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Thiago Carvalho Silva TEORIA DO ESTATUTO JURÍDICO DO PATRIMÔNIO MÍNIMO E A ATUAÇÃO DO ESTADO Centro Universitário Toledo Araçatuba 2010

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Thiago Carvalho Silva

TEORIA DO ESTATUTO JURÍDICO DO PATRIMÔNIO

MÍNIMO E A ATUAÇÃO DO ESTADO

Centro Universitário Toledo

Araçatuba

2010

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Thiago Carvalho Silva

TEORIA DO ESTATUTO JURÍDICO DO PATRIMÔNIO

MÍNIMO E A ATUAÇÃO DO ESTADO

Centro Universitário Toledo

Araçatuba

2010

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

como requisito parcial para obtenção do grau de

bacharel em Direito à Banca Examinadora do

Centro Universitário Toledo sob a oritentação do

Prof. Ms. Doutorando Daniel Barile da Silveira.

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BANCA EXAMINADORA

___________________________________ Prof. Ms. Doutorando Daniel Barile da Silveira

___________________________________ Dr. Fabrício Keidy Arakaki

___________________________________ Dr. Jorge Kuranaka

Araçatuba, _____ de ______________ de ________.

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Dedico ao meu pai Wagner, que dentre inúmeras qualidades destaco sua amizade, bondade e imensa humildade.

Dedico à minha mãe Maria Luci, por tamanha força e sabedoria que guia, protege e ilumina todos que estão à sua volta.

Dedico, por fim, ao meu irmão Wagner Filho, ser de transparência e inteligência ímpar, capaz de realizar todos os seus sonhos.

A todos vocês, meu eterno amor.

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Agradeço imensamente à Fabiana Fernandes Palermo, quem me levantou e me apoiou por tempos ásperos. Sem teu braço forte e sorriso doce, estaria estendido no caminho de espinhos pelo qual conseguiu me acompanhar com passos firmes. Não só por isso, mas já o suficiente, expresso meu amor por ti.

Meus agradecimentos a todos os meus amigos, em especial àqueles que sempre se fizeram presentes: Igor Cardozo (KeKo), Leonardo M. Batista, Ricardo Costa (Bolinha) e Vilter Miura de Moraes. Obrigado pelas risadas e tempo dedicados à minha pessoa.

Aos meus amigos de trabalho, que me suportaram e auxiliaram no aperto dos compromissos. Muito obrigado.

Agradeço à pessoa que tornou este trabalho viável, Professor Ms. Doutorando Daniel Barile da Silveira, que sua paciência e cooperação um dia sejam retribuídas.

Meus melhores votos a todos!

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“Quem luta com monstros deve velar, por que ao fazê-lo, não se transforme também em monstro. E se tu olhares durante muito tempo para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti.”

“Torna-te aquilo que és.”

Friedrich Nietzsche

“When you try your best but you don't succeed.

When you get what you want but not what you need.

When you feel so tired but you can't sleep.”

Chris Martin

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RESUMO

Trata-se de uma exposição de princípios e conceitos formuladores de uma

teoria que preza pela preservação de um patrimônio mínimo existencial, intangível aos

credores, capaz de satisfazer as necessidades básicas do ser humano, respeitando a dignidade

da pessoa humana, as normas programáticas constitucionais e o ordenamento

infraconstitucional.

Palavras chave: pessoa, patrimônio, princípio da dignidade da pessoa humana, preservação do

patrimônio mínimo.

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ABSTRACT

It is an exposition of principles and concepts formulated a theory that values

the preservation of a heritage minimum existential intangible assets to creditors, able to meet

the basic needs of human beings, respecting human dignity, the program standards and

constitutional planning infra.

Key words: person, property, principle of human dignity, preservation of heritage minimum.

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SUMÁRIO

Introdução ............................................................................................................................... 10

I. Da Despatrimonialização ou Repersonalização do Direito Civil .................................... 12

II. Da Pessoa, do Patrimônio e da Diginidade da Pessoa Humana .................................... 24

2.1. Da Pessoa ................................................................................................................... 24

2.2. Do Patrimônio ............................................................................................................ 27

2.3. Da Dignidade da Pessoa Humana .............................................................................. 31

III. A Teoria do Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo Observado o Acesso ao

Direito Civil ............................................................................................................................. 39

IV. Atuação do Estado: Aspectos Gerais da Aplicabilidade da Teoria de Fachin ........... 61

Conclusão ................................................................................................................................ 65

Referências .............................................................................................................................. 69

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho esboça uma visão integralizada entre a proteção de bens

e a sustentação de uma condição existencial digna. Trata-se de uma simples coerência de se

preservar um patrimônio de expropriação, venda, doação, etc. para que a pessoa e a entidade

familiar se sustentem dando eficácia, portanto, ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Este estudo foi produzido com base na teoria do professor Luiz Edson

Fachin que desenvolveu a teoria do Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo, utilizando como

propulsores, doutrinas clássicas até reconhecidos juristas modernos.

O trabalho desenrolou-se em cinco partes que presta o esclarecer da

evolução que direito civil teve com o fenômeno da constitucionalização, conceitos para

entender e delimitar parâmetros para discorrer sobre o assunto, passando então para tomada

de fato a respeito da teoria concebida pelo Prof. Luiz Edson Fachin. Já se inclinando para o

final do desenvolver do trabalho foi dado à parcela de responsabilidade pelo qual o Estado

assume. Sendo ele o mantenedor da ordem sócio-jurídica recebe forte encargo de condicionar

a sociedade para um futuro prospero e igualitário. Por fim, conclui-se o estudo no caminho de

que mediante ação positiva do governo, postura firme e severa para coibir dilapidação da base

constitucional é possível garantir um mínimo presente a todos.

Cabe o alerta que a preservação de um patrimônio mínimo, é aquele já

existente, e quando não versa sobre as oportunidades que o sujeito junto ao Estado consegue

gerir.

É passado bases constitucionais e infraconstitucionais para que a teoria

possa ser concretizada. Talvez caiba afirmações como sendo esta teoria uma utopia jurídica,

entretanto os nossos ordenamentos normativos são criados sobre a perspectiva de serem

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perfeitos, assim sendo toda teoria tem seu valor real se apresentado dentro das diretrizes

jurídicas vigentes.

Por fim, pode-se dizer que o estudo preza por uma ação efetiva do estado

atuando de maneira sóbria para materializar os direitos do cidadão, e nesse aspecto insere-se a

teoria do patrimônio mínimo quando defendemos a dignidade, a justiça social, a justiça

distributiva, o desenvolvimento econômico voltado também para ações sociais, e, acima de

tudo, impor a norma constitucional e deixar ao alcance de todos a via jurisdicional.

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I. DA DESPATRIMONIALIZAÇÃO OU REPERSONALIZAÇÃO DO

DIREITO CIVIL

Ao primeiro passo, desse longo caminhar acerca da explicação do

desenvolvimento do Código Civil, desde o seu atraso na construção de um primeiro código no

século XIX até sua evolução para qual conhecemos hoje, será crucial indicar como passamos

de um código protecionista materialmente falando até a efetiva proteção da figura central para

o qual as leis foram criadas: a relação pessoa humana-mundo.

É precioso saber que o código que regrava as situações civis, anteriores ao

ano de 2002, foi tardiamente posto em prática pelos legisladores, o que explica,

consideravelmente, a dissintonia que se deu com a sociedade normatizada por ele.

O movimento de codificação das leis pelo mundo no século XIX veio

através do famigerado Código Napoleônico1 no ano de 1804, de preciosismo fenomenal que

foi chamado por epítetos tão grandes quanto o seu próprio criador: “Código Imortal”, “resumo

da moral universal”, “arca santa digna de um respeito religioso e destinada a guardar o direito

para o futuro”. Para Washington de Barros Monteiro (2003, p. 48), era uma “carta

imprescritível dos direitos civis, servindo de regra à França e de modelo ao mundo”, e cujos

reflexos atingiram o Brasil, que na época pecava por falta de normas que regulassem as

relações jurídicas civis e de todo direito privado.

Nessa turbulenta viagem inicia-se um forte sentimento nacionalista que

culmina com a Independência do Brasil em setembro de 1822. Nasce nossa primeira

1 O Código Napoleônico, originalmente chamado de Code Civil des Français (Código Civil dos Franceses), foi

outorgado por Napoleão I e entrou em vigor em 21 de março de 1804. Porém, não foi o primeiro de sua espécie.

Antecederam-no o Código da Baviera, Prússia, entre outros. Contudo, foi o que teve maior efetividade na época.

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Constituição, criada no Brasil Imperial, promulgada em 24 de março de 1824, trazendo em

seu artigo 174, inciso XVIII, um código regulador do direito civil e criminal. Eis o artigo:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros,

que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida

pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.

XVIII. Organizar–se-ha quanto antes um Codigo Civil, e Criminal, fundado nas

solidas bases da Justiça, e Equidade.

Desde essa marca constitucional, inúmeros foram os projetos elaborados

para disciplinar as relações jurídicas. Para melhor ilustrar o alegado certifica-se num esboço

cronológico das tentativas: em um primeiro momento houve o estudo sobre a Codificação das

Leis Civis (Carvalho Moreira, 1845), que tratava-se de um estudo sobre a revisão geral e

codificação das leis civis e de processo. Após, vieram as obras de Augusto Teixeira de

Freitas, denominadas Consolidação das Leis Civis (1855) e Esboço das Leis Civis (1865).

Posteriormente, Apontamentos para o Projeto do Código Civil Brasileiro (Joaquim Felício

dos Santos, 1881), Projeto de Código Civil (Coelho Rodrigues, 1890), e O Projeto de Clóvis

Beviláqua (1899), com consequente embate travado dentro do Congresso Nacional entre

Ernesto Carneiro Ribeiro e o então Senador Ruy Barbosa que só fez acentuar ainda mais a

demora na tramitação do projeto final, que seria posto em vigor apenas em 1917, ficando

conhecido como o Código de Beviláqua. Tanto assim, que o Código Civil somente foi

aprovado em 1o de janeiro de 1916 pela Lei nº 3.071/1916, entrando em vigor somente no ano

seguinte, quase um século depois do seu passo inicial. Assim, não surpreende o fato de já ser

um código atrasado, apesar de completo, em razão da demora na sua promulgação.

É mister ressaltar que às margens da proclamação da república houve uma

comissão de renomados juristas para tentar conceber um código, entretanto a chegada da

República atravancou o processo. Nesse novo governo ocorreram trabalhos individuais que

também não vingaram. Um dos principais, se não o principal, foi o projeto de Coelho

Rodrigues, anteriormente citado, que apesar de seu notável saber jurídico e reconhecimento

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de todos foi rejeitado pelos legisladores. Daí se propôs a Clóvis Beviláqua aproveitar o

projeto de seu antecessor e redigir um código apto aos quereres das pessoas da lei. Mesmo

apoiado pelo Presidente e Ministro da Justiça, o projeto Clóvis foi recebido por duros

inimigos que conseguiram segurar a proposta por anos até ser finalmente transformado em Lei

em 1916. Essa demora, desde o depósito do projeto até sua conversão em Lei, resultou ainda

em 1.736 emendas, em sua maioria na própria redação. Veja portanto, que desde a proposta de

Carvalho Moreira em 1845 até terminar a “batalha” em 1916 houve uma trajetória de desgaste

e disputa por um código que satisfizesse a vontade dos comandantes do país, e mesmo com

um projeto pronto em mãos, realizaram-se diversas alterações.

Com tantas experimentações infrutíferas para o código então pronto de

1916, houve uma falsa sensação de satisfação, haja vista que, em primeiro lugar, saciado

estava em parte o inciso XVIII do artigo 179 da Constituição Imperial de 1824 (já substituída

pela república): enfim havia uma norma reguladora para os atos civis. Isto é fato! Porém, em

um segundo instante, deparava-se com a falta de correspondência entre a lei e a ordem social

vigorante em consequência da própria evolução da sociedade dentro de um lapso temporal de

quase cem anos de projetos negados.

Mesmo com tamanho atraso, o Código de 1916, para sua época, foi tido

como excelência por consagrados juristas. Washington de Barros Monteiro cita Vittorio

Scialoja, Pierre Arminjon, Boris Baron Nolde, Martin Wolff e Aníbal Delmas (este último

Ministro da Justiça do Paraguai), como alguns que celebraram a obra prima que foi o Código

de 16, tendo a clareza, a precisão e a técnica jurídica como pontos ressaltados por aqueles

nomes. Claro que havia falhas, pois em meio a tantas turbulências, intervenções, e protestos

certos pontos do direito civil deixa a desejar. Valendo ainda da opinião de Monteiro, como a

hipoteca judicial.

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Tanto é assim que já havia uma nova Constituição Republicana, de 1891, o

qual era um conjunto de normas que favoreciam os interesses dos poderosos da oligarquia

latifundiária, principalmente ligada ao café, desenvolvendo-se então a política do café com

leite com a influência dos currais eleitorais onde se criou uma manipulação para se chegar ao

poder, falava-se da época do “voto de cabresto”.

Comentando o fator temporal da promulgação do código civil de 1916,

Silvio Rodrigues (2000, p. 12) diz que o Código anterior peca em “representar a

cristalização da cultura de uma época, porventura desadaptada à evolução que se seguiu

(...)”, complementando de forma conclusiva ao afirmar que o atraso em efetivar um

regulamento normativo, quando pronto, já estava ultrapassado em razão da evolução da sócio-

economia da sociedade.

Como compartilhávamos uma filosofia material de exacerbado capitalismo,

super valorizando a essência do ter ao invés do ser, o Código anterior mantinha uma postura

patrimonialista, desprezando o ser humano na sua condição in natura e valorizando-o como

arrecadador e usuário de todo o patrimônio protegido pelas normas que ele mesmo criara. De

cunho patrimonializante, fica perceptível a predominância da legislação anterior a qual se

tinha como principais institutos a propriedade e os contratos. Menosprezava os princípios

básicos como dignidade humana, justiça distributiva e acesso aos meios para que o indivíduo

pudesse ter uma vida honrada e manter sua prole com um mínimo de condições de

subsistência. Tinha-se a noção do ter como integrante da personalidade humana.

