilação do progresso técnico, pilares essenciais para a sustentação

do desenvolvimento econômico.

Nos países centrais, a superposição de novas camadas técnicas de produtividade e eficácia

mais elevada, decorrente da propagação dos métodos de produção capitalistas, foi responsável

pela absorção da grande maioria da mão de obra ocupada nas camadas pré-existentes, de

produtividade mais baixa, além do seu crescimento demográfico. Ao mesmo tempo, as

disparidades de renda entre os diversos estratos sociais foram se reduzindo, à medida que os

trabalhadores foram sendo deslocados de setores de mais baixa para os de mais elevada

produtividade. Isto porque quanto maior a intensidade deste deslocamento, o que dependia do

ritmo de acumulação de capital e da formação da mão de obra, mais alta tornava-se a renda dos

trabalhadores que permaneciam nas camadas inferiores, dados os impactos deste processo sobre a

oferta e a demanda por força de trabalho. Nesse cenário, presenciava-se uma alta generalizada da

renda do trabalho, porém em ritmos diferenciados, sendo mais acelerado entre os trabalhadores

que permaneciam nos estratos inferiores, diminuindo, assim, a abertura do leque salarial.

Em síntese, os dois aspectos mencionados, quais sejam, a absorção da força de trabalho em

setores de produtividade mais elevada e a diminuição das desigualdades de renda, são condições

necessárias para que o aludido movimento de superposição de camadas técnicas corresponda ao

conceito de “suficiência dinâmica”, característica par excellence do desenvolvimento dos países

de capitalismo avançado14.

O capitalismo periférico, por seu turno, originou-se, não custa enfatizar, de “um processo

dinâmico de propagação e irradiação de técnicas, ideias, ideologias e instituições dos centros

numa estrutura social – a da periferia – que é fundamentalmente diferente” (PREBISCH, 1981b,

14 As reflexões sobre suficiência e insuficiência dinâmica, assim como sobre heterogeneidade estrutural, apoiam-se, excetuando as

citações já explicitadas no texto, nas contribuições dos seguintes autores e instituições: CEPAL (2000 [1951]); Furtado (2007

[1969]; 2003 [1973]; 1978); Meier (2010 [1953]); Pinto (2000 [1976]; 1979; 1984); Prebisch (2011b [1949]; 2011 [1951]; 2000

[1963]; 1973; 1976) e Rodríguez (1981; 2009).

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p. 10). Um desenvolvimento, portanto, desprovido de autenticidade ou, em outros termos, de

índole essencialmente imitativa.

Nesse sentido, pontuou-se, na seção anterior, que o desenvolvimento econômico da

periferia foi condicionado por sua posição em uma divisão internacional do trabalho moldada

pelo movimento de expansão global do capitalismo, liderado pelos países centrais. Nela, cabia à

periferia o papel de linha auxiliar do processo de acumulação de capital que se dava nestes

últimos.

Da interação entre os dois polos do sistema capitalista global, desenvolveram-se e

consolidaram-se estruturas produtivas fundamentalmente distintas: as da periferia, especializadas

e heterogêneas; as do centro, diversificadas e homogêneas.

Com efeito, convém avançar a partir desse ponto. O referido caráter polarizado, híbrido ou

dual da estrutura periférica constitui-se na outra face do processo de concentração (ou de não

difusão) dos frutos do progresso técnico capitalista que ali se estabeleceu.

Na etapa do desenvolvimento para fora, o processo de modernização15 concentrou-se na

agricultura exportadora, com pouca capacidade de irradiação dos benefícios da maior

produtividade para os demais setores da atividade econômica. Como contrapartida, configurou-se

uma estrutura produtiva espacialmente delimitada, comumente instalada em regiões próximas às

áreas costeiras, e que, por esse motivo, urbanizaram-se velozmente, ao tempo que estabeleciam

ligações tênues com o interior do território nacional.

Com a industrialização e o desenvolvimento para dentro, houve uma relativa difusão do

progresso técnico ao setor industrial e atividades correlatas, o que não significou, contudo, a sua

ampla disseminação pela estrutura produtiva. Assim sendo, uma extensa parcela do tecido

econômico permaneceu à margem desse processo, como a agropecuária não exportadora e outras

atividades primárias, setores importantes dos serviços e mesmo segmentos do setor industrial,

que ainda se encontravam submetidos a formas de produção artesanal ou semi-artesanal.

Na verdade, advém com esta nova etapa do desenvolvimento periférico, antes que uma

ruptura com a dualidade econômica herdada do período anterior, o seu aprofundamento e a sua

complexificação: a divisão entre camadas “modernas” e “tradicionais” torna-se menos nítida e

mais acentuada, sem respeitar, necessariamente, os limites entre os setores econômicos. Ou seja,

15 Utiliza-se a partir daqui, salvo menção contrária, o significado usual do termo, e não o elaborado por Celso Furtado, conforme

apresentado na seção anterior.

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o moderno e o tradicional passam a conviver lado a lado na agricultura, na indústria e nos

serviços.

A questão regional e urbana, ou seja, da difusão espacial dos benefícios do progresso

técnico, não perdeu a sua atualidade com a etapa do desenvolvimento para dentro, antes pelo

contrário. Os centros industriais nos países periféricos se estabeleceram em um espaço

circunscrito dos territórios nacionais, o que ensejou uma ampla concentração produtiva e

populacional. Tal característica fomentou o surgimento de um tecido urbano marcado pela

existência de grandes aglomerados populacionais (uma “metropolização” desmedida, diria Aníbal

Pinto), além de uma segregação intra-urbana sem paralelo entre as experiências de

desenvolvimento vivenciadas pelos países de capitalismo avançado.

Além das duas dimensões supracitadas, a saber, a setorial e a espacial, a concentração do

progresso técnico nos países periféricos materializou-se ainda na esfera social.

Nesse sentido, o estilo de desenvolvimento que prevaleceu no capitalismo periférico aliou a

implantação de uma estrutura econômica voltada para a oferta de bens e serviços característicos

da civilização industrial europeia, com uma distribuição da renda altamente concentrada no topo

da estrutura distributiva. Isto porque, dada a renda média prevalecente na região, para que tais

bens e serviços fossem realizados, no sentido marxiano do termo, era imprescindível a promoção

do aludido perfil da distribuição da renda. Esta, em contrapartida, ao condicionar a demanda,

reforçava a necessidade de um tipo de organização do aparelho produtivo compatível com o

esquema vigente de distribuição da renda, formando um círculo de relações causais

cumulativas16.

Visto por outro prisma, pode-se dizer que houve a disseminação, entre as elites locais, de

um padrão de consumo similar ao vigente nos países de capitalismo avançado, ainda que em

dissonância com a estrutura produtiva implantada nestas economias, o que, em países de renda

média muito baixa, exigiu um esquema de distribuição de renda altamente concentrado. De

acordo com Raúl Prebisch:

(...) la especificidad no está tanto en la imitación del consumo de los centros, que es en

rigor un fenómeno planetario, sino en las dimensiones que este fenómeno adquiere en la

periferia, gracias a la flagrante desigualdad distributiva. En otros términos, la

especificidad atañe al carácter privilegiado de la imitación (PREBISCH, 1981a, p. 212).

16 “A estrutura do sistema produtivo reflete, portanto, a forma de utilização da renda, e esta última, numa economia de livre-

empresa, está determinada pela maneira como se distribui essa mesma renda. Destarte, os problemas de desenvolvimento têm que

ser considerados concomitantemente como problemas de produção e de distribuição” (FURTADO, 2009 [1961], p. 142).

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Muitos autores chamaram a atenção, principalmente os ligados ao estruturalismo latino-

americano, a respeito dos impactos adversos que o consumo conspícuo de uma classe

privilegiada vinha trazendo para o desenvolvimento da região, visto que parcelas da poupança

nacional estariam sendo desviadas para o financiamento daquele consumo e inviabilizando,

portanto, a sua transformação em capital reprodutivo.

Para Celso Furtado (1968), o padrão de distribuição de renda vigente na periferia, resultante

da existência de um vasto setor pré-capitalista e de um setor industrial com coeficiente de capital

em rápida elevação (e, em contrapartida, uma relação produto-capital em declínio), promoveria

uma aplicação de recursos produtivos que levaria a uma redução da eficiência econômica

(realimentando a concentração da renda) e, por essa via, a uma estagnação econômica.

Maria da Conceição Tavares e José Serra, por seu turno, não compartilhavam da mesma

interpretação. Segundo eles, não haveria, necessariamente, uma relação inversa entre a relação

produto-capital e o coeficiente capital-trabalho:

Ou a relação produto-capital não declina apesar do aumento do coeficiente capital-

trabalho, ou, se o faz, seus efeitos negativos sobre o excedente a ser investido podem ser

impedidos por um aumento adequado do excedente subtraído à força de trabalho. A

possibilidade de compensar os efeitos da baixa da relação produto-capital sobre a taxa de

crescimento dependerá desse excedente se transformar ou não em investimento

(TAVARES; SERRA, 1983 [1972], p. 165-166).

Em síntese, o que estes autores defendiam é que o capitalismo brasileiro, tal como se

organizava naquela quadra do século passado, não enfrentava constrangimentos de ordem

econômica para a sua expansão, ainda que a concentração da renda e a pobreza devessem ser

combatidas por uma questão de justiça social, convém ressaltar.

Com efeito, para os propósitos deste capítulo, o que é essencial para a compreensão das

relações entre mercado de trabalho e subdesenvolvimento é que a concentração “tridimensional”

dos frutos do progresso técnico17 impõe ao capitalismo periférico uma “insuficiência dinâmica”,

expressa pela incapacidade crônica do seu aparelho produtivo em absorver genuinamente a força

de trabalho disponível, ou seja, em camadas técnicas de produtividade elevada, e, ao mesmo

tempo, promover padrões de desigualdade de renda mais igualitários.

Um processo de acumulação de capital problemático, aliado a uma frágil regulação do

mercado de trabalho e a ausência de reformas civilizatórias do capitalismo (como as reformas

17 A referida concentração resultou do perfil assumido pelos gastos públicos nos países periféricos; das políticas econômica e

social implementadas, notadamente a de comércio exterior e tributária; e, por fim, das relações estabelecidas entre e dentro de

cada um dos polos do sistema, o capitalista e o subdesenvolvido. Para maiores detalhes, ver Pinto (1965; 1979).

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agrária e social), alimentavam uma absorção espúria ou regressiva de mão de obra, ou seja,

realizadas em setores de baixíssima produtividade e remuneração, cuja dinâmica era ditada, na

maior parte dos casos, pela própria oferta de trabalho, guiada pela necessidade de viabilizar

formas de sobrevivência alternativas ao assalariamento.

Inicialmente, convém destacar os aspectos estruturais que contribuíram para uma

reprodução contínua e em grandes proporções dos aludidos fenômenos do desemprego e do

subemprego, ou seja, para a insuficiência dinâmica do capitalismo periférico.

Em primeiro lugar, é preciso fazer referência às teses que advogavam que as economias

subdesenvolvidas encontravam-se enredadas em um círculo vicioso formado por baixos níveis de

produtividade do trabalho, escassez de poupança e grau insuficiente de acumulação de capital. Ou

seja, a exígua acumulação de capital não permitia uma elevação mais substantiva da

produtividade do trabalho, o que, por sua vez, inviabilizava a formação da poupança necessária

para financiar, e aqui o círculo se completa, uma maior acumulação de capital.

A baixa propensão a poupar e, por consequência, a debilidade do processo de acumulação

de capital, vincular-se-ia, ademais, à presença, na periferia, de uma “sociedade privilegiada de

consumo”. Vale dizer, a mimetização de padrões de consumo e do estilo de vida típicos de

sociedades industriais avançadas exigiria, de um lado, uma alocação de uma parte expressiva do

excedente econômico para a satisfação de necessidades ligadas aos referidos padrão de consumo

e estilo de vida18; de outro lado, e com o mesmo intuito, uma crescente importação de bens de

consumo “supérfluos”, aumentando a rigidez da pauta de importações e dificultando o acesso aos

bens de capital fabricados no exterior.

Algumas qualificações precisam ser feitas a respeito desta linha de raciocínio com vistas à

construção de um ponto de vista que se considera mais adequado à interpretação da realidade dos

países capitalistas subdesenvolvidos. Em primeiro lugar, é preciso salientar que, ao menos em

economias em desenvolvimento que alcançaram padrões avançados de industrialização, o

potencial de poupança interna mostra-se crescente (TAVARES, 1983 [1967]). Assim sendo, o

fundamental, nesses casos, não é a geração de um montante pré-determinado de poupança ex-

ante, visão que parte de uma concepção smithiana das relações poupança-investimento, mas sim

18 “As funções de consumo dos diferentes países relacionam-se mutuamente em certo grau e de maneira semelhante. Também no

plano internacional o contato e o conhecimento de esquemas de consumo superiores dão asas à imaginação, criando novas

necessidades. [...] A tentação de copiar os padrões de consumo americanos tende a limitar a oferta de fundos para investimento”

(NURKSE, 2010 [1953], p. 285).

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como mobilizar e realizar a poupança gerada por meio de uma estrutura financeira adequada, que

transfira os recursos dos setores superavitários para os deficitários, ou ainda, para os setores mais

dinâmicos.

As conexões entre alta propensão a consumir das elites e acumulação de capital tal qual

apresentada anteriormente também merecem alguns reparos. Conforme sugere Carlos Aguiar de

Medeiros (1992), é a falta de instrumentos eficazes de mobilização da poupança gerada, leia-se,

mecanismos tributários e de intermediação financeira adequados, que inibe os investimentos e

permite a reprodução de uma “sociedade privilegiada de consumo”. O problema repousa,

portanto, no primeiro aspecto mencionado e não no “consumismo” das elites periféricas. De mais

a mais, o que se quer enfatizar e se julga fundamental é que o desenvolvimento periférico

encontra obstáculos importantes no que se refere ao financiamento da acumulação de capital.

Em segundo lugar, cumpre destacar que as leis que regiam as relações comerciais

internacionais entre centros e periferia atuavam no sentido de subtrair uma parte do excedente

deste último em benefício dos primeiros, enfraquecendo, uma vez mais, o ritmo do

desenvolvimento periférico, conforme foi apresentado na seção anterior, o que torna

desnecessárias considerações adicionais.

Em suma, é importante notar que o processo de acumulação de capital não era aproveitado

em toda a sua extensão o que favoreceria, na periferia, a perpetuação de níveis de desemprego e

de subemprego sem paralelo nos países de capitalismo avançado19.

Somam-se a isto os problemas de ordem tecnológica aos quais são submetidos os países de

industrialização retardatária. Se, por um lado, tais países beneficiaram-se de uma tecnologia já

desenvolvida e, portanto, “disponível”, por outro lado, eles se defrontaram com um paradigma

tecnológico concebido pelos países centrais e, dessa forma, afinado com a dotação de fatores

prevalecente nessas economias, vale lembrar, marcada pela abundancia do fator capital e pela

escassez de mão de obra.

Assim, historicamente, os métodos produtivos capitalistas, que incorporam a tecnologia

moderna, evoluíram com o intuito de poupar mão de obra, trazendo consigo uma elevação da

19 Eric Hobsbawm (1969) demonstra que a presença do subemprego em grande escala é uma característica comum às experiências

nacionais de desenvolvimento capitalista. O que difere centros e periferia, nesse sentido, é que nos primeiros o aludido fenômeno

foi transitório, ao passo que no último o subemprego assumiu um caráter permanente. A título ilustrativo, Vítor Tokman (1982)

observa que, enquanto na América Latina, entre 1950 e 1980, o setor informal urbano pouco diminuiu (passou de 30,5% para

29,8%); nos Estados Unidos o peso deste setor na economia decresceu de forma muito mais intensa entre 1900 e 1920, período de

similar transição ocupacional, variando de 33,6% para 20,2%.

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densidade de capital por pessoa ocupada e uma relativa homogeneização desta densidade entre os

diversos segmentos econômicos. Ademais, tais métodos de produção terminaram por estabelecer,

em termos de função de produção microeconômica, uma combinação rígida dos fatores, ao

mesmo tempo que foi crescentemente se moldando a processos produtivos de grande escala.

Quando, porém, ocorre a integração tardia dos países periféricos ao sistema capitalista, o

transplante destes métodos produtivos se defronta com uma realidade totalmente distinta,

marcada, de um lado, por uma dotação de fatores bastante diferente (ampla oferta de mão de obra

e escassez de capital) e, de outro, por mercados nacionais de amplitude bastante reduzida, o que

gera capacidade produtiva ociosa e, consequentemente, penaliza o ritmo de acumulação de

capital.

Diante dessa realidade e tendo em conta a natureza do progresso tecnológico e o seu caráter

irreversível, não havia alternativa à periferia senão acelerar o processo de acumulação de capital

tanto quanto fosse necessário para absorver produtivamente a mão de obra disponível20.

Ademais, a incorporação e a difusão do progresso técnico advindas com a industrialização

promoveram, assim como nos países de capitalismo desenvolvido, um amplo desemprego

tecnológico. No entanto, a ausência na periferia de uma indústria de bens de capital fez com que

uma parte substancial dos impulsos dinâmicos da acumulação capitalista vazasse para o exterior,

em direção aos países centrais, detentores do monopólio de fabricação dos referidos bens. Estes

países, por sua vez, conforme já explicado na seção anterior, não compensavam em um montante

adequado tais impulsos, mediante uma importação crescente de produtos agrícolas. Na periferia,

portanto, a reabsorção do desemprego gerado pelo avanço técnico se dava apenas de modo

parcial, na exata medida que os novos investimentos eram direcionados para a construção civil ou

para os poucos bens de capital que eram produzidos internamente. No que diz respeito às

economias mais avançadas da região, em particular, esta questão tornava-se cada vez menos

relevante à medida que fincavam-se as bases de uma indústria produtora de bens de capital.

20 É importante chamar a atenção para o fato de que, ao longo do desenvolvimento periférico, o aludido desequilíbrio entre

produtividade, investimentos e absorção de mão-de-obra viu-se agravado pelos seguintes aspectos: i) adoção de níveis excessivos

de proteção aduaneira, encargos sociais e impostos indiretos, o que impactava desfavoravelmente os custos de produção, ao passo

que a importação de bens de capital se submetia, muitas vezes, a baixos níveis, ou mesmo isenção, de tributos; ii) prevalência de

taxas de juros relativamente baixas em algumas operações de financiamento internacional; iii) assimetrias da política

protecionista, que comprometiam a economicidade da industrialização; iv) concentração da renda, na medida que estimulava o

consumo de produtos de indústrias de baixa intensidade do fator trabalho; v) desperdício de capital, decorrente da pouca

competitividade interna, limitando a sua produtividade e a sua utilização eficaz.

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Em síntese, a acumulação de capital em economias subdesenvolvidas se defrontava com

duas questões-chaves: uma, de ordem quantitativa, vinculava-se com o montante insuficiente de

investimentos face às necessidades de absorção da força de trabalho disponível; a outra, de ordem

qualitativa, relacionava-se com a tecnologia moderna e seu caráter dissonante em relação às

características dos países latino-americanos, marcados pela abundância do fator trabalho. Isto

significa, é importante reafirmar, que a absorção da oferta de mão de obra estava condicionada a

um esforço de acumulação na periferia muito maior do que os países desenvolvidos

empreenderam em momento histórico similar. As evidências estatísticas disponíveis, no entanto,

apontam que tal esforço levado a cabo pela América Latina não pode ser considerado pouco

significativo, ainda que as diferenças entre os países da região não sejam desprezíveis.

De acordo com Víctor Tokman (1982), entre 1950-1980, o crescimento médio anual do

produto latino-americano foi estimado em 5,5%, enquanto a taxa de investimento em relação ao

PIB atingiu a cifra de 21,5%. Comparativamente, tendo como base de referência um período

histórico semelhante em termos de transição ocupacional entre a força de trabalho agrícola e não

agrícola, os Estados Unidos registraram, respectivamente, os seguintes valores para essas

variáveis: 4,8% e 21,4%.

Ademais, no período supracitado, a América Latina experimentou um grande dinamismo

em termos de geração de ocupações não agrícolas. Muitas vezes, tal dinamismo foi equiparável

ou mesmo um pouco superior ao registrado pelos países centrais em período histórico

semelhante. Para muitos países, inclusive, tal crescimento superou o da sua própria PEA não

agrícola (situação mais evidente na Guatemala, na Venezuela e no Equador)21.

Víctor Tokman organiza os termos do debate em bases que se considera apropriadas:

La existencia de mayores diferencias de productividad a distintos niveles tiene una

implicación clara sobre la dinámica de creación de empleo. Cuesta más, en términos de

recursos, absorber a los migrantes y reconvertir el empleo informal urbano en empleo

moderno, que lo que debieron enfrentar los países desarrollados en su oportunidad. Ello

tuvo como resultado en definitiva que la absorción de empleo en los sectores modernos

urbanos, a pesar de ser muy intensa, a juzgar por la experiencia internacional, termine

siendo relativamente insuficiente para disminuir la población ocupada en el sector

informal y para provocar una reducción en el grado de heterogeneidad (TOKMAN,

1982, p. 139).

21 De acordo com Norberto García (1982), a tendência de expansão do subemprego não agrícola na América Latina explica-se

pelo fato de sua taxa de crescimento e a da PEA não agrícola incidirem sobre bases diferentes: como o emprego não agrícola era o

equivalente a dois terços da sua respectiva PEA, o incremento absoluto do primeiro apresentava-se num patamar inferior ao

registrado pela segunda, não obstante os aumentos relativos apresentarem um comportamento diverso.

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Assim, é possível concluir que, apesar de significativos esforços de acumulação e uma

geração expressiva de postos de trabalho, estes foram insuficientes para que o subemprego

assumisse um caráter marginal nas sociedades latino-americanas, privando o seu processo de

desenvolvimento de uma suficiência dinâmica semelhante ao vivenciado pelos países de

capitalismo avançado.

Isto porque os países subdesenvolvidos se defrontaram, ao longo do seu processo de

desenvolvimento, com uma taxa de crescimento populacional bastante elevada, tendo-se em

conta as verificadas nos países de capitalismo avançado22.

Nesses termos, foi importante o papel desempenhado pelos avanços científicos no campo

médico-sanitário, que, na periferia, assim como nos centros, ampliou consideravelmente a

expectativa de vida da população, mas ao contrário do que se viu nestes últimos não vieram

acompanhados de uma redução na mesma intensidade da taxa de natalidade, ocasionando uma

forte expansão demográfica.

Nas áreas urbanas, o crescimento populacional viu-se impulsionado, para além das questões

ligadas ao crescimento vegetativo da população, por um intenso processo migratório proveniente

do meio rural, posto que a baixa elasticidade-renda da demanda de produtos agrícolas, a

modernização do setor primário e a estrutura da propriedade e da posse da terra (extremamente

concentrada), reduziam a capacidade de absorção de mão de obra das estruturas produtivas

agrárias23.

Ainda nesse sentido, acrescente-se o fato de que os países periféricos constituíram-se, no

final do século XIX e início do XX, em grandes receptores de trabalhadores imigrantes,

provenientes, em sua larga maioria, de países europeus e do Japão.

22 Simon Kuznets (2010 [1954]) destaca que, em sua fase pré-industrial, os países desenvolvidos registraram taxas de crescimento

populacional em torno de 10% por década, com a única exceção da Inglaterra e País de Gales, onde se assinalou um crescimento

aproximado de 15%. Nos países subdesenvolvidos, em período histórico equivalente (primeira metade do século XX), tais taxas

de crescimento ultrapassaram, para um grupo importante de países, o patamar de 20%. Países “jovens e vazios” como Estados

Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, ressalta o autor, registraram um crescimento populacional ainda mais expressivo

(35% por década na primeira metade do século XIX), porém os países subdesenvolvidos, em sua larga maioria, não podem ser

considerados apropriadamente como um território “vazio”. Estimativas semelhantes são apresentadas por Norberto García (1982).

Ademais, não se pode esquecer que a emigração internacional contrabalançou o crescimento populacional vivenciado pelos países

de capitalismo avançado, o que efetivamente não foi uma alternativa dada ao desenvolvimento periférico. 23 A estrutura agrária prevalecente na periferia latino-americana tinha no binômio latifúndio-minifúndio a sua característica

fundamental. Ocioso dizer que tal estrutura implicava em uma subutilização de recursos produtivos: no latifúndio, a subutilização

manifestava-se em termos de terra e de capital, com impactos sociais bastante adversos, uma vez que os investimentos tendiam a

orientar-se para a mecanização agrícola, ou seja, para poupar mão-de-obra; no minifúndio, por sua vez, havia uma subutilização

de mão-de-obra, cujo potencial era desperdiçado em terras de dimensões bastante exíguas. Em síntese, a estrutura agrária da

periferia constituía-se como um empecilho de grande relevância, tanto para a absorção da força de trabalho, quanto para a

expansão da oferta agrícola.

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A oferta de trabalho nos países subdesenvolvidos notabilizou-se ainda pela

incompatibilidade entre os níveis educacionais e de qualificação de uma mão de obra que, em

grande parte, era egressa de zonas rurais e, portanto, culturalmente não adaptada ao modo de vida

urbano-industrial, e as necessidades da modernização produtiva em curso. Não resta dúvida que

essa questão impunha um obstáculo não negligenciável à elevação da produtividade, uma vez que

comprometia a formação de uma classe gerencial genuína, assim como de uma oferta de trabalho

qualificado24.

É lícito reconhecer que a abordagem regulacionista fornece elementos adicionais

importantes para a compreensão da temática em discussão25. Nesta perspectiva, é possível

afirmar que os países latino-americanos não lograram êxito na implantação de um modo de

desenvolvimento capaz de estabelecer uma conexão virtuosa entre um regime de acumulação

intensiva e um consumo de massa alicerçado em uma relação salarial tipicamente fordista. Esta se

deu, nos países desenvolvidos, por meio da associação entre o trabalho e um conjunto amplo de

direitos sociais, assim como da vinculação da evolução dos salários à da produtividade,

assegurando uma garantia básica de satisfação das necessidades dos trabalhadores (estejam

empregados ou não).

Na América Latina, o consumo de bens duráveis manteve-se restrito a uma parcela

relativamente diminuta da população, possibilitada, por um lado, pela concentração extrema da

renda e, por outro lado, pela alavancagem do sistema de crédito. Ou seja, uma universalização

restrita dos direitos de cidadania, dentre os quais se inclui o direito a liberdade de organização

sindical, assim como o rebaixamento constante do poder de compra dos salários,

impossibilitaram que o trabalho se configurasse no capitalismo periférico como um vetor de

expansão da demanda, capaz de moldá-la adequadamente à oferta e, assim, assegurar o

crescimento econômico de longo prazo26.

Destarte, o capitalismo periférico não foi capaz de reunir, ou reuniu de forma incompleta,

as condições necessárias para que se estabelecesse uma relação salarial tipicamente “fordista”, tal

qual apontado por Robert Castel (1998): i) uma nítida separação entre os que trabalham efetiva e

24 “Aumentar o capital per capita é uma condição essencial, mas não única, do aumento da produtividade. A capacidade de

organizar, dirigir e administrar, por um lado, e a habilidade técnica dos trabalhadores, por outro, são fatores que se revestem

igualmente de grande importância” (CEPAL, 2000 [1951], p. 175). 25 Ver, por exemplo, Boyer (2009) e Marques-Pereira (1998). 26 “As razões de base do esgotamento da substituição das importações remetem à inadequação estrutural da oferta e da procura

globais de um regime de acumulação intensiva baseado sobre a produção de massa sem que se estabeleça paralelamente uma

ordem política instaurando um consumo de massa” (MARQUES-PEREIRA, 1998, p. 342).

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28

regularmente e os inativos ou semi-ativos, que devem ser ou excluídos do mercado de trabalho ou

integrados sob formas regulamentadas; ii) a fixação do trabalhador em seu posto de trabalho e a

racionalização do processo de trabalho no quadro de uma “gestão do tempo exata, recortada,

regulamentada”; iii) o acesso por intermédio do salário a “novas normas de consumos operários”,

através do que o próprio operário se torna usuário da produção de massa; iv) o acesso à

propriedade social e aos serviços públicos; e v) a inscrição em um direito do trabalho que

reconhece o trabalhador como membro de um coletivo dotado de um estatuto social além da

dimensão puramente individual do contrato de trabalho.

Interessante notar que, nos países desenvolvidos, o emprego público foi fundamental para

que uma situação de pleno emprego no mercado de trabalho fosse atingida, fato que ocorreu

durante os anos dourados do pós-guerra, na esteira dos processos de construção do Welfare State

nesses países27. Nesse sentido, há inclusive exemplos de países nos quais o emprego público foi o

único responsável pela criação de empregos no período em tela, como a Grã-Bretanha, a Itália e a

França (MATTOS, 2011).

É notório que nos países latino-americanos o emprego público não ganhou a importância

em termos de absorção de mão de obra alcançada pelos seus congêneres nos países

desenvolvidos, mesmo nas economias da região que mais avançaram no processo de

industrialização. Este é, sem dúvida, um dos fatores que ajudam a entender a insuficiência

dinâmica apresentada pela periferia capitalista ao longo do seu desenvolvimento.

Finalizando, convém ressaltar que a aludida heterogeneidade estrutural do capitalismo

periférico tem em sua dupla dimensão, a produtiva e a ocupacional, a sua própria razão de ser.

Em outras palavras, a uma estrutura produtiva heterogênea, expressão da coexistência de setores

de produtividade bastante díspares, emblematicamente representada pela convivência dialética

entre o “moderno” e o “arcaico”, corresponde igualmente uma estrutura ocupacional heterogênea.

Isto porque, conforme já se disse, no capitalismo periférico a força de trabalho deslocada

das atividades agrícolas, bem como a parcela proveniente do seu próprio incremento, não foi

27 “A ideia de desenvolvimento e, mais que isso, o reconhecimento de que os Estados nacionais deveriam ter papel ativo para a

promoção deste desenvolvimento consolidavam-se depois de conhecidas a realidade do pós-Guerra e a necessidade de

reconstrução europeia. Os anseios pela retomada do crescimento econômico enquanto forma de evitar crises sociais, como as

ocorridas em muitos países no entreguerras, promoveram um novo consenso, a favor de maior participação dos Estados nacionais

na condução da vida econômica e social dos países. Supunha-se que, com desenvolvimento econômico, poder-se-ia evitar a

eclosão de crises sociais como as da Grande Depressão que afetou o mundo nos anos 1920 e 1930. Era também consensual que o

cenário social da Grande Depressão, em diversos países, criou um ambiente propício a uma radicalização política que, no limite,

levou à própria eclosão da Segunda Guerra Mundial” (MATTOS, 2011, p. 11).

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29

absorvida, em sua maior parte, em camadas técnicas de produtividade e eficácia mais elevada.

Deste modo, ao migrar para as cidades, estes trabalhadores vão se inserir produtivamente em uma

gama variada de ocupações pouco organizadas, de produtividade muito baixa e mal remuneradas,

concentradas, sobretudo, nos serviços pessoais não qualificados (incluindo os serviços

domésticos), nas pequenas atividades mercantis e na indústria de base artesanal ou semi-

artesanal.

O desenvolvimento periférico, portanto, veio acompanhado do que Raúl Prebisch

caracterizou como uma “deformação” de sua estrutura ocupacional. Esta “deformação”, segundo

ele, manifestava-se em três frentes: primeiro, no fato de que a diminuição da força de trabalho

agrícola deu-se de forma muito rápida comparativamente aos países desenvolvidos; segundo, na

tendência decrescente do nível ocupacional na indústria, na construção e na mineração; e, por

último, e como contrapartida do ponto anterior, na expansão acelerada da absorção de mão de

obra pelo setor de serviços, notadamente em seus ramos de mais baixa produtividade,

caracterizando uma “terciarização espúria”, para utilizar a terminologia adotada por Aníbal

Pinto28.

Não por acaso, a literatura especializada em mercado de trabalho produziu uma gama

variada de conceitos com o intuito de lançar luz sobre este fenômeno típico do capitalismo

periférico, ainda que, muitas vezes, a partir de perspectivas distintas: Arthur Lewis (2010 [1954])

o classificou de “oferta ilimitada de mão de obra”; Alfredo Navarrete Jr. e Ifigenia M. de

Navarrete (2010 [1953]) optaram pelo termo “subemprego”; Raúl Prebisch (2000 [1963]) o

denominou de força de trabalho redundante; Lúcio Kowarick (1975), por sua vez, preferiu o

termo “marginalidade”; por fim, a Organização Internacional do Trabalho – OIT (1972) recorreu

ao conceito de “informalidade”.

Sem entrar no mérito das nuances que diferenciam ou aproximam os referidos conceitos,

cumpre ressaltar apenas que eles procuram evidenciar um traço fundamental dos mercados de

trabalho subdesenvolvidos, qual seja, a presença de uma massa de trabalhadores com

produtividade marginal bastante reduzida, no limite inexistente ou mesmo negativa, que reflete,

por sua vez, uma inserção ocupacional singular, caracterizada pelo trabalho exercido de forma

independente, pela presença de relações de trabalho arcaicas (ajuda familiar e trabalho não-

28 “El incremento de la fuerza de trabajo en los servicios, en vez de ser una resultante de la elevación del ingreso y la

diversificación correspondiente de la demanda, es fundamentalmente una expresión de la insuficiencia del crecimiento en las

actividades básicas. En suma, una forma social de disimular o repartir el desempleo” (PINTO, 1965, p. 16).

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30

remunerado); pela organização de processos produtivos baseados em tecnologias rudimentares,

quase sempre intensivas em trabalho, e que operam com escala reduzida de produção; e,

finalmente, pela frequente atuação em mercados competitivos.

1.3. O mercado de trabalho em economias subdesenvolvidas

Apesar de alguns países subdesenvolvidos terem implantado, com relativo êxito, uma

estrutura industrial moderna, dentre os quais o Brasil é seguramente um dos destaques, o mercado

de trabalho organizado em torno desta estrutura não reproduziu os traços gerais que caracterizam

o mercado de trabalho presente nos países de capitalismo desenvolvido. A explicação para tanto

não pode se furtar a considerações de ordem mais geral, que abarque as vicissitudes assumidas

pelo desenvolvimento capitalista na periferia, e nesse sentido procurou-se proceder na seção

anterior. Cabem agora, portanto, considerações adicionais que avancem e complementem a

reflexão até aqui apresentada sobre os mercados de trabalho em países subdesenvolvidos.

Antes, porém, enfatize-se uma vez mais que o desenvolvimento periférico singulariza-se

pelo caráter tardio de sua industrialização, na acepção que é dada ao termo por João Manuel

Cardoso de Mello (1998 [1982])29, o que resultou em grandes descontinuidades produtivas e no

mercado de trabalho. Assim, anota Carlos Medeiros (1992), não houve, no capitalismo periférico,

a constituição de uma dinâmica econômica e política subordinada à lógica de um sistema de

grandes empresas e da grande indústria, à semelhança do capitalismo desenvolvido.

A implantação de um sistema de grandes empresas em um ambiente externo marcado por

uma oferta abundante de mão de obra e uma insuficiência dinâmica do sistema econômico, tal

qual se encontra na periferia, moldou um estado de desequilíbrio permanente entre o papel

desempenhado pelas grandes empresas no mercado de produtos (de muita relevância) e no

mercado de trabalho (de pouca expressão). Este aspecto, ao lado dos desníveis de produtividade

bastante acentuados, são características essenciais dos mercados de trabalho dos países

subdesenvolvidos30.

Em uma perspectiva histórica, identificam-se diferentes estruturas regulatórias, que,

combinadas, moldam um padrão de regulação do trabalho e da renda. As informações presentes

29 A esse respeito, ver nota de rodapé n° 11. 30 Ver, entre outros, Baltar (2003 [1985]); Medeiros (1992) e Tavares (1981).

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31

no Quadro 1 põem em relevo estas estruturas, acentuando as características principais de cada

uma delas31.

Quadro 01

Estruturas de Regulação do Trabalho e da Renda

Mercados/Regimes salariais

e de emprego

Mercados estruturados Mercados “naturais”

Trocas políticas

1) Incerteza e exposição a

flutuações cíclicas

Baixa,

influência indireta

Alta,

influência direta

Baixa, influência

indireta

2) Sensibilidade às

flutuações políticas

Baixa

Baixa Alta

3) Influência dos sindicatos

Alta

Baixa Baixa

4) Mobilidade: mecanismos

de entrada

Baixa, mecanismos

institucionalizados

Alta, mecanismos não

institucionalizados

Baixa,

mecanismos

políticos

mecanismos de saída Baixa Alta Baixa

5) Segmentação por

características

individuais

Baixa Alta Baixa

6) Relação entre salários e

produtividade Alta Baixa Não se aplica

7) Influência da política

estatal sobre os salários Alta, mas indireta Baixa Alta e direta

Fonte: Medeiros (1992).

Destarte, observa-se que o traço de distinção fundamental entre as estruturas regulatórias é

o maior ou o menor grau de influência que o comportamento dos mercados exerce sobre a

determinação do emprego e da renda em uma dada economia nacional.

Nas economias subdesenvolvidas, a importância, em termos de ocupação, dos mercados

“naturais” e das trocas políticas é consideravelmente maior do que a dos mercados estruturados.

Segundo Carlos Medeiros:

[...] estes distintos princípios estruturantes das relações de emprego não vivem

isoladamente, mas se articulam e ainda que possuam ampla autonomia, se condicionam.

O reconhecimento de que há uma clara hierarquia – implícita na noção de resíduo

associada aos mercados das pequenas empresas, e economia informal – não elimina mas

31 As relações de reciprocidade, afirma Carlos Medeiros (1992), também se constituem como um princípio, ainda que não

mercantil, de regulação do trabalho e dos salários. Elas operam, essencialmente, em âmbito familiar ou comunitário, e

disciplinam, sobretudo, a oferta de trabalho (entrada e saída de crianças e idosos do mercado de trabalho; o estabelecimento de

canais de comunicação entre empregados e não empregados, etc.). Com o Estado de bem-estar social, caminhou-se no sentido de

uma institucionalização destas relações. Contudo, a seletividade que assume os mecanismos estatais de distribuição nos países

subdesenvolvidos tende a aproximá-las de uma lógica de “trocas políticas”, posto que o acesso aos recursos e aos empregos passa

a ser controlado pelos grupos instalados nas estruturas do Estado, de acordo com seus interesses particulares/clientelistas.

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32

supõe a constatação de que a integração nacional dos mercados de trabalho se dá a partir

da incorporação de princípios estruturantes distintos (MEDEIROS, 1992, p. 112-113).

Nesse sentido, duas questões merecem destaque: em primeiro lugar, o processo de

estruturação dos mercados de trabalho, conforme definição adotada por Carlos Medeiros (1992),

não é uma decorrência natural e automática da incorporação das tecnologias modernas, que

adviriam com a industrialização, conforme se acreditou ao longo de boa parte do século XX. No

capitalismo periférico, em verdade, as grandes empresas condicionaram e foram condicionadas

por um ambiente externo marcado pela heterogeneidade.

Em segundo lugar, a rigor, uma economia de baixos salários não é aquela que apresenta

esta característica nos segmentos desestruturados do mercado de trabalho, mas aquela que recorre

a uma combinação de diferentes estruturas de regulação do emprego e da formação dos salários,

inclusive por parte de um mesmo agente econômico.

A mencionada descontinuidade produtiva do capitalismo periférico – de natureza

tecnológica e de crescimento dos mercados – associada a uma débil regulação do mercado de

trabalho e a parcas iniciativas exitosas de reformas clássicas do capitalismo contemporâneo, abriu

espaço para a proliferação de atividades produtivas que não se valem das tecnologias e das

instituições consagradas pelo paradigma produtivo moderno. Ademais, as rápidas mudanças

estruturais que acompanharam as industrializações tardias criaram dificuldades notáveis para a

transmissão dos ganhos de produtividade aos salários, assim como para o estabelecimento de

relações de emprego mais estáveis, dados os desencontros que se estabelecem entre a dinâmica da

acumulação e a atuação dos sindicatos.

[...] a recorrência de bruscos e intensos surtos de aprofundamento da industrialização

recoloca permanentemente as condições para uma elevada rotatividade no emprego e

ausência de especialização de mão-de-obra. Em consequência, a base do mercado de

trabalho permanece ampla e não se estruturam amplos segmentos específicos. Somente

uma proporção reduzida dos postos de trabalho dá origem a uma especialização da mão-

de-obra e a uma relação de emprego com maior regularidade (BALTAR, 2003 [1985], p.

200).

Nesse cenário, o Estado assumiu um papel de crescente destaque na regulação dos salários

nas economias subdesenvolvidas, dando ensejo a um processo de “politização dos salários”

(MEDEIROS, 1992).

Conforme chama a atenção Carlos Medeiros (1992, p. 121), “a descontinuidade estrutural

significa a integração numa mesma estrutura de estratégias distintas de investimento e de uso da

força de trabalho”, o que sanciona um mercado de trabalho onde prevalece, como características

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33

estruturais, os baixos salários, a alta rotatividade nos postos de trabalho, a baixa capacidade de

regulação sindical das condições de trabalho, e a subcontratação de atividades. Em outras

palavras, molda-se um mercado de trabalho onde a definição do nível do emprego e da renda

subordina-se ao comportamento cíclico dos mercados e, por isso mesmo, aos ditames das classes

proprietárias.

Nesse contexto, os mercados internos de trabalho não encontraram o terreno adequado para

a sua ampla difusão pela estrutura produtiva do capitalismo periférico, apresentando um alcance e

uma importância marginal nestes mercados de trabalho32. Isto porque, conforme já se disse, as

grandes empresas, lócus por excelência dos mercados internos de trabalho, não desempenharam

um papel importante em termos de absorção de mão de obra nas economias aqui estudadas. Além

disso, os longos períodos de déficits democráticos e o caráter despótico que caracteriza as

relações entre capital e trabalho nestas economias dificultam sobremaneira a discussão e a

negociação da organização do trabalho nos espaços intramuros das empresas.

Ademais, essencial a esta discussão é o papel assumido pelos Estados latino-americanos na

organização dos mercados nacionais de trabalho. Por um lado, as iniciativas de governos da

região tidos como “populistas” visavam pacificar as relações de trabalho, harmonizando o

convívio entre as classes sociais. E, não custa lembrar, os códigos trabalhistas e a Justiça do

Trabalho eram instituições que buscavam, justamente, colocar na alçada do aparelho estatal a

gestão dos conflitos sociais e trabalhistas. Por outro lado, conforme alertaram Fiori, assim como

Lessa e Dain33, os Estados latino-americanos, diferentemente das experiências dos países

centrais, moldaram um sistema político com:

[...] menor capacidade de filtrar e intermediar os conflitos de interesses, conferindo

menor autonomia às burocracias estatais. Ou, por outra, o desenvolvimentismo se deu

num contexto sociopolítico em que as órbitas subordinadas do ponto de vista da

industrialização não o são do ponto de vista político (MEDEIROS, 2012, p. 72).

Daí as dificuldades históricas de, durante a industrialização, serem promovidas reformas

tributárias, agrárias, urbanas e sociais, que pudessem lidar com alguns dos problemas crônicos

dos mercados de trabalho periféricos, como o excedente estrutural de mão de obra, o alto grau de

concentração da renda e a frágil rede de proteção social ao trabalhador. De acordo com Octavio

Rodríguez:

32 Os mercados internos de trabalho serão objeto de análise mais detida no próximo capítulo. 33 Citados por Medeiros (2012).

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34

Embora o desajuste das escalas de produção em que as técnicas criadas nos países

centrais são traduzidas provoque uma subutilização dos equipamentos, concebe-se que,

em essência, são as estruturas agrária e social os elementos-chave para explicar a

tendência ao crescente subemprego e marginalização, fenômenos que se manifestam de

maneira cada vez mais aguda a partir de meados da década de 1970 (RODRÍGUEZ,

2009, p. 229-230).

Já se mencionou que o desenvolvimento periférico conviveu com taxas bastante elevadas

de crescimento demográfico e de migração rural-urbana, com poucos paralelos entre as

experiências de desenvolvimento dos países hoje considerados desenvolvidos. Ademais, viu-se

que uma parcela apreciável desse fluxo migratório em direção às áreas urbanas foi absorvida por

camadas técnicas de produtividade e eficácia bastante reduzida, muitas vezes pelos segmentos

informais da economia, denotando a insuficiência dinâmica do sistema. Importa, portanto, nesse

momento, refletir acerca do fenômeno da informalidade, assim como evidenciar a sua dinâmica e

as suas conexões com o segmento formal do mercado de trabalho dos países subdesenvolvidos,

notadamente aqueles que lograram êxito na implantação de uma estrutura industrial moderna34.

O setor informal de uma economia capitalista distingue-se pela forma de organização da

produção que lhe é característica, o que significa dizer que o conceito de informalidade parte,

originalmente, do estabelecimento produtivo como unidade de análise.

Desse ponto de vista, por informal entende-se, tradicionalmente, as atividades produtivas

realizadas por produtores independentes, ainda que possam se valer do auxílio de familiares ou de

outros ajudantes. Independência que se expressa na posse dos meios de produção, do estoque de

bens e das qualificações necessárias à realização de sua atividade, o que denota a natureza não

propriamente capitalista das atividades informais. Além disso, convém destacar os seguintes

traços presentes nessas atividades, evidenciados por diversos autores que se debruçaram, sobre o

tema:

i. A ausência de uma separação nítida entre as tarefas de gestão e de produção, sendo

ambas realizadas simultaneamente pelo produtor direto;

ii. As receitas auferidas sustentam, fundamentalmente, o consumo individual e

familiar, assim como a manutenção da atividade econômica, não sendo frequente a

acumulação;

iii. O fluxo de renda e o emprego gerados são o que guia a atividade, e não uma taxa de

retorno competitiva;

34 Ver Cacciamali (1982; 1991; 1994); OIT, (1972); Tokman (1987); e Souza (1999 [1980]).

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iv. As relações de produção e de trabalho não são impessoais ou de mercado, tendo o

produtor um amplo controle sobre as atividades dos demais participantes;

v. O trabalhador detém o conhecimento do processo de trabalho em sua globalidade,

ainda que este processo seja passível de parcelamento;

vi. A atividade produtiva enfrenta recorrentes descontinuidades ou intermitências,

dadas as características da própria atividade, do mercado de atuação ou do produtor;

vii. O mercado de bens e serviços no qual se insere a atividade informal é o que

determina a receita gerada, e não o mercado de trabalho. Este baliza a decisão de

entrar ou permanecer na informalidade, assim como molda o seu mercado

consumidor, mediante o nível dos salários e da massa salarial vigentes;

viii. A renda dos outros participantes, por sua vez, depende do mercado de atuação do

negócio, da renda auferida pelo produtor direto e pelas decisões de participação e de

remuneração por ele tomadas. Assim, em condições de excesso de oferta de mão de

obra, os membros da família estão suscetíveis a formas não explícitas de

remuneração, ao passo que os outros ajudantes sujeitam-se aos baixos rendimentos e

ao desamparo da legislação trabalhista;

ix. Por fim, as atividades informais tendem a ser invisíveis aos olhos dos órgãos

fiscalizadores, dadas as suas escalas de produção reduzidas, a sua dispersão

geográfica e a sua estreita base de renda para fins tributários.

Dito isso, convém esclarecer que o setor informal, a rigor, não deve ser confundido com os

segmentos de baixa renda do mercado de trabalho, os estratos mais pobres da sociedade, os

trabalhadores à margem dos mecanismos de proteção social, ou mesmo com o exercício de

atividades ilegais próprias da economia submersa, ainda que seja significativa a interseção

existente entre estes grupos do mercado de trabalho.

Do ponto de vista de sua dinâmica, o setor informal possui um caráter intersticial e

subordinado, no sentido de que a ocupação dos espaços econômicos pela produção informal é

subordinada à expansão do segmento verdadeiramente capitalista da economia. Ou seja, é a partir

do movimento deste último que são criados, destruídos e recriados os espaços de atuação abertos

à exploração dos primeiros35.

35 “O processo de penetração das formas tipicamente capitalistas de organização nos diferentes mercados é inexorável e pode estar

ou não associado a um maior grau de ‘eficiência econômica’ em termos microeconômicos. Muitas vezes a empresa tipicamente

capitalista destrói a pequena produção, apesar de oferecer produtos de menor qualidade e de sua ‘produtividade’ microeconômica

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Nesse sentido, no capitalismo subdesenvolvido, a dinâmica do setor informal, a sua

expansão ou retração, encontra-se associada a, pelo menos, quatro variáveis: ao movimento e à

concorrência impostas pelas empresas capitalistas; aos perfis de renda e de demanda por elas

gerados; aos movimentos da força de trabalho originados destes processos; e, por fim, ao suporte

governamental (econômico, tecnológico, financeiro, etc.) prestado às empresas capitalistas.

É importante realçar que, setorialmente, o desenvolvimento econômico traz consigo uma

tendência de acomodação da informalidade nas atividades terciárias:

[...] à medida que a produção capitalista se expande e captura os ramos de produção de

bens de consumo, tornando-se de massa, a produção informal substituta a este bem se

torna inviável. Enquanto esse movimento ocorre, o espaço produtivo para as atividades

informais se desloca, paulatinamente, para o fornecimento de serviços, mormente

aqueles destinados às unidades de consumo e aos indivíduos e ao comércio

(CACCIAMALI, 1982, p. 31).

Em termos da estrutura do emprego, isto significa que o avanço da acumulação capitalista

e, consequentemente, a destruição dos espaços econômicos destinados às formas não tipicamente

capitalistas de produção, vem acompanhado, em maior ou menor velocidade, por um aumento do

emprego em empresas capitalistas, que absorvem os trabalhadores anteriormente alocados

naqueles espaços ou forçam o seu deslocamento para outras áreas ou atividades (quando isto

ainda é possível).

Assim, a acumulação capitalista encontra nos segmentos econômicos não capitalistas, assim

como no crescimento natural da força de trabalho urbana, a mão de obra necessária à sua

expansão. Desde logo, é importante salientar que não há necessariamente um movimento

harmônico entre os processos de penetração de organizações tipicamente capitalistas no tecido

econômico e a sua absorção de mão de obra. Ao contrário, a já aludida menor dependência dos

processos produtivos com relação ao trabalho humano (em decorrência do aumento da

composição orgânica do capital), o rápido crescimento populacional e uma destruição mais

acelerada dos espaços econômicos destinados à produção não tipicamente capitalista (informal),

tendem a criar uma oferta de mão de obra superior às necessidades do núcleo capitalista da

economia. Convém salientar, nesse sentido, que também não há como assegurar de antemão que

ser também inferior. Em tais situações, a penetração da empresa capitalista justifica-se pelo poder econômico e, em consequência,

por sua capacidade de dominar o mercado” (SOUZA, 1999 [1980], p. 88, grifos do autor). Nas palavras de Maria Cristina

Cacciamali: “[...] à medida que o mercado se amplia e a tecnologia imprime níveis de produtividade social que permite a

exploração dos mercados ocupados em bases capitalistas, a produção informal é deslocada e, não obrigatoriamente, extingue-se.

O movimento relevante é que a produção capitalista pode vir a destruir certas atividades informais num determinado momento e

local e, simultaneamente, criar e recriar outras” (CACCIAMALI, 1982, p. 28).

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o espaço relegado à produção não capitalista seja suficiente para proporcionar um nível de renda

adequado aos seus trabalhadores36.

Porém, um excesso de oferta de mão de obra não significa uma disponibilidade automática

e ilimitada de força de trabalho. Em linguagem marxista, nem todos os trabalhadores que

compõem a superpopulação relativa integram o exército industrial de reserva, ou seja, não são

todos os trabalhadores que estão prontamente disponíveis e aptos a se incorporarem ao processo

de acumulação.

Nesses termos, não é necessário que, para atrair mão de obra, o núcleo capitalista da

economia pague um salário superior à renda obtida pelos trabalhadores em organizações mais

primitivas, isto porque:

[...] o sistema ajusta as suas necessidades de mão de obra, mediante a ordenação dos

movimentos de mão de obra e não por meio do estabelecimento de diferenças nas

remunerações. [...] o sistema é capaz de satisfazer suas necessidades com a mobilização

de trabalhadores ocupados em outras esferas produtivas, o que significa que a taxa de

salário pode situar-se em qualquer nível, não necessitando guardar relação com a

renda na economia não-capitalista. A razão é simples: os trabalhadores que se

incorporam ao exército de proletários não têm outra alternativa, no momento em que o

fazem (SOUZA, 1999 [1980], p. 96-97, grifos do autor).

Não se pretende negar, contudo, a existência de uma pressão, ainda que indireta, do

segmento informal do mercado de trabalho para o rebaixamento dos salários no núcleo capitalista

da economia, notadamente na base deste mercado de trabalho.

Se é verdade que a mesma – as formas não tipicamente capitalistas de organização – não

exerce pressão direta sobre os salários, sua existência e magnitude aumentam os graus

de liberdade para o núcleo capitalista na busca de soluções para eventuais problemas de

escassez de mão de obra. Nestas situações, o sistema pode simplesmente “apertar o

cerco”, aumentando o ritmo em que destrói o emprego não-capitalista para incrementar o

exército industrial de reserva não mobilizado. [...] Assim, indiretamente, o tamanho do

excedente global de mão de obra é um fator a ser considerado na determinação do poder

de negociação dos trabalhadores do núcleo capitalista da economia (SOUZA, 1999

[1980], p. 98, grifos do autor).

O que esta interpretação procura destacar, portanto, em oposição às teses que advogavam a

impossibilidade da elevação da taxa de salários em um cenário de excedente de mão de obra, é a

inexistência de determinismos, até porque os trabalhadores do setor formal procuram construir

barreiras para dirimir as influências que os demais trabalhadores (desempregados e informais)

36 Isto depende do próprio tamanho do mercado, do número de trabalhadores que atuam em organizações não capitalistas, assim

como do grau de extração de excedente realizado pelo capital, normalmente na esfera da circulação.

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podem provocar sobre a taxa de salário praticada pelas empresas capitalistas. Nas palavras de

Maria da Conceição Tavares:

El desarrollo de una industria moderna e internacionalizada libera la base salarial de la

industria y de los servicios plenamente capitalistas y burocratizados, de las condiciones

de subsistencia de las masas, al imponer barreras a la entrada a los mercados de trabajo

organizados, tan severas como las que existen en los mercados de bienes (TAVARES,

1981, p. 25).

* * *

A ordem econômica capitalista sob a qual se desenvolveu a industrialização da periferia

latino-americana começou a experimentar transformações importantes ainda no final dos anos

1960, e aprofundadas sobremaneira nas duas décadas seguintes. Tais transformações impactaram

diretamente os caminhos do desenvolvimento latino-americano e, consequentemente, o

funcionamento e a configuração de seus mercados de trabalho. Com isto, os termos que vinham

balizando o debate até aquele momento foram redefinidos. Estas são as questões que nortearão as

reflexões a serem realizadas no próximo capítulo, que terá como ponto de partida uma breve

análise dos principais elementos que compuseram os chamados “anos dourados” capitalistas.

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Capítulo 2: Trabalho e Padrões de

Desenvolvimento no Capitalismo

Contemporâneo

É importante entender que a configuração do mercado de trabalho e a forma predominante

das relações de emprego nos países economicamente mais avançados foram se alterando ao longo

do tempo, à medida que o capitalismo foi se transformando e o Estado foi se metamorfoseando.

De fato, em meados do século XX, a expansão do emprego em grandes empresas e no setor

público e a regulação social do mercado de trabalho produziram um quadro bastante distinto

daquele que havia sido analisado por Marx, cem anos antes. Pode-se dizer que, durante os “anos

de ouro” do pós-guerra, a mudança na dinâmica da acumulação de capital e a capacidade do

Estado de regular a concorrência alteraram bastante os vetores que determinam o nível de

emprego e dos salários, assim como o grau de proteção oferecido aos trabalhadores. Havia a

crença de que as economias atrasadas poderiam se industrializar e, gradualmente, reproduzir um

mercado de trabalho estruturalmente semelhante.

Posteriormente, as transformações da ordem econômica mundial sob a égide da

“globalização” e o retorno do ideário liberal alteraram novamente os fundamentos estruturantes

do mercado de trabalho nos países centrais. E, mais uma vez, foram redefinidos os parâmetros

que serviam para mensurar o descompasso das estruturas existentes nos países subdesenvolvidos.

O objetivo deste capítulo é identificar os elementos responsáveis pela estruturação do

mercado de trabalho no centro do capitalismo e sua reconfiguração nas últimas três décadas e

meia, para então examinar a importância do padrão de desenvolvimento para a compreensão dos

rumos do mercado de trabalho na América Latina.

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40

2.1. Mercado de trabalho e regulação do emprego no centro do capitalismo

Em seus primórdios, na chamada etapa concorrencial, o capitalismo notabilizava-se pela

prevalência de uma estrutura produtiva composta por um elevado número de empresas de

pequeno porte, que detinha individualmente não mais do que uma parcela modesta do capital

social. Deste modo, as barreiras para o surgimento de novos capitais individuais mostravam-se

facilmente transponíveis uma vez que a tecnologia utilizada era simples, as plantas produtivas

eram de pequenas dimensões (escalas de produção reduzidas) e não se exigia um capital inicial

elevado para viabilizar novos investimentos. Nesse contexto, a livre concorrência apresentava-se

como o princípio fundamental de regulação do sistema. Sob sua tutela, disciplinavam-se as

relações entre os diferentes capitais individuais, assim como as relações entre capital e trabalho;

referendava-se a posição hegemônica do capital industrial, amalgamando os seus interesses com

os das outras frações do capital social, notadamente o capital bancário e o capital comercial; e

reestabeleciam-se, quando necessário, as condições de acumulação, mediante a irrupção de crises

periódicas (BARBOSA DE OLIVEIRA, 2003).

Nesse capitalismo concorrencial, que tem no Estado liberal a sua contraparte jurídico-

política, a reprodução socioeconômica do sistema obedecia a princípios estritamente econômicos,

ditados pela livre concorrência37. Para o mercado de trabalho, em particular, isto implicava na

subordinação dos níveis de emprego e dos salários às flutuações da oferta e da demanda por mão

de obra, ou seja, aos mecanismos dos preços de mercado. A pauperização das condições de vida

das massas foi uma consequência inevitável desse modo de regulação do sistema capitalista. A

célebre analogia entre esse processo e a figura de um “moinho satânico”, realizada por Karl

Polanyi (2000 [1944]), dá uma dimensão da gravidade do problema em questão.

Nesse sentido, as raízes das fraturas provocadas pela ascensão de uma economia de

mercado “desregulada” sobre o tecido social ligam-se, sobretudo, ao caráter “fictício” da

mercadoria trabalho e a inexistência de mecanismos de amparo aos detentores dessa mercadoria,

ou seja, os trabalhadores. De acordo com Karl Polanyi:

A ampliação do mecanismo de mercado aos componentes da indústria – trabalho, terra e

dinheiro – foi a consequência inevitável da introdução do sistema fabril numa sociedade

37 “Nem o preço, nem a oferta, nem a demanda devem ser fixados ou regulados; só terão validades as políticas e as medidas que

ajudem a assegurar a auto-regulação do mercado, criando condição para fazer do mercado o único poder organizador na esfera

econômica” (POLANYI, 2000 [1944], p. 90-91).

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41

comercial. [...] Dos três elementos, um se destaca mais: trabalho (mão-de-obra) é o

termo técnico usado para os seres humanos na medida em que não são empregadores,

mas empregados. Segue-se daí que a organização do trabalho mudaria simultaneamente

com a organização do sistema de mercado. Entretanto, como a organização do trabalho é

apenas um outro termo para as formas de vida do povo comum, isto significa que o

desenvolvimento do sistema de mercado seria acompanhado de uma mudança na

organização da própria sociedade. Seguindo este raciocínio, a sociedade humana tornara-

se um acessório do sistema econômico (POLANYI, 2000 [1944], p. 97).

A singularidade da mercadoria força de trabalho, vale dizer, coloca os seus proprietários em

uma situação estruturalmente desvantajosa no mercado de trabalho, plasmando uma inegável

assimetria de poder entre demandantes e ofertantes de trabalho, a qual se expressa com maior

intensidade num ambiente de livre concorrência. De acordo com Offe e Hinrichs (1989), tal

assimetria deve-se aos seguintes fatores: (i) ausência de controle dos trabalhadores da oferta

agregada de sua mercadoria, a força de trabalho; (ii) a alta dependência dos trabalhadores em

relação aos empregadores; e (iii) a menor flexibilidade alocativa do trabalho frente ao capital.

Na passagem do século XIX para o século XX, porém, inicia-se um processo de superação

da etapa concorrencial do capitalismo em razão da emergência de uma etapa monopolista. Vale

lembrar que, nesse momento de transição, o monopólio inglês da produção industrial encontrava-

se na berlinda com a ascensão industrial de nações concorrentes, especialmente da Alemanha, dos

Estados Unidos e da França. O livre-cambismo do comércio internacional cedia lugar, pouco a

pouco, para as práticas protecionistas. Da mesma forma, a livre concorrência ia adquirindo novos

contornos à medida que o processo de centralização de capitais avançava de forma célere. Por

fim, um novo padrão tecnológico estava sendo gestado, baseado no aço, na eletricidade, na

química pesada, nos marcos do que ficou conhecido como Segunda Revolução Industrial

(BARBOSA DE OLIVEIRA, 2003).

A centralização de capitais e a concentração do poder econômico eram açodadas, então,

pela agudização da concorrência capitalista, que, de um lado, evidenciava o papel do crédito

como motor da acumulação e, de outro, estimulava o surgimento do capital financeiro, entendido

aqui como expressão do movimento de fusão das formas parciais do capital, notadamente o

capital industrial e o bancário38.

38 A esse respeito, Hilferding (1985 [1910]) e Hobson (1983 [1894]) constituem referências obrigatórias.

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O capital financeiro eleva a um novo patamar a concorrência capitalista39. Nesse sentido,

cumpre destacar que somente em sua forma “livre” e líquida, cada vez mais centralizado, o

capital pode movimentar-se, sem amarras, em busca das melhores oportunidades de valorização,

o que termina por reafirmar, e não negar, o poder do capital industrial e comercial materializado

nos circuitos prévios de acumulação40. Dessa forma, “[...] são as grandes empresas que levam a

competição capitalista à sua perfeição e não as pequenas empresas do capitalismo concorrencial

clássico” (BELLUZZO, 2013, p. 102).

Trata-se agora, portanto, de um capitalismo formado por empresas com plantas produtivas

de dimensões gigantescas, altamente integradas, mecanizadas (com elevada composição orgânica

do capital, diria Marx) e burocratizadas (no sentido dado por Max Weber), que levam ao

paroxismo a concorrência capitalista. Tal configuração produtiva elevou, evidentemente, o

patamar mínimo necessário de capital para realizar os investimentos, assim como o montante de

capital imobilizado (erguendo-se elevadas barreiras à entrada e à saída), o que restringiu

sobremaneira o surgimento de novos capitais. As inovações, por essa via, passaram a ser

resultado de ações de planejamento e pesquisa empresariais, e não mais de iniciativas de

empresários individuais. Ademais, além de requerer a revolução constante da base técnica e a

ampliação dos mercados, a dinâmica capitalista passou a impor uma organização científica da

produção e novos métodos para disciplinar a força de trabalho.

O avançar do século XX consolidou as bases do chamado capitalismo monopolista, em

meio à emergência de uma nova potência hegemônica41, a qual deu forma a um novo sistema

39 A discussão sobre concorrência e crédito a partir de uma visão marxiana tem por referência as reflexões de

Belluzzo (2013). 40 “A mobilização dos capitais impulsionada pelo sistema de crédito se transforma em uma força do capital industrial

na medida em que promove a supressão das barreiras tecnológicas e de mercado, nascidas do próprio processo de

concentração – em particular daquelas que decorrem do aumento das escalas de produção, com imobilização

crescente de grandes massas de capital fixo. As instituições financeiras que participam da constituição e gestão das

grandes empresas ao estimular a ‘concorrência’ promovem a centralização do capital e, portanto, reforçam o caráter

monopolista dos empreendimentos capitalistas. Na verdade, ao estimular a conquista de novos mercados, provocam

o acirramento da concorrência entre blocos de capital e impulsionam a internacionalização crescente da concorrência

capitalista” (BELLUZZO, 2013, p. 96). 41 A hegemonia norte-americana, conforme chamou a atenção Furtado (1987), esteve baseada, no campo político, no

seu enorme poderio militar. Ademais, tal hegemonia apoiava-se na sua supremacia econômica evidenciada, entre

outros aspectos, pela abundante disponibilidade de recursos naturais, pelo controle por parte de suas empresas de

fontes de matérias primas no exterior e pelo estágio avançado no qual se encontrava a acumulação de capital naquele

país. Por fim, mostrava-se essencial para o exercício da hegemonia norte-americana a sua posição-chave no sistema

monetário internacional do pós-guerra e o seu papel de detentor da moeda reserva deste sistema.

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econômico internacional e reforçou uma lógica global de expansão de grandes empresas, cujo

núcleo decisório estava instalado nos Estados Unidos e em alguns países europeus.

