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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE THEREZA CRISTINA COSTA ROCHA GOMES A ANÁLISE CONSTITUCIONAL DA PROVA À LUZ DO ATUAL PROCESSO CIVIL BRASILEIRO NATAL/RN 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

THEREZA CRISTINA COSTA ROCHA GOMES

A ANÁLISE CONSTITUCIONAL DA PROVA À LUZ DO ATUAL PROCESSO

CIVIL BRASILEIRO

NATAL/RN 2016

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THEREZA CRISTINA COSTA ROCHA GOMES

A ANÁLISE CONSTITUCIONAL DA PROVA À LUZ DO ATUAL PROCESSO

CIVIL BRASILEIRO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Professor Doutor Artur Cortez Bonifácio

NATAL/RN 2016

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Catalogação da Publicação na Fonte.

UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Gomes, Thereza Cristina Costa Rocha.

A análise constitucional da prova à luz do atual processo civil brasileiro / Thereza Cristina

Costa Rocha Gomes. - Natal, RN, 2016.

110 f.

Orientador: Prof. Dr. Artur Cortez Bonifácio.

Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de

Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em Direito.

1. Processo civil brasileiro – Dissertação. 2. Provas - Dissertação. 3. Garantia constitucional –

Dissertação. I. Bonifácio, Artur Cortez. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BS/CCSA CDU 347.91/.95(81)

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THEREZA CRISTINA COSTA ROCHA GOMES

A ANÁLISE CONSTITUCIONAL DA PROVA À LUZ DO ATUAL PROCESSO

CIVIL BRASILEIRO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Professor Doutor Artur Cortez Bonifácio

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________

Professor Examinador

____________________________________________

Professor Examinador

____________________________________________

Professor Examinador

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A quem dedico este trabalho

Ao meu pai Francisco das Chagas Rocha,

minha fonte inesgotável de inspiração; a minha

Gabi, que do céu vibra com esta conquista; a

Marcos Vinícius, que sublimou todos os

instantes que esteve sem a minha presença, e

a quem devoto todo o meu amor; a Clebson,

que está sempre ao meu lado, com o incentivo

tão necessário. À minha mãe Stella, pelas

orações e pela tão importante ajuda em todos

os momentos.

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A quem agradeço

A Deus, por primeiro.

E muito especialmente ao meu orientador Artur Cortez Bonifácio, juiz exemplar,

professor fiel à sua missão, jurista que honra o Estado do Rio Grande do Norte,

a quem eu apresento minha especial homenagem pelo ser humano

maravilhoso que é, e que aceitou o encargo de assistir-me neste trabalho, além

de incentivar-me sempre e confiar que seria possível chegar ao fim da trajetória

empreendida com tanto sacrifício.

Ao meu tio José Taumaturgo da Rocha, meu porto seguro, minha inspiração, minha fonte de sabedoria.

À minha tia Iza, pelo carinho tão indispensável e pelas orações.

Ao meu irmão Claudio Marcello, sempre ao meu lado.

Aos meus queridos amigos Maria Jacqueline Luna e François de Oliveira, pela ajuda e pela paciência de sempre.

A todas as pessoas que contribuíram para o cumprimento deste mister, com orações e palavras de incentivo.

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RESUMO

Este trabalho possui como norte a análise constitucional das provas de acordo com o novo regramento do Código de Processo Civil. Através dessa abordagem, é lançado um olhar para um tema que é de extrema relevância, especialmente quando se tem em conta a entrega de uma prestação jurisdicional justa e pautada nas garantias constitucionais do Estado Democrático de Direito. O estudo das provas revela a preocupação com a condução de uma atividade em que o devido processo legal seja aplicado com toda a sua pureza e inteireza, tanto com a observância do contraditório, tanto com a duração razoável do processo, que são, efetivamente, os maiores desejos da sociedade. Ao magistrado cumpre o dever de analisar as provas trazidas aos autos, refletindo essa análise no julgamento motivado da querela. Para tanto, há de se valer de um instrumental discursivo marcado por indispensável rigidez lógica. Diante da importância do instituto, deve-se, por imperativo, analisa-lo à luz das premissas norteadoras do estado democrático, em que a argumentação e as provas com que se pretende corporificar essa argumentação devem integrar o arcabouço probatório dos autos. O processo é o instrumento posto à disposição para a concretização da garantia constitucional de um processo justo, pautado no devido processo legal. Para a consecução desse mister, o destinatário das provas necessita de elementos para formação do seu convencimento, que conduzirá à composição do litígio que lhe foi posto à apreciação.

Palavras-chave: Provas – Processo civil – Garantia constitucional.

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ABSTRACT

This work has the north constitutional analysis of the evidence in accordance with the new establishment of rules of the Civil Procedure Code. Through this approach, launching a look at an issue that is extremely important, especially when you take into account the delivery of a fair adjudication and guided by constitutional guarantees of the democratic rule of law. The study of the evidence reveals concern about the conduct of an activity in which due process is applied to all its purity and integrity, both with the observance of the contradictory, both the reasonable length of proceedings, which are effectively the greatest desires of society. The magistrate fulfills the duty to consider the evidence brought before the Court, such an analysis reflecting the motivated judgement of the complaint. For that, one has to be worth a discursive instrumental marked by essential logic stiffness. Given the importance of the institute must, for imperative, analyzes it in the light of the guiding assumptions of the democratic state, in which the arguments and evidence that is intended to embody this argument be included in the evidentiary framework of the case. The procedure is the instrument made available for the implementation of the constitutional guarantee of the due process, based on due process. For the achievement of this task, the recipient of the evidence needs elements for formation of his conviction that will lead to dispute the composition of which was put him appreciation.

Key-words: Evidence – Civil lawsuit – Constitutional guarantee.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..............................................................................................................10

CAPÍTULO I: ASPECTOS LÓGICOS DA PROVA – FILOSOFIA E LÓGICA NA

CONCEITUAÇÃO DO INSTITUTO DA PROVA

1. POR QUE FALAR EM LÓGICA?.............................................................................13

2. OS TEMAS DA CERTEZA E DO ERRO...................................................................22

3. QEM TEM MEDO DAS FALÁCIAS?........................................................................25

CAPÍTULO II: OBJETIVIDADE NA DISCIPLINA JURÍDICA DA PROVA. AFINAL, O

QUE É A PROVA SEGUNDO A TEORIA GERAL DO DIREITO?

1. PROVA: UMA IDEIA INICIAL ..................................................................................32

2. A BUSCA DA VERDADE..........................................................................................34

2.1. VERDADE E VEROSSIMILHANÇA.......................................................................39

3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROVA......................................................................41

4. CONCEITO, OBJETO E FINALIDADE DA PROVA NA ATIVIDADE

JUDICANTE..................................................................................................................44

4.1 – CONCEITO...........................................................................................................44

4.2 – OBJETO...............................................................................................................48

4.3 – FINALIDADE........................................................................................................52

CAPÍTULO III: A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO CONSTITUCIONAL ATRAVÉS DO

TEMPO – A FILOSOFIA POR TRÁS DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO

PROCESSO E DA PROVA

1. ANTES DE CHEGAR AO CONSTITUCIONALISMO: O ILUMINISMO................................................................................................................ 54

2. ANTES DE CHEGAR AO NEOCONSTITUCIONALISMO: O

CONSTITUCIONALISMO ............................................................................................56

3. SOBRE O NEOCONSTITUCIONAISMO................................................................. 60

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CAPÍTULO IV: A PROVA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

1.O ESTADO DEMOCRÁTICO DE

DIREITO........................................................................................................................68

2. SOBRE O ACESSO À JUSTIÇA E A GARANTIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL

À PROVA......................................................................................................................70

3. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E A QUESTÃO DA

PROVA..........................................................................................................................74

3.1 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL ......................................................75

3.2 PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA.........................................77

3.3 PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE PROVAS ILÍCITAS..............................................80

3.4 PRINCÍPIO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO......................................82

3.5 PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES......................................................83

CAPÍTULO V: A PROVA NO ATUAL CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL EM FACE ÀS

OPÇÕES CONSTITUCIONAIS

1. A DISCIPLINA DA PROVA NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 E A

PROVA NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (LEI Nº

13.105/2015).................................................................................................................86

2. ATIVIDADE JUDICANTE: ANÁLISE, CABIMENTO E NECESSIDADE DA

PROVA..........................................................................................................................88

3. PROVA E ÔNUS PROBATÓRIO..............................................................................90

4. PODERES DISCRICIONÁRIOS DO JULGADOR NA APRECIAÇÃO DA

PROVA..........................................................................................................................93

5. TUTELAS PROVISÓRIAS DE URGÊNCIA E EVIDÊNCIA NO CPC/2015 E A

QUESTÃO DA PROVA.................................................................................................97

CONCLUSÃO.............................................................................................................102

REFERÊNCIAS...........................................................................................................106

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INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por escopo realizar uma análise da prova,

instituto de direito processual, à luz da Constituição Federal de 1988. Sua

fixação deveu-se à consciência de que toda atenção dispensada ao tema é de

grande valia, sendo a prova imprescindível para a busca da verdade, valendo o

mesmo na realização do cumprimento das garantias constitucionais

asseguradas pelo Estado Democrático de Direito, uma vez que a prova, ante o

disposto no art. 5º, LIV da Constituição da República, é considerada uma

exigência e uma garantia, um direito e uma necessidade. Assim, o processo

judicial, de que o sistema probatório se faz coração, deve pulsar sempre em

conformidade com o ritmo ditado pela Constituição, animado pelo esforço

empreendido para o estabelecimento da paz social, traduzido, sobretudo, pela

composição dos litígios, na esteira do ideal de justiça.

Além do cumprimento do desiderato de atender a exigências

didáticas, este trabalho se apresenta como uma contribuição para o estudo do

direito probatório brasileiro, especialmente no que tange à necessidade de

produção de prova para formação do convencimento do magistrado. Isso tudo

à consideração de como se faz presente tal necessidade, sobretudo ao ser

verificado que o ônus probatório pesa com a iniciativa das partes contendoras.

O objetivo geral é a fixação da doutrina da teoria geral da prova no direito

processual, iluminada pela Constituição Federal, especialmente no que tange

aos direitos fundamentais afeitos à matéria probatória, que foram inseridos no

Código de Ritos de 2015 (Lei nº 13.105), para uma escorreita aplicação do

instituto nas lides forenses.

O trabalho é dividido em cinco capítulos. No primeiro, acontece a

discussão da logicidade da prova, fazendo-se uso de noções extraídas da

teoria da linguagem, demonstrando-se a necessidade de a lógica vir a ser

utilizada nas atividades do labor diário dos aplicadores do direito, para que se

tenham as falácias distantes do juízo que se faça sobre o conhecimento de

determinado fato levado à apreciação do judiciário. E também para que se faça

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a análise dos argumentos trazidos ao debate, sob a diretiva de um raciocínio

correto.

A abordagem do segundo capítulo recai sobre a análise da prova

segundo a Teoria Geral do Direito, pontuando aspectos acerca da juridicidade

da prova. Neste capítulo, parte-se da definição do instituto, com contornos sutis

sobre o objeto e finalidade da prova, seguindo-se de uma retrospectiva

histórica da prova desde o seu nascedouro, até os dias atuais.

Já o terceiro capítulo contempla a formação do pensamento

constitucional, desde o iluminismo, até o neoconstitucionalismo, com especial

atenção para a formação do Estado Democrático de Direito, que norteará todo

o trabalho.

O quarto capítulo preocupa-se com a doutrina constitucional da

prova, pois, considerando o atual estágio da realidade, sabemos que os

princípios constitucionais apontam o norte para a busca de uma sociedade

pacífica. Desde que foi abolida a vingança privada, o Estado assumiu o ônus

de resolver os conflitos ocorridos entre os sujeitos sociais. Para cumprir esse

desiderato, no arco da história, ele se valeu de alguns princípios. E nos últimos

tempos, notadamente a partir do derradeiro Conflito Mundial, lançou mão de

ideias gerais insculpidas nos Textos Constitucionais, sempre buscando a

consecução de seu intento, qual seja a pacificação social. É o caso, do

contraditório e da ampla defesa, da proibição de provas ilícitas, do dever de

motivar as decisões, que são corolários do princípio maior do Devido Processo

Legal, além, evidentemente, do acesso à justiça.

Por derradeiro, o quinto capítulo se ocupa do “novo regramento

do Código de Processo Civil”, em matéria probatória. Seu conteúdo quer

sobrelevar a questão que invariavelmente é enfrentada todos os dias pelos

magistrados: analisar a prova trazida aos autos, questionando o seu cabimento

e, muito especialmente, sua necessidade. Afinal, o próprio sistema jurídico

processual brasileiro cobra essa atividade.

A necessidade da prova decorre, pois, da exata finalidade do

processo, que é a formação de um ato de autoridade suportada pelo poder de

julgar. Em outras palavras, diga-se do processo, depois de iniciado o

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contraditório, que ele se constitui um diálogo entre as partes, travado sempre

com o objetivo de formar o convencimento do magistrado acerca das

proposições expendidas.

A identificação do conceito e importância do direito probatório como

garantia do cidadão é assaz importante para a concretização das promessas

constitucionais do estado democrático de direito.

A dissertação será construída a partir de uma pesquisa bibliográfica

das obras indicadas, além da análise dos dispositivos jurídico-legais e

enunciados do Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC.

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CAPÍTULO I: ASPECTOS LÓGICOS DA PROVA – FILOSOFIA E LÓGICA NA

CONCEITUAÇÃO DO INSTITUTO DA PROVA

1. Por que falar em lógica?

Cuidando de apreciar o papel da linguagem no terreno do direito,

GENARO R. CARRIÓ, logo ao iniciar sua obra “Notas sobre derecho y lenguaje”,1

relata a existência de problemas – por ele chamados de obstáculos – que se

fincam na teoria e na prática jurídicas. O surgimento de tais problemas é uma

decorrência do pouco cuidado e do esquecimento votados por juristas a

algumas características próprias da linguagem natural que, como sabido, é

utilizada em sede de formulação e aplicação normativas.

O citado CARRIÓ chama a atenção para a riqueza e a complexidade

da linguagem, por ele vista como ferramenta comunicacional ímpar.2 O bom ou

mau funcionamento dessa ferramenta vai depender, no entendimento do citado

autor, do nível de perplexidade a que chega o destinatário das mensagens

emitidas no processo comunicacional, sendo ele de padrão científico ou não. E

isso tanto pode ocorrer em uma audição ou em uma leitura, conforme seja esse

destinatário ouvinte ou leitor. 3

A perplexidade a que se refere o jurista e filósofo argentino pode ser

traduzida em duas perguntas, consoante seja esse embaraço causado pelo

desconhecimento da “natureza... do ato verbal” que o emitente de uma

mensagem protagoniza; ou pelo desconhecimento do próprio “conteúdo do ato

verbal”.4 No primeiro caso, aquela perplexidade se manifesta através da

pergunta “Como devo tomar tal ou qual expressão?” Como ordem? Conselho?

Advertência? Súplica? Pedido? Instrução? Exigência? Assertiva? Indagação?

1CARRIÓ, Genaro R.. Notas sobre derecho y lenguaje. 4.ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1994. Pág.17. 2 vr. ibidem 3 vr. ibidem 4 Op, cit., pág. 18.

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Desejo? Sugestão? Saudação? Convite? Elogio? Justificativa? Pedido de

desculpa? Recomendação? Censura? Juramento? Promessa? Maldição?

Veredicto? Autorização? Negativa? Proibição? Julgamento? Mero ato de

cortesia? 5

Já em relação ao segundo caso, a mesma perplexidade se

manifestará mediante a indagação “Que quer dizer o emissor, com aquilo que

disse?” O receptor bem pode compreender tratar-se de uma ordem, mas

apenas desconhece o que lhe foi ordenado. Ou compreende tratar-se de uma

proibição, sem saber o que lhe foi proibido.6

Lembra ainda CARRIÓ que essas duas espécies de embaraço podem

ocorrer a um só tempo, embora cheguem ambas, subpostas à análise, a ser

perceptíveis em instantes diferentes. Por isso mesmo o autor em referência

aponta a existência de dois “panoramas distintos de problema”:7

1 – Um dos panoramas se refere à primeira

pergunta e é tratado por CARRIÓ sob as rubricas “usos da

linguagem”; “significado emotivo das palavras”; “uso diretivo

da linguagem”; e “uso operativo da linguagem”. 8

2 – O outro é relativo à segunda pergunta e pode

ser apreciado em face de notórias dificuldades semânticas,

basicamente aquelas da ambiguidade e da vagueza das

palavras.9

No respeitante aos diversos usos da linguagem, são

costumeiramente identificadas, dentre outras, as funções de descrever fatos e

circunstâncias; de expressar sentimentos; de direcionar a ação de terceiros; de

especificar uma operação. Merece atenção o elenco exemplificativo listado por

CARRIÓ na demonstração desse uso operativo10: “interponho o recurso”;

5 ibidem. 6 ibidem. 7 idem, pág. 19 8 vr. idem, pág. 19 e segs. 9 idem, pág. 24 e segs. 10 idem, pág.44.