E tanto se pode afirmar na valorização do ter, que de forma interessante

Leonardo Barreto Moreira Alves (Revista Brasileira de direito de família, ano 8, número 46)

Promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais, em estudo a respeito da matéria, cita e

explica a idéia posta por Gustavo Tepedino, um dos mais respeitados estudiosos da área civil

na atualidade, em seu livro Temas do Direito Civil, onde sustenta que quatro eram os

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persongens tutelados pelo Código Beviláqua: o marido que detinha todo o poder familiar,

tanto dos bens quanto da ordem dos entes familiares (pátrio poder); o proprietário que tinha

absoluto direito e de forma ilimitada sobre seus bens e da família, ao passo de ser considerado

pelo que possuía sobrepondo portanto os bens às pessoas; o contratante, vigorando o princípio

do pacta sunt servanda, a rigor de forma absoluta; e o testador2. Atente para que os quatro

personas que o o Código Civil de 1916 protegia tinham ligação direta com o patrimônio, ou

com a forma de arrecadá-lo (casamento). A proteção dada pelo código anterior nada

resguardava a condição da pessoa simples, aquele que não era possuidor de bens ou nome,

desprovido de propriedade e patrimônio não era atingido pela tutela legal, se materializava no

cidadão que apenas tinham em si o termo ser faltando-lhes o que a lei tutelava, o ter. A lei

estava lá para “todos” desde que “todos” tivessem algum patrimônio, o que gerava uma certa

insegurança jurídica.

É portanto, de claro entendimento que o interesse do Codex Civile de

Beviláqua era normatizar aquelas relações jurídicas que mais se sobressaía no século passado:

as relações diretamente ligadas aos bens. E de forma magistral o Professor Gustavo Tepedino

(2001, p. 2) expõe de forma clara e contextualizada a situação do Código de 1916:

O Código Civil, bem se sabe, é fruto das doutrinas individualista e voluntarista que,

consagradas pelo Código de Napoleão e incorporadas pelas codificações do século

XIX, inspiraram o legislador brasileiro quando, na virada do século, redigiu o nosso

Código Civil de 1916. Àquela altura, o valor fundamental era o indivíduo. O direito

privado tratava de regular, do ponto de vista formal, a atuação dos sujeitos de

direito, notadamente o contratante e o proprietário, os quais, por sua vez, a nada

aspiravam senão ao aniquilamento de todos os privilégios feudais: poder contratar,

fazer circular as riquezas, adquirir bens como expansão da própria inteligência e

personalidade, sem restrições ou entraves legais. Eis aí a filosofia do século XIX,

que marcou a elaboração do tecido normativo consubstanciado no Código Civil.

Conclui a idéia, Leonardo Barreto Moreira Alves (2008, p. 40):

Sem a referida intervenção estatal em assuntos sociais e particulares, não havia

qualquer liame entre o direito privado e o direito público. Daí porque Tepedino

leciona que o Código Civil possuía como característica marcante o “caráter

2 Para Miguel Reale (1999, p. 7), são cinco os principais personagens do direito privado tradicional: o

proprietário, o contratante, o marido (pai de família), o testador e o empresário.

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monopolizador das relações privadas”, sendo conhecido, por isso mesmo, como a

Constituição do Direito Privado.

Adentrando o ramo de direito de família a segurança ao materialismo do

Codex permanecia o mesmo. Um simples exemplo eram os artigos 230 e 232, que dispunham

sobre os bens após o casamento. Segue abaixo:

Art. 230 - O regime dos bens entre cônjuges começa a vigorar desde a data do

casamento, e é irrevogável.

Art. 232 - Quando o casamento for anulado por culpa de um dos cônjuges, este

incorrerá:

I - na perda de todas as vantagens havidas do cônjuge inocente;

II - na obrigação de cumprir as promessas, que lhe fez, no contrato antenupcial (arts.

256 e 312);

Só por estes dois artigos vislumbramos uma clara satisfação do ter em face

ao ser. Ao invés das leis protegerem o homem, houve uma inversão de valores que integrou o

dono ao objeto e não ao contrário.

Reconhecemos no Livro de Família do Código passado a nítida preocupação

que o legislador tinha em preservar o patrimônio, isso porque, dos 290 artigos que regulavam

os direitos de família 151 eram destinados ao direito patrimonial. Podemos citar por exemplo

os artigos referentes ao direito assistencial da tutela, curatela e da ausência onde que instituía-

se um ser legal destinado exclusivamente a administrar os bens. Veja que até os filhos se

bastardos fossem não obteriam nenhum respaldo legal, pois na visão do legislador a família

era uma forma de montar a sociedade apenas, outrossim era o interesse , nada mais do que

preservar os bens da família.

Tínhamos na constituição da família uma obrigação matrimonial pré-

contratual, que visava guardar os direitos dos bens em eventual situação de desconforto.

Antes dos cônjuges se conhecerem, havia contato entre as famílias que mantinham relações de

interesse (praticamente negocial) para que pudessem continuar com a classe social ou voltar a

ela (casamento como ascensão social). É um simples fato corriqueiro para época. Atente para

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o fato de que em nenhum momento foi falado do interesse das partes em contrair matrimônio,

diferente dos dias atuais. É de extrema e indispensável importância a vontade dos nubentes

em contrair laços permanentes, entretanto a sociedade e os interesses giravam em torno da

propriedade, negócios, dotes, sobrenome, herança e etc, pois o “bom partido” era escolhido

por vontade dos pais visando assegurar o modo de vida que levavam.

Para a constituição de uma entidade famíliar no Código de 1916 era

imprescindível contrair matrimônio, tornando-se esta a única forma de gerar família, na

mesma esteira vinha a responsabilidade de prover os meios de subsistência para ela, no qual

se responsabilizava o chefe familiar. O Código trazia como chefe do lar a figura do pai.

Então temos uma jurídica arcaica, veja: meio de constituir família era pelo

casamento, ora também indissolúvel, marginalizando famílias monoparentais, parentes

consanguíneos, ou ser único, pois havia um chefe familiar representado sempre pelo homem,

havia distinção legal entre filhos legítimos, ilegítimos, relações pactuadas por contratos de

dote à formação da família, distinguia-se direitos entre homem e mulher, e tudo isso engloba o

direito patrimonial, pois a distinção dada aos seres se valia para os bens da entidade. Ou seja,

dado o exposto, a construção do Código Civil passado, além de paternalista, fazia direitos ao

homem e não à figura femina, distinguia heranças entre filhos, mantinha relações familiares

falidas e até adulterinas, a fim de proteger as posses existentes.

A dignidade dos entes familiares pouco importava, vez que o pai estava em

pleno cumprimento do seu dever de manter a prole, e de se sair bem sucedido em relação da

especulação do patrimônio familiar melhorar, se manter ou aumentar. Esqueçamos do

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e lembremos de que no início até um pouco mais

da metade do século passado vivíamos de interesse capitalista soberanamente.

E ainda temos que ressaltar o papel assumido pela mulher dentro daquele

direito, mais especificamente o papel que o direito de família reservou a ela. Protesta-se pela

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falta de proteção de um Código ultrapassado, se tornando quase que ausente. Paulo Luiz Netto

Lôbo (2003, p. 204) coloca com perfeição que “as liberdades e igualdades formais a ela não

chegaram, permanecendo a codificação, no direito de família, em fase pré-iluminista”.

Com o passar dos anos e a evolução da sociedade, as normas descritas pelo

Código anterior passaram a não mais favorecerem os direitos alcaçados pelas relações

jurídicas desenvolvidas pela sociedade.

Sintetiza o grande doutrinador Venosa (2007, p. 62-63) a evolução do

Código Civil ao descrever “a exacerbação do individualismo do século passado que

impregna nosso atual Código Civil já não poder ser aceita em uma época de importantes

mudanças sociais”. Vemos assim, uma mudança do Código atual para se adaptar a sociedade

que gritava por uma legislação mais próspera, própria e adaptável ao momento vivido.

A mudança no campo da tutela do Codex Civile passou a visar a pessoa

humana, a personalidade e seus direitos perante os demais indivíduos, a família, ficou em

segundo plano e concedeu ao bem seu verdadeiro porquê de existir, a sua aquisição, a

propriedade, as normas concernentes ao regime de bens, a lei do divócio e assim por diante.

Tudo agora, passando a girar em torno do ser a se utilizar do ter, distanciando daquela visão

materialista construída e protegida anteriormente.

Com essa visão contemporânea e com as mudanças sócio-econômicas, o

Estado brasileiro, percebendo o déficit da Legislação Civil (vale a pena abrir este espaço para

frizar que o Código Civil de 1916 era de uma abrangência total e completo para sua época, e

realizada sua finalização pelo imenso Clóvis Beviláqua fez daquele Código uma obra prima,

como anuncia M. H. Diniz (2007, p. 49): “o Código Civil de 1916 era obra monumental”

porém já ultrapassado pelas revoluções do século que se apresentava em saltos enormes)

estabeleceu como responsáveis para dar os moldes finais à reforma do Código Civil alguns

reconhecidos mestres do direito brasileiro: Miguel Reale, José Carlos Moreira Alves,

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Agostinho Alvim, Sílvio Marcondes, Ebert V. Chamoun, Clóvis Couto e Silva e Torquato

Castro, onde foi apresentado o anteprojeto ao Diário do Congresso em 1984. Aprovado pelo

Senado em 2001 e publicado em 2002, no qual revogou o Código Civil de 1916 e a primeira

parte do Código Comercial de 1850, tornando-se no que temos hoje.

Este por sua vez, passa a ter um aspecto mais paritário e um sentido social

mais aguçado, e ainda, como ensina Maria Helena Diniz (2007, p. 38) em sua obra Teoria

Geral do Direito Civil, procura exprimir as necessidades vitais vivenciadas nessa era

contemporânea, tendo como base a justiça social, o respeito à dignidade da pessoa humana e o

princípio da socialidade “refletindo a prevalência do interesse coletivo sobre o individual,

dando ênfase à função social da propriedade e do contrato (...) e ao mesmo tempo contém o

princípio da eticidade”, que prioriza a boa-fé, a probidade e a equidade. Carlos Roberto

Gonçalves (2009, p. 24-25) ensina que o Código vigente opera sob três princípios básicos

como enfatizado logo abaixo.

O primeiro seria o princípio da socialidade, que nada mais é que

sobrevalência de valores coletivos sobre os individuais. Nada mais justo quando se vive em

uma sociedade democrática de direito, fazendo a ressalva para que não haja prejuízo do valor

fundamental que cada pessoa humana insere dentro dessa sociedade.

Nesta visão, passou o Estado, com sua nova normatização recém

inaugurada, a privilegiar áreas que beneficiam toda a coletividade, como: saúde, educação,

moradia, assistência social, emprego. Ações de cunho social a promover o bem-estar da

pessoa humana e a concretizar os novos princípios que orientam o Direito Civil, além de um

dos máximos princípios constitucional: a dignidade da pessoa humana. O novo diploma entra

em choque ao tratar do bem coletivo frente ao sentido individualista do antigo Código.

Temos no segundo princípio o da eticidade, que se fundamenta no valor

que a pessoa humana tem como fonte para os demais valores experimentados por um sistema

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de direito. Visa a satisfação das causas éticas como a equidade entre as relações, a boa-fé, a

justa causa, entre outros. Por este princípio o juiz condiciona seu julgamento de forma mais

clara e justa.

Por fim, se tem o princípio da operabilidade, que na visão de Carlos R.

Gonçalves (2009, p. 25) “leva em consideração que o direito é feito para ser efetivado, para

ser executado”. Ele carrega em si o princípio da concretitude, que é a obrigação do legislador

de não legislar em abastrato e sim para o indivíduo que se submeterá à norma, por exemplo:

para os cônjuges nas obrigações de marido e mulher.

Compreendendo então que o Direito Civil veio para regular a vida do

homem dotado de um patrimônio, e isso se deve ao fato do ciclo histórico sempre

prevalecedor dos nobres, posteriormente burgueses detentores de posses, fica claro que o ser

comum, um indivíduo da massa ficaria marginalizado pela Legislação Civilista, que a rigor é

a grande maioria. Maioria esta explorada pelas relações jurídicas dos ditadores e formadores

das leis.

Conforme se deu a evolução de uma sociedade patrimonial para outra mais

socializada, até por força de institutos tutelados, agora, de forma positiva nos campos do

trabalho, da educação, da cultura, da saúde, da seguridade social, até a recente legislação

ambiental, demonstra a evolução nas dimensões materiais do direito civil. Paulo Luiz Netto

Lôbo ensina que essas valorizações passaram a dominar o cenário constitucional do século

XX, pressionando a sociedade por formas de acessar os bens e serviços produzidos pela

economia, obrigando o Estado a atuar de forma social, integrando a economia às necessidades

básicas que exige um vida com dignidade, com proteção a valores que beneficiam a toda

coletividade. A título exemplicativo temos a criação do Código de Defesa do Consumidor.

Como é percebido, ao longo da história, a evolução tonificou os moldes do

Estado social, já que tem na sua base seu principal alicerce: o povo.

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Enquanto o Estado e a sociedade mudaram, alterando substancialmente a

Constituição, os códigos civis continuaram ideologicamente ancorados no Estado

liberal, persistindo na hegemonia ultrapassada dos valores patrimoniais e do

individualismo jurídico (LÔBO, 2003, p. 202-203).

Vemos assim como as adaptações sofridas ao longo de quase um século do

Código de Beviláqua não mais sustentavam as necessidades de uma sociedade mais igualitária

e justa, iniciando-se uma mudança em todo ordenamento civil brasileiro com o código reale.

Apoiado ainda pelas palavras de Lôbo (2003, p. 204) ao relatar “a incompatibilidade do

Código Civil com a ideologia constitucionalmente estabelecida não recomenda sua

continuidade”, aqui o autor faz referência, além do atraso das norma infraconstitucional, a

unificação do direito, baseando-se na descodificação do direito civil, trouxe outros

microordenamentos separando por interesses e privilegiando temas do mesmo canal (direito

do consumidor, direito ambiental, direito da criança e do adolescente e o próprio direito civil).