As duas Guerras mundiais, a grande depressão econômica nos anos 1930 e o sucesso do

planejamento sob a experiência soviética pressionaram os governos capitalistas a promoverem

reformas substantivas no sistema econômico com vistas a dotá-lo de um maior dinamismo e

estabilidade. Em paralelo, após o colapso do Estado liberal, foram fincadas as bases para a

construção de estruturas de proteção social capazes de assegurar um padrão mínimo de bem-estar

para as massas. Foi nesse contexto que germinaram as condições para a sustentação de taxas

elevadas de crescimento econômico42, baixas taxas de inflação, salários reais crescentes ao

compasso da produtividade e menores desigualdades sociais. A este período convencionou-se

chamar de “anos dourados” ou, como preferem os franceses, “os trintas anos gloriosos” do

capitalismo.

As mudanças no sistema monetário internacional, emanadas do Acordo de Bretton Woods,

foram fundamentais para o dinamismo econômico observado nos países desenvolvidos no

imediato pós-guerra, que teve no novo regime monetário, baseado na expansão da moeda-crédito,

um dos seus principais pilares43. Ao mesmo tempo, coibia-se a livre mobilidade dos capitais e o

recurso a desvalorizações cambiais competitivas como instrumento estímulo a aceleração

econômica.

Os “anos dourados” capitalistas basearam-se ainda no fato da economia norte-americana ter

atuado durante todo o período em tela como fonte de liquidez internacional, mediante a expansão

do déficit do seu balanço de pagamentos. Ademais, a construção de um mercado de consumo de

massas, em sintonia com a já aludida oligopolização dos mercados, permitiu a emergência de um

novo modo de desenvolvimento, denominado de fordista (BOYER, 2009).

42 As bases para a retomada do crescimento econômico no período foram dadas pelo Plano Marshall, em 1948, que significou uma

enorme injeção de liquidez na Europa ocidental. Ao ajudar a recompor os mercados internos de consumo desses países, o Plano

Marshall colaborou ainda para a expansão das filiais de empresas norte-americanas em direção ao continente europeu. De acordo

com Antônio Prado, “a reconstrução certamente foi um grande negócio. Mais de um terço das moradias estavam destruídas, mais

de 40% das fábricas, 50% das estradas e ferrovias danificadas, sistemas de energia, de água e esgoto e saúde em funcionamento

precário. Um paraíso para as empreiteiras e fornecedores de equipamentos. Os credores do momento, os EUA, forneceram os

recursos para a empreitada. A Alemanha ocupada foi tratada de forma diferente do que ocorrera na I Guerra, nada de reparações

de guerra, tinha que voltar a se integrar ao mercado capitalista e rapidamente. O Plano Marshall envolve recursos de US$ 13

bilhões da época, US$ 130 bilhões em valores atuais de 2006. Nada mal” (PRADO, 2007, p. 50-51). 43 “O regime monetário que foi superado (padrão ouro) apresentava restrições à expansão da capacidade de produção e ao

crescimento econômico sustentado e duradouro. Ao limitar a expansão da oferta de crédito e a emissão de moeda a uma reserva

em espécie previamente estabelecida, o padrão-ouro mostrava-se incapaz de impulsionar a demanda agregada em momentos de

crise, muitas vezes até aprofundando-a, pois, sob suas regras, o ajuste macroeconômico dos países ocorria via enxugamento da

liquidez” (MATTOS, 2001, p. 22).

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Nesse sentido, as negociações coletivas tiveram um papel muito importante, ao permitirem

que os salários acompanhassem os ganhos de produtividade e, assim, se difundisse uma norma de

consumo fordista, centrada em bens de consumo duráveis. As negociações coletivas, vale dizer,

ainda davam maior segurança aos empresários, seja por que as decisões de investimentos eram

tomadas em um ambiente de consumo aquecido e sustentável, seja por que o planejamento de

longo prazo podia contar com uma evolução dos custos salariais, de certa forma, previsível.

O novo status adquirido pelas políticas sociais durante os “anos dourados” capitalistas

também atuou em prol da emergência e da consolidação de uma norma de consumo fordista. Para

tanto, foi necessário o surgimento de um fundo público que, de um lado, atendia as necessidades

da acumulação de capital, e, de outro, auxiliava a reprodução da força de trabalho, mediante a

expansão e a institucionalização dos gastos sociais, no âmbito do que se convencionou chamar de

Estado de bem-estar social44.

Neste último sentido, o fundo público serviu de esteio para a construção de estruturas de

proteção social nos países desenvolvidos sem paralelos históricos, que partia do reconhecimento

da aludida singularidade da mercadoria força de trabalho e, em consequência, da posição

desfavorável dos trabalhadores nas sociedades capitalistas. As políticas sociais, doravante,

deixam de ser tratadas no campo da “assistência” e passam ao campo dos “direitos”. Ao mesmo

tempo, o trabalho assalariado passa a representar o elemento central da identidade social nas

sociedades aqui consideradas.

A reformulação da questão social vai consistir não em abolir a oposição proprietário-não

proprietário, mas em defini-la, isto é, em justapor à propriedade privada um outro tipo de

propriedade, a propriedade social, de modo que se possa continuar fora da propriedade

privada sem estar privado de seguridade. [...] Seguridade e trabalho vão tornar-se

substancialmente ligados porque, numa sociedade que se reorganiza em torno da

condição de assalariado, é o estatuto conferido ao trabalho que produz o homólogo

moderno das proteções tradicionalmente asseguradas pela propriedade (CASTEL, 1998,

p. 386-387, grifos do autor).

O Estado de bem-estar social era de fundamental importância para a dinâmica econômica e

do mercado de trabalho dos países desenvolvidos no pós-guerra em pelo menos quatro sentidos:

primeiro, ao funcionar como uma espécie de salário indireto, liberando espaços nos orçamentos

familiares para a aquisição de bens de consumo duráveis (que se valiam ainda da ampla oferta de

44 Este raciocínio foi originalmente formulado por Francisco de Oliveira (1988). De acordo com este autor, o ineditismo deste

momento histórico reside no fato de que “[...] o fundo público é agora um ex-ante das condições de reprodução de cada capital

particular e das condições de vida, em lugar de seu caráter ex-post típico do capitalismo concorrencial” (OLIVEIRA, 1988, p. 9).

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crédito)45; em segundo lugar, ao operar como estabilizador automático do crescimento

econômico, sustentando o emprego e a renda nos períodos de menor dinamismo; em terceiro

lugar, conforme já se mencionou no capítulo anterior, ao se posicionar como um ator importante

em termos de absorção de mão de obra, através do emprego público46; por fim, e em quarto lugar,

ao nivelar socialmente as condições de entrada dos indivíduos no mercado de trabalho, tornando-

o mais homogêneo. De acordo com Carlos Medeiros (1992, p. 142-143, grifos do autor):

[...] o enfrentamento público às condições sociais prévias ao ingresso no mercado de

trabalho constituiu, na experiência do capitalismo avançado, o mecanismo essencial de

“regulação à pobreza”. Com efeito, toda a experiência de integração social e

redistribuição de renda e riqueza quer reformista, quer revolucionária, atuou

precisamente na nivelação das oportunidades previamente à inserção no mercado de

trabalho. A extensão da cidadania, o acesso aos bens públicos, à casa, à educação, etc.,

permitiram, juntamente com as leis sobre o trabalho do menor e contra as discriminações

às minorias, aumentar o poder estratégico dos grupos sociais e dos indivíduos no

mercado de trabalho. Supor que as reduções das desigualdades e heterogeneidades seja

um resultado passivo da “integração no mercado de trabalho” significa atribuir a este um

fator de homogeneização social; resultado, linear, da integração produtiva. [...] Neste

sentido, foi a intervenção sobre as condições de vida da não-PEA que se atuou sobre a

PEA, sobretudo em seus “grupos-problemas”.

As observações de Antônio Prado (2007, p. 179) vão na mesma direção:

A igualdade tem um sentido? Sim, a emancipação e a plena realização do ser humano

em suas potencialidades. Pode o mercado de trabalho, em si, ser o elemento catalisador

dessa possibilidade? Não, a igualdade é uma construção política e só pode ser construída

a partir e além desse espaço. As conquistas amplas dos trabalhadores sempre ocorreram

a partir da luta política. E também as conquistas dos discriminados, explorados,

rebaixados e excluídos do mercado de trabalho, como as mulheres, os negros.

Nesse estágio do desenvolvimento capitalista, os Estados nacionais dos países

desenvolvidos já haviam ampliado, e muito, os seus raios de atuação para além daqueles

delineados pelo Liberalismo. Tornava-se, então, imperiosa a adoção do planejamento como

instrumento de gestão de políticas públicas, notadamente as sociais, articulando-as entre si e

também com as necessidades mais amplas do desenvolvimento nacional47.

45 “O crescimento do salário indireto, nas proporções assinaladas, transformou-se em liberação do salário direto ou da renda

domiciliar disponível para alimentar o consumo de massa. O crescimento dos mercados, especialmente do de bens de consumo

duráveis, teve, portanto, como uma de suas alavancas importantes, o comportamento já assinalado das despesas sociais públicas

ou do salário indireto” (OLIVEIRA, 1988, p. 10). 46 A esse respeito, ver Mattos (2011). 47 “A proteção social é uma inevitabilidade na ordem social capitalista? Sem dúvida, principalmente se considerarmos que a

democracia parlamentar é instituição integrante dessa ordem. A ampliação do direito de voto é acompanhada por políticas em

defesa de grupos específicos. [...] Mas podemos ainda estabelecer que esta inevitabilidade é estrutural das economias industriais.

A luta política e a militância estabelecem o ritmo, a abrangência e a qualidade da proteção social, mas ela, em essência, decorre

do sistema industrial” (PRADO, 2007, p. 154).

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A aludida coordenação do desenvolvimento econômico tinha como objetivo principal o

alcance e a manutenção de uma situação de pleno emprego da população economicamente

ativa48. Para tanto, foram mobilizadas diversas políticas governamentais, inclusive as políticas

macroeconômicas. Estas, arejadas pelas ideias keynesianas, foram orientadas no sentido de

manipular a demanda agregada, elevar os investimentos e os gastos públicos49, e, assim, acelerar

o crescimento e controlar os ciclos econômicos, suavizando-os50.

No âmbito da organização da produção (e do trabalho), consolidou-se nesse período o

paradigma taylorista-fordista, que, de acordo com Thomas Gounet (1999), se apoiava em cinco

transformações principais: i) produção em massa, possibilitada pela extrema racionalização das

tarefas e, consequentemente, por uma queda dos custos de produção; ii) parcelamento das tarefas

à tradição taylorista; iii) estabelecimento de uma linha de montagem, responsável pela

interligação dos trabalhos individuais e pelo controle da gerência do ritmo de produção; iv)

padronização das peças e, por tabela, a organização vertical das empresas; v) automatização da

fábrica.

O mercado de trabalho não passou incólume a todo esse processo. O sentido geral de tais

transformações apontou para a perda de importância (relativa) da regulação mercantil na

determinação do emprego e dos salários, representada, de um lado, pela constituição dos

chamados mercados internos de trabalho e, por outro, pelo maior protagonismo de sindicatos

(principalmente por meio das negociações coletivas) e do Estado na definição e no

comportamento destas variáveis.

Os mercados internos de trabalho51, conforme o próprio nome sugere, resultaram da

delimitação no âmbito das empresas das funções de precificação e de alocação da mão de obra,

antes a cargo de mercados competitivos. Erigiu-se, dessa forma, com a chancela e a participação

dos sindicatos de trabalhadores, uma escala interna de postos de trabalho, hierarquizados a partir

de parâmetros específicos (como funções, qualificações e salários), que refletia a posição que o

48 “A única forma social que pode assumir o direito de viver, para os trabalhadores, é o direito ao trabalho. É o homólogo do

direito de propriedade para os abastados” (CASTEL, 1998, p. 350, grifos do autor). 49 Nesse sentido, constituiu-se como elemento central dos gastos públicos dos países desenvolvidos no pós-guerra o crescimento

contínuo e expressivo dos orçamentos militares, que, curiosamente, não encontrava maiores objeções por parte dos neoliberais,

que se mantiveram indiferentes ao crescimento deste tipo de gasto, como bem lembra Antônio Prado (2007). 50 “De certo modo, tal determinação de manter o pleno emprego é o coroamento do Estado do Bem-Estar democrático. É

geralmente compreendido e aceito que isso implica numa decisão de utilizar até mesmo políticas radicais, se necessário, para

manter toda a força de trabalho empregada e, também, que isso torna necessária uma observação cuidadosa de todo o

desenvolvimento econômico e uma coordenação planejada de todas as diretivas econômicas” (MYRDAL, 1962, p. 83). 51 A esse respeito, Doeringer e Piore (1985 [1971]) são as referências aqui utilizadas.

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posto de trabalho ocupava na referida escala. Nesse sentido, a ascensão profissional e salarial

passou a ser condicionada por regras que disciplinavam as possibilidades de avanço da mão de

obra empregada a um posto de trabalho situado em um nível hierárquico superior. Isto significa

que os postos de trabalho compreendidos nas estruturas hierárquicas das empresas, especialmente

as de médio e grande porte, passaram a guardar uma relação tênue com o mercado geral de

trabalho.

A estabilidade das relações de trabalho constituía-se em um elemento fundante e

estruturador dos mercados internos de trabalho. Do ponto de vista dos trabalhadores, o acesso a

estes mercados representava uma maior segurança no emprego, graças ao seu insulamento frente

à competição externa, e uma ascensão profissional orientada por regras transparentes e

equitativas, pactuadas por meio de negociações locais entre as classes dirigentes e os

representantes sindicais.

Da perspectiva das empresas, os mercados internos de trabalho eram vistos como um meio

de redução de custos associados à contratação e à demissão de trabalhadores. Primeiro, conforme

já dito, porque as relações de trabalho tendiam a ser mais estáveis. Segundo, porque os

trabalhadores pertencentes aos quadros da empresa formavam uma oferta de trabalho acessível e

conhecida, o que tornava as políticas de seleção e contratação de trabalhadores mais eficientes e

menos onerosas.

Porém, mais do que isso, os mercados internos de trabalho, ao oferecerem perspectivas de

estabilidade, carreira e progressão salarial aos trabalhadores, significavam o estabelecimento de

uma estratégia de formação interna de quadros profissionais, que era concebida em estreita

sintonia com a estratégia geral de competição das empresas.

Em suma, as empresas, sobretudo as de porte mais elevado, passaram a se abastecer da

força de trabalho necessária preferencialmente por meio dos mercados internos de trabalho. O

mercado geral (ou externo) de trabalho era acionado tão somente quando era preciso preencher as

vagas consideradas “portas de entrada” para os mercados internos de trabalho ou,

secundariamente, quando havia a necessidade pontual de mão de obra que não se encontrava

disponível internamente. A balcanização do mercado de trabalho, vale dizer, era uma decorrência

inevitável desse processo52.

52 Nesse sentido, a insegurança no emprego, traço característico dos mercados externos de trabalho, era uma realidade

particularmente comum para os trabalhadores jovens, negros, mulheres e imigrantes.

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As transformações acima aludidas favoreceram o estabelecimento de conexões virtuosas

entre salários e produtividade, pavimentando o caminho para a constituição de uma “economia de

altos salários”53, tal qual se desenvolveu nos países de capitalismo avançado.

A relação entre os salários e outras condições de emprego, por um lado, e a eficiência da

mão-de-obra ou a magnitude do produto, por outro lado, é claramente uma relação de

determinação recíproca. Todo o aumento de salários, de lazer e, em geral, do padrão de

conforto aumentará a eficiência da mão-de-obra; todo o incremento da eficiência,

decorrência direta ou não dessas ou de outras causas, possibilitará o pagamento de

salários mais altos e a diminuição das horas de trabalho (HOBSON, 1983 [1894], p.

273).

Portanto, a sinergia entre salários e produtividade se estabeleceu como uma via de mão

dupla. Se, por um lado, a elevação da produtividade apresentava-se como um pré-requisito para a

expansão dos salários, por outro, também é válida a afirmação de que o aumento dos salários

atuava como um indutor do crescimento da produtividade (os salários de eficiência de concepção

marshalliana). Neste último caso, conforme observou Carlos Medeiros (1992), os salários são

determinados por critérios extra-mercados e contribuem para uma modernização produtiva das

empresas54.

Ademais, convém destacar que a diminuição da jornada de trabalho e os altos salários

mostravam-se funcionais, em termos econômicos, ao sistema capitalista tal qual ele vinha se

organizando naquela quadra do século passado55.

A liberação do tempo de trabalho mostrava-se essencial para que os trabalhadores

assumissem, no gozo do seu tempo livre, o papel de consumidores, sancionando o novo padrão

de consumo emergente, sem a qual a engrenagem do crescimento econômico capitalista tenderia

a apresentar sobressaltos. Assim sendo, “economia de altos salários” e “economia de alto

consumo” são o verso e o reverso de um mesmo processo56.

Entretanto, a discussão entre salários e produtividade não pode ater-se exclusivamente a

uma perspectiva microeconômica. Enquanto o progresso técnico capitalista se encarrega de

53 A expressão é de autoria de Hobson (1983 [1894]). 54 Esta situação parece não ser adequada às grandes empresas, sublinha Medeiros (1992), onde altos salários e baixos custos do

trabalho convivem lado a lado e as inovações tecnológicas respeitam determinantes de ordem mais geral, não tendo os preços relativos que compõem os seus custos qualquer papel relevante. Todavia, entre as empresas intensivas em mão de obra e pouco

inovadoras, a aludida cadeia de determinação salários-inovação mostra-se factível. 55 Esta afirmação não contradiz o fato de que a elevação dos salários e a redução da jornada de trabalho foram conquistas dos

trabalhadores e, portanto, processos de conteúdo eminentemente político. 56 “Uma elevação de salários, em termos de dinheiro, que afeta o padrão de vida, introduzindo certas mudanças de consumo que

requerem, para que possam produzir todo o benefício e toda a satisfação possíveis, um aumento do tempo despendido no

consumo, só pode tornar-se efetiva com uma diminuição do tempo de produção, ou seja, das horas de trabalho” (HOBSON, 1983

[1894], p. 275).

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49

rebaixar os custos do trabalho, a expansão dos salários reais depende de um custo de vida

cadente57 e do consequente deslocamento do consumo dos trabalhadores em direção aos produtos

que caracterizam a civilização industrial moderna.

Nos anos dourados do capitalismo, tal deslocamento foi possível, como já dito, graças ao

crescimento do salário indireto (representado pelas políticas sociais), à expansão do crédito

(enquanto instrumento de acesso ao capital social) e à emergência de veículos de comunicação de

massa (criação e renovação de necessidades58). Nesse sentido, convém reconhecer que:

O padrão de acumulação de pós guerra torna maduro não o capitalismo industrial, pois

esse já estava maduro desde o final do século XIX, considerando como critério de

maturidade a constituição de um departamento de produção de bens de capital que passa

a ser a expressão da causa causans da dinâmica capitalista, os gastos com investimentos;

mas sim a Sociedade do Consumo. Esta, a grande novidade histórica (PRADO, 2007, p.

158).

2.2. A reconfiguração do trabalho na ordem capitalista contemporânea

Os anos 1970 significaram um ponto de ruptura na trajetória histórica do capitalismo,

evidenciado pela reversão do quadro econômico virtuoso59 e, mais importante, pelo forte

questionamento do Estado Social e da regulação construída no pós-guerra. Com efeito, pode-se

dizer que foi naquele momento que os alicerces dos “anos dourados” ruíram frente a um conjunto

de transformações de ordem econômica, tecnológica, sociopolítica e cultural60. O capitalismo

deve a esse conjunto de transformações, que se consolidaram nas décadas seguintes, a sua

estrutura e dinâmica atuais.

Nesse sentido, o desmantelamento da ordem econômica internacional emanada das

negociações em Bretton Woods, em julho de 1944, foi de fundamental importância. As causas do

desmantelamento repousam nas contradições internas da própria institucionalidade monetário-

57 Trata-se de uma diminuição dos preços dos bens-salário, ou seja, daqueles produtos que constituem a cesta básica de consumo

do trabalhador, de acordo com o seu padrão de vida. Contempla os bens e serviços considerados de primeira necessidade como

alimentos, vestuário, habitação, transporte, saúde e educação. A definição legal de um salário mínimo, nesse sentido, tem como

intuito assegurar ao trabalhador o acesso aos referidos bens e serviços. 58 “O evangelho do consumo introduz um conceito, o da insatisfação controlada. Criar o sentimento de necessidades urgentes era

a chave. A produção de inutilidades deveria encontrar um consumidor ávido por coisas absolutamente percebidas como essenciais

para sua sobrevivência. O homem de palha deveria sentir-se soberano, condutor de seu destino e pertencendo ao seu tempo. Oh,

Lord, won’t you buy me a Mercedes Bens. Mas seria sacrificado com a perda de sentido em sua vida. Se alguma vez ela teve

algum” (PRADO, 2007, p. 36-37). 59 Expressam esta piora do quadro econômico os baixos ganhos de produtividade, o recuo dos investimentos e da taxa de lucro, a

desaceleração do crescimento econômico e a elevação da inflação e do desemprego. 60 Foge ao escopo desta tese uma consideração pormenorizada de tais transformações em todas as suas dimensões. Os textos que

serviram de apoio às reflexões apresentadas nesta seção auxiliam a compor uma visão mais completa do tema.

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financeira em questão, cuja fonte de liquidez, o déficit do balanço de pagamentos da economia

norte-americana, colocava em xeque, de forma crescente, a credibilidade do dólar e a sua

conversibilidade em ouro (conhecido como “Dilema de Triffin”). Ademais, o aludido déficit foi

alimentado pelos gastos crescentes dos americanos com a Guerra do Vietnã e pela perda de

competitividade industrial da sua economia face ao maior dinamismo apresentado pelas

indústrias alemã e japonesa, o que adicionou um componente estrutural ao déficit da balança

comercial americana (MATTOS, 2001).

Assim, em 1971, os Estados Unidos suspendem unilateralmente a conversibilidade do dólar

em ouro; dois anos mais tarde, adotam a flutuação (suja) das taxas de câmbio; e, por fim, em

1979, mais uma vez de forma unilateral, decidem pela elevação abrupta de suas taxas de juros, no

intuito de assegurar o caráter de moeda reserva do sistema internacional do dólar e reafirmar o

seu papel de potência hegemônica (movimento que ficou conhecido como “diplomacia do dólar

forte”61). Dessa forma, decreta Luiz Gonzaga Belluzzo (1995, p. 15): “se alguém desejasse

marcar uma data para a derrocada final da arquitetura de Bretton Woods teria alguma chance de

acertar, escolhendo outubro de 1979”.

No novo cenário, os demais países da OCDE passaram a implementar políticas

macroeconômicas deflacionistas para enfrentar a deterioração dos seus balanços de pagamentos,

provocada pela migração de capitais para a economia norte-americana. Adicionalmente, os dois

choques do petróleo, em 1973 e 1979, reposicionaram os custos energéticos em um patamar bem

acima do praticado desde o pós-guerra, pressionando os custos de produção das empresas e o

nível geral de preços dessas economias62. A partir de então, inaugurou-se um período de

prevalência de altas taxas de juros, forte instabilidade cambial, crescimento econômico lento e

volátil, altas taxas de desemprego e de inflação, e crises econômicas periódicas entre os países

desenvolvidos.

No plano político e ideológico, a chegada ao poder de Margaret Thatcher na Inglaterra, em

maio de 1979, e de Ronald Reagan nos Estados Unidos, em janeiro de 1981, representou o triunfo

acachapante do neoliberalismo e da sua crítica ao “consenso keynesiano” que serviu de

61 Além da diplomacia do dólar forte, os movimentos no plano estratégico-militar reafirmaram a hegemonia americana, que

modificou profundamente a hierarquia das relações internacionais (TAVARES, 1992). 62 O baixo preço do petróleo foi de fundamental importância para o caráter virtuoso da economia no pós-guerra. Eric Hobsbawm

não deixa dúvidas a esse respeito: “Um dos motivos pelos quais a Era de Ouro foi de ouro é que o preço do barril de petróleo saudita custava em média menos de dois dólares durante todo o período de 1950 a 1973, com isso tornando a energia

ridiculamente barata, e barateando-a cada vez mais” (HOBSBAWM, 1995, p. 258).

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sustentação aos “anos dourados” do capitalismo no pós-guerra. Para os neoliberais, ao almejarem

(e promoverem) um igualitarismo “desencorajador” da livre-concorrência, mediante maiores

salários e proteção social mais ampla, o Estado Social e os sindicatos ameaçavam as liberdades

individuais e o bom funcionamento do sistema capitalista (ANDERSON, 1995).

Dado o diagnóstico, a agenda política proposta era clara: restabelecer níveis “saudáveis” de

desigualdade e favorecer a atuação desimpedida de uma economia de mercado. Para tanto,

impunham-se: uma política monetária e fiscal dura, com redução dos gastos sociais; o

rompimento do poder dos sindicatos, mediante a recomposição de uma taxa “natural” de

desemprego e a repressão (violenta) de movimentos grevistas; uma reforma tributária para

revigorar a concorrência (o que significava, na prática, uma diminuição de impostos incidentes

sobre os ricos); e, finalmente, a desregulamentação dos mercados de bens e serviços e dos fluxos

de capitais e a flexibilização das relações de trabalho.

Para a América Latina, o receituário neoliberal veio chancelado por um conjunto de

agências internacionais, com destaque para o Fundo Monetário Internacional – FMI e o Banco

Mundial, e foram apresentadas como fundamentais para que os países da região retomassem o

caminho do desenvolvimento interrompido com a crise da dívida externa nos anos 1980. A estas

recomendações de políticas de corte neoliberal convencionou-se chamar de Consenso de

Washington.

No que diz respeito ao processo de desregulamentação dos mercados, convém salientar que

o processo mais “exitoso”, no sentido de que mais se avançou em direção aos objetivos

inicialmente traçados, foi o dos mercados financeiros, conduzido pelo Estado norte-americano e,

como linha auxiliar, pelo seu congênere inglês. Assim, ainda nos anos 1960, ambos os Estados

patrocinaram a criação e o fortalecimento do euromercado de dólar, constituído de forma paralela

aos sistemas financeiros nacionais. Na década seguinte, os Estados Unidos suprimiram boa parte

da legislação que disciplinava e limitava a movimentação de capitais.

Conforme assevera Luiz Gonzaga Belluzzo (1999), as medidas de liberalização dos

mercados financeiros levadas a cabo ao longo dos anos 1970 (e que prosseguiram na década

seguinte) refletem as alterações ocorridas na estrutura da riqueza capitalista e nas relações de

poder entre as classes proprietárias, manifestas (i) na maior importância da riqueza financeira no

total da riqueza capitalista; (ii) no progressivo empoderamento dos administradores privados da

massa de riqueza mobiliária na definição das formas de utilização da riqueza líquida e do crédito;

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e, finalmente, (iii) no posicionamento dos mercados financeiros liberalizados como tribunais de

julgamento das políticas econômicas nacionais.

No início dos anos 1980, a desregulamentação monetária e financeira, associada aos

processos de descompartimentalização e desintermediação dos mercados financeiros nacionais,

forneceu as bases para a constituição da chamada “mundialização financeira”, conceito que

sintetiza um movimento de transição de um regime de finanças administradas para um regime de

finanças de mercado.

A financeirização da economia foi uma decorrência direta de tais transformações. Por

financeirização, entende-se a emergência de um novo padrão sistêmico da riqueza, ou seja, de

uma forma específica de definir, gerir e realizar a riqueza capitalista (BRAGA, 2000 [1985]).

Assim, no âmbito das grandes corporações capitalistas – multisetoriais, multifuncionais e

multinacionais – as decisões relativas à valorização do capital passam a ser balizadas por um

cálculo financeiro geral que busca, em última instância, uma taxa de lucro geral. Portanto, a

função-objetivo de tais corporações incorpora e combina três dimensões distintas, a saber: as

finanças, o investimento com progresso tecnológico e a produção para os mercados interno e

externo. Em outras palavras, a acumulação financeira e a acumulação produtiva andam lado a

lado nas estratégias de valorização da riqueza.

Fica claro a partir desta definição que os limites que separam o capital industrial e o capital

bancário são bastante tênues no capitalismo contemporâneo. Em verdade, o que se manifesta é a

expansão do capital financeiro tal qual Hilferding (1985 [1910]) o conceituou ainda no início do

século XX: a união de variadas formas sociais do capital (mercantil, industrial, bancário, agrário)

em um mesmo conglomerado ou corporação, propiciada pela existência de uma holding,

possibilita maior fluidez e potencializa a acumulação de capital.

Nesse sentido, cabem referências também às transformações operadas no âmbito da

governança corporativa, uma dimensão importante do processo de financeirização. Tais

transformações dizem respeito à importância crescente que os esquemas de remuneração por

ações (stock options) adquirem na gestão de competências e recursos humanos das empresas, o

que promove uma conexão entre a gestão empresarial e os interesses dos acionistas,

“financeirizando” e impondo um “curto-prazismo”, à lógica de atuação produtiva e comercial das

empresas capitalistas. A esta forma particular de responsabilidades entre empresas, dirigentes e

acionistas convencionou-se chamar de “valor acionarial” ou “soberania acionarial”. Nessa

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perspectiva, convencionou-se que “une entreprise bien gérée est une entreprise au servisse de ses

actionnaires, l’inflation du cours boursier s’imposant comme critère ultime de réussite”

(AGLIETTA; REBÉRIOUX, 2004, p. 23).

A financeirização trouxe implicações importantes para a dinâmica macroeconômica, uma

vez que as decisões de gastos dos agentes econômicos (empresas, bancos e famílias) tendem a

subordinar-se, de forma crescente, às expectativas de enriquecimento financeiro. Luciano

Coutinho e Luiz Gonzaga Belluzzo chamaram a atenção para este fato:

A mudança na composição da riqueza provocou dois efeitos importantes para as

decisões de gasto: 1) ampliou o universo de agentes que, detendo uma parcela

importante de sua riqueza sob a forma financeira, têm necessidade de levar em conta a

variação de preços dos ativos; 2) esta ampliação do efeito riqueza implica a possibilidade

de flutuações mais violentas do consumo e do investimento. O consumo deixa de ter o

comportamento relativamente estável previsto pela função-consumo keynesiana e passa

a apresentar um componente típico das decisões de gasto dos capitalistas (COUTINHO;

BELLUZZO, 1998, p. 139).

Foi nesse contexto que se deu uma ampla e intensa reestruturação industrial. Convém ter

em mente, nesse sentido, que tal movimento não pode ser desvinculado das já mencionadas

mudanças em matéria de políticas macroeconômicas e de financeirização da economia. O novo

regime macroeconômico implicou, por um lado, em uma redefinição das condições de

financiamento do Estado63 e, por outro, em um constrangimento da rentabilidade da grande

empresa nos países desenvolvidos, levando-as a uma maior internacionalização de suas

atividades e, assim, ao acirramento da concorrência em escala global64. Em paralelo, a

financeirização tornou, conforme já dito, a gestão empresarial aprisionada a um horizonte de

curto prazo de tal forma que tornou premente uma racionalização cada vez maior da produção,

com impactos diretos sobre a organização do trabalho nos espaços intramuros das firmas, aspecto

a ser tratado adiante.

A globalização do final do século XX não pode ser vista como um mero prolongamento de

tendências manifestas em períodos anteriores, ainda que, em essência, esse processo possa ser

caracterizado como uma ampliação do comércio mundial e uma maior integração dos mercados

nacionais, estimuladas pela queda de barreiras tarifárias e não tarifárias às transações comerciais

e pelas inovações tecnológicas ligadas ao “complexo eletrônico” (COUTINHO, 1992; 1995).

63 O cenário econômico recessivo provocou uma deterioração expressiva das finanças públicas, com déficits crescentes associados

a uma queda da arrecadação e ao aumento da dívida pública. 64 Opções mais estreitas de valorização de capital na esfera produtiva também serviram de combustível para a financeirização da

economia.

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Assim, a empresa verticalizada da era fordista dá lugar a formas organizacionais em rede,

ao passo que suas cadeias de valor são reposicionadas em escala global, mediante estratégias

complexas de integração de processos produtivos sediados em diversos países65. A tendência, no

entanto, manifesta-se de forma bastante desigual: as atividades de menor valor agregado, como as

tarefas de montagem de produtos eletrônicos e de fabricação de têxteis, são transferidas para os

países periféricos, que apresentam custos mais baixos de mão de obra, ao passo que as atividades

de maior valor agregado, normalmente as de concepção e design de produtos e a definição de

estratégias de comercialização, permanecem nos centros capitalistas.

São nessas circunstâncias que a China emerge como a “grande fábrica” do mundo, apoiada

em baixos custos de mão de obra e taxas de câmbio desvalorizadas, mas, também, na formação

de gigantescos distritos industriais e nos ganhos de eficiência daí derivados, na utilização

combinada de tecnologias modernas e ultrapassadas (dotando a produção de uma elevada

versatilidade) e no relacionamento estreito entre a indústria, centros de pesquisa e o Estado

chineses. Provêm da associação desse conjunto de fatores uma queda vertiginosa dos custos de

produção e, consequentemente, uma revolução no consumo de massas (CASTRO, 2012 [2008]).

A aludida ascensão industrial chinesa provocou, ao mesmo tempo, uma elevação

exponencial da demanda por matérias-primas e energia, o que levou a uma elevação dos preços

desses produtos e a uma ampliação das relações comerciais da China com a periferia do sistema

exportadora destes produtos. De acordo com Luiz Gonzaga Belluzzo (2013, p. 131-132), “o bloco

industrializado da Ásia, articulado em torno da China, funcionou e ainda funciona como uma

engrenagem de transmissão entre a demanda gerada nos países centrais e a oferta das economias

‘exportadoras de recursos naturais’”.

Ademais, convém chamar a atenção para o fato de que a afirmação da China como um

novo polo de valorização da riqueza capitalista, associada aos processos de desregulamentação

dos mercados, trouxe consigo uma pressão adicional sobre o padrão salarial e o sistema de

proteção social vigente nos países desenvolvidos. Isto porque o padrão de produção chinês foi

alçado à condição de “paradigma produtivo”, “condição de sobrevivência” para as indústrias

65 “Complex integration strategy is based upon a firm’s ability to shift production or supply to wherever it is most profitable.

Under complex integration, any affiliate operating anywhere may perform, either by itself or with other affiliates or the parent

firm, functions for the firm as a whole. Each operation is judge in terms of its contribution to the entire value chain. Complex

integration requires a willingness to locate various functional activities – not just production, but also research and development,

finance, accounting, etc. – wherever they can be done best to fulfill the firm’s overall strategy” (UNCTAD, 1993, p. 121, grifos

do autor). De acordo com este relatório, os avanços no campo da tecnologia da informação, a convergência dos padrões nacionais

de consumo e a intensificação da concorrência explicam o surgimento de estratégias complexas de integração produtiva.

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instaladas em outros países, alimentando uma onda de reformas trabalhistas e sociais pelo mundo

ocidental, fenômeno que Marx já havia antecipado em O capital66.

Em um primeiro momento, os países desenvolvidos não demonstraram maiores

preocupações com o deslocamento da produção manufatureira em direção aos países asiáticos,

especialmente à China. As teorias laudatórias da “nova economia”, que enalteciam os benefícios

de uma economia “pós-industrial” baseada nos serviços davam suporte a esta reação67.

Diante desse cenário, torna-se evidente que a organização fordista do espaço produtivo e do

trabalho mostrava-se cada vez mais contraproducente68. Era fundamental, nesse sentido, “pensar

pelo avesso” o fordismo69, invertendo a relação de determinação causal entre produção e

consumo. Nesses termos, não existia mais espaço, em um cenário econômico instável, de

competição acirrada e de demanda hesitante, para condescendências com a formação excessiva

de estoques e de tempos mortos ao longo do processo produtivo (o que tornava premente a

organização just-in-time do espaço produtivo e a intensificação do processo de trabalho). Assim,

dissemina-se pelo Ocidente, ainda que sujeito a adaptações nacionais, a influência do modelo

japonês de produção que, como adverte Thomas Gounet (1999, p. 29), pode ser sintetizado como

“um sistema de organização da produção baseado em uma reposta imediata às variações da

demanda e que exige, portanto, uma organização flexível do trabalho (inclusive dos

trabalhadores) e integrada”.

A flexibilidade produtiva e do trabalho reclamada pelo modelo japonês encontrava enormes

resistências na automação de base eletromecânica e nos sistemas nacionais de relações de

trabalho. Na verdade, a modernização tecnológica deveria vir acompanhada de uma redefinição

do arcabouço legal de regulação do trabalho (a chamada flexibilização). Assim sendo, os países

desenvolvidos promoveram reformas de diversas amplitudes em seus sistemas nacionais de

relações de trabalho que apontaram para a sua descentralização, ganhando relevância a esfera

66 “Hoje graças à concorrência do mercado mundial, desde então estabelecida, nós estamos um bom pedaço adiante. ‘Se a China’,

declara o parlamentar Stapleton a seus eleitores, ‘se tornar um grande país industrial, não vejo como a população trabalhadora

europeia poderia sustentar a luta, sem descer ao nível de seus concorrentes’ (Times, 3 de setembro de 1873) – Não mais salários

continentais, não, salários chineses, este é agora o objetivo almejado pelo capital inglês” (MARX, 1984 [1867], nota de rodapé n°

53, p. 179). 67 Esta não é a atual postura dos países desenvolvidos. Tanto os Estado Unidos, quanto a União Europeia, anunciaram nos últimos

anos políticas para revitalizar os seus parques industriais e, em alguma medida, reverter o movimento de deslocamento em direção

ao continente asiático (FIESP, 2013). 68 Inclusive, argumenta-se que a queda da produtividade verificada no ocaso dos “anos dourados” capitalistas tem a ver com o

fordismo e a indisciplina fabril resultante da confrontação a uma lógica de organização do trabalho que tolhia a iniciativa e a

dignidade dos trabalhadores. 69 A expressão é de Coriat (1994).

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negocial no âmbito da empresa (DEDECCA, 1997). Buscava-se, deste modo, uma melhor

adequação entre as inovações organizacionais de matriz japonesa e o aparato regulatório do

trabalho presente nestes países. Ao mesmo tempo, a gestação de um novo paradigma tecnológico

(o “complexo eletrônico”) no último quarto do século passado serviu de pilar de sustentação para

a redefinição em bases mais flexíveis de processos produtivos e de trabalho, suplantando o

paradigma eletromecânico. No limite, o que as empresas almejavam era uma maior liberdade de

alocação, de utilização e de remuneração da mão de obra, ao sabor dos ciclos econômicos.

O mundo do trabalho nos países de capitalismo avançado foi paulatinamente perdendo a

relativa homogeneidade que lhe foi característica no pós-guerra: a difusão do progresso técnico

passa a ser parcial, ampliando a desigualdade entre os níveis médios de produtividade do

trabalho; as conquistas obtidas pelas categorias trabalhistas melhor organizadas deixam de se

disseminar, aumentando a desigualdade associada com a segmentação do mercado de trabalho; e

proliferam situações ocupacionais, de remuneração e de proteção ao trabalho estruturalmente

heterogêneas. Houve uma crescente precarização do mercado de trabalho com o avanço de

ocupações de baixa qualificação e remuneração, normalmente associadas ao setor de serviços, e

uma proliferação de formas contratuais “flexíveis” (trabalho em tempo parcial, por tempo

determinado, a domicílio). Acrescenta-se a este quadro, o abandono do compromisso com o

pleno emprego, enquanto aumenta o desemprego de longa duração em boa parte dos países

desenvolvidos.

Além do mais, muitos destes países presenciaram o início de uma rápida e intensa trajetória

de reconcentração da renda, com os salários reais avançando de forma bastante lenta durante o

período, sobretudo naqueles países que mais seguiram à risca a agenda da desregulamentação dos

mercados empenhada pelo neoliberalismo.

A aludida deterioração dos mercados de trabalho no centro do capitalismo também resulta

de transformações políticas verificadas nos anos 1980 e 1990, que contribuíram para enfraquecer

a capacidade de regulação pública das economias nacionais, assim como para minar as bases

sobre as quais os sindicatos ergueram a sua capacidade de atuação.

Assim, pouco a pouco, o trabalho foi sendo despojado de seu papel de bastião de um padrão

mais elevado de bem estar social e, em paralelo, foi se disseminando a insegurança entre os

indivíduos inseridos no mercado de trabalho (MATTOSO, 1995). Conforme os trabalhadores em

situação vulnerável se tornavam cada vez mais numerosos, os efeitos deletérios de sua condição

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ultrapassavam as preocupações mais imediatas ligadas à sobrevivência, uma vez que, nas

sociedades modernas, a sociabilidade e a identidade social foram organizadas em torno do

trabalho. Afinal, conforme alertava Robert Castel (1998, p. 552), “não se constrói cidadania sobre

inutilidade social”.

Diante das novas tendências em curso na Europa, na América do Norte e no Japão, de um

lado, e da grave crise social e econômica nas regiões subdesenvolvidas do planeta, de outro, no

final da década de 1990, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) elegeu o direito a um

trabalho decente – “um problema capital do nosso tempo” – como o desafio que deveria

mobilizar todas as nações no início do novo milênio (OIT, 1999). A esse respeito, afirmou:

“Actualmente, la finalidad primordial de la OIT es promover oportunidades para que los hombres

y las mujeres puedan conseguir un trabajo decente y productivo en condiciones de libertad,

equidad, seguridad y dignidad humana”. Dessa forma, o conceito de trabalho decente foi

concebido como “[...] el punto de convergencia de sus cuatro objetivos estratégicos: la promoción

de los derechos fundamentales en el trabajo; el empleo; la protección social y el diálogo social”

(OIT, 1999, p. 4).

Nesse momento, quando ganhava força o discurso sobre a inevitabilidade de um

crescimento econômico sem empregos e sobre a necessidade de flexibilização das normas que

regulavam o mercado de trabalho nos países em que a proteção ao trabalhador estava mais

institucionalizada, pode-se dizer que a proposta da OIT tentava resistir à disseminação da

doutrina neoliberal70. De fato, procurava resgatar o pressuposto de que o desenvolvimento

econômico de uma nação deveria ser acompanhado de um aprimoramento da regulação social do

trabalho, do compromisso com o pleno emprego e da democratização das relações de trabalho.

Contudo, ao mesmo tempo, o novo discurso da OIT era um sintoma das mudanças em

andamento, que haviam provocado uma reconfiguração do trabalho na ordem capitalista

contemporânea e rompido o elo (cada vez mais frágil) entre desenvolvimento, pleno emprego,

salários crescendo com a produtividade e elevado padrão de proteção social. Antônio Prado

70 “A velha pergunta é inevitável. É a utopia neoliberal uma possibilidade real? Não. O neoliberalismo é um movimento

regressivo, que busca desconstruir estruturas fundamentais para a sobrevivência da ordem social capitalista. O limite da sua

exacerbação é o colapso social e econômico. Este só não ocorre porque as instituições do modo de regulação social democrata não

foram desativadas. O pragmatismo dos políticos neoliberais é mais sábio do que o fundamentalismo de seus teóricos. Evitam os

confrontos finais, recuam quando a sociedade organizada reage e retornam com sua agenda regressiva sempre que percebem a

exaustão dos movimentos. […] A desconexão do neoliberalismo com o desenvolvimento é uma tragédia. Não encontra saída

possível, pois as formações sociais desmoronam, mas não regridem” (PRADO, 2007, p. 16-17).

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aborda, com precisão, o significado da ofensiva neoliberal sobre as instituições fundantes dos

“anos dourados” capitalistas:

Podemos postular que os 30 anos gloriosos são rigorosamente a maturidade do contra-

movimento ao mercado auto-regulável. E que o neoliberalismo é meramente uma reação

ao desenvolvimento capitalista numa sociedade democrática. Os anos neoliberais são

trágicos, porque encerram uma busca sem saída. Não é possível resgatar o que nunca

existiu plenamente, exatamente porque não poderia existir sem destruir a sociedade. A

Idade de Ouro do capitalismo do século XX não é um período atípico, é o resultado de

mais de meio século do contra-movimento ao mercado auto-regulável. E sedimentou

estruturas que não são reversíveis. A tragédia está em que a vitória neoliberal conduzirá

não ao ótimo de Pareto, mas à barbárie (PRADO, 2007, p. 5-6).

2.3. Padrões de desenvolvimento e mercado de trabalho na América Latina

No final dos anos 1980, considerada como a “década perdida”, a desilusão com a

industrialização periférica era patente entre governantes, intelectuais e representantes da

sociedade latino-americana de uma forma geral. Os prometidos ganhos de bem-estar não se

concretizaram, enquanto os níveis de pobreza e de desigualdade continuaram alarmantes e cada

vez mais distantes dos padrões encontrados nos países desenvolvidos. O ritmo do crescimento

econômico, motor da mobilidade social das décadas passadas, havia desacelerado

consideravelmente, ao passo que a inflação atingira patamares inusitados mesmo para as

economias em questão.

Nesse contexto, a adoção de políticas ortodoxas foi justificada pela difusão da crença de

que as causas fundamentais dos problemas dos mercados de trabalho da região residiam nas

distorções provocadas pelas políticas econômicas do modelo de industrialização. Tais distorções,

alertavam os seus críticos, provocavam graves desincentivos à geração de empregos: (i) o viés

anti-exportador colidia com a dotação de fatores presente na região, com o que se subutilizava o

fator trabalho; (ii) o viés urbano implicava na subordinação das atividades agrícolas, mais

intensivas em mão de obra, às necessidades de geração de divisas e alimentos e insumos

industriais baratos, freando a sua expansão; (iii) o viés pró-atividades intensivas em capital

advinha do barateamento dos preços relativos deste fator, tido como necessário à modernização

produtiva; e (iv) o viés contrário à demanda por mão de obra tinha como fundamento os custos

trabalhistas não salariais, a sindicalização, o tamanho excessivo do setor público, a política de

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salário mínimo, entre outros, que contribuíam para o encarecimento do fator trabalho (WELLER,

2000).

Dado o diagnóstico, passou-se a recomendar aos países latino-americanos, sobretudo a

partir dos anos 1990, sob as diretrizes emanadas do Consenso de Washington, o completo

abandono do padrão de desenvolvimento vigente nas décadas anteriores, marcado, conforme já

analisado no capítulo anterior, por um conjunto de estratégias industrializantes deliberadamente

conduzidas pelo Estado. Desta forma, predominaram nas economias da região reformas de

orientação neoliberal: drástica abertura comercial e financeira, privatizações, desregulamentações

dos mercados e duro ajuste fiscal. Sob a ótica do mercado de trabalho, tais medidas eram vistas

como favoráveis a uma maior geração de empregos, visto que por meio delas os países latino-

americanos poderiam voltar a crescer a taxas mais elevadas, reorientar os investimentos para

atividades de uso mais intensivo em trabalho e estimular mudanças tecnológicas tendentes a uma

substituição de fatores em prol do trabalho. Ademais, as referidas reformas teriam o condão de

melhorar o perfil distributivo dessas economias (WELLER, 2000).

As análises e as recomendações de políticas produzidos pela CEPAL nos anos 1990, por

sua vez, procuraram se adequar a estes novos tempos, lançando as bases do que veio

posteriormente a se chamar de “neoestruturalismo”71. Em um cenário cuja crítica dominante, de

corte neoliberal, repousava sobre a ineficiência de uma indústria superprotegida, identificada

como a raiz dos desequilíbrios macroeconômicos que acometiam a região, a CEPAL (apoiada nas

contribuições de Fernando Fajnzylber) acentuou as suas críticas nessa direção, alertando para os

excessos de proteção concedidos à indústria ao longo das décadas passadas72. Ao mesmo tempo,

procurou reafirmar a importância de políticas proativas para o desenvolvimento latino-americano

(diferenciando-se, portanto, da crítica neoliberal). Tais excessos, afirmava a CEPAL, redundaram

na implantação de uma base industrial na qual a “maioria dos ramos manufatureiros foi se

71 Ver, a esse respeito, Rodríguez (2009) e Bielschowsky (2009). “La fórmula neoestructuralista permitió tender un puente con los

gobiernos latinoamericanos y caribeños que habían adherido a las reformas, sin abandonar la construcción analítica estructuralista

original e insistiendo en la necesidad urgente de implementar políticas de transformación social y económica para superar el

subdesarrollo, más allá del funcionamiento del libre mercado. Si para algunos ello significó rendirse al neoliberalismo, para otros

fue una alternativa que permitiría seguir incidiendo en los destinos de la región desde la perspectiva teórica y metodológica

clásica de la CEPAL” (BIELSCHOWSKY, 2009, p. 179). 72 Tal preocupação, vale dizer, sempre esteve presente nos relatórios da instituição e nos escritos de Raúl Prebisch. Em 1959, em

publicação da Organização das Nações Unidas, Prebisch afirmara: “Não cabe desconhecer o fato de que, em muitos países latino-

americanos, existem indústrias que se acostumaram com uma proteção exagerada e, em alguns casos, com um regime proibitivo,

que levou ao esquecimento da ideia da concorrência externa”. Complementa Prebisch, em defesa de uma maior integração

comercial latino-americana: “Com efeito, o mercado comum tenderá a reduzir os custos de produção e, portanto, a necessidade de

proteção contra o resto do mundo” (PREBISCH, 2011 [1959], p. 364-365).

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60

instalando com base em uma cópia grosseira das tecnologias utilizadas nos grandes centros, com

descuido do exercício da criatividade e dos processos de aprendizado exigidos pelo avanço

tecnológico posterior” (RODRÍGUEZ, 2009, p. 513).

Assim, temas como inovação e progresso técnico, educação e conhecimento, controle dos

fluxos de capitais externos e regulação das finanças, tornaram-se bastante caros para a CEPAL

nos anos 1990, como elementos constitutivos de uma estratégia de desenvolvimento que

combinasse transformação produtiva com equidade. Tais elementos eram considerados pela

instituição como fundamentais para que os países da região obtivessem uma competitividade

autêntica, ou seja, que não estivesse baseada em meras manipulações na taxa de câmbio, em

baixos salários ou em recursos naturais (todos componentes do que se considerava uma

competitividade “espúria”).

No final do século XX, portanto, havia poucas vozes dissonantes sobre a necessidade de

uma abertura das economias latino-americanas à concorrência externa, o que fomentaria,

imaginava-se, uma maior eficiência e aprendizagem tecnológica das indústrias locais, estimularia

a reinserção delas na nova divisão internacional do trabalho e diminuiria as brechas tecnológicas

e produtivas com relação aos países desenvolvidos. Entretanto, a estratégia preconizada pela

Cepal de abertura “gradual e administrada” à concorrência internacional das economias latino-

americanas sucumbiu frente à avalanche ideológica promovida pelo pensamento neoliberal na

região.

Após a desorganização econômica e financeira da década de 1980, quando as economias

latino-americanas viram-se obrigadas a realizar uma transferência de recursos reais para o

exterior, premidas pela crise da dívida e pela consequente ruptura do financiamento externo, o

que prevaleceu na região, nos anos 1990, foi uma abertura comercial abrupta, açodada por um

rápido processo de redução de barreiras tarifárias e não tarifárias, assim como pela

sobrevalorização cambial. Como consequência, assistiu-se a uma desarticulação de importantes

elos das cadeias produtivas instaladas nas economias mais avançadas da região, provocando uma

aguda regressão produtiva (redução da participação da indústria de transformação no PIB) e uma

“reprimarização” da pauta de exportações (ampliação do peso relativo de produtos agrícolas e

minerais).

Desse ponto de vista, cabe considerar ainda que a desnacionalização da estrutura produtiva

dos países latino-americanos, impulsionada por amplos programas de privatizações, aprofundou a

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alienação de centros decisórios e amplificou a remessa de lucros e dividendos ao exterior, sem ter

contribuído de forma relevante para a elevação da taxa de investimento e, conforme já se

destacou, para o crescimento da economia.

O processo de abertura econômica na América Latina, entretanto, não se restringiu à sua

dimensão produtiva. A partir dos anos 1990 promoveu-se entre essas economias uma progressiva

liberalização financeira. Primeiro, como pilar de sustentação para o equilíbrio do balanço de

pagamentos no âmbito de programas de estabilização de preços adotados pelos países da região.

Para além desse aspecto, a abertura financeira era vista como um meio de acesso facilitado ao

financiamento externo e de compartilhamento e diversificação de riscos. Ao contrário do

imaginado, porém, a consequência mais evidente desta medida foi uma ampliação vigorosa da

vulnerabilidade externa dessas economias, tornando-as dependentes de capitais de curto prazo,

extremamente voláteis, para equilibrar as suas contas externas.

A reorientação no padrão de desenvolvimento latino-americano veio acompanhada de

mudanças nos métodos de organização da produção e do trabalho, em sintonia com o que ocorria

nos países desenvolvidos. Em primeiro lugar, as empresas foram constrangidas a introduzir os

métodos em voga de organização da produção e do trabalho (e das tecnologias de base

microeletrônica) – movimento que tinha sido hesitante e pontual na década de 1980. Nesse

sentido, just-in-time, kanban, terceirização, qualidade total, polivalência do trabalhador,

tornaram-se expressões cada vez mais comuns nos discursos empresariais a partir do final do

século passado.

Em segundo lugar, ganha grande ressonância nos países latino-americanos, nos anos 1990,

os discursos em prol da flexibilização das relações de trabalho, ou seja, em favor de uma maior

liberdade empresarial na admissão e demissão, no uso e na remuneração da mão de obra,

tomando o “sucesso” norte-americano como modelo (PRONI; GOMES, 2007). Dizia-se que as

regulamentações encareceriam o preço da mão de obra da região, elevando-o acima do nível de

equilíbrio – seja diretamente (ao estabelecer um salário mínimo, por exemplo) ou indiretamente

(ao impor custos à demissão). De outro lado, as regulamentações dificultariam a capacidade de

ajuste dos mercados de trabalho latino-americanos. Como resultado, a geração de empregos na

região estaria ocorrendo abaixo do seu potencial, comprometendo a eficiência do ajuste do

mercado de trabalho, limitando a formação de capital humano e promovendo uma polarização

entre um segmento formal e outro informal (WELLER, 2000). De acordo com Lydia Fraile

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(2009, p. 250-251), “las recetas programáticas del decenio de 1990 no sólo consideraban las

instituciones principalmente desde el punto de vista de la eficiencia económica, sino que partían

del supuesto de que sólo había una manera de lograrla: la liberalización”.

Quadro 02

Medidas de Flexibilização do Mercado de Trabalho nas Décadas de 1980 e 1990

Como resposta, medidas “flexibilizadoras” dos sistemas nacionais de relações de trabalho

foram implementadas, a despeito de tais sistemas guardarem uma pálida semelhança com seus

congêneres europeus, os quais inspiraram originalmente o debate acerca da “flexibilização” do

trabalho. Tais medidas procuravam apontar para uma facilitação e uma redução dos custos de

demissão; uma desvalorização do valor do salário mínimo (e uma utilização mais cautelosa dessa

política); uma diminuição dos custos trabalhistas não salariais; relações contratuais mais

flexíveis; desregulamentação dos mecanismos de determinação dos salários e das condições de

trabalho; e, por fim, concentração das negociações trabalhistas ao nível da empresa. O Quadro

Mudanças por meio de Argentinaa

Bolívia Brasil Chileb

México Uruguai

Medidas legislativas ou públicas

Demissões mais fáceis ou mais baratas X X X

Contratos atípicos X X X X X

Redução de contribuições sociais X X X

Redução de custos com acidentes de trabalho X

Fim da indexação salarial X X X X

Retirada do Estado da negociação coletiva do

setor privadoX X X X

Descentralização da negociação coletiva X X X

Flexibilidade salarial com participação em

benefíciosX

Flexibilidade da jornada de trabalho X X X

Novas restrições aos sindicatos, às

negociações coletivas e às grevesX

Negociação coletiva

Descentralização da negociação X X X X X X

Redução da cobertura da negociação X X X X X

Flexibilidade da jornada, dos salários e

funcionalX X X X

a Houve certo retrocesso na Argentina depois de 1988, sobretudo com relação aos contratos atípicos.

Fonte: Fraile (2009).

b No Chile, a maioria das mudanças se iniciou sob o mandato de Augusto Pinochet na década de 1970 e foi codificada no Plano

Trabalhista entre 1979 e 1981. Os governos democráticos as corrigiram parcialmente na década de 1990.

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02, elaborado por Fraile (2009), sintetiza as principais medidas de flexibilização do trabalho

adotadas nas décadas de 1980 e 1990 por alguns países da região.

O choque neoliberal dado nas economias latino-americanas foi relativamente exitoso no

que toca ao controle inflacionário. Todavia, do ponto de vista da retomada do crescimento

econômico, pode-se afirmar que a experiência neoliberal foi frustrante, ainda que, em média, o

crescimento dos anos 1990 tenha superado o da década anterior, em um cenário externo pontuado

por crises.

Dessa forma, alerta Jürgen Weller (2000), as reformas econômicas neoliberais trouxeram

impactos contraditórios sobre a geração de empregos: de um lado, um crescimento econômico

ligeiramente mais positivo favoreceu uma expansão da ocupação; de outro, porém, a apreciação

das moedas e a abertura comercial tornaram o crescimento menos intensivo em mão de obra,

frustrando as expectativas iniciais a respeito das reformas.

Assim, o que se viu foi uma escalada das taxas de desemprego na América Latina. De

acordo com a OIT (2003), entre 1990 e 1995, a taxa média anual aumentou de 5,7% para 7,4%,

passando para 8,9%, em 1999. A trajetória de alta do desemprego manteve-se nos anos seguintes,

com o que foi atingido, em 2002, o patamar de 10,8%, o que significa uma taxa cerca de 90%

maior do que a vigente em 1990. Apesar de especificidades nacionais, esta foi a tendência nas

principais economias da região, com exceção do México, que ostenta a menor taxa de

desemprego da região (Gráfico 01).

Para além do aumento expressivo das taxas de desemprego, os anos 1990 e os primeiros

anos da década de 2000 testemunharam transformações importantes no mercado de trabalho da

América Latina e Caribe, que afetaram sobremaneira a sua composição setorial e a qualidade das

ocupações. Nesse sentido, atuaram destacadamente quatro processos: as privatizações, a

terciarização, a informalização e a precarização das ocupações (OIT, 2003).

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GRÁFICO 01

Taxas de Desemprego Aberto Urbano

América Latina e Países Selecionados – 1990/1995/1999/2002

Fonte: OIT (2003). Elaboração própria.

Assim, observa-se que, de cada 100 novos postos de trabalho gerados na América Latina

entre 1990 e 2002, aproximadamente 94 foram de responsabilidade do setor privado, o que reflete

a perda de importância relativa do emprego público na absorção de mão de obra e, de maneira

mais ampla, o recuo da participação do Estado na economia, em sintonia com as reformas

neoliberais adotadas no período. Além disso, a maior parte dos postos de trabalho gerados pelo

setor privado no intervalo de tempo em questão situava-se no segmento informal da economia:

estima-se que de cada 100 postos de trabalho gerados, cerca de 66 eram informais, o que ampliou

a participação deste setor de 42,8%, em 1990, para 46,5%, em 2002. Nesse sentido, Tokman

(2001) acrescenta que houve também uma transformação dentro do trabalho informal: se nos

anos 1980 a informalidade se abrigava, sobretudo, nas microempresas, nos anos 1990 ela se

manifesta mais expressivamente por meio do trabalho por conta própria. Ele adverte: “Ello

requiere de un análisis de mayor profundidad, pues la calidad de los empleos en microempresas

es mejor que la de otras ocupaciones informales, ya que permiten alcanzar ingresos que son sólo

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entre el 10 y el 20 por ciento inferiores a los que se obtendrían en los sectores modernos”.

(TOKMAN, 2001, p. 20-21)73.

Correlato a este processo de informalização, percebe-se, no período em análise, um

movimento de terciarização do emprego na região: de cada 100 novas ocupações,

aproximadamente 94 encontravam-se no setor de serviços, com o que foi ampliada a sua

importância relativa no mercado de trabalho, de 71,2%, em 1990, para 74,1%, em 2002.

GRÁFICO 02

Indicadores da Evolução da Estrutura do Emprego e da Proteção Social

América Latina e Caribe – 1990-2002

Fonte: OIT (2003). Elaboração própria.

Paralelamente, a América Latina e Caribe presenciaram uma precarização do seu mercado

de trabalho, expressa pelo aumento de trabalhadores não contribuintes da Seguridade Social e

que, portanto, encontram-se desprotegidos pelas políticas públicas. Entre 1990 e 2002, somente

44 de cada 100 postos de trabalho criados proporcionavam o acesso do trabalhador aos serviços

da Seguridade Social (Gráfico 02).

73 Para Tokman (2001), a importância crescente da informalidade, iniciada ainda nos anos 1980, marcou uma ruptura

com relação às três décadas anteriores, e foi determinada, basicamente, pela redução expressiva do emprego público

e pela queda do emprego na grande empresa.

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

Setor

privado

Setor

público

Setor

informal

Setor

formal

Setor de

bens

Setor de

serviços

Cobertura

da

seguridade

social

Sem

cobertura

da

seguridade

social

Criação de emprego

por setor (público-

privado)

Criação de emprego

por estrutura

ocupacional

Criação de emprego

por ramo de atividade

econômica

Criação de emprego

assalariado segundo

contribuição a

seguridade social

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66

Junta-se aos aspectos mencionados, o aumento das desigualdades salariais na região,

resultado dos desequilíbrios entre oferta e demanda por mão de obra, do enfraquecimento dos

sindicatos e de uma administração conservadora da política de reajuste do salário mínimo. Para

Jürgen Weller, é mais apropriado dizer que houve um crescimento polarizado do emprego na

região. Ele explica:

[...] hubo una polarización del empleo en lo que se refiere a su cantidad, debido a que

gran parte del empleo adicional se creó en categorías de trabajo caracterizadas por su

baja productividad, y debido también al surgimiento de nuevos puestos de trabajo de

calificación mediana y alta, sobre todo en el sector terciario. Se advierte, en segundo

lugar, que dos fenómenos tendieron a polarizar el empleo en lo que respecta a su

calidad: por una parte, se amplió la distancia entre empleos de mayor y menor

calificación dentro de las actividades formales […]. Por otra parte, entre las

microempresas aumentó simultáneamente el número de unidades de alta calificación

ocupacional y, con mayor fuerza, el de unidades informales (WELLER, 2000, p. 187-

188, grifos do autor).

O debate sobre a informalidade nos mercados de trabalho latino-americanos ganhou novos

contornos nas últimas décadas do século passado, a partir de contribuições que procuravam

iluminar diferentes aspectos do problema no contexto das transformações capitalistas

contemporâneas. Assim, a informalidade, tradicionalmente ligada à problemática do excedente de

mão de obra e da reprodução sui generis do capitalismo na região, passou a ser interpretada a

partir de novos (e distintos) pontos de vista: a) como um setor importante em termos de geração

de novas ocupações; b) como o resultado do excesso de rigidez da legislação trabalhista; c) como

um segmento do mercado de trabalho que reúne ocupações precárias e inseguras; d) como

consequência inexorável de um processo de transição para uma economia de serviços; e e) como

uma dimensão de um “processo de informalidade”, intimamente ligado à reorganização

econômica contemporânea (KREIN; PRONI, 2010).

Para José Dari Krein e Marcelo Proni (2010), atualmente, sobrepõem-se à concepção

tradicional de informalidade novas formas de manifestação do fenômeno, ligadas à configuração

atual do capitalismo e ao declínio do emprego fordista como paradigma de referência de relações

de trabalho. Ou seja, a flexibilização dos mercados de trabalho, a redefinição do papel do Estado

e o menor poder de regulação social do trabalho, em um contexto de deterioração do emprego,

faz com que o novo padrão de desenvolvimento traga em sua própria lógica de expansão a

reprodução da informalidade, agora sob novas formas: relações de emprego disfarçadas na figura

de Pessoa Jurídica (PJ), falsas cooperativas, trabalho informal em domicílio, relação de emprego

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triangular, falso voluntários do terceiro setor, trabalho estágio, autônomo proletarizado e

contratações por prazo ou tempo determinado seriam expressões desta “nova informalidade”74.

Nesse sentido, com vistas a uma melhor captação desta nova realidade, os instrumentos de

medição estatística da informalidade foram aprimorados, sob orientação da OIT: além do

conceito de setor informal, construído com base no tamanho das empresas e na categoria

ocupacional, com o que se contemplava os trabalhadores independentes e os trabalhadores

familiares não remunerados (entendidos como uma aproximação dos setores de baixa

produtividade), formulou-se a noção de emprego informal. Esta foi uma iniciativa que, partindo

das características dos postos de trabalho, visava captar os empregos informais abrigados pelo

setor formal.

Por outro lado, dada a dificuldade crescente de inserir o conjunto da população trabalhadora

no setor organizado em moldes capitalistas ou no setor público, foram adotadas políticas

destinadas a incentivar o empreendedorismo e a oferecer suporte técnico e financeiro para as

microempresas, procurando tirar da ilegalidade as atividades que geralmente eram classificadas

como informais. Com baixas taxas de crescimento econômico, a geração de empregos mostrava-

se claramente insuficiente, em especial para absorver os trabalhadores jovens, o que provocou

uma mudança de postura em relação ao problema da informalidade.