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“renuncio a meus direitos”; “aceito sua oferta”.

Em relação agora ao emprego das palavras gerais, possuidoras de

forças denotativa e conotativa, identifique-se nelas uma extensão e uma

intensão, da mesma forma que nelas deva se perceber uma definição e uma

classificação.11

Ora, às vezes uma só palavra pode apresentar significados diversos.

É o caso da palavra “rádio”, para se seguir na esteira de CARRIÓ.12 A esse

fenômeno dá-se o nome de ambiguidade. A ambiguidade, no entanto, acolhe

mais do que a simples pluralidade de sentidos. Ela alcança ainda – novamente

o exemplo é trazido pelo autor lembrado – a possibilidade de com uma palavra

– a palavra “jogo” – que faz referência ao futebol e ao xadrez, não o fazendo

quanto à natação e à esgrima, descrever uma realidade e não outra de mesma

natureza.13

Por outro lado, as dificuldades com o uso da linguagem natural tem

seguimento com a imprecisão das palavras. Em determinados casos essa

imprecisão causa incerteza; em outros, gera dúvidas. Aqui, pois, se enfrenta a

questão da vagueza ou variabilidade de sentido que as palavras apresentam,

tanto potencial como intencionalmente. A vagueza, em qualquer dessas duas

formas expressivas, diz com a necessidade de verificação de conteúdos, aqui

valendo lembrar o exemplo dado por CARRIÓ para a palavra DINAMARQUÊS,

com que é possível designar uma pessoa humana nascida no país da

Dinamarca e um indivíduo de determinada espécie canina, nascido em

qualquer país.14

Essa lembrança traz à baila a ideia de vocabulário, visto como

compilação total ou parcial das unidades léxicas de uma língua. Tomando o

léxico da língua portuguesa, alguém encontrará o registro da palavra declarar e

de seus termos sinônimos: manifestar, patentear, expor, referir, pronunciar,

confessar, esclarecer. Para os propósitos do presente trabalho, no entanto, o

11 vr. idem, pág. 27 12 idem, pág. 28 13 idem, pág.30. 14 idem, pág. 33.

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termo “declaração” vai servir para designar uma sentença que sirva para expor

a verdade. Isto é: com uma declaração o que se pretende será sempre expor

ou estabelecer a verdade. Desse modo, toda declaração demanda uma

validade, que se há de apoiar ou fundamentar na evidência dos fatos. Em

outras palavras: toda declaração precisa estar acompanhada de prova.

Prescindem de prova, entretanto, algumas ordens de declaração:

1. Os axiomas (declarações que expressam verdades aceitas

universalmente);

2. As evidências (declarações referentes a algo visível para

todos e que se mostram evidentes por si mesmas);

3. As proposições autorizadas15 (declarações cujo conteúdo é

suportado pela notória especialização do emitente);16

4. As declarações que escapam do domínio intelectual por:

• Dizerem respeito aos sentimentos;

• Refletirem apreciação de ordem estética; e

• Estarem ligadas à justificação ou defesa de fé religiosa.

Sendo verdade que só os fatos admitem prova, importa distinguir

fato de indício. Não porque o fato se comprova, ao passo que o indício se

infere. Mas porque o fato, quando acuradamente observado, conduz ou pode

conduzir à certeza (certeza absoluta). Já o indício, este apenas leva à

inferência do provável ou do possível, significando com isso que a inferência

produz certeza relativa.

Essa relatividade leva em conta a graduação das inferências, pois

estas balançam pendularmente do extremamente provável e possível ao

extremamente improvável e impossível. De nota, por exemplo, é o que

acontece com a certeza acaso existente sobre a ocorrência de precipitação 15 “O conceito de autoridade tem, manifestamente, um caráter relacional... Quando a relação versa sobre crenças, se fala de autoridade teórica; se é sobre ações ou decisões, de autoridade prática. Trata-se de no-ções distintas, porém obviamente relacionadas entre si.... O conceito de autoridade teórica é provavel-mente mais simples (ou mais claro) que o de autoridade prática, no sentido de que parece mais fácil de-terminar que condições devem ocorrer para que alguém tenha autoridade teórica (em um certo campo) e que consequências resultam disso.” In ATIENZA, Manuel “O Argumento de autoridade no direito”. Novos Estudos Jurídicos. Nej. 02.2012.indd. ISSN Eletrônico http://siaiap32.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/3964/2307, acessado em 21.03.2016. 16 A especialização do emitente tem a ver com o domínio especializado que cada um dos especialistas possui na área científica particular em que milita.

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pluviométrica na região do semiárido brasileiro, por ocasião da quadra não

chuvosa do ano, normalmente reconhecível no período do verão. É

extremamente provável que no verão nordestino – na faixa Nordeste Oriental -

chova com menos frequência que no inverno. E, no entanto, é muito improvável

que no mês de janeiro nela chova mais intensamente que no mês de março.

No entanto, se alguém considera a possibilidade de não chover na

Capital do Rio Grande do Norte, bem ao centro do Nordeste Oriental Brasileiro,

essa possibilidade há de ser desprezada se, por exemplo, alguém intenta

comprovar o ponto de congelamento ou de ebulição da água ali precipitada. É

que, chovendo ou não, a água congela a 0º (zero grau centígrado) e entra em

ebulição a 100º (cem graus centígrados). Essa circunstância fática é passível

de comprovação. Uma comprovação resultante de observação cuidadosa dos

fatos, desde que esses fatos sejam adequados, relevantes, típicos ou

característicos, suficientes e fidedignos.

Para se entender a consideração acima expendida, reproduzimos as

lições de JOSÉ TAUMATURGO DA ROCHA, presentes em anotações feitas com

vistas à realização de uma projetada e não ultimada “Lógica para os juristas

práticos”, textos inconclusos postos à disposição da autora deste trabalho, que

ora serão referenciados apenas como “anotações”:

Uma vez que a tipicidade de um fato está próximo da visão que se tenha sobre a sua adequação criminal (crime é um fato típico), melhor será aqui falar em condição necessária para que se produza um acontecimento determinado (uma circunstância em cuja ausência um evento não pode ocorrer); ou em condição suficiente para que se produza um acontecimento determinado (uma circunstância em cuja presença o evento deve ocorrer).17

Com efeito, existindo numerosas condições necessárias para a

ocorrência de um evento, todas elas devem estar incluídas na condição

suficiente. Eis, pois, a razão pela qual se pode inferir legitimamente a causa do

efeito apenas no sentido da condição necessária. E somente se poder inferir

legitimamente o efeito da causa apenas no sentido da condição suficiente.

Quando as inferências são feitas tanto da causa para efeito como do efeito

17 ROCHA, José Taumaturgo da. (Anotações em sala de aula)

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para a causa, o termo “causa” deve ser empregado no sentido de “condição

necessária e suficiente”. Neste uso a causa é identificada como condição

suficiente e a condição suficiente é considerada a conjunção de todas as

condições necessárias.

Alguém dirá que tanto aqui, quanto nas anotações de TAUMATURGO

DA ROCHA, acima transcritas, está sendo feito uso de pura lógica, entendida

como conhecimento filosófico. Eis porque, na perspectiva em que muitos se si-

tuam, o uso aqui adotado seria algo exclusivamente teórico e, por consequên-

cia, sem qualquer praticidade. Isto, porém, não é verdadeiro.

Não há dúvida, adianta o mencionado TAUMATURGO DA ROCHA, que

as palavras “lógico” e “lógica” são familiares a todos ou quase todos os envol-

vidos com o tema do direito que se pratica (prática do direito e não teoria do di-

reito): advogados, membros do Ministério Público, Juízes e seus auxiliares, cu-

jo exemplo mais adequado seria o dos peritos judiciais. Sendo assim, é admis-

sível, no mundo da operacionalidade jurídica18, encontrarem-se pessoas que

adotem um pensamento lógico, produzam uma explicação lógica, desenvolvam

um espírito lógico, assumam um comportamento lógico, cheguem a uma com-

provação lógica, a um convencimento ditado pela lógica, etc. Todos esses usos

linguísticos podem ser considerados derivativos de um sentido mais técnico

dos termos “lógico” e “ilógico”, derivação e sentido que são empregados na ca-

racterização (ou configuração, ou definição, ou elaboração, ou formulação, to-

das palavras designativas de ato ou operação) de argumentos racionais. So-

bretudo dos representantes dos sujeitos envolvidos no processo judicial, sejam

eles parciais ou imparciais.

É evidente, pelo que se torna dispensável comprová-lo, que para

bem compreender o que é lógica, uma pessoa tem de estudá-la e, consequen-

temente, de aprendê-la. O estudo da lógica, tal é a ideia mais comezinha verifi-

cável, a ponto de não se saber quem a formulou, pode ser entendido como o

estudo dos métodos e princípios que servem para distinguir o raciocínio correto

do raciocínio incorreto. Essa afirmação, contudo, não pretende estabelecer que

alguém só poderá argumentar corretamente se tiver estudado lógica. Uma

18 A expressão “operador jurídico”, amplamente utilizada por teóricos do direito, é bem a comprovação da existência dessa operacionalidade.

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afirmação do gênero, aliás, seria tão errônea quanto a afirmação de que um

atleta, para competir, precisa conhecer fisiologia, física, química, etc.

Fato, no entanto, é que uma pessoa com conhecimento de lógica

tem mais probabilidade de raciocinar corretamente do que aquela que não o

possui. Inclusive os advogados, promotores e juízes, conhecidos e reconheci-

dos prolatores de peças judiciais, dado que algumas delas chegam a se carac-

terizar pelo mau uso, feito por seus redatores, da lógica e da gramática. E as

razões para isso são várias, de acordo com o pensamento de TAUMATURGO DA

ROCHA19:

a) o estudo adequado da lógica se fará mediante

uma abordagem prática e uma outra teórica, exigindo de

quem o realize o desenvolvimento de um esforço adicional,

qual seja o de se exercitar em todos os aspectos da teoria

que apreende;

b) uma parte do estudo da lógica consiste no

exame e na análise das falácias, como são chamados os

métodos incorretos do raciocínio. Isso não só permite que se

tenha uma visão mais aprofundada dos princípios que infor-

mam o raciocínio em geral, como, pelo conhecimento, se

possa receber substancial auxílio com vistas a se evitarem

esses ardis (as falácias);

c) o estudo da lógica proporciona certas técnicas

e certos métodos cuja aplicação leva a que se determine a

correção ou incorreção de todos os raciocínios. É que sendo

possível localizarem-se mais facilmente os erros, menor a

probabilidade de serem eles cometidos.

A lógica, lembra TAUMATURGO DA ROCHA,20 tem sido definida frequen-

temente como a ciência das leis do pensamento. Definição que, por sinal, se-

gundo o autor apontado, não se mostra exata por dois motivos:

19 Anotações em sala de aula, já referidas. 20 idem.

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1. a lógica não pode ser “a” ciência das leis

do pensamento porque a psicologia também é uma ciência

que trata das leis mentais (entre outras coisas); e

2. se “pensamento” é qualquer processo

mental que se produz na psiquê das pessoas, nem todo

pensamento se constitui um objeto de estudo para o lógico,

pois se todo raciocínio é pensamento, nem todo pensa-

mento é raciocínio.

E acrescenta ainda o indicado autor, no mesmo texto;

Uma outra definição de lógica é a que a caracteriza como ciên-cia do raciocínio. Esta definição evita a segunda objeção pro-posta à definição anterior, o que a torna melhor do que aquela. Mesmo assim ela não é a definição mais adequada. Com efei-to, mesmo sendo o raciocínio um gênero especial do pensa-mento (nele se realizam inferências ou se derivam conclusões, a partir de premissas), ainda assim continua sendo ele uma espécie de pensamento e, por consequência, fazendo parte do material de estudo do psicólogo. O lógico não está interessado nos caminhos pelos quais a mente chega às suas conclusões durante os processos concretos de raciocínio. Ao lógico só in-teressa a correção do processo, uma vez completado. A inter-rogação do lógico é saber se a conclusão a que se chegou de-riva das premissas usadas (ou pressupostos). Se as premissas fornecem bases ou boas provas para a conclusão, se a afirma-ção da verdade das premissas garante a afirmação de que a conclusão também é verdadeira, então o raciocínio é correto. No caso contrário ele é incorreto.”21

A distinção, pois, entre o raciocínio correto e o incorreto parece ser o

problema central que incumbe à lógica tratar, pelo que os métodos e as técni-

cas do lógico também parecem ter sido desenvolvidos, primordialmente, com a

finalidade de elucidar essa distinção.

Para levar a cabo a tarefa de distinguir os argumentos corretos dos

argumentos incorretos é preciso que alguém esteja apto, primeiramente, a

reconhecer os argumentos, quando eles ocorrem; depois, é preciso que esteja

capacitado a identificar suas premissas e conclusões.

21 ibidem

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Tomada em si mesma, nenhuma proposição, isoladamente, é uma

premissa ou uma conclusão. Uma proposição somente é premissa quando ela,

em um argumento ou raciocínio, é tomada como pressuposto de algo. E so-

mente vem a ser conclusão quando aparece em um argumento onde afirmado

que ela decorre dos pressupostos (ou premissas).

Mas entre o “distinguir” um raciocínio correto do “utilizar” um

raciocínio correto corre diferença. Um é pura teoria. Outro, pura prática. Teórica

ou praticamente, o raciocínio é um pensamento onde se realizam inferências e

donde derivam conclusões, a partir de premissas. Importa, então, para o

prático e para o teórico, saber o que sejam umas (premissas) e outras

(conclusões).

Surge, assim, uma indagação: em face de um argumento, como

dizer qual a sua conclusão e quais as suas premissas? Seguramente não será

em virtude de sua posição na formulação do argumento. Será em função de

certas palavras ou frases que servem tipicamente para introduzir a conclusão.

Essas palavras são chamadas “indicadores de conclusão” (e.g.: portanto, daí,

logo, assim, consequentemente, segue-se que, podemos inferir, podemos

concluir). Outras palavras ou frases servem, tipicamente, para assinalar as

premissas de um argumento. São os chamados “indicadores de premissas”

(e.g.: porque, desde que, pois que, como, dado que, tanto mais que, pela razão

de). Uma vez reconhecido um argumento, então, essas palavras e frases

ajudam a identificar suas premissas e sua conclusão.22

É de ser lembrado, porém, que o lógico prático não está interessado

no processo de inferência em si, mas nas proposições, que são o ponto inicial

e final desse processo, bem como nas relações entre elas existentes. Em seu

trabalho, o que ele faz é identificar proposições. Ora, e isso é mais que ressa-

bido, as proposições são verdadeiras ou falsas, e nisso diferem das perguntas,

das ordens, das exclamações. Só as proposições podem ser afirmadas e ne-

gadas. Uma pergunta pode ser apenas respondida. Uma ordem apenas pode

22 Um indicador é um articulador do discurso, é uma palavra ou expressão utilizada para introduzir uma razão (uma premissa ou uma conclusão). Segue um elenco de indicadores de premissa (pois, porque, dado que, como foi dito, visto que, devido a, a razão é que, admitindo que, sabendo-se que, assumindo que) e de conclusão (por isso, por conseguinte, implica que, logo, portanto, então, daí que, segue-se que, pode-se inferir que, consequentemente).

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ser dada. Uma exclamação apenas pode ser proferida. Nenhuma delas pode

ser afirmada ou negada, nem é possível julgá-las verdadeiras ou falsas.

2. Os temas da certeza e do erro

Tornando conhecida ao mundo uma definição por ele próprio

debitada a um certo Isaac, que outro não é senão o filósofo ISAAC ISRAELI,23

SANTO TOMÁS DE AQUINO, nas Quaestiones disputatae de veritate24 e na Suma

Theologiae25 afirma que a verdade é a adequação da inteligência à realidade

(veritas est adaequatio rei et intellectus). Para acolher esse entendimento

importa considerar-se o que a propósito tem a dizer SIDNEY SILVEIRA26:

“no intelecto humano, a verdade é a forma (species) inteligível imaterial da coisa conhecida, abstraída das propriedades da coisa”. Isso quer dizer que a adequação (adaequatio) da inteligência (intelectus) à realidade (res) é o cumprimento de operação chamada abstração, dado que “o homem quando pensa, abstrai”.27

Para fixar o significado de abstração é preciso que se realize uma

operação de natureza alternativamente indutiva, ou dedutiva, ou analógica. A

operação indutiva produz um discurso que se vale de uma argumentação

probabilística. A dedutiva, diferentemente da anterior, pretende não operar com

probabilidades, porque parte de princípios gerais evidentes por si. A analógica

busca, com base na relação de semelhança estabelecida entre realidades,

extrair uma certeza a respeito de uma delas (ou de todas elas). Por

conseguinte, as hipóteses subpostas à verificação da verdade tem a intenção

23 vr. SILVEIRA, Sidney. A verdade: o modo próprio de adequação entre a inteligência e as coisas, <http://contraimpugnantes.blogspot.com.br/2010/09/verdade-o-modo-proprio-de-adequacao.html>. Acesso em: 16 de mar. 2016. 24 Traduções consultadas em: <http://www.aquinate.net/revista/edicao_atual/Traducoes/05/Quaestiones%20disputatae%20de% 20 veri-tate - proemium-et-art.1.pdf.> e <http://www.aquinate.net/revista/edicao_atual/Traducoes/05/Quaestiones%20disputatae%20de%20veritate-proemium-et-art.1.pdf>. 25TOMAS, de Aquino. Suma teológica. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2009. 9v. 26 Idem. 27 Ibidem.