A repersonalização do direito civil veio por meio de uma ótica atual de não

integrar o patrimônio com a mesma personalidade que se dá ao ser humano. Deve-se sim, e

por tanto é essa a função da propriedade, considerá-la como coisa integrante, formadora,

complementadora do indivíduo, este por sua vez digno de ser dotado de personalidade. Atente

que antes se tinha personalidade para o ser e para o ter, mas numa inspiração racionalista

como se pode atribuir personalidade a um ente que por si só não a possui? Uma das

características do direito de personalidade é a extrapatrimonialidade, que é não ter razão

econômico-patrimonial. Com a exaustão foi tentado passar, que a contribuição do Código de

1916 é uma visão burguesa valorando os seres humanos de acordo com sua condição social,

voltado a preservação dos bens ao invés de tê-los numa tendência humanistíca, colocando as

coisas no seu lugar e protegendo as pessoas para que essas sim usufruam das coisas. No

decorrer do século as mudanças sociais e até a evolução das Constituições brasileiras trouxe a

para o código civil de 2002 a elevação do ser e a retirada da personalidade do ter. Os objetos

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tutelados pelo Código constituem, entre outros fatores, a formação da dignidade da pessoa

humana (o princípio fundamentante da contituição brasileira), e não um interesse

primordialmente material acima das necessidades do cidadão, como alegava o jusnaturalismo

equiparando, talvez, com certa soberba, a propriedade aos direitos fundamentais como vida e

liberdade.

Com alguma segurança pode-se alegar que nos tempos onde a humanização

do direito é mundial, a patrimonialização das relações civis se faz incompatível com o artigo

1º, inciso III da Constituição; nele temos a dignidade da pessoa humana sempre no cerce do

direito, e colocando seu acessório (o bem) com papel secundário, servindo seu propósito de

auxiliar a vida humana e não com meta ou guia para uma vida reconhecida nas relações de

direito.

Expressado todo o contexto transacional do Código de 1916 até o atual,

demonstrando sua priorização do mundo material até transcender ao patamar de Código Civil

social (entendendo a palavra social como a mudança da visão egoística que possuía para uma

maior acessibilidade à todos, com a tutela direcionada mais às pessoas e ao dever igualitário),

atentaremos agora para o tão repetido termo pessoa humana e patrimônio, o que são e o

porque de tamanha importância para a teoria do estatuto jurídico do patrimônio mínimo.

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II. DA PESSOA, DO PATRIMÔNIO E DA DIGINIDADE DA PESSOA

HUMANA

Trataremos agora o significado de pessoa, sua origem, sua relação de

capacidade e personalidade. Qual a definição pertinente ao estudo, que referência faz a teoria

do patrimônio mínimo sobre este tema, qual pessoa que se insere nessa teoria. E ainda

também, se valendo do mesmo esforço para explicar o significado de patrimônio e todas as

suas agregações, o que é considerado, por esse estudo, como tal. Qual é a proporção do

patrimônio mínimo e suas consequências jurídicas, sua comparatividade com propriedade e

bens. E, por fim, será exposto a idéia do princípio estruturante da dignidade da pessoa

humana, sua importância e interferência neste script.

Para tanto, dipor-se-á cada qual separadamente, e ao final da explicação,

num compêndio do capítulo, a integração em uma única dinâmica de todos os tópicos sob a

visão passada pela obra do professor Luiz Édson Fachin.

Posto este breve esclarecimento direcional, passemos de fato à exposição.

2.1. Da Pessoa

Ao definirmos pessoa devemos nos ater na proteção dada pela legislação.

Seria plausível a explicação do termo pessoa empregado desde sua origem, atravessando o

sentido amplo até o desejado especificamente. Pois veja que da sua concepção até o sentido

empregado hoje em dia, seja ele genérico ou específico, há uma grande mutação,

principalmente se empregado no mundo jurídico. E ainda mais, a que tipo de pessoa se aplica

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a Teoria do Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo? Abrange a todos, ou seja, pessoas

capazes, incapazes, maiores e menores de idade? Esta teoria vale tanto para pessoas físicas

quanto jurídicas?

Explica Washington de Barros Monteiro (2003, p. 61) que o vocábulo

pessoa vem do latim persona “primitivamente, significava máscara”, o qual os atores

utilizavam de maneira especial para que suas vozes produzissem eco (o doutrinador

complementa a explicação sugerindo o significado de personare, qual seja, ecoar, fazer

ressoar). Ao longo do tempo o indivíduo incorporou essa expressão tornando-se este vocábulo

o próprio ser: indivíduo igual pessoa.

Entendemos pessoa como ser humano, porém não existe somente este meio

de concebermos essa palavra. Se avaliar a condição genérica do termo, encontrar-se-á o

sentido vulgar que foi empregada apenas ao ente humano, tido como tal conhecemos: homem

e mulher, mas como dita a história esse termo não podia ser empregado para escravos e

estrangeiros em auroras passadas, já que escravos eram tidos como bens ou coisas, e

estrageiros não possuiam direitos ou se preferir, personalidade fora de seu país, sendo ele

portanto, apenas um ser existente num território arredio. Num conceito filosófico trazido por

W. de Barros Monteiro (2003, p. 62) “pessoa é o ente que realiza seu fim moral e emprega sua

atividade de modo consciente”.

Só que só isso não basta para o mundo jurídico que aceita pessoa como

sendo também as empresas, associações, entidades por exemplo. No espaço das normas trata-

se o termo pessoa como sendo o titular de direitos, um sujeito de direito, seja ele transpassado

por um ser físico ou jurídico, incorporado de personalidade que detém direitos, obrigações,

deveres e exceções. Pontes de Miranda (1999, p. 209) traz pessoa física ou natural como

simples ser humano e por exclusão define pessoa jurídica, sendo esta aquela “que não

corresponde tão-só ser humano diz-se pessoa jurídica”. Na mesma linha de pensar, pessoa

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jurídica é tida como pessoa pois há nesse sujeito de direito a personalidade; aquele que não é

ser humano é pessoa jurídica, “portanto ser pessoa, ter personalidade” como ensina Pontes de

Miranda (1999, p. 210). Assim, em conclusão, pessoa é um sujeito de direito capaz de atuar,

existir, acessar aquilo que o mundo real lhe oferece e o mundo jurídico lhe permite. Fazendo

um paralelo a etimologia do termo persona, emprega Pontes de Miranda (1999, p. 215) que

pessoa é “quem põe a máscara para entrar no teatro do mundo jurídico está apto a

desempenhar o papel de sujeito de direito”.

O Código elaborado por Reale traz em seus primeiros artigos algumas

considerações sobre pessoa. No artigo 1º já faz uma importante anotação de que toda pessoa

(e aqui se trata de pessoa física) é capaz de diretios e deveres na ordem civil reportando-se ao

direito da personalidade, direitos e garantias fundamentais. Reportando a Pietro Perlingieri

(1999, p. 155-156):

A personalidade é, portanto, não um direito, mas um valor (o valor fundamental do

ordenamento) e está na base de uma série aberta de situações existenciais, nas quais

se traduz a sua incessantemente mutável exigência de tutela. Tais situações

subjetivas não assumem necessariamente a forma do direito subjetivo e não devem

fazer perder de vista a unidade do valor envolvido.

Já em seu artigo 2º, o Código Civil de 2002 determina a condição para a

pessoa adquirir a personalidade:

Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei

põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

Isto posto, ressalta-se que a teoria a ser emergida aceita a possibilidade de

tratar com as duas pessoas que se refere o ordenamento jurídico. É de clara e fácil

compreensão do emprego da pessoa física nesta teoria, afinal, a teoria do patrimônio mínimo

se faz de forma mais reluzente em direito de família, por exemplo, na transmissão da herança

ou na vedação da doação total dos bens sem reserva para subsistência. Porém, nada obstante,

podemos indagar o emprego deste teoria às pessoas jurídicas quando se tratar, a título de

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exemplo, sobre expropriação de bens quando o bem (aqui materializado como empresa

familiar, por exemplo) for o único meio de subsistir. De acordo com César Fiuza (2003, p.

143), são protegidas pelo direito de pesonalidade as pessoas jurídicas que, “na medida que é

meio para atingir fins almejados pelas pessoas naturais. Por detrás delas estarão as pessoas

naturais, estas sim, objeto da clásula geral de tutela da pesonalidade”. Porém alguns autores

defendem a possibilidade de pessoa jurídica titularizar o direito de personalidade, lógico,

naquilo que lhe couber como o nome, símbolos, marca, direito à honra. Um deles é Francisco

Amaral (2000, p. 249-250).

Ambas situações serão inseridas num contexto mais claro num momento

mais adequado. Para o instante, importante se faz a valorização da pessoa jurídica como

sujeito passivo desta teoria e é claro, a própria pessoa física ou natural.

2.2. Do Patrimônio

Ultrapassada a questão da pessoa, o ponto se torna agora o patrimônio. Ora,

afinal a tese defende que devemos ter um patrimônio presente, existencial e que deve ser

protegido para se manter uma condição decente de moralidade, qualidade de vida, projeção de

vida e, acima de tudo, propciar ao ser a tão valorosa e prezada dignidade da pessoa humana.

Quando analisamos a evolução da sociedade ficamos saturados de

patrimônio. Tudo se torna um bem na visão tirânica do capitalismo impiedoso que tantos

gostam e ao mesmo tempo temem.

Explicando melhor, vivemos em uma sociedade que visa a arrecadação da

matéria, aquisição de bens, propriedades, valores, etc., para que possamos desenvolver a vida

planejada e passar aos descendentes as conquistas de nossas vidas, pois é o que idealizamos

para que eles vivam da melhor forma possível. É o ideal. É certo também, que uma

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quantidade satisfatória dele torna a vida mais confortável e tranquila, nos asseguramos

naquilo que temos. Mas afinal, a que tipo de bem jurídico se destina a terminologia

patrimônio tão empregada no estudo em tela? O professor paranaense Luiz Edson Fachin

(2006, p. 31) inicia o tema explicando que “a configuração do patrimônio, por isso mesmo,

não se funda, necessariamente, sobre um bem imóvel. Pode, sem dúvida, abarcar elementos

patrimoniais de diversa natureza”.

O autor ainda completa a explanação:

Em seara de doação, a renda já teve tal consideração: “Os autores visam a nulidade

de uma doação feita aos filhos, ao fundamento de que lhes não restou renda

suficiente para sua subsistência. É o que ensina Carvalho Santos: a totalidade dos

bens do doador quer dizer todos os bens, rendimentos e proventos, o que excluir,

naturalmente a nulidade da doação sempre que o doador tenha recursos para

subsistir, provenientes de emprego vitalício, se com este emprego estiver assugurada

a sua subsistência. (2006, p. 31).

Desta forma já se tem a noção de que bem se torna tudo aquilo que o ser

quer, as vezes não necessariamente precisa, mas que satisfaz os mais fúteis desejos, ou ainda,

complementando num aspecto superficial de carasterística econômica, deve haver um fim

econômico a todos os bens adquiridos.

Patrimônio tem origem latina, patrimonium, encontramos no seu significado

primitivo referência aos bens de família o qual era cercado de cuidado pelo homem, o ser

masculino materializado pela figura do pai a cuidar da sobrevivência de sua prole. No entanto

o termo tinha caráter de res. Hoje em dia englobamos res ao patrimonium sugerindo, como

anteriormente dito, tudo aquilo que satisfaz o homem de valor capaz de ser transformado em

dinheiro.

No mundo jurídico há uma mescla de ambas as formas conceituais de bem.

Pegando emprestado a definição do homérico Beviláqua (1999, p. 214) surge:

Para o direito, o bem é uma utilidade, porém com extensão maior do que a utilidade

econômica, porque a economia gira dentro de um circulo determinado por estes três

pontos: o trabalho, a terra e o valor; ao passo que o direito tem por objecto interesses

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que se realisam dentro desse circulo, e interesses outros, tanto do individuo quanto

da familia e da sociedade.

Silvio Rodrigues (2003, p. 116) inclui ao conceito de bem que além de ser

útil, deve conter a qualidade de rara para oferecer a ameaça de apropriação por parte do

homem, pois assim terá valor econômico.

Ainda seguindo o inspirador sábio Clovis Beviláqua, consegue-se adquirir a

noção de patrimônio através da palavra “bem” como foi passada, sugerindo que patrimônio é

a conjuntura ativa e passiva dos bens do indivíduo, de forma ampla é a universalidade de

direito de um sujeito. Anteriormente tal termo significava bens de família, nada mais sendo do

que senão os objetos jurídicos deixado pelo de cujo na sucessão.

No mesmo sentido vem Rodrigues (2003, p. 117) quando diz que

patrimônio é formado por todos aqueles bens capazes de serem revertidos em dinheiro,

possuidores de valor econômico, citando seu antecessor Beviláqua “o complexo das relações

jurídicas de uma pessoa que tiverem valor econômico”.

Questionando se poderia haver ligação do patrimônio com um saldo

negativo de valores, explica-se de antemão que na noção de patrimônio há forma positiva e a

negativa. A primeira é de fácil tradução: os bens possuídos superam a dívida (caso haja) do

sujeito; A segunda forma é o patrimônio negativo, quando nos deparamos com a insolvência.

Há bens, mas suas dívidas os superam o montante do patrimônio. Simplificado.

Faz-se necessário, por simples peso que seu nome possui, falar sobre a

concepção de patrimônio trazida por Pontes de Miranda, que entende patrimônio como o

direito sobre os bens e não os bens propriamente dito. Considera Miranda, os direitos reais, os

direitos de crédito e sucessão na forma de herança como complementação do patrimônio.

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Aloja-se a condição de patrimônio figuras imateriais, como lucida do Código Civil atual em

seu artigo 91.3

Tendo feito tais considerações pertinentes ao estudo, vale fazer um esforço a

respeito de como temos que analisar a correlação de pessoa e patrimônio, vez que aquela é

simples pessoa natural ou jurídica que se alimenta, se apóia e precisa do objeto material pelo

simples fato de que sem patrimônio, por mais cruel que seja a observação, se torna um ser

miserável dentro do sistema capitalista/consumista que existimos, devorador de pessoas que

não possuem bens para se sustentar em tempos tão agressivos olhando de uma perspectiva

material. Mas, mesmo tendo o ser a necessidade do ter, isso não os une de forma simbiótica.