Convém pontuar, ademais, que, no período em análise, as economias asiáticas assumiram

um padrão de desenvolvimento distinto das economias latino-americanas, uma vez que as

primeiras foram condicionadas por uma integração diferenciada à globalização e por políticas

domésticas também distintas. Não se pode esquecer de mencionar, nesse sentido, dois outros

elementos explicativos fundamentais:

[...] à exceção das Filipinas, nos demais países, a crise financeira provocada pelo

aumento dos juros internacionais no início dos anos 1980 foi relativamente suave, ou

inexistente. Seu endividamento ou era reduzido em termos absolutos (Índia e China) ou

o era relativamente a suas exportações (Coreia do Sul, Tailândia e Indonésia). A

Indonésia, diga-se de passagem, vivia, na entrada da década de 1980, um boom

petroleiro que a protegeu da crise. O segundo elemento, válido a partir da segunda

metade dos anos 1980, foi o movimento de expansão integrada entre os países do

sudeste asiático, provocado inicialmente pela expansão da produção industrial por

74 É precisamente nesse sentido que Cacciamali (2000) propõe que a informalidade seja interpretada, nos dias de hoje, como um

processo ligado às transformações capitalistas recentes: “[...] no momento contemporâneo, tendo em vista as transformações

estruturais na produção e nas instituições que estão se manifestando no âmbito global, nas regiões e localidades, o Processo de

Informalidade deve ser associado às diferentes formas de inserção do trabalho que se originam dos processos de reformatação das

economias mundial, nacionais e locais. Essas formas, sejam elas novas, recriadas ou ampliadas, devem ser tipificadas, de tal

forma a constituírem em si mesmas categorias de análise, embora o exame sobre seu comportamento e evolução deva ser sempre

referenciado ao processo de desenvolvimento econômico, social e político em andamento” (CACCIAMALI, 2000, 164).

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capitais japoneses nos países da região e, mais tarde, pela expansão da China

(BIELSCHOWSKY, 2013a, p. 896).

Na América Latina, predominou uma inserção à nova ordem internacional com base em

uma integração financeira mais intensa, enquanto que na Ásia privilegiou-se uma integração via

fluxos de capitais (Investimentos Diretos Externos - IDEs), que foram direcionados, sobretudo,

para os investimentos na modalidade greenfields, com o que se promoveu um catching-up

produtivo-tecnológico com relação aos países desenvolvidos. Na América Latina, vale dizer, os

IDEs que para cá se dirigiram assumiram uma feição eminentemente patrimonialista

(CARNEIRO, 2007). As reflexões de Bresser-Pereira complementam a análise comparativa das

trajetórias divergentes seguidas pelos países latino-americanos e asiáticos:

Por que taxas de crescimento tão diferentes? No nível mais imediato das políticas

econômicas, o problema fundamental está relacionado à perda de controle sobre o

preço macroeconômico mais estratégico em uma economia aberta: a taxa de câmbio.

[...] Quanto às reformas, os países latino-americanos aceitaram indiscriminadamente

todas as reformas liberalizantes, privatizando de maneira irresponsável serviços públicos

monopolistas e abrindo suas contas de capital, enquanto que os asiáticos foram mais

prudentes. No entanto, foi ficando claro pra mim que a principal diferença residiria em

um fato novo e fundamental: os países latino-americanos interromperam suas revoluções

nacionais e viram suas nações se tornarem desorganizadas e perderem coesão e

autonomia; como consequência, ficaram sem uma estratégia nacional de

desenvolvimento (BRESSER PEREIRA, 2009, p. 81, grifos do autor)75.

Nos anos 2000, no entanto, foi inaugurada uma nova fase para as economias latino-

americanas, marcada por um maior crescimento econômico com relativo controle da inflação. Os

seus eixos dinamizadores estiveram assentados, de um lado, em um crescimento substancial das

exportações de produtos primários, acompanhado de uma valorização não menos expressiva dos

seus preços no cenário internacional, e, de outro, em uma demanda interna cada vez mais pujante,

capaz de alavancar consigo os investimentos na economia.

Do ponto de vista do mercado de trabalho, é possível identificar alguns avanços

importantes na região, dentre os quais, os de maior destaque são os que seguem: (i) reduções

significativas da taxa de desemprego urbano (que decresceram de 11,1%, em 2003, para 6,2%,

em 2013); (ii) melhoria na qualidade dos empregos gerados, expressa pela maior importância

relativa do emprego formalizado e, portanto, protegido socialmente (em 2000, o percentual da

75 Para uma análise mais detalhada das diferenças entre os padrões de desenvolvimento latino-americano e asiático,

tarefa que extrapola os limites deste estudo, ver, por exemplo, Bielschowsky (2013a), assim como os demais artigos

que compõe a coletânea na qual o artigo se encontra publicado.

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população ocupada urbana que gozava de proteções nos campos da saúde e/ou pensões era de

54,3%, contra 63,9%, em 2013); e (iii) diminuição das desigualdades salariais e da pobreza76.

De um modo geral, a emergência desta nova fase para as economias da região coincidiu

com o abandono das práticas e das políticas de inspiração neoliberal antes mencionadas e das

reformas trabalhistas a elas vinculadas. No que diz respeito mais diretamente ao mercado de

trabalho, a sua nova dinâmica e configuração responde a mudanças observadas, de um lado, na

estrutura econômico-produtiva, e, de outro, na institucionalidade trabalhista vigente nos países

latino-americanos (WELLER, 2014).

No tocante ao primeiro aspecto, destacam-se o maior crescimento econômico, associado ao

aumento da relação produto-emprego77, e seus impactos positivos sobre a geração de ocupações e

a redução das taxas de desemprego; a elevação da produtividade média do trabalho, que facilitou

o incremento dos salários reais e a melhora dos indicadores não salariais do emprego; o

crescimento mais elevado favoreceu ainda uma maior geração de postos de trabalho em

segmentos produtivos de média e alta produtividade, assim como o assalariamento da mão de

obra, o que contribuiu para melhorar a remuneração média do trabalho; as características dos

empregos gerados, que favoreceram em maior medida a mão de obra de qualificação mais baixa,

atuaram em prol de uma diminuição da desigualdade salarial, que se beneficiou ainda do aumento

da escolaridade da população em idade ativa e de uma menor pressão da oferta sobre os ramos de

baixa produtividade.

As mudanças na institucionalidade trabalhista, por sua vez, foram importantes, sobretudo,

para a elevação da qualidade dos postos de trabalho gerados e para a redução das desigualdades

salariais observadas no período recente. Nesse sentido, convém pontuar que, em alguns países,

houve uma melhora das condições de organização sindical, enquanto que se observou um

estancamento da tendência de queda da sindicalização. Nesse sentido, verificou-se ainda um

movimento de ampliação do espectro temático das negociações coletivas, que passaram a

76 “[...] ao comparar os resultados recentes com os registrados em torno de 2002 constatam-se melhoras distributivas na maioria

dos países da região. De 17 países considerados, o índice de Gini se reduziu a um ritmo de ao menos 1% ao ano em nove. Entre os

países que registraram as reduções mais significativas estão Argentina, Estado Plurinacional da Bolívia, Nicarágua e República

Bolivariana da Venezuela, todos com taxas anuais de redução do índice de Gini superiores a 2%. Este processo não foi

particularmente afetado pela crise econômica global iniciada em 2008” (CEPAL, 2012a, p. 21). Ainda de acordo com a CEPAL,

em 2002, a pobreza atingia, na América Latina, 43,9% das pessoas e a extrema pobreza, 19,3%. Em 2012, estes mesmos

percentuais caíram, respectivamente, para 28,1% e 11,3%. Os demais dados citados encontram-se em OIT (2013; 2014). 77 Weller (2014) informa que, durante os anos 1990, taxas de crescimento da ordem de 3,0% relacionavam-se com uma variação

da taxa de ocupação de apenas 0,1 ponto percentual. Já no período iniciado em 2003, este mesmo incremento do PIB resultou em

uma expansão de 0,3 ponto percentual da taxa de ocupação. Para ele, a menor intensidade laboral do crescimento econômico nos

anos 1990 tem a ver com as reformas trabalhistas realizadas na época, entre outros fatores.

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70

abranger os trabalhadores temporários e os domésticos. Ademais, houve refluxo dos processos de

subcontratação, ao passo que se constataram avanços nas condições de trabalho do emprego

doméstico, aproximando-o dos padrões vigentes para os demais trabalhadores.

O fortalecimento da fiscalização das condições de trabalho ampliou a efetividade da

legislação trabalhista, que veio acompanhado por medidas de incentivos à formalização do

emprego, especialmente para as micro e pequenas empresas. Além disso, em muitos países

observaram-se reformas na legislação trabalhista voltadas para a ampliação da proteção ao

emprego, em uma clara ruptura com o período anterior. Como exemplo, pode-se citar a redução

da jornada semanal de trabalho, o aumento do valor das multas de dispensas sem causa

justificada, a restrição ou a remuneração mais elevada de horas extras e a ampliação da licença

maternidade. Na mesma direção, houve iniciativas no sentido de aumentar o seguro-desemprego

e foram implementadas políticas de salário mínimo mais ativas (WELLER, 2014).

Nesse cenário, o pensamento cepalino encontrou um terreno mais propício para a sua

difusão, com o que ganharam destaque cinco novidades analíticas: um amplo balanço do

desempenho econômico e social dos países diante das reformas liberalizantes dos anos 1990; a

perspectiva de agenda para a era global; os conceitos sociopolíticos de cidadania e coesão social;

a fusão dos enfoques estruturalista e neoschumpeteriano; e a ênfase nas políticas

macroeconômicas anticíclicas diante de volatilidades financeiras (BIELSCHOWSKY, 2009).

Convém salientar que a eclosão da grave crise financeira internacional no final de 2008 –

que se irradiou a partir da economia norte-americana e, em seguida, provocou uma recessão

econômica que vem se estendendo na Europa – tornou o cenário internacional muito menos

favorável ao crescimento econômico dos países da região, revertendo o cenário de bonança até

então vigente. Ao mesmo tempo, a evolução dos preços das commodities apresentou clara

inflexão, aumentando, assim, os constrangimentos sobre o balanço de pagamentos desses países.

Todavia, do ponto de vista do mercado de trabalho e das condições de vida da população da

região, a tendência iniciada no começo dos anos 2000, e aqui descrita, não sofreu uma reversão

significativa, ainda que se apresentem inequívocos sinais de esgotamento desse processo (OIT,

2014; CEPAL, 2012a). Não obstante os mercados de trabalho latino-americanos tenham

apresentado nos últimos anos avanços de suma importância, não se pode perder de vista o fato de

que ainda se tratam de mercados de trabalho subdesenvolvidos, nos termos definidos no capítulo

anterior.

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A condição de subdesenvolvimento dos mercados de trabalho latino-americanos é

facilmente notada quando se analisa a evolução da heterogeneidade estrutural destas economias

no período recente (INFANTE, 2011). Entre 1990 e 2008, o estrato econômico de alta

produtividade aumentou a sua participação no PIB (de 31,7% para 35,4%), ao passo que a sua

contribuição para o emprego assinalou apenas uma modesta ampliação (de 12,9% para 13,9%).

Por outro lado, os estratos de média e de baixa produtividade apresentaram uma diminuição dos

seus aportes ao produto (no primeiro caso, de 39,9% para 38,9%; no segundo de 28,5% para

25,7%), enquanto as suas contribuições ao emprego variaram, respectivamente, de 42,9% para

45,2% e de 44,3% para 40,9%. Por último, porém não menos importante, os diferenciais de

produtividade entre os referidos estratos se ampliaram no período em tela, acusando a

manutenção da heterogeneidade estrutural, que, por sinal, apresentou, em 2008, um quadro mais

adverso do que o verificado na década de 196078. É importante destacar: em 2008, de cada dez

trabalhadores latino-americanos, aproximadamente quatro atuavam no estrato econômico de

baixa produtividade, cuja atividade apresentava um nível de produtividade cerca de 4,1 vezes

inferior à verificada no estrato de mais alta produtividade.

Tal situação reveste-se de grande importância pois há uma clara correlação entre níveis de

heterogeneidade estrutural e desempenho econômico e social dos países. Ensaios econométricos

realizados por Ricardo Infante (2011) indicam que níveis mais altos de heterogeneidade estrutural

se correlacionam negativamente com o PIB por ocupado e per capita; com a abertura ao

comércio exterior; com o crescimento econômico; e com a dinâmica da produtividade. Por outro

lado, haveria uma correlação positiva entre heterogeneidade estrutural e níveis de pobreza e

volatilidade do crescimento. Não houve uma associação clara entre heterogeneidade estrutural e

desigualdade de renda.

O alerta da CEPAL (2010) aponta nessa mesma direção. Segundo esta instituição, a elevada

heterogeneidade entre setores e empresas, associada a uma especialização produtiva em setores

intensivos em recursos naturais, têm tornado o tecido produtivo das economias latino-americanas

pouco propenso a difundir os incrementos de produtividade advindos do progresso técnico, o que

tem ampliado, no período recente, a brecha de produtividade existente entre a América Latina e

os Estados Unidos.

78 Resultados semelhantes são encontrados em CEPAL (2012b).

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É importante reconhecer ainda, conforme demonstra Pochmann (2013) para o caso

brasileiro, as conexões existentes entre uma estrutura produtiva heterogênea e o grau de

segmentação da estrutura ocupacional. Assim, as elevadas desigualdades de produtividade

impõem a coexistência de situações ocupacionais bastante distintas entre si, marcadas por

condições de trabalho e de remuneração bastante diferenciadas. A caracterização dos ocupados

no estrato de baixa produtividade da economia brasileira realizada pelo autor aponta para o

seguinte quadro: prevalência de mulheres e de trabalhadores não brancos; taxas de formalização

mais baixas; rotatividade do trabalhador mais elevada; remunerações mais baixas; predominância

de micro e pequenos estabelecimentos situados nos serviços de reparação e no comércio; e

menores níveis de escolaridade.

Partindo dessas constatações e do cenário global atual, de profundo acirramento das

desigualdades, coloca-se como questão central para as economias subdesenvolvidas a discussão

acerca de como superar os ainda elevadíssimos níveis de desigualdade presentes nos países da

região. Conforme ressalta a CEPAL:

[…] la igualdad y la desigualdad, tanto de activos como de derechos, se ven fuertemente

condicionadas por la estructura productiva, el desarrollo tecnológico, las brechas en el

mundo laboral, el manejo macroeconómico de los ciclos, la organización territorial, el

desarrollo de capacidades, la protección social y la participación política. Más aún, la

igualdad social y un dinamismo económico que transforme la estructura productiva no

están reñidos entre sí; son complementarios y el gran desafío es encontrar las sinergias

entre ambos. Así, en una visión integrada del desarrollo, la igualdad se va fraguando en

una dinámica virtuosa de crecimiento económico y aumento sostenido de la

productividad con inclusión social y sostenibilidad ambiental (CEPAL, 2012b, p. 6).

Portanto, o que está em discussão é a possibilidade de construção e consolidação de um

novo padrão de desenvolvimento na América Latina, o que necessariamente requer a

reconfiguração do mercado de trabalho e a universalização dos direitos sociais.

* * *

Os capítulos 1 e 2, que integram a Parte I desta tese, oferecem o pano de fundo sobre o qual

se desdobraram as transformações produtivas e do mercado de trabalho no Brasil desde os anos

30 do século passado aos dias de hoje. Dessa forma, auxiliam na compreensão de como as

características do desenvolvimento capitalista produziram distorções no mercado de trabalho

brasileiro, apontando para desafios que, sob muitos aspectos, são comuns ao conjunto das

economias latino-americanas. Convém agora passar à análise das especificidades e idiossincrasias

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do caso brasileiro, desde uma perspectiva histórica, para oferecer uma contribuição ao debate

atual sobre o processo de reconfiguração do mercado de trabalho nacional.

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Parte II

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Capítulo 3: A Estruturação Distorcida do

Mercado de Trabalho (1930-1980)

Os avanços econômicos e sociais alcançados pelos países desenvolvidos durante o pós-

guerra, capazes de assegurar níveis de bem-estar para as massas dificilmente imagináveis para

um homem comum do século XIX, influenciou decisivamente o desenvolvimento latino-

americano, de uma forma geral, e o brasileiro, em particular. Deste modo, difundiu-se

amplamente a ideia de que a reprodução de uma economia urbano-industrial era suficiente para

que o subdesenvolvimento fosse superado.

No que diz respeito ao mercado de trabalho, especificamente, a crença era de que ele

progressivamente se estruturaria nos moldes consagrados pelos países desenvolvidos, com

amplos segmentos da força de trabalho abrigados em camadas técnicas de alta produtividade e

uma estrutura ocupacional marcada por desníveis contidos de produtividade e de salários. No

entanto, o que se observou na economia brasileira entre os anos 1930 e 1980 foi o fato de que a

montagem de uma estrutura produtiva moderna, sob muitos aspectos semelhante às encontradas

nos países de capitalismo avançado, não veio acompanhada de uma estruturação similar do

mercado de trabalho.

Não obstante tenha havido uma disseminação do assalariamento e de mecanismos de

proteção social e trabalhista, em um cenário de elevada mobilidade socioeconômica, o processo

de estruturação do mercado de trabalho no Brasil deu-se de maneira distorcida, dado que os seus

traços estruturais permaneceram ou foram aprofundados, como o desemprego estrutural e a

informalidade em grande escala, os baixos salários e os elevados índices de desigualdade de

renda, e a alta rotatividade nos postos de trabalho.

O objetivo deste capítulo é o de refletir acerca de tais fenômenos, elucidando as conexões

existentes entre desenvolvimento econômico periférico, frágil regulação social e mercado de

trabalho no Brasil.

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3.1. Conformação e estruturação do mercado de trabalho urbano

O estudo do mercado de trabalho brasileiro não pode realizar-se ao largo de reflexões mais

amplas acerca dos condicionantes históricos, sociais e econômicos do processo (tardio) de

formação do capitalismo no país. Processo este, vale dizer, que o singulariza e, portanto, o

diferencia, especialmente das experiências dos países capitalistas desenvolvidos. Como bem

lembra Florestan Fernandes (2005 [1975], p. 180), no Brasil, “as estruturas econômicas, sociais e

políticas da sociedade colonial não só moldaram a sociedade nacional subsequente:

determinaram, a curto e largo prazos, as proporções e o alcance dos dinamismos econômicos

absorvidos do mercado mundial”.

Para os propósitos deste capítulo, deve-se iniciar com uma referência à transição do

trabalho escravo para o trabalho livre, que possibilitou a formação de mercados de trabalho nas

regiões agrícolas voltadas à exportação e nas cidades em expansão no final do século XIX.

O regime de trabalho escravo trouxe implicações de diversas ordens para a estruturação

ulterior do mercado de trabalho brasileiro. Um dos seus principais legados, do ponto de vista

cultural e simbólico, foi o de forjar no imaginário coletivo uma visão depreciativa do trabalho e,

por isso mesmo, desvalorizada socialmente, especialmente o trabalho físico/manual79. Isto porque

o regime escravocrata interessava-se tão somente pela “energia motriz” do escravo, despojando-o

de qualquer consciência cívica e desprezando a sua contribuição cultural à sociedade (PRADO

JÚNIOR, 2004 [1942]).

Com a abolição, os antigos escravos se somam a um contingente de trabalhadores

marginalizados, mantendo-se alheios ao processo de repartição dos louros do progresso

econômico advindos da expansão da economia cafeeira e do crescimento industrial associado

(THEODORO, 2005). Não por acaso, “abolido o trabalho escravo, praticamente em nenhuma

parte houve modificações de real significação na forma de organização da produção e mesmo na

distribuição da renda” (FURTADO, 2007 [1959], p. 204-205).

Com efeito, importante ter em mente que, ao longo do processo de mercantilização do

trabalho80, que não se esgota com a abolição, os negros submeteram-se a uma modificação

79 “A noção de trabalho se aplicava às tarefas ‘mecânicas’, ao labor a mando e para gáudio de outrem, e pressupunha, de uma

forma ou de outra, a perda de dignidade social e de liberdade” (FERNANDES, 2005 [1975], p. 225). 80 Antes, algumas medidas foram tomadas no sentido de abastecer a produção capitalista nascente da mão de obra demandada

para a sua expansão, sem abrir mão da escravidão. Dentre elas, aventou-se uma “saída demográfica”, baseada na crença

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abrupta e desassistida do seu status social, o que marcou de forma indelével (e negativamente,

por suposto) a sua inserção na sociedade de classes emergente. Não se tratava apenas de uma

adaptação técnica a uma nova relação de produção, assentada no assalariamento, mas sobretudo

de uma adaptação cultural a uma ordem social competitiva em gestação (FERNANDES, 2005

[1975]).

O liberto viu-se convertido, sumária e abruptamente, em senhor de si mesmo, tornando-

se responsável por sua pessoa e por seus dependentes, embora não dispusesse de meios

materiais e morais para realizar essa proeza nos quadros de uma economia competitiva

(FERNANDES, 1978 [1965], p. 15).

Em suma, “sob a aparência da liberdade, herdaram a pior servidão, que é a do homem que

se considera livre, entregue de mãos atadas à ignorância, à miséria, à degradação social”

(FERNANDES, 1978 [1965], p. 15).

No alvorecer do capitalismo brasileiro, portanto, molda-se um cenário aparentemente

contraditório: de um lado, polos econômicos dinâmicos, organizados em torno da produção do

café, desejosos de “braços” para viabilizar a sua expansão; de outro, um excesso de contingente

populacional, aninhado em segmentos produtivos de baixíssima produtividade, a revelar a

existência de formas de desemprego disfarçado (HOFFMANN, 1980).

Diante disso, as elites econômicas envidaram esforços e, principalmente, mobilizaram a

“mão visível” do Estado, para atrair trabalhadores estrangeiros e, assim, adequar qualitativamente

a oferta de mão de obra à dinâmica da acumulação. O resultado foi um estreitamento dos espaços

ocupacionais no setor mercantil da economia para o trabalhador nacional.

O recurso a uma força de trabalho imigrante tornou-se possível graças a uma série de

fatores, internos e externos. Primeiramente, conforme chama a atenção Celso Furtado (2007,

[1959]), a oferta interna de trabalhadores era de difícil e custosa mobilização, dada a sua

dispersão pelo território brasileiro. Em segundo lugar, salienta este autor, as dificuldades de

adaptação do trabalhador livre nacional ao trabalho assalariado ajudaram a consolidar a ideia de

(equivocada) de que, com o fim do tráfico negreiro, os escravos teriam vivenciado uma melhora em suas condições de trabalho, o

que vinha se traduzindo em uma queda na taxa de mortalidade e, assim, em uma liberação de mão de obra para a lavoura. Outra

iniciativa propugnava a transferência interna de escravos, do Nordeste e do Extremo Sul para o Sudeste. Tentou-se ainda

estimular a formação de núcleos coloniais, baseados na pequena propriedade. Além disso, houve também tentativas de

agenciamento de coolies chineses e de aproveitamento de trabalhadores livres nacionais. As medidas anunciadas implicavam no

recurso a distintas modalidades de relações de trabalho, todas, porém, “a meio caminho” entre a escravidão e o assalariamento. O

fato é que “o não-mercado de trabalho mantinha-se como realidade na mente dos fazendeiros até bem depois do esgotamento do

tráfico” (BARBOSA, 2003, p. 96).

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que esta mão de obra seria inadequada para as relações de trabalho modernas que se visava

implantar.

A possibilidade de utilizar e valorizar a mão-de-obra livre nacional foi contida pela

imigração europeia. Nesse sentido, o recurso à imigração maciça de trabalhadores

europeus como solução para a expansão cafeeira permitiu conciliar as resistências às

transferências internas de mão-de-obra, soldando uma solução de compromisso com as

elites do Nordeste. Isso implicou historicamente negar, ou ao menos dificultar muito, a

integração mais favorável da população livre excedente nas áreas de ocupação mais

antiga e nas novas frentes de expansão, em particular ao mercado de trabalho em

constituição nas áreas de maior dinamismo econômico (HENRIQUE, 1999, p. 15).

Nesse sentido, Douglas Graham (1973) aponta que foi a confluência de fatores de atração,

impulso e desvios que permitiram tornar o Brasil um destino importante para a mão-de-obra

estrangeira. Dentre os primeiros, o autor destaca o rápido crescimento da economia cafeeira, o

surto inicial de crescimento da indústria, a abolição da escravatura, a proclamação de um regime

republicano e os subsídios governamentais destinados à atração deste trabalhador. Como fatores

de impulso e desvio tem-se, respectivamente, a crise econômica na Itália, país de origem de

grande parte dos imigrantes, e o menor dinamismo econômico dos Estados Unidos e da

Argentina, países concorrentes em termos de atração de força de trabalho estrangeira81.

Não se pode perder de vista, portanto, que a constituição de uma oferta abundante de mão

de obra no Brasil, mormente em suas áreas mais dinâmicas, não foi, como nos países

desenvolvidos (pelo menos não na extensão vivenciada por eles), construída por intermédio do

avanço capitalista sobre as atividades de campesinos e artesãos, proletarizando-os, mas sim

decorrência de amplos fluxos migratórios, amparados por vultosos recursos públicos, ao tempo

que se mantinham relativamente intactas atividades econômicas e inserções produtivas de

natureza pré-capitalista82. Os contornos do Brasil moderno foram delineados por esta imbricação

entre modernidade e arcaísmo (FERNANDES, 2005 [1975]).

Os referidos espaços produtivos e ocupacionais, imunes ao avanço capitalista, constituíram-

se em canais de sobrevivência para a população negra, dado que não havia condições mínimas de

81 Douglas Graham (1973) nota ainda que há uma coincidência entre os momentos de maior entrada de imigrantes, de crescimento

industrial e de expansão urbana em São Paulo, o que o leva a concluir que o imigrante foi fundamental para a formação de um

mercado interno de consumo e, consequentemente, para a viabilização, em termos de escalas, dos primeiros investimentos

industriais. 82 “Ao contrário dos países europeus, cujos Estados Nacionais forçaram a liberação de mão-de-obra pelas atividades pré-

capitalistas, e os Estados Unidos, que mobilizaram a mão-de-obra negra com a Guerra da Secessão, observa-se que o Brasil

montou seu mercado de trabalho livre garantindo a preservação das atividades e dos espaços ocupacionais oriundos das fases

anteriores de desenvolvimento capitalista do período colonial” (DEDECCA, 2005, p. 97).

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igualdade de competição por um posto de trabalho assalariado (seja em termos de conhecimentos

técnicos, seja em termos de adaptação cultural a este tipo de trabalho, conforme já se salientou).

Enquanto o branco da camada dominante conseguia proteger e até melhorar sua posição

na estrutura de poder econômico, social e político da cidade e enquanto o imigrante

trocava sucessivamente de ocupações, de áreas de especialização econômica e de

posições estratégicas para a conquista de riquezas, de prestígio social e de poder, o negro

e o mulato tinham de disputar eternamente as oportunidades residuais com os

componentes residuais do sistema – com os que “não serviam para outra coisa” ou com

os que “estavam começando bem por baixo” (FERNANDES, 1978 [1965], p. 26)83.

A presença de um excedente estrutural de mão de obra ao longo do desenvolvimento

econômico brasileiro esteve, ademais, vinculada às condições bastante adversas que imperavam

no campo. Em primeiro lugar, cabe mencionar os impactos causados pela aprovação da Lei de

Terras, ainda em 1850, que, ao encarecer a aquisição da terra e promover a legalização dos

latifúndios, ratificou o seu acesso como um privilégio de uma minoria (BARBOSA, 2003).

A este fato, juntam-se outros tantos: a modernização poupadora de mão de obra patrocinada

pelo governo (processo que se intensificou ao longo do século XX); a desarticulação das relações

latifúndio-minifúndio; a pobreza e a superexploração das massas rurais; a proibição dos

sindicatos; e a ausência de políticas públicas voltadas para o campo. Tudo isso conspirava para

uma exígua capacidade de absorção de mão de obra pelo campo e, consequentemente, para um

êxodo rural de proporções grandiosas e uma urbanização acelerada (intensificada a partir dos

anos 1950, com o esgotamento das oportunidades de expansão da fronteira) (BARBOSA DE

OLIVEIRA, 1998).

Interessante notar como os processos de urbanização e de consolidação de um estilo de vida

citadino contribuíram para o afloramento da consciência a respeito dos fenômenos do

desemprego e do subemprego.

A urbanização tornou visível o fenômeno do desemprego e do subemprego não só por

concentrar, sem garantir emprego produtivo, uma parte da população que, antes, estava

dispersa na lavoura de subsistência. Em paralelo, transformações no próprio estilo de

vida urbana e mudanças nos padrões familiares e sociais igualmente contribuíram para

que viesse à tona o fenômeno. Não era só o mundo rural que ocultava o subemprego.

Pode-se dizer que a família patriarcal brasileira também ocultava o subemprego na

83 Do ponto de vista cultural, a percepção do imigrante e do trabalhador recém-liberto frente ao trabalho assalariado era bastante

distinta: “Ao contrário do imigrante, que percebia com clareza que somente vendia sua força de trabalho, em dadas condições de

prestação de serviços, eles – os negros e mulatos – ajustavam-se à relação contratual como se estivessem em jogo direitos

substantivos sobre a própria pessoa. Ou seja, como se se vendessem, em parte ou totalmente, ao aceitar e ao praticar as

estipulações do contrato. [...] A rapidez com que a ordem social competitiva se expandiu e consolidou na cidade de São Paulo

complicou deveras as coisas, suprimindo pela raiz as possibilidades de uma transição gradual, que lhes facilitasse a aquisição, pela

experiência, da mentalidade e dos comportamentos requeridos pelo novo estilo de vida” (FERNANDES, 1978 [1965], p. 30).

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cidade. De fato, na crônica do início do século – passado –, e até nos anos vinte, não será

fora do comum uma família com uma vintena de empregados domésticos, sem falar

noutros dependentes e agregados, com laços familiares mais ou menos longínquos

(HOFFMANN, 1980, p. 34-35).

O processo de acumulação de capital no Brasil, portanto, contou com uma oferta de

trabalho que excedia às suas necessidades, vale dizer, com um excedente estrutural de mão de

obra, que se aninhava nos interstícios do setor mercantil em consolidação. Destarte, alimentava-

se a formação de uma força de trabalho redundante, para recorrer à expressão de Raúl Prebisch,

seja nas fileiras do desemprego (manifesto na proliferação de vagabundos e vadios que

perambulavam pelas cidades brasileiras), seja em formas alternativas (e precárias) de

sobrevivência (comumente classificadas como formas de subemprego ou de desemprego

disfarçado).

Diante do exposto até o presente momento, parece claro que o excedente estrutural de mão

de obra antecede a industrialização brasileira, o que autoriza a conclusão de que se esta não

obteve êxito em absorver tal excedente, tampouco pode ser responsabilizada pela sua existência,

ao menos exclusivamente84.

É lícito reconhecer ainda que o Estado teve uma ação destacada, central talvez, na

constituição de um mercado de trabalho com um excedente estrutural de mão de obra. Nesse

sentido, não se pode esquecer o seu papel na transição do trabalho escravo para o assalariado,

cuja linha de atuação pautou-se pela exclusão do trabalhador nacional e pelo estímulo à atração

de trabalhadores estrangeiros.

Recorde-se ainda que, ao longo da industrialização, o Estado mostrou-se relativamente

débil em promover e assegurar a generalização do assalariamento, nos marcos delineados pelo

modelo de regulação do mercado de trabalho e das relações de trabalho estabelecido nos anos

1940. Em verdade, o assalariamento sempre se manteve restrito a uma parcela, ainda que

relevante, dos trabalhadores, não logrando a criação de uma sociedade salarial nos termos

consagrados por Robert Castel (1995), até porque a sua difusão foi obstada, por um longo

período, pela ausência de autonomia da ação sindical, seja para participar de negociações

coletivas, seja para promover greves.

Além disso, o Estado brasileiro, conforme já se disse, historicamente negligenciou uma

reforma da estrutura de propriedade da terra prevalecente no campo, alimentando o afluxo

84 Vale lembrar que este aspecto do problema ganhou pouca atenção por parte dos teóricos estruturalistas, conforme lembra

Theodoro (2005).

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populacional de trabalhadores rurais para as cidades brasileiras. A esse respeito, convém apontar

que o excedente de mão de obra no Brasil nutriu-se ainda de um crescimento populacional

bastante acelerado, o que levou a realização de uma transição demográfica em um curto espaço

de tempo, principalmente se se tem em mente que em alguns países europeus esse processo levou

mais de um século (BELTRÃO; CAMARANO; KANSO, 2004).

Cumpre observar, nesse sentido, que a industrialização brasileira coincide com o período de

mais elevado crescimento populacional, relativizando a sua capacidade de absorção de mão de

obra, que, em termos absolutos, foi sem dúvida alguma bastante significativa. Entre 1940 e 1980,

o ritmo de criação de postos de trabalho pela economia brasileira foi suficiente para absorver a

expansão da população economicamente ativa. Destarte, a taxa média anual de crescimento da

população ocupada foi superior, ainda que ligeiramente, à da população economicamente ativa

(2,20% contra 2,12%), refletindo um incremento ocupacional muito mais expressivo no meio

urbano (3,68%) do que no meio rural (0,7%). Em termos absolutos, isso significa que a economia

brasileira gerou, no intervalo de tempo em questão, cerca de 29 milhões de postos de trabalho,

sendo 25 milhões nas áreas urbanas e 4 milhões nas rurais (DIEESE, 1994)85.

A face mais visível deste excedente talvez se manifeste nas áreas urbanas. As condições

adversas imperantes no campo, já referidas, associadas às atrações inerentes a um estilo de vida

citadino, fomentou uma intensa migração rural-urbana ao longo do desenvolvimento econômico

brasileiro. A título ilustrativo, cabe registrar que na década de 1960, cerca de doze milhões de

pessoas evadiram do campo, o que equivalia a 1/3 de sua população. O movimento se

intensificou na década seguinte, quando aproximadamente dezesseis milhões deixaram a zona

rural em direção às cidades, ou 38% da sua população. Dessa forma, enquanto em 1940

aproximadamente 31,0% da população residia nas cidades, em 1980, essa proporção alcançara o

patamar de cerca de 68,0%. Inversamente, a população rural iniciou na década de 1970

decréscimos absolutos em seu contingente, movimento que teve continuidade nas décadas

seguintes do século XX (BELTRÃO; CAMARANO; KANSO, 2004).

Não obstante, convém reconhecer que, a despeito das questões acima aludidas, o Brasil

moldado por quase 50 anos de industrialização assinalou transformações em suas estruturas

econômica e social de inegável valor. Nesse curto espaço de tempo, transitou-se de uma

sociedade agrária para uma de perfil majoritariamente urbano; padrões de consumo próprios dos

85 Conclusões semelhantes encontram-se em Cacciamali (1988).

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países desenvolvidos foram incorporados por uma parcela expressiva das famílias brasileiras; as

bases produtivas foram revolucionadas, aproximando-as das conhecidas pelos países industriais

avançados; o PIB apresentou um crescimento médio anual de aproximadamente 6,5%86; o PIB

per capita, por sua vez, aumentou quase seis vezes87; a esperança de vida ao nascer saltou de 34

para 57 anos88; a mobilidade social foi intensa, melhorando as condições de vida de muitos

brasileiros. Isto tudo apesar da supressão do regime democrático, da perseguição aos sindicatos e

aos movimentos sociais, e da opção por um “capitalismo selvagem e plutocrático”, implementado

logo após o golpe de 196489.

No que interessa propriamente a esta reflexão, vale apontar que ao longo do período de

industrialização o mercado de trabalho brasileiro foi se tornando cada vez mais integrado, na

medida em que os níveis de produtividade do trabalho se elevavam e paulatinamente se

homogeneizavam (sem romper com a sua heterogeneidade estrutural, vale frisar); as relações

setoriais se adensavam, criando novas atividades, nas diversas regiões do país, que absorviam

crescentemente a mão de obra alocada nos segmentos de produtividade mais baixa; e se

desenhava um mercado nacional de trabalho assalariado. Desse modo, no compasso da

industrialização da economia, constituiu-se um mercado de trabalho cujo nível de ocupação

passou a responder, fundamentalmente, ao nível da demanda total (SALM; EICHENBERG,

1989).

Vale a pena anotar algumas tendências gerais desse processo, alertando o leitor que os

aspectos aqui tratados serão retomados e analisados de forma mais detida na seção subsequente,

quando tratar-se-á efetivamente dos problemas crônicos do mercado de trabalho brasileiro. Com

essa breve apresentação, pretende-se tão somente delinear o contexto global no qual tais

problemas surgiram e se reproduziram ao longo do tempo.

86 Obtido em: <www.ipeadata.gov.br>. Acesso em: 05/02/2015. Por década, o crescimento médio anual do PIB brasileiro

apresentou o seguinte comportamento: 1930: 4,5%; 1940: 6,0%; 1950: 7,2%; 1960: 6,2%; 1970: 8,7%. 87 De acordo com o IBGE, o PIB per capita brasileiro, em dólares de 2000, passou de US$ 442, em 1930, para US$ 3.052, em

1980. 88 Obtido em: <www.ipeadata.gov.br>. Acesso em: 20/06/2014. 89 “O que estava em jogo [...] eram dois estilos de desenvolvimento econômico, dois modelos de sociedade urbana de massas: de

um lado, um capitalismo selvagem e plutocrático; de outro, um capitalismo domesticado pelos valores modernos da igualdade

social e da participação democrática dos cidadãos, cidadãos conscientes de seus direitos, educados, verdadeiramente autônomos,

politicamente ativos. Portanto, 1964 representou a imposição, pela força, de uma das formas possíveis de sociedade capitalista no

Brasil” (CARDOSO DE MELLO; NOVAIS, 1998, p. 618). Avaliação semelhante foi feita por Carlos Alonso Barbosa de

Oliveira: “A ausência de democracia marcou profundamente a evolução do país. Enquanto nas nações avançadas o padrão de

industrialização americano implantou-se sob regimes democráticos, no Brasil o caráter antidemocrático do regime militar fazia

com que o desenvolvimento de um mesmo padrão de industrialização produzisse resultados sociais radicalmente distintos”

(BARBOSA DE OLIVEIRA, 1994, p. 211).

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Assim sendo, entre a década de 1940 e a de 1980, houve uma expansão importante do

assalariamento da força de trabalho (expresso pelo aumento de 42,0% para 62,8% de sua

participação na PEA), particularmente de sua parcela com registro em carteira de trabalho (que

saltou de 12,1% para 49,2%). Por outro lado, observou-se uma diminuição do trabalho por conta

própria (de 29,8% para 22,1%), do trabalho sem remuneração (de 19,6% para 9,2%) e da

população desempregada (de 6,3% para 2,8%) (POCHMANN, 2008).

Não há dúvida, portanto, que o mercado de trabalho brasileiro vivenciou, no intervalo de

tempo em questão, um processo de estruturação, apontando para a constituição de uma sociedade

salarial, nos moldes da existente nos países desenvolvidos. Tal processo, visto por outro prisma,

se evidencia por meio do crescimento da importância relativa do segmento ocupacional

organizado (de 61,6% para 70,5%), às custas de uma redução da participação do segmento não-

organizado (de 38,4% para 29,5%)90. No mesmo sentido, a taxa de precarização da força de

trabalho brasileira (que contempla os trabalhadores por conta própria, os sem remuneração e os

desempregados) recuou de 55,7% para 34,1%. Estes movimentos foram o resultado de um

crescimento médio anual do emprego no segmento organizado (4,9%), superior ao da População

Economicamente Ativa (4,6%), assim como ao das ocupações no segmento não organizado

(3,9%) (POCHMANN, 2008).

O movimento de estruturação do mercado de trabalho brasileiro pode ser percebido ainda

pela ótica das mudanças setoriais do emprego. Nesse sentido, observa-se o crescimento da

importância relativa do emprego industrial, sobretudo dos seus segmentos mais modernos, em

sintonia com o aumento da participação deste setor no PIB. Entre as décadas de 1950 e 1980, o

emprego no setor secundário saltou de 14,2% para 24,4%. Na mesma direção, o setor de serviços

ampliou a sua capacidade de absorção de mão de obra: de 25,9% para 45,7%. O setor agrícola,

por suposto, foi o único que perdeu participação relativa na força de trabalho, e de forma

expressiva, passando de 59,9% para 29,9% (CACCIAMALI, 1988).

Durante a década de 1950, o setor serviços foi responsável por 51% no crescimento total

da absorção da força de trabalho, o setor primário por 39% e o setor secundário apenas

por 10%. Na década de 60, os setores urbanos responderam por 86% na formação da

referida taxa, entre os quais 32% corresponderam à contribuição do setor secundário.

Nos anos 70, os setores urbanos expandiram sua contribuição para 99,8%, e o setor

90 Parte-se do entendimento de que o segmento ocupacional organizado compõe-se dos postos de trabalho mais homogêneos,

gerados por empresas tipicamente capitalistas, e que se expressam basicamente por meio dos empregos regulares assalariados. Por

outro lado, o segmento não-organizado seria marcado pela heterogeneidade de suas ocupações, organizadas em torno de negócios

não tipicamente capitalistas.

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secundário representou 36%. Nesses agregados, a indústria de transformação apresentou,

nas décadas de 60 e 70, a maior contribuição isolada, entre os diferentes setores de

atividade, para absorver o crescimento do emprego. E, embora o setor de prestação de

serviços possuísse, entre todos os setores de atividade, a maior participação relativa na

absorção de força de trabalho, somente na década de 50 é que apresentou a maior

contribuição (CACCIAMALI, 1988, p. 102).

Convém mencionar ainda que, embora tenha permanecido em níveis bastante elevados vis-

à-vis aos verificados nos países desenvolvidos e que esta tendência tenha se manifestado

tardiamente, somente na década de 1970, é possível constatar uma diminuição das disparidades

da produtividade do trabalho entre os setores de atividade. De acordo com Cacciamali (1988),

entre 1960 e 1980, a distância que separava a produtividade entre os setores secundário e o

primário se reduziu em pouco mais de 40%, ao passo que entre o secundário e o terciário o

decréscimo foi de cerca de 11%.

Por fim, é necessário frisar que a estrutura do mercado de trabalho brasileiro resultou da

combinação de diversos vetores: demográficos, econômicos e político-institucionais. Se, por um

lado, a ausência de reforma agrária e a modernização da agricultura contribuíram para alimentar o

êxodo rural em direção aos centros urbanos mais atrativos, por outro, é importante mencionar que

a geração de empregos e oportunidades de renda nas cidades foi condicionada pela estrutura

produtiva que se conformou. Além disso, outro vetor muito relevante para a estruturação do

mercado de trabalho foi a atuação ambígua do Estado91 (BARBOSA DE OLIVEIRA, 1998): seja

ao estabelecer uma legislação trabalhista bastante extensa, mas oferecendo grande livre arbítrio

para o empregador contratar, alocar, remunerar e demitir seus funcionários; seja ao introduzir

políticas sociais destinadas a proteger o trabalhador urbano, mas com eficácia restrita e com

geração limitada de emprego público; seja ao estabelecer um salário mínimo legal, mas depois

mantendo-o num nível relativamente baixo, permitindo a ampliação das diferenças salariais e

adotando medidas de arrocho dos salários; seja ao promover uma estrutura sindical corporativa,

mas desestimulando a negociação coletiva e, inclusive, perseguindo ou cooptando lideranças

sindicais.

Em suma, pode-se dizer que as particularidades do processo de formação e estruturação do

mercado de trabalho urbano no Brasil decorrem de fatores de diferentes ordens, estando

associadas com a velocidade da urbanização, com as características da industrialização, com as

desigualdades econômicas regionais e com o perfil de atuação do Estado. Ao mesmo tempo,

91 Na próxima seção, ficará claro que não foi linear a atuação dos diferentes governos que vigoraram ao longo de período da

industrialização brasileira.

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87

pode-se dizer que a configuração assumida pelo mercado de trabalho foi um fator essencial para

reproduzir um padrão de desenvolvimento excludente no País, como será visto a seguir.

3.2. Problemas crônicos do mercado de trabalho brasileiro

O subdesenvolvimento econômico é um entrave estrutural para que o mercado de trabalho

brasileiro avance em direção a uma conformação baseada em níveis de produtividade e de

salários relativamente homogêneos, de sorte que a sua estruturação ao longo do período de

industrialização não foi capaz de evitar o surgimento de problemas crônicos, que, em menor ou

maior medida, até hoje estão presentes no mercado de trabalho nacional.

a) desemprego estrutural e informalidade persistente

Apesar do desenvolvimento econômico brasileiro ter convivido com um excedente

estrutural de mão de obra, a questão do desemprego e do subemprego da força de trabalho

durante o período desenvolvimentista brasileiro não ocupou um lugar de destaque nas discussões

de política econômica e de desenvolvimento travadas na época92. De certa forma, assim como no

caso da questão social, acreditava-se que o avanço da industrialização e, portanto, do

desenvolvimento econômico, resolveriam por si mesmos os problemas atinentes ao mercado de

trabalho, de uma forma geral, e o desemprego e o subemprego, em particular.

Nesse quesito, a crítica de Celso Furtado à análise marginalista do subdesenvolvimento

talvez se constitua em um bom referencial para a discussão do papel assumido pelo desemprego

durante o desenvolvimento econômico brasileiro. O corpo teórico marginalista, relembra o autor,

apoia-se na convicção de que o sistema econômico conta com mecanismos automáticos que o

guiam para uma situação de equilíbrio, na qual os fatores de produção encontram-se plenamente

ocupados, as produtividades marginais do trabalho e do capital se equivalem entre os diferentes

setores de atividade e a remuneração devida a cada um dos fatores é determinada por sua

produtividade marginal. A hipótese subjacente a essa reflexão é a de que há uma substituibilidade

de fatores, ou seja, existe uma ampla variedade de combinações possíveis entre os fatores de

produção (FURTADO, 1957).

92 É sintomático, nesse sentido, que a obra de Ricardo Bielschowsky, “Pensamento Econômico Brasileiro: O Ciclo Ideológico do

Desenvolvimentismo”, uma referência da literatura econômica brasileira, não dedique um único capítulo para a temática em

questão.

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88

A objeção furtadiana repousa justamente sobre a validade desta hipótese quando transposta

para análises de economias subdesenvolvidas, marcadas por uma estrutura produtiva

acentuadamente heterogênea. Em sua visão, a combinação dos fatores de produção é

condicionada pela estrutura da procura, pelo nível da técnica e pela disponibilidade relativa

destes fatores. Assim sendo, Celso Furtado conclui que:

Dada certa estrutura da procura e uma tecnologia, o capital e mão-de-obra podem

combinar-se de distintas formas, dentro de certa margem. Quando se abandona essa

margem, um dos dois fatores tende a sobrar, e os termos do problema já não cabem

dentro da análise marginalista (FURTADO, 1957, p. 167, grifos do autor).

Nesse sentido, é forçoso concluir que a utilização plena dos fatores de produção estaria

condicionada a uma equivalência entre a oferta desses fatores e a razão entre o capital e o

trabalho estabelecida pela tecnologia adotada. Como está-se, nas economias subdesenvolvidas,

diante de uma tecnologia estrangeira, concebida para uma dotação fatorial característica dos

países desenvolvidos, conforme já se aludiu no capítulo anterior, manifestar-se-ia naquelas

economias um tipo de desemprego que pouco responde às políticas de estímulos à demanda

agregada e que, por isso, só pode ser combatido no longo prazo, o denominado “desemprego

estrutural”93.

Situando-se em outro campo teórico, o da economia neoclássica, Mário Henrique Simonsen

chama a atenção para o fato de algumas análises da economia brasileira confundirem o fenômeno

do desemprego estrutural, onde a produtividade marginal do trabalho seria nula, com o do

dualismo econômico, que se exprime nos largos diferenciais de produtividade e de condições de

vida existentes entre os trabalhadores do campo e da cidade. Para ele, “[...] só pode existir

desemprego estrutural se houver escassez de terra em relação à mão-de-obra ocupada na

agricultura, a ponto de anular a produtividade marginal do trabalho”. Assim sendo, ele questiona:

“Existirá no Brasil esse problema de escassez de terras para a agricultura? No país como um todo,

a hipótese não parece relevante” (SIMONSEN, 1963, p. 34).

No que interessa mais de perto à análise aqui desenvolvida, cumpre enfatizar que, para este

autor, a dualidade econômica brasileira não se relaciona diretamente com uma incompatibilidade

93 O raciocínio furtadiano em questão leva, ademais, a conclusões que questionam a validade da teoria marginalista de

determinação dos salários nas economias subdesenvolvidas. Partindo do que já foi dito, alega Furtado, não haveria porque

advogar a existência de uma tendência à igualação das produtividades físicas marginais entre os setores econômicos e, portanto, o

estabelecimento de uma relação entre a produtividade e o salário médio pago. Em última instância, afirma o autor, o nível de vida

no setor de subsistência é o determinante dos salários pagos no setor mecanizado, bastando estes serem estipulados um pouco

acima desse nível para que este setor conte com uma oferta elástica de mão de obra. Para uma discussão dessa visão, assemelhada

à de Arthur Lewis, ver a seção 1.3 do primeiro capítulo desta tese.

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entre a tecnologia e a disponibilidade de fatores de produção. Pelo contrário, de acordo com

Simonsen, os países subdesenvolvidos contam com um sistema econômico que comporta

inúmeras possibilidades de substituição de capital por mão de obra94. Os diferenciais de

produtividade entre os trabalhadores situados nas zonas rural e urbana, portanto, “não constitui

uma fatalidade tecnológica, pois a economia poderia fabricar determinadas combinações de

produtos que aproveitassem integralmente a mão-de-obra disponível” (SIMONSEN, 1969, p.

157).

Para Mário Henrique Simonsen, é a proteção institucional aos salários assegurada aos

trabalhadores urbanos, em detrimento dos que laboram no campo, que alimenta a dualidade da

estrutura econômica brasileira.

A proteção institucional aos salários reais urbanos deixa, a longo prazo, alguns

subprodutos bastante amargos. O primeiro deles é a acumulação, nas cidades, de uma

espécie de “exército industrial de reserva” resultante do excesso migratório dos campos

para as cidades provocado pelo contraste salarial. O segundo consiste na restrição das

novas ofertas de emprego nas áreas urbanas. A alta forçada dos salários urbanos

restringe, de um lado, o consumo dos produtos industriais pela elevação relativa dos

preços; a restrição do consumo naturalmente implica na redução das novas ofertas de

emprego. De outro lado, estimula os empresários à opção por tecnologias que utilizem

maior relação capital/mão-de-obra (SIMONSEN, 1963, p. 43-44).

Em suma, para este autor, são as intervenções institucionais no mercado de trabalho, que

deslocam os salários acima do seu nível de equilíbrio, os principais responsáveis pelo dualismo

da economia e do mercado de trabalho brasileiros.

Foge dos propósitos deste capítulo entrar nos pormenores da contenda teórica entre os

autores supracitados. Nesse sentido, cabe indicar apenas que, não obstante o Brasil constituir-se

em um país de grandes extensões geográficas, o regime de propriedade da terra estabelecido

obstaculiza o seu acesso para a grande maioria da população, principalmente se se trata de terras

aptas para o cultivo. Ademais, é lícito supor, com base no que já foi discutido no primeiro

capítulo, que as margens de substituibilidade entre os fatores não são tão amplas como sugerem

Mário Henrique Simonsen95. Por fim, conforme chama a atenção João Paulo de Almeida

94 Tais possibilidades seriam de três tipos, de acordo com Mário Henrique Simonsen. Há a substituibilidade técnica, manifesta

pelos diferentes processos de produção passíveis de serem adotados; a substituibilidade pelo consumo, que se expressa na adoção

de padrões de consumo baseados em produtos de mais baixa (ou mais alta) relação capital/mão-de-obra, mediante mudanças dos

preços relativos; e a substituibilidade pelo comércio exterior, que se apresenta como a possibilidade de especialização produtiva

em setores de baixa relação capital/mão-de-obra e a importação de produtos mais capitalizados, ou vice-versa (SIMONSEN,

1969). 95 Considerando que não são desprezíveis os obstáculos inerentes à superação de um capitalismo dependente, que mitigaria o

processo de imitação dos padrões de consumo vigentes nos países desenvolvidos; e que a não industrialização não se constitui em

uma alternativa de desenvolvimento para os países latino-americanos, é possível afirmar que as margens de substituibilidade pelo

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90

Magalhães (1964), já que a nulidade da produtividade advém, em larga medida, de fatores

institucionais (inexistência de programas de amparo ao desemprego, por exemplo), a baixa

produtividade da mão de obra não deixa de ser uma forma de manifestação do desemprego em

economias subdesenvolvidas.

Para além da discussão semântica, o fundamental é reconhecer que, trate-se de desemprego

ou de subemprego (baixa produtividade da ocupação), o desenvolvimento econômico brasileiro,

sob condições de excedente de mão de obra, não logrou êxito em absorver a população total

disponível para o trabalho em situações ocupacionais de produtividade “normal”, determinada

pela tecnologia disponível, e minimamente homogênea entre os setores, não assegurando,

portanto, padrões básicos de bem-estar para sua população.

Nas economias subdesenvolvidas, portanto, o desemprego normalmente não se manifesta

em sua forma clássica, o desemprego aberto, sendo o mais comum a presença do fenômeno do

subemprego, que, do ponto de vista teórico, não se distingue, a rigor, da informalidade, outro

problema crônico do mercado de trabalho brasileiro96.

O modo e a rapidez assumidos pelo processo de industrialização brasileiro, conforme já se

salientou em vários pontos do presente estudo, não favoreceu a formação de um mercado de

trabalho estruturado em torno de segmentos rigidamente estabelecidos, que permitissem a criação

de ocupações bem definidas e a especialização da mão de obra. Pelo contrário, a implantação

simultânea de diferentes tipos de indústrias, em um curto espaço de tempo, redundou em uma

base muito ampla de postos de trabalho não estruturados, dentro ou fora da produção capitalista

(BALTAR, 2003 [1985]).

Adicionalmente, há de se reconhecer que a não realização das reformas clássicas do

capitalismo contemporâneo – como a agrária, que elevaria a capacidade de retenção de

trabalhadores rurais no campo; a tributária, que melhoraria o padrão de distribuição da renda

nacional e o poder de compra das classes populares; e a social, que ampliaria o peso dos serviços

sociais (e do emprego público) na estrutura ocupacional – colaborou para uma menor capacidade

de absorção de mão de obra por parte do sistema econômico (POCHMANN, 2008).

consumo e pelo comércio exterior entre os fatores são bastante estreitas. O mesmo pode se dizer a respeito da substituibilidade

técnica, dado o fato da tecnologia moderna ter se desenvolvido ao sabor das condições vigentes nos países desenvolvidos. 96 Na verdade, a Organização Internacional do Trabalho – OIT, por meio de relatório publicado em 1972, inaugurou uma nova

fase na discussão acerca do subemprego ou da marginalidade em países subdesenvolvidos, acarretando, inclusive, em um relativo

desuso dos referidos termos e a consequente adoção e difusão do conceito de informalidade (OIT, 1972).

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91

Recorde-se ainda que, no Brasil, o desenvolvimento capitalista conviveu com um elevado

excedente de mão-de-obra (mormente nas áreas urbanas) e, portanto, com extensos contingentes

populacionais disponíveis – posto que sem alternativas – e aptos para o preenchimento dos

espaços abertos à produção não capitalista. O resultado foi a criação e a manutenção de extensas

manchas de informalidade no mercado de trabalho brasileiro.

Ao tempo que a economia brasileira se diversificava e a divisão social do trabalho

avançava, a reboque de uma industrialização centrada em bens de consumo duráveis, o Terciário

se modificava, ampliando o peso dos serviços de apoio a produção industrial, dos serviços

orientados para a satisfação das necessidades das famílias e dos indivíduos, e dos serviços

sociais. Ou seja, “por sobre o antigo Terciário destinado a sustentar as funções de circulação e

distribuição dos bens exportados, cria-se agora um Terciário cuja função é sustentar a expressão

urbana dos processos de industrialização” (OLIVEIRA, 1979, p. 148).

Entrementes, nas franjas não ocupadas pela produção capitalista, foram sendo criados os

espaços econômicos para o surgimento da informalidade. Nesse contexto, observa-se uma

expansão significativa dos serviços de reparação de bens de consumo duráveis, tais quais

automóveis, geladeiras, televisões, entre outros; do transporte de mercadorias prestado por

trabalhadores autônomos (caminhoneiros); dos serviços pessoais de costureiras, manicures,

cabelereiras, trabalhadores domésticos em geral, etc.; assim como do comércio de toda sorte de

produtos, realizado por vendedores ambulantes.

Ao se observar a evolução do setor informal durante a industrialização brasileira, constata-

se que este diminuiu no período, ainda que tenha mantido uma extensão bastante significativa.

Entre 1940 e 1980, por exemplo, foram criados aproximadamente seis milhões de postos de

trabalho informais, ou seja, de cada 100 ocupações geradas, aproximadamente 21 foram no setor

informal. Em termos relativos, o setor informal reduziu a sua participação no mercado de

trabalho de 54,0% para 32,2% no período em questão. Uma redução significativa, sem dúvida,

mas insuficiente para aproximar o país dos níveis apresentados pelos países desenvolvidos

(DIEESE, 1994).

Como bem se notou no primeiro capítulo, a heterogeneidade do setor informal não permite

a sua associação automática com baixos e instáveis níveis de rendimentos, pouco tempo de

permanência no posto de trabalho ou total desproteção social. Isto depende, dentre outras coisas,

da especificidade da atividade e do conhecimento mobilizado para a execução da mesma, da

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necessidade e da facilidade de acesso a máquinas e equipamentos ou da capacidade de criação e

manutenção de reservas de mercado97. Por outro lado, não se pode deixar de reconhecer que o

simples pertencimento ao mercado de trabalho formal não assegurava automaticamente

condições de vida dignas ao trabalhador brasileiro.

No entanto, se é verdade que a precariedade não é uma exclusividade do setor informal, não

se pode negar que é neste setor que majoritariamente se abrigam as posições ocupacionais mais

vulneráveis, posto que submetidas, no geral, a baixos rendimentos, condições desfavoráveis de

trabalho e desproteção social.

Até aqui, a análise utilizou um conceito de informalidade mais próximo de sua acepção

original, tal qual apresentado no capítulo um desta tese. Nesse sentido, o setor informal não

engloba o que se convencionou chamar de “economia submersa” – o trabalho assalariado não

regulamentado ou sem registro em carteira de trabalho –, restringindo-se, portanto, ao pequeno

produtor independente e seus auxiliares (membros da família ou trabalhadores assalariados)98.

Com isso, quer-se chamar a atenção para a distinção clássica entre dois fenômenos distintos

– o trabalho exercido de forma independente e o trabalho assalariado não registrado – e que,

portanto, exige, no plano da análise teórica e das políticas públicas de emprego, trabalho e renda,

um tratamento diferenciado99. No entanto, não se desconsidera o fato de que o trabalhador

assalariado sem carteira de trabalho assinada constitui-se em um tipo de inserção ocupacional

também fragilizada, dado que não acessa o conjunto de direitos trabalhistas assegurado pelo

Estado brasileiro aos trabalhadores assalariados com registro em carteira.

Desta forma, aceita-se como válido, desde que não se perca de vista a diferenciação

conceitual em relevo, o agrupamento dos trabalhadores autônomos sem contribuição à

Previdência e dos empregados sem registro em carteira de trabalho sob uma única categoria, se se

pretende evidenciar a fragilidade ou a precariedade do mercado de trabalho brasileiro. Este

agrupamento normalmente é denominado por alguns autores de setor não organizado ou pouco

estruturado do mercado de trabalho.

97 Nesse sentido, Paulo Renato Souza (1980) propõe a divisão do setor informal em dois grandes grupos. O primeiro seria

composto por formas de organização mercantis simples, como as empresas familiares (incluindo os trabalhadores autônomos), os

trabalhadores por conta própria subordinados, os pequenos vendedores de serviços e os serviços domésticos. O segundo grupo,

por seu turno, englobaria as quase-empresas capitalistas, que se distinguem das empresas familiares pela utilização permanente de

mão-de-obra assalariada. Ver ainda Cacciamali (1994). 98 Na prática, as atividades informais e submersas se superpõem no mercado de trabalho, sendo que a submersão é mais

significativa no primeiro grupo de atividades (Cacciamali, 1991). 99 A professora Maria Cristina Cacciamali chamou a atenção para esta questão em diversas ocasiões. Ver, por exemplo,

Cacciamali (1982; 1989; 1994).

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Nesse sentido, estimativas indicam que, em 1980, o segmento não organizado representava

aproximadamente 59,2% do mercado de trabalho brasileiro (contra 84,0% em 1940), composto

por 27,0% de empregados sem carteira, 22,7% de trabalhadores por conta própria e 9,5% de

trabalhadores sem remuneração (DIEESE, 1994).

Diante desses números, é pouco contestável que o processo de industrialização e o esforço

do Estado em regulamentar as relações de emprego, em um contexto de elevado excedente de

mão-de-obra, não foram capazes de superar a heterogeneidade estrutural e tornar residual a

presença da informalidade (ou do setor não organizado) do mercado de trabalho brasileiro.

b) baixos salários e elevada desigualdade de renda

A distribuição extremamente concentrada dos rendimentos do trabalho e os baixos salários

configuram-se igualmente como problemas crônicos do mercado de trabalho brasileiro.

A constituição de uma economia de baixos salários e de elevados níveis de desigualdade na

apropriação da renda do trabalho deita raízes em processos históricos que remetem ao passado

colonial-escravista e ao modo como se deu a transição para o trabalho livre no Brasil, fenômenos

tratados na seção anterior deste capítulo. Assim, chama-se a atenção para o fato de que a

industrialização, quando do seu início nos anos 1930, já se defrontava com graus de desigualdade

de renda bastante expressivos, provenientes não somente do trabalho.

Basta pensar, nesse sentido, na dinâmica de acumulação do capital cafeeiro e no seu padrão

de absorção e de remuneração da mão de obra. A abundante disponibilidade de trabalhadores

existente dificultava sobremaneira uma elevação dos salários nos períodos de expansão, ao passo

que tornava-os flexíveis à baixa quando da retração da produção. Nesses termos, um amplo

excedente de mão de obra, associado ao fato de que a reprodução física do trabalhador e o seu

custo já se encontravam de certa forma equacionados, permitiu que a produção cafeeira se

desenvolvesse sem que, paralelamente, os salários reais se expandissem. A oferta de

trabalhadores era tal que não havia lugar para disputas mais acirradas por mão de obra entre o

complexo cafeeiro e as atividades urbano-industriais em franca expansão na passagem do século

XIX para o XX, com o que não se favoreceu uma elevação e uma maior homogeneização da

estrutura de salários da economia brasileira como um todo (HENRIQUE, 1999).

Ora, à medida que avança a industrialização, torna-se evidente o descompasso existente

entre a estrutura da produção e a composição da demanda interna, moldada pela concentração

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extremamente elevada da renda. O ajuste, inevitável, dava-se por intermédio do comércio exterior

e da importação dos produtos demandados pelas elites locais, que tendiam a reproduzir padrões

de consumo similares aos dos países desenvolvidos.

Feitas estas observações, convém direcionar o foco da análise para as ligações existentes

entre o desenvolvimento capitalista no Brasil e o padrão de distribuição de renda associado. A

esse respeito, as reflexões de Maria da Conceição Tavares que seguem são bastante eloquentes:

Enquanto a substituição (de importações) se dava em faixas de bens de consumo não-

duráveis ou de certos produtos intermediários e bens de capital, em que a tecnologia

adotada exigia uma densidade de capital pouco elevada, o “módulo” de investimento

além de multiplicador da renda tendia a ser fortemente multiplicador de emprego. Desta

maneira, a ampliação do mercado se processava por duas vias, tanto pela elevação da

renda dos grupos de alto poder aquisitivo como pela incorporação ao consumo de bens e

serviços industriais e derivados de trabalhadores deslocados para os novos setores

dinâmicos, evidentemente com remunerações mais elevadas. À medida porém que se

avança no processo de substituição e se entra, em particular, nas faixas de bens duráveis

de consumo, o crescimento relativo do mercado passa a dar-se basicamente em termos

verticais, ou seja, explorando o poder de compra das classes de alta renda. Isto se deve a

dois motivos fundamentais: 1) a alta densidade de capital por unidade de investimento e

de produto impede a absorção de grandes quantidades de mão-de-obra; 2) o alto valor

unitário dos bens produzidos só permite a incorporação aos mercados consumidores de

reduzidas camadas da população (TAVARES, 1983 [1963], p. 49-50).

Assim, umas das preocupações centrais do pensamento social e econômico latino-

americano nas décadas de 1960 e 1970 repousava sobre a escassa capacidade da estrutura

industrial periférica, tal como a brasileira, em transmitir uma parte expressiva dos ganhos de

produtividade para o incremento dos salários.

Nos termos consagrados por Celso Furtado, tal preocupação se apresentava da seguinte

maneira: uma industrialização assentada em padrões técnicos concebidos no exterior e, portanto,

de elevada dotação de capital por trabalhador, retirava do setor industrial parte de sua capacidade

de absorção de mão de obra, sendo diminuta, por essa via, a parcela da força de trabalho afetada

pelo progresso técnico. Com o que ele conclui:

Inexistem, portanto, as condições que em outras partes levaram à formação das pressões

sociais que respondem pela elevação da taxa de salário. Daí que a economia se haja

fragmentado em mercados com reduzida comunicação: de um lado está a massa da

população, cujo poder de compra médio permanece praticamente estagnado; de outro

está a minoria privilegiada com altos padrões de consumo em rápida diversificação

(FURTADO, 1972, p. 27-28).