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(pretensão) de certeza. Resta saber se esse objetivo poderá ser alcançado.

A propósito da certeza, leia-se o que escreve TAUMATURGO DA

ROCHA, no seu “Direito à vida: fundamentação, promoção, defesa”28:

“Certeza, como, modo singelo, ensina JOLIVET, “é o estado do espírito que consiste na adesão firme, a uma verdade conhecida, sem temor do engano”. Isto é, a certeza vem com a verdade. Não vem com o erro, que se define, por argumento a contrario, como a “não-conformidade do juízo às coisas” (e aqui se faz referência apenas à verdade lógica - adaequatio intelectus rei, de que fala TOMÁS). Na perspectiva da verdade ontológica, aquela presente no ser das coisas, ter-se-á que o “erro” se apresenta como uma recusa da verdade, não sendo propriamente um desvio da inteligência, senão que uma manifestação de vontade.”

Do ponto de vista de seu fundamento, prossegue o autor antes

referenciado, a certeza será metafísica, física e moral. Metafísica ela será

quando baseada na essência das coisas. Física, quando fundada no seu

substrato material. Moral, quando tem por base uma lei psicológica ou uma lei

moral. Desse modo, por exemplo, ao se afirmar que a vida humana é portadora

de dignidade, faz-se adesão a uma verdade (ou assertiva que se tem por

verdadeira). E essa adesão toma por base a “essência” da vida, a experiência

que se tem da vida, ou uma lei moral, segundo a qual, a vida humana deve ser

respeitada.29

Dizem alguns, assevera TAUMATURGO DA ROCHA, que do ponto de

vista lógico, duas são as maneiras possíveis de errar.30 Erra-se porque

“raciocinamos mal com dados corretos” ou se erra porque “raciocina..(se).. bem

com dados falsos”. Os lógicos rejeitam um terceiro modo possível de erro, que

ocorre quando “raciocina...(se)... mal com dados falsos”. Sendo assim, o erro

pode resultar:

a) de um vício de forma – raciocinar mal com

dados corretos; ou

28 ROCHA, José Taumaturgo da. Direito à vida fundamentação - promoção - defesa. 2007, 3 v. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Pernambuco, Faculdade de Direito do Recife, Recife, 2007. 29 ibidem 30 idem

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b) de um vício de matéria (ou substância) – raci-

ocinar bem com dados falsos.

Não compete à lógica discutir o erro em si, a opinião falsa. À lógica

cabe descrever as formas do erro, e não lhe investigar as causas. Assim, por

exemplo, não integra a lógica o debate sobre tabus, superstições, crendices. O

que a lógica pretende é mostrar que as falsas opiniões resultantes dos tabus,

das superstições e das crendices tiveram como ponto de partida um raciocínio

viciado ou vicioso.

Diz-se do raciocínio incorreto em sua forma ou em seu conteúdo que

é uma “falácia”. Há, porém, falácias cometidas involuntariamente. A essas

chamam de “paralogismos”. As falácias voluntariamente construídas reservam

a designação de “sofismas”. Desse modo, “falácia” seria “gênero’, cujas “espé-

cies”, de acordo com o grau de voluntariedade nelas presentes, seriam o para-

logismo e o sofisma. Há quem aprofunde o tema da vontade de enganar, a

ponto de esquecer o gênero em função da espécie. Daí o uso muito frequente

do termo “sofisma” por alguns lógicos, os teóricos e os práticos.31

Múltiplos são os usos da palavra “falácia”. Uma ideia equivocada ou

uma falsa crença (acreditar que todos os homens são honestos ou que todos

os políticos são ladrões) é uma falácia, na conformidade do linguajar comum.

Os lógicos, porém, consideram falácia – aqui o sentido é técnico e restrito – um

erro de raciocínio ou de argumentação. Uma falácia, desse modo, é um tipo de

raciocínio incorreto. Mas há de ser notado que, se prestando um argumento ao

convencimento de interlocutores, leitores, auditórios, argumentos há tão obvi-

amente incorretos, que jamais atingiriam seu desiderato, não enganando a nin-

guém. Esses não merecem a designação de falácia. Falácia é o argumento

que, embora incorreto, psicologicamente é persuasivo. A falácia, portanto, deve

parecer ser correta. Daí a difusão da ideia de que falácia é uma forma de racio-

cínio que parece correta, mas, sendo examinada com atenção, mostra que não

o é.

31 Ver, a propósito, o que se lê, na internet, em um “site” destituído de maior reconhecimento ou autori-dade: “No âmbito da lógica, uma falácia consiste no ato de chegar a uma determinada conclusão errada a partir de proposições que são falsas. A filosofia de Aristóteles abordou a falácia como um sofisma, um ra-ciocínio errado que tenta passar como verdadeiro, para enganar outras pessoas.” <http://www.significados.com.br/falacia/>

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Vem se tornando costumeira a divisão das falácias em duas classes:

formais e informais (ou materiais).

a) Falácias formais são as que resultam de ar-

gumentação incorreta sobre dados justos. Aqui o erro resul-

ta de um vício de forma.

b) Falácias informais são as que resultam de ar-

gumentação correta sobre dados falsos. Aqui o erro resulta

de um engano na apreciação da matéria (dos fatos).

3. Quem tem medo das falácias?32

Para que se expurguem as falácias, urge bem conhecê-las. É que,

sendo aparentemente legítimas, são elas marcadas por erros e vícios,

circunstância que influirá na descoberta da verdade, significando com isso,

última razão, que a prova dos fatos poderá delas sofrer uma maléfica

influência.

As falácias ditas formais, aparentemente legítimas, contém vícios de

forma (pecados contra as leis formais da argumentação). Segundo informa

TAUMATURGO DA ROCHA,33 de acordo com a maioria dos lógicos, sua identidade

32 Em um texto intitulado “Guia das Falácias”, Stephen Downes, especialista em tecnologia da aprendiza-gem on-line e novas mídias, traduzido por Júlio Sameiro, teve oportunidade de afirmar: “A tradição lógi-ca e filosófica procurou fazer um inventário e dar nomes a essas falácias típicas e este guia faz a sua lista-gem.”. Na mesma URL o pesquisador canadense logra construir uma espécie de sumário, onde enumera espécies conhecidas de falácias. A estrutura dessa enumeração se ergue a partir dos seguintes elementos: I - Falácias da Dispersão (manobras de diversão): a) Falso dilema (falsa dicotomia); b) Apelo à ignorân-cia; c) Derrapagem (bola de neve ou declive ardiloso); e d) Pergunta complexa. II - Apelo a Motivos (em vez de razões): a) Apelo à força; b) Apelo à piedade; c) Apelo a consequências; d) Apelo a preconceitos; e e) Apelo ao povo. III - Fugir ao Assunto (falhar o alvo): a) Ataques pessoais; b) Apelo à autoridade; c) Autoridade anónima; e d) Estilo sem substância. IV - Falácias Indutivas: a) Generalização precipitada; b) Amostra não representativa; c) Falsa analogia; d) Indução preguiçosa; e e) Omissão de dados. V - Fa-lácias com regras gerais; a) Falácia do acidente; e b) Falácia inversa do acidente. VI - Falácias causais; a) Post hoc; b) Efeito conjunto; c) Insignificância; d) Tomar o efeito pela causa; e e) Causa complexa. VII - Falhar o alvo: a) Petição de princípio; b) Conclusão irrelevante; e c) Espantalho. VIII - Falácias da ambiguidade: a) Equívoco; b) Anfibologia; e c) Ênfase. IX - Erros categoriais: a) Falácia da compo-sição; e b) Falácia da divisão. X -- Non sequitur: a) Falácia da afirmação da consequente; b) Falácia da negação da antecedente; e c) Falácia da inconsistência. XI - Falácias da explicação: a) Inventar factos; b) Distorcer factos; c) Irrefutabilidade; d) Âmbito limitado; e e) Pouca profundidade. XII - Erros de De-finição: a) Definição demasiado lata; b) Definição demasiado restrita; c) Definição pouco clara; d) Defi-nição circular; e e) Definição contraditória. <http://criticanarede.com/falacias.html> 33 In: Anotações de sala de aula, cit.

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falaciosa se baseia nos seguintes fundamentos:

a) a identidade aparente de certas palavras;

b) a relação inadequada do todo com a parte;

c) a relação inadequada do princípio com a con-

sequência.

Aqueles lógicos seguem dizendo o mesmo autor34, afiançam que as

falácias ditas materiais, por igual aparentemente legítimas, contêm vício de ma-

téria por erro do conteúdo de suas premissas. Isso significa que sua identidade

falaciosa se baseia na violação de alguma das regras atinentes aos processos

dos métodos científicos. Eis porque dizem que as falácias materiais podem

ocorrer quanto:

a) ao método dedutivo; e

b) ao método indutivo.

Tipos mais apontados de falácias formais são o equívoco, a diversi-

dade de partes subjetivas, a tautologia, o vício de conversão, o vício de oposi-

ção, a falácia do consequente. 35

i) Equívoco

Na enunciação do argumento, uma mesma palavra é tomada em

dois sentidos diferentes, introduzindo, portanto, quatro termos no silogismo (to-

do silogismo contém apenas três termos: maior, menor e médio). Tome-se o

exemplo clássico da constelação que ladra:

O cão ladra.

Ora, o cão é uma constelação.

Logo, uma constelação ladra.

34 ibidem 35 Valho-me, aqui, do auxílio que me prestou o Professor Taumaturgo da Rocha na compreensão de suas anotações sobre lógica, a seu juízo indispensáveis sobretudo ao “jurista prático”, expressão que ele diz ter aprendido com ANTÔNIO LUIZ MACHADO NETO.

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ii) Diversidade de partes subjetivas

Na enunciação do argumento, um termo pode se referir, cada vez

em que é empregado, a partes subjetivas diferentes da mesma espécie.

A luz, em última análise, é vibração.

Ora, o som, em última análise, é vibração.

Logo, em última análise, o som é luz.

iii) Tautologia

Na enunciação de um argumento, a conclusão é a repetição explici-

tada de uma premissa.

Nação politicamente organizada é Estado.

Ora, o Brasil é nação politicamente organizada.

Logo, o Brasil é Estado.

iv) Vício de conversão

Na enunciação de um argumento se converte uma proposição geral,

concluindo da sua verdade uma verdade recíproca.

Todos os homens são mortais.

Logo, todos os mortais são homens.

v) Vício de oposição

Na enunciação de um argumento se converte uma proposição geral,

concluindo da sua falsidade a verdade de uma proposição contrária.

Se é falso que todo homem é virtuoso, então, nenhum ho-

mem é virtuoso.

iv) Falácia do consequente

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Dá-se quando, da afirmação do consequente se deduz falsamente a

afirmação do antecedente; ou quando da negação do antecedente se deduz a

negação do consequente.

Se o pássaro canta, vive.

Ora, ele vive.

Logo, ele canta.

Se Maria vive, ela fala.

Ora, Maria não fala.

Logo, ela não vive.

Quanto às chamadas falácias materiais em relação ao método indu-

tivo, os tipos principais são a observação inexata ou incompleta, a ignorância

da causa, a falta ou o erro cometido no processo de indução.36

i) Observação inexata ou incompleta

Um exemplo diz tudo

Não levando em conta a refração da luz, alguém conclui

que, semi mergulhado na água, um pau está realmente quebrado.

ii) Ignorância da causa (por vícios na experimentação)

a) Tomar a coincidência como causa

Ao florescer o protestantismo, floresceram as ciên-

cias e as artes. Logo, o protestantismo foi a causa desse flo-

rescimento.

36 Também me valho do auxílio que me prestou José Taumaturgo da Rocha com suas anotações sobre ló-gica, voltada para o trabalho que o operador do direito carece sempre de realizar.

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b) Tomar a causa parcial como causa total

A linguagem é necessária ao pensamento.

Logo, o pensamento existe por causa da lingua-

gem.

c) Tomar por causa de fato o que é apenas um anteceden-

te acidental

A Lei Áurea, de 13 de maio de 1888, fez perder o

Trono do Brasil a D. Pedro II.

iii) Por falta ou erro cometido no processo de indução

a) Enumeração imperfeita ou insuficiente

Consiste em concluir imprudentemente de “alguns” para “to-

dos”.

Alguns brasileiros gostam de levar vantagem em tudo.

Logo, todos os brasileiros gostam de levar vantagem em

tudo.

b) Erro de acidente

Consiste em transformar em atributo essencial o que é simples aci-

dente.

Um médico se engana. Logo, a medicina é inútil.

c) Falsa generalização (ou generalização apressada)

É aquele que conclui com base em uma enumeração insuficiente

dos casos particulares. Consiste em atribuir a um grupo, a uma classe, a uma

nação o que é próprio de alguns indivíduos.

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Todos os brasileiros que conheci são espertos. Lo-

go, a esperteza é uma característica dos brasileiros.

Observação: a generalização apressada difere do erro de acidente porque

aquela parte sempre de uma enumeração insuficiente, ao passo que este de

um só indivíduo ou de uma determinada propriedade .

Quanto às chamadas falácias materiais em relação ao método dedu-

tivo, são elas as que ocorrem por uso de falsos axiomas, por partir de defini-

ções falsas ou inexatas e por violar alguma regra de demonstração). São elas

dos tipos ignorância da questão, petição de princípio, círculo vicioso.37

i) A ignorância da questão

Com o argumento se busca provar uma coisa diferente daquela que

está sendo tratada. Aqui se toma por causa um simples antecedente ou alguma

circunstância acidental.

Um advogado que, defendendo o cliente acusado de

homicídio, busca demonstrar que o réu é bom pai, bom filho, bom

marido, etc.

ii) A petição de princípio

Consiste em tomar por aceito aquilo que precisamente se trataria de

provar. Se se admitir por premissa que tudo neste mundo tem um fim ou um

sentido, fácil será provar que o mundo é obra de uma causa inteligente. Porém,

aquela é exatamente a premissa que deveria ser provada.

37 Quero repetir as duas anteriores notas de rodapé, como forma ainda de homenagear as gerações de ope-radores jurídicos que não deixaram fosse esquecido a máxima segundo a qual os juristas são “os mediado-res entre a vida e a lógica” apud KELSEN (1965), Disponível em <http://www.juridicas.unam.mx/publica/librev/rev/boletin/cont/21/pr/pr18.pdf>. Acesso em: 22 de mar. 2016

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iii) O círculo vicioso ou dialelo

Consiste numa dupla petição de princípio. Ou seja, consiste em pro-

var, uma pela outra, duas proposições recíprocas ou definir dois termos, um

pelo outro, como acontece quando a palavra a ser definida entra na definição.

Ser vivo é o ser que vive e sente

Diante desses apontamentos, parece ficar claro que ao juiz se torna

indispensável o trânsito pelas vias lógicas, se é que, na verdade, ele pretenda

operar com correção na persecução da verdade. Perseguir a verdade, para o

juiz, significa ter bem formada sua convicção, de molde a sempre tê-la esclare-

cida. Afinal, a motivação de uma sentença (ou até mesmo de uma decisão) não

é uma realidade mítica. Como não são realidades míticas a certeza e as verda-

des fáticas que, em razão de seu ofício, ele busca sempre delas se apropriar.

Por derradeiro, nesta breve suma, o ponto final ora lançado está

longe de se constituir o sinal de esgotamento do tema. A verdade e a mentira,

a certeza e o engano, por acompanharem toda a vida humana, serão sempre

objeto (res) para o intelecto (intellectus) de todos os homens. Razão, assim,

não colhe dúvida o redator da Declaração Dignitatis Humanae sobre a liberda-

de religiosa, número 2, quando assevera: “Todos os homens, que são pessoas

dotadas de razão e de vontade livre e por isso mesmo com responsabilidade

pessoal, são levados pela própria natureza e também moralmente a procurar a

verdade.” Entre eles, por certo, os operadores jurídicos.

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CAPÍTULO II: OBJETIVIDADE NA DISCIPLINA JURÍDICA DA PROVA.