Por exemplo: temos no jusnaturalismo a representação dos considerados direitos naturais,

alguns certos direitos inerentes ao ser humano desde o seu nascimento que são invioláveis,

inalienáveis. Nota-se que para os adeptos ao direito de natureza, o direito à propriedade se

equipara ao direito à vida e à liberdade, fatores que, se adentrar com esses dois últimos títulos

num debate filosófico estaríamos num patamar tão alto de complexidade que sua definição

ficaria a cargo do tempo histórico que pode-se utilizar para cituar a explicação: os dois outros

direitos naturais, quais sejam, vida e liberdade, são de tamanha imponência que é com base

neles que legislamos e, separando-os, os bens jurídicos tutelados perdem o prumo. A vida e a

liberdade é tratada com uma fineza, que para alguns indíviduos a vida sem liberdade não

serve, seria uma escravidão; ou ainda, ter sua liberdade mas sem uma vida digna, sem ter

como aproveitar as condições essenciais pelo qual o Estado se garante em oferecer, seria estar

no mundo mas perder a alma. Retornando ao ponto principal, na concepção jusnaturalista

encontra-se ligando seu pensamento a propriedade como sendo tão importante quanto a vida

ou a liberdade, dada sua equiparação jurídica no patamar de direito funtamental. Embasando

3 Art. 91. Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor

econômico.

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esse posicionamento vem a afirmação do jurista Norberto Bobbio (1992, p. 1.034) que “o

jusnaturalismo a exalta como um direito fundamental, junto com a vida e a liberdade”.

Entretanto, não é essa a união que se baseia a teoria. Devemos analisá-la

numa forma de se complementar, visualizando o todo num ideal único antes das ganâncias

individuais, algo que é antes de qualquer ato definido pelo coletivo, com um sentido social.

Pessoa, ser central, ator principal, centro do universo jurídico, das ordens

normativas reguladoras de condutas que utilizam do patrimônio: tudo aquilo que o ser reúne e

que possui valor econômico, podendo ser direito, obrigações, ou a res propriamente dita deve

ser usada como fim para as pessoas, e não um fim em si mesmo.

Deixemos para trás aquela visão guiada por antolhos de patrimônio ser meio

de arrecadação de riqueza, ele se complementa na fase humanística que vivemos, onde que o

homem é o centro do universo e nesse pensar, parafrasiando Galileu Galilei “é o sol que

circunda o homem, e não o homem que circunda o sol”4. O patrimônio na sua abrangência

total é meio de vida da pessoa humana, meio de se chegar a uma vida digna de uma sociedade

que preza pelos seus componentes, atuante numa política e justiça social. Não se deve

peticionar ao Estado uma atuação solidária de auxiliar seus cidadãos, pois isso já se faz dentro

da norma mais dura e sólida que um Estado de Direito possui: a Constituição.

2.3. Da Dignidade da Pessoa Humana

A norma maior optou por colocar o princípio da dignidade da pessoa

humana em seu artigo 1º como sendo um dos fundamentos da federação brasileira, e não só

em caráter de direito fundamental, pois, posto no primerio artigo terá a missão de tornar

4 Trata-se, pois do fenômeno da constitucionalização do Direito Civil. Ele volta para a pessoa humana e seus

objetos ficam marginalizados na forma de atuarem na complementação da vida das pessoas. São os bens que

devem ser utilizados para propiciar uma melhor qualidade de vida, e não voltar boa parte do direito (como fez o

Código Beviláqua) para proteger os bens e em “outros” resguardar os direitos do homem

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homogênio a organização do estado brasileiro com a responsabilidade máxima de respeitar o

ser. Antevindo os direitos fundamentais, aparentemente o torna essencial à existência dos

demais princípios, aparentando que para ser fundamental deve conter um resquício embasador

que a lei deve preservar a dignidade da pessoa humana. Como analisa Celso Bastos (1999, p.

425) tal princípio “parece conglobar em si todos aqueles direitos fundamentais, quer sejam os

individuais clássicos, quer sejam os de fundo econômico e social”.

Explica o Prof. André Ramos Tavares (2007, p. 552), citando nobres

semeadores de conhecimento, o fato da disposição do princípipo da dignidade da pessoa

dentro do art. 1º da CF:

O objetivo principal da inserção do princípio em tela na Constituição foi fazer com

que a pessoa seja, como bem anota Jorge Miranda, “fundamento e fim da

sociedade”, porque não pode sê-lo o Estado, qua nas palavras de Ataliba Nogueira é

“um meio e não um fim”, e um meio que deve ter como finalidade, dentre outras, a

preservação da dignidade do Homem. Nesse sentido também Fernando Ferreira

Santos, ao acentuar que “importa concluir que o Estado existe em função de todas as

pessoas e não estas em função do Estado. Não só o Estado, mas, consectário lógico,

o próprio Direito.

Sua importância para estrutura normativa se faz ao passo de que esse

princípio é o parâmetro para a criação de normas, devendo atentar a reação que a criação das

leis terão perante a sociedade, visar o bem estar daqueles indivíduos formadores de todo esse

sistema complexo jurídico-social. Comparativamente, o superprincípio da dignidade da

pessoa humana está para a normatização geral assim como o devido processo legal (art. 5º,

LIV da CF/88) se encontra como máxima dos princípios do direito processual, afinal todo

processo judicial deve respeitar os ditames previstos em lei para que o princípio não seja

violado e ele passe a ser válido. O princípio da dignidade da pessoa humana é o carro chefe

dos direitos fundamentais, dando aos legisladores e juristas a caráter interpretativo do

princípio para aplicar suas respectivas funções.

Em seu artigo Leonardo Barrate Moreira Alves (2008, p. 42) traz sua

interpretação do que considera a dignidade da pessoa humana nos dias atuais:

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Modernamente, pode-se falar que a dignidade da pessoa humana se trata de um

verdadeiro dever social ao qual todos devem, sempre e em qualquer situação,

absoluto respeito. É autêntico dogma de fé, tendência universal, razão primeira do

Estado, da Ciência e do Direito. É a efetividade, realização concreta do que sempre

foi tratado como princípio balizador das relações intersubjetivas.

Também, humildemente tentaremos trazer a idéia exposta por Uadi

Lammêgo Bulos (2007, p. 83) acerca do inciso III do art. 1º da Carta Maior. Espalha com

propriedade que o referido princípio é o “princípio constitucional supremo” carregando

consigo todos os demais direitos e garantias fundamentais do ser humano. De passagem, são

os direitos e garantias fundamentais mais visados por ele o direito à vida, os direitos pessoais

tradicionais, direitos sociais, direitos econômicos, direitos educacionais, liberdades públicas,

de constituir família, entre outros. O autor (2007, p. 83), ao constar nos seus ensinamentos

que a dignidade da pessoa humana é o “princípio constitucional supremo” explica as três

dimensões do inciso III do artigo 1º da Constituição Federal:

1) Fundamentadora – núcleo basilar e informativo de todo o sistema jurídico-

positivo; 2) Orientadora – estabelece metas ou finalidades predeterminadas, que faz

ilegítima qualquer disposição normativa que persiga fins distintos, ou que

obstaculize a consecução daqueles fins enunciado pelo sistema axiológico

constitucional; e 3) Crítica – em relação às condutas.

Portanto o Estado se guia pela dignidade da pessoa, pois é a ela que o

próprio Estado se serve para legislar, jurisdicionar, implementar seus atos sócio-econômicos,

pacotes de desenvolvimento social, etc. Em outro ensinamento, Celso Ribeiro Bastos (2005,

p. 425) afirma que um dos fins do Estado é tornar palpável, acessível aos meios para que as

pessoas se tornem dignas da sua existência. Porém, surge outro questionamento, qual seja, o

que seriam formas dignas de se viver? Onde se encaixa a dignidade da pessoa humama, seja

no respeito do ser em si, nos bens adquiridos com seu suor, na qualidade e oportunidade que a

sociedade oferece ao indivíduo de direito? A resposta se torna simplista se utilizarmos um

racíocinio puro, deixando de lado, por enquanto, as idéias mais elaboradas. Se explica pela

simplicidade dessa definição pois, o critério da generalidade, ou melhor dizendo, aquela idéia

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que um ser humano médio tem em relação a todos os seres (humanos) sobre o que é preciso

para que haja dignidade na forma de vida. Chegaremos a uma definição de qualidade de

existência da própria pessoa. O indivíduo é autosuficiente, capaz, produtivo, interativo, existe

com o fim em si mesmo e não sendo objeto para realização das ações; se torna o foco de todas

as atitudes tomadas, seja pelo Estado no seu exercício singular próprio, seja pela sociedade

que alcança uma interferência em todos os seres que nela convivem ou, simplesmente, ter

condições de comprar pão numa panificadora. A dignidade deve ser vista sempre como um

fim das relações. Há autores, como Jorge Miranda, citado por Tavares (2009, p. 557) que

observam que este princípio pressupõe a autonomia vital do indivíduo, sua imposição como

ser propulsor da máquina estatal que possibilita a garantia de escolhas de seus atos sendo

respeitado e auxiliado como parte de um imenso organismo pulsante, além, é claro, de tornar

certo esta mesma condição perante as outras pessoas. É um individualismo racional que

almeja meios de se sobressair em condições favoráveis de sobreviver, mas que ao mesmo

tempo deseja essa justiça social distributiva a todos seus semelhantes.

Compartilhando do conhecimento de André Ramos Tavares (2009, p. 555)

ao declarar que “a dignidade da pessoa humana considera o homem como “ser em si mesmo”

e não como “instrumento para alguma coisa”, fica este princípio soberano quase na condição

ideal, mas ao analisar de perto ele é representado na vontade social, nos atos de

responsabilidade que o Estado tem perante nós, no conceito de vida humana que cada ser

pensante insere no mundo e toda a longínqua perspectiva que temos de vida ideal, utópica que

buscamos incessantemente. Sócrates ao nos definir como seres racionais responsáveis pelos

nossos atos, trouxe o ser humano como pensador em plena capacidade de decidir seus atos,

direcionar sua vontade, e representar seu ser. Condicionou o indivíduo a ambasar sua idéia de

vida existencial. Assim, a dignidade da pessoa humana protegida na Carta Constitucional, é

trazida como um princípio estruturante norteador de normas e formadores de costumes,

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guarda a dimensão de garantir a não maculação (em todos os sentidos) do ser, como também a

possibilidade de desenvolvimento de sua personalidade, capacidade, disposição e realização

de vontades respaldado na lex fundamentalis e respeitando a dignidade do seu próximo tendo

em vista a universalidade do princípio.

Tamanha é a importância do conceito e do princípio em si, que ele está

presente em um infinito número de comandos normativos. Temos como exemplo seu texto na

Declaração Universal dos Direitos do Homem logo em seu preâmbulo:

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos

direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, e na

igualdade de direitos do homem e da mulher, e que decidiram promover o progresso

social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla [...]. (grifo meu)

Guarda a essência de pessoa humana o artigo 6º da Declaração sobre a

Utilização do Progresso Científico e Tecnológico no Interesse da Paz e em Benefício da

Humanidade, de autoria da ONU enunciado em novembro de 1975, que traz além da melhoria

da vida de todos a utilização das descobertas científicas para realçar o princípio da dignidade:

Todos os Estados adotarão medidas tendentes a estender a todos os estratos da

população os benefícios da ciência e da tecnologia e a protegê-los, tanto nos

aspectos sociais quanto morais, das possíveis conseqüências negativas do uso

indevido do progresso científico e tecnológico, inclusive sua utilização indevida para

infringir os direitos do indivíduo ou do grupo, em particular relativamente ao

respeito à vida privada e à proteção da pessoa humana e de sua integridade

física e intelectual. (grifo meu)

Reflete na Constituição alemã onde que Jorge Miranda (1998, p. 50) faz

refência na segunda parte do seu art. 1º, in verbis:

O Povo Alemão reconhece, portanto, os direitos invioláveis e inadiáveis da pessoa

humana como fundamentos de qualquer comunidade humana, da paz e da Justiça

no mundo. (grifo meu)

O Estado deve privar ainda, como disposto no art. 170 da Constituição

Federal de 1988, que a intervenção gerada por ele deve te um conho social, de valorização ao

homem e a dignidade a ele oferecida de maneria concreta no art. 1º da Carta Máxima. O

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Estado paternalista que sempre policiou a ordem sócio-econômica deve gerar meios a todos

homens e mulheres, sem distinção de raça, credo ou cultura. Seus filhos detêm direitos iguais

àqueles que no ápice do dever público – quem fabrica as leis – possuem.

Como se mostra nos exemplos dados, a dignidade da pessoa é indispensável

para a criação de um sistema jurisdicionável mais respaldado de igualdade e simetria entre

aqueles cobertos por este manto. Além desses exemplos existem vários outros que poderiam

ser transcritos para este estudo, porém considerando que esse tema complementa um maior,

vale apenas citar este, a título exemplificativo, como a Constituição Portuguesa, a Contituição

Francesa, a Constituição Espanhola, a Constituição Italiana entre outras, para demonstrar o

grau de importância que o princípio da dignidade da pessoa humana possui no mundo

moderno. Temos ai o princípio estruturante do ordenamento brasileiro.

Para finalizar a analise realizada entre os sujeitos aqui empregados: pessoa,

patrimônio e o princípío estruturante da dignidade da pessoa humana, vale interpretar todo

esse esforço aclaratório interligando essas fundamentações.

Assim sendo, conclui-se que toda pessoa, a princípio, é detentora de um

patrimônio. Patrimônio este capaz de satisfazer suas necessidades singulares, basilares,

familiares propiciando um modo de vida decente e que condiz com os valores trazidos na

Constituição, inclusive aquele disposto no inciso III do artigo 1º, a diginidade da pessoa

humana.

Trabalhamos aqui com os dois tipos de pessoa trazido pelo Código Civil

(física e jurídica), pois vimos que mesmo as pessoas jurídicas possuem personalidade pelo

fato de haver pessoas físicas por detrás delas que são respaldadas por direitos e garantias que

interessam a esse estudo.

Além disso, foi posto a disposição que patrimônio se traduz em tudo aquilo

adquirido pelo homem capaz de satifazer suas necessidades, sendos elas essenciais ou

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meramente caprichosas, que complementando essa visão, patrimônio é também o conjunto de

bens usado como, além de satisfazer vontades, respaldar garantia de crédito, não interessando

portanto se há patrimônio positivo ou negativo, das duas formas há um patrimônio.

Então se há pessoas e há patrimônio para realizar suas necessidades e

vontades podemos englobar o dispositivo precípuo da dignidade da pessoa humana, no qual

reflete em todo o ordenamento jurídico. Se traduz, simplesmente, num mundo melhor, com

mais alcances e oportunidades, com proteção de fato e não tão somente disposto em lei, é a

materialização do homem capaz de se manter com honra dentro de sua propriedade

plenamente em condições de se sustentar e manter sua família com relação a moradia, saúde

educação, alimentação, lazer e tudo aquilo que dá ao ser uma condição melhor de vida.