Mais adiante, Celso Furtado completa o seu raciocínio:

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Na medida em que o consumo da minoria de altas rendas deve acompanhar a evolução

do consumo dos grupos de rendas médias e altas de países muito mais ricos, os limitados

recursos disponíveis para investimento tenderão a ser absorvidos na diversificação do

consumo da referida minoria, em prejuízo do referido processo de difusão (das técnicas

já conhecidas). Em consequência, a aceleração do crescimento do consumo dos grupos

de altas rendas terá como contrapartida a agravação do subdesenvolvimento, na medida

em que este significa disparidade entre os níveis de consumo de grupos significativos da

população de um país (FURTADO, 1972, p. 31).

No entanto, convém chamar a atenção, acompanhando Maria da Conceição Tavares e Paulo

Renato Souza, para o fato de que “contrariamente ao que estava implícito nas análises dos anos

60, [...] a inserção no setor ‘moderno’ não foi, por si só, garantia de um padrão de vida adequado

para os empregados” (TAVARES; SOUZA, 1981, p. 5)100.

Nesse quesito, basta lembrar que, sobretudo a partir de 1964, com o fim da estabilidade no

emprego e a introdução do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), os trabalhadores

posicionados nos postos iniciais dos mercados internos de trabalho da grande empresa eram

submetidos a uma alta rotatividade, impossibilitando-os de construir trajetórias profissionais

ascendentes, em direção aos postos de trabalho de níveis hierárquicos mais elevados e, portanto,

de melhor qualidade e maiores salários101.

Com efeito, o importante a reter é que a taxa e a estrutura de salários encontram-se

intimamente articuladas com o padrão de acumulação e a estrutura produtiva da economia. No

caso brasileiro, tais articulações se apresentavam da seguinte maneira:

A ampliação das diferenciações salariais, juntamente com a queda dos preços relativos

dos bens duráveis de consumo, permitiu o ajuste entre uma distribuição desigual da

renda e os novos padrões de consumo. Estes por sua vez se diferenciaram

progressivamente para as camadas de altas rendas e se estenderam às camadas médias-

baixas pelo aumento considerável de sua capacidade de endividamento estimulado pelos

novos, e muito dinâmicos, desenvolvimentos do sistema financeiro. Assim a lógica de

expansão do mercado para as indústrias explicitou-se [...] por meio das características da

distribuição pessoal da renda, dos esquemas de endividamento e do padrão de consumo,

configurando a este nível mais concreto o padrão geral de acumulação da economia

brasileira no período recente (décadas de 1950 a 1970) (TAVARES; SOUZA, 1981, p.

26).

O aludido modelo brasileiro de desenvolvimento econômico não foi uma mera decorrência

de leis econômicas inexoráveis, não custa salientar. Se, em parte, ele resultou de uma lógica de

atuação inerente ao capitalismo subdesenvolvido, no qual os controles financeiro e tecnológico

100 A pobreza absoluta, no entanto, não dizia respeito diretamente à força de trabalho empregada nos segmentos modernos da

economia: “A nuestro juicio, la pobreza absoluta no puede ser imputada a la ‘modernidad’ de la monopolización industrial, sino al

carácter ‘atrasado’ de las relaciones sociales de producción herdadas de la monopolización mercantil” (TAVARES, 1981, p. 22). 101 A alta rotatividade nos postos de trabalho, outra característica estrutural do mercado de trabalho brasileiro, será objeto de

análise pormenorizada adiante.

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estavam, em grande extensão, em mãos do capital internacional, por outro lado, deve-se ter em

conta o papel central desempenhado, nesse sentido, pelo Estado brasileiro (TAVARES; SERRA,

1983 [1972]).

Destarte, é preciso reconhecer que, até fins dos anos 1950, a industrialização brasileira

vinha, de certa forma, sendo favorável aos trabalhadores e a elevação dos salários, ainda que

muito provavelmente os níveis de desigualdade nunca tenham deixado de situar-se em patamares

aviltantes. O mais importante era o horizonte para o qual apontavam as transformações em curso

naquele período, qual seja, o da constituição de uma sociedade de consumo de massas com um

padrão de distribuição da renda minimamente civilizado, nos moldes do que acontecia nos países

de capitalismo avançado.

Apesar do arcabouço jurídico-institucional que disciplinava o mercado de trabalho

brasileiro não ter referendado a representação sindical por local de trabalho e o contrato coletivo,

com o que sancionava uma ampla liberdade para as empresas constituírem as suas hierarquias

ocupacionais e de remunerações internas, é lícito reconhecer que os sucessivos aumentos do

salário mínimo, posicionando-o em um patamar relativamente elevado, dificultavam uma

abertura ainda mais pronunciada do leque salarial.

Vale o registro de que o salário mínimo, ao ser estabelecido em 1940, restringia-se aos

trabalhadores com carteira assinada residentes nas cidades e era regionalmente diferenciado. Nos

maiores centros industriais, como São Paulo e Rio de Janeiro, o primeiro valor do salário mínimo

era inferior à média dos salários mais baixos, ao tempo que, nas demais cidades, o contrário se

dava102. Ainda que o seu valor fosse suficiente para atender as necessidades básicas de um

trabalhador, o salário mínimo assegurava o atendimento de apenas cerca de 40% das despesas

familiares (POCHMANN, 1994).

A introdução de novos setores, novas empresas e técnicas se deu, simultaneamente a um

amplo movimento de urbanização, sub-proletarização, extensão do sindicalismo oficial e

modernização das relações trabalhistas nos ramos mais intensivos em mão-de-obra.

Assim, se de um lado a regulação estatal sobre as relações do trabalho e dos níveis do

salário mínimo impunha uma norma estruturadora aos mercados precários de trabalho,

102 A política de salários mínimos visava, antes de tudo, evitar que a escassez de alguns segmentos da força de trabalho

possibilitasse a elevação dos seus salários. De acordo com Francisco de Oliveira: “[...] o papel da institucionalização do salário

mínimo reveste um significado importantíssimo para a acumulação do setor urbano-industrial da economia: ela evita,

precisamente ao contrário do que supõem alguns, o aparecimento no mercado de trabalho da escassez específica que tenderia a

elevar os salários de algumas categorias, pela adoção de uma regra geral de excesso global. Em outras palavras, a fixação dos

demais salários, acima do mínimo, se faz sempre tomando este como ponto de referência e nunca tomando a produtividade de

cada ramo industrial ou de cada setor como o parâmetro que, contraposto à escassez específica servisse para determinar o preço da

força de trabalho” (OLIVEIRA, 2003 [1972], p. 81, grifos do autor).

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confrontando-se com práticas atrasadas de gestão da mão-de-obra; de outro permitia à

grande empresa, sobretudo nos novos setores, fixar salários relativos baixos e obter paz

fabril devido a débil e controlada organização sindical dentro das grandes fábricas

(MEDEIROS, 1992, p. 264-265).

Ainda assim, no início dos anos 1960, já com uma base industrial praticamente

consolidada, o sindicalismo brasileiro, sobretudo o atuante nos ramos econômicos mais

modernos, passou a questionar de forma mais contundente, o que muitas vezes significava a

deflagração de movimentos grevistas, a ampla autonomia empresarial na definição do padrão de

regulação das relações de trabalho. Naquele momento, frise-se, as bandeiras de luta dos

sindicatos extrapolavam os muros das empresas, com reivindicações em favor de políticas

educacionais mais universais e inclusivas e da reforma agrária, por exemplo.

Nesse contexto, face a uma inflação renitente, reajustes salariais anuais (e até mesmo

semestrais) foram conquistados por uma gama variada de categorias profissionais. O salário

mínimo, por seu turno, experimentava reajustes frequentes, não obstante a legislação que o

instituiu estabelecesse uma correção trienal. Assim, no período em tela, os trabalhadores

conseguiram ampliar em termos reais o poder de compra dos seus salários, assim como os

salários de base apresentaram uma trajetória de alta: no período 1952-64, o valor do salário

mínimo já representava 2,4 vezes a renda per capita, enquanto no período imediatamente

anterior, 1944-51, a aludida relação era de apenas 1,3 vez.

A supressão do regime democrático, em 1964, alterou profundamente a dinâmica

precedente do salário mínimo, pondo em xeque a sua função precípua de assegurar a satisfação

das necessidades de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte do trabalhador e de

sua família. Entre os anos de 1965 e 1974, por exemplo, o valor real do salário mínimo diminuiu

aproximadamente 33,5% comparativamente ao período anterior (1952-64), apresentando uma

tendência de queda mesmo durante o “milagre econômico” brasileiro (MEDEIROS, 1992).

Na realidade, o salário mínimo teve eficácia para atender aos interesses dos pequenos

empresários com baixa produtividade, das prefeituras de regiões economicamente

atrasadas e da previdência social com gestão tecnocrática. Ao invés da proteção dos

trabalhadores de salário de base, a política do mínimo esteve associada tanto à

sustentação de uma base de apoio político do regime militar (pequenos negócios), quanto

à composição das medidas ortodoxas de combate à inflação (MEDEIROS, 1992, p. 650-

651).

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Ao analisarem comparativamente as características estruturais da expansão econômica

ocorrida durante o Plano de Metas (1956-62) e a do “milagre” brasileiro (1968-1974), João

Manuel Cardoso de Mello e Luiz Gonzaga Belluzzo chamaram a atenção para esta questão103:

Na fase 56/62, o crescimento rápido foi compatível com o aumento da taxa dos salários

reais de base, pelo menos até 1959, e não houve, de forma significativa, uma abertura em

leque das rendas do trabalho. No período recente (o do “milagre”), ao contrário, a

dominância de bens duráveis de consumo impôs uma pronunciada diferenciação dos

salários, cuja condição de compatibilização era dada, em última instância, pela

contenção dos salários de base (CARDOSO DE MELLO; BELLUZZO, 1998 [1977], p.

170).

Porém, a incursão do governo militar no campo da política salarial não se restringiu a

aludida redefinição de rumos na condução do salário mínimo. A partir de 1967, em meio a

tentativas obstinadas em conter a elevação dos índices inflacionários, inaugurou-se a prática de

políticas gerais de salário. Por meio delas, almejava-se o disciplinamento do comportamento do

conjunto de rendimentos dos assalariados, mediante a definição de índices oficiais de correções

salariais, em um contexto de forte repressão aos movimentos sindicais e de submissão completa

da Justiça do Trabalho.

Não interessa aqui debruçar-se sobre os pormenores da escolha e do método de cálculo de

tais índices104, o que convém ressaltar é que, entre os anos de 1964 e 1978, o poder aquisitivo dos

salários declinou consideravelmente, ainda que tenham sido corrigidos no período com base nos

índices estipulados pelo governo federal. A título ilustrativo, a participação do rendimento

assalariado na renda nacional passou de 55,5%, em 1959, para 52,0%, em 1970, e 50,3% em

1979.

Não por acaso, a concentração da renda apresentou um comportamento de alta nas duas

décadas em questão, ainda que em magnitudes bastante distintas. Nos anos 1960, a taxa de

crescimento da renda real do último decil da distribuição da renda foi de 101%, ao passo que a

dos 80% inferiores foi de 46%. Assim, o índice de Gini no Brasil assinalou um salto de 0,50, em

1960, para 0,57 em 1970, a ponto de representar praticamente todo o aumento da concentração da

renda observado no período 1960-86. Nos anos 1970, a deterioração do grau de desigualdade de

renda se manteve, é verdade, porém em ritmo bem mais modesto: de 0,57, em 1970, o índice de

Gini aumentou para 0,59, em 1980. O que se percebe é que na segunda metade desta década as

103 Para estes autores, a crise da segunda metade dos anos 1970 foi, essencialmente, um problema de realização dinâmica, ou seja,

de incompatibilidade entre taxas de acumulação e de crescimento da demanda efetiva de bens duráveis de consumo. 104 A esse respeito, ver, por exemplo, Pochmann (1994).

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classes de renda baixa e média conquistaram ganhos reais em seus rendimentos, ao passo que as

classes de renda mais alta assinalaram um movimento oposto (BONELLI; SEDLACEK, 1989).

Nesse contexto, não se pode perder de vista que se, por um lado, a industrialização

brasileira não logrou êxito no combate aos altos níveis de desigualdade de renda que prevalecem

no país desde muito tempo, e, até mesmo, agravou-os a partir do modelo de desenvolvimento

econômico implementando no pós-golpe de 1964, por outro, a mobilidade social observada no

período foi, sob qualquer parâmetro, bastante intensa, o que, por algum período, serviu de

principal esteio de sustentação política e ideológica ao regime militar.

Os trinta anos que vão de 1950 a 1980 – anos de transformações assombrosas, que, pela

rapidez e profundidade, dificilmente encontram paralelo neste século – não poderiam

deixar de aparecer aos seus protagonistas senão sob uma forma: a de uma sociedade em

movimento. Movimento de homens e mulheres que se deslocam de uma região a outra do

território nacional, de trem, pelas novas estradas de rodagem, de ônibus ou amontoados

em caminhões paus-de-arara. [...] Movimento de uma configuração de vida para outra:

da sociedade rural abafada pelo tradicionalismo para o duro mundo da concorrência da

grande cidade, ou para o mundo sem lei da fronteira agrícola; da pacata cidadezinha do

interior para a vida já um tanto agitada da cidade média ou verdadeiramente alucinada da

metrópole. Movimento, também, de um emprego para outro, de uma classe para outra,

de uma fração de classe para outra, de uma camada social para outra. Movimento de

ascensão social, maior ou menor, para quase todos (CARDOSO DE MELLO; NOVAIS,

1998, p. 584-586, grifos dos autores).

O recrudescimento das desigualdades de renda observado nos anos 1960, vale dizer,

colocou o tema no centro do debate social e econômico que se travou na década seguinte. Nesse

cenário, as ideias defendidas por Carlos Langoni ocuparam um lugar de destaque. Para ele, o

crescimento econômico necessariamente provoca impactos importantes sobre a distribuição da

renda. No mercado de trabalho, em particular, é de se esperar que o aumento da demanda por

mão de obra venha acompanhado por elevações salariais diferenciadas, se se supõe, como o autor

o faz, que há uma oferta relativamente inelástica de trabalhadores qualificados. Tal tendência,

acrescenta o autor, ainda seria reforçada pela tecnologia moderna, em implantação no país,

caracterizada como altamente intensiva em mão de obra qualificada (LANGONI, 1973).

Porém, a correlação positiva entre taxa de crescimento e desigualdade seria temporária. A

partir do momento que o ritmo do crescimento se estabilizasse, em um nível de renda per capita

mais elevado, seria lícito acreditar que as forças que atuaram em prol do aumento das

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100

desigualdades assumam um sentido contrário, em prol de um ajustamento paulatino da oferta e da

demanda por mão de obra e, por essa via, de uma diminuição das desigualdades de renda105.

Boa parte da literatura sobre desigualdades que se seguiu à obra de Carlos Langoni

procurou dialogar de forma crítica com as ideias defendidas por este autor. Para Edmar Bacha,

por exemplo, a abertura do leque salarial da economia brasileira nos anos 1960 esteve vinculada a

um processo de diferenciação de salários que dizia respeito muito mais à posição hierárquica do

trabalhador na empresa do que à sua qualificação propriamente dita. A discussão é posta nos

seguintes termos pelo autor:

[...] se não fizermos a distinção trabalhadores/gerentes e considerarmos apenas um

continuum de qualificações, indo do trabalhador manual analfabeto ao diretor da

empresa com diploma universitário, obteremos uma alta correlação estatística entre

educação e salário. Entretanto, se fizermos o corte trabalhadores/gerentes, deveremos

observar dois padrões distintos, caso nossa hipótese seja correta: para os trabalhadores, a

educação terá um efeito “marginal”, no sentido de o salário do operário mais qualificado

superar o do menos qualificado apenas pelo custo de treinamento (com controle para a

experiência). Quando, entretanto, passarmos para as funções gerenciais, a cada novo

nível hierárquico, corresponderá um salto salarial, haja ou não diferenças em níveis

educacionais. Ou seja, o fator fundamental na determinação da estrutura de salários será

a posição na escala hierárquica e não a qualificação individual (BACHA, 1978, p. 134-

135).

Pedro Malan e John Wells (1978) teceram observações críticas mais diretas ao trabalho de

Carlos Langoni. Em primeiro lugar, para estes autores, há uma contradição entre as considerações

de ordem mais geral assumidas por Carlos Langoni, defensor da tese de que o aumento das

desigualdades nos anos 1960 resultaria da atuação de “mudanças clássicas” de transferência de

mão de obra entre setores de atividade e regiões, assim como de mudanças qualitativas da força

de trabalho, e sua constatação de que as mudanças dentro de cada setor, região ou grupos etários

ou de sexo são os elementos mais importantes para a compreensão do aumento da desigualdade

no período.

No que toca ao papel da educação para a elevação das desigualdades, aspecto de grande

relevância para Carlos Langoni, Pedro Malan e John Wells ponderam, valendo-se dos resultados

empíricos reunidos pelo referido autor, que a educação é realmente uma variável explicativa

importante para o fenômeno em questão, porém ela se mostra especialmente relevante quando se

105 Carlos Langoni (1973) acredita que, em resposta às sinalizações fornecidas pelo mercado, os indivíduos ampliariam os

investimentos em capital humano e em treinamento para as ocupações e as qualificações mais demandadas. Ainda que não se

descarte um problema de oferta na educação pública, para ele seria de se esperar que esta questão fosse também superada diante

da forte pressão da demanda. Finalmente, com custos do trabalho mais altos, as empresas seriam mais suscetíveis a promover

investimentos no treinamento específico dos trabalhadores, assim como a uma maior tributação para financiar uma educação

formal mais abrangente.

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consideram grupos de indivíduos com o mesmo nível educacional. Nesse quesito, porém, o

mecanismo de oferta e procura que orienta a análise de Langoni tem muito pouco a elucidar.

Outras insuficiências das reflexões de Langoni, de acordo com Malan e Wells (1978),

estariam no não reconhecimento de que “em um regime capitalista, a distribuição de rendimentos

do trabalho é codeterminada com a distribuição de rendas da propriedade”, no pouco poder

explicativo das variáveis independentes utilizadas no modelo econométrico adotado (educação,

idade, sexo, atividade e região), no “fracasso em conferir um tratamento adequado à evolução das

rendas da propriedade durante a década de 60”, e no seu entendimento de que a desigualdade no

Brasil seria um fenômeno temporário e auto corrigível.

José Serra (1978) também foi um dos autores que se posicionaram contra as interpretações

hegemônicas a respeito da elevação da desigualdade de renda nos anos 1960, dentre as quais as

de Carlos Langoni se encontravam. Para Serra, não há porque esperar um efeito benéfico geral da

concentração da renda, o que aconteceria, afirmavam os seus defensores, por meio do aumento da

renda, do emprego e dos investimentos. Nesse sentido, o autor mostra-se crítico ao abandono do

conceito relativo da pobreza, destaca que a reconcentração da renda pessoal favoreceu o consumo

das classes mais ricas (e não o investimento) e assume a visão keynesiana das relações causais

entre poupança e investimento (cujo sentido da determinação caminharia do segundo para o

primeiro).

Ele ainda contesta as explicações para a elevação da desigualdade de renda apoiadas na

crença de que não era apropriado se falar em justiça ou injustiça social, uma vez que a ordem

econômica, guiada pela eficiência, remuneraria os fatores de produção com base nesse critério. A

esse respeito, Serra aponta que “[...] na concorrência perfeita, é certo que os salários e os juros

corresponderão pelos aportes marginais respectivamente do trabalho e do capital. Mas a relação

de causalidade está no sentido remuneração-aporte e não o contrário” (SERRA, 1978, p. 272).

Serra também opõe-se ao argumento de que a educação é a principal causa explicativa para

a abertura do leque salarial dos anos 1960, como o faz Langoni. Ele salienta, nesse sentido, que

as oportunidades educacionais são aproveitadas de forma desigual pelas classes sociais; que a

distribuição de salários está inscrita no aparato produtivo e que a educação é um dos

componentes da qualificação da mão-de-obra, juntamente com a preparação específica e a

experiência. Por fim, o autor contesta o fato de que no período havia uma oferta insuficiente de

mão de obra qualificada.

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102

Nesse contexto, desenvolveu-se ainda um debate mais específico, qual seja, o do grau de

importância do salário mínimo para a determinação dos salários de base do setor industrial e,

consequentemente, da influência do seu comportamento para o aumento das desigualdades de

renda.

No entendimento de Roberto Macedo e Manuel Garcia106, o papel da política brasileira de

salário mínimo para a ampliação das desigualdades de renda nos anos 1960 foi superestimado por

muitos autores. Isto porque, no Brasil, somente um segmento limitado dos trabalhadores era

coberto pela legislação do salário mínimo107, constatação que permaneceria válida mesmo se

fossem considerados somente os trabalhadores dos estratos de renda mais baixos108. Além disso,

no universo supostamente restrito dos trabalhadores abrangidos por esta legislação, qual seja, o

de assalariados com registro em carteira de trabalho, observou-se uma diminuição da parcela

daqueles que auferem remunerações próximas ao patamar mínimo estabelecido pelo governo109.

Com o que se conclui:

[...] não se pode depender da legislação do salário mínimo para mitigar a pobreza no

Brasil. Os muito pobres estão em grande parte fora da cobertura da legislação, dado que

tipicamente não são assalariados no setor moderno, urbano da economia.

Adicionalmente, onde realmente se aplique essa legislação, sua eficácia em termos de

aumentar, de modo significativo, os salários reais de uma grande fração dos

trabalhadores de baixas rendas não pode ser tomada como garantida, devido a

possibilidade de elevação do não cumprimento da lei facilitada pela existência de

relações informais de trabalho. Onde a legislação realmente seja obedecida pelas firmas,

é inquestionável que, eliminando efeitos eventuais e desfavoráveis sobre o emprego,

seus trabalhadores de baixas rendas estarão em uma posição melhor relativamente

àqueles não cobertos pela legislação. De qualquer forma, as firmas tentariam evitar os

maiores custos dos salários por meio da elevação dos preços [...] (MACEDO, 1981, p.

49-50).

Para estes autores, o salário de subsistência representa um piso salarial para o setor

capitalista da economia110. Com efeito, caso os salários, neste setor, fossem estabelecidos abaixo

desse patamar, não seriam suficientemente atrativos para estimular, por um lado, os trabalhadores

106 Ver, por exemplo, Macedo (1981) e Macedo e Garcia (1980). 107 “[...] a discussão acerca do salário mínimo adquire maior relevo apenas nas sub-regiões urbanas e menos pobres do Nordeste,

onde a proporção de assalariados é elevada” (MACEDO, 1981, p. 46). 108 “[...] o grupo de pessoas que recebem salário mínimo não está localizado na base da pirâmide distributiva, posto que o salário

mínimo situa-se bem acima dos rendimentos dos grupos de menor renda [...]” (MACEDO, 1981, p. 46-47). 109 “[...] a elasticidade dos salários com respeito ao mínimo é menor do que a unidade; isto significa que os salários dos

trabalhadores não qualificados não seguiram a queda no valor real do salário mínimo” (MACEDO, 1981, p. 48). 110 Tais conclusões já haviam sido proferidas em outro momento: “[...] a queda do valor real do salário mínimo foi acompanhada

por uma diminuição da proporção de trabalhadores recebendo remunerações próximas do mínimo; essa diminuição continuou

ocorrendo no período em que o salário mínimo se estabilizou. Assim sendo, concluímos que o salário mínimo veio perdendo

importância como padrão de remuneração no mercado de trabalho. Isso implica dizer que a taxa de salários não é determinada

unicamente pelo salário mínimo e que sua elasticidade com relação a este foi menor que um no período analisado” (MACEDO;

GARCIA, 1980, p. 1015).

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residentes no campo a abandonarem as atividades agrícolas; por outro, os trabalhadores urbanos a

abrirem mão de suas ocupações informais. Em suma, nessa perspectiva, a determinação dos

salários de base no setor industrial assumiria um caráter exógeno ao sistema capitalista. Desse

modo, para Roberto Macedo e Manuel Garcia, a redução do número de trabalhadores recebendo

remunerações próximas ao salário mínimo pode ser compreendida nos seguintes termos:

[...] o salário de subsistência, pela sua própria definição, deve ter acompanhado a

variação do custo de vida; como isso não ocorreu com o salário mínimo, teria caído a

razão entre este e o salário de subsistência, com este último ultrapassando o próprio

valor do salário mínimo em alguns casos. Como a queda do valor real do salário mínimo

foi muito acentuada, o limite inferior estabelecido pelo salário de subsistência teria feito

com que a queda do valor real do salário mínimo não implicasse necessariamente uma

queda da taxa de salários, caindo assim a parcela de trabalhadores com remunerações

próximas do mínimo em algumas regiões do país. Além disso, a pressão da crescente

demanda de mão-de-obra também teria contribuído para a ocorrência do fenômeno,

principalmente no final dos anos 60 e no início da década seguinte (MACEDO;

GARCIA, 1980, p. 1016).

Paulo Renato Souza e Paulo Baltar (1980 [1978]; 1980), de forma diversa, entendem que

“apesar dos pesares, a taxa de salários da economia urbana capitalista no Brasil foi determinada

basicamente, no passado recente (anos 1960 e 1970), pela política de reajustes do salário

mínimo” (SOUZA; BALTAR, 1980 [1978], p. 58)111. Nesse sentido, os referidos autores

assumem a hipótese de que é o salário-base no núcleo capitalista da economia que orienta as

remunerações dos trabalhadores não qualificados, incluindo os ocupados na pequena produção

mercantil (o denominado “efeito farol”), e não o contrário, conforme acreditam Roberto Macedo

e Manuel Garcia.

Paulo Renato Souza e Paulo Baltar postulam ainda que a taxa de salários do setor

capitalista é uma resultante, por um lado, das necessidades da acumulação de capital e, por outro,

da luta entre trabalhadores e empresários pela apropriação do excedente econômico. Nesse

aspecto, a política de salários mínimos revelaria a capacidade do Estado brasileiro em explicitar

(e não arbitrar, frise-se) a aludida disputa entre as classes. De acordo com esta concepção,

portanto, a taxa de salários seria determinada endogenamente no núcleo capitalista da economia,

o que vai de encontro, mais uma vez, ao entendimento de Roberto Macedo e Manuel Garcia.

No setor capitalista, afirmam Paulo Renato Souza e Paulo Baltar, não haveria alternativa ao

pagamento de salários inferiores ao mínimo oficialmente estabelecido, como pode ocorrer no

111 Por taxa de salário, os autores entendem como “o salário-base pago à força de trabalho não qualificada do núcleo realmente

capitalista de uma economia” (SOUZA; BALTAR, 1980 [1978], p. 58).

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âmbito das pequenas unidades econômicas, mais suscetíveis a se desvencilharem da legislação

trabalhista.

A partir dessas premissas, os referidos autores argumentam que:

[...] apesar de o salário mínimo ter continuado a ser a base das remunerações no núcleo

verdadeiramente capitalista da economia e de ser o parâmetro de orientação para as

rendas do restante da mão-de-obra não-qualificada urbana, as cifras de distribuição da

renda podem, de fato, registrar proporções decrescentes de pessoas abaixo ou no entorno

do salário mínimo legal (SOUZA; BALTAR, 1980 [1978], p. 66).

Para eles, o fundamental é o reconhecimento de que o salário mínimo determinou o

comportamento do piso salarial da economia brasileira nos três decênios que vão dos anos 1950

aos 1970112, e que o rebaixamento do seu valor foi crucial para a abertura do leque salarial

observada no período.

O que se enfatiza é o efeito homogeneizador do salário mínimo sobre todos os pisos

salariais, que, obviamente, expressam em boa medida as remunerações dos trabalhadores ‘de

base’ mais diretamente em competição nos mercados de trabalho não qualificado e sobre os quais

o mínimo exerce uma influência direta e decisiva (SOUZA; CUNHA, 1989 [1982]).

c) instabilidade e elevada rotatividade no emprego

Finalmente, a falta de estabilidade no emprego e a alta rotatividade nos postos de trabalho

também constituem problemas crônicos do mercado de trabalho brasileiro que merecem ser

destacados.

O funcionamento do mercado de trabalho em sentido estrito (quando a compra da força de

trabalho é feita por meio de uma relação de assalariamento) depende do tipo de arranjo

institucional existente, da composição da oferta de empregos e do modo de organização do

trabalho nas empresas.

No Brasil, a estruturação do mercado de trabalho assalariado, em paralelo à implantação de

uma estrutura produtiva industrial diversificada, resultou na criação de grupos específicos de

postos de trabalho adequados aos diferentes ramos econômicos e de outros grupos com contornos

mais gerais, destinados a suprir um leque amplo de funções básicas. Dentre os primeiros,

consolidam-se, por um lado, postos de trabalho que exigem um nível mínimo de qualificação

profissional dos trabalhadores, com o que tende a estimular a sua especialização e,

112 Esta visão também encontra-se presente em Tavares e Souza (1981).

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consequentemente, a formação de segmentos no mercado de trabalho. Por outro lado, perfilam-se

postos de trabalho não-estruturados e que possuem requisitos de entrada pouco relevantes, o que

não favorece a especialização da mão de obra, nem condiciona a trajetória profissional futura dos

seus ocupantes. Neste caso, é improvável que surjam em torno deles segmentos específicos de

mercado de trabalho (BALTAR, 2003 [1985]).

Assim, define-se como a base do mercado de trabalho assalariado o conjunto dos postos de

trabalho que não pertence a nenhum segmento deste mercado. Estes postos, vale a insistência,

não primam por maiores requisitos profissionais, não são específicos de indústrias particulares e

não promovem a especialização da mão de obra.

Em síntese, identificam-se dois universos claramente diferenciados no mercado de trabalho:

de um lado, nos chamados mercados internos ou primários de trabalho, trajetórias profissionais

bem definidas, estabilidade no emprego e ascensão dos salários em sintonia com a produtividade;

de outro, nos mercados externos ou secundários de trabalho, movimentos aleatórios entre postos

de trabalho distintos e não necessariamente relacionados entre si, produzindo resultados

diametralmente opostos aos apresentados anteriormente.

Nos países desenvolvidos, como já se analisou no capítulo anterior, o surgimento e a

disseminação da administração científica da produção, baseada na simplificação do trabalho por

meio da sua decomposição em atividades elementares e rotineiras e na separação estrita entre

execução e concepção do trabalho, não se constituiu em um empecilho para que os mercados

internos (ou primários) de trabalho se desenvolvessem. Eles foram o resultado da interlocução

entre sindicatos influentes no local de trabalho e as classes dirigentes de grandes empresas

pertencentes a oligopólios relativamente estáveis. O padrão de uso, remuneração e

contratação/demissão da mão de obra era chancelado, portanto, pelos atores sociais pertencentes

ao espaço fabril, com o contrato coletivo de trabalho sendo o instrumento por excelência de

formalização desse processo.

Nesse cenário, a estabilidade no emprego apresentava-se como o eixo estruturante do

regime de trabalho dos países desenvolvidos, sobre o qual se apoiavam os seus demais elementos

constitutivos. Assim, as conexões virtuosas que se formavam entre qualificação da mão de obra,

salários e produtividade, só eram viáveis porque uma ampla parcela da força de trabalho gozava

de uma segurança mínima no emprego.

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No caso do Brasil, o regime de trabalho prevalecente estruturou-se de maneira

marcadamente diversa, assentando-se na alta instabilidade dos vínculos empregatícios e no

baixíssimo nível da base salarial, ainda que o país tenha logrado a implantação de uma estrutura

produtiva moderna, à semelhança da encontrada nos países desenvolvidos (BALTAR; PRONI,

1996). Assim sendo, cabe indagar: por que bases produtivas semelhantes produziram regimes de

trabalho tão díspares?

A literatura que se debruçou sobre o tema ofereceu um conjunto variado de explicações

para tal dissociação, que, por sua vez, podem ser agrupadas em duas dimensões de natureza

distinta: uma dimensão técnico-produtiva, outra de ordem político-institucional.

No que diz respeito à dimensão técnico-produtiva, o modo e o ritmo assumidos pelas

industrializações periféricas, tal como a brasileira, em um ambiente urbano submetido a fluxos

migratórios e crescimentos populacionais intensos, foram decisivos para a conformação do

regime de trabalho prevalecente no Brasil. As reflexões de Paulo Baltar a esse respeito são

bastante elucidativas:

[...] um mercado de trabalho é mais fluido ou mais rigidamente estruturado em função da

rapidez ou lentidão com que é montado o aparelho produtivo de uma economia

capitalista. Ou seja, na situação de um país que monta passo a passo sua estrutura

produtiva durante um período que se estende por décadas é mais provável que o mercado

de trabalho assalariado se organize em segmentos rigidamente estruturados. Enquanto

noutro que assiste ao surgimento simultâneo de muitas indústrias num curto período, ao

mesmo tempo em que as poucas indústrias tradicionais se transformam radicalmente –

não apenas reduzindo seu estoque de empregos mas também mudando completamente a

natureza de seus postos de trabalho – tende a prevalecer uma base muito ampla que

inclui uma elevada proporção dos postos de trabalho das várias indústrias (BALTAR,

2003 [1985], p. 198).

Em sua visão, a alta rotatividade no emprego é uma decorrência direta desse processo, o

que, consequentemente, impede maiores avanços na especialização da mão de obra, formando,

assim, um mercado de trabalho com uma base demasiadamente ampla, quando comparada ao que

se verificou nos países desenvolvidos.

Ademais, uma industrialização implementada em um curto espaço de tempo e mercados de

trabalho instáveis, não favorecem o fortalecimento da ação sindical, conferindo aos empregadores

total liberdade na definição do padrão de uso, remuneração e contratação e demissão da mão de

obra (MEDEIROS, 1992).

Assim, a pouca difusão de segmentos rígidos nos mercados de trabalho subdesenvolvidos,

como o brasileiro, em um cenário de industrialização acelerada e oferta abundante de mão de

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obra, favoreceu a formação de uma base extensa composta por uma força de trabalho muito

pouco diferenciada em termos de recursos produtivos, que, por isso mesmo, submetia-se a

elevadas taxas de rotatividade. Deste modo, dificultou-se ao máximo o crescimento dos salários

em sintonia com a expansão dos ganhos de produtividade, com o que terminou por sancionar o

baixo nível e a extrema diferenciação da estrutura dos salários no país.

Porém, conforme já se disse, a alta rotatividade nos postos de trabalho do mercado de

trabalho brasileiro não diz respeito somente a questões de ordem técnico-produtiva, mas também

a aspectos político-institucionais.

Nesse sentido, os resultados de pesquisa realizada por Afonso Carlos Fleury, no final dos

anos 1970, são bastante elucidativas. Ele constatou que o esquema de organização do trabalho

predominante nas empresas brasileiras, por ele denominado de “rotinização”, era o resultado

antes de preocupações de ordem social, do que de aspectos técnicos, ou seja, a ampliação da

produtividade do trabalho era relegada a segundo plano, em proveito de uma preocupação maior

em coibir a manifestação de conflitos (FLEURY, 1983)113.

Segundo este autor, o esquema de rotinização operava com base em um planejamento do

trabalho que visava uma repartição de tarefas até o ponto no qual um trabalhador desprovido de

maiores conhecimentos sobre o processo e o produto pudesse executá-la, com o que não se

demandava dele qualquer treinamento mais específico. Com isso, formava-se uma força de

trabalho cujos membros eram altamente intercambiáveis entre si, induzindo, assim, níveis

elevados de rotatividade da mão de obra. Ademais, consolidou-se um sistema hierárquico de

supervisão de tarefas que evitava um contato mais próximo entre os trabalhadores na fábrica.

Nessa perspectiva, ele conclui: “o trabalho na produção não é organizado de forma que utilize a

mão-de-obra de maneira eficiente, mas de forma que a desqualifique e a desorganize,

minimizando a possibilidade de surgimento de conflitos dentro da fábrica” (FLEURY, 1983, p.

106).

As reflexões realizadas por John Humphrey apontam nessa mesma direção. Em pesquisa

realizada em um dos ramos mais dinâmicos do setor industrial, o automobilístico, o autor

contesta a validade das teorias dos mercados de trabalho segmentado (ou dual) para o caso

brasileiro. Segundo ele, mesmo para os postos de trabalho mais qualificados, as empresas do

113 A rotinização era adotada independentemente da tecnologia utilizada, assim como do grau de dinamismo ambiental ao qual se

defrontava as empresas estudadas. Além disso, o referido esquema de organização do trabalho não era idêntico a qualquer método

consagrado pela teoria, ainda que apresentasse traços comuns com a racionalização produtiva ocorrida nos países desenvolvidos.

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setor tendem a recrutar a sua mão de obra nos chamados mercados externos de trabalho. Além

disso, uma vez contratada, esta mão de obra pouco se beneficia de programas de treinamento,

assim como de oportunidades de promoção interna (HUMPREY, 1982).

Dessa forma, observou-se, nos anos 1970, uma prática generalizada e induzida da

rotatividade nos postos de trabalho na indústria automobilística brasileira, não poupando nem

mesmo os trabalhadores de qualificação mais elevada e de maior tempo de permanência na

empresa. O objetivo das classes dirigentes, anota John Humprhey, era, por um lado, conter os

custos salariais114, substituindo os trabalhadores de salário mais elevado por outros de

remuneração mais baixa; e, por outro lado, instrumentalizar a baixa segurança no emprego como

um mecanismo de coerção da força de trabalho, face a ritmos de produção bastante intensos.

Ruy de Quadros Carvalho, por seu turno, retratou a instabilidade no emprego como um

componente fundamental de um “padrão de uso e controle da força de trabalho” assentado na

superexploração ou na exploração predatória deste último fator. A partir da análise de um

conjunto amplo de pesquisas, que abrangiam diversos ramos da indústria brasileira, o autor

constatou que os mecanismos de repressão do regime militar, no plano político e sindical, e a

rotatividade, no plano das empresas, complementavam-se como mecanismos de controle e de

sujeição da classe trabalhadora a um processo produtivo que combinava um ritmo acelerado de

trabalho e jornadas de trabalho extensas, a uma política de remuneração do trabalho baseada no

crescimento dos salários abaixo da produtividade (CARVALHO, 1987)115.

Nesse quesito, a contrarrevolução conservadora representada pelo golpe de 1964 foi

decisiva para sancionar um regime de trabalho no Brasil amparado em altas taxas de rotatividade

da mão de obra (e nos baixos salários). Foi assim que mecanismos altamente repressivos às

atividades políticas e sindicais foram adotados, inviabilizando-as na prática, justamente no

momento de consolidação da estrutura econômica que vinha sendo montada desde 1930.

Adicionalmente, o recém-empossado governo militar encampou, em 1966, o fim do instituto da

114 A utilização da rotatividade da mão de obra como um instrumento de contenção de custos salariais foi reforçada a partir da

implementação de políticas gerais de salário por parte dos governos da ditadura militar. Ao rebaixar o valor real do salário

mínimo, tais governos possibilitavam às empresas, às vésperas do período dos reajustes determinados oficialmente, a demissão de

trabalhadores não qualificados e a contratação de outros, com remuneração inferior, ainda que superior ao salário mínimo vigente.

A esse respeito, ver a coletânea de artigos reunidas por Souza (1989). 115 Em verdade, o autor relata uma maior tendência de estabilização da força de trabalho nos setores industriais de processo

contínuo automatizado, ao contrário do observado nas indústrias de processo descontínuo ou semi-automatizado, o que

evidenciaria um poder de condicionamento, e não de determinação, da tecnologia moderna sobre o referido padrão.

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109

estabilidade no emprego, e a sua substituição pelo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

(FGTS).

Vale esclarecer que até o referido ano, os trabalhadores com mais de dez anos de serviços

prestados na mesma empresa tinham direito a uma proteção especial contra a demissão. Neste

caso, era preciso comprovar na Justiça do Trabalho que o empregado havia cometido uma

infração grave para que a demissão se consumasse. Com a adoção do FGTS, tal proteção especial

foi abolida. Além disso, o pagamento da indenização por demissão foi modificado. Até então, o

montante recebido pelo trabalhador equivalia a uma remuneração mensal por cada ano

trabalhado, tendo como base o salário mais alto durante esse período. A partir do FGTS, a

empresa passou a ser obrigada a formar um fundo individual para cada trabalhador, onde era

depositado mensalmente um valor equivalente a 8,0% do seu salário116. Ao ser demitido, o

trabalhador adquiria o direito ao saque dos recursos acumulados, acrescidos de 10%, pagos pela

empresa no momento da rescisão contratual.

Não foram poucos os autores, a exemplo de Roberto Macedo e José Paulo Chahad (1985),

que chamaram a atenção para o viés pró-rotatividade introduzido pela legislação do FGTS. De

um lado, as empresas ganharam uma maior liberdade, inclusive fiscal, para acelerar a rotatividade

da mão-de-obra, uma vez que “desaparece o problema de um dispêndio brusco de recursos

financeiros para despedir um empregado, permitindo ao empregador proceder mais livremente a

recomposição do seu quadro de pessoal” (MACEDO; CHAHAD, 1985, p. 58). De outro lado, os

trabalhadores, especialmente os de mais baixa renda, foram estimulados, em tese, a romperem os

seus contratos de trabalho, em comum acordo com o empregador, com vistas à obtenção dos

recursos depositados no Fundo de Garantia.

Sancionava-se, portanto, um sistema de relações de trabalho altamente flexível, no qual os

empregadores possuíam, desde que respeitassem os direitos mínimos inscritos na CLT, uma

ampla liberdade de gestão de pessoal, em um cenário de ação sindical débil e de quase

inexistência de contratos coletivos de trabalho. No dizer de Paulo Baltar e Marcelo Proni:

[...] a instabilidade dos empregos, a falta de especialização dos trabalhadores e o baixo

nível dos salários são aspectos inter-relacionados (e que se reforçam mutuamente) de um

regime fluido de relações de trabalho, que se notabiliza pelo livre-arbítrio dos

empregadores, produto da ausência de uma regulação coletiva do uso e remuneração da

mão-de-obra (BALTAR; PRONI, 1996, p. 118-119).

116 Para as empresas, o custo da implantação do FGTS foi menor do que o aludido percentual, dado que tal implantação veio

acompanhada da extinção de uma série de encargos pagos por elas.

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110

* * *

Destacados os principais elementos da conformação do mercado de trabalho urbano no

Brasil, assim como os problemas crônicos que imprimiram um caráter distorcido ao seu processo

de estruturação incompleta, convém agora refletir acerca dos impactos causados pela crise do

desenvolvimento que se abateu sobre o País nos anos 1980 e das consequências da guinada

neoliberal promovida na década seguinte sobre o mercado de trabalho nacional, com o que foram

aprofundados os problemas crônicos aqui referidos.

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111

Capítulo 4: Deterioração e Estreitamento do

Mercado de Trabalho (1981-2003)

O esgotamento do padrão de desenvolvimento nacional no início da década de 1980

(devido aos desequilíbrios do balanço de pagamentos e à instabilidade monetária) interrompeu o

processo de estruturação do mercado de trabalho brasileiro. Embora a redemocratização do país e

a promulgação da nova Constituição Federal tivessem aberto a perspectiva de emergência de um

padrão de desenvolvimento inclusivo, por meio da fundação de um Estado de bem-estar social,

não foi esse modelo que vingou na década seguinte. De fato, nos anos 1990 houve uma guinada

em direção às políticas de cunho neoliberal, associadas com o esvaziamento da capacidade do

Estado em protagonizar um projeto de desenvolvimento nacional e com a apologia dos benefícios

da abertura econômica para uma franca inserção na economia globalizada. Além disso, nesse

período houve um grande avanço do processo de reestruturação produtiva, com consequências

diretas para o emprego e as relações de trabalho.

Os propósitos do capítulo são: mostrar como a estagnação econômica afetou o mercado de

trabalho nos anos 1980, reforçando seus problemas estruturais e causando erosão do poder de

compra dos salários; e discutir como a transição para um padrão de desenvolvimento baseado na

livre concorrência e pautado na busca de redução dos custos de produção impactou sobre o

mercado de trabalho, provocando o seu estreitamento e a deterioração das relações de emprego.

Desse modo, pode-se dizer que houve um retrocesso no que diz respeito ao processo de

estruturação do mercado de trabalho nacional nos moldes projetados até 1988, introduzindo agora

novos problemas, tais como o desemprego de longa duração e novas modalidades de

informalidade, sem que aqueles problemas característicos do subdesenvolvimento tivessem sido

superados.

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112

4.1. Estagnação, informalidade, erosão salarial e direitos do trabalho

A grave crise que se abateu sobre a economia brasileira nos anos 1980 deu-se em um

contexto de profundas mudanças no quadro econômico internacional, iniciadas ainda na década

anterior, e já referidas no capítulo 2 desta tese. Tais mudanças, vale recordar, ocorreram no bojo

do processo de retomada da hegemonia americana e de defesa do dólar como moeda reserva do

sistema internacional, o que exigiu uma elevação drástica das taxas de juros pelos Estados Unidos

e implicou na perda de dinamismo econômico dos demais países avançados.

A sensação reinante naquele período era de profunda decepção com o “legado” de décadas

de industrialização e de um desenvolvimento orientado pelo Estado. Predominava, então, o

diagnóstico de que, dado o aludido contexto, “o dirigismo industrializante” tinha sido um

retumbante fracasso em proporcionar melhores condições de vida para as massas. Uma aventura

na qual o país precisava se desvencilhar o quanto antes, caso realmente quisesse pavimentar uma

nova trajetória de crescimento, com resultados bem mais satisfatórios em termos econômicos e

sociais.

A decepção não era exclusividade dos pensadores situados no campo liberal, vale dizer.

Celso Furtado, em 1972, por exemplo, vaticinou: “A tese, que prevaleceu imediatamente após a

guerra, de que a industrialização constitui razão suficiente para a absorção do

subdesenvolvimento, está certamente desacreditada” (FURTADO, 1972, p. 8). Ademais, os

principais defensores da industrialização da economia brasileira não se furtaram a chamar a

atenção para os problemas que se avolumavam, seja no campo econômico, seja no social. Por um

lado, alertava-se para o seu caráter excessivamente introvertido, para a sua relativa incapacidade

em endogeneizar o progresso tecnológico e para as suas frágeis bases de financiamento117; por

outro lado, denunciava-se a perpetuação de níveis elevados de pobreza e de concentração da

renda.

A eclosão da crise da dívida nos anos 1980 inaugurou, porém, um período bastante adverso

para as economias latino-americanas, expresso pelo agravamento substancial da situação

econômica e social da região. A piora dos termos de troca, associada a uma ruptura do

financiamento externo, estreitaram consideravelmente as margens de manobra destes países,

117 João Manuel Cardoso de Mello e Fernando Novais teceram suas críticas nesta direção: “Copiamos tudo menos o que é

essencial: formas de organização capitalista capazes de assegurar um mínimo de capacidade autônoma de financiamento e

inovação” (CARDOSO DE MELLO; NOVAIS, 1998, p. 646).

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obrigando-os a realizar uma transferência de recursos reais para o exterior, com o intuito de

viabilizar o pagamento da dívida externa (CARNEIRO, 2002).

O Brasil, em particular, não constituiu uma exceção à regra. A opção por manter em

marcha, nos anos 1970, o esforço industrializante das décadas precedentes, com base em um

endividamento excessivo, soçobrou frente às mudanças na economia mundial ocorridas no

período.

Vale destacar que os sinais de esgotamento do crescimento econômico brasileiro já eram

evidentes desde meados da década passada, refletidos no declínio acentuado da taxa de

acumulação desta economia. De fato, o que havia por detrás da crise dos anos 1970, e que,

portanto, ultrapassava as questões de ordem conjuntural, era um problema de realização

dinâmica, ou seja, de descompasso entre, de um lado, taxas de acumulação e, de outro, um padrão

de consumo “fordista”, assentado em bens de consumo duráveis (CARDOSO DE MELLO;

BELLUZZO, 1998 [1977]).

A instabilidade econômica do período evidenciava a incompatibilidade entre uma geração

de superávits comerciais muito expressiva e um crescimento econômico mais acelerado. Isto

porque maiores taxas de crescimento, sustentadas por uma absorção doméstica, demandariam

uma ampliação significativa das importações, sacrificando o almejado superávit da balança

comercial. Adicionalmente, vale lembrar, a orientação exportadora do período foi incapaz de

dinamizar o investimento e a produção industrial, que continuaram atrelados aos humores do

mercado interno. A redução do consumo, por sua vez, indica que esta variável também se

adequou à necessidade de transferência de recursos para o exterior (CARNEIRO, 2002).

Ao mesmo tempo, a economia brasileira passou a conviver com níveis inéditos de inflação,

a ponto de, no final da década de 1980, a escalada dos preços já ter assumido contornos de um

processo hiperinflacionário. Este esteve associado a uma dinâmica de financeirização dos preços,

situação marcada pela perda de relação entre preços e custos de produção (os reajustes eram

determinados por taxas de juros de curtíssimo prazo – overnight). Ademais, a emergência da

moeda indexada (depósitos bancários à vista com rendimento equivalente à correção monetária)

configuraria uma dolarização indireta da economia (BELLUZZO; ALMEIDA, 2002).

Isto posto, o fracasso dos diversos planos de estabilização levados a cabo na segunda

metade dos anos 1980, defende Carneiro (2002), indicaria que o processo hiperinflacionário

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114

estaria sendo condicionado pela restrição externa e pela consequente necessidade de se transferir

recursos reais para o exterior.

A centralidade dos superávits comerciais na política econômica do período implicava na

manutenção de uma moeda desvalorizada e na preservação da absorção doméstica dentro de

limites que não ameaçassem a geração de tais superávits. Isto criava uma grande incerteza a

respeito do comportamento futuro do câmbio e dos juros, condicionando o comportamento dos

agentes econômicos, com o que, de um lado, coibia-se um crescimento econômico mais elevado e

duradouro, e, de outro, alimentava-se cada vez mais o aumento generalizado dos preços.

Desta forma, houve uma verdadeira desorganização das expectativas nos anos 1980,

solapando uma “convenção do crescimento” vigente há décadas na economia brasileira. Para

Belluzzo e Almeida (2002), as causas para tal desorganização residiam, primeiro, na forte

instabilidade das taxas de juros e no desalinhamento dos indexadores. Segundo, no risco de

crédito introduzido na economia pelas políticas de ajuste, uma vez que o padrão de

relacionamento empresa-banco foi rompido, seja pela mencionada ampliação da incerteza quanto

ao comportamento das taxas de juros e dos indexadores, seja pela contração drástica do crédito

doméstico. Em terceiro lugar, no fato do ajustamento ter deliberadamente provocado uma

recessão.

Nesse cenário, os anos 1980 foram caracterizados por uma drástica redução do crescimento

econômico, pela estagnação do produto per capita, pela regressão dos investimentos público e

privado, pela deterioração das finanças públicas, pelo completo descontrole inflacionário, e pela

transferência de recursos reais ao exterior. Porém, esta última teve proeminência sobre as demais,

de certa forma determinando-as.

Do ponto de vista do mercado de trabalho, a crise do padrão desenvolvimentista,

explicitada no período, as bruscas flutuações do produto e o descontrole da inflação se refletiram

sobre a geração de empregos no setor organizado da economia e sobre o poder de compra dos

salários, ao longo da década de 1980. Na conjuntura recessiva do início da década, que abalou

principalmente os centros urbanos industrializados, difundiu-se a desconfiança com relação ao

índice oficial de desemprego, medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE

através da Pesquisa Mensal de Emprego – PME. Vale dizer, um profundo mal-estar instalou-se

quando, no triênio de grave recessão, entre 1981 e 1983, registraram-se, ainda que em elevação,

taxas de desemprego relativamente baixas.

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115

Tornava-se cada vez mais evidente que a mensuração do desemprego não podia valer-se,

sem maiores observações críticas, de metodologias elaboradas para a aferição deste fenômeno em

países de capitalismo avançado, cujos mercados de trabalho notabilizavam-se pelo seu alto grau

de homogeneidade e pela existência de políticas públicas de amparo à situação de desemprego.

Ao proceder dessa forma, os índices de desemprego oficiais situavam-se persistentemente em

patamares surpreendentemente baixos, mesmo para os padrões internacionais.

A situação se apresentava da seguinte forma: em um mercado de trabalho subdesenvolvido,

o baixo alcance do assalariamento tendia a estimular inserções ocupacionais alternativas,

premidas pela necessidade de sobrevivência dos indivíduos, seja no exercício de atividades por

conta própria, seja em trabalhos ocasionais. Ou seja, as condições imperantes impediam uma

manifestação “pura” do desemprego, uma vez que inexistia uma política pública de garantia de

renda ao desempregado e, ao mesmo tempo, havia espaços econômicos marginais ou intersticiais

capazes de absorver a população sobrante. Daí resultavam, dados os parâmetros de aferição,

reduzidas taxas de desemprego, enquanto a heterogeneidade do mercado de trabalho brasileiro

ficava diluída em uma única categoria ocupacional, qual seja, a dos ocupados.

É amplamente reconhecido que a captação de forma adequada da evolução do emprego

numa economia capitalista como a do Brasil só é possível a partir do reconhecimento da

sua especificidade, o que a diferencia, em muito, dos países capitalistas avançados.

Nesses países, o principal problema da ocupação é a flutuação do nível de

emprego/desemprego aberto, associada às fases do ciclo econômico. Nos países

subdesenvolvidos, porém, e em especial nos de industrialização tardia, a esta mesma

dinâmica cíclica do emprego capitalista soma-se uma outra situação, de caráter mais

estrutural e permanente, configurando o que se convencionou chamar de subemprego

(TROYANO, 1990, p. 90).

Esta pouca aderência à realidade dos países subdesenvolvidos das estatísticas de mercado

de trabalho foi reconhecida ainda em 1966, na ocasião da 11ª Conferência de Estatísticas do

Trabalho, quando recomendações para aferição do subemprego foram adotadas, o que significou,

na prática, a criação de uma nova categoria no interior de uma já existente (a dos ocupados),

mantendo-se inalterada, no entanto, a própria conceituação do desemprego.

Ainda que tenha se constituído em um avanço, a incorporação do conceito de subemprego

ainda era insuficiente para dar conta da dinâmica de um mercado de trabalho subdesenvolvido.

Era preciso não somente levar em consideração as situações de subemprego, convém salientar,

mas também redefinir conceitualmente o desemprego, de sorte que este pudesse ser retratado tal

qual ele se apresentava nas economias do tipo aqui estudadas.

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116

Entretanto, situação diversa se dava com o índice oficial de emprego e desemprego no

Brasil. A PME-IBGE notabilizava-se por ser um levantamento que mensurava a desocupação e

não o desemprego, dado o conceito de trabalho por ela adotado e a sua dissociação da procura de

trabalho. De acordo com Troyano (1992, p. 71), “tal fato decorre de estar esta concepção centrada

na atribuição de absoluta prioridade à realização de qualquer tipo de trabalho”.

Partindo dessa avaliação, em 1984, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos

Socioeconômicos – DIEESE, em parceria com a Fundação Estadual de Análise de Dados –

SEADE, implantou, na região metropolitana de São Paulo, a Pesquisa de Emprego e Desemprego

– PED118. Conforme salienta Troyano:

De forma bastante resumida, pode-se afirmar que se optou por dar prioridade à procura

de trabalho e esta, por outro lado, necessariamente deve ser analisada com a natureza do

trabalho exercido, a fim de se conceituar a população economicamente ativa em ocupada

ou desempregada (TROYANO, 1988, p. 15).

Nesses termos, classificava-se como ocupado todo trabalhador que não procurou por um

trabalho e realizava uma atividade econômica remunerada – de caráter regular ou não – ou

buscava uma nova inserção ocupacional, desde que com o intuito de ascender profissionalmente.

Entretanto, caso esta procura tivesse como objetivo a substituição de um trabalho precário,

marcado pela irregularidade e pelos ganhos avulsos e variáveis, ele passava à condição de

desempregado.

A esta modalidade de desemprego, denominada desemprego oculto pelo trabalho precário,

somava-se o tradicional desemprego aberto e aquele gerado pela não procura por um trabalho

motivada por desestímulos advindos do próprio mercado de trabalho, o desemprego oculto pelo

desalento.

Em suma, a taxa de desemprego total medida pela PED-DIEESE/SEADE procurava retratar

a realidade do mercado de trabalho metropolitano brasileiro não somente levando em

consideração o chamado subemprego da força de trabalho, mas também partindo de um conceito

mais amplo de desemprego, ao incorporar ao seu componente “aberto”, aquela parcela que se

encontrava oculta, seja pelo exercício de um trabalho precário, seja pelo desalento. A comparação

118 Em verdade, a metodologia em questão, foi previamente testada na Pesquisa de Padrão de Vida na Grande São Paulo, realizada

em distintos momentos entre 1981 e 1983, quando foram incluídos questionários específicos sobre a ocupação e o desemprego da

população (DIEESE, 1984). Ao longo dos anos, a pesquisa foi ampliando a sua área de cobertura, incorporando as regiões

metropolitanas de Porto Alegre (1992), Belo Horizonte (1994), Salvador (1996), Recife (1997) e Fortaleza (2008), além do

Distrito Federal (1991).

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117

entre os conceitos utilizados pelas duas pesquisas elucida suficientemente bem a diferença

existente entre ambas naquele momento:

QUADRO 03

Comparação Metodológica entre a PED e a PME

PME-IBGE PED-DIEESE/SEADE

Desemprego

Desemprego aberto: restringe-se às

pessoas na faixa etária de 15 anos e mais

que, não tendo nenhuma ocupação,

pressionaram o mercado de trabalho

através da procura efetiva nos últimos 7

dias.

Desemprego aberto: engloba todas as pessoas com 10 anos ou mais que

não têm trabalho e que efetivamente procuraram emprego ou negócio

nos 30 dias anteriores ao dia da entrevista.

Desemprego oculto por desalento: engloba as pessoas com 10 anos ou

mais, sem trabalho, porém com disposição e disponibilidade para

trabalhar. Estas pessoas não procuraram trabalho nos últimos 30 dias,

devido às dificuldades do mercado de trabalho ou por circunstâncias

fortuitas – doença, problemas familiares, falta de dinheiro – mas o

fizeram até 12 meses antes.

Desemprego oculto por trabalho precário: inclui as pessoas com 10

anos ou mais que, simultaneamente à procura de trabalho, realizam

trabalhos remunerados descontínuos e irregulares ou trabalhos não

remunerados de ajuda em negócios de parentes.

Ocupação

Ocupado: Refere-se aos indivíduos na

faixa etária de 15 anos e mais que

exercem qualquer trabalho remunerado,

independentemente da procura,

regularidade, jornada de trabalho e

excepcionalidade. Inclui também as

pessoas que exercem qualquer tipo de

trabalho não remunerado, com a única

condição de exercerem uma jornada

semanal de trabalho de 15 horas e mais.

Ocupado: Refere-se ao conjunto de pessoas com 10 anos ou mais que

possuem trabalho remunerado, exercido de forma regular,

independentemente da procura de trabalho. Nesta categoria, inclui-se

também a parcela da população de 10 anos e mais que tem trabalho

remunerado, exercido de forma irregular, ou trabalho não remunerado,

de ajuda em negócio a parentes, desde que não tenha procurado trabalho.

Inatividade

Inativo: aplica-se às pessoas na faixa

etária de 15 anos e mais que não

procuraram trabalho nos últimos 7 dias.

São também classificadas nesta categoria

as pessoas que realizam algum trabalho

não remunerado com jornada inferior a

15 horas semanais e os menores de 15

anos.

Inativo: refere-se à parcela da população de 10 anos e mais que não tem

disponibilidade ou necessidade de trabalhar, encontrando-se em uma das

seguintes situações:

- não tem trabalho e não procurou trabalho (a procura de trabalho refere-

se tanto à procura efetiva quanto à potencial);

- trabalhou de forma excepcional e não procurou trabalho;

- realiza atividades não remuneradas de caráter beneficente, estágio, etc.,

e não procurou trabalho.

Esta categoria também inclui todos os menores de 10 anos. Fonte: Troyano (1990). Elaboração própria.

Não obstante o profícuo debate acerca da mensuração do emprego e do desemprego em

economias subdesenvolvidas provocado pelo surgimento da PED-DIEESE/SEADE (que

terminou por revelar uma dimensão oculta do desemprego metropolitano brasileiro, mais do que

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118

dobrando os percentuais medidos pela PME-IBGE), é lícito afirmar que, durante os anos 1980, o

desemprego não alcançou o status de grande problema nacional, em que pese a grave crise

econômica que se abateu sobre o país naquela década119.

O período de maior contundência da crise deu-se logo no início dos anos 1980, mais

precisamente entre os anos de 1981-83, afetando especialmente a produção industrial, o que

provocou a eliminação em grandes proporções de postos de trabalho, sobretudo neste setor, e,

consequentemente, uma elevação significativa da taxa de desemprego aberto. No entanto, a

retomada do crescimento econômico em patamares mais elevados no triênio 1984-86 acarretou

em uma recuperação do emprego industrial, que praticamente retornou aos patamares

anteriormente vigentes e, assim, promoveu um recuo expressivo do desemprego.

Ainda que os anos de 1987 a 1989 não tenham apresentado uma clara trajetória recessiva, a

flutuação do emprego e da produção foi significativa, tendo como pano de fundo uma escalada

impressionante dos preços. Ainda assim, no final da década, o desemprego se encontrava em um

nível relativamente baixo, muito por conta do maior dinamismo do comércio e dos serviços

(incluindo a administração pública), principais responsáveis pela criação de postos de trabalho na

década, em detrimento da indústria de transformação e da construção civil.

Ao fim e ao cabo, os anos 1980 assinalaram um crescimento médio do PIB da ordem de

1,5% a.a. acompanhado da geração de mais de 16 milhões de novos postos de trabalho. A criação

de vagas no mercado de trabalho brasileiro foi, em termos absolutos, superior à verificada na

década de 1970 (e similar em termos relativos), ainda que, naquele período o cenário econômico

fosse muito mais dinâmico (com crescimento médio anual do PIB de 8,6% a.a.) 120. A taxa de

desemprego, por sua vez, medida pela PNAD-IBGE121, jamais ultrapassou o patamar de 5,0%,

apesar das fortes flutuações do PIB verificadas no decênio em análise.

Destarte, será somente a partir dos anos 1990 que o desemprego alcançará o posto de

problema central do mercado de trabalho e um dos maiores desafios para a economia brasileira,

especialmente após o controle inflacionário e a estabilidade cambial propiciados pelo Plano Real.

119 A respeito da evolução do desemprego na década de 1980 no Brasil, ver, entre outros, Amadeo et alii (1994); Baltar, Dedecca

e Henrique (1996); Cardoso Jr. (2013 [2001]). 120 A inusitada situação vivida pela economia brasileira, e por outras economias de industrialização avançada, levou a autores

como Urani (1995, p. 6) a afirmarem que “[...] não há nenhum elo evidente entre ‘mais crescimento econômico’ e ‘mais geração

de emprego e renda’”. 121 A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo IBGE, pretende retratar de forma ampla as condições

sociais e de vida do conjunto da população brasileira, incluindo os aspectos ligados ao mercado de trabalho. Do ponto de vista

metodológico, há divergências em termos de aferição da ocupação e da desocupação com relação a PME. A este respeito, ver

Hipólito (2010).

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119

Porém, a regressão econômica nos anos 1980 e a crise do desenvolvimento foram

determinantes para que a informalidade ampliasse a sua importância no mercado de trabalho

brasileiro. Assim, a referida década presenciou um encolhimento do setor formal do mercado de

trabalho urbano, ao passo que se expandiu tanto o trabalho não-regulamentado, quanto o trabalho

por conta própria, ainda que o primeiro em ritmo um pouco mais acelerado (em termos médios,

3,8% contra 3,5%, respectivamente, no período de 1979-1990) (DIEESE, 1994). Pode-se mesmo

dizer que as baixas taxas de desemprego assinaladas no período, em termos médios, foram

resultado da capacidade de acomodamento no segmento não organizado do mercado de trabalho

da mão de obra egressa do setor formal, num contexto em que a grande maioria dos

desempregados estava desprotegida.

A proliferação de várias modalidades de informalidade, resultado das estratégias de

sobrevivência da população mais vulnerável e da dificuldade crescente de obtenção de um

emprego formal mesmo entre trabalhadores com experiência profissional, expressa a natureza do

ajuste verificado no mercado de trabalho, especialmente nos grandes centros urbanos. E coloca

em evidência a inadequação e insuficiência das políticas públicas destinadas a organizar o

mercado de trabalho nacional.

Correlato a este processo, tem-se um crescimento patológico do setor terciário da

economia, que apresentou taxas médias de expansão no período em análise bastante significativas

(CARDOSO JR., 2013 [2001]). Como contrapartida do aumento da informalidade e de um

avanço desmedido da terciarização da economia, presenciou-se uma queda expressiva dos níveis

de produtividade, uma ampliação da precariedade dos vínculos empregatícios e uma diminuição

dos rendimentos do trabalho.

A deterioração do mercado de trabalho brasileiro nos anos 1980 também pode ser vista pela

ótica da desigualdade distributiva, uma vez que a concentração da renda do trabalho foi

fortemente ampliada durante o período. De acordo com Henrique (1999, p. 161), “se olharmos a

estrutura de ocupações e rendas do país em 1991, após uma década de estagnação econômica e

alta inflação, podemos verificar uma forte ampliação das desigualdades”.