AFINAL, O QUE É PROVA SEGUNDO A TEORIA GERAL DO DIREITO?

1. Prova: uma ideia inicial

O homem, em suas experiências cotidianas, busca conhecer-se e

conhecer tudo aquilo que está ao seu redor. E é essa inquietude na busca da

comprovação e também da valoração dos fatos que ocorrem diuturnamente,

aquilo que o move em direção à constante procura da verdade.

Para CLAUDIO ZALONA LATORRACA,

“... a todo momento, por mais exíguo que seja, o homem exige para si mesmo uma comprovação e estimação dos fatos com que depara, pois a prova é onipresente e imanente ao espírito do homem. E provar é também revelar, ao mundo material e dos sentidos físicos do ser humano, aquilo que o âmago do seu ser já prejulgou a nível mental, semiconsciente ou inconsciente e que todavia necessita ser demonstrado como verdadeiro ao seu mundo consciente e material.”38

Diz-se da prova o meio através do qual é promovido o conhecimento

acerca de algo. Prova é, então, tudo o que “atesta a veracidade ou a

autenticidade de alguma coisa; demonstração evidente.”39

Essa ideia de prova conduz, então, à percepção do caráter

polissêmico da palavra, pois o conceito de prova, para LUIZ GUILHERME

MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART, “não é, e nem pode ser, encontrado

exclusivamente no campo do direito. Ao contrário, trata-se de noção comum a

todos o ramos da ciência, como elemento para a validação dos processos

empíricos”.40 Deparamo-nos, cotidianamente, com a preocupação de “provar”

em situações irremediavelmente singulares, como a verificação feita em um 38 LATORRACA, Claudio Zalona. A dimensão da prova no direito processual civil. S. Paulo: Hemus, 1990, pág. 11. 39 Novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 3ª edição. 1999. Pág. 1.656. 40 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, pág. 55.

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prato escolhido no cardápio de um restaurante. Esse exemplo nos leva a

pensar em outros ramos do conhecimento como a química, física, engenharia,

etc., que também exercitam essa verificação. E exatamente porque a

expressão “prova” alberga diversas acepções, “está presente em todas as

manifestações da vida humana e transcende o campo do Direito.”41

Empreendendo uma análise morfológica, registramos que o vocábulo

provém do latim probatio (que quer significar ensaio, verificação, inspeção,

exame, argumento), derivando do verbo probare: probo, as, avi, atum, are (que

significa provar, verificar, examinar, demonstrar, reconhecer, formar juízo de).

Se a análise da prova permeia tantos outros ramos sociais, para o

Direito sua importância é sobremaneira relevante, especialmente à

consideração de que o Estado Democrático de Direito assegura aos cidadãos o

direito fundamental à prova.

Havemos de nos ater nesta empreitada, à análise da prova no

sentido jurídico, compreendendo a

... denominação, que se faz, pelos meios legais, da existência ou veracidade de um fato material ou de um ato jurídico, em virtude da qual se conclui por sua existência do fato ou ato demonstrado. ... A prova consiste, pois, na demonstração da existência ou da veracidade daquilo que se alega como fundamento do direito que se defende ou que se contesta.42

O conceito de prova sempre esteve atrelado, teleologicamente, à

busca da verdade dos fatos que estão postos à apreciação no litígio. A prova

judicial de que se servem as partes contendoras é utilizada para conduzir o

espírito do julgador no conhecimento dos fatos descritos nos autos.

É que,

“No processo judicial, as partes procuram alcançar a tutela de sua pretensão, mas a demonstração da possibilidade jurídica de seu pedido não acarretará por si própria a procedência das alegações. Exigir-se-á, fundamentalmente, a comprovação da matéria fática que envolve a situação em litígio.

41 DIDIER JR., Fredie, BRAGA, Paulo Sarno e OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 6. ed. Bahia: Jus Podium, 2011, pág. 17). 42 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico conciso. 1. ed. Rio de Janeiro: GEN - Forense, 2008, pág. 601.

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Ao conjunto de elementos produzidos para demonstrar a existência e a veracidade dos fatos alegados, capaz de formar a convicção do magistrado, denomina-se prova.”43

Provar, em uma conceituação simples, é a ação de buscar a verdade

possível dos fatos. É a representação que se faz de uma realidade. E,

considerando-se a impossibilidade da obtenção da verdade substancial, o

processo judicial busca obter a verdade provável (ou possível), para a

formação do convencimento do julgador.

2. A busca da verdade

“Grande e antigo é o fascínio que sobre os homens exerce o ideal de

verdade.”44 O Evangelho de S. João em seu cap. 8, 32 diz: “Conhecereis a

verdade e a verdade vos libertará”.

A passagem ilustrada pelo evangelista João nos remete à

inquietante procura da verdade. Mas, afinal, o que é a verdade? Para Vitor

Ramos, verdade “nada mais é do que aquilo que acontece lá fora. É o mundo

real.”45

A palavra verdade tem sido vulgarizada ao longo dos tempos, porém, pode-se defini-la como sendo uma comprovação de notoriedade universal, que se efetiva no presente e no passado, em todas as culturas e civilizações, e reflete seus efeitos contínuos e atemporais para o futuro, independentemente de credos, dogmas ou convenções; e que os usos, hábitos e costumes humanos não podem transmutar”. 46

43 ZAGANELLI, Margareth Vetis e LACERDA, Maria Francisca dos Santos. Livre Apreciação da Prova, Ciência e Raciocínio Judicial: Considerações sobre a “Cientificização” da Prova no Processo. In: Proces-so, Verdade & Justiça. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 141 44 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12. ed. São Paulo. Malheiros Edito-res, 2005. p. 280. 45 RAMOS, Vitor de Paula. Ônus da Prova no Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 24. 46 LATORRACA, Claudio Zalona. A dimensão da prova no direito processual civil. São Paulo: Hemus, 1990, p. 10

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A verdade é, portanto, tudo aquilo que a mente e a vontade não

podem modificar, afinal, a verdade não “depende de consensos, de crenças, ou

mesmo de descrições dos sujeitos.”47

No campo jurídico, não haveria de ser diferente, pois a verdade que

se pretende ver “descoberta” depende da sua correspondência com o mundo

real, ou com o mundo “lá fora”. Na disputa que ocorre no processo judicial,

diante do confronto das descrições fáticas do autor, em detrimento da

contestação apresentada pelo réu, há o claro intuito de realizar a demonstração

da “verdade dos fatos”, considerando-se que a comprovação da verdade

garante aos cidadãos o pleno exercício dos direitos fundamentais garantidos

constitucionalmente.

A investigação dos fatos jurídicos é fundamental para a obtenção da

descoberta da verdade, considerada essencial para a plena realização do

objetivo principal do processo.

Em sede processual, outra forma não há para testificar as

alegações, senão a partir da análise dos fatos descritos no processo. Essa

análise que se estabelece entre os fatos ocorridos e os fatos narrados no

processo foi objeto de estudo para Margareth Zaganelli e Maria Lacerda,

seguindo o magistério de Taruffo. Afirmam as autoras que:

Se se estabelece a vinculação funcional entre prova e verdade dos fatos da causa, a situação complica-se. São duas as razões: a primeira é a ideia de uma verdade formal ou processual e outra verdade fora do processo. Ou seja, existiriam duas verdades. Então, o problema seria descobrir se a verdade do processo é assim tão particular e diferente daquela verdade “verdadeira”. E essa questão é resolvida pelos juristas com uma distinção entre as duas verdades: uma seria a verdade formal, processual ou judicial, estabelecida pelas provas e procedimentos probatórios e outra, verdade, dita material, ou histórica, empírica ou simplesmente, verdade.48

47 RAMOS, Vitor de Paula. Ônus da Prova no Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2015. p. 27. 48 ZAGANELLI, Margareth Vetis e LACERDA, Maria Francisca dos Santos. Livre apreciação da prova, ciência e raciocínio judicial: considerações sobre a “Cientificização” da prova no processo. In: Processo, Verdade e Justiça:Estudos sobre a prova judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2009. p. 145.

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Não há como pretender rediscutir o tema da busca da verdade

material, diante da impossibilidade de reconstrução dos fatos tal como se

passaram. Busca-se, então, a verdade possível, busca-se estabelecer uma

coincidência entre a ideação que realizamos entre o mundo real ou fenomênico

e o mundo jurídico processual. Segundo Deltan Dallagnol, “a prova pode ser

útil para embasar a história do caso” 49. O que ocorreu no mundo dos fatos não

se confunde com a análise dos fatos no mundo jurídico. Para Kelsen, “o caos

das sensações só através do conhecimento ordenador da ciência se

transforma em cosmos.”50 Somente a partir da análise dos fatos pelo direito,

poderá ser obtida a solução pacificadora pretendida pelo Estado.

Sobre o tema da verdade e da certeza, podemos dizer, num plano

eminentemente teórico, e com uma certa superficialidade, que a verdade é a

correspondência entre os fatos ocorridos no mundo fenomênico e a noção

idealizada pelo destinatário da prova. Seguindo a esteira de J. Habermas, a

verdade é construída através da argumentação. Assim, a verdade sobre um

determinado fato é obtida através da argumentação expendida pelos sujeitos

do processo, a partir de certos elementos da linguagem. Já a certeza é um

verdadeiro estado de espírito do julgador acerca da verdade. Os argumentos

são responsáveis pela aproximação da verdade no embate processual.

Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart em adesão à teoria

de Jürgen Habermas, consideram que a verdade de um determinado fato é um

conceito dialético, fundado na argumentação realizada pelos sujeitos da

relação.

Cândido Dinamarco atesta “que existe certeza, quanto a determinada

proposição, quando a mente afasta todos os motivos divergentes, ou seja,

aqueles que conduziriam a desacreditá-la, para então racionalmente aceitar os

motivos convergentes”51. E continua Dinamarco, afirmando que “em todos os

campos do exercício do poder, contudo, a exigência da certeza é somente uma

49 DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. As Lógicas das Provas no Processo. Porto Alegre: Livraria do Ad-vogado, 2015. p. 35. 50 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1987. p. 80 51 DINAMARCO, Candido R. A instrumentalidade do processo. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Malhei-ros, 2005. p. 289.

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ilusão, talvez uma generosa quimera”,52pois a prova judicial não oferece o

conhecimento pleno da verdade, nem tampouco a certeza, mas fornece

subsídios para identificação da versão dos fatos que mais provavelmente se

assemelha ao ocorrido. Ao órgão judicante cabe buscar o esclarecimento

necessário sobre os fatos. É necessário, entretanto, que se identifique a

verdade através do juízo de verossimilhança, pois o conhecimento humano não

é capaz de garantir nada além da maior aproximação entre a realidade e a

idealização dessa realidade. Não há como recompor genuinamente a verdade,

a partir dos elementos probatórios constantes nos autos do processo.

Os fatos são acontecimentos que, imediatamente após a sua

realização ou ocorrência, passam a fazer parte do passado. Restam deles

dados, comprovações, que corporificarão o arcabouço probatório dos autos. As

alegações que chegam ao magistrado são, evidentemente, repletas de

impressões, valores pertencentes aos contendores.

Essa busca de tornar presente aquilo que já se encerrou no

passado, para obtenção do conhecimento que se realiza em sede judicial, deve

se desenvolver de acordo com um conhecimento racional e também ordenado

segundo os ditames do processo. Em realidade, com a prova não se busca

estabelecer a busca da verdade, mas, sobretudo, instituir a busca dessa

verdade com a utilização dos recursos advindos do devido processo legal,

constitucionalmente assegurado.

Fazendo uma análise do Código de Processo Civil de 2015,

registramos que a busca da verdade das provas se inicia a partir do pedido

inaugural. Por esta razão, o art. 319, VI (Lei nº 13.105/2015) determina que a

referida peça deverá conter todas as provas que o autor utilizará para

demonstrar a verdade dos fatos alegados.53 Some-se à redação deste

dispositivo, o regramento disposto no art. 320, que reforça clara e sobejamente,

52 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12ª edição. 2005. P. 291. 53 Art. 319. A petição inicial indicará: I – o juízo a quem é dirigida; II – os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de Inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurí-dica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu; III – o fato e os fundamentos ju-rídicos do pedido; IV – o pedido com as suas especificações; V – o valor da causa; VI – as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados; VII – a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou mediação.”

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a necessidade de que a petição inicial seja acompanhada dos documentos

indispensáveis à propositura da demanda. Mesmo considerando-se cristalina a

redação do artigo suso referido, não é demais a ratificação da necessidade da

apresentação das provas que irão alicerçar o pedido autoral no momento do

ajuizamento da ação.

Na contestação, o réu deverá alegar em prol da defesa de seus

interesses, os subsídios factuais e jurídicos que venham robustecer a sua

impugnação, “... especificando as provas que pretende produzir.” (art. 336 do

CPC/2015). Também o réu mantém-se vinculado à apresentação das provas

que embasarão suas alegações.

É nesse confronto entre teses diametralmente opostas que se

desenvolverá o transcurso de todo o “iter” procedimental, marcado com o

embate das alegações das partes contendoras, que culminará com a prolação

da decisão do magistrado resolvendo o conflito posto à sua apreciação.

A tão especial e necessária coleta das provas, servirá para

robustecer o arcabouço probatório do processo, pois, é, a partir daí, que se

inicia a análise dos fatos, e das provas sobre esses fatos. Considerando o

caráter publicístico do processo, o juiz não deverá ficar inerte no momento da

produção probatória, aguardando apenas que as partes contendoras

apresentem as provas que julgam necessárias ao deslinde da questão, mas

deverá adotar uma postura mais ativa durante a instrução probatória do

processo, buscando estabelecer a igualdade material das partes e perquirindo

sempre e sempre na busca da obtenção da verdade possível, com o máximo

de segurança jurídica, e o mínimo possível de injustiça, pois, no Estado

Democrático de Direito, o direito à prova constitui garantia dos direitos

fundamentais assegurados, a exemplo da ampla defesa e o do contraditório.

Com a finalidade da obtenção da justa composição do litígio, com a

busca da verdade possível, que somente poderá ser pretendida a partir da

correspondência da versão idealizada em face do fato que ocorreu no mundo

fenomênico, o magistrado deve dispor de todos os meios necessários para

formação de seu convencimento. Entretanto, convém reconhecer que o

conhecimento humano somente pode obter uma aproximação possível da

verdade genuína, pois a verdade de um fato representa uma mera idealização,

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e o caminho na busca dessa verdade não é trilhado solitariamente pelo

magistrado, mas é o resultado da combinação do esforço das partes. As partes

comprometem-se em pautar sua conduta sempre em consonância com a

lealdade e a verdade em todos os atos do processo. Essa conduta conduz à

obtenção de um devido processo legal, com observância do contraditório,

debate amplo e plena liberdade de alegar e provar.

2.1 – Verdade e Verossimilhança

As provas, segundo Carnelutti, citado por Marinoni e Arenhart, não

conduzem à verdade dos fatos tal como ocorridos, mas referenciam como

“provavelmente” esses fatos ocorreram. “São um indicativo, mas que não

necessariamente levam à caracterização absoluta do fato, tal como

efetivamente ocorreu.”54

O que podemos obter durante a produção das provas não será

verdade, mas a aparência de verdade, ou verossimilhança.

Marinoni e Arenhart, com suporte em Calamandrei, atestam que:

A noção de que “verossimilhança” é uma ideia que se atinge a partir daquilo que normalmente acontece. É essa ilação lógica do usual que permite ao sujeito reconhecer como verossimilhante algo que, segundo critérios adotados pelo homem médio, prestar-se-ia para adquirir a certeza quanto a certo fato.55

Verossímil é aquilo que parece verdadeiro. É a versão mais

aproximada do ideal de verdade. Tratando do tema, Reichelt faz a seguinte

assertiva:

O juízo quanto à verossimilhança de uma alegação sobre um fato considerado juridicamente relevante é, antes de tudo, um juízo de adjetivação de tais versões, resultante da comparação entre aquilo que vem narrado pelas partes e aquilo que vem

54 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2009. P. 37. 55 Idem. Págs. 38/39

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retratado nos autos através da atividade de instrução processual.56

A análise da verossimilhança pressupõe não apenas que a versão

apresentada é possível, mas que ela seja a representação da realidade

provável. O maior ou menor grau de verossimilhança representa o maior ou

grau de probabilidade.

A presença de um mínimo de probabilidade como traço característico associado a uma versão da realidade histórica (ou seja, um mínimo grau de correspondência entre a narrativa trazida nos autos e a realidade histórica considerada juridicamente relevante) e, pois, condição para que se faça possível ao julgador afirmar a sua verossimilhança.57

A ideia de probabilidade deve ser analisada como critério para

aferição da verossimilhança dos fatos que representem uma realidade histórica

descrita no processo.