Com base no exposto pode-se dizer que encorporando-se o princípio da

dignidade da pessoa humana na Carta Maior do 1988 se encerrou a fase patrimonialista,

protecionista dos valores econômicos, caminhando para a função real que o direito tem: a

personificação das normas. Temos aí a razão, de um código civil tão diferenciado do que era

outrora, onde a despatrimonialização veio de maneira tão bruta e concreta, ressaltando, a

título de exemplo, o direito de família.

Comentando Sessarego, o professor Luiz Edson Fachin (2006, p. 47-48)

aparece com a idéia da valorização da solidariedade, quebrando com o individualismo cego,

proporcioanando a socialização do direito fazendo com isso a amostragem da importância que

uma sociedade harmônica, sintonizada nos direitos e garantias do homem como um todo, com

as funções sociais das instituições jurídicas – no caso em tela o patrimônio, seja ele qual for.

Perceba o distanciamento dos direitos visados no código de Beviláqua

protecionista, liberal, patrimonialista, voltando-se agora para o valor existecial da pessoa

como cerne do direito.

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O que será discutido a seguir é justamente essa integração em face a teoria

proposta por Fachin. Temos o ser, o ter e a base legal no qual se vale este princípio. A teoria

do patrimônio mínimo visa garantir um mínimo existencial para garantir a dignidade da

pessoa. Para melhor visualizar-mos vamos seguir com a teoria propriamente dita.

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III. A TEORIA DO ESTATUTO JURÍDICO DO PATRIMÔNIO MÍNIMO

OBSERVADO O ACESSO AO DIREITO CIVIL

No tocante ao que pode-se informar sobre a solidificação da teoria, cumpre

anexar o quanto de acesso disponível temos, haja vista que para concretizar a teoria proposta

o Estado pater deve ser inserido nessa perpectiva viabilizando meios sócio-jurídicos de

alcaçar este ideológico.

O valor da “pessoa” abarca a possibilidade de se lha garantir um patrimônio mínimo,

a fim de que seja resguardada a dignidade em razão da qual os indivíduos merecem

prrteção e amparo. A tutela desses valores não preserva apenas a individualidade,

como também se projeta para a coletividade (FACHIN, 2006, p. 114).5

O Direito Civil brasileiro anterior à Lei 10.406/02 sempre preservou os bens

jurídicos materias e, ao se falar material desconsidere a pessoa. Ora, a tutela das relações

privadas anteriores ao Código de 2002 era de forma a assegurar o patrimônio6 sendo este o

núcleo do direito. A despatrimonialização sofrida ao longo dos anos e consolidada no Código

Civil atual, com respaldo constitucional, faz o ser humano como a condição essencial do

ordenamento jurídico e traz o bem como fruto de utilização da pessoa para que exista uma

vida valorosa e com dignidade.

Promove a teoria em estudo que o ser volta-se para o ter de maneira a

possuí-lo para desenvolver uma vida próspera e digna. A teoria do patrimônio mínimo vem a

preservar uma condição inviolável, inalienável de patrimônio do qual a pessoa não pode ser

5 Entre tantas linhas, entendemos que FACHIN sintetizou a harmonia conectiva pessoa-patrimônio-dignidade,

refazendo a proposição da repersonificação do direito civil/constitucional “(...) resguardada a dignidade em razão

da qual os indivíduos merecem proteção (...)”, afirmando que a proteção dessa individualização humana, tendo a

idéia de individualização necessária para se manter a pessoa dentro de um Estado democrático de direito, com

oportunidades, amparo social, etc., reforça ainda mais a formação de uma coletividade próspera sem lacunas

sociais. 6 Reforçando o conceito de patrimônio, pois agora trataremos de forma convergente à teoria, é o conjunto das

relações jurídicas avaliáveis em dinheiro, pecúnia na sua totalidade, pertencente a um sujeito de direito. É,

portanto, todo o complexo arrecadado pelo ser que lhe traz direitos e obrigações apreciáveis na forma

econômica.

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desempossada. Fatos antes desprovidos de base legal, foi reavaliada no novo código civil que

além de seguir o princípio da dignidade da pessoa humana visa assegurar também, dois dos

primordiais objetivos da Constituição Federal do Brasil, quais sejam, a solidariedade e

erradicação da pobreza e da marginalização, e a redução das desigualdades conforme consta

do art. 3º, incisos I e III.

Não há uma criação de patrimônio mínimo através do paternalismo estatal,

pois vigora na proposta um ter pré-existente. Este mínimo existencial será defendido perante

os demais. Paulo Bonavides, Jorge Miranda e Walber de Moura Agra (2009, p. 382), trazem o

pensamento de Daniel Sarmento para explicar este direito do mínimo existencial dando sua

origem no Estado alemão por uma decisão do Tribunal Federal Administrativo em 1954,

posteriormente sendo utilizado na jurisprudência da Corte Constitucional com base nos

princípios da dignidade da pessoa humana, da liberdade material e do Estado Social7 adotada

entre vários outros países pelo Brasil na Constituição de 1988.8 Em suma podemos afirmas

que o mínimo existencial são garantias de uma vida digna, onde que, sua proteção é essencial

para a manutenção da democracia, liberdade real e justiça social. Algumas garantias

constitucionais pode-se dizer que são garantias de um mínimo existencial, haja vista seu papel

de fundamental importância: saúde, educação, moradia incorporando até a razão econômica

do salário mínimo (art. 7º, IV da CF/88). Tudo que incorpora um grande valor moral nos

anseios da sociedade, desde que relacionado com a dignidade da pessoa humana pode ser

considerado um mínimo existencial.

7 Princípios inseridos na Constituição alemã. No capítulo anterior há transcrito o artigo destacando seus valores.

8 Daniel Sarmento aponta três princípios basilares para o mínimo existencial, que são: liberdade real, proteção

dos pressupostos da democracia e atendimento às necessidades materiais humanas. Dentro desse tripé explica o

autor que a liberdade se traduz, além da limitação de ação do agente, envolve também “possibilidade do seu

exercício”, no caso a falta de condição é que impede a garantia da liberdade real. Já em relação à democracia,

argumenta que não se trata apenas da vontade da maioria, e sim de um conjunto de ações promovidas pelo

Estado a assegurar as “necessidades materiais básicas das pessoas mais carentes”. Por fim o último critério se

traduz que o atendimento das necessidades básicas dos homens “representa uma exigência autônoma da justiça”.

Assume um papel de extrema importância o princípio da dignidade da pessoa humana, pois ele que norteará o

rumo dessas definições, pois para cada Estado há uma compreensão diferente das necessidades da pessoa

humana.

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Numa outra visão do patrimônio, tendo em mente que o patrimônio também

serve como forma de garantia (garantia real) a assegurar relações jurídicas, há na teoria o

estudo de um mínimo existencial intangível que o ser humano não pode dispensar face ao

comprometimento de sua condição existencial de prover ao homem formas dignas de viver.

Privar-se-á, sempre, pela dignidade da pessoa. Assim, um credor que visa expropriar os bens

do devedor poderá fazê-lo até certo ponto, pois chegará uma hora que o patrimônio do

devedor não mais poderá estar à disposição dos credores, correndo o risco dos bens se

exaurirem e nada restar para a subsistência do indivíduo.

Levando em consideração os pontos de apoio trazidos na Constituição,

podemos afirmar que a teoria do patrimônio mínimo advém de uma intervenção estatal dos

direitos e garantias individuais, afim de proteger o princípio da dignidade e todos aqueles

ligados a ele, fazendo dessa intervenção um mal necessário (pelo menos aos credores, por

exemplo) de ação legítima. Por tudo, temos então a lógica apontada por Leonardo B. Moreira

Alves (2008, p. 50) de que a teoria em análise não faz distinção em proteger um ou outro, mas

sim:

Não afasta o caráter patrimonial das relações jurídicas privadas, isto é, não visa

atacar a propriedade privada e o direito creditício, muito pelo contrário, ela apenas

provoca uma redefinição, releitura, adaptação destes institutos às novas brisas do

Direito Civil-Constitucional, determinando que os mesmos não se sobreponham à

dignidade do indivíduo.

Valendo-se dos ensinamentos de Fachin (2006, p. 232), consegue-se clarear

ainda mais, o porquê da intervenção de um Estado protetor:

Em certa medida, a elevação protetiva conferida pela Constituição à propriedade

privada pode, também, comportar tutela do patrimônio mínimo, vale dizer, sendo

regra de base desse sistema a garantia ao direito de propriedade não é incoerente,

pois, que nele se garanta um mínimo patrimonial. Sob o estatuto da propriedade

agasalha-se, também, a defesa dos bens indispensáveis à subsistência. Sendo a opção

eleita assegurá-lo, a congruência sistemática não permite abolir os meios que, na

titularidade, podem garantir a subsistência.

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Acostumamos, no mundo jurídico, a ser sempre condescendente ao

cumprimento dos contratos. Via de regra, são firmados quando duas ou mais pessoas plena de

seus direitos firmam vontades que lhe são oportunas. Via de regra também, se faz o princípio

do pacta sunt servanda, onde salvo as hipóteses de reestruturação contratual gera sérios

problemas ao inadimplente.

Trata-se pois, de uma problemática a ser discutida, já que de lado oposto

surge a teoria do professor paranaense defendendo um mínimo exitencial para manter uma

vida com dignidade, onde o cumprimento do contrato seria relativizado.

Rege-se nessa direção o direito real, consistente no poder jurídico que a

pessoa exerce sobre a coisa, que pode ser oposta contra outro. Nesse conceito então, pode

concluir que a relação do direito real se faz de forma direta com suas coisas, “é o poder

imediato e direto sobre a coisa, sem a intermediação de outro sujeito”(BESSONE, 1996, p.

4). Há aqui um poder sobre a coisa por parte de um único indivíduo, independe da co-

existência de um terceiro ou de uma pluralidade de seres.

Tomando as palavras de Venosa (1999, p. 20) emprestadas:

O direito real se exerce e recaiu diretamente sobre a coisa, sobre um objeto

basicamente corpóreo, embora não se afaste a noção de realidade sobre bens

imaterias [...] afirma-se ser o direito real absoluto, exclusivo, exercitável erga omnes

[...] o direito real caracteriza-se pela inerência ou aderência do titular à coisa.

Essa consideração sobre direito real se faz necessária haja vista o conflito de

interesse entre preservação do patrimônio mínimo vs cumprimento da obrigação (fazer, não

fazer, dar e entregar).9

Partimo-nos então, sobre a vedação da doação universal e irrestrita dos bens

sem que haja a reserva para que o doador possa se subsistir. No Código Civil anterior já havia

expressamente essa proibição trazida no art. 1.175 na forma:

9 Maior aprofundamento não se fará necessário, pois os pontos de interesses serão dados com a responsabilidade

necessária.

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Art. 1.175. É nula a doação de todos os bens, sem reserva de parte, ou renda

suficiente para a subsistência do doador.

A vedação permanece a mesma, pois o código de 2002 simplesmente copiou

o dispositivo integrando a proibição de forma clara. Encontramos a reprodução da norma no

art. 548 do Código Civil atual. Preserva-se aqui a manutenção da vida digna do doador, pois,

se assim não fosse, o sujeito ficaria a merce da miséria despindo-se de seus bens de origem

por doação por vontade sua, ficaria vulnerável as mazelas do mundo. No entanto, evita-se a

auto-redução à miséria limitando a liberalidade da transmissão inter-vivos ao ponto de manter

o sujeito ativo em condições plenas de subsistência. Diz Fachin (2008, p. 94) que a nulidade

visa conter ato pródigo do doador, mostranto a pretenção protetiva à pessoa, fato raro no

código anterior; para o Código atual onde houve a consubstanciação da valorização do ser,

ocorreu a continuidade da primazia da dignidade da pessoa humana. Tanto é que tal processo

torna-se inderrogável por vontade das partes, ou seja, a doação universal dos bens, mesmo que

por vontade do doador, se torna nula. Evita-se também desconpensação da capacidade de

discernimento com o avanço da idade, problemas neuropsicológicos, ou até mesmo própria

coação.

Há entretanto, uma exceção expressa trazida pelo autor por meio do

ensinamento de Carvalho dos Santos, no que tange à possibilidade de doação universal dos

bens, desde que, com reserva de usufruto. Acertadamente, como cogitou Santos, a hipótese de

doação universal se valida com a concomitância do instituto do usufruto.

Ora doado a totalidade dos bens, resta ao doador usufruir dos mesmo já

repassados, que nada mais é do que o direito de usar e gozar de coisa de propriedade diversa.

Trata-se pois, de direito real, “porque se exerce diretamente sobre a coisa, sem a

intermediação do nu-proprietário, que não se torna devedor de qualquer prestação”

(BESSONE, 1996, p. 287). Tal fato aplica-se a questão da doação ao passo do ex-possuidor

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ter o direito (direito real de usufruto) de aproveitar dos bens agora doados para se subsistir. Na

mesma esteira complementa Darcy Bessone (1996, p. 288) a explicação da função alimentar,

que é com a razão de tirar proveito para manter a subsistência do usufrutuário, que então só se

encerra com a morte.

Dispõe o art. 1.410 inciso I do Código Reale:

Art. 1.410. O usufruto extingue-se, cancelando-se o registro no Cartório de Registro

de Imóveis:

I - pela renúncia10

ou morte do usufrutuário;

Enfatiza Fachin (2006, p. 98) que a possibilidade de ensejamento da

nulidade da doação deve corresponder ao princípio encravado em regra legal, qual seja, o

doador deve dispor dos meios ou bens necessários à própria subsistência, “caso contrário, não

se configurará a nulidade do negócio jurídico levado a efeito”.

O professor ainda cita outras formas similares ao exposto logo acima, no

qual insere a revogação da doação em caso de negativa de prestação de alimentos por ato do

donatário, a incapacidade relativa do pródigo, a impossibilidade de fazimento de negócio

contendo como objeto a herança de pessoa viva (art, 557, IV, art, 4, IV e art. 426 do Código

Civil).

Insta salientar a oportuna aparição do pródigo que, não é só a pessoa do

mesmo que o ordenamento quer preservar, mas também de seus familiares. Quem está nessa

condição tem capacidade reduzida da perspectiva real das situações mundanas, colocando em

risco sua condição de manter-se como na iminência de desapojamento de sua família, dos

meios de provimento por um ato momentâneo de fraqueza, desequilíbrio ou tentação

firmando-se aí sua incapacidade relativa. E mais, Ronaldo da Cunha Campos equipara o

10

A renúncia, no que confere com a doação universal com reserva do usufruto, não produz efeitos. Se assim

fosse a proteção vislumbrada pelo direito de usar e gozar dos bens doados perderia a razão de ser. Evita-se a

renúncia em face à prodigalidade.