Nesse cenário, não obstante a distensão da repressão política do governo militar e o

consequente processo de redemocratização do país nos anos 1980, o poder de compra do salário

mínimo não apresentou uma trajetória mais favorável. Pochmann (1994, p. 653) lembra que

“representando tão-somente, em média, cerca de 20% da renda per capita, 50% do custo das

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120

necessidades mínimas do trabalhador individual e 16% do custo familiar, o salário mínimo

continuou afastando-se dos objetivos para o qual havia sido criado em 1940”.

No final dos anos 1970 e início dos 1980, período no qual a contestação ao governo militar

atingira o seu ápice, muito por conta do recrudescimento do movimento sindical, observou-se

uma ampliação, ainda que comedida, na participação do rendimento assalariado na renda

nacional, que atingiu, em 1982, o patamar de 51,2% (contra 50,3%, em 1979). No entanto, a

elevação da proporção correspondente à massa dos salários teve folego curto:

O período 1983-94 foi marcado pelo crescimento das desigualdades intersalariais e perda

no salário real, apesar da existência de critérios de indexação voltados para os mais

baixos salários. A permanência de altas taxas de inflação e de rotatividade possibilitou às

empresas contrabalançar os maiores reajustes para os menores salários (BONELLI;

SEDLACEK, 1989, p. 657).

Ademais, os anos 1980 foram cercados de expectativas quanto à possibilidade de superação

do referido padrão predatório de uso e controle da força de trabalho no Brasil. Primeiro, porque a

democratização do país avançava celeremente, seja no campo político-institucional, com a

debacle do regime ditatorial e a abertura democrática, seja no campo sindical e das relações do

trabalho, com o chamado “novo sindicalismo” angariando novas conquistas e canais mais amplos

de interlocução com as empresas, o que significava um maior protagonismo dos trabalhadores

nas decisões que diziam respeito à organização da produção e do trabalho.

De fato, a Nova República trouxe o reconhecimento da “dívida social” e mobilizou a

sociedade civil em torno da necessidade de aumentar a proteção social, em especial para os

trabalhadores, a começar pela criação do Seguro-Desemprego em 1986. Por sua vez, o combate à

erosão salarial tornou-se o principal elemento aglutinador do movimento sindical, à medida que

se agravava o contexto de hiperinflação. Embora a perda de poder de compra dos salários fosse

um problema mais grave para os trabalhadores pouco qualificados, as categorias melhor

organizadas também eram bastante afetadas pelo aumento diário do custo de vida.

Em segundo lugar, a década de 1980 marcou uma primeira etapa de introdução, no Brasil,

das novas tecnologias de base microeletrônica e dos métodos japoneses de organização do

trabalho. Nessas duas revoluções, a tecnológica e a organizacional, depositavam-se as esperanças

de um futuro onde o trabalho seria executado de modo menos repetitivo, desgastante e tedioso, e

por isso mesmo de maneira mais autônoma e enriquecedora, com amplos espaços de participação

dos trabalhadores sobre a organização do espaço produtivo. Assim, esperava-se que níveis

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121

competitivos mais elevados fossem alcançados tendo como base uma mão de obra mais

participativa e cooperativa, estável, qualificada e melhor remunerada.

Junta-se a estes dois aspectos o fato de que, com a crise nos anos 1980 e a necessidade de

transferência de recursos reais para o exterior, a indústria brasileira foi desafiada a ampliar a sua

participação no comércio internacional, mediante um incremento de suas exportações. Tal feito,

porém, somente poderia ser alcançado caso ela se submetesse a novos padrões de

competitividade, capazes de ampliar consideravelmente a qualidade dos produtos, adaptando-os a

maior exigência do mercado de consumo dos países estrangeiros. O desaquecimento da

economia, por seu turno, tornou a competição interna muito mais acirrada, reforçando a

necessidade de produtos de maior qualidade.

Alguns estudos setoriais, citados por Carvalho (1987), apresentavam indicativos de que as

mudanças que se processavam na indústria brasileira nos anos 1980 implicaram no aumento da

produtividade do trabalho e da qualidade dos produtos, assim como em uma maior economia de

custos de capital, o que não se restringia aos segmentos exportadores da indústria, uma vez que

os novos padrões tendiam a ser replicados pelas empresas voltadas para o mercado interno.

Assim, a “rotinização”, padrão de gestão do trabalho vigente no período anterior e

caracterizado por Fleury (1983), foi sendo paulatinamente abandonada pelas empresas, à medida

que a racionalização da produção, as novas formas de organização do trabalho (a exemplo do

Enriquecimento de Cargos e Grupos Semi-Autônomos) e os modelos participativos (como os

Círculos de Controle de Qualidade) iam sendo incorporados por elas. No entanto, tais mudanças

foram tópicas, ou seja, incapazes de proporcionar uma reestruturação produtiva abrangente, com

o que foi possível “[...] reduzir os custos, intensificar o ritmo de trabalho, atribuir novas tarefas

aos trabalhadores (caso específico dos C.C.Q), e criar um ambiente participativo sem alterar as

relações de poder no interior da fábrica” (FLEURY, 1985, p. 64).

Dessa forma, muitos autores alertaram para a dissonância existente, no Brasil, entre a

adoção da microeletrônica, a introdução de alguns princípios do modelo japonês de organização

do trabalho e a permanência nas empresas de práticas tayloristas-fordistas122. No que interessa

propriamente a esta reflexão, cumpre notar que, não obstante uma pequena diminuição da

rotatividade da mão de obra verificada nos anos 1980, esta continuava sendo uma prática

disseminada no meio empresarial brasileiro, permanecendo em um patamar elevado face os

122 A esse respeito, ver, por exemplo, Carvalho e Schmitz (1990); Salerno (1993); Carvalho (1993).

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122

padrões internacionais. Para Ruy de Quadros Carvalho (1993), os baixos salários, a falta de

perspectiva de carreira e um enfoque excessivamente disciplinador na relação

gerência/trabalhadores explicam a manutenção de elevadíssimas taxas de rotatividade no Brasil

durante os anos 1980 e o início dos 1990.

O quadro geral aqui apresentado aponta para uma ruptura do padrão de estruturação do

mercado de trabalho brasileiro, marcado pelo início de um processo de precarização da situação

dos assalariados. Porém, nesse primeiro momento, manifesta-se uma ambiguidade, do ponto de

vista da atuação do Estado, uma vez que foram abandonados os projetos de infraestrutura e as

políticas de estímulo à industrialização e ao desenvolvimento regional, mas ainda havia a

intenção explícita de aprimorar os mecanismos de regulação pública do trabalho, para assim

retomar o movimento de estruturação do mercado de trabalho. De fato, há registros de avanços

importantes em termos de regulamentação do mercado laboral no período em tela, muito por

conta dos direitos sociais e trabalhistas incorporados na Constituição de 1988 (CARDOSO JR.,

2013 [2001]).

O novo texto constitucional, vale dizer, tornou lei e, portanto, generalizou para o conjunto

dos trabalhadores, conquistas antes de abrangência limitada a poucas categorias profissionais, que

se encontravam sob o abrigo de negociações coletivas realizadas nos setores mais dinâmicos.

Além do mais, promoveu-se a elevação ao status de direito constitucional, um conjunto de

direitos que até então eram objeto de legislação infraconstitucional. Nesse sentido, destacam-se

os seguintes direitos: relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa

causa; seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; fundo de garantia do tempo de

serviço; remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; participação nos lucros ou

resultados; duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro

semanais; remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à

do normal; gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário

normal; licença à gestante com a duração de cento e vinte dias; aviso prévio proporcional ao

tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias; e adicional de remuneração para as atividades

penosas, insalubres ou perigosas.

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123

4.2. O modelo neoliberal e a desregulação do mercado de trabalho

As críticas ao padrão de desenvolvimento brasileiro vigente entre os anos 1930 e 1970

encontraram na última década do século XX um terreno fértil para a sua disseminação, diante do

acentuado declínio do poder de mobilização dos movimentos sociais e do sindicalismo e da

hegemonia ideológica alcançada pelo neoliberalismo no país.

Assim, na avaliação dos autores afinados com esta linha de pensamento, a situação

econômica e social adversa na qual o Brasil se encontrava desde os anos 1980 tinha como raiz a

montagem de uma estrutura industrial excessivamente protegida, desacostumada, portanto, à

disciplina imposta pela concorrência externa, com o que alimentava a sua incapacidade de

endogeneizar o progresso técnico, de incorporar as práticas organizacionais mais modernas e de

promover avanços tecnológicos. Adicionalmente, denunciava-se o dirigismo estatal da economia,

típico da era desenvolvimentista, responsável, em última instância, por graves ineficiências e

distorções econômicas.

Por conta disso, às portas do século XXI, a economia brasileira estaria presa a uma

armadilha formada por baixos níveis de produtividade, poupança e investimento, em um cenário

de altíssimas taxas de inflação. Desta forma, a única saída, defendiam os adeptos do

neoliberalismo, seria redefinir o papel do Estado na economia, diminuindo drasticamente a sua

participação, e ampliar a abertura da economia brasileira ao exterior em suas duas dimensões, a

financeira e a comercial.

A liberalização financeira apoiava-se na crença de que os capitais estrangeiros

contribuiriam decisivamente para a ampliação da taxa de investimento da economia brasileira.

Diante disto, uma ampla revisão da legislação brasileira pertinente ao tema foi realizada nos anos

1990, com vistas a facilitar a entrada e a saída de capitais do país, ou seja, ao aumento da

conversibilidade da conta de capital do balanço de pagamentos, em um contexto, convém frisar,

marcado pelo retorno da periferia latino-americana ao mercado de crédito internacional.

A liberalização comercial, por seu turno, baseou-se na supressão de barreiras tarifárias e

não-tarifárias. A velocidade com que foi promovida a redução de tarifas alfandegárias no Brasil

pode ser ilustrada com o fato de que o país atingiu com doze anos de antecedência, em 1994, o

nível de proteção da indústria acordado no âmbito do Mercosul. Como exemplos de medidas de

redução de barreiras não-tarifárias, tem-se a revogação do Anexo C, uma lista com milhares de

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124

produtos proibidos de serem importados devido a produção de similares pelas empresas

nacionais, e a restrição dos regimes especiais de importação, que passaram a se resumir ao

drawback, à Zona Franca de Manaus e ao ramo de tecnologia da informação (CARNEIRO,

2002).

A abertura comercial brasileira atingiu um novo patamar com a sobrevalorização da taxa de

câmbio advinda com a implantação do Plano Real em meados da década de 1990. Com ela,

buscava-se acirrar a concorrência no mercado interno brasileiro, mediante a entrada de produtos

de origem estrangeira, e, assim, debelar o processo inflacionário, o que foi alcançado com

inegável êxito.

A lógica da política econômica do Real organizava-se em torno dos seguintes termos: a

liberalização comercial, amparada no câmbio sobrevalorizado, ampliaria a concorrência externa e

reposicionaria a inflação em patamares mais baixos. Os déficits comerciais decorrentes do

câmbio valorizado eram vistos como temporários – posto que tão logo as empresas brasileiras se

modernizassem, auxiliadas pelo câmbio, recuperariam a sua fatia do mercado internacional – e

poderiam ser contrabalançados pelo superávit na conta de capital. Para tanto, era fundamental,

como forma de atração de capitais externos, a permanência em um patamar elevado das taxas de

juros. As privatizações, por sua vez, reduziriam o papel do Estado na economia, ao tempo que

gerariam recursos para, junto com um ajuste fiscal, reequilibrar as finanças públicas.

Porém, os resultados concretos estiveram bem longe do almejado. A liberalização

financeira não logrou uma ampliação da taxa de investimento na economia, uma vez que os

fluxos de capitais que se dirigiram para o país, ou eram atraídos pelos ganhos de curto prazo

proporcionados pela arbitragem entre taxas de juros domésticas e internacionais, ou se

direcionavam para o setor de serviços, mormente para os ramos recém-privatizados. Ademais, a

vulnerabilidade externa da economia brasileira foi significativamente ampliada (CARNEIRO,

2002).

O setor industrial, ainda que tenha se modernizado sob muitos aspectos, sofreu uma

especialização regressiva, posto que assentada em uma concentração nos ramos mais intensivos

em recursos naturais e em mão de obra, ao tempo que foram exteriorizados os ramos industriais

mais dinâmicos. Como consequência, observa-se uma ruptura dos elos que compunham as

cadeias industriais brasileiras, convalescendo a capacidade de crescimento da economia.

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Assim, apesar de uma inflação baixa, o crescimento econômico médio manteve-se ao longo

dos anos 1990 em um patamar apenas um pouco acima do verificado na década anterior (2,5%

contra 1,7%), com o que contribuiu também, vale o registro, a presença de um cenário

internacional bastante hostil; a dívida pública, açodada pelas altas taxas de juros e pelo referido

baixo crescimento econômico, teve uma trajetória fortemente ascendente (em 1991, era de 38,1%

do PIB, enquanto em 2003 era de 52,4%123); ao passo que a deterioração das contas externas

avançou celeremente (a balança comercial brasileira transitou de um superávit anual médio de

cerca de R$ 12 bilhões, entre 1991 e 1994, para um déficit anual médio de aproximadamente R$

4 bilhões entre 1995 e 2000)124.

No final dos anos 1990, a âncora cambial foi abandonada, em meio a uma grave crise nas

contas externas, em proveito de um novo mix de política econômica, composto pelo regime de

metas de inflação, pela realização de superávits primários e pelas taxas de câmbio flutuantes. Não

obstante, os aludidos resultados econômicos mantiveram as suas trajetórias pregressas, com

exceção dos déficits na balança comercial, que foram revertidos a partir de 2001.

Do ponto de vista do emprego e da renda, os anos 1990 podem ser caracterizados como um

período de “estreitamento” do mercado de trabalho brasileiro, tendo em vista a baixa capacidade

de geração líquida de empregos e a diminuição da taxa de assalariamento (BALTAR, 2003a).

Para descrever o impacto negativo do modelo neoliberal sobre o mercado de trabalho

convém chamar a atenção, em primeiro lugar, para o expressivo crescimento do desemprego. De

acordo com os dados da PNAD-IBGE, a taxa de desemprego brasileira aumentou de 7,2%, em

1992, para 10,4%, em 1999, oscilando em torno desse percentual até o ano de 2003125. Na

segunda metade da década de 1990, a taxa de desemprego teve acréscimos todos os anos, depois

se estabilizou num patamar acima de dois dígitos (Gráfico 03).

Uma tendência similar foi observada quando se analisa a evolução da taxa de desemprego

metropolitana captada pela PME-IBGE, em sua metodologia antiga126. A taxa saltou de 4,6% em

1995 para 7,6% em 1999, considerando o desemprego aberto no sentido mais restrito.

123 Refere-se à dívida líquida total do setor público como percentual do PIB, incluindo Petrobras e Eletrobrás. 124 As informações citadas foram obtidas no site do IPEADATA (www.ipeadata.gov.br). 125 Vale lembrar que mudanças metodológicas implementadas na PNAD a partir de 1992 implicaram em uma ruptura da sua série

histórica, impossibilitando, portanto, a comparação das taxas de desemprego mensuradas a partir de então com as dos anos

anteriores. 126 Regiões metropolitanas pesquisadas pela PME-IBGE: Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto

Alegre.

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126

GRÁFICO 03

Evolução da Taxa de Desemprego

Brasil – 1992/2003

Fonte: IBGE. Elaboração própria.

* Médias anuais da Pesquisa Mensal de Emprego – antiga metodologia.

Para completar essa apresentação da nova dimensão alcançada pelo desemprego na

economia brasileira, julga-se importante analisar a evolução de sua taxa na região metropolitana

de São Paulo, medida pela PED-DIEESE/SEADE. Isto porque, além de retratar o comportamento

do eixo mais dinâmico da economia brasileira, a referida pesquisa oferece a mais longa série

histórica de estatísticas de mercado de trabalho no país com a mesma metodologia vigente desde

o início.

Não se pode perder de vista também que, conforme já se disse, a PED-DIEESE/ SEADE

retrata de forma mais ampla e, portanto, de forma mais acurada a manifestação do desemprego

em uma economia subdesenvolvida. Por outro lado, a PME-IBGE, ao amplificar a inatividade e

adotar um conceito de ocupação inadequado, tornava menos visível a problemática do

desemprego nos anos 1990. Conforme alerta Dedecca:

[...] a PME evidencia uma dinâmica dos mercados metropolitanos de trabalho que aponta

para uma crescente dificuldade das estruturas econômicas locais sustentarem seus níveis

de ocupação, independentemente do grau de precarização que os caracterize. Esta

dificuldade não se explicita claramente graças à intensidade do fluxo entre ocupação e

inatividade que, ao permitir uma taxa de desemprego mais baixa, desenha um perfil da

População Economicamente Ativa em que a maior precariedade sugere ser a principal

característica da perda de dinamismo dos mercados de trabalho locais (DEDECCA,

1998, p. 109).

7,26,8 6,7

7,6

8,5

9,7

10,410,1

9,9

10,5

5,75,3

5,14,6

5,45,7

7,6 7,67,1

6,2

7,1

4

5

6

7

8

9

10

11

1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

%

PNAD PME*

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127

Adiante o autor conclui que:

A diferença entre taxas de desemprego da PME e PED não somente é significativa,

como tende a se ampliar em uma conjuntura de contração do espaço ocupacional, em

razão da PME refletir, principalmente, as dificuldades dos mercados de trabalho

metropolitanos através do aumento da inatividade, enquanto a PED retrata a situação via

um desemprego mais elevado (DEDECCA, 1998, p. 113-114).

Assim sendo, observa-se que a taxa de desemprego total estimada em 1989 era de 8,7% na

Grande São Paulo. No primeiro triênio da década de 1990, porém, verificou-se um crescimento

contínuo desta taxa, que alcançou, em 1992, o patamar de 15,2%. Entre 1993 e 1995, o

movimento se inverteu e a taxa de desemprego atingiu o valor de 13,2%. A partir de então, a taxa

de desemprego total assinalou um crescimento praticamente ininterrupto até 2003, quando atingiu

o pico da série histórica, 19,9%. Em 14 anos, portanto, a impressionante expansão do desemprego

na região metropolitana de São Paulo fez a taxa saltar de um patamar já relativamente alto (8,7%)

para um patamar mais do que duas vezes superior (19,9%).

Isto se deveu a um comportamento similar apresentado pelos componentes da taxa de

desemprego total. Ao longo de todo o período em análise, a taxa de desemprego aberto aumentou

de 6,5% para 12,8%, perfazendo um crescimento de quase 97,0%. O desemprego oculto pelo

trabalho precário e pelo desalento, por sua vez, variaram de 1,5% para 5,1% e de 0,7% para

2,1%, respectivamente (o total do desemprego oculto variou, portanto, de 2,2% para 7,1%, o que

representa uma expansão de quase 223,0%) (Gráfico 04).

A explosão do desemprego a partir da década de 1990 tem a ver com a menor capacidade

da economia brasileira em gerar novos postos de trabalho perenes, mesmo nos breves momentos

de recuperação econômica vivenciados no período. Tal incapacidade, por sua vez, está

intimamente relacionada com a destruição de vagas realizada pela indústria que, nesse momento,

não é mais compensada plenamente pela criação de vagas no comércio e nos serviços. O emprego

industrial permaneceu em um baixo patamar, mesmo quando a produção industrial ensaiou uma

recuperação, em razão da terceirização de um grande leque de atividades meio. Ademais, o

emprego na construção civil foi golpeado duramente na década de 1990, em um cenário de obras

públicas escassas e de ausência de linhas adequadas de financiamento para o setor habitacional. A

reduzida capacidade de geração de postos de trabalho pela economia brasileira deve-se também

ao menor potencial de absorção de mão de obra apresentado pela grande empresa durante o

referido período, momento de auge dos métodos de gestão da produção e do trabalho de

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128

inspiração japonesa que, dentre outros pontos, recomendava a desverticalização dos processos

produtivos e o enxugamento das estruturas de supervisão e comando.

GRÁFICO 04

Evolução da Taxa de Desemprego, por Tipo de Desemprego

Região Metropolitana de São Paulo – 1989/2003

Fonte: Convênio Dieese – Seade e MTE/FAT. Elaboração própria.

Naquele momento, não havia um consenso sobre as causas que levaram a um crescimento

contínuo do desemprego. No entanto, a esse respeito, é possível identificar três linhas de

explicações: uma primeira privilegiava a dimensão macroeconômica do problema, apontando

para a recessão econômica e o modelo de inserção externa e de gestão macroeconômica da

economia brasileira implantado nos anos 1990; a segunda linha enfatizava os problemas de

ordem institucional, destacando o desestímulo à contratação causado pela legislação trabalhista e

pelo sistema brasileiro de relações de trabalho; por fim, uma terceira linha ressaltava aspectos

estruturais do problema, ligados ao descompasso existente entre as inovações tecnológicas e

organizacionais das empresas, suas necessidades de mão de obra e o grau de qualificação

apresentado pela mesma, por um lado, e a globalização econômica e a competição internacional,

por outro.

Não é necessário alongar-se sobre a primeira linha de explicação supracitada, posto que

uma análise desta natureza já foi acima realizada. Resumidamente, basta destacar que os seus

adeptos defendem que a abertura comercial abrupta, amparada pelo rebaixamento generalizado

8,7

15,2

13,2

19,3 19,9

6,5

12,8

1,5

5,1

0,7

2,1

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Total Aberto Precário Desalento

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129

das tarifas alfandegárias e pela sobrevalorização cambial (até janeiro de 1999), associada a taxas

de juros estratosféricas e uma reformulação do setor público que visava o seu enxugamento,

promoveram um crescimento econômico médio pífio no período e uma desarticulação

generalizada de cadeias produtivas industriais estabelecidas ao longo de décadas, o que terminou

por acarretar uma elevação vertiginosa da taxa de desemprego127.

A segunda linha de explicação para o elevado desemprego dos anos 1990 e início da década

de 2000 procurava acentuar a inadequação do sistema brasileiro de relações de trabalho diante de

uma “nova economia”, mais integrada e globalizada do ponto de vista comercial, menos

verticalizada e mais intensiva em conhecimento do ponto de vista produtivo128.

Nesses termos, acusava-se a legislação trabalhista brasileira, seu excesso de

regulamentações sobre o mercado de trabalho, a rigidez por ela provocada e os altos encargos

sociais que incidiam sobre a folha de salários, como os principais responsáveis pela escalada do

desemprego. Nessa perspectiva, portanto, urgia flexibilizar as normas de contratação, demissão,

utilização e remuneração de funcionários, com vistas a uma alocação mais eficiente do fator

trabalho, em um cenário internacional mais liberalizado e de competição acirrada. A decorrência

esperada dessas medidas seria um aumento da competitividade das empresas, um melhor

desempenho econômico e a criação de mais empregos, e assim, a redução da taxa de

desemprego129.

Um terceiro conjunto de fatores explicativos para o elevado desemprego do período em

análise residia nos impactos provocados pela reestruturação produtiva e pela globalização

econômica sobre a demanda por mão de obra130. Nesse sentido, acreditava-se que as inovações

tecnológicas com base na automação microeletrônica associadas ao paradigma japonês de gestão

empresarial e do trabalho, acarretariam, por um lado, uma abrupta queda na demanda por força

de trabalho mesmo em momentos de elevação da produção (resultado de elasticidades emprego-

produto muito menores); por outro, aumentaria exponencialmente a necessidade das empresas

por mão de obra com níveis educacionais e de qualificação mais elevados. Além disso, a

globalização econômica e a redefinição da divisão internacional do trabalho provocada pelos

127 Os referidos argumentos encontram-se presentes nos seguintes autores: Baltar (1996; 2003); Cardoso Jr. (2013 [2001]);

DIEESE (1994); Medeiros e Salm (1994); Pochmann (2001a; 2001b; 2006); Prado (2006). 128 São representativos dessa interpretação os seguintes autores e textos: Campos (1995); Neri, Camargo e Reis (2000); Pastore

(1994a; 1994b; 1995; 1998); Zylberstajn e Pastore (1990). 129 Para uma reflexão crítica a esse respeito, ver Medeiros e Salm (1994). Uma resenha do debate sobre desemprego e

flexibilidade pode ser encontrada em Cardoso Jr. (2013 [1998]) e Proni e Gomes (2007). 130 Estes argumentos estão presentes, com ênfases distintas, em Campos (1995); DIEESE (1994); Neri, Camargo e Reis (2000).

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130

países asiáticos, sobretudo a China, deslocou, irremediavelmente, os postos de trabalho

industriais para aquela porção do mundo, devastando os empregos industriais não só no Brasil,

mas também nos países avançados.

Note-se que esta explicação tende a destacar a presença de um componente estrutural nos

elevados níveis de desemprego registrados no período em tela. Ou seja, procurava-se dizer, de

maneira mais ou menos explícita, que o crescimento econômico capitalista a partir de então não

era mais suficiente para promover uma expansão proporcional de novas ocupações, sobretudo no

setor industrial. Ademais, a oferta de mão de obra não estaria alinhada aos novos requisitos

educacionais e de qualificação, dados os seus baixos níveis no Brasil, o que estaria provocando

uma redundância estrutural da parcela desqualificada da força de trabalho, de difícil incorporação

pela estrutura produtiva no curto e no médio prazos.

O estreitamento do mercado de trabalho brasileiro nos anos 1990 pode ser visto ainda pela

ótica do avanço da informalidade ou do seu segmento pouco organizado.

Normalmente, este processo encontra-se associado a dois movimentos distintos, porém

interligados, quais sejam: a terciarização da economia e a consequente perda de protagonismo da

indústria como um polo dinâmico de geração de postos de trabalho; e a terceirização de

atividades, que promoveu a migração de um contingente significativo de postos de trabalho das

grandes para as médias e pequenas empresas131.

Além disso, não se pode negligenciar os ajustes defensivos realizados pelas pequenas e

médias empresas, no sentido de se adaptarem ao novo contexto macroeconômico. A exacerbação

da concorrência na década de 1990 exigiu uma redução rápida e drástica de custos pelas empresas

de menor porte, que, em um cenário de fiscalização débil do cumprimento da legislação

trabalhista e de sindicalismo acuado, penalizou de forma contundente o emprego com carteira

assinada (BALTAR, 2003b).

Nesse cenário, o incremento da ocupação em atividades não-agrícolas nos anos 1990 foi

resultado, em grande medida, da expansão do trabalho por conta própria, responsável por um

pouco menos da metade das ocupações criadas no período. Assim, na esteira de um crescimento

médio anual de aproximadamente 3,6%, a participação do trabalho por conta própria no mercado

131 A esse respeito, três aspectos adicionais são dignos de nota: i) houve uma perda de participação relativa do emprego formal

dentro do próprio setor industrial; ii) o avanço da informalidade e do trabalho assalariado sem registro foi muito mais pronunciado

nas regiões metropolitanas do que no conjunto do país; e iii) verificou-se uma maior homogeneização espacial e setorial da

manifestação do fenômeno em tela, no sentido de que os espaços por excelência de aglutinação de postos de trabalho organizados

(metrópoles, indústria e região Sudeste) tenderam a se tornar mais semelhantes aos demais (RAMOS e FERREIRA, 2006).

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131

de trabalho urbano brasileiro saltou de 18,4%, em 1989, para 22,5%, em 1999, o que significou

um aumento absoluto de 3,6 milhões de ocupações.

Outro vetor de expansão da ocupação nos anos 1990 foi o emprego assalariado sem carteira

assinada, uma vez que “numa avaliação global da década, todo o pequeno aumento do emprego

assalariado em estabelecimentos não-agrícolas (1,6 milhão) foi constituído de empregos sem

carteira de trabalho, pois houve uma redução dos empregos celetista e estatutário (885 mil)”

(BALTAR, 2003b, p. 131).

Além disso, a geração de oportunidades de emprego na década de 1990 teve no serviço

doméstico remunerado um pilar importante, cujo crescimento deu-se a uma taxa média de 3,2%

ao ano entre 1989 e 1999, bem superior à verificada no emprego assalariado (BALTAR, 2003b).

Não custa lembrar que o serviço doméstico remunerado era amplamente dominado por relações

de trabalho não regulamentadas pela CLT.

Assim sendo, o resultado final não poderia ter sido outro: uma diminuição substantiva do

grau de formalização do mercado de trabalho brasileiro ou, em outros termos, um aumento da

vulnerabilidade ocupacional.

Todas as modificações mencionadas na composição das oportunidades para ocupar a

população ativa urbana sinalizam que o estreitamento do mercado de trabalho, além de

aumentar o desemprego aberto e a inatividade da população com idade para trabalhar,

dificultando a estratégia das famílias de aumentar o número de pessoas com trabalho

remunerado em defesa da renda familiar, implicou em maior precariedade do trabalho

dos que conseguiram uma ocupação. Esta precariedade manifesta-se na queda do

emprego e na maior exploração do trabalho nas grandes empresas, assim como na

ampliação do emprego nas pequenas e médias com maior descumprimento da legislação

trabalhista, e na proliferação dos pequenos empreendimentos não empresariais e do

emprego no serviço doméstico remunerado (BALTAR, 2003a, p. 223-224).

Embora os primeiros anos da década seguinte possam ser considerados como de

arrefecimento da tendência132, o fato é que nos anos 1990 aprofundou-se o processo de expansão

do setor não organizado do mercado de trabalho (e, por consequência, da informalidade). Com

efeito, constata-se que, entre 1995 e 1999, o emprego assalariado com carteira assinada cresceu

apenas 3,1% (contra 20,5% entre 2001 e 2005), o que significou que, de cada 100 postos de

trabalho gerados, cerca de 14 foram com registro em carteira (ante 51 no período subsequente).

Assim, a sua participação no total da ocupação não agrícola reduziu-se para menos de um terço

132 A desvalorização cambial realizada em 1999, acompanhada de um cenário externo bastante favorável, jogou um papel central

para a reversão do quadro adverso do final do século XX.

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132

(32,0%), tendo posteriormente aumentado para 34,1% na primeira metade da década seguinte

(CARDOSO JR., 2013 [2010]).

Inversamente, o assalariamento sem carteira cresceu de forma expressiva (17,2%) entre

1995 e 1999, e num ritmo mais comedido (10,1%) no período 2001/2005. Dessa forma, a

participação do emprego sem carteira alcançou 18,7% da ocupação total, ao final do século

passado, para posteriormente começar a se reduzir.

Por sua vez, o trabalho por conta própria trilhou um caminho parecido com o do

assalariamento sem registro em carteira de trabalho, embora seu ritmo de crescimento tenha sido

menor (11,0%), tendo ampliado sua participação relativa no total da ocupação não-agrícola para

17,0% ao final da década de 1990.

Em síntese, na virada do milênio, havia aumentado a participação do núcleo pouco

estruturado do mercado de trabalho brasileiro (47,8% da ocupação total, em 1999), contrastando

com uma participação relativamente baixa do seu núcleo estruturado (50,2%)133.

Nesse contexto, muitas explicações foram arroladas com o intuito de explicar o avanço da

informalidade e, de modo mais amplo, do segmento pouco estruturado do mercado de trabalho

brasileiro (movimento, aliás, vale salientar mais uma vez, que rompia com uma trajetória

histórica que prevaleceu por quase meio século).

De um lado, é possível reunir um conjunto de autores que privilegiava uma intepretação

macroeconômica do problema. Para eles, a informalidade do final do século XX (e do início do

século XXI) resultava do estreitamento do mercado de trabalho brasileiro, especialmente do seu

segmento formal, em resposta a um conjunto de políticas econômicas restritivas (elevadas taxas

de juros, demasiado rigor fiscal e enxugamento do Estado, por exemplo) e de medidas intensas e

abruptas de liberalização do ambiente econômico134.

De outro lado, identifica-se um grupo de autores para o qual a alta incidência da

informalidade no mercado de trabalho brasileiro derivava essencialmente de seu (inadequado)

ambiente institucional-regulatório. Em poucas palavras, para esses autores os elevados custos

fiscais e burocráticos associados ao contrato de trabalho regulamentado, a existência de

133 A definição de núcleo pouco estruturado do mercado de trabalho utilizada contempla os trabalhadores sem-carteira, os

autônomos não-agrícolas, os trabalhadores não-remunerados e os trabalhadores na construção para uso próprio. Já o núcleo

estruturado engloba os trabalhadores assalariados com carteira assinada, mais os funcionários públicos e militares (CARDOSO

JR., 2013 [2010]). 134 A rigor, essa linha de pensamento não difere substancialmente da apresentada anteriormente a respeito do crescimento do

desemprego no período em tela, sendo igualmente defendida pelos autores citado na nota de rodapé nº 127.

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133

programas de seguridade social de ampla cobertura, sem relação direta entre contribuições e

benefícios, e a faculdade do trabalhador acionar a Justiça do Trabalho para reivindicar o

cumprimento de direitos constituem os elementos centrais para a explicação do elevado peso da

informalidade no mercado de trabalho brasileiro, uma vez que são medidas que, em tese,

desincentivam a celebração de contratos de trabalho sob o abrigo da Consolidação das Leis do

Trabalho – CLT135.

GRÁFICO 05

Evolução do Salário Mínimo Real*

Brasil – Períodos Selecionados

Fonte: IPEADATA. Elaboração própria.

* Série em reais (R$) constantes de novembro de 2014.

Quanto ao impacto sobre os salários, a reorientação neoliberal da economia brasileira a

partir da década de 1990, que se prolongou até o início dos anos 2000, também não obteve êxito

na diminuição dos níveis históricos de desigualdade de renda no Brasil. Nesse sentido, os adeptos

deste receituário acreditavam que o choque de competitividade ao qual foi submetido a estrutura

produtiva do país, com a abertura da economia, forçaria as empresas locais a uma atualização

tecnológica e organizacional que levaria a um aumento substancial da produtividade do trabalho,

ao aproximar a base produtiva nacional da encontrada nos países de capitalismo avançado. Nesse

135 Estes argumentos podem ser encontrados em Neri (2000); Amadeo, Gill e Neri (2000); Camargo (2004); Pastore (2000).

25

1,5

25

0,3

4 34

7,3

7

28

1,5

7

32

9,7

5

33

8,4

7

34

7,5

6

36

7,3

9

35

4,4

6

37

3,8

5

40

7,2

39

4,3

2

42

8,6

7

0

50

100

150

200

250

300

350

400

450

500

R$

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134

processo, esperava-se que os salários experimentassem uma elevação, em compasso com os

ganhos de produtividade, em um cenário com poucos espaços para o aumento de preços.

Após o Plano Real, a política de definição de um índice geral para o reajuste mensal dos

salários foi abandonada definitivamente, como parte de um processo de desindexação da

economia e de combate aos altos índices de inflação, ao passo que o salário mínimo assinalou

uma trajetória de alta, ainda que em ritmo lento (Gráfico 05).

A realidade dos anos 1990, notadamente a sua segunda metade, foi especialmente adversa

para a evolução do rendimento médio dos ocupados: crescimento econômico lento, taxas de

desemprego elevadas, evolução contida do salário mínimo e movimento sindical na defensiva

compunham um quadro amplamente desfavorável aos rendimentos dos trabalhadores.

GRÁFICO 06

Evolução do Rendimento Médio Real dos Ocupados*

Região Metropolitana de São Paulo – 1991-2003

Fonte: DIEESE/SEADE. Elaboração própria.

* Série em reais (R$) constantes de novembro de 2014.

Na região metropolitana de São Paulo, por exemplo, o rendimento médio real dos ocupados

apresentou uma trajetória de alta entre 1992 e 1995 da ordem de 35,0%. Porém, a partir de 1998,

após um período de relativa estabilidade, o rendimento real dos ocupados mostrou uma tendência

de queda contínua, com o que atingiu um nível, em 2003, bem abaixo do verificado no início da

década de 1990. Entre 1997 e 2003, o rendimento médio diminuiu, em termos reais, cerca de

33,0% (Gráfico 06).

2.088

1.871

2.102

2.244

2.531 2.523 2.5282.445

2.309

2.168

1.977

1.812

1.696

1.000

1.200

1.400

1.600

1.800

2.000

2.200

2.400

2.600

2.800

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

R$

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135

Os graus de desigualdade de renda e de incidência da pobreza pouco se alteraram no

intervalo de tempo em análise, é importante enfatizar. Conforme apontam Barros, Henriques e

Mendonça (2001), a intensidade da pobreza somente foi abalada, nos últimos vinte anos do

século passado, nos períodos subsequentes à implantação dos Planos Cruzado e Real. Nos anos

1990, em particular, o percentual de pobres reduziu-se de 41,7%, em 1993, para 33,9% em 1995,

mantendo-se ao redor desse patamar até o final da década.

A desigualdade de renda, por seu turno, manteve-se praticamente estável ao longo de toda a

década de 1990, acusando uma pequena inflexão apenas em seu início, posicionando-a em um

patamar ligeiramente inferior ao verificado no final dos anos 1970. Para estes autores, “a análise

atenta do período 1977/99 revela, de forma contundente, que muito mais importante do que as

pequenas flutuações observadas na desigualdade é a inacreditável estabilidade da intensa

desigualdade de renda que acompanha a sociedade brasileira ao longo de todos esses anos”

(BARROS, HENRIQUES; MENDONÇA, p. 17).

Entretanto, em termos da distribuição funcional da renda, as contas nacionais mostram que,

nos anos 1990, houve um aumento da carga tributária e da apropriação da renda por parte das

empresas, o que se deu em prejuízo da participação da renda dos empregados na renda

disponível, ainda que as contribuições sociais tenham assinalado um pequeno crescimento no

intervalo de tempo em tela. Em 1991, a renda do trabalho detinha uma participação na renda

nacional de 37,5%, ao passo que, em 1999, esse percentual havia se reduzido substancialmente,

para 32,8% (DEDECCA, 2003).

Nesse sentido, a questão fundamental, alerta Cláudio Dedecca (2003), residiria no caráter

financeiro da política econômica implementada no período, que demandava a liberação de

recursos da sociedade para a remuneração dos endividamentos externo e interno, subprodutos da

própria política econômica.

Em condições de baixo crescimento, como ocorrido nos anos 90, o aumento da

financeirização da economia exigiu que algum segmento da sociedade disponibilizasse

os recursos necessários para o processo. Foram aqueles que dependem do trabalho para

viver que forneceram esses fundos, seja pela transferência líquida de recursos, seja pela

redução das oportunidades de trabalho oferecidas pela estrutura econômica (DEDECCA,

2003, p. 74).

Finalmente, convém reconhecer que a década de 1990 não foi exitosa em superar a alta

rotatividade presente no mercado de trabalho brasileiro. Com o aprofundamento das mudanças de

paradigma tecnológico e organizacional já mencionadas, tornou-se comum, no compasso da

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136

terceirização e da subcontratação de atividades, que as relações de trabalho mais precárias, onde

predominam, dentre outros aspectos, altas taxas de rotatividade da mão de obra, fossem sendo

deslocadas para as empresas de menor porte, integrantes de cadeias e complexos produtivos

capitaneados pela grande empresa. Márcia de Paula Leite e Cibele Rizek, a partir da análise das

relações interfirmas da cadeia automotiva e do complexo químico, lançaram luz a esse

respeito136:

Cadeias e complexos produtivos apresentam gradientes diversos de precarização,

silenciamento, invisibilização e seus opostos – estabilização e qualificação, visibilidade

e representação – como tessituras combinadas tanto nas teias da produção como nas

esferas sindicais e políticas da representação, nada indiferente para os rumos do

emprego, das negociações fabris, setoriais e do reconhecimento público dos

trabalhadores, de seus direitos e de seus coletivos (LEITE; RIZEK, 1998, p. 76).

Assim, a respeito do avanço das transformações produtivas e sociais iniciadas nos anos

1980, Márcia de Paula Leite conclui que:

[...] ao contrário da expectativa que os estudos anteriores pareciam carregar, de que os

efeitos sociais do processo se tornariam socialmente mais desejáveis na medida em que

ele fosse se aprofundando, a realidade tem revelado exatamente o oposto, ou seja, quanto

mais o processo se desenvolve, menos virtuosas parecem ser suas implicações sociais

(LEITE, 2003, p. 90).

Nesse cenário, não obstante o diagnóstico amplamente aceito de que o mercado de trabalho

brasileiro era altamente flexível (em suas duas dimensões, a salarial e a alocativa), e que esta

característica constituía-se em si mesma um obstáculo importante para a elevação da

produtividade do trabalho e para a competitividade da economia137, ganhou fôlego nos anos 1990

o debate a respeito da necessidade de se avançar na sua desregulamentação/flexibilização,

conferindo ao tema uma posição de destaque na agenda política e governamental do país.

A interpretação hegemônica naquele período, que tinha como fonte de inspiração o debate

que então se realizava nos países desenvolvidos, defendia que a extensa regulação legal existente

sobre as relações entre o capital e o trabalho no Brasil tornava o mercado de trabalho brasileiro

bastante rígido, com espaços exíguos para a negociação direta entre os atores sociais, e, portanto,

136 Muitos outros estudos corroboram os resultados obtidos pelas autoras, conforme indica Leite (2003). 137 As referências, a esse respeito, são numerosas e abrangem autores de distintas filiações ideológicas. Ver, por exemplo,

Amadeo et alii (1994); Camargo e Bivar (1993); Baltar (1996); Amadeo e Camargo (1996); Barros e Mendonça (1997); Barros et

alii (1997).

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137

de difícil ajustamento a choques externos. As altas taxas de desemprego e de informalidade

observadas na década de 1990 seriam as evidências da validade desta linha de raciocínio138.

Por outro lado, em contraposição ao pensamento dominante, havia um conjunto de autores

que alertava para os já elevados níveis de flexibilidade do mercado de trabalho brasileiro, ao

tempo que, conforme já se destacou nas seções anteriores, responsabilizava o contexto

macroeconômico de baixo crescimento econômico como o principal determinante das altas taxa

de desemprego e de informalidade verificadas nos anos 1990 (PRONI; HENRIQUE, 2003).

A entrada no Governo Federal, em 1993, de um grupo político afinado com as ideias pró-

desregulamentação do mercado de trabalho, redundou em uma série de mudanças legais no

campo trabalhista, que, em seu conjunto, apontava para uma alteração substancial do sistema de

relações de trabalho no Brasil. Nesse sentido, foram objeto de modificações os parâmetros

institucionais de regulamentação da remuneração do trabalho, do tempo de trabalho, da

contratação do trabalho, da forma de solução dos conflitos e do processo de descentralização das

negociações. Os resultados, porém, foram decepcionantes, uma vez que as taxas de desemprego

não recuaram e o grau de precarização do mercado de trabalho aumentou entre meados dos anos

1990 e início dos anos 2000 (KREIN, 2003).

Nesse sentido, os anos 1990 constituem um período em que houve continuidade no

processo de deterioração e iniciou-se o esforço de desregulação do mercado de trabalho

brasileiro, tendo sido superada a ambiguidade verificada na década anterior entre deterioração e

ampliação de direitos, ou seja, naquele momento, desestruturação e desregulamentação do

mercado de trabalho passaram a se reforçar mutuamente (CARDOSO JR., 2013 [2001]).

* * *

Mostrou-se, neste capítulo, que a ruptura com o nacional-desenvolvimentismo e a ascensão

de uma estratégia de crescimento neoliberal não foram capazes de melhor estruturar e organizar o

mercado de trabalho brasileiro. Pelo contrário, as políticas econômicas neoliberais, aplicadas nos

anos 1990, ampliaram a magnitude dos problemas crônicos do mercado de trabalho brasileiro,

apontados no capítulo 3. Nesse sentido, é lícito reconhecer que o mercado de trabalho brasileiro

138 O principal expoente dessa corrente é o sociólogo José Pastore. Segundo ele, “[...] a palavra de ordem nos atuais sistemas de

relações de trabalho é flexibilizar, ou seja, ajustar-se às novas condições e tirar o máximo proveito delas. A necessidade de inovar

e competir está exigindo novas modalidades de contratação e remuneração do trabalho. Quando as relações trabalhistas dependem

muito da legislação, as adaptações são lentas, as empresas perdem a competição e os trabalhadores ficam sem emprego”

(PASTORE, 1994, p. 14).

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138

nas décadas de 1980 e 1990 sofreu um processo de deterioração e estreitamento, distanciando-se

ainda mais da configuração consagrada pelos seus congêneres nos países desenvolvidos.

O debate sobre as causas das tendências em curso no mercado de trabalho brasileiro, seja

no campo acadêmico, seja no terreno político, contrapôs diferentes perspectivas a respeito do

funcionamento da economia e do papel do Estado na regulação dos mercados. Os defensores das

explicações de cunho institucionalista procuravam restringir a análise dos desequilíbrios

verificados ao âmbito do mercado de trabalho. Por sua vez, os economistas alinhados com a

tradição estruturalista-keynesiana buscavam mostrar que as variações no nível do emprego e dos

salários eram resultado de fatores exógenos, em especial, da política macroeconômica adotada. E

havia, ainda, aqueles que consideravam que as tendências assumidas pelo mercado de trabalho

brasileiro no final do século passado refletiam uma transformação mais geral da ordem

econômica internacional e da forma de organização do trabalho, constituindo, portanto, um

processo inexorável. As políticas do governo federal destinadas a enfrentar os problemas do

mercado de trabalho nacional refletiam, em grande medida, a abordagem institucionalista e a

crença na possibilidade de aumentar a “empregabilidade” dos trabalhadores, mas os programas de

qualificação profissional, intermediação de mão de obra e geração de emprego e renda tinham

baixa eficácia, especialmente por causa do ambiente econômico adverso (MORETTO;

GIMENEZ; PRONI, 2003).

Ainda no limiar dos anos 2000, alguns sinais de reversão deste quadro começaram a

florescer, mas uma nova tendência somente se consolidou a partir de meados daquela década, na

esteira do enfraquecimento do pensamento neoliberal e da construção de um novo padrão de

desenvolvimento. Essa inflexão será objeto de análise no capítulo seguinte.

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139

Capítulo 5: A Reconfiguração do Mercado

de Trabalho (2004-2014)

No início do século XXI, ao contrário do prometido pelos defensores das reformas e das

políticas neoliberais, a economia brasileira não havia recuperado uma trajetória sustentável de

crescimento econômico, ainda que a inflação tenha sido acomodada em um baixo patamar,

enquanto que as brechas tecnológicas e produtivas com relação aos países desenvolvidos haviam

se ampliado. O mercado de trabalho, por sua vez, mostrava-se altamente excludente e sua

estrutura ocupacional mais precária, resultado do movimento de deterioração e estreitamento pelo

qual havia passado na década anterior. Os níveis de pobreza e de desigualdade, por sua vez,

mostravam uma estabilidade inaceitável para uma economia subdesenvolvida como a brasileira.

Não por acaso, o projeto neoliberal e, consequentemente, o modelo econômico e de sociedade por

ele representado, enfrentava uma ampla rejeição pela sociedade.

Ao mesmo tempo, os anos 2000 iniciaram uma nova fase de prosperidade na economia

mundial, capitaneada pelo crescimento acelerado das economias asiáticas, especialmente da

China, implicando na valorização expressiva dos preços das commodities no comércio

internacional, base sobre a qual se sustentou a aceleração do crescimento econômico brasileiro (e

latino-americano) na referida década.

Estes dois fatos, ou seja, a fragilização política do neoliberalismo e o maior dinamismo da

economia mundial, propiciaram o ambiente favorável para que a política fiscal e de planejamento

governamental assumissem um novo formato, elementos igualmente importantes para o

entendimento da expansão econômica do período recente.

Nesse contexto, o mercado de trabalho brasileiro apresentou uma nova dinâmica, que se

tornou mais evidente a partir de 2006: o desemprego se reduziu substancialmente, a formalização

dos vínculos empregatícios expandiu-se vigorosamente, o rendimento médio real do trabalho

cresceu e a desigualdade de renda diminuiu.

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140

O objetivo deste capítulo é refletir acerca da reconfiguração atual do mercado de trabalho

brasileiro, notadamente entre os anos de 2004 e 2014, procurando elucidar as suas conexões com

o cenário macroeconômico e as políticas implementadas no período. Desta forma, enfatizar-se-á

que o sentido do processo de reconfiguração do mercado de trabalho brasileiro foi o de uma

estruturação inclusiva, em um movimento divergente do que se observou nas duas décadas

anteriores e das tendências então predominantes nos países desenvolvidos. Note-se, ainda, que tal

reconfiguração aconteceu em um contexto socioeconômico bastante distinto do vigente ao longo

da industrialização da economia brasileira, não podendo ser interpretada como simples retomada

do processo anterior, sendo necessário entender os seus limites e os desafios a serem superados.

5.1. Estrutura e dinâmica recente do mercado de trabalho brasileiro

5.1.1. O cenário macroeconômico

Os anos 2000 inauguraram uma nova dinâmica para o mercado de trabalho brasileiro, ao

reunir, a um só tempo, queda substantiva da taxa de desemprego, crescimento substancial da

formalização dos vínculos empregatícios, diminuição das desigualdades de renda e elevação do

rendimento médio real do trabalho.

No plano macroeconômico, foram fundamentais, para tanto, as desvalorizações cambiais

realizadas em 1999 e no biênio 2001/2002, assim como o contexto econômico internacional

bastante favorável do período (que se estendeu até a debacle da economia mundial em fins de

2008). Além disso, no âmbito interno, foi de suma importância a aceleração do crescimento

econômico a partir de 2004, beneficiada pelo aludido cenário externo, mas também pelos

estímulos concedidos ao mercado interno de consumo, como a expansão do crédito, do salário

mínimo e dos programas sociais.

No plano microeconômico, convém destacar o arrefecimento de uma reestruturação

produtiva com forte viés poupador de mão-de-obra, que atingiu o seu apogeu nos anos 1990,

tornando possível uma recuperação da capacidade de geração de empregos pelas grandes

empresas e da elasticidade produto – emprego formal (aspecto que será retratado na subseção

seguinte).

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141

Na verdade, pode-se afirmar que, desde a abertura da economia brasileira nos anos 1990, o

comportamento da produção e dos preços no país adquiriu uma elevada dependência da situação

econômica internacional (BALTAR, 2014). Destarte, cumpre reconhecer que o ponto de partida

do maior dinamismo da economia brasileira entre 2004 e 2008 foi o incremento bastante

expressivo das exportações, prontamente acompanhado por um movimento análogo das

importações. Ou seja, foi o crescimento da absorção externa, puxado pela elevação da demanda

(especialmente chinesa) e dos preços das commodities brasileiras, mas também pelas exportações

de produtos manufaturados (ao menos em um primeiro momento), que impulsionou o ritmo de

expansão da economia brasileira no período em tela. O consumo e o investimento – a absorção

interna – ganharam proeminência apenas em um segundo momento, sendo induzidos, vale a

ênfase, pelos estímulos provenientes do exterior.

GRÁFICO 07

Variação Real Anual do PIB

Brasil – 1998/2014

Fonte: IPEADATA. Elaboração própria.

Convém tecer alguns comentários mais detalhados a respeito da dinâmica econômica do

período para, em seguida, elucidar suas implicações para o mercado de trabalho. Assim, em 2004,

o PIB brasileiro expandiu-se a uma taxa de 5,7%, na ocasião a mais elevada desde meados da

década de 1980 (Gráfico 07). Conforme já se disse, tal crescimento teve como mola propulsora a

absorção externa (as exportações e as importações cresceram 15,3% e 13,3%, respectivamente),

0,0 0,3

4,3

1,3

2,7

1,2

5,7

3,2 4

,0

6,1

5,2

-0,3

7,5

2,7

1,0

2,5

0,1

1,6

4,5

1,6

-1,0

0,0

1,0

2,0

3,0

4,0

5,0

6,0

7,0

8,0

19981999200020012002200320042005200620072008200920102011201220132014

%

PIB Média 1998-2003 Média 2004-2010 Média 2011-2014

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142

uma vez que o consumo mais os investimentos aumentaram a uma taxa inferior ao PIB (4,7%),

ainda que auxiliados por uma redução das taxas de juros, então posicionadas em um patamar

bastante elevado, herança do ajuste sofrido pela economia brasileira no ano anterior. É digno de

nota, ademais, a expressiva aceleração da produção manufatureira, que registrou no ano em

questão um aumento de 8,5%.

Nesse cenário, à medida que a atividade econômica se aquecia e, em tese, o crescimento

efetivo superava o crescimento potencial da economia (então estimado em torno de 3,5%), as

preocupações com o retorno da inflação a patamares mais elevados se avolumavam. Com efeito,

as autoridades brasileiras não hesitaram em promover um novo ciclo de aperto monetário (a taxa

SELIC aumentou de 16,00% em abril de 2014 para 19,75% em maio de 2005), com o que

acarretou uma drástica contração dos investimentos (queda de 9,1% para 3,6% entre 2004 e

2005) e, consequentemente, do crescimento econômico do ano seguinte (que recuou para 3,2%),

o que só não foi mais acentuada devido ao comportamento estável do consumo (3,9% em cada

um dos anos).

Nesse momento, tornaram-se explícitas as dificuldades de se conciliar uma gestão

“neoliberal” da política econômica com o cumprimento dos compromissos sociais assumidos

pelo Governo Lula, eleito em 2003139. Questionados cada vez mais a respeito dos resultados

provocados pelo ajuste fiscal do período 2003-2005, que não logrou atingir um crescimento

econômico duradouro, nem tampouco melhorar significativamente os indicadores de emprego e

renda, os neoliberais perderam influência no Governo Lula a partir de 2006, com o que foram

abertas possibilidades de mudanças na gestão da política econômica, aproximando-a, sob alguns

aspectos, de um perfil mais desenvolvimentista ou keynesiano.

A partir de então, o Governo Federal foi pautado pela defesa de três linhas de atuação: em

primeiro lugar, a adoção de medidas temporárias de estímulos fiscal e monetário, com o intuito

de acelerar o crescimento e aumentar o potencial produtivo da economia brasileira. Em segundo

lugar, o impulso ao desenvolvimento social, mediante a elevação das transferências de renda e do

salário mínimo. Finalmente, a ampliação dos investimentos públicos e a recuperação da

capacidade de planejamento de longo prazo do Estado.

139 Conforme salientam Nelson Barbosa e José Antônio Pereira de Souza (2010), durante os três primeiros anos do Governo Lula

predominou uma concepção “neoliberal” da política econômica, para a qual fatores de curto prazo, como estímulos monetário,

fiscal ou cambial, pouco afetam (ou mesmo prejudicam) o crescimento econômico, sendo o fundamental a realização de

“reformas estruturais pró-mercado”.

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143

As aludidas linhas de atuação são interdependentes. Compuseram a inflexão da política

fiscal os já mencionados aumentos do salário mínimo (e seus impactos sobre os benefícios

previdenciários e assistenciais) e dos investimentos públicos, este último particularmente após a

criação do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, além da iniciativa de reestruturar as

carreiras e os salários do serviço público. Tais medidas, embora tenham implicado em uma

pequena redução do superávit primário (que passou de 2,6% do PIB, em 2005, para 2,4%, em

2008), não comprometeu a trajetória de queda da relação dívida/PIB, dada a aceleração do

crescimento econômico e o menor pagamento de juros apresentado no período (a Dívida Pública

em percentual do PIB passou de 48,0%, em 2005, para 37,3%, em 2008).

A decisão de elevar o poder de compra dos salários de base da economia foi influenciada

pelas mobilizações encampadas pelas Centrais Sindicais brasileiras a partir de 2004, que visavam

justamente chamar a atenção para a importância social e econômica do salário mínimo, assim

como para a urgência da elevação do seu poder de compra, desvalorizado continuamente ao

longo de décadas. A partir de então, criou-se um canal de negociação quadripartite, com

representantes do governo, dos trabalhadores da ativa, de aposentados e pensionistas e dos

empregadores, com o intuito de estabelecer uma política de valorização do salário mínimo de

caráter permanente. No entanto, ainda que aumentos reais significativos tenham ocorrido nos

anos subsequentes às mobilizações (conforme se demonstra no Gráfico abaixo), foi somente no

ano de 2007 que as negociações redundaram em uma política dessa natureza.

Destarte, com duração prevista até o ano de 2023, a política nacional de valorização do

salário mínimo estabeleceu, a partir de 2008, reajustes equivalentes a inflação acumulada no

período, medida pelo INPC-IBGE, acrescidos da variação do PIB de dois anos anteriores, além

de antecipações sucessivas da data base de sua correção, até a sua fixação em janeiro de cada ano

(o que aconteceu em 2010)140.

Entre 2004 e 2008, o salário mínimo brasileiro saltou de R$ 260 para R$ 415, o que

significou um reajuste nominal de 59,6%. Descontada a inflação acumulada no período, medida

pelo INPC-IBGE, de 19,3%, o resultado foi uma expansão real de 33,8% (ou 6,0% ao ano). No

140 Entre 2008 e 2011, o reajuste do salário mínimo, em linha com as regras supracitadas, foi efetuado com base em Medidas

Provisórias. Somente em 2012, com a promulgação da Lei 12.382/2011, a forma atual de aumento do salário mínimo foi

chancelada legalmente, com validade prevista até o ano de 2015. A partir de então, o mecanismo de correção vigente pode ser

mantido ou alterado, uma vez que o Governo Federal tem até 31 de dezembro do ano em questão para enviar ao Congresso

Nacional um novo projeto com validade até 2019. O compromisso do governo recém reeleito é o de manter as regras atualmente

vigentes (DIEESE, 2008; 2010; 2014a).

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144

período imediatamente anterior, por exemplo, que compreende os anos de 1996 a 2003, o

aumento nominal do salário mínimo foi de 114,3%, contra uma inflação de 70,4%, o que perfaz

um crescimento real significativamente menor, de 25,7% (ou 2,9% ao ano)141. O Gráfico abaixo

apresenta os aumentos reais sofridos pelo salário mínimo desde 1995, assim como a sua evolução

em termos reais.

GRÁFICO 08

Reajustes Reais e Evolução do Valor Real do Salário Mínimo

Brasil – Maio de 1995 a Janeiro de 2014

Fonte: IBGE e DIEESE. Elaboração própria.

Deflator: INPC-IBGE.

No aludido contexto, a partir de 2006, a economia brasileira voltou a registrar um período

de crescimento mais acelerado do PIB, ao assinalar uma expansão de 4,0%, em 2006, de 6,1%,

em 2007, e de 5,2% em 2008. A inflação baixa (em 2006, o IPCA e o INPC atingiram um dos

patamares mais baixos de suas séries históricas, 3,1% e 2,8%, respectivamente), acompanhada

por um afrouxamento das políticas monetária e fiscal, impulsionaram o consumo e o

investimento (que cresceram entre 2005 e 2008 acima do PIB), consolidando o deslocamento do

141 A desconsideração do aumento do salário mínimo realizado em maio de 1995 justifica-se pelo fato de que nele se embute o

reajuste previsto na Lei nº 8.880, de 27 de maio de 1994, ou seja, parcela significativa do aumento do salário mínimo observado

em 1995 deve-se a determinação legal anterior. Ademais, tal reajuste mostrou-se dissonante com relação aos demais aumentos

concedidos nos anos subsequentes, denunciando a excepcionalidade da medida.

22

,61

-5,2

6

-0,9

8

4,0

5

0,7

1

5,3

9 12

,17

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7

1,2

3

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9 8,2

3 13

,04

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0

4,0

4

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9

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2

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7

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9

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4

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6

2,4

6

340,09

474,43

788,00

0

100

200

300

400

500

600

700

800

900

-10,00

-5,00

0,00

5,00

10,00

15,00

20,00

25,00

19

95

19

96

19

97

19

98

19

99

20

00

20

01

20

02

20

03

20

04

20

05

20

06

20

07

20

08

20

09

20

10

20

11

20

12

20

13

20

14

20

15

R$%

Reajuste Real Salário Mínimo Real Médio Anual

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145

motor de crescimento da economia da absorção externa para a absorção interna, posto que o saldo

comercial retraiu-se de modo contínuo a partir de 2006.

A valorização do câmbio, iniciada ainda em 2004142, teve um duplo papel ao longo de todo

esse período: se, por um lado, promoveu uma ampliação do poder de compra dos salários, ao

aprofundar a concorrência no mercado doméstico e, consequentemente, rebaixar os preços dos

produtos comercializáveis; por outro lado, acarretou em uma diminuição progressiva do saldo da

balança comercial, com o que se reforçou a necessidade da adoção de juros elevados para atrair

capitais externos e financiar o balanço de pagamentos.

Os efeitos colaterais deletérios de tal estratégia não podem ser negligenciados: um

crescimento econômico assentado em taxas de câmbio persistentemente valorizadas, ainda que

com inflação acomodada em baixos patamares, tende a provocar um vazamento para o exterior

do consumo das famílias, golpeando diretamente a produção manufatureira nacional e

enfraquecendo a capacidade do crescimento econômico de dinamizar o mercado de trabalho.

GRÁFICO 09

Evolução das Vendas no Comércio Varejista Ampliado e da Produção na

Indústria de Transformação*

Brasil – Dezembro de 2004 a Dezembro de 2014

Fonte: PMC-IBGE e PIM-IBGE. Elaboração própria.

* Variação acumulada em 12 meses.

142 Entre meados de 2004 e de 2008, a taxa de câmbio sofreu uma valorização expressiva ao recuar de R$ 3,00 para R$ 1,60.

-15,0

-10,0

-5,0

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

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5ju

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05

mar

/06

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06

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n/0

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07

mar

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jun

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set/

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9ju

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9d

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1ju

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mar

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jun

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12

de

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13

mar

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jun

/14

set/

14

de

z/1

4

%

Varejo Ind. Transformação

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146

Elucidativo da problemática acima salientada é o fato da produção manufatureira ter

crescido a taxas inferiores a do PIB, quando este apresentou uma expansão acelerada entre 2005 e

2008, situação inédita na economia brasileira desde o início da sua industrialização na década de

1930. Da mesma forma, ilustra esta discussão a discrepância existente entre os comportamentos

das vendas do comércio e da produção industrial, que se inicia e se acentua no período em

análise, o que sugere que o maior consumo das famílias tem sido satisfeito, em boa medida, pelos

produtos importados (Gráfico 09).

O crescimento econômico mais vigoroso do período 2004-2008 beneficiou-se ainda de

outros dois elementos importantes: a ampliação dos gastos sociais e do crédito. No que diz

respeito ao primeiro elemento, é importante lembrar que Keynes e Kalecki reconheciam, e davam

lugar de destaque em suas teorias, o papel desempenhado pelo consumo das classes populares no

desenvolvimento econômico: o primeiro chamou a atenção para a propensão marginal a consumir

mais elevada dos trabalhadores de menor renda, ao tempo que Kalecki formulou a célebre

proposição de que os trabalhadores consumiam toda a renda que recebiam.

Uma dedução lógica dessas formulações é a de que os gastos públicos, o que inclui as

políticas sociais, possuem impactos potencialmente diferentes sobre o crescimento econômico,

assumindo maior importância na medida em que se direcione para os estratos de mais baixa renda

da sociedade e que sejam financiados por intermédio de um sistema tributário progressivo.

Nesse sentido, no período recente, os avanços experimentados pela política social estiveram

amparados no reconhecimento da sua importância como dinamizadora da demanda agregada e,

portanto, do crescimento econômico, e não somente como um instrumento de combate à pobreza.

Jorge Abrahão de Castro (2013) apresenta algumas evidências empíricas que auxiliam na

elucidação das conexões existentes entre política social e crescimento econômico no Brasil

contemporâneo que valem a citação.

Antes, porém, convém ilustrar estatisticamente, também apoiando-se nas contribuições

deste autor, a amplitude alcançada pelas políticas sociais nos anos 2000143. Um modo de

visualizar este aspecto é através da participação das transferências monetárias na composição dos

rendimentos familiares. Nos vinte anos compreendidos entre a promulgação da Constituição de

143 Para ele, a política social é “composta por um conjunto e ações do Estado, que se manifestam em oferta de bens e serviços,

transferência de renda e regulação, com o objetivo de atender as necessidades e os direitos sociais que afetam vários dos

componentes das condições básicas de vida da população, inclusive aqueles que dizem respeito à pobreza e à desigualdade”

(CASTRO, 2013, p. 168-169).

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147

1988 e 2008, tal participação evoluiu de 9,5% para 19,3%, após ter alcançado 15,6% em 1998, o

que reflete o aumento combinado do alcance das políticas sociais de transferência de renda e do

valor dos recursos financeiros transferidos. O gasto público social como percentual do PIB, por

sua vez, aumentou de 19,2%, em 1995, para 21,9%, em 2005. Em 2010, e, portanto, em um

intervalo de apenas cinco anos, este percentual atingiu a marca de 25,2%.

Assim sendo, cumpre salientar que as políticas sociais brasileiras promovem uma alteração

dos rendimentos familiares em favor dos estratos de menor renda, atuando positivamente para a

queda da desigualdade medida pelo Índice de Gini, não obstante o caráter regressivo do sistema

tributário do país. As transferências de renda, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e

o Programa Bolsa Família, são as políticas sociais que mais contribuem para a diminuição do

Gini, ainda que os gastos com saúde, educação e previdência social atuem no mesmo sentido.