Piero Calamandrei alerta que

Mesmo para o juiz mais escrupuloso e atento, vele o limite fatal de relatividade próprio da natureza humana: o que enxergamos, só é o que nos parece que enxergamos. Não é verdade, senão verossimilitude: é dizer, aparência (que pode ser também ilusão) de verdade.58

A atividade do magistrado e das partes deve pautar-se na busca da

verdade possível. Aquela que mais se aproxima das versões trazidas para os

autos. Na apreciação das provas do processo, não haveremos de encontrar a

verdade, mas uma grande probabilidade de como esse fato ocorreu no

passado.

Para Arenhart, “A decisão judicial não revela a verdade dos fatos

mas apenas impõe, como verdade, certos dados que a decisão toma por

56 REICHELT, Luis Alberto. A Prova no Direito Processual Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2009. Pág. 194 57 Op. cit. Pág. 195 58 CALAMANDREI, Piero. Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller, 1999. Pág. 271. 3v.

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pressuposto (chamando-os de verdade, mesmo que ciente de que tais dados

não necessariamente confundem-se com a verdade em essência).”59

3. Evolução histórica

A prova jurídica, no seu modelo atual, é fruto de um processo

evolutivo, que congregou valores e também orientações de cunho lógico da

nossa realidade cultural. A análise histórica da prova é fundamental para a

compreensão do instituto, pois nos faz perceber quanto foi duro o caminho

percorrido pelo direito probatório até os dias atuais.

No latim, o vocábulo masculino probus, significa aquilo que é bom,

reto, correto, honrado, indicando, assim uma ideia de autenticidade. Todo esse

conteúdo parece ter sido arrastado para a forma feminina do mesmo adjetivo

(proba). Não fosse assim, e os latinos jamais teriam formulado a parêmia

allegare sine probare et non allegare paria sunt (alegar sem provar e não

alegar é a mesma coisa).

No direito romano a evolução da prova passou por três períodos: a)

o período arcaico ou antigo (iniciado desde a presumida fundação de Roma em

753 a. C., até a segunda metade do século II a. C.); b) o período clássico (que

teve seu início a partir do advento da Lex Aebutia, editada no período

compreendido entre os anos de 149 e 125 a. C., até o século III d. C.), e, c) o

período tardio ou pós-clássico, iniciado no ano aproximado da morte de

Modestino, em 240 d. C.

O direito romano antigo desenvolveu-se numa sociedade

eminentemente voltada para as atividades agrárias, com especial culto da

religiosidade, sem esquecer o caráter místico que influenciava as relações

cotidianas. A prova obtida com base em elementos místicos (tais como

maldições, adivinhações, encantamentos, sinais, esconjurações) foi largamente

utilizada pelos primórdios do direito romano.

59Disponível no sítio eletrônico <http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/S%C3%A9rgio%20Cruz%20Arenhart(2)%20-%20formatado.pdf>

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No primeiro período preponderavam as ações da lei ou legis

actiones; o segundo período foi conhecido como processo formular, ou per

formulas, enquanto que o terceiro período foi conhecido pelo nome de cognitio

extra ordinem ou cognitio extraordinaria.

Considerando-se a evolução probatória no direito processual civil

romano nesses períodos, destacam-se algumas peculiaridades:

Nos períodos das legis actiones e do processo formular, a atividade instrutória tomava lugar na fase in iudicium, e a tarefa do juiz (em tal estágio do ordo iudiciorum privatorum) era a de saber se os fatos com base nos quais as partes se sentiam impelidas a fazer as suas alegações haviam existido e se efetivamente justificavam as suas conclusões relacionadas à actio intentada.60

Quando vigiam as legis actiones o juramento, a confissão e o

testemunho eram os meios de prova admitidos, sendo este último considerado

o mais importante. Já a prova documental passou a ser admitida desde o

advento do período formulário, ganhando, juntamente com a prova

testemunhal, ares de superioridade. O período da cognitio extraordinaria

reforçou ainda mais a importância da prova documental.

Durante a vigência das legis actiones não havia o confronto de duas

teses, pois a formação do convencimento judicial era realizado a partir de

sinais divinos ou procedimentos similares. Inexistente qualquer traço de

racionalidade, as decisões eram completamente desprovidas de logicidade,

não havendo relação causal ou motivacional entre as provas e as decisões.

Por ocasião do período formulário houve a forte influência da retórica

sobre o direito probatório, e o completo abandono do sistema anterior de

provas e decisões desprovidas de racionalidade. Houve então a união da prova

e da argumentação, numa relação em que a prova seria o conteúdo e a

argumentação, por mais ampla, seria o continente.

Como resultado dessa transformação destaca-se o enfoque dado à

prova testemunhal, “que passa a ser examinada a partir de alguns princípios

fundamentais: a existência de normas de exclusão, a sujeição ao contraditório

60 REICHELT, Luis Alberto. A Prova no Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, pág. 22

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na condução dos questionamentos (em um modelo próximo ao do cross-

examination anglo-saxônico) e a livre valoração da prova. 61

No período pós-clássico surge, então, a ideia do ônus da prova,

baseada no conceito de que o “valor vigente como princípio integrante da

educação do jurista à luz de uma lógica da argumentação – revela de forma

única o significado do influxo da retórica ao longo da história do processo civil

romano, com especial força no período justinianeu.” 62

Advindo a última fase da evolução do direito processual civil romano,

surgiram de forma embrionária dois sistemas de prova: a valoração preventiva

da prova pelo legislador e os limites para a admissibilidade das provas.

Com a queda do Império Romano do Ocidente e com o advento da

Lex Salica (486 e 496 d. C.) surge um novo modelo de processo em que havia

a prevalência da rigidez dos atos processuais, cabendo ao juiz, a fiscalização

da atividade realizada pelas partes.

Tal modelo, de forte teor germânico, surge como consequência de

uma lenta e gradual sobreposição de valores, advindas decorrentes das

diversas invasões bárbaras que derrotaram os romanos. Dessa forma, o

modelo prevalente durante toda a alta Idade Média, foi o modelo germânico,

em que havia em um primeiro momento, a fixação do tipo de prova, do modo e

lugar onde ela seria produzida, bem como eram estabelecidos os efeitos do

sucesso ou do insucesso da sua produção.

Para Luis Alberto Reichelt, “havia, ainda um conteúdo ético inserido

na idéia da existência de uma demanda em juízo, de maneira que a atividade

probatória também tinha como finalidade o reestabelecimento da honra

daquele que era considerado como sendo pessoalmente ferido nesse princípio

ético, de maneira a afastar a reprimenda que lhe havia sido dirigida pelo

demandante.”63 Nesse modelo as partes concentravam seus esforços para

garantir o direito à produção da prova, enquanto que ao magistrado cabia dizer

61 REICHELT, Luis Alberto. A Prova no Direito processual Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, pág. 24. 62 REICHELT, Luis Alberto. Op cit. Pág. 24 63 REICHELT, Luis Alberto. A Prova do Direito Processual Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, pág. 26

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a qual das alegações feitas pelas partes contendoras correspondia o direito à

referida produção.

Na primeira metade da Idade Média, o processo civil italiano adotava

medidas tais como: a prova em segredo e a obediência às rígidas regras em

matéria probatória.

Impõe-se o registro quanto à importância do pensamento lógico,

dentre o qual se insere a retórica, mantida mesmo depois da queda do Império

Romano; bem como o pensamento de Santo Agostinho, que, aliado ao

pensamento de Platão, concebia a existência de duas espécies de retórica: a

verdadeira eloquência e a arte da persuasão. A importância e os limites da

prova naquele momento histórico somente poderiam ser aferidos a partir da

consciência de que a arte da persuasão não deveria ser relacionada a

questões divinas, mas ao exame das coisas humanas, por aquele tratado como

“contingente possível”.

Colhe ainda a observação de que, na primeira etapa da era

medieval, a realidade germânica considerava necessária a produção de provas

somente em relação a fatos tidos por controversos, sendo desnecessária a

prova dos fatos alegados por uma parte e confirmados pela outra. E no final do

século XV, a livre apreciação das provas apresentava-se como uma das

principais marcas do processo civil germânico.

4. Conceito, objeto e finalidade da prova na atividade judicante

4.1 Conceito

O conceito de prova – repita-se – não pertence apenas às ciências

jurídicas. “Por conta dessa assertiva é que se multiplicam os conceitos relativos

à prova, uns a descortinando como afeta – e simplesmente afeta – à realidade

processual; outros a considerando como fato externo, não necessariamente

com repercussão processual. 64

O magistério de Francesco Carnelutti é o de que

64 FILHO, Misael Montenegro. Curso de Direito Processual Civil. 4. ed. São. Paulo: Atlas, 2007, pág. 427. 3v.

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... na linguagem comum, prova se utiliza como comprovação da verdade de uma proposição; somente se fala de prova a propósito de alguma coisa que foi afirmada e cuja exatidão se trata de comprovar; não pertence à prova o procedimento mediante o qual se descobre uma verdade não afirmada senão, pelo contrário, aquele mediante o qual se demonstra ou se encontra uma verdade afirmada.65

Esse caráter plurifacetário de prova conduz a um surgimento de

várias correntes que lançam sua versão para a conceituação do instituto. Para

alguns autores, como Dante Barrios de Angelis, Eduardo Cambi, Antônio Carlos

de Araújo Cintra e Ovídio A. Baptista da Silva, o conceito de prova é ligado a

atividade, meio e resultado.

a) Como atividade, para designar o ato de

provar;

b) Para designar o meio de prova; ou

c) Para designar o resultado obtido através dos

meios de prova utilizados.

Essas três acepções do conceito de prova, são, para Reichelt,

recorrendo às lições de Eduardo Cambi, entendidas da seguinte forma:

...como atividade, a prova é sinônimo de instrução ou conjunto de atos, realizados pelo juiz e pelas partes, com a finalidade de reconstrução dos fatos que constituem o suporte das pretensões deduzidas e da própria decisão. (...) Como meio, a prova é vista como um instrumento pelo qual as informações sobre os fatos são introduzidas no processo. (...) Como resultado, prova é sinônimo de êxito ou de valoração consubstanciado na convicção do juiz.66

Tratando da matéria, o nosso Código de ritos adotando a teoria

tripartite, cuidou de disciplinar a matéria em diversos artigos:

O ato de provar, presente no art. 373 (Lei 13.105/2015)67, em que se

observa a regra geral do ônus probatório, facilitando o entendimento de que a

65 CARNELUTTI, Francesco. A Prova Civil. Campinas: Bookseller, 2002, pág. 67. 66 REICHELT, Luis Alberto. A Prova no Direito Processual Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. Pág. 46. 67 Art. 373. O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

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prova é uma atividade; o meio de prova, está presente na dicção dos arts. 370

e 372 (Lei 13.105/2015)68; e, o resultado, como bem se pode ver no art. 371

(Lei 13.105/2015).69

Quando se fala em prova, é comum associá-la à ideia de

reconstrução de um fato ocorrido no pretérito. Entretanto, é impossível a

reconstrução dos fatos tal como aconteceram, porque não há como recuperar

todas as nuances do momento da realização do referido fato. Os fatos são

acontecimentos que, no instante imediatamente posterior a sua ocorrência

deixam de existir, dando lugar a dados, registros, comprovações, que formarão

o conjunto probatório que servirá para alicerçar o convencimento do

magistrado. Esses registros chegam, invariavelmente, imbuídos de impressões

e valores daqueles que com eles tiveram qualquer contato. Portanto, a

verdade, analisada em um plano teórico, conduz à noção da correspondência

entre o que ocorreu no mundo fenomênico (fatos) e o juízo formado pelo

julgador; já certeza da prova é algo subjetivo, que toma conta do julgador

quando este crer estar arrimado na verdade. A prova não fornece ao

magistrado o perfeito conhecimento da verdade ou o perfeito domínio da

certeza, mas conduz à identificação de qual a versão apresentada dos fatos

oferece maior probabilidade de corresponder ao que realmente aconteceu. A

afirmação de Carnelutti é a de que: “Provar, de fato, não quer dizer demonstrar

já a verdade dos fatos discutidos, e sim determinar ou fixar formalmente os

mesmos fatos mediante procedimentos determinados”.70

Segundo Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, “a prova

em direito processual, é todo meio retórico, regulado pela lei, e dirigido, dentro

dos parâmetros fixados pelo direito e de critérios racionais, a convencer o

Estado-juiz da validade das proposições, objeto de impugnação, feitas no

processo.”71

68 Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao jul-gamento do mérito. Art. 372. O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado do contraditório. 69 Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver pro-movido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento. 70 CARNELUTTI, Francesco. A Prova Civil. Campinas: Bookseller, 2002, pág. 72. 71 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. São. Paulo: Revista dos Tribunais., 2010, pág. 57.

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Diante dessa impossibilidade de se aferir diretamente o fato que se

pretende ver provado nos autos, utiliza-se uma via indireta de conhecimento,

que é feita através de raciocínio específico, expresso no silogismo: premissa

maior, premissa menor e conclusão.

A premissa maior congrega o juízo mais abrangente, o princípio que

contém a ilação sobre a qual pretende se estabelecer a conclusão. A premissa

menor é um juízo declaratório da continência que se realizou.

As provas indiretas são frágeis, são verdadeiros fragmentos de

fatos, razão pela qual devem ser analisadas com muita prudência.

O conhecimento humano possui limites, e, portanto, não há como

pretender reconstituir verdadeiramente os fatos ocorridos no pretérito, que

servirão de supedâneo para formação do conjunto probatório. No processo civil

atual, a prova destina-se a fornecer subsídios ao juiz para a formação de seu

convencimento sobre as premissas que integrarão o “decisum” e, certamente,

possuirão a maior aproximação possível com a realidade ocorrida no mundo

exterior ao processo.

A doutrina atual vem deixando de lado a atividade exclusiva de

subsunção de aplicação do Direito, pois o exame das questões de fato que são

trazidas ao judiciário, face ao enfrentamento com as questões de direito vem-

se tornando incompatíveis com a aplicação desse juízo de conformidade entre

a premissa maior e a premissa menor. A velocidade com que ocorrem as

mudanças na sociedade reclama que a aplicação do direito seja feita de forma

sistêmica. Há a imperiosa necessidade de se revitalizar os conceitos afeitos ao

direito probatório. Em outras palavras:

É necessário reconhecer que o fenômeno probatório assume atualmente um caráter multifacetário, capaz de imprimir à figura, conforme o ponto de vista da decisão judicial – eleito por ser. Afinal, o escopo do processo de conhecimento, e o principal aspecto de preocupação do processualista nesse campo – tem-se que a prova pode resumir-se em um aspecto argumentativo-retórico, apto a justificar a escolha de uma das teses apresentadas pelas partes no processo. Nas palavras de Michele Taruffo, a prova assume, nesta perspectiva, a função

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de fundamento para a escolha racional da hipótese destinada a constituir o conteúdo da decisão final sobre o fato.72

4.2 Objeto

Todos os fatos do mundo fenomênico, podem ser objeto de prova,

mas nem todos interessam ao mundo do direito.

A prova jurídica se diferencia da ideia de prova dos outros ramos do

saber, pois sua

estrutura argumentativa vem regulada por normas jurídicas nas quais vem veiculado o acolhimento, pelo ordenamento jurídico, de orientações originalmente situadas no plano da lógica e da ética. Essa regulação, por sua vez, traz como consequência a limitação das possibilidades de conhecimento em relação a uma realidade histórica investigada.73

Para que o Estado venha intervir nas relações ocorridas na

sociedade e cumprir a missão constitucional de prestar a jurisdição, é

necessário o exercício do direito subjetivo de ação, manifestado através do

ajuizamento de uma demanda perante o judiciário. Através desta demanda os

fatos são alegados por uma parte e impugnados pela outra, cabendo ao juiz

dizer qual das afirmações é mais verossímil, depois de analisado todo o

arcabouço probatório. O juiz deverá, assim, conduzir todo o processo em

perfeita atenção aos direitos fundamentais consagrados na Constituição

Federal, em seu art. 5º.

Provar é demonstrar que as afirmações (argumentação) acerca dos

fatos discutidos no processo são verdadeiras, retas, corretas. Assim,

indiscutível a afirmação dos Professores Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio

Cruz Arenhart de que a prova destina-se a testificar as afirmações que são

feitas a respeito dos fatos. É trazer os fatos que se passaram fora do ambiente

do processo para serem analisados sob sua batuta. , 72 MARINONI Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2v. pág. 263. 73 REICHELT, Luiz Alberto. A Prova no Direito Processual Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. Pág. 112.

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O objeto da prova é, por assim dizer, as alegações que são feitas

sobre determinado fato, e não o fato em si.