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doador sem reservas com o pródigo, demonstrando assim sua condição de incapacidade

relativa.

É sabido que com a promulgação da Constituição de 1988, emergiu a

concretude protetiva ao ser, transmitido agora em nível hierárquico: defende-se o ser no

direito privado civil, em direito do consumidor, nas execuções cravadas no Código de

Processo Civil. A ramificação do direito privado possibilitou a difusão da proteção à pessoa

humana. Vale lembrar, no entanto, que o Código atual, apesar de no seu âmago haver ocorrido

à personalização da Legislação Civil, resquícios de proteção ao patrimônio ainda ocorre em

seus artigos.

O exemplo a ser citado a seguir, vige a blindagem de própria família quanto

às pessoas atingindo por conseqüência o próprio bem:

Art. 550. A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro

cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a

sociedade conjugal.

Separa-se também a explicação sobre as cláusulas de inalienabilidade de

bens deixados pelo testador, visto que protege-se o patrimônio mantendo-o na sua função

social.

Vigora aqui que a última vontade do de cujo deve ser cumprida como forma

de proteção do bem deixado por ato de liberalidade (tanto em vida quanto na transmissão

causa mortis), ou seja, por doação ou testamento.

O interessante é que esta cláusula de inalienabilidade se faz apenas ao

donatário, desta forma o bem se torna inalienável apenas ao donatário e não aos sucessores,

posto que, se o beneficiário original venha a falecer extingue-se a cláusula e o bem, agora

repassado aos sucessores, passa a ter disponibilidade. O fato verifica-se da mesma forma tanto

na doação quanto no testamento e, fora esses atos de liberalidade, somente por interesse do

credor e em caso de bem de família é que se torna o bem inalienável, e consequentemente o

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faz impenhorável. Resta ao receptor do bem usar, gozar, reivindicar, proibindo-se dispor da

res (incluí-se aí os bens da legítima).

A cláusula proibitiva visa proteger o agraciado de sua inexperiência, falta de

capacidade de administração acabando por se desfazer do bem, conduzindo-o a miséria, fazer

do próprio bem assumir a condição de inalienabilidade (parte da obrigação de não fazer),

como também, tratando-se de pessoa, conceber o donatário como incapaz para aquele ato. De

qualquer forma, predominantemente, a clausura da res é assegurar a condição da vida da

pessoa, da família e barrar o escorrimento do patrimônio quando tratamos de pessoa pródiga.

Dita o Código atual a respeito de inalienabilidade, impenhorabilidade (que

para Silvio Rodrigues (2002, p. 190), esta é somada àquela, quando o tema é clásula

testamentária) e incomunicabilidade - faz referência ao casamento e partilha de bens11

- que a

exceção é a não clausura como disposto no art. 1.848, caput12

. Debora Gozzo e Silvio Venosa

(2004, p. 229) fazem a ressalva de que, diferentemente do Código anterior, para que ocorra

cláusula restritiva dos bens, deverá o testador ou doador deixar expressamente testado o

porquê que o faz, não se valendo de mera vontade em “prender” o bem ou não.

Trata-se, pois, de uma postura para impedir o desfazimento do bem,

arriscando a própria pessoa e a família a uma condição financeira desfavorável, quiçá

geradora da miséria. Essa restrição pode ser concedida na forma temporária ou vitalícia (mas

lembremos que nunca ultrapassando a pessoa do donatário); o que irá definir é a vontade do

testador.

São fatos que prezam pela continuidade da condição de dignidade. De

primeiro plano dá-se a noção de prejudicar uma relação creditícia, mas ao contrário do que se

11

http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stf/stf_0049.htm: STF Súmula nº 49 -

13/12/1963 - Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal - Anexo ao Regimento

Interno. Edição: Imprensa Nacional, 1964, p. 49. Cláusula de Inalienabilidade-Comunicabilidade dos Bens. A

cláusula de inalienabilidade inclui a incomunicabilidade dos bens. 12

Art. 1.848. Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de

inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima.

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imagina não se viola o direito do credor, pois o bem a ser adquirido é a continuidade do

patrimônio mínimo que as vezes será formado apenas por este adicional herdado. Insere aí a

dignidade da pessoa em que pese a necessidade de meios a quitar suas dívidas, ao menos pode

se respaldar no bem doado para se manter em baixo de um teto, ou utilizando como forma de

arrecadação (aluguel por exemplo), ou alienar os frutos vez que a razão da cláusula, além de

conter possível ofensa à pessoa humana, é também gerar meios de subsistência.

Trazendo Caio Mário (1974, p. 185) no trecho a seguir, fica clara a relação

pessoa-patrimônio como forma de manutenção da vida:

Mas não se considera viavél que a inalienabilidade abranja igualmente os fruto e

rendimentos, porque, neste caso, o direito do herdeiro ou legatário seria nada: faltar-

lhe-ia a disponibilidade juntamente com o aproveitamento de seus créditos.

A título de curiosidade, cabe informar que a cláusula restritiva não se faz de

forma absoluta. No §2º do artigo sub examem, cabe ao herdeiro, quando houver justa causa,

autorizado pelo juiz, alienar os bens, “empurrando” a clausura a outros bens, para que aquele

possa ser liberado da condição a quo e seja alienado afim de resolver condição financeira

precária do herdeiro. Quando a coisa protegida perde sua razão confrontando-se com a

necessidade de, até mesmo, manter a vida digna da pessoa a norma protetiva também se vai,

autorizando o magistrado a consumir o bem. Assume então a face teleológica da clásula de

inalienabilidade.

Eis a norma:

Art. 1.848. Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o

testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de

incomunicabilidade, sobre os bens da legítima.

§ 2º Mediante autorização judicial e havendo justa causa, podem ser alienados os

bens gravados, convertendo-se o produto em outros bens, que ficarão sub-

rogados nos ônus dos primeiros.(grifo meu)

Seu complemento vem logo a frente no artigo 1.911 do mesmo código, da

seguinte forma:

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Art. 1.911. A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade,

implica impenhorabilidade e incomunicabilidade.

Parágrafo único. No caso de desapropriação de bens clausulados, ou de sua

alienação, por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro, mediante

autorização judicial, o produto da venda converter-se-á em outros bens, sobre os

quais incidirão as restrições apostas aos primeiros.

Em afronta a essa cláusula, quando disposto em lei, os bens protegidos serão

expropriados por necessidade, utilidade pública, interesse social, quando haver execução de

dívida ativa sendo ele referente ou não ao bem guardado.

O professor Fachin (2006, p. 126-127), também aponta a sub-rogação (no

caso de alienar o patrimônio como citado) a outro imóvel resultado da alienação do bem

originário da condição, ou até mesmo títulos da dívida pública. Para a condição de

inalienabilidade seja transmitida aos novos bens, o autor se aduz dos ensinamentos de

Maximiliano onde que para que ocorra a tranferência da clausura dos bens não originários do

termo, necessita ter valor igual ou maior observando as regras pertinentes.

O parágrafo único do art. 1.911 do Código Civil confirma a sub-rogação

supramencionada:

Parágrafo único. No caso de desapropriação de bens clausulados, ou de sua

alienação, por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro, mediante

autorização judicial, o produto da venda converter-se-á em outros bens, sobre os

quais incidirão as restrições apostas aos primeiros.

A proteção pode atingir tanto o bem, por haver sido adquirido por labuta

árdua, valor sentimental ou patrimônio familiar, quanto estender-se à blindagem da pessoa

para mantença própria e dos entes familiares, valorando o ser que torna a cláusula eficaz e

válida.

Tendo em vista a abordagem da impenhorabilidade instituída a bem imóvel,

fazem-se necessários comentários aclareatórios sobre o bem de família.

Luiz Edson Fachin salienta que embora destinando algumas páginas de sua

obra Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo ao tema, ele não se confunde com a proposta.

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Considerações feitas, introduzem o bem familiar a proteção da teoria do patrimônio mínimo

assim como as outras reflexões já demonstradas.

Comenta Fachin que inicialmente o bem de família fora chamado

primeiramente como “lar de família” ainda em 1893 na Parte Geral. No atual Código

podemos ler à respeito no Livro IV do Direito de Família nos artigos 1.711 a 1.722 guarando

a ordem de Do Bem de Família. O ordenamento visa manter a família ou entidade familiar em

condições plenas de vida digna tornando o imóvel impenhorável e inalienável.

Rolf Madaleno (2009, 755) repassa que o Código de Processo Civil também

se utilizou desse dogma para se construir. Ele trata a impenhorabilidade:

Ao considerar absolutamente impenhoráveis as provisões de alimentos e de

combustível, necessárias à manutenção do devedor e de sua família durante um mês

(art. 649, II) e o imóvel rural de área de até um módulo, que se estabelece na forma

do Estatuto da Terra, conquanto seja o único de que disponha o devedor (...). À

época O Código de Processo Civil teve em mira um propósito eminentemente

humanitário, destinado a garantir a subsistência do devedor (...).

Há duas espécies de bens de família definido pelo sistema legislativo

brasileiro: uma delas é chamada institucional, prevista no artigo 1711 do Código Civil, e a

outra é denominada “legal” e está prevista na lei federal 8009/90. No entanto ambas levam a

um resultado comum, qual seja, proteger o bem o tornando impenhorável por dívidas, e isso

mostra que elas representam proteções patrimoniais do casal ou da entidade familiar.

O bem de família dado pelo artigo 1711 é denominado “institucional”

porque a criação dele não decorre automaticamente da lei, mas sim da manifestação de

vontade do seu instituidor que pode ser o casal ou a entidade familiar que reserva um ou mais

bens seus e os tornam bens de família mediante uma escritura pública ou um testamento.

Neste instituto o único requisito para proteção é que o bem reservado não ultrapasse um terço

(1/3) do patrimônio líquido do instituidor ao tempo da instituição. Por outro lado, o bem de

família da lei 8009/90, não depende da vontade de quem quer que seja para se constituir, ou

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seja, sua existência é “ex lege”. Conclui então, que bem de família legal é o imóvel residencial

próprio do casal ou da entidade familiar, bem este que se torna impenhorável por dívidas.

A proteção da Lei 8.009/90 destina-se, portanto, ao casal e à entidade

familiar. A palavra “casal” designa pessoas que se unem mediante casamento civil ou

casamento religioso com efeitos civis. Por sua vez, a expressão “entidade familiar” deve ser

interpretada no sentido mais amplo possível para abrigar todos os outros tipos de núcleos

familiares não formados pela relação amorosa de cunho matrimonial, tal qual famílias que se

constituem por vínculos afetivos e de união estável, as mono parentais (um genitor e a prole),

aquelas formadas apenas por irmãos, primos entre si, tios e sobrinhos, tios-avôs e sobrinhos-

netos, por casais homossexuais e assim por diante.

Temos ainda a proteção ao indivíduo único (solteiros, viúvos, divorciados).

Proteção esta prevista na Constituição Federal em seu artigo 6º13

. Há no STJ14

uma orientação

firme de que todos eles estão amparados pela impenhorabilidade do bem de família e o

principal argumento para tanto é o de que a moradia é um direito social previsto no artigo 6º

da Carta Maior, mesmo sendo exigido individualmente. O Superior Tribunal de Justiça já

decidiu em favor de pessoa única. A saber:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. MÓVEIS

GUARNECEDORES DA RESIDÊNCIA. IMPENHORABILIDADE.

LOCATÁRIA/EXECUTADA QUE MORA SOZINHA. ENTIDADE FAMILIAR.

CARACTERIZAÇÃO. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA. LEI 8.009/90, ART.

1º E CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 226, § 4º. RECURSO CONHECIDO E

PROVIDO. 1. O conceito de entidade familiar, deduzido dos arts. 1º da Lei 8.009/90

e 226, § 4º da CF/88, agasalha, segundo a aplicação da interpretação teleológica, a

pessoa que, como na hipótese, é separada e vive sozinha, devendo o manto da

impenhorabilidade, dessarte, proteger os bens móveis guarnecedores de sua

residência. (STJ, REsp n. 205.179-SP, DJ de 07.02.2000).

13

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a

previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta

Constituição 14

http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stj/stj__0364.htm: STJ Súmula nº 364

- 15/10/2008 - DJe 03/11/2008 - Conceito de Impenhorabilidade de Bem de Família - Abrangência - Pessoas

Solteiras, Separadas e Viúvas. O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel

pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.

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EXECUÇÃO. Embargos de terceiro. Lei nº 8.009/90. Impenhorabilidade. Moradia

da família. Irmãos solteiros. Os irmãos solteiros que residem no imóvel comum

constituem uma entidade familiar e por isso o apartamento onde moram goza de

proteção de impenhorabilidade, prevista na Lei nº 8.009/90, não podendo ser

penhorado na execução de dívida assumida por um deles. (STJ, REsp n. 159.851-SP,

DJ de 22.06.98).

Adverte-se que há posicionamento contrário.

Este instituto garante impenhorabilidade ao bem urbano ou rural com

destinação de proteger o prédio considerado domicílio familiar, não podendo ser dado em

garantia real, salvo nas hipóteses de execução por impostos relativos ao prédio ou despesas de

condomínio e, por dívidas anteriores a sua instituição. Alerta também que o bem de família é

inalienável sem que todos os interessados e representantes legais concordem com a alienação.

Novidade se faz ao colocar bens móveis dentro do escudo do bem de

família, além da estrutura predial residencial ou rural, se salva da penhora seus pertences e

acessórios, e como nessa guarda civil o lapso temporal que se instaura no bem de família é

indeterminado, pois depende dos beneficiários, ocorre à possibilidade de extinguir o bem de

família (imóvel ou móvel) caso haja desfazimento da entidade familiar. Aquele bem que não

for mais necessário da proteção, mediante autorização judicial, se torna alienável. Confirma-

se a proposta quando Fachin (2006, p. 143) mostra a posição de Arnaldo Marmitt:

O objetivo da modalidade convencional e legal é o mesmo: garantir um abrigo

habitável para a família, de forma a ficar isento de execução por dívida. O instituto

coativo ampliou o campo de incidência, fazendo abranger também as plantações, as

benfetorias existentes no imóvel e todos os equipamentos, inclusive os de uso

profissional, e móveis que guarnecem a casa. Além de mais abrangente, é

automático e independe de iniciativa do cidadão. Nao há inconstitucionalidade a

vislumbrar no diploma legal, que intenciona favorecer a família, com base na

própria Constituição Federal. E qualquer habitação não pode prescindir de um

mínimo de conforto e de bem-estar, proporcionados pelos móveis, utensílios,

pertenças e benfeitorias que a integram.