Comparativamente a outros tipos de gastos, os não sociais, cumpre citar que os investimentos na

construção civil e a exportação de commodities têm impactos praticamente nulos na distribuição

de renda, enquanto os gastos com juros da dívida pública implicam em sua elevação.

Para além dos impactos sobre a distribuição da renda, a expansão dos gastos sociais atua

diretamente sobre o crescimento econômico e da renda das famílias. Deste modo, estima-se que a

majoração dos gastos sociais na ordem de 1% do PIB reflete-se, por meio do multiplicador, na

expansão de 1,37% no crescimento da economia. Em outras palavras, para cada R$ 1,00 gasto

com política social, cerca de R$ 1,37 é incrementado ao PIB144.

Nesse quesito, é importante destacar o papel desempenhado pelo salário mínimo que, como

já se disse, experimentou um crescimento real significativo nos últimos anos. O impacto dessa

política foi bastante positivo para a diminuição da desigualdade salarial no mercado de

trabalho145 que, somado ao processo de formalização dos vínculos empregatícios e aos

mencionados efeitos das políticas sociais, contribuiu decisivamente para a queda da desigualdade

de renda no período recente.

144 No campo das políticas sociais, as áreas de saúde e educação apresentam um maior potencial de impacto sobre o crescimento

do PIB brasileiro, ao passo que as políticas de transferência de renda são mais importantes no que diz respeito à elevação da renda

das famílias. 145 A esse respeito, ver Komatsu e Menezes-Filho (2014). Nesse sentido, João Saboia (2007, p. 22) constata que “[...] o potencial

do SM na melhoria da distribuição da renda familiar per capita parece ser maior através de seus efeitos sobre o mercado de

trabalho do que sobre as pensões e aposentadorias oficiais. Tal resultado corrobora de certa forma os encontrados por outros

autores, que mostraram que as mudanças no mercado de trabalho na última década tiveram maior influência sobre a melhoria da

distribuição de renda que os diversos programas de transferência de renda”. A afirmação continua válida para o período mais

recente.

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148

Além disso, o salário mínimo, ao elevar o salário de base da economia, pode ser

considerado como um importante instrumento de combate à pobreza. Destarte, cumpre esclarecer

que, no Brasil, a composição da renda dos extremamente pobres e dos pobres modificou-se

sensivelmente no período recente, com o decréscimo da participação dos rendimentos do trabalho

e a consequente ampliação da importância das transferências sociais, especialmente do Programa

Bolsa Família. Ou seja, a pobreza e, particularmente, a extrema pobreza, tornaram-se fenômenos

próprios dos indivíduos que não possuem vínculos com o mercado de trabalho, ou, quando

existem tais vínculos, são de natureza muito precária.

Há dois fenômenos por trás dessa dinâmica. Por um lado, os constantes reajustes reais

fizeram que o salário mínimo se tornasse, na prática, um seguro contra a pobreza

extrema: salvo em raras famílias muito numerosas, basta um único morador receber

rendimentos vinculados ao salário mínimo para garantir que a família não será

extremamente pobre [...]. Em conjunto com a grande expansão do mercado de trabalho

na década, isso contribuiu para tirar da pobreza e da extrema pobreza um grande número

de famílias, deixando para trás aquelas famílias cujas conexões com o mundo do

trabalho são muito precárias (SOUZA; OSÓRIO, 2013, p. 145).

Para uma compreensão mais fidedigna do processo de aceleração do crescimento

econômico entre 2004 e 2008, convém reconhecer ainda o papel desempenhado pela expressiva

ampliação da oferta e do acesso ao crédito, especialmente a partir de 2005. Nesse sentido,

saliente-se que, em 2002, as operações de crédito em relação ao PIB situavam-se em torno de

22,0%. Dois anos mais tarde, em 2004, tal relação havia crescido modestos 2,5 pontos

percentuais, atingindo o patamar de 24,5%. A partir de então, o crédito foi amplamente

estimulado, com o que atingiu a cifra de 39,7% em 2008.

Porém, a falência do banco de investimentos Lehman Brothers, em setembro de 2008, e o

consequente agravamento da crise econômica mundial, inaugurou um novo período para a

economia brasileira, marcado, via de regra, pelo baixo dinamismo econômico, posto que não

mais favorecida pelos estímulos positivos advindos do cenário externo.

Assim, o país registrou, ainda no último trimestre de 2008, uma forte desaceleração do seu

ritmo de crescimento econômico, decorrência de uma intensa contração do crédito, de uma

expressiva e rápida depreciação cambial146 e de uma queda na demanda internacional pelos seus

produtos (que, ademais, experimentaram uma redução significativa de preços).

146 Em um curto espaço de tempo, a taxa de câmbio oscilou aproximadamente 50,0%, ao passar de R$ 1,59, em julho de 2008,

para R$ 2,39, em dezembro do mesmo ano.

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149

Consequentemente, em 2009, o crescimento econômico foi ligeiramente negativo, em torno

de -0,3%, puxado pela retração das exportações (-9,1%) e dos investimentos (-6,7%), ao passo

que a taxa de expansão do consumo se reduziu, ainda que em pequena magnitude (de 5,0% para

4,1% entre 2008 e 2009), contribuindo para uma queda do PIB menos pronunciada do que a

sugerida pelas quedas nos investimentos e nas exportações.

Frente a este cenário, o Estado brasileiro lançou mão de medidas econômicas anticíclicas,

procurando reestabelecer o nível de confiança de empresários e consumidores e, assim, reativar o

crescimento econômico, o que significou uma inflexão na história econômica recente do país,

quando a atuação governamental diante de situações de crises foi quase sempre pautada por

iniciativas de natureza pró-cíclica, como o endurecimento das políticas monetária e fiscal.

Dessa forma, o governo recorreu, de um lado, aos bancos públicos para atender a demanda

de crédito de empresas e consumidores147, e, de outro, às reservas internacionais para financiar as

exportações brasileiras.

A política monetária também foi administrada de modo a contra-arrestar os impactos da

crise internacional, ainda que tardiamente. Assim, foi somente no início de 2009, quando as

preocupações com a desaceleração econômica superaram os temores de que a rápida depreciação

cambial pressionaria a inflação, que a Selic iniciou um ciclo de redução de sua taxa, passando de

13,75%, em janeiro, para 8,75%, em julho.

No campo fiscal, as desonerações tributárias foram prontamente ampliadas no final de

2008, quando as alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI do setor automotivo

foram reduzidas. Em 2009, outros setores foram abrangidos por tal medida, como o de bens de

consumo duráveis, o de material de construção, o de bens de capital, o de motocicletas, o de

móveis e o de alguns produtos alimentícios. Ao mesmo tempo, as metas de superávit primário

foram revistas para baixo, assim como modificações na sua contabilidade foram empreendidas

com o intuito de acomodar a ampliação dos gastos. Finalmente, a decisão de introduzir duas

novas alíquotas de cobrança do Imposto de Renda para pessoas físicas, significou, na prática, um

alívio tributário para a classe média baixa.

147 A redução dos depósitos compulsórios, em um cenário marcado por grandes incertezas e Selic elevada, não foi capaz de

sustentar uma ampliação vigorosa da oferta de crédito na economia, uma vez que os bancos optaram por direcionar os recursos

extras para as operações de mercado aberto, sendo reabsorvidos, portanto, pelo próprio Banco Central. Ainda assim, tal medida

foi importante para evitar um contágio do mercado interbancário brasileiro pela crise internacional (BARBOSA; SOUZA, 2010).

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150

Ademais, é importante chamar a atenção para o fato de que medidas adotadas previamente

à crise foram mantidas, colaborando para um recuo menos drástico da atividade econômica em

2009. Nesse sentido, vale destacar a política de valorização do salário mínimo; a ampliação dos

investimentos públicos; as desonerações tributárias, que já estavam previstas no âmbito do PAC e

da Política de Desenvolvimento Produtivo – PDP; a recomposição do quadro de funcionários e

dos salários no setor público e a expansão dos programas sociais.

A respeito deste último ponto, cumpre destacar que o ano de 2009 notabilizou-se pelo

ineditismo do comportamento do Gasto Social Federal, que apresentou uma expansão vigorosa

(11,67%) mesmo diante de um cenário de forte desaceleração do crescimento do PIB (-0,3%).

Segundo o IPEA:

O compromisso com a manutenção e sustentação das políticas sociais em andamento

esteve no núcleo da atuação “anticíclica” do gasto social, o que evitou adicionar mais um

vetor contracionista em uma economia que já se encaminhava para uma recessão e

impediu descontinuidades e descompassos na implementação dessas políticas (IPEA,

2011, p. 09)148.

Estas medidas, em seu conjunto, fortaleceram o mercado interno de consumo, tornando-o

robusto o bastante para tornar-se o pilar de sustentação da recuperação econômica presenciada

em 2010. Neste ano, o PIB avançou impressionantes 7,5%, traduzindo uma retomada do consumo

(6,3%), das exportações (11,5%) e, principalmente, dos investimentos (21,3%).

Porém, em 2011, a crise internacional atingiu um novo estágio, com o questionamento das

dívidas soberanas das economias periféricas do continente europeu, altamente endividadas, o que

provocou uma nova desaceleração do crescimento da economia mundial e uma deterioração das

relações de troca e da demanda externa pelos produtos nacionais.

Nesse quadro, foi efêmera a recuperação da economia brasileira, que assinalou taxas de

crescimento bastante modestas no triênio 2011-2014, conforme consta no Gráfico 07 acima. A

bem da verdade, o crescimento econômico médio do país no intervalo de tempo em questão foi

de aproximadamente 1,6%, bem abaixo do registrado no quinquênio 2004-2008, de 4,8%, e

equivalente ao observado no período 1998-2003. Importante lembrar que o cenário recessivo

apresentado pela economia mundial estende-se até os dias de hoje, na medida em que a Europa e

148 O crescimento do gasto social no período em tela passou pela manutenção da valorização do salário mínimo, com o que se

propiciou uma ampliação dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e de Prestação Continuada da

Assistência Social (BPC-LOAS); pela extensão da duração do Seguro-Desemprego para os setores mais afetados pela crise; pelo

aumento do Programa Bolsa Família; e pela instituição de uma nova política habitacional, através do Minha Casa, Minha Vida.

Além disso, o governo também optou por elevar os gastos sociais nas áreas de saúde e educação, assim como pela recomposição e

ampliação do quadro de funcionários públicos, conforme comentado anteriormente.

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151

o Japão enredam-se em uma armadilha de liquidez e encontram-se às voltas com ameaças

deflacionistas, dada a timidez com que se recorreu aos estímulos fiscais para a reativar a

economia.

No entanto, a desaceleração da economia brasileira nos anos recentes não guarda relação

tão somente com a degradação do cenário econômico internacional. Para Luiz Fernando de Paula

e André Modenesi (2013), no plano doméstico, explicam o menor crescimento o fato dos

estímulos à demanda terem vazados para o exterior (ver Gráfico 09 acima), em um cenário de

acirramento da concorrência internacional, gerando capacidade ociosa na indústria e adiando a

realização dos investimentos, aspecto já salientado anteriormente.

Ademais, o observado desaquecimento do consumo teve a ver com uma menor demanda e

oferta de crédito, uma vez que as famílias encontravam-se em um nível elevado de

endividamento e a inadimplência estava em ascensão. Cumpre acrescentar que contribuíram para

tanto, de um lado, o aperto na política monetária iniciado ainda em abril de 2010 – quando a taxa

de juros básica da economia iniciou um ciclo de alta encerrado somente em agosto do ano

seguinte, passando de 8,75% para 12,50% – e de outro, a gradual saturação do consumo de bens

duráveis, conforme chamaram a atenção Luiz Gonzaga Belluzzo e Pedro Paulo Bastos (2015).

A política fiscal anticíclica adotada a partir de 2011, por sua vez, diferentemente do que

ocorreu em 2008, não veio na velocidade e nem mobilizou o montante de recursos necessários,

além do que esteve excessivamente apoiada em isenções fiscais, em detrimento dos investimentos

públicos. Por fim, porém não menos importante, a política fiscal não foi devidamente

comunicada aos agentes econômicos, fazendo com que o cumprimento de metas fiscais

previamente acordadas fosse alcançado por meio de artifícios contábeis (PAULA; MODENESI,

2013).

5.1.2. A nova dinâmica do mercado de trabalho

O mercado de trabalho brasileiro experimentou nos anos 2000, notadamente a partir de

2006, um claro movimento de inflexão em relação à dinâmica de atuação prevalecente nos anos

1980 e 1990, com o que forjou o início de um novo período, marcado (i) por uma queda

expressiva das taxas de desemprego, (ii) pela ampliação do assalariamento, (iii) pelo avanço da

formalização dos vínculos de emprego, (iv) pelo aumento do rendimento médio real do

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152

trabalhador e (v) por uma melhora do perfil distributivo da renda nacional e pela diminuição da

pobreza.

Para uma melhor compreensão desse período inegavelmente virtuoso do mercado de

trabalho brasileiro, convém, inicialmente, analisar cada um desses aspectos individualmente,

para, em seguida, apresentar uma reflexão mais geral do fenômeno em questão, com ênfase no

sentido por ele assumido, assim como nos principais fatores que condicionam atualmente a sua

continuidade, o que será objeto de análise da próxima seção149.

GRÁFICO 10

Evolução da Taxa de Desocupação e do Crescimento do PIB

Brasil – 2001-2013

Fonte: PNAD-IBGE. Elaboração própria.

Em primeiro lugar, cumpre destacar a evolução recente da taxa de desocupação, tal como

ela é medida pela PNAD-IBGE. Assim, observa-se que a retomada do crescimento do PIB, em

2004, não provocou, de imediato, o início de uma trajetória de queda consistente deste indicador,

o que só veio a ocorrer, de fato, a partir de 2006. Entre 2001 e 2005, vale o registro, a taxa de

desocupação apresentou variações positivas e negativas de maneira alternada, ainda que sempre

inversamente correlacionadas com o crescimento do PIB.

149 Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD utilizados para a elaboração dos gráficos desta seção

consideram apenas as pessoas de 15 anos ou mais de idade. Ademais, com o intuito de tornar compatíveis os dados pós-2003 com

os dos anos anteriores, harmonizou-se as abrangências geográficas dos dois períodos, de modo que foram excluídas as áreas rurais

da região norte dos dados referentes ao período 2004-2013. Destaque-se ainda que, em 2010, ano censitário, a PNAD não foi

realizada.

1,3

2,7

1,2

5,7

3,24,0

6,1

5,2

-0,3

7,5

2,7

1,0

2,5

9,4 9,19,7

9,09,4

8,5 8,2

7,2

8,3

6,86,2 6,5

-2,0

0,0

2,0

4,0

6,0

8,0

10,0

12,0

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

%

∆ PIB Taxa de Desocupação

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153

Em 2004, a taxa de desocupação brasileira era de 9,0%, abaixo da registrada nos três anos

anteriores, quando a taxa diminuiu de 9,4% para 9,1%, entre 2001 e 2002, e, em seguida, em

2003, aumentou para 9,7%. Em 2005, porém, em um cenário de menor crescimento econômico, a

taxa de desocupação voltou a crescer, alcançando a marca de 9,4%. Foi somente a partir de 2006

que o número de desocupados como proporção da população economicamente ativa diminuiu de

maneira significativa, movimento que sofreu uma reversão mais pronunciada apenas em 2009,

primeiro ano de contágio da crise internacional. Entre 2005 e 2013, convém destacar, a taxa de

desocupação brasileira recuou quase 31,0%, passando de 9,4% para 6,5% (Gráfico 10).

GRÁFICO 11

Evolução da Taxa de Desocupação*

Regiões Metropolitanas – janeiro/2008-dezembro/2014

Fonte: PME-IBGE. Elaboração própria.

* Contempla as regiões metropolitanas de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e

Porto Alegre.

É útil à reflexão recorrer aos dados da Pesquisa Mensal de Emprego – PME do IBGE com

o intuito de evidenciar que, apesar de intenso, o impacto negativo da crise internacional sobre a

taxa de desocupação metropolitana brasileira teve curta duração. Ademais, os aludidos dados são

importantes para corroborarem a constatação de que o baixo crescimento econômico a partir de

2011, o que inclui a estagnação da economia no ano passado, não foi suficiente para reverter o

quadro geral de baixas taxas de desocupação.

6,8

9,0

6,8

4,3

3,0

4,0

5,0

6,0

7,0

8,0

9,0

10,0

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154

Assim sendo, de acordo com o Gráfico 11, após atingir 6,8% em dezembro de 2008, na

ocasião o mais baixo patamar registrado pela série histórica, iniciada em 2002, a taxa de

desocupação aumentou expressivos 32,4% em apenas três meses, alcançando 9,0% em março de

2009150. A partir de então, e desconsiderando as usuais oscilações cíclicas, a taxa de desocupação

imprimiu um movimento de queda consistente, em um cenário de crescimento econômico muito

baixo a partir de 2011, como já dito. Em dezembro de 2014, por exemplo, a taxa de desocupação

medida pela PME-IBGE situou-se em 4,3%, igualando o menor valor registrado pela série

histórica, em dezembro do ano anterior, o que tem dado suporte a interpretações de que a

economia brasileira no período atual estaria muito próxima ao seu nível de pleno emprego.

É necessário, no entanto, melhor qualificar e problematizar de maneira mais cuidadosa a

hipótese de que a economia brasileira convive, nos dias de hoje, com uma situação de pleno

emprego151. Em termos conceituais, um mercado de trabalho encontra-se em pleno emprego

quando a demanda por trabalho equivale ou supera a oferta de trabalho, ou seja, em uma

economia em pleno emprego não há desperdícios de recursos produtivos, uma vez que todos eles

estão sendo plenamente utilizados152. A rigor, porém, sempre haverá um nível de desemprego,

ainda que mínimo, uma vez que existem ocupações que flutuam com a sazonalidade da produção,

como as atividades agrícolas, e as pessoas levam algum tempo para transitar de uma ocupação

para outra, por exemplo.

No imediato pós-guerra, conforme foi apresentado no capítulo 2, havia nos países

desenvolvidos um consenso estabelecido de que uma das funções precípuas dos Estados

nacionais era envidar esforços na busca pelo pleno emprego da mão de obra. Naquele momento,

vale dizer, o pleno emprego foi alcançado mediante a incorporação da força de trabalho em uma

estrutura produtiva composta por compartimentos com níveis de produtividade relativamente

homogêneos entre si, e que, em termos médios, situavam-se em um patamar elevado. Além disso,

150 Ainda que seja comum a taxa de desocupação aumentar nos primeiros meses do ano, a magnitude alcançada pelo fenômeno

não encontra paralelo na série histórica da pesquisa. 151 Proni (2013b) apresenta um resumo do debate recente a respeito do tema. 152 Nos termos propostos por William Beveridge (1944), o pleno emprego manifestar-se-ia quando houvesse um

número de vagas disponíveis superior ao quantitativo de trabalhadores que procuram por uma ocupação. No entanto,

para ele, é conveniente, não somente para o negócio capitalista, mas também para a construção de uma sociedade

livre, que exista uma (pequena) margem de desempregados, tornando possível mudanças e movimentação da mão-

de-obra. O pleno emprego stricto sensu, adverte, só seria alcançável em uma sociedade com viés autoritário, que

direciona compulsoriamente o trabalho.

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155

a existência de mecanismos de proteção social e trabalhista asseguravam um alto grau de

segurança do trabalho153.

Diante do exposto, é possível afirmar que a situação do mercado de trabalho brasileiro atual

encontra-se bastante distante de um estágio que possa ser considerado de pleno emprego. Em

primeiro lugar, pode-se questionar a própria escolha da PME como a pesquisa mais adequada

para averiguar a existência do pleno emprego no Brasil, uma vez que, conforme já se discutiu

nesta tese, tal pesquisa vale-se de um desenho metodológico-conceitual que apresenta limitações

para retratar, com todas as suas particularidades, um mercado de trabalho subdesenvolvido, não

obstante os avanços metodológicos realizados em 2002154. Para a Região Metropolitana de São

Paulo, por exemplo, a PME registrou uma taxa de desocupação de 4,4% em dezembro de 2014,

enquanto que a Pesquisa de Emprego e Desemprego – DF apontou uma taxa de desemprego

significativamente superior, da ordem de 9,3% para o mesmo mês.

Em segundo lugar, o ainda elevado grau de precarização do mercado de trabalho e os

baixos salários denotam que a economia brasileira desperdiça uma parcela importante da sua

força de trabalho, o que vai de encontro ao conceito aqui adotado de pleno emprego155. Isto é

evidente mesmo sob a ótica da PME. De acordo com esta pesquisa, em dezembro de 2014, havia

23,2 milhões de pessoas ocupadas no conjunto das regiões metropolitanas pesquisadas. Deste

total, pouco mais da metade, 12,8 milhões, se inseriam em empregos com carteira de trabalho

assinada no setor privado, enquanto 1,9 milhão eram militares ou funcionários públicos,

representando, em tese, as melhores ocupações do mercado de trabalho. Por outro lado, 4,3

milhões dos ocupados trabalhavam por conta própria, 3,1 milhões atuavam sem carteira de

153 O conceito de segurança do trabalho, que será retomado na seção seguinte, baseia-se em Standing e Tokman

(1991) e Standing (1997). Mattoso (1995) também recorreu a este conceito para analisar as mudanças

contemporâneas no mundo do trabalho nos países desenvolvidos e no Brasil. 154 “[...] apesar dos avanços conceituais e metodológicos incorporados à nova PME, os limites entre as suas

condições de atividade (ocupação, desocupação e inatividade) continuam bastante definidos e excludentes, podendo

ser condenáveis pela subestimação excessiva do desemprego em decorrência do tratamento dado às situações de

ocupação e inatividade. Sendo assim, essa deficiência na captação do desemprego compromete a codificação da

imagem de um mercado de trabalho heterogêneo e pouco estruturado como o brasileiro” (SUERDIECK; SOUZA;

OLIVEIRA, 2003, p. 31). 155 Para Anita Kon (2012, p. 10), “tão relevante quanto definir o conceito de pleno emprego a ser tomado como base,

é entender o que representa o pleno emprego para a economia. Se o pressuposto de que o pleno emprego é uma

condição de aproveitamento completo da mão de obra disponível, é necessário observar que ainda que tenha atingido

os parâmetros de pleno emprego, pode não haver um aproveitamento do potencial de trabalho. Este potencial

pressupõe o pleno exercício das aptidões dos indivíduos, seja obtido através da educação geral ou da formação

especializada ou do conhecimento tácito no exercício profissional, de modo a tornar cada indivíduo apto a produzir o

maior valor adicionado possível a partir de sua capacidade e em contraponto usufruir o rendimento condizente”.

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156

trabalho assinada no setor privado e aproximadamente 1 milhão eram empregadores. Ademais,

estima-se que 2,3 milhões dos ocupados eram sub-remunerados, com rendimentos menores do

que o estipulado pelo salário mínimo horário, e 322 mil trabalhadores encontravam-se

subocupados por insuficiência de horas efetivamente trabalhadas.

No que se refere à população não economicamente ativa, cumpre chamar a atenção para o

fato de que 1,3 milhão do seu contingente, ou 6,5%, estavam disponíveis para trabalhar, ao passo

que cerca de 539 mil pessoas encontravam-se marginalmente ligadas à população

economicamente ativa156.

Desta forma, conforme chamou a atenção João Saboia (2013; 2014), o fato de muitos

trabalhadores estarem ocupados em postos de trabalho de baixa produtividade e, portanto,

precários, somado ao contingente de pessoas que, embora fora do mercado de trabalho, estão

disponíveis para retornarem ao exercício de uma atividade produtiva, diante de um cenário

econômico mais favorável, evidencia que o mercado de trabalho brasileiro encontra-se ainda

muito distante do pleno emprego.

Finalmente, as diferenças regionais das taxas de desemprego no Brasil são bastante

acentuadas, o que exige cuidado ao se defender a existência do pleno emprego na economia

brasileira. No universo pesquisado pela PME, que se restringe a seis regiões metropolitanas, por

exemplo, a diferença entre a maior e a menor taxa de desocupação – encontrada, respectivamente,

em Salvador (8,1%) e em Belo Horizonte (2,9%) – foi, em dezembro de 2014, de

aproximadamente 2,8 vezes!

Discutida a hipótese de que a economia brasileira encontra-se próxima ao pleno emprego,

convém refletir acerca de duas outras questões: por que a taxa de desocupação apresenta uma

trajetória de queda mais firme somente a partir de 2006, já que a retomada do crescimento

econômico iniciou-se dois anos antes, em 2004? Por que as taxas de desocupação permanecem

baixas no período 2011-2014, mesmo diante de um cenário de pouco dinamismo econômico?

A resposta a estas questões exige uma análise mais detalhada do comportamento da taxa de

desocupação brasileira no período recente, com ênfase nas oscilações experimentadas pelos seus

156 Para o IBGE (2007), “são definidas como marginalmente ligadas à população economicamente ativa na semana

de referência as pessoas não-economicamente ativas na semana de referência que trabalharam ou procuraram

trabalho no período de referência de 365 dias e estavam disponíveis para assumir um trabalho na semana de

referência”.

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157

componentes, o número de ocupados e desocupados e a População Economicamente Ativa

(PEA), tal como apresentados no Gráfico 12.

GRÁFICO 12

Evolução da Taxa de Desocupação, da População Economicamente Ativa,

do Número de Ocupados e de Desocupados

Brasil – 2002-2013

Fonte: PNAD-IBGE. Elaboração própria.

Assim, em 2002, a variação do número de ocupados e da PEA deu-se praticamente na

mesma magnitude (2,8 milhões), mantendo relativamente estável a quantidade de trabalhadores

desocupados, o que resultou em uma taxa de desocupação de 9,1%. No ano seguinte, tanto a

criação de postos de trabalho, quanto o incremento da PEA desaceleram-se, sendo que o primeiro

em maior intensidade. Dessa forma, a taxa de desocupação aumentou expressivamente, oscilando

de 9,1% para 9,7%.

Em 2004, a aceleração do crescimento econômico veio acompanhado da geração de

aproximadamente 2,6 milhões de postos de trabalho, superior ao aumento da PEA, estimado em

2,2 milhões de pessoas, com o que se reduziu o número de desocupados, em pouco mais de 400

mil trabalhadores, e a taxa de desocupação, de 9,7% para 9,0%.

Porém, conforme salientado na seção anterior, as preocupações com um crescimento

econômico mais elevado, superior, em tese, ao crescimento potencial da economia brasileira, e

2.8

42

1.2

49

2.6

24

2.3

24

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56

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2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

%

10

00

Pe

sso

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∆ Ocupados ∆ PEA ∆ Desocupados Taxa de Desocupação

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158

com os possíveis impactos inflacionários daí decorrentes, precipitaram a adoção de uma política

monetária mais restritiva, com o intuito de desaquecer a economia e, mediante a valorização da

taxa de câmbio, controlar os preços. Nesse cenário, diminuiu, em 2005, o ritmo de criação de

novas ocupações, ainda que esta tenha se mantido em um alto patamar (2,3 milhões), ao passo

que a entrada de pessoas no mercado de trabalho acelerou-se significativamente (3,0 milhões),

ainda reflexo, provavelmente, do crescimento econômico registrado no ano anterior. Da

combinação desses dois movimentos, resultou o aumento do número de trabalhadores

desocupados (por volta de 600 mil) e da taxa de desocupação (de 9,0% para 9,4%).

No triênio 2006-2008, a geração de novos postos de trabalho foi sistematicamente superior

ao incremento da PEA, em linha com um ambiente econômico mais aquecido, com o que se

reduziram, ano a ano, tanto a quantidade de pessoas desocupadas (1,7 milhão no acumulado do

período), quanto a taxa de desocupação (de 8,5%, em 2006, para 7,2%, em 2008).

O contágio da crise econômica internacional, em 2009, e a consequente redução do

crescimento econômico, provocou uma forte desaceleração do ritmo de criação de vagas (em

aproximadamente 85,0%), que mais do que compensou a diminuição da entrada de pessoas no

mercado de trabalho (estimada em cerca de 20,0%). Como resultado, aumentou a proporção, em

termos absolutos e relativos, de trabalhadores desocupados.

Em 2011, a taxa de desocupação foi significativamente menor do que a registrada em 2009

(6,8% contra 8,3%), possivelmente beneficiada pela expansão vigorosa do PIB no ano de 2010157.

Para tanto, foram favoráveis, de um lado, uma geração positiva de postos de trabalho (1,2

milhão), e, de outro, uma diminuição em termos absolutos da PEA (quase 300 mil pessoas a

menos).

No ano seguinte, uma geração mais expressiva de postos de trabalho (1,6 milhão) foi mais

do que o suficiente para absorver o crescimento da PEA (1,0 milhão), reduzindo a quantidade de

desocupados (em aproximadamente 500 mil pessoas) e a taxa de desocupação (de 6,8% para

6,2%).

Finalmente, em 2013, foram criadas ocupações aquém do necessário para a absorção do

incremento da PEA (605 mil contra 967 mil), com o que ampliaram-se o número de trabalhadores

desocupados (362 mil pessoas a mais) e a taxa de desocupação (de 6,2% para 6,5%).

157 Convém salientar mais uma vez que a PNAD normalmente não é realizada em anos censitários, com o que não se dispõe de

seus dados para o ano de 2010.

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159

A análise do comportamento anual da taxa de desocupação e dos seus componentes lança

algumas pistas que auxiliam no esclarecimento das questões anteriormente levantadas. Porém,

uma elucidação mais ampla só é possível caso se olhe globalmente para o período.

Nesse sentido, no que se refere à criação de postos de trabalho, constatam-se dois padrões

de comportamento distintos no período 2002-2013: em um primeiro momento, entre 2002 e 2008,

observa-se uma criação anual expressiva de vagas no mercado de trabalho, que, em média, atinge

a marca de 2,2 milhões de novas ocupações; no período pós-crise internacional, a partir de 2009,

como era de se esperar, tal processo desacelera-se substancialmente, alcançando o patamar médio

de 959 mil vagas criadas anualmente. A redução no ritmo de criação de novos postos de trabalho

é da ordem de 56,2%.

A análise da evolução da População Economicamente Ativa, por sua vez, permite distinguir

três padrões de comportamento neste período, caracterizados pela desaceleração contínua do seu

crescimento: entre 2002 e 2005, incorporaram-se anualmente à PEA, em média, cerca de 2,5

milhões de pessoas; entre 2006 e 2009, 1,5 milhão; e, por fim, no triênio 2011-13, 585 mil

pessoas. Em todo o período, a diminuição foi de cerca de 76,6%.

Analisando conjuntamente os comportamentos da ocupação e da População

Economicamente Ativa é possível concluir que: i) entre 2002 e 2005, as oscilações positivas e

negativas da taxa de desocupação, deve-se, em boa medida, às elevadas taxas de crescimento da

PEA, uma vez que a geração de postos de trabalho foi significativa em quase todo o intervalo de

tempo em questão; ii) entre 2006 e 2008, período de sucessivas quedas da taxa de desocupação, o

menor incremento da PEA foi de fundamental importância, posto que a geração de novas

ocupações, em termos médios, não diferiu significativamente do período anterior; e iii) a

manutenção das taxas de desocupação em um baixo patamar no triênio 2011-2013, em um

cenário de desaceleração expressiva da geração de postos de trabalho, deve-se essencialmente a

uma forte contração da taxa de expansão da PEA.

Parece, então, que as principais razões que levaram a uma expressiva redução das taxas de

desocupação no período recente, e, posteriormente, a sua permanência em um baixo patamar, são

aquelas subjacentes ao movimento de desaceleração da População Economicamente Ativa, até

porque a criação de novas ocupações apresentou, via de regra, um comportamento pró-cíclico no

período em tela (Gráfico 13).

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160

A análise da taxa de atividade, um indicador que revela a participação no mercado de

trabalho das pessoas em idade ativa, corrobora as constatações realizadas anteriormente, ao

tempo que afasta a hipótese de que a redução do crescimento da PEA seria um mero reflexo de

um movimento análogo experimentado pela População em Idade Ativa (PIA).

GRÁFICO 13

Evolução da População Economicamente Ativa, do Número de Ocupados e

da Taxa de Crescimento do PIB

Brasil – 2002-2013

Fonte: PNAD-IBGE. Elaboração própria.

A esse respeito, no período 2001-2013, é possível delimitar dois subperíodos: entre 2001 e

2005, observa-se um aumento praticamente contínuo da taxa de atividade, que oscila de 67,0%

para 69,2%, o que significa que pouco mais de 2/3 da PIA brasileira participava do mercado de

trabalho, seja como ocupada, seja como desocupada. De 2006 em diante, inicia-se um processo

de redução importante desta taxa, que atinge, em 2013, o percentual de 65,4%. As mesmas

tendências são observadas quando se analisa o comportamento da taxa de atividade por gênero,

sendo que tal redução, a partir de 2006, mostra-se mais expressiva entre os homens. Nesse

sentido, registre-se que, na comparação dos anos extremos da série, a taxa de atividade feminina

assinalou uma pequena elevação (Gráfico 14).

2.8

53

1.9

52

2.2

10

2.9

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1.000

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3.500

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

%

Mil

Pe

sso

as

∆ PEA ∆ Ocupados ∆ PIB

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161

GRÁFICO 14

Evolução da Taxa de Atividade, Segundo o Gênero

Brasil – 2001-2013

Fonte: PNAD-IBGE. Elaboração própria.

Adicionalmente, é útil à reflexão analisar a evolução da taxa de atividade de acordo com

faixas etárias selecionadas. Procedendo dessa forma, constata-se que a taxa de atividade

apresenta, no período 2005-2013, quedas mais significativas nas faixas etárias de 15 a 19 anos

(que varia de 49,8% para 40,8%, uma diminuição relativa de aproximadamente 21,1%) e de 60

anos ou mais (que passa de 30,7% para 27,7%, perfazendo uma redução relativa de quase 10,0%)

(Gráfico 15).

Diante das evidências apresentadas, é lícito supor que a maior abrangência das políticas

sociais brasileiras nos anos 2000, associada ao processo de valorização do salário mínimo e de

formalização dos vínculos de emprego, foram fundamentais para que a pressão sobre o mercado

de trabalho exercida pela População em Idade Ativa diminuísse no período e, com isso, as taxas

de desocupação. Isto porque elas permitiram aos arranjos familiares, de posse de uma renda

média mais elevada, redefinirem a inserção de seus membros no mercado de trabalho, sobretudo,

dos jovens.

Por exemplo, de um lado, o aumento da renda familiar pode ter permitido que os jovens se

retirassem do mercado de trabalho para se dedicarem aos estudos, favorecidos ainda pela

facilitação do acesso ao ensino superior verificado nos anos mais recentes (o que traz impactos

positivos de longo prazo para a produtividade da economia brasileira). Secundariamente, as

67,069,2

65,4

81,0 81,2

77,2

54,1

58,2

54,7

50,0

55,0

60,0

65,0

70,0

75,0

80,0

85,0

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 2012 2013

%

Total Homens Mulheres

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162

condicionalidades educacionais do Programa Bolsa Família podem ter influenciado na decisão de

saída do mercado de trabalho dos jovens dos estratos de renda mais baixos.

De outro lado, valores mais elevados de benefícios previdenciários (aposentadorias) e

assistenciais (Benefício de Prestação Continuada – BPC), puxados pelo crescimento do salário

mínimo, pode ter contribuído para que a parcela mais idosa da população transitasse para a

inatividade, deixando de pressionar, portanto, o mercado de trabalho.

GRÁFICO 15

Evolução da Taxa de Atividade, Segundo Faixa Etária

Brasil – 2001-2013

Fonte: PNAD-IBGE. Elaboração própria.

Do ponto de vista da ocupação, é importante averiguar as mudanças em sua composição

setorial ao longo dos anos 2000, procurando destacar os setores mais e menos dinâmicos na

geração de postos de trabalho neste período. Dessa forma, observa-se que, entre 2001 e 2013, a

ocupação aumentou anualmente, em média, 2,1%. Por um lado, cresceram acima da média geral,

os setores “Outras Atividades” (4,8% ou 298 mil ocupações anuais), “Construção” (4,8% ou 320

mil) e “Serviços” (2,7% ou 1,2 milhão). Por outro lado, assinalaram taxas de crescimento anuais

inferiores à média geral, os seguintes setores: “Outras Atividades Industriais” (1,7% ou 11 mil

novos postos de trabalho ao ano) e “Indústria de Transformação” (1,3% ou 143 mil). O Setor

Agrícola, por seu turno, teve taxas negativas de crescimento ao logo do intervalo de tempo em

análise (-1,6% ou 227 mil postos de trabalho a menos anualmente).

67

,0

49

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75

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79

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81

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75

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67

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27

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Total 15 a 19anos

20 a 24anos

25 a 29anos

30 a 39anos

40 a 49anos

50 a 59anos

60 anos oumais

%

2001 2005 2013

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163

No âmbito do setor Serviços, não há comportamentos muito díspares entre seus subsetores,

a exceção dos Serviços Domésticos, que cresceu, em média, modestos 0,7% ao ano (o que

equivale a abertura de 45 mil vagas anualmente). Nos demais, o aumento médio variou de 2,6%,

no Comércio e Reparação, a 3,7%, no Transporte, Armazenamento e Comunicação (Gráfico 16).

GRÁFICO 16

Variação Anual Média da Ocupação, por Setores da Atividade

Econômica

Brasil – 2001-2013

Fonte: PNAD-IBGE. Elaboração própria.

Com isso, a estrutura ocupacional brasileira transformou-se consideravelmente entre 2001 e

2013, com destaque para os aumentos da participação relativa do Setor Serviços (de 51,5% para

55,2%), da Construção (de 7,0% para 9,3%) e de Outras Atividades (de 6,5% para 8,7%).

Contrariamente, notabilizaram-se pelas suas diminuições relativas o Setor Agrícola (de 20,0%

para 13,3%) e a Indústria de Transformação (de 13,8% para 12,7%) (Gráficos 17 e 18).

Vale registrar: o fato do setor Serviços, em média, apresentar uma produtividade mais baixa

do que a Indústria de Transformação é um componente adicional na explicação para a elevada

capacidade de absorção do mercado de trabalho brasileiro dos trabalhadores desempregados e dos

que ingressavam (ou reingressavam) na PEA, o que ajuda a compreender o aparente paradoxo

existente entre baixas taxas de crescimento econômico e de desemprego no período recente

(SABOIA, 2014).

2,1

4,8 4,8

2,7

3,7 3,4 3,2 3,1 2,8 2,6

0,7

1,71,3

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1,0

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%

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164

GRÁFICO 17

Distribuição Relativa da Ocupação, por Setores da Atividade Econômica

Brasil – 2001 (em %)

Fonte: PNAD-IBGE. Elaboração própria.

GRÁFICO 18

Distribuição Relativa da Ocupação, por Setores da Atividade Econômica

Brasil – 2013 (em %)

Fonte: PNAD-IBGE. Elaboração própria.

20,0

13,8

0,8

7,0

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Ind. de transformação

Outras atividades ind.

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Atividades maldefinidas ou nãodeclaradas

13,3

12,7

0,8

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55,2

8,7 0,1Agrícola

Ind. de transformação

Outras atividades ind.

Construção

Serviços

Outras atividades

Atividades maldefinidas ou nãodeclaradas

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165

Analisando a ocupação pela ótica das modalidades de inserção no mercado de trabalho,

observa-se uma maior importância relativa do assalariamento no período recente. Entre 2001 e

2003, o assalariamento manteve-se praticamente estável, ao redor de 55,0%. A partir de 2004,

porém, inicia-se uma trajetória crescente dessa modalidade, que atinge o patamar, em 2013, de

62,9%.

Tal trajetória, vale dizer, colide diretamente com algumas ideias bastante difundidas nos

anos 1990 de que a queda do assalariamento então verificada seria uma evolução natural de um

mercado de trabalho que se adequava a uma sociedade “pós-industrial” em formação. O que

demonstra a experiência atual, é que, de fato, o crescimento das ocupações não-assalariadas na

década de 1990 estava ligado ao estreitamento do mercado de trabalho assalariado, fruto do baixo

crescimento econômico.

GRÁFICO 19

Distribuição Relativa da Ocupação, Segundo Posição na Ocupação

Brasil – 2013 (em %)

Fonte: PNAD-IBGE. Elaboração própria.

Assim, o outro lado deste movimento é a diminuição da proporção de ocupados que se

inserem no mercado de trabalho por meio de modalidades não assalariadas: o trabalho por conta

própria recuou de 22,7% para 20,4% entre 2001 e 2013; o trabalhador doméstico diminuiu sua

55,2 55,1 55,2 56,5 56,4 57,3 58,5 59,7 59,5 62,0 62,8 62,9

7,9 7,8 7,7 7,8 7,8 7,7 7,5 7,2 7,8 7,2 6,8 6,822,7 22,6 22,7 22,0 21,8 21,3 21,2 20,2 20,4 20,8 20,4 20,44,3 4,3 4,3 4,2 4,3 4,6 3,9 4,6 4,4 3,5 3,8 3,86,2 6,1 5,9 5,6 5,4 4,9 4,7 4,1 3,9 2,6 2,4 2,0

3,8 4,0 4,1 3,8 4,3 4,3 4,3 4,3 3,9 3,8 3,7 4,1

-

20,0

40,0

60,0

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120,0

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 2012 2013

Empregado Trabalhador doméstico Conta própria

Empregador Não remunerado Outros

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166

participação relativa de 7,9% para 6,8%158; os empregadores de 4,3% para 3,8%; e o trabalho não

remunerado de 6,2% para 2,0%. O agregado “outros”, por sua vez, que reúne o trabalho na

produção para o próprio consumo e o realizado na construção para o próprio uso, apresentou uma

ligeira expansão no intervalo de tempo em análise, de 3,8% para 4,1% (Gráfico 19).

Além da redução substantiva das taxas de desemprego e do aumento do assalariamento da

força de trabalho, a nova dinâmica do mercado de trabalho brasileiro no período recente tem

como um dos seus principais elementos a expansão acelerada do emprego com carteira de

trabalho assinada e estatutário – doravante emprego formal –, contrariando boa parte das teses em

voga na década de 1990 que defendia a sua inviabilidade, dadas as supostas rigidezes e os custos

elevados impostos pela legislação trabalhista vigente no país, conforme relatado no capítulo

anterior.

Isto é especialmente importante porque, no Brasil, por um lado, a regulação pública (seja

ela estatal, seja ela sindical) das condições de uso, remuneração e proteção social do trabalhador

alcança somente aqueles com contrato de trabalho regularizado, tornando as relações entre capital

e trabalho menos assimétricas ou, em outras palavras, mais civilizadas. Por outro lado, o acesso a

um conjunto de políticas sociais e trabalhistas, como o Seguro-Desemprego, o Abono Salarial e o

Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, só é permitido aos trabalhadores que se

inserem no mercado de trabalho por intermédio de um vínculo empregatício formalizado.

O Gráfico 20 apresenta a evolução do emprego formal no Brasil entre 1994 e 2013. Nele,

observa-se, em primeiro lugar, que na segunda metade da década de 1990, o emprego formal

cresceu de forma bastante modesta, de sorte que, em 1999, o seu estoque, medido pela Relação

Anual de Informações Sociais – RAIS, era somente 5,6% superior ao verificado em 1994. A

partir de então, inicia-se uma expressiva ampliação do emprego formal, especialmente no período

de 2004 a 2011. Assim, em 2013, o estoque de empregos formais foi estimado em 48,9 milhões

de vínculos, quase o dobro do verificado em 1999 (25,0 milhões).

158 A queda na participação do trabalhador doméstico no total das modalidades de inserção ocupacional é reflexo de um

movimento análogo experimentado pelo trabalhador sem carteira assinada (de 5,7% para 4,5% entre 2011 e 2013), isto porque a

proporção de trabalhadores com carteira assinada manteve-se relativamente estável no mesmo período (era 2,1%, em 2001, e

2,2%, em 2002).

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167

GRÁFICO 20

Evolução do Estoque de Empregos Formais e do seu Índice de Crescimento

Brasil – 1994-2013

Fonte: RAIS/MTE. Elaboração própria.

A excepcionalidade do ritmo de geração de empregos formais no período de 2004 a 2011

pode ser melhor dimensionada comparando-o com outros períodos do intervalo de tempo aqui

considerado. Nesse sentido, constata-se, por exemplo, que na segunda metade da década de 1990

houve uma relativa estagnação na criação de empregos formais, conforme já se disse (apenas

cerca de 265 mil postos de trabalho formais foram gerados ao ano). O período imediatamente

posterior, entre os anos de 2000 a 2003, representou uma aceleração substancial no movimento

de geração de empregos formais, mais do que quadruplicando o ritmo observado no período

anterior. De 2004 a 2011, por sua vez, foram gerados anualmente expressivos dois milhões de

empregos formais, ritmo que perde ímpeto de forma considerável nos anos de 2012 e de 2013,

ainda que se mantenha acima do verificado na segunda metade dos anos 1990 (Gráfico 21).

23

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23

,8

23

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24

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24

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,2

35

,2

37

,6

39

,4

41

,2

44

,1

46

,3

47

,5

48

,9

10

0,0

10

0,4

10

0,7

10

1,8

10

3,5

10

5,6

11

0,8

11

4,9

12

1,2

12

4,8

13

2,7

14

0,4

14

8,5

15

8,9

16

6,7

17

4,1

18

6,2

19

5,7

20

0,5

20

6,8

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

0,0

50,0

100,0

150,0

200,0

250,0

19

94

19

95

19

96

19

97

19

98

19

99

20

00

20

01

20

02

20

03

20

04

20

05

20

06

20

07

20

08

20

09

20

10

20

11

20

12

20

13

Milh

ões

Pes

soas

%

Estoque de Empregos Índice de Crescimento do Estoque

Page 190: TIAGO OLIVEIRA - Unicamprepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/286533/1/...Trabalho e Padrão de Desenvolvimento: uma reflexão sobre a reconfiguração do mercado de trabalho brasileiro

168

GRÁFICO 21

Criação Média Anual de Empregos Formais em Períodos

Selecionados

Brasil – 1995-2013

Fonte: RAIS/MTE. Elaboração própria.

GRÁFICO 22

Variação do Emprego Formal e do Produto Interno Bruto

Brasil – 1995-2013

Fonte: RAIS/MTE. Elaboração própria.

265

1.138

2.096

1.319

0

500

1.000

1.500

2.000

2.500

1995-1999 2000-2003 2004-2011 2012-2013

Mil

Pes

soas

0,4 0,3

1,21,6 2,0

4,9

3,7

5,5

3,0

6,35,8

5,8

7,0

4,9

4,5

6,9

5,1

2,5

3,1

4,4

2,2

3,4

0,0 0,3

4,3

1,3

2,7

1,2

5,7

3,24,0

6,1 5,2

-0,3

7,5

2,7

1,0

2,5

-1,0

0,0

1,0

2,0

3,0

4,0

5,0

6,0

7,0

8,0

19

95

19

96

19

97

19

98

19

99

20

00

20

01

20

02

20

03

20

04

20

05

20

06

20

07

20

08

20

09

20

10

20

11

20

12

20

13

%

Variação % do Estoque Variação % do PIB

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169

A esse respeito, é digno de nota ainda a nova trajetória iniciada pela elasticidade emprego

formal/produto a partir dos anos 2000. Antes disso, na segunda metade da década de 1990, havia

uma relação pouco explícita entre estas duas variáveis, que apresentavam movimentos até certo

ponto dissociados. Do ano 2000 em diante, diferentemente, constata-se uma maior elasticidade

entre o emprego formal e o produto da economia, com o primeiro sempre se posicionando acima

do segundo, com exceção do ano de 2010 (Gráfico 22).

Poder-se-ia argumentar, nesse sentido, que a aludida expansão do emprego formal a partir

dos anos 2000 seria o resultado direto das medidas flexibilizadoras do mercado de trabalho

implementadas nos anos 1990, atestando, assim, o êxito de tais medidas. No entanto, quando se

analisa a evolução do emprego formal por tipo de vínculo empregatício estabelecido, constata-se

que, em nenhum momento dos anos 2000 e da década seguinte, os “contratos flexíveis”159

responderam por mais do que 3,0% do total dos contratos formais firmados no período, o que de

resto reproduz um padrão que já vigorava nos anos 1990 (Gráfico 23).

GRÁFICO 23

Variação do Emprego Formal por Tipo de Vínculo Empregatício

Brasil – 1994-2013

Fonte: RAIS/MTE. Elaboração própria.

159 Considerou-se como “contratos padrão” o conjunto de contratos regido pela CLT e de duração indeterminada, além dos

estatutários (incluindo os não efetivos). Todos os demais foram agrupados na categoria “contratos flexíveis”, o que inclui, por

exemplo, os contratos de trabalho nas modalidades avulso, temporário, por prazo determinado e menor aprendiz.

3,5 2,0 2,0 2,0 2,1 2,2 2,2 2,5 2,0 2,1 2,1 2,4 2,4 2,8 2,4 2,6 2,5 2,6 2,6 2,7

96

,5

98

,0

98

,0

98

,0

97

,9

97

,8

97

,8

97

,5

98

,0

97

,9

97

,9

97

,6

97

,6

97

,2

97

,6

97

,4

97

,5

97

,4

97

,4

97

,3

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

80,0

90,0

100,0

%

Contratos Flexíveis Contratos Padrão

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170

No Brasil, é importante chamar a atenção, a flexibilização na gestão da mão de obra foi

obtida, sobretudo, via terceirização de atividades. Ademais, tampouco pode se afirmar que as

medidas flexibilizadoras dos anos 1990 impulsionaram a criação de empregos no período recente:

até 2003, elas foram inócuas. Somente com a aceleração do crescimento econômico é que o

desemprego começou a declinar.

Em linhas gerais, as mesmas tendências são percebidas quando se analisa o processo de

formalização das relações de trabalho por meio das pesquisas domiciliares. De acordo com a

PNAD-IBGE, entre 1995 e 1999, aumentou o grau de informalidade do mercado de trabalho

brasileiro, qualquer que seja o indicador considerado. A partir dos anos 2000, porém, observa-se

um movimento contrário, de queda da informalidade, que se acentua particularmente a partir de

2003 (Gráfico 24).

GRÁFICO 24

Evolução do Grau de Informalidade do Mercado de Trabalho

Brasil – 1995-2013

Fonte: PNAD/IBGE/IPEADATA. Elaboração própria.

* Informalidade I = (empregados sem carteira + trabalhadores por conta própria) / (trabalhadores

protegidos + empregados sem carteira + trabalhadores por conta própria).

** Informalidade II = (empregados sem carteira + trabalhadores por conta própria + não-remunerados) /

(trabalhadores protegidos + empregados sem carteira + trabalhadores).

*** Informalidade III = (empregados sem carteira + trabalhadores conta própria) / (trabalhadores

protegidos + empregados sem carteira + trabalhadores por conta própria + empregadores).

Alternativamente, é comum analisar a evolução do grau de informalidade do mercado de

trabalho brasileiro através do número de trabalhadores contribuintes da Previdência Social. Por

57,859,6

46,4

59,760,7

45,4

54,6

56,2

44,2

40,0

45,0

50,0

55,0

60,0

65,0

19951996199719981999200120022003200420052006200720082009201120122013

%

Informalidade I* Informalidade II** Informalidade III***

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171

essa ótica, observa-se que, entre 2001 e 2013, evoluiu de 46,7% para 62,1% o percentual de

ocupados contribuintes da Previdência (valores expressos no eixo principal). Esta mesma

evolução foi verificada nas atividades agrícolas e não agrícolas (expressas no eixo secundário),

ainda que estas últimas tenham apresentado um ritmo de crescimento mais acelerado, muito

embora se trate de ordens de grandeza bastante díspares (Gráfico 25).

GRÁFICO 25

Percentual de Contribuintes da Previdência Social no Trabalho Principal

Ocupada na Semana de Referência

Brasil – 2001-2013

Fonte: PNAD/IBGE. Elaboração própria.

São muitos os fatores que explicam o crescimento expressivo do emprego formal a partir

dos anos 2000160, sendo lícito reconhecer que o resultado final desse processo, em toda a sua

amplitude, deve-se a somatória dos efeitos do conjunto desses fatores, que na maior parte do

tempo atuou em uníssono, reforçando-se mutuamente.

Em primeiro lugar, convém apontar o que se considera como o principal elemento

explicativo para o avanço expressivo da formalização dos vínculos empregatícios no período

recente: a aceleração do crescimento econômico. A sua importância reside no fato dos custos da

formalização do emprego, em um contexto de crescimento econômico maior, diminuírem

160 Ver, a esse respeito, por exemplo, Cardos Jr. (2013 [2010]); Krein e Manzano (2014); Baltar et alii (2010).

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 2012 2013

Agrícola 11,2 10,9 11,6 12,8 13,0 14,6 16,7 16,9 17,7 19,4 21,5 21,7

Não agrícola 55,5 54,7 55,9 56,2 57,1 57,8 59,0 60,3 61,6 66,5 66,9 68,3

Total 46,7 46,0 47,1 47,9 48,7 50,0 51,8 53,2 54,7 59,8 60,9 62,1

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

80,0

40,0

45,0

50,0

55,0

60,0

65,0

%%

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172

relativamente ao faturamento das empresas, facilitando a contratação de trabalhadores sob o

regime celetista ou a legalização de relações de trabalho assalariadas sem carteira assinada.

Muito embora a formalização dos vínculos empregatícios tenha continuado ao longo do

período de desaceleração da economia, a sua sustentabilidade futura depende da recuperação do

crescimento econômico, sem o qual o grau de informalidade do mercado de trabalho brasileiro

muito provavelmente voltará a se ampliar.

Em segundo lugar, destaca-se o papel desempenhado pelo aumento e pela descentralização

do gasto social161. Seus impactos sobre o emprego formal foram diretos e indiretos: no primeiro

caso, tem-se a ampliação dos serviços sociais, como educação e saúde, processo que tem origem

nas diretrizes emanadas da Constituição Federal de 1988, mas que ganha um forte impulso no

período recente, com o fortalecimento, ainda que sujeitos a grandes percalços, das fontes de

financiamento das políticas sociais.

No segundo caso, destacam-se as transferências diretas de renda, como os benefícios

previdenciários (a exemplo das aposentadorias e pensões) e assistenciais (como o Programa

Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada – BPC), de notória capacidade de

dinamização do comércio e serviços locais, principalmente dos pequenos e médios municípios.

Reforça esta tendência a política de valorização do salário mínimo, uma vez que os benefícios

previdenciários têm como piso de remuneração o salário de base da economia, além do que o

BPC tem o valor do seu benefício a ele vinculado.

A expansão do crédito interno também pode ser considerada outro fator importante em prol

da formalização do mercado de trabalho brasileiro162. Isto porque ela foi um dos motores do

crescimento econômico dos anos 2000, aumentando, por tabela, a demanda por trabalho e a

formalização dos vínculos de emprego, conforme dito acima. Ademais, o acesso ao crédito

permite às empresas, sobretudo às de menor porte, uma melhor acomodação dos custos

decorrentes desse processo163. Nesse sentido, vale chamar a atenção para o fato do crédito só ser

acessível, muitas vezes, ao consumidor que possui sua atividade trabalhista registrada em

carteira, assim como aos pequenos negócios que legalizam as suas atividades.

161 Os dados a respeito já foram apresentados, mas não custa repeti-los: entre 1988 e 2008, as transferências monetárias

expandiram a sua importância na composição da renda das famílias de 9,5% para 19,3%. Além disso, o total do gasto público

social como percentual do PIB saltou de 19,2% para 25,2% entre os anos de 1995 e 2010 (CASTRO, 2013). 162 No início da década passada, o volume de crédito como percentual do PIB girava em torno de 20,0%, enquanto que, em 2014,

este percentual já se aproximava dos 60,0%. 163 Torres Filho e Puga (2006) mostram que as empresas apoiadas pelo BNDES, sobretudo as micro e pequenas, tendem a gerar

uma maior quantidade de empregos (formais) e de renda do que as que não contam com o apoio desta instituição.

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173

Adicionalmente, tem sido importante para a ampliação do emprego formal o aumento

expressivo das exportações observado nos últimos anos164. O acesso aos mercados internacionais

muitas vezes exige que as empresas cumpram as suas obrigações trabalhistas, o que também é

feito como forma de reter mão de obra mais qualificada e de maior produtividade, base para uma

maior competitividade e uma melhor inserção externa. É reconhecida a dependência que esse

processo guardou com as desvalorizações cambiais promovidas em 1999 e no biênio 2001/2002,

que aumentou a competitividade das empresas brasileiras no exterior e, assim, as suas

necessidades de mão de obra. O recurso recorrente, porém, a altas taxas de juros e a valorização

cambial como instrumentos de controle da inflação tem posto em xeque constantemente a sua

importância para a geração continuada de empregos formais.

Não se pode menosprezar, ademais, a simplificação dos regimes tributários de micro e

pequenas empresas para a formalização dos negócios e, consequentemente, dos seus contratos de

trabalho. Ainda que tais medidas tenham surgido em meados dos anos 1990, com a criação do

SIMPLES, elas foram objetos de sucessivas modificações (com destaque apara a criação do

Super Simples em 2006), sempre no sentido de ampliar o seu alcance, mediante o aumento do

teto do faturamento anual necessário para que a empresa possa gozar dos benefícios tributários165.

A criação da pessoa jurídica do Micro Empreendedor Individual (MEI), em 2009, aponta nessa

mesma direção. Nessa seara, cumpre salientar que uma preocupação crescente em gerar recursos

financeiros para o pagamento da dívida pública, associada aos avanços da tecnologia da

informação e da comunicação que permitiram um maior controle fiscal dos bens de consumo

final, estimularam também a formalização das relações de trabalho.

O fortalecimento da fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego no cumprimento da

legislação trabalhista, juntamente com uma mudança de compreensão da lei, aumentando, por

exemplo, a responsabilidade das empresas contratantes com relação as contratadas em processos

de terceirização, e, consequentemente, a maior presença, da Justiça do Trabalho no mundo

laboral, também atuaram em prol da ampliação da formalização das relações de trabalho166.

164 O saldo da balança comercial brasileira manteve-se em um patamar relativamente elevado entre 2002 e 2012, oscilando de um

mínimo de US$ 13,1 bilhões a um máximo de US$ 46,4 bilhões. Em 2013, porém, o referido saldo reduziu-se consideravelmente,

atingindo US$ 2,4 bilhões. No ano passado, o saldo foi negativo em US$ 3,9 bilhões, pior resultado desde 1999. 165 De acordo com o Boletim Informativo GFIP, vol. 4, nº 1, entre os meses de dezembro de 2003 e de 2013, a quantidade de

estabelecimentos optantes do SIMPLES cresceu 60,8%, contra 37,1% de não optantes. Entre as empresas optantes do SIMPLES,

a quantidade de vínculos empregatícios aumentou, no mesmo intervalo de tempo, 94,1%, enquanto que entre as não optantes, o

crescimento foi de 71,2%. 166 Costuma-se evocar ainda, como um dos elementos responsáveis pela ampliação da formalização no período recente, a melhora

observada na efetividade das ações de intermediação de mão de obra do Ministério do Trabalho e Emprego. Como estas ações

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174

Mas, uma dimensão importante deste fenômeno não pode deixar de ser destacada: a

expressiva formalização observada no período aqui estudado esteve sustentada pela criação de

empregos de baixa remuneração. Nesse sentido, convém analisar o Gráfico 26, que apresenta a

distribuição relativa dos empregos segundo faixas de salários mínimos de 1995 a 2013. Nele,

constata-se o aumento significativo da importância relativa dos empregos de até dois salários

mínimos na estrutura salarial da economia brasileira: em 1995, eles representavam 26,3% do total

do emprego formal; em 2003, 40,3%; e, em 2013, 49,9%. Na outra ponta, os empregos de mais

de 10 salários mínimos viram sua participação se reduzir de 13,9% para 4,9% entre 2003 e 2013.

Neste ano, vale o destaque, 82,0% dos postos de trabalho formais situavam-se na faixa de até 5,0

salários mínimos.

GRÁFICO 26

Distribuição relativa dos empregos segundo faixas de salários mínimos

Brasil – 1995-2013

Fonte: RAIS/MTE. Elaboração: DIEESE.

É provável que haja uma ligação entre a prevalência de baixos salários nos postos de

trabalho gerados no período recente e a elevada rotatividade no mercado de trabalho brasileiro,

que, ademais, foi ampliada nos últimos anos (Gráfico 27). Uma hipótese é de que o aumento real

possuem um alcance bastante pequeno no mercado formal de trabalho, considera-se este um fator secundário na explicação do

fenômeno em análise.

26,3 25,2 25,7 27,5 28,1 29,7 34,7 36,7 40,3 40,5 44,6 48,8 49,1 48,8 50,9 51,2 49,4 50,7 49,9

37,5 39,1 40,0 39,8 40,5 40,2 38,9 37,8

37,2 36,9 34,4

31,8 31,5 31,6 30,8 30,7 31,8 31,2 32,0

17,6 18,1 18,1 17,2 16,9 16,2 14,5 13,8 12,2 12,0 11,1 10,1 9,9 10,0 9,2 9,0 9,5 9,1 9,2 13,9 13,4 12,9 12,1 11,5 10,7 9,1 8,5 7,5 7,5 6,6 5,9 5,6 5,7 5,3 5,3 5,4 5,0 4,9

4,7 4,2 3,3 3,4 2,9 3,3 2,9 3,2 2,8 3,2 3,2 3,5 4,0 3,9 3,7 3,8 3,9 4,0 3,9

-

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

80,0

90,0

100,0

%

Até 2,00 SM De 2,01 a 5,00 SM De 5,01 a 10,00 SM

Mais de 10,00 SM Licenciados/Afastados

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175

do salário mínimo venha sendo compensado pelas empresas mediante uma maior rotação nos

postos de trabalho de menor qualificação, o que rebaixaria o impacto do maior salário mínimo

sobre a folha salarial, dada a elevada liberdade que elas possuem para contratar e demitir

trabalhadores. Esta hipótese, vale dizer, não colide com o fato do rendimento médio real dos

trabalhadores ter apresentado uma ascensão nos últimos anos, como se verá logo a seguir. A

rotatividade, apesar de elevada, defronta-se com um estoque de trabalhadores muito maior,

fazendo com que a sua ampliação não anule por completo o efeito do aumento do salário mínimo.

GRÁFICO 27

Taxa de Rotatividade no Mercado Celetista

Brasil – 2003-2013

Fonte: RAIS/MTE. Elaboração: DIEESE.

* Considera todos os motivos de desligamento ** Excluis os desligamentos por falecimento, aposentadoria,

transferência e demissão a pedido do trabalhador.

Além de uma diminuição substancial da taxa de desocupação e do avanço também

significativo do processo de formalização dos vínculos de emprego, o mercado de trabalho

brasileiro presenciou, desde meados dos anos 2000, uma trajetória crescente do rendimento

médio real dos trabalhadores, em clara dissonância com o verificado na década de 1990 e no

início da década passada. Após ter registrado quedas sucessivas em 2002 e 2003 – quando passou

de R$ 1.300,00 para R$ 1.171,00 –, o rendimento médio real se estabilizou em 2004. A partir de

2005, inaugurou uma sequência de aumentos superiores à inflação que tem perdurado, com o que

52,4 52,8 54,2 54,956,7

62,758,8

63,4 64,5 64,0 63,7

40,9 40,2 41,2 41,4 41,845,0

43,00 44,5 44,0 43,1 43,4

0

10

20

30

40

50

60

70

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

%

Taxa de rotatividade global* Taxa de rotatividade descontada**

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176

se acumulou uma alta, até 2013, de aproximadamente 42,3%, atingindo o patamar de R$ 1.663,00

(Gráfico 28).

GRÁFICO 28

Evolução do Rendimento Médio Mensal Real dos Ocupados

Brasil – 2001-2013

Fonte: PNAD/IBGE. Elaboração própria.

Como resultado, a participação da renda do trabalho na remuneração total dos fatores tem

aumentado continuamente desde 2005, invertendo uma trajetória de queda que se manifestava,

com oscilações naturalmente, desde meados da última década do século passado. Em 1995, a

participação do fator trabalho na renda nacional167 era de 57,7%. Em 2004, esse percentual era

sensivelmente menor, 52,5%. Por fim, em 2008, último ano da série, tal valor havia aumentado

para 55,8%, ainda abaixo, porém, do patamar registrado em 1995 (BASTOS, 2012a).

Um conjunto de fatores explica a expansão do rendimento médio real dos trabalhadores no

período em tela. Em primeiro lugar, convém chamar a atenção para o papel desempenhado pela

política de valorização do salário mínimo (ver Gráfico 29), que propiciou um aumento dos

salários de base do setor formal do mercado de trabalho, ao mesmo tempo que, ao servir de

“farol” para o comportamento das remunerações do setor informal, atuou favoravelmente à sua

elevação. A formalização do mercado de trabalho brasileiro também contribuiu para o

167 Expressa pela razão “remuneração dos empregados” sobre “remuneração dos empregados e excedente operacional bruto”.

1 3001 267

1 171 1 169

1 222

1 3101 349

1 3711 402

1 515

1 600

1 663

1 000

1 100

1 200

1 300

1 400

1 500

1 600

1 700

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 2012 2013

R$

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177

crescimento do rendimento médio real do trabalhador, uma vez que os empregos formais, em

regra, apresentam remunerações superiores às ocupações abrigadas no setor informal.