Dizem os citados autores que o objeto da prova consiste na

alegação de um determinado fato que, em certo momento, assumindo

importância jurídico-processual e, carece de demonstração da veracidade de

sua alegação. “Não se prova que o direito existe, mas sim que a afirmação de

que o direito existe é verdadeira, declarando-se a existência do direito.” 74

De acordo com Ovídio A. Baptista da Silva, “hão de ser objeto de

prova apenas os fatos em que se funde a ação ou a defesa, o que significa

dizer que apenas os fatos relevantes para a decisão da controvérsia devem ser

provados”.75 Para o mestre italiano Francesco Carnelutti, tratando do tema “...

são chamados fatos controvertidos, que constituem a regra em matéria de

prova. O juiz encontra-se aqui frente a afirmação de uma parte e a negação da

outra, ou seja, diante da discussão de um fato”. 76

Os fatos podem ser considerados principais ou secundários. Os

primeiros (também chamados de essenciais ou diretos) são aqueles que

necessariamente devem integrar a petição inicial e a contestação, pois são eles

que irão demonstrar a verdade dos argumentos expendidos pelas partes em

suas alegações.

Constituem os fatos principais, assim, os elementos necessários à

aferição, pelo juiz, da verossimilhança das alegações dos fatos trazidos pelo

autor como embasamento de seu pedido, bem como da argumentação trazida

pelo réu em sua peça contestatória.

Existem ainda os fatos secundários, chamados de indiciários. Não

demonstram cabalmente a verdade dos fatos alegados, mas são utilizados

indiretamente para o convencimento do juiz. O fato secundário não precisa ser

alegado, pois destina-se a testificar a veracidade da afirmação contida no fato

principal.

74 MARINONI Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pág. 98. 75 SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de Processo Civil. Sergio Antonio Fabris Editor. Porto Alegre, 1987. 1v. pág. 279. 76 CARNELUTTI, Francesco. A Prova Civil. Campinas: Bookseller, 2002, págs. 42 a 44.

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Analisando os fatos que farão parte do conjunto probatório dos

autos, a doutrina pátria, reclama que devem possuir determinadas

características: devem ser controvertidos, relevantes e determinados.

A controvérsia é necessária, pois, se não houver o confronto das

alegações das partes, não haverá necessidade de produção de prova, pois os

fatos considerados incontroversos não necessitam de prova, a teor do que

dispõe o art. 374, II e III do CPC. Entretanto, existem algumas exceções à

regra, como os fatos intuitivos, bem como aqueles decorrentes de uma

presunção legal.

São relevantes os fatos que possuem íntima relação com os fatos

alegados, e possam influir decisivamente no deslinde da causa.

Os fatos determinados são aqueles facilmente identificáveis no

espaço e no tempo. Daí resulta que os fatos indeterminados ou indefinidos são

impossíveis de figurar no rol das provas.

Argumente-se ainda com a existência de fatos que independem de

prova. Para eles chama a atenção o art. 374 do Código de Processo

Civil/2015, repetindo o texto do CPC/73, que elenca o rol dos fatos que

independem de prova. São eles:

1. os fatos notórios;

2. aqueles que são afirmados por uma parte e

confessados pela outra;

3. os fatos que não foram contestados ou

considerados incontroversos; e

4. aquele fato em cujo favor milita presunção de

existência ou veracidade.

São notórios os fatos que são atestados facilmente através da

“cultura normal própria de um determinado grupo social no momento em que se

produz a decisão judicial.”77

77 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Pro-cessual Civil. 11. ed. Salvador: Jus Podium, 2016. 2v. Pág. 59.

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Para Didier, os fatos notórios devem possuir as seguintes

características:

a) relatividade, considerando-se que um fato para ser

notório não precisa ser conhecido pela a totalidade das

pessoas, podendo ser conhecido apenas por

determinado grupo de pessoas de um segmento da

sociedade;

b) para que o fato seja notório, é preciso que seja

conhecido;

c) para a obtenção da notoriedade, não há necessidade

de ter com o fato da causa uma relação direta.

Interessante ressaltar que a notoriedade pode ser reconhecida de

ofício, devendo o magistrado, facultar às partes o pronunciamento sobre a

notoriedade afirmada (art. 10 do CPC/2015). Se houver a afirmação da

notoriedade de um fato por uma das partes, e a outra permanecer silente,

mesmo intimada para se pronunciar, este fato tornar-se-á incontroverso.

Tratando-se dos fatos alegados por uma parte e confessados pela

parte contrária, comungamos com a posição de Didier, quando afirma o citado

autor que o legislador utilizou uma expressão infeliz quando disse que os fatos

confessados independem de prova. Afinal, a confissão é um meio de prova.

Os fatos não incontroversos independem de prova exatamente

porque sobre eles não existe nenhuma dúvida.

As presunções legais são regras que possibilitam adotar uma

posição em relação à ocorrência de determinado fato, sendo incerta a sua

ocorrência.

As presunções podem ser absolutas (iuris et de iure), quando não

admitem prova em contrário. E podem ser relativas (iuris tantum), quando são

considerados determinados fatos, até prova em contrário.

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4.3 Finalidade

Por meio das alegações das partes, sobre as situações que

embasam as teses postas na demanda judicial proposta, instala-se,

especialmente no processo de conhecimento, a fase probatória, em que se

busca a comprovação de que as alegações são verossímeis.

A prova, em um enfoque atual, não se presta a reconstrução dos

fatos que servirão de supedâneo para a comprovação do alegado e sobre os

quais incidirá a regra jurídica abstrata, concretizada através da sentença

prolatada no caso sub judice. “... torna-se necessário buscar a finalidade da

prova à luz das idéias contemporâneas sobre o conhecimento. A função da

prova é se prestar como peça de argumentação do diálogo judicial, elemento

de convencimento do Estado-jurisdição sobre qual das partes deverá ser

beneficiada com a proteção jurídica do órgão estatal.” 78

A prova assume aparência de argumento retórico, pois se traduz

mesmo num verdadeiro elemento que produz a argumentação que servirá para

convencer o magistrado (destinatário das provas) acerca da verossimilhança

das alegações. É um meio retórico, que tem por finalidade antes mesmo de

pretender a reconstrução dos fatos, estabelecer um diálogo entre as partes

contendoras e o Estado-juiz. Para Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz

Arenhart,

“se a linguagem é necessária para a expressão de uma idéia ou de uma proposição, a retórica se impõe como forma de estabelecer essa linguagem entre os sujeitos do diálogo, para o fim de lograr o objetivo inicialmente concebido para a proposição (e também para a prova): o convencimento”.79

Didier, servindo-se do posicionamento de Echandia, elenca três

teorias que explicam a finalidade da prova. A primeira delas é a que afirma ser

a finalidade da prova o estabelecimento da verdade no processo; a segunda

delas entende que a prova tem por fim representar formalmente os fatos; e a

78 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, pág. 51. 79 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART. Op cit., pág. 52.

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terceira, para quem a finalidade da prova é produzir o convencimento do

julgador.

Para o autor citado, a primeira das teorias não se sustenta, pois “a

verdade é uma noção ontológica, objetiva, e o conhecimento que cremos ter

dela é subjetivo.”80

A segunda teoria, também é rechaçada, ante o argumento de que

não há como admitir-se que sejam fixados critérios para reputar-se

formalmente demonstrados os fatos no processo.

A terceira teoria, estabelece que a finalidade da prova é formar o

convencimento do magistrado, quanto às alegações dos fatos sobre os quais

se sustenta a atividade probatória.

E vai mais além o citado autor, chamando a atenção para um

aspecto de relevância no trato da prova. É que a prova deve ser analisada

pelas partes, para que não apenas o julgador forme seu convencimento, mas

que as partes contendoras também formem o seu convencimento sobre os

fatos disputados.

As versões apresentadas pelas partes devem somar-se à postura

ativa do juiz no comando do processo probatório, em busca da verdade

possível. Vê-se, que não mais existe a preocupação com a reconstrução dos

fatos que ficaram no passado, mas com a efetivação do diálogo argumentativo.

Argumentação e persuasão devem ser utilizadas na obtenção da versão mais

provável, ou mais aproximada da verdade.

Sempre se afirmou que o destinatário da prova era o julgador.

Entretanto, com o advento da Lei nº 13.105/2015, esse entendimento

modificou-se. Fala-se que a prova deve servir para o convencimento do juiz e

das partes.

80 DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Curso de Direito Proces-sual Civil. 11. ed. Salvador: Jus Podium, 2016. 2v. Pág. 55.

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CAPÍTULO III: A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO CONSTITUCIONAL

ATRAVÉS DO TEMPO – A FILOSOFIA POR TRÁS DA

CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROCESSO E DA PROVA

1. Antes de chegar ao Constitucionalismo: o Iluminismo

O iluminismo, também conhecido como período das luzes, foi um

movimento intelectual surgido na Europa, que representou um vento soprando

ideias novas. Refletia a insatisfação reinante na Europa, especialmente na

Inglaterra, no séc. VXII. Era o século das luzes, a época das transformações,

do esclarecimento, como bem afirma Grespan81, e a razão, em flagrante

confronto ao sistema predominante na época, seria a balizadora das mudanças

sociais, políticas e econômicas. O cenário político em que surgiu e se

desenvolveu o iluminismo era o “Ancien Regime”, período caracterizado pela

centralização do poder nas mãos do monarca. Com a difusão das ideias

iluministas, alguns reis absolutistas, resolveram adotar algumas das ideias do

movimento iluminista, tentando combinar a forma de governo absolutista com

as ideias progressistas proclamadas pelos iluministas. Elencamos, Frederico II,

da Prússia; Catarina II, da Rússia e Marquês de Pombal, de Portugal, que

ficaram conhecidos como “déspotas esclarecidos”.

Esse movimento cultural que surgiu no século XVIII procurou

reformar o estilo da sociedade, que vivia nas “trevas da ignorância”. Para os

iluministas o homem era fruto do meio em que vivia, razão pela qual

pretendiam que fosse adotada uma educação que promovesse a retirada dos

indivíduos da ignorância e submissão que se encontravam. Pretendiam, assim,

um mundo com menos conflitos, guiado por sua excelência, a razão – que

deveria invariavelmente prevalecer -, além do que aspiravam que a liberdade

fosse respeitada. Para o movimento iluminista, a crítica era fundamental para a

81 GRESPAN, Jorge. Revolução Francesa e Iluminismo. 1.ed. 1. reimp. São Paulo: Contexto, 2008. Pág. 13

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adoção das novas ideias. Essa postura crítica possibilitou essa dinâmica

reclamada na transformação da realidade estática que havia. O iluminismo,

como bem explica Grespan82, repudiava qualquer sistema rígido e acabado de

pensamento. Ainda na esteira do pensamento de Grespan,

Mais do que uma atitude mental, o iluminismo foi movimento de idéias, no sentido forte de um processo de constituição e acumulação de saber sempre renovado e sempre capaz de ser modificado até nos fundamentos. Esse é o significado da máxima latina com a qual Kant definiu o iluminismo na sua resposta à polêmica de 1784, ...”sapere aude” – “ousa saber”, isto é, “ousa servir-te do teu próprio entendimento”, sem imitar ou aceitar passivamente as idéias das autoridades reconhecidas e temidas.83

Continua o autor citado, afirmando que a “máxima kantiana

expressa a postura generalizada de inconformismo com que se caracteriza o

seu século, e também, a partir daí, define o iluminismo como um verdadeiro

movimento das idéias.”84

O movimento iluminista criticava o modelo absolutista, o

mercantilismo e o poder da igreja, e apresentava várias inovações: a) Em se

tratando da forma de governo, pugnavam pela substituição do modelo

existente, por um modelo limitador da atividade do monarca; b) Na atividade

econômica, surgiram duas escolas: a fisiocracia e a do liberalismo econômico,

que pregava a liberdade econômica, com a não intervenção do Estado na

economia.

A filosofia iluminista era alcançada pela libertação (uma liberdade

jurídica, econômica e política), pela adoção de um ideal que seria alcançado

intelectualmente, e não pela revolução.

A produção intelectual do “século das luzes” foi dividida em dois

momentos: na primeira metade do século XVIII, houve o desenvolvimento das

ideias iluministas; e no segundo momento, o surgimento dos “desígnios

utopistas” e as “ideias igualitárias”. Na França, esse período ficou conhecido

82 GRESPAN, Jorge. Revolução Francesa e Iluminismo. 1. ed. 1. reimp. São Paulo: Contexto, 2008. Pág. 15. 83 Aut. E Op. Cit., Págs. 15/16 84 Idem. Pág. 16

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como geração dos “enciclopedistas”, na Alemanha, “Lessing”, e na Itália,

“teóricos reformadores”.

Destacamos alguns pensadores que foram responsáveis pela

revolução intelectual que se deu no período do iluminismo: John Locke,

Voltaire, Charles de Secondat Montesquieu, Jean-Jacques Rousseau, Adam

Smith.

Os pensadores iluministas acreditavam que o homem era

vocacionado para o auto aperfeiçoamento ético, e combatiam a intolerância e

os abusos que diziam ser promovidos pela Igreja e pelo Estado. Criaram um

governo baseado na igualdade social e racionalizaram o sistema das três

esferas de poder, adotando a ideia de Montesquieu, da tripartição dos poderes,

resguardada a independência e harmonia entre eles: legislativo, executivo e

judiciário.

A apreciação das provas passou por dois momentos. No primeiro,

chamado de íntimo convencimento, o magistrado julgava a partir de seu

convencimento, que, na maioria das vezes era intuitivo. Exigia-se apenas a

opinião do julgador a respeito dos fatos trazidos à apreciação, sem nenhuma

necessidade de explicar as razões que embasaram seu convencimento. Nesse

período, a prova dos fatos foi fortemente influenciada pela religião. A invocação

divina era utilizada para a obtenção da busca da verdade. No segundo

momento, já sob a influência das ideias iluministas, surgiu o livre

convencimento motivado. A partir desse instante foi exigido que o magistrado

fundamentasse sua decisão, demonstrando as razões do seu convencimento

de forma lógica, racional e argumentativa.

2. Antes de chegar ao Neoconstitucionalismo: o Constitucionalismo

A relação que podemos estabelecer entre o direito e o Estado não é

criação dos tempos atuais. Com o fim da era pré-histórica, o homem deixou o

nomadismo e passou a viver em sociedade. Com a convivência societária,

surgiu a necessidade de organização. Pode-se dizer, então, que desde a

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antiguidade o direito serviu não apenas como elo de pacificação, mas,

sobretudo, como ordenador social.

Falar em constitucionalismo é falar de toda trajetória para obtenção

da concretização das conquistas, com vista à com a positivação das ideias

obtidas nos aspectos: social, político e jurídico. E não há que falar em

movimentos estanques e isolados. A ideia de constitucionalismo foi produto de

um longo processo evolutivo de limitação do poder absoluto que era exercido

pelos governantes, e que se consolidou com o passar do tempo. 85

Podemos dizer que o constitucionalismo é fruto de um movimento

político-jurídico, com finalidade precípua de limitar o poder Estatal através de

um documento representado pela carta constitucional.

Fazendo-se uma curta retrospectiva histórica do constitucionalismo,

verificamos que sua origem remonta à antiguidade, pois a experiência entre os

hebreus, com a criação da “Lei do Senhor”, que apesar de não ser escrita,

estabelecia limites ao governante, é um claro exemplo da codificação.86

Na Idade Média, o constitucionalismo surgiu como um movimento

que representou não apenas a limitação da atuação do governante ou

soberano, mas, representou uma verdadeira busca dos valores constitucionais

que pudesse garantir os direitos individuais em face do Estado. E em meio a

Europa feudal emergiu o primeiro documento escrito, denominado “Magna

Carta Inglesa”, que limitava os poderes do soberano, e garantia os direitos dos

cidadãos.

O constitucionalismo moderno alimentou-se das ideias iluministas do

século XVIII que pugnavam pelo fim do antigo regime e anunciavam o

surgimento de um novo Estado, novas instituições, e com base em novos

valores.87 Na seara econômica, o que se pretendia era a não intervenção do

Estado. Já no campo político, a limitação e divisão do poder. A lição é de

DANTAS:

85 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros , 2010. Pág. 148. 86 Op. Cit.,Pág. 150 87 DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo Dantas. Direito Processual Constitucional. São Paulo: Atlas. 2009. Pág. 57.

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Foi justamente para atender aos ideais liberais, notadamente o de limitação do poder estatal, que surgiu o constitucionalismo. Esse pode ser definido como o movimento político e jurídico, desencadeado pelas chamadas revoluções liberais burguesas, destinado a estabelecer Estados constitucionais, com a fixação de mecanismos de limitação e repartição do poder estatais, através da edição de constituições escritas.88

Seguindo as ideias iluministas, as treze colônias inglesas da América

do Norte, declararam sua independência em 04 de julho de 1776. Com o fim da

guerra da independência, foi convocada a Convenção Constitucional da

Filadélfia para elaborar o texto constitucional. A Constituição Norte Americana

de 1787 marcou a consagração do constitucionalismo moderno.