Embora a Lei 8.009/90 destina-se as pessoas físicas, merece dilatação da

proteção para certas pessoas jurídicas: às firmas indivíduais, às pequenas empresas de cunho

familiar, se o local de exercício da empresa for o mesmo da moradia da entidade familiar.

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Para ser válida esta última consideração, é necessário que o imóvel seja do devedor, além de

ser usado como moradia para si e para sua família. Porém, desintegra-se tal proteção quando

temos na mesma propriedade o imóvel de destinação mista que abrange residência, comércio

ou a pequena indústria, quando formado por várias edificações. Se caso for, a

impenhorabilidade recai somente naquele destinado a moradia, passíveis de inversão da

propriedade ou posse dos demais bens.15

É de interessante apresentação a proposta de utilizar o bem de família como

meio de subsistência, melhor explicando, quando se tem na propriedade a possibilidade de

gerar renda, então, por exemplo, aluga-se o imóvel (bem de família impenhorável) e os

constituintes da família passam a morar em outro lugar de menor valor para usufruir da renda

proveniente do aluguel. Não se perde a a essência do instituto por se afastar do bem da

entidade familir, o que ocorre de fato é se utilizar dele para angariar meios de sustento, da

mesma forma se caracteriza o veículo que o devedor usa para como instrumento laborativo. O

Código de Processo Civil, artigo 649, VI, também o torna impenhorável.

Fato não raro de acontecer é do proprietário de vários imóveis, e nessa

situação a lei define como bem de família o de menor valor, que faz dos demais bens meios

para satisfazer suas dívidas.

Na mesma linha de pensamento tem o sujeito que ao saber da sua

insolvência adquire um imóvel maior e mais valioso daquele que possui. Nesses casos a lei

não concede impenhorabilidade do bem adquirido, e o caráter de impenhorável fica com o

imóvel originário de menor valor.

15

Luiz Edson Fachin (2006, p. 145) traz ainda a condição de terreno com prédio inacabado, protegendo o bem se

este for o único destinado a moradia, quando demonstrado sua boa-fé e anterioridade do início da construção.

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Porém, não é sempre que a Lei 8.009/90 fará proteção ao bem de família.

No seu artigo 3° elenca algumas situações que afastam a a blindagem da impenhorabilidade16

,

sendo válida, portanto, a execução e penhora quando o fato gerador for por dívidas de

trabalhadores da própria residência e as respectivas contribuições previdenciárias devidas

sendo o exequenete aquele que se limitou no próprio imóvel residencial na qualidade de

doméstico. Do mesmo modo, só as contribuições previdenciárias devidas sobre os

rendimentos do trabalhador do imóvel residencial é que autorizam a penhora deste. Dos

créditos decorrentes de financiamento para aquisição ou construção do imóvel residencial, nos

limites dos valores previstos no contrato de financiamento. Válidos também contra crédito

decorrente de pensão alimentícia, visto que os dois direitos estão protegidos

constitucinalmente: direito constitucional à moradia e o direito fundamental à vida; o

legislador fez a sua opção e tornou penhorável o bem de família com a preocupação de

preservar a vida do alimentado.

Outra situação é de créditos decorrentes de imposto, predial ou territorial,

taxas e contribuições devidas em função do imóvel. Porém, só se pode penhorar o imóvel

residencial quando dele se originou o débito tributário de IPTU, taxa ou contribuição de

melhoria. Outros tributos, inclusive aqueles devidos em outros imóveis, não abalam a

impenhorabilidade do imóvel residencial bem de família. Segue-se a possível execução da

hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar: se

16

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária,

trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;

II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no

limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;

III -- pelo credor de pensão alimentícia;

IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel

familiar;

V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;

VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a

ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.

VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

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o imóvel foi dado em hipoteca pelo casal ou pela entidade familiar, o artigo 3º da Lei

8.009/90 estabelece que ele fica sujeito à execução e à penhora, da qual resultará,

provavelmente, na perda da residência da família. E por último, por obrigação decorrente de

contrato de fiança concedida em contrato de locação. Perceba que este inciso refere-se a dois

contratos: o principal de locação e o acessório de fiança. O que se permite aqui é a penhora do

imóvel residencial do casal ou da entidade familiar que constituiu a fiança naquele contrato

principal.

Ante essa rede de explicações, definições, conceitos e normas, chegamos ao

centro, e agora de fato, de que a nova ordem jurídica civil, com amparo constitucional

(explícito ou implícito), faz emergir a base da teoria do estatuto jurídico de patrimônio

mínimo. Veja que, relacionamos seus elementos à realidade atual qual está prevista numa

ordem ainda maior visada: um lugar democrático de direito, de liberdade e justiça social.

Consta ressaltar através das palavras de Alexandre de Morais (2000, p. 39):

“O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano

que tem por finalidade básica o respeito e a sua dignidade, por meio

de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento

de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade

humana”

Reforçando a idéia do ser humano no ápice da pirâmide tutelada

jurisdicionalmente, Celso Ribeiro Bastos assevera que “dá-se o nome de liberdades públicas,

de direitos humanos, ou individuais àquelas prerrogativas que tem o indivíduo em face do

Estado. É um dos componentes mínimos do Estado Constitucional ou do Estado de Direito”

(2000, p. 165).

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Mudamos a ordem de interesse, com a constitucionalização dos diversos

ramos do Direito, a protetividade ao ente humano passa a ser prioridade. E este faz por onde,

haja vista ser o intentor das normas.

Não se preserva mais uma ordem materialista individual. O individualismo

que vivemos fica a sombra do outrora fora, pois vislumbramos um povo igual com direitos

iguais, que buscam oportunidades iguais. O patrimônio mínimo está, em tese, presente para

guardar a dignidade que o ser tem desde a sua concepção, um desenvolvimento a altura de

criaturas capazes de se relacionar e trazer a uma sociedade complexa, e às vezes anárquica,

uma valorização que é por direito de todo ser humano.

Um Estado controlador, paternalista, capacidado pela Constituição Federal

em tratar toda sua composição de forma única, deve ter em mãos um direito material servil, a

todos guarda-se um mínimo estruturante de direito, cultura, lazer e economia, não atentando a

valores patrimoniais, muito pelo contrário, incentivar seu povo a buscar sua personalidade,

dignidade conferida a nós em 05 de outubro de 1988. É a lei máxima assegurando os direitos

sociais e a justiça distributiva.

O artigo 170 da Constituição Federal de 1988 abrange ainda mais a

dignidade almejada pala pessoa. Seus incisos tratam da valorização do emprego, proteção de

nossa terra, de propriedade e da função social que ela deve ter, alcança a todos quanto ao

inciso V relevante ao direito do consumidor; é um arcabouço reflexivo ao artido 1º, III e art.

5º.

A tese proposta por Fachin não eleva o idividual ao patamar inalcançável,

contraria entretanto, a destruição de indivíduos por ventura numa relação creditícia

(independente de sua natureza). Os frutos da repersonalização do direito constitucional, civil,

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e até a proteção demostrada nos artigos 64817

e 64918

do Código de Processo Civil - execução

de bem de família - são uma base para a coletividade socializada por inteiro. Pois protegendo

um patrimônio mínimo, o cidadão terá oportunidade e condições posteriores de barganhar

suas dívidas. Não se exime o ser contraente de obrigação, busca a priori manter suas

condições básicas e dignas de vivência para poder cumprí-las. Não há vantagem em atingir o

ser, jogando na miséria sem meios de suas obrigações. Trata-se pois, nada mais do que

usufruir da garantia que o constituinte inseriu de maneira indisponível nos direitos sócio-

econômicos de cada indivíduo.

Em contribuição do autor (2006, p. 165-168), mostra-se:

A defesa de um patrimônio mínimo denota o caráter instrumental (meio) da esfera

patrimonial em relação à pessoa (fim).

Segue:

A proteção do patrimônio mínimo não está atrelada à exacerbação do indivíduo. Não

se prega a volta ao direito solitário da individualidade suprema, mas sim do respeito

ao indivíduo numa concepção solidária e comtemporânea, apta a recolher a

experiência solidificada a superar seus limites. Ademais, está além da concepção

contemporânea de patrimônio.

E completa:

17

Art. 648 - Não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis. 18

Art. 649 - São absolutamente impenhoráveis:

I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;

II - os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado

valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;

III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;

IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e

montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família,

os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3º deste

artigo;

V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou

úteis ao exercício de qualquer profissão;

VI - o seguro de vida;

VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;

VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;

IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou

assistência social;

X - até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança.

XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos, nos termos da lei, por partido político.

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Esta tese se dedica, ao registrar as tendências atuais, à tarefa de reconstruir, no

âmbito do sistema jurídico, a possibilidade de um novo olhar sobre os bens e as

coisas.

Lembrando-se sempre que o manto da teoria pode se estender ao caráter de

pessoa jurídica, como alhures afirmado. A teoria sustenta a inclusão da empresa dentro da

proteção.

Entretanto, para não alongar o tema, pois este não é o foco, posto que

execução de empresas, dissolução, enceramento, fusão, estaria extrapolando a competência

desse estudo, dar-se-á por encerrado este tópico. Além do que, em uma sociedade tão desigual

quanto a que vivemos, seria de uma pretensão tamanha descrever as inúmeras possibilidades

que encontraríamos de resguardar um mínimo existencial. Projeta-se o patrimônio mínimo a

cada caso individual, visto que o caso concreto e as necessidades impostas ao sujeito

mensuram a aplicação da teoria em apresentação. Portanto, continua com o caráter da

proposta de que é o alcance universal, cabível a todos indiferente de sua condição financeira,

sexo, razões sociais e políticas, pois aqui, muito embora sabemos que a realidade de todos

terem um patrimônio mínimo esteja longe, consideramos tal falácia para estudo, posto a

característica universal que a teoria do estatuto jurídico do patrimônio mínimo possui.

Podemos incluir ao patrimônio, ou melhor, na proteção do mesmo, os

instrumentos de trabalho.

O interessante nesta breve análise é sobre os meios laborativos não

suscetíveis à penhora. A lei protege apenas aqueles compreendidos como utensílios

necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão. Assim, quando falamos em livros,

maquinários, instrumentos, preservamos apenas os que, sem o acesso a estes, o sujeito

devedor fica impossibilitado de gerar renda e se manter. A blindagem visa a manutenção da

atividade do indíviduo, pouco importa os bens impenhoráveis, seus valores, sua condição,

tudo que for necessário ao ser será incluído.

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Na legislação processual civil comentada por Theotonio Negrão (2002, p.

715), insere nota de um julgado com a interpretação de que a lei não exige que os meios de

trabalho sejam indispensáveis, basta que sejam úteis. Interessa saber que o respaldo dado cabe

apenas às pessoas que vivem do próprio esforço, não alcança portanto, firmas por exemplo.

Implica-se às pessoas físicas então, pois certo é que a ampliação da proposta poderia afetar na

idoneidade do devedor (relação de pessoa jurídica).

Verifica que as possibilidades de surgimento de uma forma de patrimônio

mínimo é ampla. Consideramos, por tudo já exposto, que as maneiras de agasalhar a pessoa

por meio do princípio da dignidade da pessoa humana, usando um patrimônio mínimo

existencial (aqui, considerado universalmente, embora falso) é ampla, e podemos nos

apropriar até mesmo de algumas das gerações dos direitos fundamentais. Segundo Uadi

Lammêgo Bulos (2007, p. 103-104), os direitos fundamentais de primeira geração

“prestigiavam-se as congnominadas prestações negativas, as quais geravam um dever de

não fazer por parte do Estado, com vistas à preservação do direito à vida, à liberdade de

locomoção”19

(grifo meu), vindo em seguida os direitos de segunda geração gerados pela

preservação do ser pós primeira guerra que “compreende os direitos sociais, econômicos e

culturais, os quais visam assegurar o bem-estar e a igualdade, impondo ao Estado uma

prestação positiva, no sentido de fazer algo de natureza social em favor do homem” (grifo

meu), passando então para os de terceira geração chamados de direitos de solidadariedade ou

fraternidade, vige um ambiente próspero, vida saudável e condições de desenvolvimento do

ser humano.

19

Ainda segundo o autor, roga por gerações temporais distintas mas que na teoria sempre colocaram a pessoa

humana no cerne da questão. Precioso o fato de que, mesmo de difícil concretização houve a valorização do ser

humano. A dignidade da pessoa humana em seus primórdios pode ser verificada , já que sempre o Estado tinha a

obrigação de não fazer ou fazer, tratando seus cidadãos de forma prioritária. O que se deu posteriormente foi à

sobreposição da pessoa em face o objeto. Mesmo assim havia um resquício do princípio da dignidade.

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A teoria dada por Luiz Edson Fachin traz um sistema perfeito, fechado,

utópico de que todos têm um patrimônio. Não há o que criticar visto que a necessidade dos

homens se apregoa num bem, pois dele se tira o sustento próprio e da família (considerada

pela sua formação como um todo: visão de família clássica, monoparental, ser único,

agrupamento de parentes consanguineos de diferentes linhas, etc.). Tanto real é a postura que

inúmeras passagens já citadas mostram a inviolabilidade do patrimônio.

Vimos também que a realidade fática brasileira não foi desconsiderada pelo

ilustre professor. Nas suas passagens pelo clássico sobre o tema ele transporta a realidade:

Conferir a patrimônio que, minimamente, garanta a sobrevivência de alguém não é

proceder que deva relegar a preocupação com aqueles que, no Brasil, nada ou

pouquíssimo tem. Tal estatuto de proteção porta a mesma base de idéias dessa

tormentosa questão, ainda que não confunda com os mecanismos de acesso aos

bens. (FACHIN, 2006, p. 286).

Ainda citando Fachin (2006, p. 290):

A ausência de patrimônio não permite, nem de longe, inferir a invalidade dos

postulados aqui sustentados em favor de pessoa. A falta de objeto patrimonial não

pode (nem deve jamais) acarretar o não comparecimento da pessoa ao estatuto de

sujeito.