GRÁFICO 29

Evolução do Rendimento Médio Mensal Real dos Ocupados, do

Salário Mínimo e do PIB (Base 2004=100)

Brasil – 2004-2013

Fonte: PNAD/IBGE/IPEADATA. Elaboração própria.

* Ao crescimento do salário mínimo e do PIB assinalado em 2011, somou-se os respectivos

valores observados em 2010.

As baixas taxas de desemprego, associadas ao crescimento do salário mínimo e da

economia, e à manutenção da inflação em um baixo patamar, compuseram um cenário bastante

positivo para as negociações coletivas das categorias profissionais organizadas sindicalmente.

Levantamento do DIEESE revela que, entre 2008 e 2014, uma fração amplamente majoritária dos

acordos ou convenções coletivas analisadas apresentaram reajustes salariais superiores ao da

inflação, com aumentos reais médios que variaram de 0,85% a 1,90% (Gráfico 30) (DIEESE,

2015).

É importante lembrar, ademais, que o aludido movimento de elevação real das

remunerações dos trabalhadores aconteceu a despeito da taxa de rotatividade do mercado de

trabalho brasileiro ter se mantido elevada em todo o período, ainda que sujeita a significativas

variações setoriais, conforme se demonstra no Gráfico 27 acima.

142,3

166,3

136,3

80,0

90,0

100,0

110,0

120,0

130,0

140,0

150,0

160,0

170,0

180,0

2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011* 2012 2013

Rendimento Salário Mínimo PIB

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178

GRÁFICO 30

Distribuição dos reajustes salariais e valor do aumento real médio, em

comparação com o INPC-IBGE

Brasil – 2008-2014

Fonte: DIEESE. SAS-DIEESE – Sistema de Acompanhamento de Salários.

Obs.: Dados referentes aos reajustes salariais anuais de 895 unidades de negociação.

Uma distribuição menos desigual dos rendimentos do trabalho é o quarto, e último,

elemento que compõe a dinâmica virtuosa do mercado de trabalho brasileiro no período recente.

Nesse quesito, desde 2003, o coeficiente de Gini168, o mais usual indicador sintético de

desigualdade, tem apresentado uma diminuição sem interrupções do seu valor, passando de

0,561, em 2002, para 0,494, em 2013 (Gráfico 31).

Cumpre destacar, nesse sentido, que a diminuição da desigualdade de renda no Brasil,

medida pelo índice Gini, tem se dado em um ritmo bastante acelerado, se se toma como

parâmetro processos similares de desconcentração da renda vivenciado pelos países

desenvolvidos em seus “anos dourados”, no imediato pós-guerra. Ressalte-se, porém, que ainda é

necessário a continuidade desse processo por um período de tempo mais extenso, caso se almeje

alcançar patamares mais aceitáveis de desigualdade (SOARES, 2010).

168 O índice varia de 0 a 1 e, à medida que os seus valores se aproximam da unidade, revelam a presença de níveis de

desigualdades mais acentuados.

2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Abaixo do INPC 11,6 8,7 4,5 6,0 1,4 6,3 2,4

Igual ao INPC 11,8 11,7 7,8 7,1 4,8 7,5 6,1

Acima do INPC 76,6 79,6 87,7 86,9 93,9 86,2 91,5

Aumento Real Médio 0,85 0,90 1,66 1,33 1,90 1,22 1,39

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

1,2

1,4

1,6

1,8

2

-10

10

30

50

70

90

110

Val

or

Méd

io d

o A

um

ento

Rea

l

% d

os

Rea

just

es A

cim

a, Ig

ual

is e

Ab

aixo

do

INP

C

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179

GRÁFICO 31

Evolução do Coeficiente de Gini

Brasil – 2001-2013

Fonte: PNAD/IBGE. Elaboração própria.

Obs.: Índice de Gini da distribuição do rendimento médio mensal de todos os trabalhos das pessoas

de 15 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência com rendimento de trabalho.

GRÁFICO 32

Evolução da Proporção de Domicílios Extremamente Pobres e Pobres*

Brasil – 2001-2013

Fonte: PNAD/IBGE/IPEADATA. Elaboração própria.

* A linha de extrema pobreza é definida com base no valor de uma cesta de alimentos com o mínimo

de calorias necessárias para suprir de maneira adequada um indivíduo, conforme recomendações da

FAO e da OMS. A linha de pobreza, por seu turno, é o dobro da linha de extrema pobreza.

0,563 0,5610,553

0,545 0,542 0,539

0,5260,520

0,516

0,4990,496 0,494

0,440

0,460

0,480

0,500

0,520

0,540

0,560

0,580

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

11,36 11,27

4,92

28,07 28,20

11,67

0,00

5,00

10,00

15,00

20,00

25,00

30,00

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 2012 2013

%

% de domicílios extremamente pobres % de domicílios pobres

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180

Não há dúvida de que o rendimento do trabalho foi de fundamental importância para a

redução da pobreza verificada no país nos últimos anos. Assim, justifica-se a observação de que a

proporção de domicílios com renda per capita inferior às linhas de extrema pobreza e de pobreza

manteve-se praticamente estável entre 2001 e 2003. Somente a partir de 2004 é que tal proporção

sofre uma redução significativa: em 2013, 4,92% e 11,67% dos domicílios brasileiros auferiam

uma renda per capita inferior às linhas de extrema pobreza e de pobreza, respectivamente. Por

sua vez, tais valores foram estimados em 11,27% e 28,20% em 2003 (Gráfico 32).

É importante notar que, nos últimos anos, os processos de distribuição de renda e de

diminuição da pobreza têm demonstrado claros sinais de esgotamento, refletidos na relativa

estabilidade ou mesmo na ligeira inflexão apresentada pelos indicadores supracitados, conforme

se visualiza nos Gráficos 31 e 32.

Nesse sentido, convém reconhecer que uma parcela bastante expressiva dos trabalhadores

brasileiros ainda se sujeita a formas de trabalho precário, refletida na elevada vulnerabilidade

ocupacional dos seus postos de trabalho, ou mesmo encontra-se em situações de desemprego de

longa duração, reproduzindo traços de um mercado de trabalho subdesenvolvido (OLIVEIRA,

2013). De uma forma mais geral, e até por conta disto, é importante ter em mente que as

estruturas econômicas e sociais brasileiras ainda encontram-se em um estágio de

subdesenvolvimento, visto que ainda não foram atingidos patamares de homogeneidade social

ostentados pelos países hoje considerados desenvolvidos (FURTADO, 1992; 1994).

A título ilustrativo, Marcelo Proni (2013a) estimou, tendo como referencial teórico o

conceito de trabalho decente formulado pela OIT, que 38,6% da população ativa, ou pouco mais

de 37 milhões de pessoas, em setembro de 2009, encontrava-se em situações de elevada

precariedade ou insegurança no mercado de trabalho, que se expressavam em uma dessas

seguintes dimensões: desemprego crônico, subemprego, informalidade, baixos salários e

desproteção social.

Finalmente, é importante considerar que a nova dinâmica do mercado de trabalho aqui

analisada manifestou-se de maneira bastante diversa pelo território brasileiro. Ainda que os

maiores beneficiários desse processo tenham sido os trabalhadores das regiões mais pobres,

notadamente os residentes no Norte e Nordeste do País, as desigualdades persistem e ainda são

bastante expressivas. Caso a esta dimensão regional, considere-se os aspectos de gênero e raça, as

desigualdades tornam-se ainda mais pronunciadas.

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181

Por exemplo, de acordo com a OIT (2012), em 2009, enquanto a taxa de desocupação dos

homens residentes no Rio de Janeiro foi estimada em 6,4%, no Amapá, a taxa de desemprego

feminina era de 18,8% e em Alagoas 13,8%. O rendimento médio real no trabalho principal, por

sua vez, variava de R$ 477 entre os ocupados da raça negra do Piauí, a R$ 2.921, valor médio que

aufere o trabalhador branco no Distrito Federal. Por último, a proporção de pessoas ocupadas que

contribuem para a Previdência Social é de 25,9% no Piauí, contra 71,0% em Santa Catarina.

5.2. O sentido do processo de reconfiguração do mercado de trabalho e os

condicionantes atuais

Na seção anterior, mostrou-se que foi inaugurada uma nova dinâmica do mercado de

trabalho brasileiro a partir dos anos 2000: a taxa de desocupação caiu de forma acentuada,

estabilizando-se em um patamar relativamente baixo para os nossos padrões históricos; o

assalariamento avançou; a geração de empregos formais acelerou-se expressivamente, com o que

se reduziu a informalidade no mercado de trabalho; o rendimento médio real dos trabalhadores

expandiu-se; e, por fim, diminuíram os níveis de desigualdade e de pobreza.

A aludida nova dinâmica do mercado de trabalho brasileiro delimita, portanto, um ponto de

ruptura com relação ao cenário vivenciado nos anos 1980 e, especialmente, nos anos 1990,

conforme se viu no capítulo anterior. Se os anos 1980 e 1990 foram de deterioração e de

estreitamento do mercado de trabalho, é forçoso reconhecer, então, que os anos 2000 e a década

atual representam um período de reconfiguração deste mercado de trabalho.

Mas, em que sentido convém qualificar o período recente como de reconfiguração do

mercado de trabalho? Seria o de uma estruturação que espelha uma retomada de um processo que

teve lugar na chamada “era desenvolvimentista” e que foi interrompido nos anos 1980 e 1990?

Ou, face às transformações contemporâneas do capitalismo e do mercado de trabalho, a

compreensão desse fenômeno adquire, hoje, novas e diferentes nuances e significados? As

reflexões que seguem procurarão dialogar com essas questões.

Inicialmente, cumpre chamar a atenção para o fato de que as referências históricas

subjacentes ao conceito de estruturação do mercado de trabalho aludem aos processos de

constituição e de regulação do mercado de trabalho consagrados pelos países desenvolvidos, que

se estenderam do final do século XIX a meados do século passado.

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182

Nesse sentido, a tarefa de estruturar um mercado de trabalho na periferia capitalista

tradicionalmente significou operar mudanças na mesma direção das que foram seguidas pelos

países desenvolvidos no referido momento histórico, ainda que sujeitas aos condicionantes

próprios de cada nação. O horizonte que se perseguia era, em primeiro lugar, aquele em que todos

os trabalhadores tivessem assegurada a sua participação no mercado de trabalho,

preferencialmente mediante uma relação de trabalho assalariada e regulada publicamente,

fundamento para desfrutarem de condições dignas de vida – longe, portanto, das privações

materiais mais elementares. Em segundo lugar, e em decorrência do ponto anterior, visava-se o

fortalecimento de um mercado interno de consumo, com o qual se dinamizaria a demanda

agregada da economia, especialmente a de bens de consumo duráveis, pilar de sustentação de

uma norma de consumo fordista. De maneira mais abstrata, podia-se falar em “processo de

estruturação” nos países periféricos onde se constatasse uma aproximação a este horizonte.

Nos países desenvolvidos, recuperando brevemente o que já se disse no capítulo 2 desta

tese, a plena organização do mercado de trabalho contou de maneira decisiva com a regulação

estatal – responsável, dentre outras coisas, pela definição da parcela da população potencialmente

apta a participar deste mercado, mantendo fora dele, por conseguinte, crianças, jovens, mulheres,

idosos e pessoas com deficiências incapacitantes. Isto exigiu, vale dizer, a implementação e

coordenação de um conjunto diversificado de políticas sociais e de transferência de renda, que

também se ocupava em estabelecer condições de igualdade de oportunidades para aqueles que se

dirigiam ao mercado de trabalho, o que significou, como contrapartida, uma apropriação pelo

Estado de uma parcela cada vez maior do excedente econômico.

Os que se integravam à força de trabalho foram, de forma crescente, submetendo-se ao

assalariamento, que praticamente se generaliza em meados do século passado naqueles países. Ao

mesmo tempo, os trabalhadores são elevados à condição de sujeitos de direitos, portadores de

uma propriedade social, na definição de Robert Castel (1998). Estava-se diante, em verdade, de

um processo de “desmercantilização” da mercadoria força de trabalho, corolário da edificação de

sólidas estruturas de proteção social.

Adicionalmente, os sindicatos negociavam a contratação coletiva dos trabalhadores, com o

que se estabeleciam as condições de remuneração, uso e dispensa de funcionários pelas empresas.

Elas, é bom lembrar, além da supervisão estatal, eram submetidas a fiscalizações cotidianas do

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183

cumprimento do acordo, mediante a presença de representantes sindicais nos locais de trabalho.

Os salários, nesse cenário, caminhavam ao ritmo de crescimento da produtividade.

Emergiam nesses países, portanto, padrões de contratação e demissão, de uso e de

remuneração da força de trabalho construídos coletivamente, o que favorecia, de um lado, a

constituição de mercados de trabalho mais homogêneos, e, de outro, uma maior previsibilidade e

segurança aos negócios, ao sustentar um crescimento econômico mais elevado e duradouro.

A crise capitalista nos anos 1970, conforme também se analisou no capítulo 2, pôs em

xeque os pilares de sustentação dos chamados “anos dourados” do capitalismo, incluindo o

padrão de regulação do mercado de trabalho. Relações de trabalho duradouras, ampla

abrangência dos direitos trabalhistas e sociais, contratos coletivos de trabalho e salários em

elevação ao compasso da produtividade, transformaram-se em elementos contraproducentes à

dinâmica da acumulação. O cenário, então, alterou-se de maneira profunda: diante de um

contexto de baixas e voláteis taxas de crescimento econômico, de descontrole inflacionário, de

globalização comercial e dos processos produtivos e de acirrada concorrência intercapitalista,

passam a predominar as iniciativas de desregulamentação dos mercados.

A questão central que emergiu, no que diz respeito ao mercado de trabalho, era como torná-

lo mais flexível – ou seja, mais adaptável aos ciclos econômicos – e, assim, permitir uma redução

dos custos fixos das empresas. O importante era eliminar a rigidez contratual do trabalho, o que

não seria alcançável de modo satisfatório sem a eliminação de direitos e o enfraquecimento do

poder de regulação do Estado e dos sindicatos.

O fato é que a grande empresa precisava recuperar as rédeas da gestão do trabalho, seja

modulando a jornada de trabalho ao sabor dos ciclos econômicos, seja acoplando uma parcela

crescente dos salários ao desempenho individual do trabalhador ou da empresa, ou ainda,

mediante o exercício de uma ampla liberdade na definição das funções a serem executadas pelos

empregados, com o que se passou a exigir maiores níveis de qualificação. Não é difícil perceber

que as bases sobre as quais foram erigidas a institucionalidade trabalhista dos “anos dourados”

capitalistas foram paulatinamente sendo erodidas a partir de meados dos anos 1970.

Como resultado, os mercados de trabalho dos países avançados foram pouco a pouco

adquirindo traços até então exclusivos de seus congêneres situados na periferia do sistema, pondo

em xeque a segurança do trabalho construída ao longo do pós-guerra, em cada um dos níveis

identificados por Mattoso (1995), conforme consta no Quadro 04:

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184

QUADRO 04

A Segurança do Trabalho nos Países Desenvolvidos

Níveis da

Segurança

do Trabalho

Caracterização Tendências nos Países Desenvolvidos

Desde a Década de 1980

Segurança no

mercado de

trabalho

É alta quando mudanças de postos de trabalho

envolvem modestos custos pessoais e perspectivas

razoáveis de benefícios futuros. Normalmente, é

inversamente relacionada à taxa de desemprego.

Maior insegurança no mercado de

trabalho: aumento das taxas de

desemprego e da desigualdade em seu

interior; o desemprego assume um perfil

de mais longo prazo.

Segurança no

emprego

É alta quando os trabalhadores não podem ser

demitidos sem que isto implique em custos para os

empregadores ou o respeito a condições previamente

estabelecidas.

Ampliação da insegurança no emprego:

queda (relativa ou absoluta) de

empregos estáveis ou permanentes nas

empresas e maior subcontratação de

trabalhadores temporários, em tempo

determinado, eventuais, em tempo

parcial, trabalho a domicílio e

independentes, aprendizes, estagiários,

etc.

Segurança na

representação

do trabalho

É alta quando os sindicatos têm fortalecida a sua

capacidade de mediação de conflitos e de negociação.

Costuma relaciona-se diretamente com as taxas de

sindicalização dos ocupados.

Ampliação da insegurança na

representação do trabalho: sindicatos

veem enfraquecidas suas práticas

reivindicativas de conflito e negociação,

acompanhada de uma redução dos níveis

de sindicalização.

Segurança na

renda

É alta quando os trabalhadores têm os seus salários ou

a sua renda protegida das flutuações econômicas, seja

por meio de mecanismos de indexação, negociação

coletiva ou outras proteções institucionais (política de

salário mínimo).

Maior insegurança na renda:

rendimentos do trabalho mais instáveis;

aumento da desigualdade e da pobreza.

Segurança na

contratação

do trabalho

É alta quando mudanças que afetam o trabalho são

objeto de negociação entre representantes de

trabalhadores e das empresas ou quando os

trabalhadores conseguem influenciar o ritmo e a

direção das mudanças.

Maior insegurança na contratação do

trabalho: a negociação e a regulação do

trabalho assumem formas mais

individualistas e promocionais, em

detrimento das coletivas e de proteção. Obs.: Elaboração própria. Baseado em Mattoso (1995) e Standing (1991).

Partindo dessa realidade e das reflexões acima, convém retomar os questionamentos

realizados anteriormente, colocando-os em novos termos: como as aludidas transformações

capitalistas e dos mercados de trabalho nos países desenvolvidos impactaram a própria ideia de

estruturação de um mercado de trabalho subdesenvolvido? Ou, em outras palavras, de que modo

esta ideia é afetada pelas críticas contundentes e até mesmo pelos retrocessos sofridos, em

amplitudes diversas, pela institucionalidade trabalhista consagrada nos países desenvolvidos no

pós-guerra?

Hoje, dois paradigmas distintos de organização e regulação do mercado de trabalho se

contrapõem no capitalismo avançado: de um lado, tem-se um mercado de trabalho com pouca

regulação pública dos contratos e das relações de trabalho e que, portanto, opera de maneira

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185

bastante flexível, como é o caso dos Estados Unidos. De outro lado, perfila-se o modelo de

“flexigurança”, que procura aliar, a um só tempo, um mercado de trabalho flexível, um sistema

generoso de proteção contra o desemprego e políticas ativas de mercado de trabalho orientadas

para uma recondução rápida do trabalhador desempregado a uma nova ocupação. A experiência

nacional mais notória, nesse caso, é a da Dinamarca. Como sugere o próprio nome, a ideia central

é integrar flexibilidade (do mercado de trabalho) e segurança (do trabalho e da renda)

(MADSEN, 2006).

A partir do último quartel do século passado, avolumaram-se as discussões a respeito dos

distintos padrões de regulação pública do mercado de trabalho existentes na Europa e nos Estados

Unidos e seus impactos sobre as taxas de desemprego. Nesse quesito, predominava o diagnóstico

de que a maior flexibilidade do mercado de trabalho norte-americano favoreceria a criação de

postos de trabalhos e, portanto, um desemprego mais baixo nesta economia. Entretanto, parece

mais convincente a explicação de que a desregulamentação do sistema monetário internacional

forjou diferentes espaços para a utilização de políticas anticíclicas por parte das economias

nacionais, em desfavor dos países europeus, fazendo com que eles apresentassem taxas de

crescimento mais baixas e, consequentemente, um desemprego mais alto comparativamente à

economia norte-americana (MATTOS, 2001; AMITRANO, 2004). Além disso, convém lembrar

que as menores taxas de desemprego nos Estados Unidos vieram acompanhadas de maiores

níveis de desigualdade, de pobreza e de precarização do mercado de trabalho, sem paralelos entre

os países capitalistas avançados.

O mercado de trabalho brasileiro, sob muitos aspectos, assemelha-se ao norte-americano. A

despeito das diferenças em termos da amplitude da regulação pública sobre o mercado de

trabalho – muito menor nos Estados Unidos – em ambos os casos observa-se a presença de uma

elevada flexibilidade, de consideráveis lacunas em termos de proteção social para o conjunto dos

trabalhadores, assim como de uma estrutura ocupacional marcada pela precariedade e pela

presença massiva de baixos salários, que, ademais, se estruturam de maneira altamente

polarizada. As reflexões de Cláudio Dedecca e Wilson Menezes caminham nessa direção:

Do ponto de vista normativo, é possível afirmar haver uma regulação pública mais

abrangente na experiência brasileira. Entretanto, cabe perguntar sobre sua efetividade.

Ou melhor, se a regulação formal se traduz em regulação real dos contratos e das

relações de trabalho no Brasil. E, portanto, se a matriz institucional brasileira expressa

uma regulação que realmente se traduz em uma estrutura ocupacional diferente daquela

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186

observada para a experiência americana, onde a presença institucional é

significativamente mais reduzida (DEDECCA; MENEZES, 2011, p. 7).

Ao constatarem a baixa capacidade da regulação pública dos mercados de trabalho presente

nos dois países, eles concluem:

Os Estados Unidos permitem a flexibilidade do contrato de trabalho pela baixa presença

de instituições públicas no mercado de trabalho; enquanto no Brasil, essa flexibilidade

decorre da baixa efetividade na ação dessas instituições, em que a maior regulação

formal não se traduz em uma regulação de fato. Dessa forma, essas duas economias se

assemelham em muito, tanto em termos estruturais como no que diz respeito ao

comportamento diante das conjunturas econômicas (DEDECCA; MENEZES, 2011, p.

27).

No Brasil, porém, ao contrário do caso norte-americano, a alta desigualdade, os níveis

alarmantes de pobreza e de precariedade do mercado de trabalho são problemas crônicos de sua

formação econômica, conforme já se discutiu em capítulos anteriores. Assim, pelo que foi dito,

acredita-se que avançar por uma “via norte-americana” de regulação do mercado de trabalho

significa reproduzir (ou mesmo aprofundar) os aludidos problemas crônicos da economia e do

mercado de trabalho brasileiros169.

Tal constatação não implica em considerar, sem maiores ressalvas ou reflexões, o modelo

de “flexigurança” como uma referência inquestionável de institucionalidade trabalhista na

atualidade, nem tampouco ignorar que o seu transplante é de difícil adaptação à realidade de

economias que apresentam acentuados desníveis de produtividade, como é o caso da brasileira.

A esse respeito, dois pontos valem a reflexão. Em primeiro lugar, parece pouco

questionável que o Brasil necessita de avanços concretos e continuados em termos de proteção da

renda do trabalhador desempregado e de políticas ativas de mercado de trabalho, uma vez que o

emprego formal ainda possui uma baixa cobertura; os benefícios do Seguro Desemprego são de

curta duração e de valores relativamente modestos; as políticas de intermediação de mão-de-obra

mostram-se pouco efetivas; e os níveis de escolaridade e de qualificação da força de trabalho são

baixos (CARDOSO JR., 2013 [2009]).

Muitos dos avanços nessa direção demandam um melhor desenho institucional das políticas

trabalhistas, assim como uma operacionalização mais eficiente e integrada destas políticas

(MORETTO, 2009). Porém, é muito pouco provável que tais avanços possam se consolidar sem a

necessidade de um maior aporte de recursos financeiros, o que se mostra um obstáculo

169 Conclusões semelhantes são defendidas por Proni e Gomes (2007).

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187

importante, dadas as dificuldades existentes para o fortalecimento fiscal do Fundo de Amparo ao

Trabalhador – FAT. Nesse sentido, alerta José Paulo Zeetano Chahad:

O volume de recursos ainda é relativamente diminuto para o tamanho da força de

trabalho brasileira, o rol de políticas é bastante diminuto, resumindo-se a praticamente

três (intermediação da mão de obra, treinamento vocacional e programas de geração de

emprego e renda) e, o pior de todos os males, estas políticas são pouco integradas entre

si, e não são articuladas com o seguro-desemprego (CHAHAD, 2009, p. 107).

O outro ponto diz respeito ao terceiro elemento que compõe o chamado “triângulo de ouro”

do modelo de “flexigurança”: a flexibilidade do mercado de trabalho. Convém reconhecer, nesse

sentido, a singularidade brasileira frente aos países precursores destas políticas. Madsen (2006)

lembra, por exemplo, que, ao ser introduzida em 1999, a legislação holandesa de “flexigurança”

procurava corrigir os desequilíbrios oriundos de um mercado de trabalho organizado de maneira

dual: de um lado, trabalhadores protegidos e regidos por contratos de trabalho de longa duração,

uma vez que se beneficiavam de regras restritivas de demissão; de outro lado, trabalhadores que

gozam de pouca proteção social e que se submetem a uma maior insegurança e rotatividade,

derivadas de contratos de trabalhos de curta duração.

No Brasil, como já se demonstrou no capítulo 3 desta tese, a insegurança sempre foi um

traço característico do seu mercado de trabalho, não se restringindo aos trabalhadores com

inserções ocupacionais à margem da legislação trabalhista. Esta situação parece não ter se

alterado de maneira significativa no período mais recente, a julgar pelos dados divulgados pelo

DIEESE (2014b), e analisados na página 175, que atestam que a alta rotatividade continua sendo

um elemento determinante para o funcionamento do mercado de trabalho brasileiro. Aqui,

portanto, muitos dos problemas no campo laboral devem-se ao excesso (e não à falta) de

flexibilidade, com o que se obstrui a construção de trajetórias profissionais mais duradouras e o

surgimento de amplos segmentos da mão-de-obra com especialização definida. Nesse sentido, ao

refletir sobre os obstáculos enfrentados pelos países latino-americanos diante da tarefa de adaptar

o modelo de “flexigurança” à realidade local, Víctor Tokman afirma que:

A efetividade potencial destas políticas na América Latina é menor porque, por um lado,

existe uma economia informal ampliada à qual se volta a maioria dos excluídos do

mercado de trabalho formal e, por outro, os recursos fiscais são insuficientes para

financiar um sistema de proteção social e trabalhista suficientemente generoso para

proporcionar segurança a toda a população (TOKMAN, 2009, p. 186).

Foge aos propósitos desta tese, contudo, debruçar-se de maneira pormenorizada sobre as

similitudes e diferenças entre o mercado de trabalho brasileiro e os dois principais paradigmas

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contemporâneos de organização e regulação do mercado de trabalho. Tampouco convém tecer

reflexões mais aprofundadas sobre as dificuldades de internalização de seus princípios e

diretrizes gerais. O que se quer enfatizar aqui é que as referências históricas mudaram no período

recente. Os esforços industrializantes que caracterizaram a economia brasileira ao longo das

décadas de 1930 a 1970 eram respaldados pela crença de que era possível, por essa via, promover

uma convergência produtiva com relação aos países centrais, estabelecendo níveis de

produtividade e padrões de consumo semelhantes aos apresentados por aquelas economias. A

estruturação do mercado de trabalho, acreditava-se, era uma decorrência natural da

industrialização da economia. Atualmente, não há consenso a respeito dos caminhos a serem

seguidos, posto que aquela referência histórica vem sendo desfigurada, na medida em que o

capitalismo contemporâneo assume uma feição cada vez mais globalizada e financeirizada.

Posto isto, convém refletir acerca do sentido assumido pela reconfiguração atual do

mercado de trabalho brasileiro, utilizando-se, para tanto, do aludido conceito de segurança do

trabalho, em cada um dos níveis apresentados no quadro 03.

Primeiramente, os últimos dez anos notabilizaram-se pela redução expressiva das taxas de

desemprego, independentemente da pesquisa que se considere, fato que ocorreu inclusive para os

grupos historicamente mais atingidos pelo desemprego, como mulheres, jovens, negros e os

menos escolarizados, ainda que as desigualdades nem sempre tenham diminuído170. Além disso,

o tempo médio despendido pelos desempregados na procura de trabalho diminuiu de modo

expressivo, o que denota que o desemprego de longo prazo passou a ser um fenômeno de menor

abrangência no mercado de trabalho brasileiro171. Sob esse prisma, é possível afirmar que o

período recente vivenciou uma diminuição significativa da insegurança no mercado de trabalho.

Em segundo lugar, ainda que o assalariamento com carteira assinada no setor privado e o

emprego público tenham ampliado a sua participação relativa no mercado de trabalho brasileiro,

e que os contratos de trabalho de curta duração continuem restritos a uma parcela diminuta da

força de trabalho (conforme Gráfico 23), o que sugeriria, a princípio, uma queda da insegurança

170 De acordo com a PME, a taxa de desocupação dos trabalhadores menos escolarizados caiu mais intensamente do

que a dos mais escolarizados, a tal ponto que a taxa de desocupação do primeiro grupo tornou-se menor do que a

deste último. Em dezembro de 2014, por exemplo, a taxa de desocupação dos trabalhadores sem instrução ou com

até 8 anos de estudo foi estimada em 3,2%, enquanto que a dos trabalhadores com 11 anos ou mais de estudo situava-

se em 4,2%. 171 Segundo a PED, na região metropolitana de São Paulo, por exemplo, o tempo médio despendido pela população

desempregada na procura de trabalho recuou de 53 semanas, em 2003, para 26 semanas, em 2014.

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no emprego no período 2004-2014, a permanência de altas taxas de rotatividade nos postos de

trabalho desautoriza afirmações mais conclusivas nessa direção. A insegurança no emprego ainda

continua alta no mercado de trabalho brasileiro.

Do ponto de vista da insegurança na renda, não há dúvida de que, entre 2004 e 2014, houve

uma diminuição bastante expressiva nesse sentido, comandada pela implementação de uma

política de valorização do salário mínimo, pelos sucessivos reajustes salariais acima da inflação

conquistados pelas categorias profissionais mais organizadas, pelo aumento do rendimento médio

real do trabalho e de sua participação na renda nacional, além de uma melhor distribuição da

renda do trabalho.

A expansão bastante significativa do assalariamento com carteira de trabalho assinada, que

ocorreu às custas, basicamente, da redução do emprego sem carteira assinada, do trabalho por

conta própria e do trabalho não remunerado, evidencia ainda que o período recente conviveu com

um recuo da insegurança na contratação do trabalho, uma vez que uma maior parcela da força de

trabalho passou a ter as suas condições de trabalho e de remuneração negociadas coletivamente,

entre representantes de trabalhadores e das empresas. Além do mais, a melhora do cenário

econômico e do mercado de trabalho a partir de 2004 possibilitou que a pauta de reivindicações

assumisse um caráter menos defensivo e incorporasse temas mais específicos, como a regulação

da jornada de trabalho (banco de horas, compensação de horas extraordinárias, etc.), saúde e

condições de trabalho (retorno de licença médica, complementação de auxílio doença,

estabilidades provisórias, combate ao assédio moral, controle de metas, etc.), promoção da

igualdade de oportunidades e combate às discriminações (de gênero, raça e orientação sexual) e

formas de solução de conflitos trabalhistas.

Com relação a este aspecto, vale a ressalva, no entanto, de que a terceirização de atividades,

que continuou avançando no período recente, atuou contrariamente à tendência acima

identificada, uma vez que ela induz uma pulverização das categorias profissionais e de suas

entidades de representação, fazendo com que uma parcela cada vez maior dos empregados esteja

sob o abrigo de acordos e convenções coletivas menos protetivas.

Finalmente, pode-se afirmar que houve uma ampliação da insegurança na representação do

trabalho, expressa pela diminuição da taxa de sindicalização no período recente172. Interessante

172 O percentual de ocupados sindicalizados passou de 17,7%, em 2003, para 16,0%, em 2013, de acordo com a

PNAD.

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notar que há um descolamento entre as dinâmicas laboral e sindical, ou seja, a melhora geral dos

indicadores de mercado de trabalho não veio acompanhada por uma maior taxa de sindicalização,

o que pode estar associado à continuidade de uma reestruturação produtiva que procura

terceirizar os processos produtivos, descentralizar territorialmente a produção, inovar processos

organizacionais com base nas práticas toyotistas e ampliar o controle das empresas sobre a

atividade produtiva. Ademais, o expressivo aumento do emprego formal dos últimos anos pode

ter se valido da entrada de trabalhadores jovens e/ou com pouco tempo de vínculo empregatício

assalariado, grupos que normalmente apresentam uma menor propensão à sindicalização. Por

último, no período aqui estudado, os sindicatos parecem não ter se preocupado devidamente com

a tarefa de filiar os trabalhadores que ingressavam no mercado formal de trabalho, concentrando

a suas ações em outros campos de atuação, notadamente nos espaços abertos no interior do

Estado, como a participação na administração de empresas estatais e em fundos também estatais

(CAMPOS, 2014).

Em suma, é possível afirmar que, nos últimos dez anos, houve uma diminuição da

insegurança do trabalho no Brasil, manifesta em especial no mercado de trabalho (redução do

desemprego), na renda (elevação do salário médio) e na contratação do trabalho (aumento na

formalização do vínculo de emprego). Tal tendência é claramente distinta da que vigorou nos

anos 1990 e nos primeiros anos da década de 2000 no Brasil, conforme sintetizado no Quadro 05,

assim como nos países desenvolvidos desde a década de 1980 (ver Quadro 04).

QUADRO 05

Tendências do Mercado de Trabalho Brasileiro Desde os Anos 1990

Níveis da Segurança

no Mundo do

Trabalho

Período 1990-2003 Período 2004-2014

Insegurança no

Mercado de Trabalho ↑ ↓

Insegurança no

Emprego ↑ ↔

Insegurança na Renda ↑ ↓

Insegurança na

Contratação do

Trabalho

↑ ↓

Insegurança na

Representação sindical ↑ ↑

Elaboração Própria.

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191

Outra questão de fundamental importância para a reflexão aqui proposta reside nos

condicionantes atuais do processo de reconfiguração do mercado de trabalho brasileiro. Isto

porque o momento atual não somente ressente-se de um referencial claro em termos de padrão de

regulação e de organização do mercado de trabalho, como também sujeita-se a um conjunto de

condicionantes que é marcadamente diferente do que vigorou no período anterior, de

estruturação, ainda que distorcida, do mercado de trabalho brasileiro, durante a chamada era

desenvolvimentista (1930-1980).

Nesse quesito, convém destacar, em primeiro lugar, que o Estado brasileiro enfrenta,

atualmente, margens de manobra muito mais estreitas para o manejo das políticas econômicas e

de desenvolvimento, visto que estas encontram-se fortemente constrangidas pela arquitetura

econômica internacional sucedânea do regime de Bretton Woods, pelo arranjo macroeconômico

vigente e pelo maior coeficiente de abertura comercial e financeira da economia nacional.

A esse respeito, Belluzzo afirma, com razão, que “[...] a nova finança e sua lógica

tornaram-se decisivos por sua capacidade de impor vetos às políticas macroeconômicas”. No caso

dos países de moeda não conversível, como o Brasil, prossegue o autor, “a disciplina imposta

pelos mercados financeiros, cujos movimentos de antecipação podem destruir a precária

estabilidade, acaba inibindo toda e qualquer tentativa de executar políticas ativas, destinadas a

promover o crescimento” (BELLUZZO, 1995, p. 18-19). Dessa forma, Belluzzo conclui que:

A estas forças negativas o Estado e a sociedade não podem responder com ações

compensatórias de outros tempos porque nos mercados globalizados, cresce a resistência

à utilização de transferências fiscais e previdenciárias, aumentando ao mesmo tempo as

restrições à capacidade impositiva e de endividamento do setor público. Isto porque a

globalização ao tornar mais livre o espaço de circulação da riqueza e da renda dos

grupos integrados, desarticulou a velha base tributária das políticas keynesianas e

submeteu a capacidade de endividamento do Estado ao poder de veto dos mercados

financeiros (BELLUZZO, 1995, p. 19).

Ademais, o regime macroeconômico atual, implantado em 1999, oferece poucos espaços

para a realização de políticas anticíclicas e de estímulos à demanda agregada, ainda que o seu

tripé, formado pelo regime de metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário, tenha

sido flexibilizado nos anos mais recentes, aspectos que serão retomados na conclusão desta tese.

Acrescente-se ainda o fato de que as políticas de estímulos à demanda agregada, quando

postas em prática, veem seus efeitos potenciais sobre o emprego e a renda nacional dissipados

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diante de um quadro de elevada abertura comercial173. O resultado, conforme ilustrado no Gráfico

09 (página 145), é que impulsos à demanda tendem a vazar para o exterior, na medida em que o

consumo e os investimentos são atendidos, em larga medida, por produtos, máquinas e

equipamentos importados, convalescendo, como já se disse, a capacidade de geração de emprego

e renda da economia brasileira.

Em síntese, constata-se, hoje, uma menor capacidade de intervenção do Estado brasileiro na

atividade econômica174, o que acarretou, na passagem entre os dois períodos aqui analisados, uma

alteração expressiva do seu papel: de comandante para o de indutor do processo de acumulação

capitalista. Ao mesmo tempo, houve um crescente protagonismo governamental na oferta de

políticas sociais, na medida em que foram sendo relaxados os traços meritocráticos-contributivos

do sistema e reforçadas as políticas universais175.

Em segundo lugar, é preciso destacar que, nos dias de hoje, a economia brasileira convive

com uma situação demográfica completamente diferente da observada em seu período de

industrialização. Convém relembrar, nesse sentido, conforme se analisou em capítulos anteriores,

que no passado o crescimento populacional mostrava-se bastante intenso, com poucos paralelos

entre as economias hoje consideradas desenvolvidas em momento histórico equivalente. Tal

crescimento, vale destacar, era especialmente visível nas áreas urbanas, visto que os fluxos

migratórios campo-cidade davam-se em grandes proporções, o que contribuía para uma

metropolização da população.

Porém, um fato é bastante elucidativo a respeito das novas tendências demográficas em

curso: em meados da última década, como resultado de um longo processo de diminuição da

fecundidade, o país atingiu o seu nível de reposição demográfica176. Tal processo, vale dizer,

continua em andamento, com o que aponta, no futuro próximo, para taxas abaixo do mencionado

173 Amorim (2014) lembra, de maneira oportuna, que as tarifas brasileiras de importação caíram de maneira acentuada nas últimas

décadas, passando de 47%, em 1983, para 21%, em 1992, 14% em 2000 e 11,6% em 2012. O rebaixamento destas tarifas, aliada a

uma sobrevalorização cambial expressiva e recorrente no período, tornou os produtos nacionais bastante expostos à concorrência

estrangeira. 174 Capacidade que foi golpeada também pelas privatizações das empresas e dos bancos estatais, realizadas, sobretudo, na década

de 1990. 175 As mudanças vivenciadas nas últimas décadas pelas políticas de Saúde, de Previdência e, mais recentemente, de Transferência

de Renda são exemplos bastante eloquentes desse movimento. 176 No nível de reposição, a fecundidade média das mulheres aproxima-se de 2,1 filhos, com o que se reduz o ritmo do

crescimento demográfico, ainda que a população continue aumentando, graças ao fato das taxas de fecundidade situarem-se em

um patamar ligeiramente superior ao de dois filhos por mulher.

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nível. Com isto, parece razoável vislumbrar cenários de longo prazo nos quais a população

brasileira começará a declinar em termos absolutos177.

De acordo com Alves, Vasconcelos e Carvalho (2010, p. 11), as tendências demográficas

atuais apontam também para uma maior homogeneidade no território nacional, uma vez que há

“um processo de redução dos diferenciais de fecundidade entre as regiões do país e entre as

populações da cidade e do campo e uma convergência para valores abaixo do nível de reposição”.

Para estes autores, as causas para a diminuição da fecundidade são múltiplas e remetem às

transformações na estrutura socioeconômica do país, de um lado (como o avanço da urbanização,

economia mais dinâmica, estabilidade monetária, maior acesso ao crédito e a programas de

transferência de renda, aumento da inserção da mulher no mercado de trabalho, prevalência de

uma cultura mais secularizada, entre outros), e às transformações institucionais e de políticas

públicas recentes (a exemplo da universalização da educação fundamental e o acesso mais

facilitado ao ensino superior, o aumento da cobertura das políticas nas áreas de saúde e

previdência, mudanças nas relações de gênero, etc.).

Nesse sentido, ressalte-se que a população brasileira ainda apresenta um perfil

eminentemente jovem, posto que seus maiores grupos etários situam-se entre 5 e 29 anos de

idade. Contudo, a tendência é de que, por volta do ano de 2030, a população adulta, com idades

entre 25 e 50 anos, seja a predominante. O aludido movimento reflete, em verdade, uma menor

razão de dependência das coortes etárias mais jovens e mais idosas, ou seja, uma diminuição do

peso econômico da dependência, quando a riqueza gerada pela população em idade ativa

encontra uma maior folga para ser alocada em atividades que impulsionam o desenvolvimento

econômico. A este fenômeno os demógrafos e economistas têm chamado de bônus demográfico:

A hipótese do bônus demográfico defende que, à medida que as populações evolvem no

tempo para um perfil mais adulto de estrutura etária, com a consequente redução de suas

razões de dependência, elas podem poupar mais recursos, uma vez que o produto do

maior contingente adulto pode tornar-se, ao menos temporalmente – em torno de

algumas décadas – superior às necessidades do país em pauta. Há um aumento da

poupança que se reverte em investimento, há um reforço ao crescimento econômico nas

décadas de incidência do bônus; consequentemente, pode haver um desenvolvimento

maior do país nesse período em que a carga populacional torna-se mais “leve” para a

população em idade produtiva. Na literatura sobre o bônus, fica claro que essa relação

não é direta, mas depende de políticas macroeconômicas de manutenção do pleno

emprego, de investimento em formação de capital humano e de acumulação de

177 Projeções realizadas por Alves, Vasconcelos e Carvalho (2010) estimam que a fecundidade por mulher, no Brasil, deve se

estabilizar, em 2050, entre 1,35 e 1,85 filho, com o que a população alcançaria a marca aproximada de 190 a 220 milhões de

habitantes, quando já estaria em curso um processo de decrescimento populacional.

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poupança, o que, a longo prazo, configuram-se como condições fundamentais para que o

bônus possa ser aproveitado (ALVES, VASCONCELOS e CARVALHO, 2010, p. 18).

A depender das reais mudanças apresentadas pela estrutura etária do país nas próximas

décadas, o bônus demográfico apresentará duração e profundidade variadas. Porém, o que parece

inquestionável é que já há em curso uma trajetória decrescente da razão de dependência, que se

estenderá até meados da década de 2020, quando, então, haverá uma reversão desta tendência.

Contudo, estima-se que a população considerada dependente somente superará quantitativamente

a parcela em idade produtiva em meados da década de 2040, quando findaria o bônus

demográfico.

Além de mais “envelhecido”, o mercado de trabalho brasileiro tornou-se mais feminino nas

últimas décadas, movimento que se intensificou a partir dos anos 1970, com o que se ampliou a

importância da renda do trabalho da mulher na composição do rendimento domiciliar

(HOFFMANN; LEONE, 2004).

Entretanto, a participação da mulher no mercado de trabalho depende da influência de

características pessoais e domiciliares sobre a sua decisão de ingresso, assim como do status

socioeconômico das famílias. Assim, a taxa de participação feminina tende a diminuir à medida

que o cônjuge tem uma inserção mais qualificada no mercado de trabalho (e o status

socioeconômico da família é mais elevado). Do mesmo modo, a presença de filhos com idade

pré-escolar e de crianças com 6 a 10 anos de idade, neste último caso, em menor intensidade,

tende a afastar as mulheres do mercado de trabalho. Por outro lado, a participação laboral

feminina avança na medida em que a escolaridade da mulher se amplia. Por último, é importante

chamar a atenção para o fato de que a presença de filhos pequenos nas famílias de mais baixo

status socioeconômico tende a atenuar a participação feminina no mercado de trabalho, podendo

até mesmo ser revertida, no caso da existência de filhos com idade pré-escolar (RAMOS;

AGUAS; FURTADO, 2011).

No que se refere às migrações populacionais, a década de 1980 marcou o início da reversão

de uma tendência que prevaleceu durante a industrialização da economia brasileira, qual seja, a

de metropolização da população.

A partir dos anos 1980, as migrações rurais-urbanas tornaram-se inexpressivas, em

função do esvaziamento populacional do campo, verificado nas décadas anteriores; a

migração urbana-urbana passou, então, a ser predominante; as migrações de retorno

(principalmente em direção ao Nordeste do país), que puderam ser captadas pelos

quesitos sobre migrações internas no Censo de 1980, revelaram-se significativas; as

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áreas metropolitanas, apesar de continuarem com crescimento populacional acima da

média estadual, apresentaram arrefecimento em seu ritmo; não obstante o abrandamento

verificado também entre os municípios periféricos das áreas metropolitanas, a

periferização continuou seguindo seu curso (RODARTE, FERNANDES; OJIMA, 2010,

p. 134).

Este fenômeno pode ser entendido como resultado de uma interiorização das oportunidades

de trabalho, particularmente do emprego assalariado com carteira de trabalho assinada,

movimento que se tornou bem mais evidente neste novo século.

Ao desdobrar os dados para os municípios, classificando-os por pertencentes ou não das

nove principais regiões metropolitanas e pelo tamanho da área urbana, constata-se que o

crescimento do emprego formal foi mais intenso nos municípios não metropolitanos, nas

pequenas e médias cidades, e não nos grandes polos com população de meio milhão ou

mais de pessoas. Esse transbordamento do emprego formal dos grandes centros para os

menores constitui um segundo aspecto muito importante a diferenciar a década de 2000

do que tinha sido observado até então, ao longo do processo de industrialização

brasileira que se acentuou no século XX a partir de 1930, e que foi caracterizada pela

concentração das oportunidades de trabalho nos grandes centros, sobretudo no de São

Paulo (RODARTE, FERNANDES; OJIMA, 2010, p. 136).

As implicações das aludidas mudanças demográficas sobre o mercado de trabalho brasileiro

não são desprezíveis. No geral, uma População Economicamente Ativa de perfil mais

“envelhecido” tende a ostentar maiores níveis de escolaridade e de qualificação, de experiência

profissional e de produtividade, o que favorece o desenvolvimento econômico. Além disso, uma

menor pressão demográfica sobre o mercado de trabalho pode ter um duplo impacto: se bem

concatenada com políticas educacionais e previdenciárias inclusivas, pode contribuir para uma

estrutura ocupacional com desníveis de produtividade e salariais menos acentuados; por outro

lado, acelerações do ritmo de crescimento econômico podem vir a ser obstadas por restrições do

lado da oferta de trabalho, particularmente nas regiões metropolitanas. Finalmente, uma

participação cada vez mais expressiva das mulheres178 e de pessoas com idade mais avançada no

mercado de trabalho exige um sistema público de regulação das relações de trabalho capaz de se

ajustar às suas necessidades e aspirações, que nem sempre coincidem, convém reconhecer, com

um trabalho por prazo indeterminado e com jornada semanal de trabalho de 44 horas.

Um outro conjunto de fatores a diferenciar o período de estruturação do mercado de

trabalho brasileiro, entre 1930 e de 1980, e o período de sua reconfiguração, em curso na última

178 Até porque “[...] apesar da evolução positiva no passado recente, ainda parece haver um baixo aproveitamento da capacidade

laboral das mulheres no mercado de trabalho brasileiro, na medida em que as taxas femininas são bem menores que as observadas

para os países industrializados, bem como ficam abaixo das reportadas para os homens” (RAMOS; AGUAS; FURTADO, 2011,

p. 596).

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década, reside na dinâmica produtiva, no paradigma tecnológico-econômico e no modelo de

organização do trabalho e da produção.

Já se salientou nos capítulos anteriores desta tese os impactos sobre o mercado de trabalho

decorrentes da ascensão do complexo eletrônico como novo paradigma tecnológico-econômico,

assim como do toyotismo como modelo de organização do trabalho e da produção. Em linhas

gerais, recuperando de maneira breve o que já se disse, a flexibilização dos processos produtivos,

viabilizada pelas inovações telemáticas e informáticas, procuravam estabelecer uma maior

sintonia entre a oferta e as flutuações da demanda dos consumidores e da economia, com o que se

exigia a eliminação de estoques e de desperdícios na produção.

Assim sendo, as empresas promoveram uma desverticalização de suas estruturas, tornando-

as mais enxutas, o que implicou em terceirizar as atividades consideradas acessórias (ou

secundárias) ao objetivo fim do negócio. Generalizaram-se, então, as organizações empresariais

articuladas no formato de redes, nas quais a empresa principal, normalmente de maior porte,

conta com uma miríade de pequenas e médias empresas, quando não com pessoas físicas

organizadas (ou não) em cooperativas, com o objetivo de elevar os níveis de eficiência e de

eficácia da produção.

Nesse cenário, a implementação de métodos de inspiração toyotista de organização do

trabalho e da produção demandava, igualmente, uma gestão mais flexível da força de trabalho,

com o que se exigia a sua multifuncionalidade. As diversas iniciativas de flexibilização da

regulação pública do trabalho nos anos 1990 procurava, ao menos em tese, adequar a legislação

trabalhista brasileira a esta nova realidade, conforme também já se discutiu.

No Brasil, as aludidas transformações, que atingiram a sua plenitude na década de 1990,

período de estagnação econômica, vieram acompanhadas de uma crescente precarização do

trabalho, expressa nas altas taxas de desemprego, na perda de importância relativa do

assalariamento, especialmente daquele protegido pela legislação trabalhista, no achatamento dos

salários, entre outros aspectos. Cumpre destacar, nesse sentido, que a precarização do trabalho

torna-se mais visível à medida que se percorre a montante os elos das cadeias produtivas – em

direção aos pequenos fornecedores (de insumos e de mão-de-obra) –, visto que eles estão menos

sujeitos à fiscalização governamental e dos sindicatos.

Na última década, as medidas flexibilizadoras das relações de trabalho mostraram-se

contraditórias, ora apontando no sentido da flexibilização, ora para uma maior regulação pública

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do trabalho. No entanto, não se restringindo a uma abordagem jurídico-legal do problema, é

possível afirmar que a flexibilização tem avançado no período mais recente, com a maior

abrangência alcançada pela terceirização; pela contratação de trabalhadores como pessoas

jurídicas; pelas formas flexíveis de remuneração e de cumprimento de jornada; e pelos ainda

elevados níveis de ilegalidade, informalidade e rotatividade (KREIN, SANTOS; NUNES, 2012).

No que diz respeito à orientação e integração do investimento produtivo, o mais importante

a enfatizar é que a reconfiguração atual do mercado de trabalho brasileiro tem ocorrido em um

contexto de desindustrialização, que diferentemente da ocorrida nos países desenvolvidos –

considerada exemplo de desindustrialização normal (ou positiva) – tem sido classificada por

muitos analistas como precoce (ou negativa). Assim, é flagrante a diferença em termos de

dinâmica produtiva entre o período em tela e o desenvolvimentista, quando o mercado de

trabalho brasileiro avançou no seu processo de estruturação inconclusa.

De acordo com Wilson Cano (2014), a desindustrialização brasileira tem raízes nos

seguintes fenômenos: i) persistente sobrevalorização cambial, instaurada a partir do Plano Real;

ii) abertura comercial desregrada, iniciada em 1989, ainda no governo Sarney; iii) prevalência de

altas taxas de juros; iv) perda da qualidade do Investimento Direto Externo (IDE), expressa pelo

aumento da importância relativa dos serviços, especialmente das atividades financeiras, em

detrimento da indústria de transformação179; e v) desaceleração da economia mundial, que tem

provocado a prática de políticas industriais agressivas por parte dos países desenvolvidos,

especialmente dos EUA, além da China.

A estes fenômenos, convém acrescentar o fato de que a economia brasileira apresentou uma

desindustrialização relativa internacional, dado que o seu crescimento industrial foi cerca de 35%

inferior ao verificado pela indústria mundial. Conforme destaca Marcelo Arend:

O Brasil não se desindustrializa internacionalmente no período pós-1980 apenas em

relação ao mundo. Excluindo o efeito Ásia da análise, percebe-se que nas últimas três

décadas o Brasil apresentou, de fato, um falling behind manufatureiro. A

desindustrialização relativa internacional brasileira no período se deu diante das

economias desenvolvidas, consideradas na literatura especializada como economias que

alcançaram a maturidade industrial já na década de 1970 e, portanto, vêm passando por

um processo de desindustrialização considerado natural, com elevado nível de renda per

capita. O Brasil também se desindustrializa em relação a economias em

desenvolvimento consideradas pouco dinâmicas, como as da Oceania e da África

(AREND, 2014, p. 415).

179 O autor chama a atenção também para o movimento similar seguido pelo investimento interno.

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Do ponto de vista empírico, os seguintes indicadores desnudam as fragilidades apresentadas

pela indústria brasileira nas últimas décadas, ainda segundo Wilson Cano (2014): o PIB industrial

apresentou as piores taxas médias anuais de crescimento entre os setores econômicos nos

intervalos de 1989-2002, 2002-2008 e 2008-2013; houve uma perda de posição relativa do país

na produção industrial mundial; observou-se uma queda expressiva da relação VTI (Valor de

Transformação Industrial) / VBP (Valor da Produção Industrial); a estrutura produtiva da

indústria de transformação regrediu, com o predomínio de não duráveis e de setores exportadores

de semi-industrializados; a inserção comercial externa tem apresentado problemas, com os

crescentes coeficientes de importação da indústria de transformação; a relação comercial com a

China tem se dado nos moldes do modelo clássico “centro-periferia”; observa-se uma

reprimarização da pauta exportadora, enquanto as importações registram um crescimento mais

acelerado de produtos de consumo duráveis e não duráveis, comparativamente aos bens de capital

e intermediários180; e, por fim, a combinação câmbio valorizado – juros elevados promovem

expressivos déficits nas contas correntes do Balanço de Pagamentos.

Adicionalmente, a indústria brasileira tem apresentado uma inserção subordinada nas

cadeias globais de valor, uma vez que ela se posiciona como uma ofertante de insumos (matérias-

primas) para países que os utilizam para a exportação de produtos de maior valor agregado

(AREND, 2014).

Os impactos da desindustrialização, combinada com uma inserção subordinada da indústria

nacional nas cadeias globais de valor, recaem especialmente sobre a qualidade dos empregos

gerados pela economia brasileira. Há uma relação direta entre a menor qualidade dos postos de

trabalho gerados pela economia brasileira nas últimas décadas – ainda que, sob alguns aspectos,

esse movimento tenha sido atenuado no período recente – e a menor importância da indústria de

transformação na economia e no mercado de trabalho brasileiros. Os empregos criados pela

indústria, e pelos serviços que se organizam em seu entorno, sobretudo aqueles abrigados nos

ramos tecnológicos mais avançados, apresentam, no geral, produtividade e salários mais

180 A esse respeito, as observações de Marcelo Arend (2014, p. 384) são elucidativas: “Em linhas gerais, as informações revelam

que o Brasil possui uma especialização exportadora que não se adere de forma dinâmica à tendência da demanda internacional nas

últimas décadas. Há uma tendência de longo prazo de queda da demanda mundial por produtos agrícolas e de elevação dos

produtos relacionados ao complexo eletrônico. Na contramão da tendência internacional, o Brasil eleva sua participação nas

exportações mundiais de produtos agrícolas e reduz a participação dos produtos do complexo eletrônico. Em relação aos produtos

manufaturados, a tendência mundial é de redução de participação das importações de produtos automotivos e crescimento de

produtos do complexo eletrônico. Novamente, as exportações de manufaturados do Brasil vão na direção contrária: reduzindo a

participação dos relacionados ao complexo eletrônico, e aumentando a dos produtos automotivos”.

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elevados, além de melhores condições de trabalho, devido, em parte, a sua maior sujeição à

regulação pública do trabalho. Não obstante o setor de serviços tenha, principalmente no último

decênio, assumido uma dianteira na abertura de novos postos de trabalho capaz, inclusive, de

compensar a retração do emprego industrial (decorrência também de sua menor produtividade),

isto deu-se, sobretudo, graças aos segmentos dos serviços pessoais e de distribuição, tidos como

mais precários, contribuindo para o rebaixamento do padrão de qualidade do emprego no Brasil.

Acrescente-se ainda o fato de que a desindustrialização reduz o dinamismo da economia

brasileira181, com o que compromete sobremaneira a sua capacidade de geração de novos postos

de trabalho.

Por último, cumpre chamar a atenção para o fato de que a dinâmica produtiva, o paradigma

tecnológico-econômico e o modelo de organização do trabalho e da produção característicos do

capitalismo contemporâneo desestruturaram as bases sobre as quais historicamente se

constituíram e se sustentaram a organização sindical dos trabalhadores, reunidas em torno da

grande empresa industrial verticalizada, com o que se conformou um cenário bem mais hostil à

ação coletiva dos trabalhadores.

O Quadro 06 sintetiza as reflexões apresentadas nesta seção a respeito dos condicionantes

atuais do processo de reconfiguração do mercado de trabalho brasileiro, cotejando-os com os

prevalecentes no período desenvolvimentista.

Com base no que foi exposto até o presente momento, convém concluir que o processo

atual de reconfiguração do mercado de trabalho brasileiro não pode ser compreendido como uma

continuidade do processo interrompido na década de 1980 e abandonado na década de 1990. O

momento atual não somente conta com referenciais menos uniformes no que diz respeito à

organização do mercado de trabalho no mundo desenvolvido (comparativamente ao período

desenvolvimentista), como também se defronta com condicionantes bastante distintos, o que

impõe novos (e talvez maiores) desafios para a tarefa de estruturar um mercado de trabalho que

ainda carrega características típicas do subdesenvolvimento.

181 “[...] a desindustrialização precoce diminui o dinamismo econômico brasileiro, pois o hiato entre os PIBs per capita dos

Estados Unidos e do Brasil aumentou no período em que ambas as economias enfrentavam processos de desindustrialização.

Observa-se que atualmente o grau de industrialização da economia brasileira se aproxima mais das economias desenvolvidas, cuja

renda per capita é, em média, sete vezes superior à brasileira. Esta seria uma forte evidência de que a estrutura industrial brasileira

possa estar em desacordo com o seu estágio de desenvolvimento econômico. Ou seja, o movimento em direção à

desindustrialização foi muito mais agudo que o apresentado até mesmo pelas economias avançadas” (AREND, 2014, p. 398).

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200

QUADRO 06

Principais Condicionantes dos Padrões de Desenvolvimento

Condicionantes Era Desenvolvimentista (1930-

1980)

Era do Social-

Desenvolvimentismo (2004-

2014)

Arquitetura Econômica

Internacional

Padrão monetário estável;

controle rígido dos fluxos de

capital

Globalização financeira

Arranjo

Macroeconômico

Políticas macroeconômicas

“pró-crescimento”

Tripé macroeconômico

“flexibilizado”

Coeficiente de Abertura

da Economia Economia fechada Economia aberta

Atuação Estatal Promotor da acumulação

capitalista

Indutor da acumulação

capitalista e provedor de

serviços sociais

Dinâmica Demográfica

Altas taxas de crescimento

populacional e de migração

rural-urbana

Bônus demográfico,

arrefecimento da migração

rural-urbana, crescente força

de trabalho feminina

Orientação do

Investimento Produtivo

Industrialização, formação de

matriz integrada

Terciarização,

desindustrialização e cadeias

globais de valor

Paradigma Tecnológico-

Econômico Metal-mecânico e químico Complexo eletrônico

Modelo de Organização

do Trabalho e da

Produção

Taylorismo, fordismo Toyotismo

Elaboração própria.

Conceitualmente, pode-se dizer que o processo de estruturação de um mercado de trabalho

é condicionado pelo desenvolvimento capitalista, que procura moldá-lo de acordo com as

necessidades da acumulação. A sua organização, porém, é tarefa da regulação social (não apenas

pública, uma vez que inclui a participação de sindicatos e outros agentes sociais), que deve ser

capaz de forjar uma estrutura ocupacional relativamente homogênea, ou seja, com níveis menos

díspares de produtividade e de salários, que assegure aos trabalhadores um padrão mínimo de

proteção contra as intempéries da vida, sem que isso obste a acumulação capitalista. Assim

sendo, é possível afirmar que nos últimos dez anos o mercado de trabalho brasileiro deu passos

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decisivos em direção a uma nova configuração, de caráter inclusivo, que aponta para uma gradual

superação dos traços herdados do subdesenvolvimento.

Nesse contexto, torna-se imperiosa a discussão do padrão de desenvolvimento prevalecente

e suas inter-relações com a configuração e a dinâmica do mercado de trabalho, de modo que

possam ser apontados caminhos para que o processo atual de reorganização do mercado de

trabalho brasileiro prossiga nas próximas décadas, mesmo considerando as tendências de

precarização do trabalho e fragmentação social presentes no capitalismo contemporâneo. Embora

não seja possível abranger toda a complexidade de tal discussão, as reflexões apresentadas nas

considerações finais deste estudo pretendem oferecer uma contribuição ao debate nesse terreno.

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Conclusão:

Padrão de Desenvolvimento e Mercado de

Trabalho no Brasil

O desenvolvimento capitalista no Brasil ao longo de aproximadamente meio século, entre

os anos de 1930 e de 1980, foi relativamente exitoso em construir as bases estruturais de uma

economia urbano-industrial moderna, em linha com os avanços promovidos pela Segunda

Revolução Industrial. Assim, ao fim desse processo, é lícito reconhecer que o país havia reduzido

de forma importante as brechas tecnológicas e produtivas que o separava dos países de

capitalismo avançado, ainda que persistissem traços de heterogeneidade estrutural bastante

acentuados.

No entanto, as repercussões em termos de bem-estar social que, em tese, adviriam com a

implantação dessa economia urbano-industrial moderna foram severamente mitigadas por três

aspectos: primeiro, pela presença de um excedente estrutural de mão de obra, alimentado por uma

transição caótica da escravidão para o trabalho assalariado, pela ausência de uma reforma agrária

e pelo intenso êxodo rural; em segundo lugar, pelos longos períodos de déficit democrático, com

o que foi coibida a livre atuação dos sindicatos e dos movimentos sociais; por último, porém não

menos importante, pelo débil desenvolvimento de um sistema de proteção social e de regulação

do mercado de trabalho, posto que os padrões vigentes nos países desenvolvidos eram vistos

como inerentes à suas matrizes tecnológica e produtiva, e não como frutos de uma construção

sociopolítica.

Isto explica por que os indicadores sociais e de mercado de trabalho evoluíram de forma

bastante divergente ao longo da industrialização brasileira: de um lado, expansão do

assalariamento, forte mobilidade social e disseminação parcial de padrões de consumo próprios

dos países desenvolvidos; de outro, manutenção de uma ampla informalidade, pobreza em larga

escala, baixos salários e níveis alarmantes de concentração da renda.

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As transformações capitalistas iniciadas na década de 1970, como a emergência da Terceira

Revolução Industrial, os choques do petróleo, a globalização financeira e a ascensão do

neoliberalismo, associadas à crise da dívida externa que se abateu sobre a periferia latino-

americana, solaparam os alicerces sobre os quais se sustentaram o padrão de desenvolvimento

que deu suporte à industrialização brasileira.

As décadas de 1980 e 1990 foram marcadas pela crise da ideologia desenvolvimentista e

por elevada instabilidade macroeconômica, a qual resultou em baixo crescimento econômico. Os

anos 1980, em particular, foram marcados pela ausência de planejamento de médio e longo prazo

por parte de governos e empresas, posto que presos a um horizonte de curto prazo de

“administração de crises”. A partir da década seguinte, a aversão generalizada à hiperinflação e o

sucesso do Plano Real fizeram com que a “convenção do crescimento” vigente ao longo da era

desenvolvimentista fosse substituída por uma “convenção da estabilidade”, que, por sua vez, veio

acompanhada de reformas de natureza neoliberal (BIELSCHOWSKY; MUSSI, 2013).

Muito embora avanços pontuais na produtividade tenham sido identificados, especialmente

na agricultura, e transformações estruturais desencadeadas entre 1980 e 2003, elas foram

insuficientes para retomar o crescimento econômico e elevar os investimentos, ao passo que se

observou uma deterioração generalizada dos indicadores sociais e de mercado de trabalho.

Ricardo Bielschowsky e Carlos Mussi (2013, p. 142) dão a real dimensão do “colapso do

desenvolvimento” vivenciado no aludido período:

O PIB e o investimento brasileiros eram, em 1980, mais de oito vezes e mais de nove

vezes superiores a 1950, respectivamente, mas em 2007 eram apenas cerca de duas vezes

superiores a 1980. O PIB per capita era três vezes e meia maior em 1980 do que em

1950, e a produtividade do trabalho era três vezes maior; mas, em meados dos anos

2000, eram praticamente os mesmos que em 1980.

Partindo dessa realidade, e impulsionado pela explosão da demanda asiática,

particularmente a chinesa, pelos produtos brasileiros (e a consequente elevação dos seus preços

no mercado internacional), pavimentou-se o caminho para a emergência de um novo padrão de

desenvolvimento182 em meados dos anos 2000, aqui denominado “social-desenvolvimentista”183,

182 Um padrão de desenvolvimento se configura, em cada país, pelo “seu ritmo de crescimento e de sua transformação estrutural,

determinantes do progresso técnico e do aumento da produtividade, e pela combinação de três elementos que condicionam esses

comportamentos, ou seja, dotação de recursos, lógica de mercado das decisões de investir e coordenação e liderança dos

investimentos” (BIELSCHOWSKY, 2013b, p. 11). 183 Se, por um lado, no campo dos autores heterodoxos é relativamente consensual que a partir de meados dos anos 2000

inaugurou-se uma nova etapa na história econômica brasileira, por outro, não se pode dizer o mesmo a respeito de sua definição.