Na França, a Revolução de 1789 deu início ao constitucionalismo,

sedimentado em bases iluministas. Durante o período da Assembleia Nacional

(1789-1792) foi aprovada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,

documento inspirado na Declaração de Independência dos Estados Unidos,

proclamando a igualdade de todos perante a lei, o direito de resistência, e o

direito à propriedade privada.

Em 1791, foi promulgada a primeira Constituição da França, que es-

tabelecia, em seu texto, a monarquia constitucional, formada por três poderes:

o legislativo, o executivo, e o judiciário, e influenciada pelos ideais de liberdade,

igualdade e fraternidade.

Com a Revolução Francesa, o constitucionalismo é difundido em to-

da a Europa, e em 1789 é editada a Declaração Universal dos Direitos do Ho-

mem e do Cidadão, que referiu em seu texto, a criação de um governo com

poderes limitados, submetidos a uma carta escrita, e com olhos voltados para a

liberdade dos indivíduos.89

88 Idem 89 Art. 16.º A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos pode-res não tem Constituição. Disponível no endereço eletrônico: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-1789.html>

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O constitucionalismo moderno pugnava pela elaboração de um texto

constitucional que contivesse normas jurídicas superiores, estabelecendo a

“organização, divisão, controle e limitação do poder político.”90

O constitucionalismo é caracterizado pelo movimento de limitação do

arbítrio do governo por uma constituição escrita.

J. J. Canotilho, tratando da matéria assevera que:

O movimento constitucional gerador da constituição em sentido moderno tem várias raízes localizadas em horizontes temporais diacrónicos e em espaços históricos geográficos e culturais diferenciados. Em termos rigorosos, não há um constitucionalismo, mas vários constitucionalismos (o constitucionalismo inglês, o constitucionalismo americano, o constitucionalismo francês). Será preferível dizer que existem diversos movimentos constitucionais com corações nacionais, mas também com alguns momentos de aproximação entre si, fornecendo uma complexa tessitura histórico-cultural. E dizemos ser mais rigoroso falar de vários movimentos constitucionais do que de vários constitucionalismos porque isso permite recortar desde já uma noção básica de constitucionalismo. Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade.91

O constitucionalismo, conhecido como governo das leis e não dos

homens, é considerado um movimento de caráter notavelmente jurídico,

embora com características sociológicas, que preconizava a limitação do poder

dos governantes, através de um documento escrito, razão pela qual a

Constituição, que estava acima da vontade desses governantes, assumiu a

centralidade do movimento.

André Ramos Tavares, citando Louis Henkin, elencou determinadas

características do constitucionalismo:

a) soberania popular;

b) supremacia da Constituição;

90 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2010. Pág. 152. 91 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. 9. reimp. Portugal: Almedina. Pág.51.

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c) sistema democrático e governo representativo;

d) governo limitado, separação dos poderes e cheks and balances,

controle civil dos militares, governo das leis e judicial control e um

Judiciário independente;

e) direitos civis respeitados e assegurados;

f) instituições que assegurem o respeito à Constituição;

g) respeito pelo self determination, “o direito de escolha política”.92

3. Sobre o Neoconstitucionalismo

Falar em neoconstitucionalismo importa tratar dos argumentos que

foram essenciais para poder pensar-se em oposição ao positivismo imperante

no século XX. E esses argumentos são representados pela injustiça e pelos

princípios. A barbárie vivida em nome da legalidade falou mais alto, propiciando

assim, um cenário propício à consolidação da democracia constitucional. Sobre

a injustiça, o argumento utilizado era o de que as normas injustas não

poderiam ser equiparadas ao Direito. Falando dos princípios, considerou-se a

necessidade de pensar na relação entre Direito e moral.

O neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional, na acepção aqui desenvolvida, identifica um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional, em meio às quais podem ser assinalados, (i) como marco histórico, a formação do Estado constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do século XX; (ii) como marco filosófico, o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre Direito e ética; e (iii) como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. Desse conjunto de fenômenos resultou um processo extenso e profundo de constitucionalização do Direito.93

92 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva. 2008. Pág. 3 93 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstiucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf>

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Filiando-nos com a distinção apontada por Luís Roberto Barroso,

apontamos os três marcos do neoconstitucionalismo: histórico, filosófico e

teórico, resumidos da forma que adiante se põe.

Como marco histórico, destacamos o movimento constitucional

ocorrido na Europa no período pós-guerra, que realçou a importância da

Constituição na sociedade contemporânea, pois até a Segunda Grande Guerra,

havia o cultivo de uma cultura que apenas valorizava a lei como fonte principal

do Direito.

DANIEL SARMENTO explica:

Até a Segunda Guerra Mundial, prevalecia no velho continente uma cultura jurídica essencialmente legicêntrica, que tratava a lei editada pelo parlamento como a fonte principal – quase como a fonte exclusiva – do Direito, e não atribuía força normativa às constituições. Estas eram vistas basicamente como programas políticos que deveriam inspirar a atuação do legislador, mas que não podiam ser invocados perante o Judiciário, na defesa de direitos. Os direitos fundamentais valiam apenas na medida em que fossem protegidos pelas leis, e não envolviam, em geral, garantias contra o arbítrio ou descaso das maiorias políticas instaladas nos parlamentos.94

Depois da Segunda Guerra, países como Alemanha e Itália,

seguidas de Espanha e Portugal, vivenciaram o fortalecimento da jurisdição

constitucional, criando mecanismos que pudessem proteger os direitos

fundamentais.95

A partir do momento que foi conferido à norma constitucional o

status de norma jurídica, foi efetivamente reconhecida a mudança de

paradigma que ocorria na teoria jurídica, em virtude dessa “irradiação

necessária dos valores constitucionais por todos os ramos do Direito”.96

Depois da malfadada experiência nazista, houve a preocupação com

o fortalecimento da jurisdição constitucional que possibilitasse a salvaguarda

dos direitos fundamentais.

94 SARMENTO, Daniel. O Neoconstitucionalismo no Brasil: Riscos e Possibilidades. Leituras Comple-mentares de Direito Constitucional. Salvador: Jus Podium, 2009. Org. Marcelo Novelino. Pág. 35. 95 Idem. 96 SAMPAIO JÚNIOR, José Herval. Processo Constitucional: nova concepção de jurisdição. São Paulo: Método, 2008. Pág. 40

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“A primeira referência do desenvolvimento do novo direito constitucional é a Lei Fundamental de Bonn (Constituição alemã), de 1949, e, especialmente, a criação do Tribunal Constitucional Federal, instalado em 1951. A partir daí teve início uma fecunda produção teórica e jurisprudencial, responsável pela ascensão científica do direito constitucional no âmbito dos países de tradição romano-germânica. A segunda referência de destaque é a da Constituição da Itália, de 1947, e a subsequente instalação da Corte Constitucional, em 1956. Ao longo da década de 70, a redemocratização e a reconstitucionalização de Portugal (1976) e da Espanha (1978) agregaram valor e volume ao debate sobre o novo direito constitucional.”97

Não é possível olvidarmos a significação das experiências ibéricas,

inclusive em sede de jurisdição constitucional, tangente à história do

Neoconstitucionalismo brasileiro. A seu propósito, consideremos duas

referências promovidas em estudo comparativo sobre os textos constitucionais

de Portugal e Espanha, que se ajustaram aos ideais vivenciados por Alemanha

e Itália98:

Certo existir um claro paralelismo entre as constituições portuguesa e brasileira no tocante ao ordenamento da matéria constitucional e ao arrolamento dos princípios fundamentais. No que diz com a ordenação material, veja-se que, em uma e outra geografia, as disciplinas iniciais pontuam o preâmbulo, os princípios fundamentais e os lembrados direitos fundamentais. Já em relação aos princípios, além da soberania e do pluralismo (político e de expressão), vê-se que tanto ali, tanto aqui, cumpre o respeito à garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais (art. 2º da Constituição Portuguesa) e a aplicação imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais (art. 5º, § 1º da Constituição Brasileira).

Em relação ao documento castelhano há de se observar, na disciplina inicial traçada pela Carta da Espanha, a mesma seqüência disposta na Constituição Portuguesa. Isso talvez possa servir como indicativo da razão pela qual o constituinte brasileiro parece ter reconhecido no texto espanhol mérito bastante para fazê-lo, se não um paradigma, algo que se lhe assemelhasse. Com efeito, à leitura dos artigos 1º e 2º da Constituição Espanhola, vê-se que as Cortes declaram ser a Espanha um estado social e democrático de direito, que propugna como valores superiores de sua ordem jurídica,

97 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstiucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Artigo. Publicado na internet, <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf> 98 ROCHA, José Taumaturgo da. Direito à Vida. op. cit. Cap. VI, pág. 295.

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dentre outros, o pluralismo e a soberania. E no artigo 10 asseguram as mesmas Cortes que as normas relativas aos direitos fundamentais e às garantias reconhecidas pelo texto constitucional se interpretarão na conformidade da Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos tratados e acordos internacionais pactuados sobre essa mesma matéria. Tudo muito parecido com as letras constitucionais brasileiras, inclusive por erguer o princípio do respeito à dignidade da pessoa humana ao patamar de fundamento da nação espanhola.

O marco filosófico do neoconstitucionalismo:

O jusnaturalismo vigente no século XVI aproximou a lei e a razão,

influenciando assim as revoluções liberais. Com a ascensão do positivismo, no

século XIX, considerado um modelo que primava pelo formalismo jurídico,

equiparando o direito à lei, adepto da subsunção e do silogismo, teve sua

derrocada depois das experiências trágicas que equipararam lei ao Direito, e

em nome dessa legalidade cometeram atrocidades sem medida.

Diante da inconsistência do jusnaturalismo, e da falência do

positivismo, inicia-se uma nova leitura do Direito. Surge o pós-positivismo.

Para Barroso,

“O pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas. A interpretação e aplicação do ordenamento jurídico hão de ser inspiradas por uma teoria de justiça, mas não podem comportar voluntarismos ou personalismos, sobretudo os judiciais. No conjunto de ideias ricas e heterogêneas que procuram abrigo neste paradigma em construção incluem-se a atribuição de normatividade aos princípios e a definição de suas relações com valores e regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica constitucional; e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana. Nesse ambiente, promove-se uma reaproximação entre o Direito e a filosofia.”99

99BARROSO, Luís Roberto. Neoconstiucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Artigo. Publicado na internet, <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf>

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O neoconstitucionalismo dedicou-se à discussão sobre teorias

argumentativas postas à disposição do operador do direito para obtenção da

melhor resposta para os “hard cases”.

Travaram-se as discussões sobre direito e moral. De um lado,

alguns positivistas que não concordavam com a conexão entre direito e moral.

Do outro lado, os não positivistas, que afirmavam a necessidade dessa

conexão, alicerçados na compreensão de que as normas injustas não

poderiam gozar de validade jurídica.

Marco teórico:

d) reconhecimento do caráter normativo

da Constituição;

e) o desenvolvimento e o alargamento da

jurisdição constitucional; e,

f) uma nova interpretação.

Somente no século XX a Constituição ganha ares ou status de

norma jurídica, pois era vista apenas como documento político (carta política).

Coma ascensão do neoconstitucionalismo, o judiciário assume papel de

destaque, e o juiz passa a “guardião das promessas”, artífice na realização das

garantias constitucionais.

No final dos anos 40, a experiência americana da Supremacia

Constitucional encantava a todos. Falava-se então do controle de

constitucionalidade e da criação dos tribunais constitucionais.

A nova interpretação constitucional deriva, evidentemente, da força

normativa da constituição. Como norma jurídica, serve-se dos métodos de

interpretação: gramatical, histórico, sistemático e teleológico. Além do que são

usados os critérios de solução dos conflitos: hierárquico, em que a lei superior

tem prevalência sobre a inferior; temporal, em que a anterior prevalece sobre a

posterior; e o critério de que a lei especial tem prevalência sobre a geral.

Barroso faz a comparação entre a interpretação tradicional e a

neoconstitucional da forma seguinte:

A interpretação jurídica tradicional desenvolveu-se sobre duas

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grandes premissas: (i) quanto ao papel da norma, cabe a ela oferecer, no seu relato abstrato, a solução para os problemas jurídicos; (ii) quanto ao papel do juiz, cabe a ele identificar, no ordenamento jurídico, a norma aplicável ao problema a ser resolvido, revelando a solução nela contida. Vale dizer: a resposta para os problemas está integralmente no sistema jurídico e o intérprete desempenha uma função técnica de conhecimento, de formulação de juízos de fato. No modelo convencional, as normas são percebidas como regras, enunciados descritivos de condutas a serem seguidas, aplicáveis mediante subsunção.

Com o avanço do direito constitucional, as premissas ideológicas sobre as quais se erigiu o sistema de interpretação tradicional deixaram de ser integralmente satisfatórias. Assim: (i) quanto ao papel da norma, verificou-se que a solução dos problemas jurídicos nem sempre se encontra no relato abstrato do texto normativo. Muitas vezes só é possível produzir a resposta constitucionalmente adequada à luz do problema, dos fatos relevantes, analisados topicamente; (ii) quanto ao papel do juiz, já não lhe caberá apenas uma função de conhecimento técnico, voltado para revelar a solução contida no enunciado normativo. O intérprete torna-se co-participante do processo de criação do Direito, completando o trabalho do legislador, ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis.”100

Uma das grandes características do Neoconstitucionalismo é o

reconhecimento do caráter normativo dos princípios e sua distinção em relação

às regras jurídicas.101 Os princípios são normas abertas, que consagram de-

terminados valores, ao passo que as regras estabelecem comandos afeitos a

certas condutas. Nesse relacionamento íntimo de princípios e direitos funda-

mentais no texto constitucional, ocorrem as colisões, e diante das colisões de

normas constitucionais, não há como ser aplicada a subsunção, razão pela

100BARROSO, Luís Roberto. Neoconstiucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Artigo. Publicado na internet, <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf> 101 Bastante esclarecedores são os textos que se extraem da obra de Humberto Ávila. Eles como que sinte-tizam as lições Robert Alexy, construtor de uma homenageda teoria sobre regras de direito e princípios jurídicos: “Hoje, mais do que ontem, importa construir o sentido e delimitar a função daquelas normas que, sobre prescrevem fins a serem atingidos, servem de fundamento para a aplicação do ordenamento constitucional – os princípios jurídicos. É até mesmo plausível afirmar que a doutrina constitucional vive, hoje, a euforia do que se convencionou chamar de Estado Principiológico.” E continua o citado autor: “É verdade que o importante não é saber qual a denominação mais correta des-se ou daquele princípio. O decisico, mesmo, é saber qual é o modo mais seguro de garantir sua aplicação e sua efetividade.” Aut e Op cit, pág. 24. (ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à apli-cação dos princípios jurídicos. 12. ed. S. Paulo: Malheiros, 2011.)

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qual é utilizado o princípio da razoabilidade, para a escolha da melhor solução

de concretização da “vontade constitucional”.

Na ocorrência de um conflito entre regras, a solução, segundo Alexy

somente será resolvido se se introduzir, “em uma das regras, uma cláusula de

exceção que elimine o conflito, ou se pelo menos uma das regras for declarada

inválida”.102

E continua o citado autor:

A constatação de que pelo menor uma das regras deve ser de-clarada inválida quando uma cláusula de exceção não é possí-vel em um conflito entre regras nada diz sobre qual das regras deverá ser tratada dessa forma. Esse problema pode ser solu-cionado por meio de regras como lex posterior derogat legi pri-ori e lex specialis derogat legi generali, mas é também possível proceder de acordo com a importância de cada regra em confli-to. O fundamental é: a decisão é uma decisão sobre valida-de.103

Importa dizer que na ocorrência de colisão entre regras, uma delas

cederá espaço, pois as duas não poderão reger o mesmo caso, por isso falar-

se em validade.

Para Dworkin, “se duas regras entram em conflito, uma delas não

pode ser válida”, em razão de que é “funcionalmente desimportante”.104

Em se tratando da colisão de princípios, Alexy assevera que:

As colisões entre princípios devem ser solucionadas de forma completamente diversa. Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com outro, permitido -, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção.105

Diante da colisão de princípios, deve-se levar em conta que os prin-

cípios, ao revés do que ocorre com as regras, têm precedência. Os princípios

102 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. S. Paulo: Malheiros Editores. 2ª edição. 3ª tira-gem. 2014. Pág. 92 103 Idem. Pág. 93 104 DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos à Sério. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes. 3ª edição. 2010. Pág. 43. 105 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. S. Paulo: Malheiros Editores. 2ª edição. 3ª tira-gem. 2014. Pág. 93

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têm pesos diferentes, e, diante do caso concreto, é feito o sopesamento para

aferir qual deles tem peso maior para realizar a composição do litígio.

Esse processo que se desenvolveu desde o final do período pós-

guerra, somente teve seu início em terras brasileiras com o advento da Consti-

tuição de 1988.