Perceba que não houve distanciamento da realidade, apenas a postura

assumida foi a de considerar os seres como possuidores de algo.

Para concluir então, em simples linhas, podemos dizer que a proposta da

teoria é preservar um mínimo de patrimônio já existente, seja ele de pessoa física ou jurídica,

este por sua vez atrelado a sustentar um ser humano, para preservar uma vida digna e honrada.

O tempo conspirando com o avanço da sociedade foi colaborando para interagir a nova ordem

social com os ditames legais, e mesmo aos poucos sendo positivado nos códigos

infraconstitucionais, a Constituição Federal de 1988 pacificou a posição do ser no mundo

jurídico. Fato importante e também colaborador foi o fenômeno da constitucionalização dos

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direitos materiais, hora afetado por um intenso século XX de ditaduras, guerras, censura e

privação de direitos.

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IV. ATUAÇÃO DO ESTADO: ASPECTOS GERAIS DA

APLICABILIDADE DA TEORIA DE LUIZ EDSON FACHIN

Cabe neste enfoque final materializar a propositura do estudo sub examine

dentro de uma faceta estatal, sendo ela a postulada pela Constituição Federal de 1988 de

proteger e servir a sociedade.

Este compêndio visa transcorrer sobre os esforços da explicação colocando

a teoria de Fachin com suas características dentro da atuação do Estado, pois o estudo está

ligado diretamente a quatro classes de atuação máxima do regente: a conduta social, política,

econômica e jurídica, que são atreladas à proposta dada por Luiz Edson Fachin.

Assim, foram concebidas durante todo o século XX as atuais mudanças, e

também o direcionamento da visão jurídica. A constitucionalização dos ramos do direito

privado, em principal análise do Direito Civil, que voltou sua tendência a repersonalização de

sua ordem. Agraciado pelo inciso III, do artigo 1º da Cosntituição Federal de 1988,

principalmente, a pessoa vem ocupar seu devido posto, pilar mestre, objeto das graças que o

ordenamento jurídico pode oferecer. Nessa balança decai então, a representatividade do

patrimônio o qual atua como coadjuvante para o ser. A consonância que a constituição exige

vem sendo aplicada neste caso. Relativiza-se a proteção da propriedade para usufruir em

razão da necessidade da pessoa humana, afirmando Fachin que o patrimônio deve vir através

do trabalho, suor da pessoa, indo mais além ao ressaltar que a titularidade das coisas não pode

ser um fim em si mesmo.

Não basta entretanto mirar metas e estabelecer propostas. O Estado tem que

ser atuante, pois a teoria aqui apresentada versa da dependência de uma igualdade de direitos,

possibilidades e crescimento geral, ou seja, a sociedade só cresce com o desenvolvimento do

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indivíduo único. Preza-se pela ascensão do ser como um todo, e não favorecimentos de alguns

e aproveitar de outros tantos. O Poder Público deve atuar de forma positiva, cumprindo o

artigo 6º da Carta Máxima referente aos direitos sociais. Na plena sabedoria de José Afonso

da Silva (2007, p. 286), o referido artigo caracteriza-se com “prestações positivas

proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas contitucionais,

que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a

igualização de situações sociais desiguais”. Embasa a teoria no princípio da dignidade da

pessoa humana que o Estado, mediante o Poder Público atuando em favor da sociedade

melhore a vivência de seus integrantes: ações públicas, projetos, formas de complementação

de renda, tudo o que for válido, e feito com ombridade e dignidade para diminuir a sociedade

disforme em que vivemos.

Projeta a Constituição o ser próspero e digno, usando seu patrimônio como

meio de se manter. Claro que seu patrimônio visa não só manter o ser, como também, evitar

seu definhamento social preservando um patrimônio mínimo, seja ele a forma que for.

Fachin expõe a observação de Orlando Carvalho no que tange a projeção do

ser ao ter,relacionando a evolução constitucional-civilista, que eleva a pessoa humana como

cerne desta teoria, considerando o patrimônio a serviço da pessoa, razão de ser, ou seu fim

último para igualdade social. Ter acesso aos bens e poder controlá-los é o mesmo que

controlar seu meio de subsistência, cabe aí a atuação do direito civil, nortear a função

contratual, patrimonial, familiar, em respeito a pessoa humana, e não cada qual se

personalizar e existir por si só.

Dentro dessa explanação é oportuna a passagem trazida por Fachin (2006, p.

246-247) sobre os ensinamento de Orlando de Carvalho, sobre a repersonalização, a saber:

É neste sentido que se julga oportuna a “repersonalização” do direito civil – seja

qual for o invólucro em que esse direito se contenha -, isto é, a acentuação da sua

raiz antropocêntrica, da sua ligação visceral com a pessoa e os seus direitos. Sem

essa raiz um tal direito é ininteligível [...] o Direito , não sendo um sistema lógico,

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como pretendia a jurisprudência conceitual, é, todavia, um sistema axiológico, um

sistema ético a que o homem preside como o primeiro e mais imprescritível dos

valores [...] restaurar a primazia da pessoa é assim o dever número um de uma teoria

do direito que se apresente como teoria do direito civil.

Entende pois, que o direito não é imutável, muito pelo contrário, traz em si

um gene mutante que mesmo se a própria norma não se modifica, o entendimento da

sociedade, das pessoa sobre certo assunto irá mudar, pois o interesse do indivíduo segue uma

ordem social-econômica, e mais: choque de interesses.

O núcleo da norma é o ser humano digno e solidário, onde que a norma

constitucional preserva e faz das normas infraconstitucionais curvarem-se à repersonalização

do direito. Quando se deu a despatrimonialização do direito civil, foi então a máxima

demonstração que as raízes do fenômeno da constitucionalização do direito se voltou a sua

razão existencial - servir ao homem. Orlando Gomes (2000, p. 72-90) passa esse contexto de

modernização do Direito Civil, salientando as mudanças decorrentes em assuntos estagnados

outrora como: propriedade, contrato, família, herança. O princípio da dignidade, da igualdade,

da solicialidade representou um peso grande na construção do novo código civil, sendo que o

Estado passa a se comprometer com a justiça social visto por uma tendência humanista desta

vez. GOMES dispara radicais mudanças que a evolução da sociedade proporcionou incubindo

o Estado de porteger seus indivíduos.

Fica saliente que para se validar a teoria do Poder Público deve agir

direcionando sua política à sociedade e facilitando o acesso ao Poder Judiciário. A igualdade

por detrás dessa ação estatal não pretende nivelar as relações econômicas, ou desestabilizar as

relações contratuais, em sentido oposto a este senso primário, a teoria do estatuto jurídico do

patrimônio mínimo, tende a preponderar as relações humanas preservando aquele mínimo já

existencial para promover a subsistência do ser, muitas vezes até dando base para uma

reestruturação para cumprir com suas obrigações. Muito embora tal teoria considerar a

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universalidade de patrimônio, não se faz surpresa a afirmação descaradamente falsa, por força

histórica, a desigualdade é manifesta em qualquer lugar e região do Brasil, mas isso não

abstém da importância de preservar a propriedade, os bens, os instrumentos de trabalho, o

automóvel do autônomo, etc. Perceba que a falha existente no pressuposto de que todos

possuem um patrimônio pode ser superada se o Estado agir honestamente com o repasse de

verbas, atução firme e severa nas políticas sócio-econômicas, até mesmo usando de

programas assitenciais para preencher esta lacuna.

Consideração deve ser dada na proposta de Fachin. Entregar a garantia de

um mínimo patrimonial capaz de manter a dignidade da pessoa ou entidade familiar, é o

idealizado por qualquer Estado que dê importância para sua população. Reeducar o Estado

para que assim ele possa reeducar sua nação é essencial para dar concretude e força à teoria.

O que passa pela alçada do Estado então? A resposta é dada pela própria

base da teoria de Fachin, melhor dizendo, expõe a Constituição Federal de 1988 no Título I:

Dos Princípios Fundamentais (já se sabe, portanto, que o ordenamento cravado a seguir é

inerente a vontade das demais existencialidades): Art. 1º - A República Federativa do Brasil,

formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se

em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa

humana; não há forma de limitar o que é dignidade da pessoa humana, pois cada caso que se

invoque o princípio estruturante será caso de análise única. Sobre a responsabilidade do

Estado versará toda e qualquer ação que traga aos seus cidadãos uma qualidade melhor de

vida. Vida digna e com qualidade, pois sobreviver muitos sobrevivem, mas viver com

qualidade... pelo menos o Estado possui condições de enxugar esse mar de desigualdade.

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CONCLUSÃO

Em meio a tantos preceitos formuladores desse estudo chega-se a um ponto

fundamental, qual seja, desenvolver a tese do patrimônio no vértice que foi proposto. Para

tanto, concentra-se esforços finais para uma síntese dos emblemas formadores da tese.

Vimos portanto, que para a teoria do estatuto jurídico do patrimônio mínimo

podemos compreender como pessoa tanto a pessoa natural, existente em si e constituinte de

uma entidade familiar a ser protegida pela carta constitucional, quanto a pessoa jurídica no

qual é o único meio de sobrevivência do ser, ela existe e permanece com o fim propulsor de

manter a família.

Consideramos a abrangência de patrimônio sendo ele toda forma que pode

gerar um valor real, pecúnia, capaz de trazer renda e fins econômicos. Não se confunde com

propriedade ou bens, sendo que estes constituem um círculo maior denominado patrimônio. E

ainda, ressalta-se que patrimônio, hoje entendido assim, como uma res que pode ser

contituída de personalidade desde que sua razão de existir seja proteger a pessoa por detrás

dela. Então não mais devemos enchergar o bem como fim em si mesmo, mas como meio de

alcance a um bem maior para o sujeito de direito.

Essa relação sujeito-patrimônio aparece como sendo uma base para o

princípio da dignidade da pessoa humana, que representa nada mais do que o ente persona,

ser responsavél e tutelado pelo direito, como centro de toda a relação sócio-político-jurídico,

pois sendo este princípio o basilar (posto no inciso III do artigo 1º da Constituição),

fundamental, constituinte dos demais direitos. Melhor dizendo, seria o artigo 1º de toda e

qualquer proposta regulamentadora de qualquer relação homem-mundo. Caso não siga este

princípio fundamental a Carta Constitucional estará sendo violada.

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E toda essa transformação ocorreu num sistema lento e evolutivo das

relações sociais. O direito passou a se voltar para a pessoa humana como foco central,

marginalizando por conseguinte, a visão liberal patrimonialista que o Código Civil anterior

regia. Esse fenômeno da despatrimonialização ou repersonalização do Direito Civil passou a

ter espaço quando se anunciou um outro fenômeno, o da constitucionalização do direito

privado. Veja que seu almejar era tornar eficaz os ditos programáticos da Constituição Federal

de 1988, sua visão passa a ser um terreno sólido de alicerces rijos para uma legislação

infraconstitucional mais apta a realizar sua funções humanísticas. Nada mais do que a efetiva

visão que temos de uma constituição.

Preza a teoria de Fachin por um sistema mais humanístico e solidário aos

seres menos agraciados dos meios de subsistir. Reza por um mínimo patrimonial já existente

que seria inatingível pelos credores. Tal proteção tem primeira imagem de ser protecionista e

desreguladora de economia, mas não direciona-se para este caminho o pensar do professor

Fachin. A teoria não consiste em proteger os insolventes, os devedores ou dar bases lagais

para fraudes ou golpes fiscais, visa um propósito muito mais nobre. O patrimônio mínimo é

uma forma de manter aqueles que com muito esforço pouco conseguiu adquirir, ou por força

maior veio a esfarelar o que possuía; protege-se esse mínimo restante para que o ser humano,

a família, passa a desfrutar de uma dignidade mínima protegendo-se de um definição total.

Ora, tratamos de seres humanos capazes, detentores de direitos e obrigações, e ao possibilitar

a intangibilidade do patrimônio mínimo protege cumulativamente seus dependentes. Entrega a

chance de uma possível reestruturação para cumprimento de suas obrigações.

Ato falho seria expor a perfeição desta teoria ao passo que a premissa de

todos os indivíduos serem possuidores de algum patrimônio seria absurda, e que a lei é

aplicável de igual forma a todos. Pois não se vale Fachin de tamanha falácia. Como

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anteriormente citado o autor sabe desta lacuna, mas solucionar um problema sócio-econômico

de tamanha magnitude numa simple proposta teórica seria uma soberba digna de Narciso.

Presta este estudo a uma simples notoriedade, que através de políticas e

normas efetivamente eficazes possam possibilitar aos entes compositores desta nação o

compromisso firmado na consituição nos artigos 1º, III, cumprindo com a diginidade da

pessoa humana a cada cidadão, artigo 2º, utilizando os poderes complementarmente visto que,

sua disposição apesar de independentes são harmônicos, artigo 3º, em todos seus incisos

destacando porém o I e o III: formação de uma sociedade livre, justa e solidária, visando

erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Como

também o artigo 6º anunciando os direitos sociais dos cidadãos, o artigo 170 que preceitua

uma ordem econômica que possibilite a existência digna e justa aos seres humanos, o artigo

226 protegendo a formação familiar. Todos estes dispositivos são da Constituição Federal do

Brasil de 05 deoutubro de 1988, e cada artigo destes se refere a uma fração formadora da tese

estudada. Perceba então, que não há protecionismo discriminador aos hipossuficientes

economicamente falando, ou proteção aos que agem de má-fé. Trata-se apenas de uma

proposta tendente a solidificar, ou melhor, retirar o caráter programático das normas

constitucionais, dotando esses princípios de verdadeira efetividade.

A teoria de Fachin tem falhas, mas traz uma proposta no centro de sua

razão. Uma forma de solucionar o abismo social que há em nosso país. Por políticas

avançadas, num entendimento mais claro da hermenêutica jurídica, de padrões mais acessíveis

ao direito brasileiro, seria um proposta de grande valor, deveríamos dar a ela uma atenção

especial para diminuirmos esta discrepância social.

Por fim, salvamos a questão que o ser humano é o olho do furacão e sua

força rotativa centrípeta deve mover razões, ideais, prosperidade a todos que são iguais para o

Estado, e seus ventos devem sempre converterem ações benéficas a seus entes, transcendendo

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o tempo e as idéias rumo a uma sociedade que, quem sabe, não é somente utópica, mais sim

merecidamente alcançada com grandes esforços e sacrificios.

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