Ricardo Carneiro (2012a; 2012b) optou, igualmente, pelo termo “social-desenvolvimentismo”. Ricardo Bielschowsky (2012), por

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que trouxe consigo impactos econômicos e sociais amplamente positivos para a economia

brasileira, conforme analisado no capítulo anterior.

Como reflexão final deste estudo, revela-se importante identificar no debate político e

econômico atual os projetos de desenvolvimento em confronto no Brasil, assim como evidenciar

as suas inter-relações com o mercado de trabalho. Grosso modo, é possível dizer que a disputa

contrapõe dois “projetos” (ou seja, estratégias a serem adotadas pelo governo federal por meio de

políticas econômicas deliberadas): o neoliberal, que vigorou de 1990 até 2003; e o social-

desenvolvimentista, predominante entre 2004-2014, conquanto tenha adquirido contornos mais

bem definidos no período 2006-2010184. Em 2014, a campanha eleitoral para a Presidência da

República recolocou a questão e dividiu a opinião pública. A tese que se defende é que a

prevalência de um dos projetos traz implicações marcadamente distintas para o mercado de

trabalho brasileiro, conforme se deduz de uma análise comparativa dos indicadores observados

em cada um dos períodos (CARDOSO JR.; HAMASAKI, 2014). Além disso, advoga-se que a

estratégia de crescimento neoliberal é incapaz de lidar adequadamente com os desafios que se

colocam para o mercado de trabalho em economias subdesenvolvidas, uma vez que não

contempla políticas destinadas a superar a heterogeneidade estrutural, sustentar uma situação de

pleno emprego, reduzir a desigualdade de rendimentos e universalizar a cobertura do sistema de

proteção social.

* * *

A pedra angular de uma estratégia de crescimento neoliberal é a estabilização da moeda.

Isto porque é através dela que o sistema de preços pode funcionar corretamente, sinalizando para

os agentes privados onde alocar de maneira mais eficiente os recursos escassos da sociedade.

Sem a estabilização da moeda, necessariamente ocorrem perdas de eficiência para o sistema

econômico, o que impõe obstáculos ao processo de crescimento em sua plenitude.

Dessa forma, intervenções no funcionamento do sistema de preços, a exemplo da concessão

de subsídios e incentivos fiscais, são vistas como medidas que geram ineficiência, posto que

seu turno, preferiu denominá-la de “modelo de crescimento com redistribuição de renda por produção e consumo de massa”. Já

Pedro Paulo Bastos (2012b) sugeriu o termo “desenvolvimentismo distributivo orientado pelo Estado”. 184 No debate teórico, porém, o “novo-desenvolvimentismo” tem se apresentado como uma alternativa de projeto de

desenvolvimento para o país. Dado, porém, que até o presente momento ele não adquiriu densidade política-eleitoral-partidária

relevante, mantendo-se restrito aos espaços acadêmicos, não será aqui objeto de reflexão. Uma síntese do pensamento “novo-

desenvolvimentista” pode ser lida em Bresser Pereira (2009). Para uma apreciação crítica, ver Oliveira e Mandarino (2012),

Carneiro (2012b) e Bastos (2012b).

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alteram “artificialmente” a sinalização dada por aquele sistema. No fundo, os neoliberais creem

que a atuação do Estado desenvolvimentista e o seu intervencionismo em prol de uma

industrialização pesada distorceu o caminho mais vantajoso a ser seguido pela economia

brasileira, pautado numa especialização produtiva voltada para a exportação de commodities.

Gustavo Franco (2000, p. 28, grifos próprios), refletindo acerca da experiência do Plano

Real, é bastante explícito a esse respeito:

À medida que os fundamentos fiscais e monetários vão se consolidando, é natural que a

agenda da estabilização se confunda com a agenda do desenvolvimento, e numa

quadra onde este terá de ter lugar em contornos bastante diversos daqueles do passado

recente.

Assim, o nível de emprego e de desemprego de uma economia deve ser objeto de políticas

microeconômicas, uma vez que as de âmbito macroeconômico não podem assegurar o pleno

emprego, tampouco o ritmo da atividade econômica. Com efeito, acredita-se na existência de

uma taxa “natural” de desemprego motivada por elementos institucionais e regulatórios do

mercado de trabalho, assim como por ajustes que ocorrem em seu interior. O alcance de baixas

taxas de desemprego, então, adviria da livre flutuação dos salários (em termos nominal e real) 185.

Como o capital possui plena racionalidade, apenas os trabalhadores poderiam, exigindo

salários anormalmente altos, produzir desemprego. Portanto, são os trabalhadores os

geradores e os responsáveis pelo desemprego, o que revela a origem malthusiana desse

pensamento. Assim, esse problema surge no mercado de trabalho, na órbita da oferta de

mão-de-obra. Ou seja, em princípio, o desemprego é um problema microeconômico, e

não macroeconômico, um problema de oferta, e não de demanda, um problema do

mercado de trabalho, e não de outros mercados (DATHEIN, 2005, p. 124-125).

Assim, o projeto neoliberal no Brasil emerge nos anos 1990 como uma crítica contundente

ao período desenvolvimentista. Afinal, o “padrão politizado de acumulação”186 característico

daquele período, era considerado um anátema para o pensamento neoliberal. A crise dos anos

1980, nesse sentido, era vista como expressão da relutância em abandonar o projeto

desenvolvimentista e se ajustar aos “novos tempos”, ou seja, promover reformas de cunho

liberalizantes.

No plano político, a implementação no Brasil de uma estratégia de crescimento neoliberal

deu seus passos iniciais durante o governo Collor, empossado em 1990. A sua eleição, ainda que

em segundo turno, refletia o espírito do tempo, dado que em sintonia com os preceitos

185 Ver a esse respeito Standing (1991). 186 A expressão é de Fiori (2003 [1984]).

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propugnados, na mesma época, pelo Consenso de Washington. Naquele momento, assumia-se

como inadiável a tarefa de restaurar (ou seria estabelecer?) padrões “modernos” de concorrência

na economia brasileira, cujo caminho seria a abertura comercial e o resultado almejado uma

elevação da produtividade e a sua convergência aos patamares vigentes nos países desenvolvidos.

Note-se que a potência hegemônica, os EUA, era vista como modelo de gestão macroeconômica.

Mas, não é só isso. A abertura ao comércio exterior teria o condão de tornar mais igualitário

os preços dos produtos e os padrões salariais das diversas nações, favorecendo os países menos

desenvolvidos como o Brasil187.

Nesses termos, os breves e conturbados anos do governo Collor testemunharam o início de

um audacioso processo de abertura comercial e de privatizações: barreiras não tarifárias foram

abruptamente extintas, as barreiras tarifárias rapidamente reduzidas, ao tempo que as empresas

estatais começaram a ser privatizadas, por meio do Programa Nacional de Desestatização – PND.

Na sequência, no governo Itamar, o ritmo das privatizações foi arrefecido, ainda que não tenha

sido interrompido, enquanto que a abertura comercial foi até mesmo parcialmente revertida.

No entanto, em meados de 1994, a estratégia de crescimento neoliberal ganhou novo e

decisivo impulso no Brasil, com o que assumiu contornos bem mais evidentes. O marco, nesse

caso, foi o Plano Real, que se valeu de uma expressiva valorização cambial, de altas taxas de

juros e de uma apertada política salarial, dentre outras medidas, para reposicionar (com êxito) a

inflação brasileira em patamares bem abaixo dos registrados historicamente.

O Plano Real, conforme já se disse, não era um simples programa de estabilização da

moeda ou “um fim em si mesmo”, devendo ser entendido como a pedra angular para consolidar

uma nova estratégia de crescimento para o país, de base neoliberal, cujo eixo central seria a

recuperação do crescimento da produtividade. Gustavo Franco, a esse respeito, avaliava que:

A manutenção de altas taxas de crescimento da produtividade representa uma

extraordinária novidade no tocante às características básicas do crescimento econômico

brasileiro. O contraste com a nossa experiência anterior se estabelece em pelo menos três

níveis: (i) a indução ao crescimento é pelo lado da oferta, ao passo que anteriormente o

crescimento era essencialmente “keynesiano”, ou seja, movido predominantemente pelo

investimento público e pela crença que há uma escassez de capital como limitação básica

ao crescimento; (ii) a indução tem consequências redistributivas, pois parte do

187 Conforme bem expressou Gustavo Franco (2000, pp. 191 e 192, grifos no original): “Desde as primeiras interpretações sobre

os efeitos do comércio exterior, devidas aos economistas clássicos, sabe-se que o comércio homogeneíza os preços das

mercadorias e dos fatores de produção. Um diferencial de salários superior aos diferenciais de produtividade produzirá uma

vantagem, digamos, da China ou do Brasil contra a França. E o comércio terá como resultado o aumento do salário e do emprego

(ou a instalação de fábricas) na China (ou no Brasil) e o efeito contrário na França. É difícil argumentar que esse processo seja

injusto ou excludente, pelo contrário: as duas regiões ficam mais parecidas no que toca a salários e emprego”.

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crescimento de produtividade é apropriada pelos salários, ao contrário da experiência

anterior, cuja base era a noção de “poupança forçada”, seja produzida pela inflação, seja

pelos grandes fundos compulsórios como o FGTS, PIS-PASEP, etc.; e (iii) a indução

tem viés deflacionista pois o repasse pode beneficiar o consumidor se a maior eficiência

é repassada aos preços e se a manutenção da competição estrangeira impede o uso das

margens de lucro para a geração de lucros extraordinários retidos para fins de

investimento. Este viés é reforçado pelo compromisso do governo para evitar o

financiamento de investimentos públicos pela tributação do pobre através do imposto

inflacionário (FRANCO, 2000, pp. 43-44).

Os componentes mais importantes de uma estratégia de crescimento neoliberal estão

presentes na citação acima, sendo conveniente explicitá-los de um modo mais adequado aos

propósitos desta reflexão. Em primeiro lugar, para os neoliberais, o lado da oferta, ou seja, os

investimentos detêm a primazia na explicação do fenômeno do desenvolvimento econômico, cuja

responsabilidade de execução cabe, prioritariamente, aos agentes privados. Nessa seara, o Estado

deve se ater aos investimentos em infraestrutura, desde que estes não se enquadrem na lógica do

cálculo econômico privado, dadas as suas elevadas exigências de capital, a sua longa maturação e

os seus retornos incertos.

De acordo com essa concepção, os investimentos realizados pelo setor privado dependem

essencialmente da manutenção de sólidos fundamentos macroeconômicos – por exemplo, moeda

estável e dívida pública cadente, por exemplo188 –, que, por sua vez, devem ser perseguidos

mediante o respeito a regras previamente definidas e devidamente publicizadas pelo setor

público.

Na esfera social, o Estado deve se ater à tarefa de assegurar primordialmente uma oferta

adequada de mão de obra, com o que o atendimento básico em saúde e educação é eleito o campo

prioritário para a atuação governamental. Ademais, reconhece-se a necessidade do combate à

pobreza extrema, o que deveria ser feito mediante programas de transferência direta de renda e

uma melhor focalização das políticas sociais.

Os pensadores alinhados com as ideias neoliberais não demonstram maiores preocupações

em evidenciar as conexões existentes entre as esferas econômica e social (se é que acreditam que

haja alguma). Na verdade, para eles, esta última apresenta-se como um importante entrave à

primeira. Não deixa de ser bastante ilustrativa, portanto, a frase que segue, do economista e

188 Lauro Ramos e José Guilherme Almeida Reis (1997, p. 230) ao discutirem as possibilidades e as políticas necessárias para a

geração de empregos no pós-Plano Real afirmavam que: “Dada a crise hiperinflacionária por que passou a economia brasileira em

tempos recentes, a retomada do crescimento sustentado no Brasil hoje requer não o aumento dos gastos públicos, e sim o

equacionamento do desequilíbrio do setor público. A partir do efetivo controle das finanças públicas, de tal forma a eliminar

temores de um eventual retorno ao processo inflacionário e restaurar de vez a credibilidade da política econômica, serão criadas as

condições propícias à retomada dos investimentos que irão viabilizar a geração de mais empregos”.

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professor Armando Castelar Pinheiro, em meio a uma reflexão acerca das dificuldades de se

implementar um conjunto de reformas neoliberais no Brasil: “[...] a agenda de crescimento

compete por recursos com outras agendas, em particular a social” (PINHEIRO, 2004, p. 57).

Nesse sentido, segundo o ideário neoliberal, um grande obstáculo ao desenvolvimento

brasileiro, senão o maior, é representado pelo “populismo” e pela participação “excessiva” do

Estado no excedente econômico, o que tem raízes na “generosidade” da Constituição Federal de

1988. Os desequilíbrios nas contas públicas e as suas rigidezes, alertam, implicam em pressões

altistas sobre as taxas de juros e o consequente deslocamento do setor privado (efeito crowding

out), o que diminui a produtividade da economia e atravanca o desenvolvimento.

O segundo componente relaciona-se diretamente com o mercado de trabalho e diz respeito

ao comportamento dos salários e da distribuição da renda. Segundo o pensamento neoliberal, a

participação dos fatores de produção na renda gerada deve refletir a contribuição econômica de

cada um ao processo produtivo (a sua produtividade marginal, para lançar mão de um conceito da

economia neoclássica). Assim, os salários têm que se mover de acordo com a evolução da

produtividade do trabalho, caso contrário, uma vez ultrapassado este limite, provocar-se-á uma

elevação do nível de inflação, obstando o desenvolvimento. Idealmente, portanto, os preços

devem ser “despolitizados”, inclusive a remuneração do trabalho, o que facilitaria uma alocação

eficiente (e plena) deste fator pelo sistema produtivo.

O terceiro e último componente remete ao papel desempenhado pela concorrência externa

no desenvolvimento econômico. Nesse sentido, a disciplina competitiva imposta pela abertura

comercial teria a tarefa de estimular a introdução de novas tecnologias e de promover uma

geração mais dinâmica do progresso técnico, elevando a produtividade e diminuindo os espaços

para a ampliação exagerada de margens de lucros e de preços, prática comum em economias

protegidas da competição externa.

No Brasil, a valorização cambial tem sido utilizada de maneira recorrente como meio de

alavancar a concorrência no mercado interno e, assim, reduzir a inflação (não sendo uma política

adotada exclusivamente pelos governos neoliberais, convém esclarecer). Na primeira fase do

Plano Real, pré-desvalorização cambial, acreditava-se que os déficits em Balanço de Pagamentos

decorrentes de um Real forte seriam transitórios, uma vez que os ganhos de produtividade

realizados pelas empresas brasileiras redundariam, cedo ou tarde, em uma recuperação do espaço

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perdido pelo país no comércio internacional, ao mesmo tempo que forjaria um padrão de

competitividade virtuoso, posto que assentado em níveis mais altos de produtividade.

Nesse quesito, e retornando à questão salarial, cumpre destacar que, de acordo com esta

visão, “o crescimento da produtividade é a única forma de se alcançar, ao mesmo tempo, mais

salário e menos preço. É a única maneira de se conseguir mais competitividade sem inflação,

desvalorização cambial e o arrocho salarial que daí decorre” (FRANCO, 2000, p. 74). Importante

atentar que, nesse caso, assume-se que o sentido da causalidade dos fenômenos é unidirecional:

da produtividade para os salários.

Uma das consequências fundamentais da implantação de uma estratégia de crescimento

neoliberal para o mercado de trabalho foi a ampliação vertiginosa das taxas de desemprego.

Estas, porém, eram vistas como resultado das profundas transformações operadas do lado da

oferta da economia brasileira, o que as tornavam imunes aos remédios keynesianos. A solução,

portanto, seria, de um lado, flexibilizar as relações de trabalho, o que significava afastar, tanto

quanto possível, a interferência do Estado na definição das regras que pautam as relações entre

capital e trabalho, deixando-as sob a responsabilidade dos atores sociais envolvidos (o que no

linguajar jurídico passou a ser referido como “prevalência do negociado sobre o legislado”)189.

De outro, acelerar a reestruturação industrial que se encontrava em curso. Para tanto, era

imperioso substituir o regime de política comercial e industrial que vigorou no período

desenvolvimentista, chamado de “vertical” ou “setorial”, por outro, denominado de “horizontal”,

baseado em incentivos genéricos e que abre um maior espaço para a atuação das forças de

mercado.

Ainda que nem sempre de maneira explícita, a agenda da flexibilização do mercado de

trabalho brasileiro sempre esteve vinculada à crença de que era preciso reduzir os direitos

trabalhistas juridicamente regulados pela Constituição e pela CLT, medida necessária para

ampliar a competitividade do país no cenário internacional:

No Brasil a flexibilização passa pela mudança no sistema de relações de trabalho, que

deve deixar de ser estatutário para ser negocial. A adoção da negociação coletiva –

189 É no aludido sentido que a necessidade de flexibilizar o mercado de trabalho brasileiro mostra-se consensual entre os autores

do campo neoliberal. Isto porque, muito embora para alguns o mercado de trabalho apresente uma elevada rigidez, como é o caso

do sociólogo José Pastore, outros refutam essa tese, a exemplo de Edward Amadeo e José Márcio Camargo (1996), ao

defenderem que o mercado de trabalho brasileiro é, pelo contrário, demasiadamente flexível, uma vez que os choques econômicos

tendem a ser acomodados via uma diminuição dos salários reais e não, como é comum em mercados de trabalho rígidos, por meio

de uma elevação do desemprego. Para eles, as causas da alta flexibilidade do mercado de trabalho brasileiro são de origem

institucional, aspecto que será tratado de maneira mais detida adiante.

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defendida em tese por empresários e trabalhadores – deve ser acompanhada por uma

revisão da legislação, na qual, idealmente, seriam suprimidos vários direitos previstos

em lei, garantindo-se apenas direitos básicos para os trabalhadores (RAMOS; REIS,

1997, p. 234).

Note-se que o argumento continua sendo evocado: na obra intitulada “Complacência:

entenda por que o Brasil cresce menos do que pode” (capítulo 6, seção “O mundo não dorme”),

Fábio Giambiagi e Alexandre Schwartsman (2014) enaltecem o ajuste promovido pelos países da

periferia europeia, assentado em cortes de direitos trabalhistas e previdenciários, como meio de

impulsionar a sua capacidade competitiva internacional.

A outra consequência sobre o mercado de trabalho que acompanhou a implantação do

neoliberalismo no Brasil foi o aumento da precarização das relações de trabalho. Para os seus

adeptos, no entanto, essa seria uma decorrência, em larga medida, do alto custo de formalização

do emprego existente no Brasil. De acordo com Armando Castelar Pinheiro (2004, p. 50):

Parte do “custo da formalidade” pode ser atribuída aos tributos incidentes sobre a folha

de salários, às incertezas associadas à Justiça do Trabalho e a uma carga tributária

elevada. Mas, além do atrativo da sonegação fiscal, previdenciária e trabalhista, uma

causa importante da informalidade é o alto custo regulatório da formalidade.

Disto isto, pode-se concluir que no âmbito de uma estratégia de crescimento neoliberal o

mercado de trabalho é tomado como variável de ajuste, na medida em que ele deve funcionar de

modo a não gerar pressões inflacionárias – que adviriam de aumentos salariais superiores ao da

produtividade – e a não se constituir como um entrave à competitividade do país no cenário

internacional, que resultaria, por sua vez, de instituições trabalhistas pouco flexíveis e de um

elevado custo unitário da mão de obra. Daí resulta as seguintes prescrições em termos de políticas

de mercado de trabalho:

A crucial part of their labour market analysis is the presumption of a labour market

dualism in which formal sector wages are held up by minimum wage and other "price

distorting" mechanisms, notably trade unions and statutory obligations on employers.

[…] Stripped to essentials, their policy prescription is to "deregulate" the formal sector,

reduce or remove "non-wage labour costs", decentralise wage bargaining to the

individual worker-employer level if possible, and remove or erode minimum wage

machinery, so that labour costs will fall and the "quasi-voluntarily" unemployed

queueing for formal sector jobs will filter back into available informal sector jobs

(STANDING, 1991, p. 23).

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* * *

O social-desenvolvimentismo é indissociável da experiência recente pela qual passou a

economia brasileira, iniciada com o Governo Lula. Trata-se de um novo discurso, fruto de um

esforço de teorização (em boa medida, formulada a posteriori) que combina concepções

ideológicas e escolhas políticas, cuja formatação final tem decorrido de uma interação dialética

entre teoria e práxis190.

Com efeito, o ponto de partida do social-desenvolvimentismo está na avaliação crítica da

experiência neoliberal brasileira dos anos 1990. Em sua visão, as políticas de liberalização e de

redução do papel do Estado na economia, representadas, especialmente, pelas aberturas

financeira e comercial e pelas privatizações, produziram, entre outras consequências, uma

ampliação da vulnerabilidade externa, uma fragilização fiscal crescente do Estado brasileiro e um

enfraquecimento do setor produtivo, com perdas de elos das cadeias produtivas e de capacidade

competitiva e exportadora. Como corolário, disseminou-se ao longo daquela década um

comportamento econômico errático, que se notabilizou por um baixo crescimento econômico e

uma dívida pública ascendente.

Do ponto de vista social, os resultados da estratégia de crescimento neoliberal não foram

mais alvissareiros, muito pelo contrário. As taxas de desemprego e de informalidade alcançaram

patamares inéditos, enquanto a perversa distribuição da renda e da riqueza e a ampla incidência

da pobreza sofreram modificações pouco significativas.

Diante deste diagnóstico, o social-desenvolvimentismo se apresentou como uma estratégia

de desenvolvimento alternativa ao neoliberalismo, capaz de engendrar uma nova dinâmica de

acumulação assentada em três “motores” principais: (i) amplo mercado interno de consumo de

massa; (ii) abundância de recursos naturais do país; e (iii) investimentos em infraestrutura

(BIELSCHOWSKY, 2012).

Adicionalmente, reconhece-se como de fundamental importância que os aludidos “motores

do desenvolvimento” sejam “turbinados” por inovações tecnológicas e pela recuperação de

encadeamentos produtivos fragilizados. Descartam-se, portanto, as exportações como um

elemento por si mesmo capaz de dar sustentação a uma estratégia nacional de desenvolvimento,

190 Esta é uma versão revisada e ampliada de uma seção escrita pelo autor em artigo publicado em coautoria com Thiago

Mandarino. A esse respeito, ver Oliveira e Mandarino (2012).

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assim como a inovação também não pode ser considerada uma frente de expansão no momento

atual (podendo, no entanto, vir a ser no longo prazo).

Interessa à reflexão aqui proposta dar maior relevância ao primeiro dos “motores” citados,

por suas implicações evidentes sobre o mercado de trabalho brasileiro. Assim, se se deseja a

construção de um amplo mercado interno de consumo de massa, como dito acima, é inevitável

que o mercado de trabalho seja alçado a um papel de destaque no âmbito do projeto social-

desenvolvimentista. E para viabilizar um consumo doméstico de dimensões respeitáveis é

fundamental que se promovam transformações estruturais no mercado de trabalho brasileiro, no

sentido de (i) elevar de maneira sustentável os salários (e a sua participação na renda nacional),

(ii) melhorar a distribuição da renda e da riqueza191, e (iii) ampliar o acesso dos trabalhadores ao

sistema de proteção social.

Ao contrário do projeto neoliberal, portanto, aqui não há uma visão antagônica entre as

agendas econômica e social, nem uma restrição ao gasto social devido às exigências da

estabilização monetária. Ao contrário, defende-se que há entre ambas um comportamento

sinérgico, uma vez que as políticas sociais, notadamente as de proteção da renda e do emprego,

podem funcionar como estabilizadores automáticos, tornando mais estável o crescimento

econômico capitalista. Ademais, ao funcionar como “salário indireto”, as políticas sociais atuam

em prol da dinamização da demanda agregada e, consequentemente, do crescimento econômico.

Assim, a dinâmica econômica do social-desenvolvimentismo está fundada em um círculo

virtuoso: o crescimento da massa de rendimentos disponível para o consumo das famílias

trabalhadoras (resultante da geração de empregos formais, da elevação da remuneração média,

assim como das políticas sociais e dos programas de transferência de renda) e a ampliação da

oferta de crédito impulsionam o consumo da população; a expansão do mercado interno e a

redução da capacidade ociosa induzem uma ampliação e modernização da base produtiva; os

investimentos fomentam o progresso técnico e elevam os ganhos de produtividade, resultando em

maior competitividade da economia nacional; em paralelo, os outros dois “motores do

desenvolvimento” também induzem uma expansão da demanda agregada e um aumento da

produtividade média; o crescimento do PIB possibilita um aumento da arrecadação tributária, a

sustentação do gasto público, uma gestão eficaz da dívida pública e a redução da taxa básica de

191 Para Ricardo Carneiro (2012), inclusive, a melhoria da distribuição da renda é um dos eixos da estratégia social-

desenvolvimentista, ao lado da ampliação da infraestrutura econômica e social, da reindustrialização via adensamento de cadeias e

da expansão do setor baseado em recursos naturais.

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juros; são criadas, dessa forma, as bases para uma nova elevação dos rendimentos e um novo

impulso à demanda agregada, completando o ciclo.

Está claro que há uma inversão da relação de causalidade entre mercado interno,

exportações e desenvolvimento comparativamente ao projeto neoliberal. A seguinte passagem é

elucidativa a esse respeito: “O desenvolvimento de nosso imenso mercado, com a criação de

empregos e a geração de renda, revitalizará e impulsionará o conjunto da economia, oferecendo

ainda bases sólidas para ampliar as exportações (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2002,

p.13)”.

Nesse contexto, coloca-se como inadiável a recuperação da capacidade do Estado intervir

no domínio econômico e de regular os mercados, inclusive o de trabalho. Deste modo, o social-

desenvolvimentismo defende um maior protagonismo governamental, o que tem sido perseguido

sem o abandono – pelo menos do ponto de vista retórico – do tripé macroeconômico instituído no

final dos anos 1990, formado pelo regime de câmbio flutuante, metas de inflação e superávit

primário. Para Francisco Luiz Lopreato (2014, p. 236-237):

A formulação teórica partiu da hipótese de que o maior espaço de atuação da política

fiscal não é inconsistente com o tripé característico do regime de política

macroeconômica da nova síntese neoclássica e era viável acomodar a expansão do papel

do Estado. O posicionamento de corte keynesiano transformou a prática do segundo

mandato – do Governo Lula – e defendeu a expansão dos investimentos das empresas

públicas, a presença estatal na articulação e no financiamento de projetos de

investimento privado, o uso de incentivos fiscais e financeiros em favor do capital

privado, a definição de uma política industrial, ao lado da maior presença dos bancos

públicos na oferta de crédito e de medidas de caráter social, como a política de defesa do

aumento do salário mínimo e de ampliação dos gastos sociais.

Nesse sentido, o projeto social-desenvolvimentista busca a construção de um regime

macroeconômico que possibilite uma atuação anticíclica da política macro, ao mesmo tempo que

cria um ambiente macroeconômico favorável ao investimento produtivo. De acordo com Pedro

Rossi (2014, p. 220-221):

A análise dos regimes de câmbio flutuante, de meta fiscal primária e de metas de

inflação mostra que os pressupostos teóricos que dão substrato a estes não convergem

com o projeto desenvolvimentista. Esse regime macroeconômico foi originalmente

concebido para impor limites à discricionariedade da atuação do Estado e submeter as

autoridades políticas aos princípios de uma visão liberal de desenvolvimento, em que o

mercado é o principal protagonista. Entretanto, não se pode estabelecer uma

correspondência direta entre esses princípios teóricos e a operacionalização do regime

macro, que tem se mostrado flexível na gestão política. Nesse sentido, avaliou-se que o

atual quadro institucional macroeconômico pode ser suficientemente flexível para

acomodar um projeto de desenvolvimento em que o Estado tem papel de indutor e o

social seja o foco central de sua atuação.

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Com efeito, almeja-se que o maior protagonismo do Estado venha acompanhado de uma

recuperação da sua capacidade de planejamento econômico, perspectiva ausente no período

neoliberal. Destarte, defende-se uma retomada de uma visão estratégica de longo prazo, capaz de

orientar e estimular o desenvolvimento econômico. Nesse quesito, ganham relevância as políticas

industriais e tecnológicas como instrumentos de elevação da competitividade e da capacidade de

exportação da estrutura produtiva nacional. Em complemento, torna-se essencial planejar a

ampliação do gasto em políticas sociais, o que implica em expansão do emprego público.

Outro ponto que merece destaque na caracterização do social-desenvolvimentismo é o da

política externa e de comércio exterior. Nesse aspecto, a orientação é buscar um maior

protagonismo internacional e fortalecer os mecanismos de integração regional. Adicionalmente,

procura-se uma diversificação das parcerias econômicas e comerciais, com o intuito de relativizar

constrangimentos internacionais, atenuar a vulnerabilidade externa e fornecer as bases para uma

inserção internacional mais ativa.

Interessante notar que há uma clara convergência entre as proposições social-

desenvolvimentistas e os documentos mais recentes da CEPAL, especialmente os publicados a

partir de 2010, onde se dá um maior destaque à importância de estímulos ao crescimento do

mercado interno e à promoção da igualdade para a elevação do bem-estar econômico e social dos

países latino-americanos, objetivos que só podem ser alcançados com o suporte e participação

decisiva do Estado192.

O social-desenvolvimentismo busca se diferenciar do antigo nacional-desenvolvimentismo.

Segundo o então Senador Aloizio Mercadante Oliva (2010), a atual ordem econômica

internacional contemporânea não comporta um protecionismo incondicional, tal qual vigorou no

período da industrialização brasileira, assim como requer uma preocupação maior com o

incremento da competitividade. A seguinte passagem do Programa do Partido dos Trabalhadores

destaca este aspecto: “Ao pensarmos em políticas ativas de incentivo à produção e à inovação

tecnológica, não propomos a volta do velho protecionismo, mas a implantação de políticas

192 “Igualdad social y dinamismo económico no están reñidos entre sí y el gran desafío es encontrar las sinergias entre ambos. Lo

que proponemos va en esta dirección: hay que crecer para igualar e igualar para crecer. En el horizonte estratégico del largo plazo, igualdad, crecimiento económico y sostenibilidad ambiental tienen que ir de la mano. Por eso proponemos crecer con menos

heterogeneidad estructural y más desarrollo productivo, e igualar potenciando capacidades humanas y movilizando energías desde

el Estado. Proponemos remediar las tremendas disparidades espaciales mediante sociedades más integradas en torno a dinámicas

productivas, con sinergias sociales y territoriales positivas. Proponemos fortalecer la protección de las personas mejorando tanto

los mercados laborales como las transferencias y gestión públicas” (CEPAL, 2010, p. 07). A discussão a esse respeito tem

prosseguimento em CEPAL (2012b; 2014).

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industriais com metas explícitas e controle público” (PARTIDO DOS TRABALHADORES,

2002, p.08).

De acordo com Mercadante, o social-desenvolvimentismo193 também se distingue do

nacional-desenvolvimentismo pela prioridade atribuída à redução das desigualdades. Apesar de

reconhecer os avanços do esforço industrializante empreendido entre os anos 1930 e 1980 do

século passado, o pensamento social-desenvolvimentista alerta para a concentração de renda e da

riqueza e a perpetuação da pobreza para uma larga parcela da população que acompanharam esse

processo, agravado sobremaneira durante o regime militar. Para o autor em questão, “[...] no

governo Lula as políticas de distribuição de renda e de inclusão social ganham uma centralidade

antes completamente inexistente” (OLIVA, 2010, p. 19, grifos do autor).

A estabilidade macroeconômica em geral, com inflação e endividamentos interno e externo

sob controle, seria outro ponto a distinguir o social-desenvolvimentismo do neoliberalismo,

assinalava Mercadante em 2010. O social-desenvolvimentismo, contrapondo-se à incapacidade

do nacional-desenvolvimentismo em promover um ambiente macroeconômico estável, reconhece

que este é um pré-requisito indispensável, ainda que insuficiente, para que uma estratégia de

desenvolvimento possa ser exitosa nos planos econômico e social194.

À diferença do nacional-desenvolvimentismo, o social-desenvolvimentismo apresenta, em

termos de política externa e de comércio exterior, uma inclinação mais internacionalista. Para

Aloízio Mercadante Oliva (2010, p. 33), o novo padrão de desenvolvimento da economia

brasileira traz consigo um protagonismo no cenário internacional:

Embora contenha elementos nacionalistas, dada a sua ênfase política na soberania

nacional e na eliminação da dependência e da vulnerabilidade externa, é decididamente

mais internacionalista que o velho nacional-desenvolvimentismo, pois apoia a

construção da nação na integração regional, em uma diversificação cada vez maior de

parcerias comerciais e diplomáticas e em um protagonismo intenso nos foros de

governança global e no cenário internacional.

É digna de nota ainda uma última diferenciação entre os dois projetos enumerada pelo

autor: trata-se de uma maior preocupação por parte do social-desenvolvimentismo com a questão

ambiental e a construção de uma economia verde, o que estaria em sintonia com os tempos

193 Ainda que a tese de doutorado do autor se intitule “As bases do novo desenvolvimentismo no Brasil: análise do governo Lula

(2003-2010)”, ela se enquadra nos marcos de análise do que tem sido chamado de “social-desenvolvimentismo”. 194 Esta crítica foi anteriormente formulada pelo Bresser Pereira (2009), para quem o antigo desenvolvimentismo nutria certa

complacência com os déficits públicos e a inflação.

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atuais. No entanto, convém ponderar que a alegada diferenciação pouco ultrapassou o campo da

retórica social-desenvolvimentista, não se desdobrando, no plano concreto, em ações efetivas.

Concluindo e sumarizando o exposto até aqui, o crescimento econômico mais elevado (ao

menos até 2010), com uma relativa estabilidade macroeconômica, fortalecimento do poder de

compra dos salários de base da economia e das políticas sociais, diminuição das taxas de

desemprego, da pobreza e da concentração da renda, em um cenário político democrático, fazem

com que o social-desenvolvimentismo reivindique a sua singularidade histórica no longo

processo de desenvolvimento capitalista no Brasil.

* * *

A apreciação do período social-desenvolvimentista realizada pelos economistas neoliberais

é um bom ponto de partida para se promover uma reflexão crítica acerca dos dois projetos

políticos em disputa atualmente na sociedade brasileira, de suas respectivas estratégias de

desenvolvimento e dos seus impactos sobre o mercado de trabalho.

Nesse sentido, convém partir da constatação de que, para os neoliberais, o cenário

internacional é um elemento central na explicação do quadro econômico favorável verificado a

partir de meados da década passada. Por exemplo, Fábio Giambiagi e Alexandre Schwartsman

(2014), dois dos mais notórios expoentes da linha de pensamento aqui examinada, apontam

quatro variáveis como decisivamente importantes para o êxito verificado no período em tela –

três das quais ligadas ao cenário externo – que juntas comporiam um “quadrado mágico” ou um

“paraíso zodiacal”: i) uma evolução bastante positiva dos termos de troca; ii) o baixo patamar das

taxas de juros internacionais; iii) uma taxa de câmbio persistentemente valorizada; e, por fim, iv)

uma alta disponibilidade de mão de obra no início do ciclo195.

Não há como negar que o cenário externo, até 2008, foi amplamente favorável à economia

brasileira, pelas razões acima apontadas pelos autores. No entanto, não deixa de ser curioso o

papel quase irrelevante dado às políticas macroeconômicas e às políticas sociais, aspecto já

suficientemente discutido no capítulo anterior, assim como a importância secundária que é

atribuída ao mesmo cenário externo quando são discutidas as razões pelas quais a situação

econômica do país se deteriorou a partir de 2011. Na realidade, os bons indicadores econômicos e

195 O argumento de que “o mundo todo expandiu a sua economia a partir de 2003 e o Brasil apenas aproveitou a maré favorável”,

em suas diversas variantes, também se enquadra nessa retórica.

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sociais do período recente são vistos como consequência de um processo que se iniciou

anteriormente, pelo menos desde a estabilização dos preços em meados da década de 1990. Ou

seja, nada mais são do que uma evolução “natural” das medidas implementadas no passado196.

O fato é que a aceleração do crescimento econômico verificada a partir de 2004 teve como

base os estímulos advindos do exterior. No entanto, o ritmo e a direção dos seus impactos sobre o

tecido social foram condicionados por políticas públicas, especialmente as sociais,

implementadas pela Constituição de 1988 e no período recente, como as políticas de valorização

do salário mínimo e de transferência de renda, beneficiadas pelo espaço fiscal criado. Estas

políticas, por sua vez, retroalimentaram o crescimento econômico, potencializando-o. Os

resultados sociais do “milagre” econômico brasileiro, nos anos 1970, e o ineditismo histórico da

combinação dos movimentos de aumento real do rendimento médio do trabalho e de redução do

índice de Gini, observado nos anos recentes, são bastante reveladores da dimensão do problema

que aqui se quer chamar a atenção.

Convém, então, refletir de maneira mais detida sobre o último ponto do “quadrado

mágico”, ou seja, sobre a existência prévia de pessoas desocupadas e, portanto, disponíveis para

se engajar na produção. Para os autores supracitados:

De fato, aumentar o salário mínimo, estimular o crédito, engordar o gasto público e

promover uma “lipoaspiração” da SELIC podem funcionar como ingredientes de

ativação da demanda, quando é a escassez desta que está limitando a economia. Isso,

porém, não é mais o caso. Quando as plantas estão prontas e há gente desempregada,

aumentar a produção é relativamente fácil se há demanda em perspectiva pela frente:

basta contratar mais gente. Quando os galpões e as máquinas são ocupados e não há

mais gente sobrando para contratar, porém, tudo se torna mais difícil e desafiante, pois

não basta ocupar as pessoas: é preciso que elas se tornem produtivas. E como dizia

sabiamente Paul Krugman, “a longo prazo, a produtividade é quase tudo”. O Brasil

cresceu ocupando gente, mas não se preparou devidamente para quando chegasse o

momento de não mais poder depender da ocupação de mais e mais pessoas. Agora, esse

momento está chegando (GIAMBIAGI; SCHWARTSMAN, 2014, p. 32).

Primeiramente, não se pode deixar de registrar que se havia um grande contingente de

trabalhadores desempregados antes do início do período social-desenvolvimentista, isto se devia,

em larga medida, às políticas de ajuste neoliberal implementadas nos anos 1990, conforme se

196 “Não é de estranhar que, nos primeiros anos da estabilização, o ambiente macroeconômico não fosse ainda suficientemente

encorajador para as decisões de investimento. Seja pela memória até então recente do fracasso dos cinco planos anteriores

adotados entre 1986 (Cruzado) e 1991 (Collor II), seja pela incerteza acerca da continuidade do respeito aos fundamentos em caso

de mudança de governo, havia dúvidas pertinentes acerca do comportamento futuro da economia. A combinação de uma transição

política bem-sucedida com a posse do governo Lula em 2003, preservação do arcabouço de políticas pelo novo governo e

excelente receptividade ao reforço dessas políticas por parte da equipe econômica do Ministro Palocci, junto com o rápido

declínio da inflação em 2003/2004, em função de tais medidas, parece ter despertado o animal spirit empresarial, dando início ao

novo ciclo de crescimento a partir de 2004” (GIAMBIAGI; PINHEIRO, 2012, p. 51).

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discutiu no capítulo quatro desta tese. Assim, cabe indagar: se para crescer em um cenário de

elevado excedente de mão de obra “basta contratar mais gente”, por que não se procedeu dessa

maneira durante a década de 1990? Como ter “demanda em perspectiva pela frente” com salários

reais em queda, elevados níveis de desemprego e proliferação de postos de trabalho precários?

Com efeito, tal como organizado pelos pensadores de visão neoliberal, o debate oporia, de

um lado, os economistas que acreditam que uma estratégia de crescimento deve estar ancorada no

aumento da produtividade – resultado, por sua vez, de uma economia com elevado nível de

poupança, gasto público reduzido, boa infraestrutura e mão de obra escolarizada e qualificada. De

outro lado, estariam reunidos os economistas que, ao relegarem a produtividade a um segundo

plano, privilegiariam um padrão de desenvolvimento baseado em estímulos à ampliação da

demanda agregada, com altas doses de assistencialismo e de gasto público. A avaliação do

comportamento recente da economia brasileira realizada por Fabio Giambiagi e Armando

Castelar Pinheiro (2012, p. 272) é ilustrativa a esse respeito:

O país baseou o seu crescimento nos últimos anos, notadamente na segunda metade da

década passada e no começo da atual, quando a produtividade não teve um grande

desempenho, em fortes estímulos à demanda, com muito gasto público, alto grau de

assistencialismo, despreocupação com a poupança, consumo crescendo a taxas fortes,

educação pobre e infraestrutura precária. Está na hora de migrar para um modelo com

ênfase no aumento da produtividade e menor crescimento do gasto público, em que a

expansão seja liderada pelo investimento, com maior poupança interna e uma obsessão

com a melhoria dos indicadores educacionais e da infraestrutura. São essas as bases

firmes para a expansão duradoura da economia.

Na verdade, conforme foi discutido na primeira parte desta tese, os economistas

heterodoxos que primeiro se ocuparam do estudo do desenvolvimento econômico de países de

industrialização tardia tinham no centro de suas reflexões o reconhecimento de que o crescimento

econômico sustentado, alicerçado em uma estrutura produtiva homogênea e integrada, em

incorporação de inovações tecnológicas e em aumento da produtividade do trabalho, é o pilar

para a construção de uma sociedade moderna e civilizada.

Portanto, nada mais falso do que a aludida oposição proposta por pensadores neoliberais197.

O que há, na realidade, é uma relativa divergência dos caminhos a serem percorridos para que a

economia brasileira atinja um nível de produtividade mais elevado, ou, em outros termos, de se

197 Em artigo recente publicado na imprensa brasileira, Edward Amadeo organiza o debate tal como enunciado: “Para

os Liberais, a fonte do crescimento é a produtividade. Por isso, todo cuidado é pouco com a estabilidade, requisito

para o investimento e a inovação. Já os Desenvolvimentistas veem na demanda a fonte do crescimento. Por isso

lançaram mão de estímulos ao consumo, cuja expansão seria o incentivo para as empresas investirem. Para sua

surpresa, o mega-estímulo produziu taxas decrescentes de investimento (AMADEO, 2015).

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reconhecer (ou não) que uma demanda mais elevada pode contribuir para impulsionar a

produtividade da economia. Para o social-desenvolvimentismo, a ampliação do consumo,

estimulada pelo aumento da renda do trabalho e pelas políticas sociais, ao induzir investimentos,

também tem o condão de estimular o progresso técnico e, assim, a produtividade, sem prejuízo de

outras medidas igualmente necessárias (como os investimentos autônomos em infraestrutura).

Como ensinou Adam Smith, o tamanho do mercado é um limitador da divisão do trabalho e, em

consequência, dos aumentos de produtividade.

Nessa linha de raciocínio, não se trata de contestar que o crescimento do PIB per capita na

década passada foi favorecido pela oferta de mão de obra barata, com pouca relevância dos

ganhos de produtividade, ao contrário do que ocorreu nos anos 1990, quando o PIB per capita

aumentou relativamente pouco, mas com base em ganhos mais expressivos de produtividade,

ainda que à custa do emprego. Nem há dúvida de que, doravante, o crescimento do PIB per

capita dependerá cada vez mais de aumentos robustos da produtividade média do trabalho198.

Porém, é de fundamental importância para esta discussão considerar que os baixos ganhos

de produtividade têm raízes estruturais, posto que a trajetória de alto crescimento da economia

brasileira foi interrompida ainda nos anos 1980, junto com a débâcle do investimento industrial.

Ou seja, a trajetória modesta do incremento da produtividade sistêmica, cujo comportamento foi

indiferente às variadas conjunturas econômicas e às mudanças nas políticas econômicas adotadas

desde então, remete à crise do desenvolvimento e ao problema da desindustrialização precoce já

no final do século passado, conforme foi analisado nos capítulos 2 e 3.

As transformações capitalistas que se aprofundaram nos anos 1980, que foram objeto de

reflexão no capítulo 2, comprimiram substancialmente os espaços existentes para as economias

periféricas implementarem políticas nacionais de desenvolvimento, ao mesmo tempo que foi

sendo gestado um novo padrão de concorrência capitalista – mais internacionalizado e

financeirizado –, amparado pela fragmentação mundial dos processos produtivos e a sua

organização em cadeias de valor global. O posicionamento da indústria brasileira nos elos menos

dinâmicos destas cadeias, somado a uma sobrevalorização crônica e persistente do câmbio e a

variados problemas conjunturais que se sucederam nas últimas décadas, fizeram que o

198 Para uma análise da evolução recente da produtividade na economia brasileira, bem como dos desafios atuais que se colocam

para a sua elevação, sugere-se a leitura de Cavalcante e De Negri (2014), De Negri e Cavalcante (2014), Squeff e Amitrano

(2014) e Nogueira, Infante e Mussi (2014).

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crescimento industrial caísse vertiginosamente e afetasse a economia como um todo, provocando,

assim, uma relativa estagnação da produtividade.

Portanto, a baixa produtividade do trabalho da economia brasileira não revela tão somente

um problema de baixa qualificação da força de trabalho (que é evidente e indiscutível), mas,

antes de tudo, relaciona-se com a configuração estrutural que esta economia assume a partir dos

anos 1980, marcada pelo encolhimento do peso da indústria (e do emprego por ela gerado) e pela

sua posição subalterna nas cadeias de valor global, com o que favoreceu uma reprimarização da

pauta de exportações do país. Em contrapartida, viu-se um crescimento desmesurado dos

serviços, especialmente os de baixíssima produtividade, muitas vezes alocados no setor informal

da economia199. Ademais, convém reconhecer que a heterogeneidade estrutural da economia

brasileira manteve-se praticamente inalterada nas últimas décadas, evidenciando que a

estabilidade macroeconômica per se não é suficiente para a sua superação. Como explicam

Nogueira, Infante e Mussi (2014, p. 358-359):

Os diferenciais de produtividade refletem, em alguma medida, a capacidade que as

empresas possuem de responder às políticas macroeconômicas e às mudanças exógenas

na conjuntura macro, mesmo em um contexto no qual as condições de estabilidade são

atendidas. É evidente, portanto, que um ambiente de maior volatilidade constitui um

cenário propício para que a heterogeneidade se acentue. Por outro lado, o cenário de

relativa estabilidade macro não constitui condição suficiente para a redução dos

diferenciais que caracterizam a HE – Heterogeneidade Estrutural: é necessário que

algumas variáveis macroeconômicas sejam manejadas de forma adequada a este

objetivo.

Em complemento, importa ressaltar que a política industrial é um ponto essencial para o

novo padrão de desenvolvimento nacional, como chama a atenção Carlos Medeiros (2012, p. 82):

Se no desenvolvimento dos anos 1970 o desencontro básico era entre o alto crescimento

industrializante e a inclusão social, o desenvolvimentismo que se afirma nos dias atuais

caracteriza-se por outro desencontro entre uma maior inclusão social (em que pese o

tamanho absoluto da população ainda excluída), mas, ao mesmo tempo, uma estrutura

produtiva menos diversificada e exportações mais especializadas nos setores intensivos

em recursos naturais.

Os autores neoliberais dão a esta discussão uma importância secundária, afinal, para eles, a

economia brasileira no final da década de 1970, e mesmo nos anos 1980, encontrava-se

“sobreindustrializada” (BONELLI; PESSOA; MATOS, 2013), ou seja, apresentava graus de

industrialização bem acima da norma internacional. A partir daí, o que ocorreu, na visão deles,

199 Os enormes diferenciais de produtividade existentes entre o setor formal e o informal levam a questionar se o aumento da

formalização (dos negócios e dos vínculos empregatícios) redundaria em ganhos adicionais de produtividade para a economia

brasileira, conforme sugerem Gabriel Squeff e Claudio Amitrano (2014) com base em simulações realizadas para os anos 2000.

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222

foi que o Brasil se aproximou desta norma, ainda que se reconheça que, no período mais recente,

a economia brasileira se posicione em um patamar ligeiramente abaixo do padrão considerado

normal200.

Nesta visão, os problemas do mercado de trabalho, como o desemprego, a informalidade e

a rotatividade, são, prioritariamente, de origem institucional, ou seja, as instituições trabalhistas

brasileiras não geram os incentivos corretos para o bom funcionamento deste mercado. Para José

Márcio Camargo (2009), por exemplo, as taxas de desemprego brasileiras – ainda elevadas na

comparação internacional quando da elaboração do artigo – decorrem da alta assimetria de

informações existentes no mercado de trabalho dos jovens201 e dos elevados salários de reserva

dos trabalhadores pouco qualificados (proveniente de “robustas” transferências governamentais,

sobretudo de aposentadorias). A informalidade, por seu turno, adviria da rigidez do contrato de

trabalho e da diferença existente entre o salário pago ao trabalhador e o custo do trabalho para a

empresa. Por fim, as altas taxas de rotatividade relacionam-se com o “prêmio” concedido ao

trabalhador no momento da sua demissão (o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS).

Na mesma linha, para Bicalho e Goldfajn (2014) uma maior contribuição do trabalho para o

crescimento econômico e a competitividade da economia brasileira adviria da adoção de políticas

de estímulos à imigração, do aumento da taxa de participação no mercado de trabalho e da

elevação da produtividade do trabalho. Como medidas para que tais resultados fossem

alcançados, os autores sugerem, basicamente, uma flexibilização da legislação trabalhista, no

sentido de que as contratações em período parcial sejam promovidas, o processo de contratação

facilitado, o negociado prevaleça sobre o legislado e o período de concessão de férias seja

flexibilizado.

Alternativamente, porém, entende-se que a viabilidade do atual padrão de desenvolvimento

e, consequentemente, a continuidade dos avanços obtidos no mercado de trabalho, requer a

elaboração de políticas (macroeconômicas e setoriais) destinadas à recuperação da indústria

brasileira, segmento responsável, por excelência, pela incorporação do progresso técnico202. Disto

200 Em artigo publicado na imprensa, Samuel Pessoa (2014) afirma, de maneira categórica: “Não me parece haver evidência

empírica de que a indústria seja especial sob algum critério”. 201 “Os elevados custos de demissão no Brasil inibem as empresas de utilizarem o processo de tentativa e erro para “descobrir” a

qualidade dos trabalhadores, o que tende a aumentar a taxa de desemprego dos jovens” (CAMARGO, 2009, p. 237). 202 “A ideia de Revolução Industrial como um momento crítico trata da constituição histórica de um sistema de produção e de

relações sociais que subordinam o crescimento da economia a sua capacidade de gerar renda, empregos e criar novas atividades.

O surgimento da indústria como sistema de produção apoiado na maquinaria ‘endogeiniza’ o progresso técnico e impulsiona a

divisão social do trabalho, engendrando diferenciações na estrutura produtiva e promovendo encadeamentos intra e intersetoriais.

Além de sua permanente autodiferenciação, o sistema industrial deflagra efeitos transformadores na agricultura e nos serviços. A

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depende um ritmo de crescimento econômico mais elevado e duradouro e, portanto, uma maior

geração de postos de trabalho. Ademais, como consequência desse processo, o mercado de

trabalho brasileiro seria qualificado, uma vez que seria estimulada a migração de trabalhadores

dos serviços para a indústria, setor sujeito a maiores níveis de produtividade e de salários, além

de uma menor rotatividade dos postos de trabalho. De acordo com Luiz Gonzaga Belluzzo e Júlio

Gomes de Almeida (2012, p. 40):

O Brasil incorporou 16 milhões de famílias ao mercado de consumo moderno por conta

das políticas sociais e de elevação do salário mínimo, que habilitam esses novos

cidadãos ao crédito. Essa incorporação será limitada se não estiver apoiada na ampliação

do espaço de criação da renda. Nas economias emergentes bem-sucedidas, a ampliação

do espaço de criação da renda é fruto da articulação entre as políticas de

desenvolvimento da indústria (incluídas a administração do comércio exterior e do

movimento de capitais) e o investimento público em infraestrutura. Esse arranjo, ao

promover o crescimento dos salários e dos empregos, gera, em sua mútua fecundação,

estímulos às atividades complementares e efeitos de encadeamento para trás e para

frente.

Se, do lado da oferta, é de fundamental importância promover uma “reindustrialização” da

economia brasileira, pelo lado da demanda é igualmente necessário que se mantenham os

esforços de construção de um mercado interno de consumo de massas, consolidando-o como um

dos pilares do novo padrão de desenvolvimento.

Para tanto, o modo como os salários se estruturam no mercado de trabalho é de

fundamental importância. Não que isto determine o grau de absorção de mão de obra pelo

sistema econômico, a partir de uma correlação inversa entre salários e empregos, como crê a

ortodoxia econômica, mas por que a expansão (e uma melhor distribuição) dos salários constitui

um dos principais vetores de estruturação de uma sociedade de consumo de massas.

Como, então, dar perenidade ao movimento de ampliação do rendimento médio real dos

trabalhadores, e, assim, fortalecer a participação dos salários na renda nacional, sem que se

pressione exageradamente a taxa de salários da economia brasileira? Carlos Medeiros (2012, p.

83-84) contribui para esta reflexão:

[...] se persistir uma situação caracterizada por um setor industrial que não se moderniza

e se diversifica e, ao mesmo tempo, mantendo-se salários elevados (em relação aos

países asiáticos, em particular a China), a economia brasileira tornar-se-á

estruturalmente dependente do seu primário exportador e viverá um permanente conflito

entre um custo de trabalho alto com alto déficit comercial na indústria e um custo de

agricultura contemporânea não é mais uma atividade “natural” e os serviços já não correspondem ao papel que cumpriam nas

sociedades pré-industriais. O avanço da produtividade geral da economia não é imaginável sem a dominância do sistema

industrial no desenvolvimento dos demais setores (BELLUZZO; ALMEIDA, 2012, p. 38, grifos próprios)”.

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trabalho baixo, com menor déficit comercial na indústria mas com baixa expansão dos

mercados internos. Esse conflito foi fortemente agravado na economia brasileira em

função da valorização da taxa de câmbio, mas ele pode tornar-se estrutural.

Enfim, no centro da discussão está o dinamismo da indústria nacional e sua importância

para o atual padrão de desenvolvimento. Dela depende, conforme já se disse, a continuidade dos

avanços obtidos no mercado de trabalho nos últimos anos, incluindo o crescimento dos salários.

Afinal, a modernização e a diversificação do setor industrial são condições necessárias para que a

produtividade do trabalho se eleve e que os aumentos salariais ocorram sem maiores pressões

sobre o nível de preços da economia203.

Entende-se que, nesse contexto, cabe chamar a atenção para as enormes lacunas ainda

existentes em termos de escolaridade e de qualificação da força de trabalho brasileira. O baixo

desempenho dos estudantes brasileiros em programas de avaliação do aprendizado escolar,

nacionais e internacionais, mostra que, para além da inclusão das crianças e dos jovens no

sistema educacional, é preciso melhorar substancialmente a qualidade do ensino ofertado,

aproximando-a dos padrões de excelência vigentes nos países considerados desenvolvidos.

Além disso, não basta que a produtividade da economia brasileira avance de maneira

continuada nas próximas décadas. É necessário, igualmente, que mecanismos institucionais

induzam a uma distribuição mais equitativa destes ganhos, favorecendo a expansão dos salários.

Isto se justifica, primeiro, por que o poder de apropriação do excedente econômico é

desigualmente distribuído entre classes e frações de classes sociais. Em segundo lugar, a

produtividade é, especialmente nos dias de hoje, uma variável de natureza social; e, em larga

medida, resultado de sistemas nacionais de inovação, e não meramente de esforços envidados

pelas empresas204. Nesse sentido, são muito importantes as políticas de valorização do salário

203 Não há indicadores que apontem de maneira conclusiva que os salários no período recente tenham crescido acima da

produtividade. De acordo com Naércio Menezes Filho (2014): “os dados mostram que não há evidências de descolamento entre a

produtividade e os salários pagos em nenhum setor agregado da economia brasileira nos últimos anos. Na indústria e no setor de

serviços, o aumento real de rendimentos pagos foi pequeno, em linha com a estagnação da produtividade. O aumento de salário

nesses setores foi repassado para preços, o que tem contribuído para manter a pressão inflacionária. [...] Para continuar

aumentando o salário real, será necessário aumentar a produtividade na indústria e nos serviços e manter a inflação sob controle”.

Ademais, no período recente não pode ser imputado ao comportamento dos salários uma possível perda de competitividade da

indústria nacional. Conforme analisa Antônio Carlos Diegues (2015): “[...] os indicadores refutam a tese de que o aumento do

salário real acima da produtividade tenha se configurado como um dos principais elementos para a erosão da competitividade da

indústria brasileira”. Entre 2000 e 2010, aponta este autor, houve aumento da massa de lucro, ao passo que indicadores que

consideram o percentual do lucro com relação ao valor da transformação industrial (VTI), à receita e ao ativo não se deterioraram. 204 As reflexões de Celso Furtado a esse respeito são bastante elucidativas. Para ele, “na medida em que avança a divisão social do

trabalho, que o sistema econômico ganha em complexidade e cresce o papel da criatividade no aumento do produto, o conceito

corrente de produtividade do trabalho (que é microeconômico) perde nitidez: a natureza social do fenômeno da produtividade

manifesta-se em sua plenitude”. Adiante, ele prossegue: “A manipulação dos valores finais pelos grupos que mantêm o monopólio

de certas formas de criatividade, ou simplesmente a propaganda comercial e/ou o controle patrimonial, pesa de forma crescente no

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mínimo e a plena liberdade de organização sindical para ampliar o poder de barganha dos

trabalhadores.

Dois outros elementos merecem destaque no que toca à reflexão acerca da sustentabilidade

do aumento real dos salários no longo prazo. Um ponto diz respeito à necessidade de aumentar a

produtividade nos setores que produzem bens salários, como o de gás, energia elétrica, alimentos,

transporte público e habitação popular. Outro ponto relaciona-se com a oferta e gratuidade de

serviços públicos, como saúde e educação, com o que diminuiria o peso desses serviços sobre o

orçamento das famílias, que, assim, poderiam destinar os recursos liberados para a aquisição de

bens de consumo duráveis.

Parece que a questão central do debate sobre mercado de trabalho e padrão de

desenvolvimento, conforme chamou a atenção Guy Standing (1997), reside no dilema de como

sustentar formas de regulação que promovam níveis adequados de segurança no trabalho em um

contexto de divisão internacional do trabalho fundamentalmente diferente da que vigorou no pós-

guerra, sublevada pela entrada dos países asiáticos na produção global de manufaturas, e de

emergência e de consolidação de novos paradigmas tecnológico e econômico. Suas observações,

embora voltadas para os países desenvolvidos, são apropriadas para o caso brasileiro:

In the industrialized countries at least, a key aspect of the era was the presumption of

something close to production stability, in which the industrial structure was expected to

change slowly and predictably, and in which the ‘advanced’ capitalist economies were

essentially trading with countries with similar levels of labour rights, or were exporting

manufacturing and service to countries that were exchanging primary products, often in

‘unequal exchange’. This was a crucial feature of the system, for it meant that labour

rights in any one country were not perceived as onerous costs or ‘burdens on bussiness’

(STANDING, 1997, p. 9-10).

Ademais, é desejável que uma melhor distribuição da renda, incluindo a do trabalho,

assuma uma maior centralidade no padrão de desenvolvimento atual. Há razões econômicas, e

não somente de justiça social, para tanto. Evidências estatísticas apresentadas por Andrew Berg e

Jonathan Ostry (2011), pesquisadores do Fundo Monetário Internacional, apontam que países que

ostentam padrões distributivos mais igualitários tendem a apresentar, no longo prazo, uma maior

estabilidade do crescimento econômico. Ao contrário, quanto maiores os níveis de desigualdade,

menor a durabilidade dos períodos de crescimento da economia. Segundo eles, tal constatação

permanece válida mesmo quando são considerados outros determinantes da duração do

processo de apropriação do excedente. Desta forma modifica-se a arena na qual operam as forças tradicionalmente responsáveis

pela distribuição da renda” (FURTADO, 1978, pp. 97-98).

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crescimento econômico, como choques externos, renda inicial, qualidade institucional, abertura

comercial e estabilidade macroeconômica, são considerados.

Em estudo posterior, as novas evidências apresentadas avalizaram a conclusão acima

mencionada. De acordo com Berg, Ostry e Tsangarides (2014, p. 26):

[…] there is surprisingly little evidence for the growth-destroying effects of fiscal

redistribution at a macroeconomic level. We do find some mixed evidence that very

large redistributions may have direct negative effects on growth duration, such that the

overall effect—including the positive effect on growth through lower inequality—may

be roughly growth-neutral. But for non-extreme redistributions, there is no evidence of

any adverse direct effect. The average redistribution, and the associated reduction in

inequality, is thus associated with higher and more durable growth.

Dessa forma, existem evidências estatísticas que autorizam a afirmação de que reduções

dos níveis de desigualdade não provocam necessariamente uma desaceleração do crescimento

econômico, como crê a ortodoxia econômica; e que podem assumir um efeito geral contrário, ou

seja, pró-crescimento, possivelmente com a exceção dos casos mais extremos de redistribuição da

renda. Nesse sentido, parece clara a necessidade de se avançar nessa agenda: a distribuição de

renda via programas de transferência de renda e de elevação do salário mínimo apresenta sinais

de esgotamento. Portanto, é preciso uma atuação governamental mais direta no processo de

distribuição da renda, aumentando a importância relativa e a progressividade dos impostos sobre

a renda e a propriedade, em detrimento daqueles incidentes sobre o consumo205.

Diante dessas reflexões, parece incontestável que uma estratégia de crescimento neoliberal

é incapaz de dar respostas convincentes aos principais problemas e desafios que hoje se colocam

para o mercado de trabalho brasileiro, sobre os alicerces de um capitalismo periférico. Para os

seus adeptos, a manutenção de sólidos fundamentos macroeconômicos e instituições trabalhistas

que produzam incentivos adequados ao comportamento dos agentes econômicos são os elementos

necessários para o bom funcionamento do mercado de trabalho. Se a validade de tal proposição é

questionável no caso dos EUA, soa totalmente inadequada para o Brasil.

A eliminação do subemprego estrutural exige que a produtividade média do trabalho cresça

de forma sustentada, a partir da incorporação em camadas de produtividade intermediária das

pessoas alocadas no subemprego, o que não pode ocorrer sem um crescimento econômico

elevado e sustentado ao longo do tempo. Estas camadas, por seu turno, também devem aumentar

os seus níveis de produtividade, o que pode exigir algum grau de proteção, seja via subsídios,

205 Uma discussão mais aprofundada a esse respeito foi realizada em DIEESE (2014c).

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tarifas ou vantagens creditícias. As atividades de produtividade elevada, por seu turno, devem ser

também objeto de políticas (temporárias) de promoção e de proteção, visto que o ritmo de

crescimento de produtividade tende a se dar de modo mais acelerado nos países centrais, podendo

gerar a qualquer momento defasagens tecnológicas. Impõe-se como fundamental, nesse sentido, o

desenho e a implementação de políticas tecnológicas e produtivas, concatenadas sob a

organização de um Sistema Nacional de Inovação (RODRÍGUEZ, 2009; 2010).

As políticas de mercado de trabalho, em especial o tradicional tripé de proteção ao emprego

– a intermediação de mão de obra, a qualificação profissional e o seguro desemprego – devem

estar articuladas entre si, como componentes de um Sistema Público de Emprego, e sustentadas

por fontes de financiamento adequadas, de modo que possam efetivamente diminuir o

desemprego friccional e combater o desemprego estrutural, passível de manifestação em

diferentes regiões do país.

* * *

No momento em que esta tese foi concluída, no início de 2015, o projeto político do social-

desenvolvimentismo encontrava-se numa encruzilhada. Muitas das medidas de política

econômica adotadas desde o final de 2014 apontavam para um rompimento com o padrão de

desenvolvimento que vigorou nos últimos dez anos. As sinalizações do Governo Federal

indicavam que um enorme esforço fiscal seria perseguido e que reduzir a inflação (convergindo

para o centro da meta definida pelo regime monetário) seria a prioridade do Ministério da

Fazenda, o que levava o Banco Central a manter as taxas de juros em níveis elevados. A adoção

de medidas recessivas, que desaquecem o mercado interno de consumo, projetava um horizonte

desfavorável para a retomada dos investimentos nos próximos anos. Por sua vez, o cenário

internacional marcado pela incerteza quanto aos desdobramentos da crise econômica na Europa e

pelo pessimismo em relação à evolução dos preços das commodities tornava improvável que

houvesse, no médio prazo, uma recuperação econômica puxada pelas exportações. Dessa forma,

o padrão de desenvolvimento que Dilma Rousseff defendeu durante a campanha da sua reeleição

podia se tornar inviável. Embora o ajuste macroeconômico fosse considerado aos olhos do grupo

político hegemônico como essencial para garantir as conquistas recentes e para recompor a

confiança dos agentes econômicos, havia um risco evidente de que representasse a reconversão

para uma estratégia de crescimento de perfil mais liberal, similar àquela adotada no final da

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década de 1990, cujas consequências nefastas para o mercado de trabalho brasileiro já foram

discutidas.

Portanto, estava em jogo a possibilidade de manter a tendência de reconfiguração do

mercado de trabalho no sentido de, efetivamente, completar a superação dos traços associados ao

subdesenvolvimento e de proporcionar oportunidades de emprego digno para todos os

trabalhadores brasileiros. E estava em jogo a possibilidade de manter o trabalho como um vetor

estratégico no desenvolvimento econômico e social.

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