A Carta Constitucional trouxe em seu bojo um elenco de direitos e

garantias fundamentais, com aplicabilidade imediata, em seu art. 5º. Reforçou

o papel do Poder Judiciário, conferindo a inafastabilidade da tutela judicial ou

inafastabilidade da jurisdição.106

A partir desse momento, passou-se a enfatizar a força normativa

da Constituição e a importância dos princípios constitucionais. Essa nova fase

propiciou uma mudança no olhar da sociedade para o Direito e para o Estado.

106 Art. 5º, XXXV – “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”

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CAPÍTULO IV: A PROVA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

1. O Estado democrático de Direito

A reconstitucionalização da Europa, imediatamente após a Segunda Grande Guerra e ao longo da segunda metade do século XX, redefiniu o lugar da Constituição e a influência do direito constitucional sobre as instituições contemporâneas. A aproximação das ideias de constitucionalismo e de democracia produziu uma nova forma de organização política, que atende por nomes diversos: Estado democrático de direito, Estado constitucional de direito, Estado constitucional democrático.107

Para falar em Estado Democrático de Direito, presente no

preâmbulo e no art. 1º da Constituição Federal de 1988, convém analisar todo

o iter percorrido pelos anteriores Estado Liberal e Estado Social de Direito (ou

do Bem Estar social).

J.J. Canotilho assevera que o Estado de direito não pode ser

concebido como um sistema fechado, pois

cada época tem as suas experiências jurídicas, as suas exigências de justiça, os seus padrões de juridicidade. Por isso, já se acentuou – e bem – que a história do Estado de direito não deve ser compreendida como a ‘história de um conceito’; mas como uma história enquadrada na ‘história geral das ideias e das instituições’.108

A liberdade sempre foi o ideal pretendido, e essa oposição ao

governo arbitrário, serviu para catapultar o Estado absolutista para o Estado de

Direito. O Estado Liberal teve como marca a liberdade, especialmente a

econômica, primando pela não intervenção do Estado, além da indiferença

estatal no tocante às questões sociais. Esse modelo atendia aos interesses da

classe burguesa, que detinha o poder econômico da época.

Impende registrar o magistério de Bonavides, para quem

O Estado é armadura de defesa e proteção da liberdade. Cuida-se, com esse ordenamento abstrato e metafísico, neutro

107 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamen-tais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva.1ª edição. 2009. Pág.245. 108CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina. 6ª edição. 1993. Pág. 349

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e abstencionista de Kant, de chegar a uma regra definitiva que consagre, na defesa da liberdade e do direito, o papel fundamental do Estado.109

José Afonso da Silva enumera três características do Estado

Liberal: a) o império da lei; b) a divisão dos poderes (legislativo, executivo e

judiciário); e, c) garantia dos direitos fundamentais. 110

A liberdade econômica incentivou a aceleração da livre

concorrência, que alavancou o capitalismo e o abuso do poder contra os

menos favorecidos. Em decorrência disso, o Estado Liberal não foi capaz de

atender aos anseios da sociedade, gerando pobreza, desigualdade e

insatisfação, e cedeu lugar para o surgimento do Estado Social.

Assim, o Estado se despiu da neutralidade e abstencionismo,

para fazer valer a justiça social.

O Estado de Direito emergiu no final do séc. XVIII, com as

grandes mudanças experimentadas e que foram fruto da Revolução

Francesa111, através dos movimentos burgueses de caráter revolucionário, que

manifestavam sua oposição ao absolutismo, aspirando a implantação de um

sistema que limitasse a ação dos governantes, que deveriam submeter-se à

vontade da lei, voltando sua atenção para o lado social, com atuação

intervencionista principalmente na economia. Preocupava-se o Estado Social

com o crescimento nas áreas da saúde, educação, cultura e previdência social,

promovendo uma profunda modificação no papel do Estado. Entretanto, com o

fim da segunda grande guerra (1939/1945), o modelo social passou a ser

criticado, especialmente em face de todos os abusos e atrocidades cometidas

nos campos de concentração.

Diante do insucesso dos modelos Liberal e Social e da necessidade

de um novo modelo de Estado, inicia-se um processo de democratização do

109 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. São Paulo: Malheiros Editores. 11ª edição. 2014. Pág. 41. 110 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. S. Paulo: Malheiros Editores. 36ª edição. 2013. Págs.114-115. 111 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. São Paulo: Malheiros Editores. 11ª edição. 2014. Pág. 30.

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Estado no final do séc. XIX e início do séc. XX, cuja tônica era a submissão à

lei e à vontade popular.

Com a consolidação do constitucionalismo, o Estado passou a

submeter-se às normas de direito, e estruturar-se através de leis,

especialmente a lei constitucional, com a integração dos princípios jurídicos e

da democracia. No Estado Constitucional Democrático de Direito, a democracia

é a verdadeira fonte de legitimação do poder e o princípio da legalidade faz

parte da plêiade dos princípios que constituem sua base. Com a garantia da

legalidade, o Estado assume o compromisso com a igualdade formal dos

litigantes e com a efetiva realização do processo constitucional, que “tem por

fundamento garantir o princípio da supremacia constitucional, possibilitando a

efetiva tutela, proteção e fomento dos direitos fundamentais.”112

O Estado Democrático de direito é proclamado pela Constituição

Federal de 1988 em seu art. 1º113, e “com a opção constitucional do povo pelo

Estado Democrático de Direito, a jurisdição passou a ter concepção de direito

fundamental, em conexão direta com o devido processo legal na realização dos

direitos fundamentais.”114

Não basta o reconhecimento dos direitos, mas urge que se

assegurem as garantias para a efetivação desses direitos, que se exerce

através da jurisdição garantidora dos direitos fundamentais.

2. Sobre o acesso à justiça e a garantia do direito constitucional à prova

Somente após o período do pós-guerra, com a assunção e

consagração dos direitos constitucionais, o acesso à justiça passou a exercer o

papel de verdadeiro garantidor dos outros direitos fundamentais.

112 BORGES, Fernanda Gomes e Souza. A Prova no Processo Civil Democrático. Curitiba: Juruá Editora. 2013. Pág. 42. 113 A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Dis-trito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito. 114 BORGES, Fernanda Gomes e Souza. A Prova no Processo Civil Democrático. Curitiba: Juruá Editora. 2013. Pág. 44.

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O acesso à justiça, como se pode perceber mesmo sem maior

incursão no tema, é uma forma de ligar o processo civil com a justiça social. O

acesso à uma ordem jurídica justa é um direito de cidadania. O acesso à

justiça deve representar o acesso à um processo justo, a um juiz natural, a um

devido processo legal com contraditório e produção probatória suficiente para

alicerçar o convencimento do julgador.

O acesso à justiça pode ser analisado a partir de dois momentos:

o Estado Liberal e o Estado Social.

Por ocasião da vigência do Estado Liberal, houve uma

segregação dos direitos. Já no período do Estado Social houve a preocupação

com a realização dos direitos dos indivíduos. A lição de Cappelletti e Garth é a

de que: “Nos estados liberais ‘burgueses’ dos séculos dezoito e dezenove, os

procedimentos adotados para solução dos litígios civis refletiam a filosofia

essencialmente individualista dos direitos, então vigorante.”115 Havia um

acesso formal do indivíduo para propor uma ação ou contestá-la.

E Continuam os autores:

“à medida que as sociedades do laissez-faire cresceram em tamanho e complexidade, o conceito de direitos humanos começou a sofrer uma transformação radical. A partir do momento em que as ações e relacionamentos assumiram, cada vez mais, caráter mais coletivo que individual, as sociedades modernas necessariamente deixaram para trás a visão individualista dos direitos, refletida nas ‘declarações de direitos’, típicas dos séculos dezoito e dezenove.”116

Ainda seguindo o magistério dos juristas suso referidos,

registramos a definição de que

“o acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.”117

Tratam os autores, acerca da efetividade do acesso à justiça, a

necessidade da paridade ou “igualdade de armas”, mesmo entendendo essa 115 CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. 1988. Reimpressão 2002. Pág.9. 116 Op. cit., Pág. 10. 117 Idem. Pág. 12

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perfeita igualdade como algo “utópico”. Na obra “Acesso à Justiça”, resolvem

elencar os obstáculos que se põe à frente da consecução do efetivo acesso à

justiça.

O primeiro deles foi identificado como: custas judiciais,

subdividido em custas em geral e nas causas de pequena monta; além do

tempo para solução do processo, que invariavelmente acarreta custos para as

partes. O segundo: possibilidade das partes, i) quanto aos recursos financeiros,

ii) quanto à aptidão para reconhecer um Direito e propor uma Ação ou defesa e

iii) quanto aos litigantes eventuais e habituais. O terceiro obstáculo diz respeito

aos problemas especiais dos interesses difusos. Ao término da análise,

concluem os autores que as barreiras são mais presentes nas pequenas

causas e com autores individuais (principalmente os de menor poder

aquisitivo).

Assim, Cappelletti e Garth, não apenas apontaram os problemas,

mas criaram soluções para combater esses problemas, que resolveram chamar

de ondas do movimento de acesso à justiça.

A primeira delas tratou da assistência judiciária que viabilizasse a

prestação de serviços jurídicos para os que dela necessitassem. Três foram os

sistemas postos à disposição: o sistema judicare, com advogados particulares

pagos pelo Estado; e um segundo sistema de assistência judiciária, com

advogados remunerados pelos cofres públicos. A diferença entre os dois

sistemas era a de que no sistema judicare, os advogados apenas

encaminhavam as demandas, ao passo que esse outro modelo criou uma nova

categoria de assistência, pois auxiliava, inclusive, na reivindicação dos direitos.

Por fim, o terceiro modelo chamado de combinado, conjugando aquilo que de

melhor pudesse ser extraído de cada sistema, diante do reconhecimento das

limitações encontradas em cada um individualmente.

A segunda onde dizia respeito à representação dos interesses

difusos (coletivos). Sobre esse movimento, aduziram Cappelletti e Garth: “O

processo era visto apenas como assunto entre duas partes, que se destinava à

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solução de uma controvérsia entre essas mesmas partes a respeito de seus

próprios interesses individuais.”118

E a terceira onda de reforma comtempla a assistência jurídica, por

meio de advogados, mas “centra sua atenção no conjunto geral de instituições

e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo

prevenir disputas nas sociedades modernas.”119

Esse acesso efetivo, real, pleno foi acolhido pelo nosso legislador

constitucional, na Carta de 1988, que inseriu no Título II os Direitos e Garantias

Fundamentais tanto a inafastabilidade da jurisdição, presente no art. 5º, XXXV,

como o inciso LXXIV, garantindo a gratuidade judiciária para aqueles que não

dispuserem de recursos para arcar com as despesas e custas do processo.

Fundamenta-se na possibilidade de todos, indistintamente, poderem

ajuizar suas demandas perante os órgãos do Poder Judiciário. Podemos

enxergar duas garantias do acesso à justiça: a possibilidade de que a lesão ou

ameaça de lesão a direito possa ser submetida à apreciação do Poder

Judiciário; e a concessão de amparo àquelas pessoas que, por sua condição

de hipossuficiência, não podem arcar com encargos da demanda sem o

comprometimento de seu sustento e de sua família.

E não por acaso o Estado concede a salvaguarda desses direitos

fundamentais. Com a autonomia do Estado frente aos cidadãos, vedando a

autotutela para por fim às disputas de interesses, surgiu a necessidade de

armar o cidadão com um instrumento capaz de levar a cabo o conflito em que

viu envolvido. Dessa forma, o exercício do acesso à justiça cria para os autores

da disputa o direito à prestação jurisdicional, reflexo do poder-dever do juiz de

dar a referida prestação jurisdicional. Em realidade, o acesso à justiça não se

limita à apreciação do órgão institucional, mas, sobretudo, possibilita o amparo

da justiça, aos que buscam sua proteção, para a tutela dos seus direitos. O

acesso à justiça não é criado para o autor da demanda, mas para quem tiver

seu direito ferido ou mesmo ameaçado de lesão.

118 CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Edi-tor, 1988. Reimpressão 2002. Págs. 49/50. 119 Op. cit., Págs. 67/68

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O acesso à justiça traduz a ideia de que não se pode criar

obstáculos a quem teve seu direito lesado, ou que esteja sob a ameaça de vir a

tê-lo, de submeter sua pretensão ao Poder Judiciário, e, portanto, deve ser

efetivo e material. Implica dizer que a resposta apresentada pelo Estado deve

dirimir o conflito existente ou legitimar a situação ofertada em prazo razoável.

Não é suficiente que o poder judiciário venha garantir o recebimento da

demanda e o direito de ação processual (o direito de agir dirigindo-se ao órgão

jurisdicional), mas, também garantir uma decisão justa, sob pena de macular

esta garantia constitucional. Com este pensamento, a emenda Constitucional

nº 45/04 inseriu no artigo 5º, o inciso LXXVIII120, assegurando a celeridade

processual, com a garantia da duração razoável do processo, seja na esfera

administrativa ou judicial.

Os Direitos Fundamentais não são apenas declarados, mas

garantidos através de outros direitos e de mecanismos que o Estado dispõe

para criar a paridade de armas para os cidadãos. E este acesso à justiça vem

de mãos dadas com vários princípios constitucionais, insertos no Código de

ritos, possibilitando não apenas o ingresso perante o Poder Judiciário, mas,

especialmente, a garantia de um devido processo legal, com contraditório,

ampla defesa e um julgamento justo, motivado e fundamentado.

3.Princípios Constitucionais informadores do direito à prova

Os princípios são vetores basilares de todo o ordenamento

jurídico. São normas que possuem uma grande carga axiológica, e que

irradiam o sistema jurídico.

O Estado Democrático de Direito é estruturado a partir da garantia

da função jurisdicional, cumprida através do devido processo constitucional. “A

satisfação do binômio justiça-segurança jurídica, - para o qual os princípios

constituem-se em a mola mestra – avulta em objetivo básico, a que todos

devem acorrer, aproximando a operosidade do direito à realidade presente na

120 A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

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comunidade.”121

A Constituição Brasileira de 1988 é o ponto de partida para a

análise da atividade probatória. Tanto que o princípio insculpido no art. 5º, LIV

da Constituição Federal, dispõe: “Ninguém será privado da liberdade ou de

seus bens sem o devido processo legal”.

Deriva desse princípio a garantia a um processo e uma sentença,

respeitadas as garantias básicas de uma sociedade justa e democrática. O

princípio é a diretriz que deve seguir a norma infraconstitucional. Assim, por

exemplo, quando da aplicação do Código de regras, o juiz é livre para conduzir

toda a atividade probatória, devendo, no entanto, assegurar aos litigantes um

processo que respeite o direito invocado pelas partes, especialmente no

tocante à produção de provas.

O princípio do devido processo legal assegura a todos, no âmbito

judicial e administrativo, a razoável duração do processo com a utilização dos

meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Para a tramitação dos

atos processuais, é assegurado o impulso oficial, com a exigência de as partes

operem (ou cooperem) de boa fé; oportunizando os debates que travam, em

atenção ao efetivo contraditório, cuja realização aproveita quer a objetividade

da demanda quer a sua subjetividade. Em qualquer momento, porém, além da

própria demanda, enquanto proposta do autor colhe a apreciação de a defesa

vir a ser ampla e global. Acrescente-se, ainda, em matéria probatória, a

vedação da utilização das provas ilícitas. Por derradeiro, para os fins deste

trabalho, o dever de motivação das decisões judiciais.

3.1 Princípio do devido processo legal

A história do homem coincide com a sua busca pela liberdade, pela

quebra dos grilhões que o aprisionavam e o conduziam à servidão que lhe foi

imposta. “O decorrer da história revela o permanente embate entre a

dominação do homem e sua luta frenética e incontida pela liberdade. Busca-se,

121 BONIFÁCIO, Artur Cortez. Direito de Petição – Garantia constitucional. São Paulo: Método, 2004. Pág. 28.

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pois, incessantemente, um ponto de equilíbrio entre a liberdade individual e a

ordem social”.122

Cumpre-nos, por oportuno, apontar que a história do devido

processo legal teve seu nascedouro no ano de 1215 na Inglaterra, com o

advento da Magna Carta. Instituiu-se, a partir daí o devido processo legal, que

se constituiu como verdadeira essência da liberdade individual em face da lei.

Entretanto, a expressão due process of law somente passou a ser utilizada a

partir de 1354 com o advento do Estatuto de Eduardo III. Posteriormente

chega até as colônias da América do Norte, e no final do século XIX e início do

século XX os Estados Unidos passaram a experimentar uma hipervalorização

dos ideais baseados no liberalismo econômico. A Suprema Corte americana

imbuída pelo espírito do laissez faire, passou a declarar a inconstitucionalidade

das normas que de qualquer forma pudessem atentar contra os princípios

liberais, especialmente o direito à propriedade.

Diante da ausência de controle das decisões do judiciário, ergueram-

se severas críticas à interpretação extensiva que vinha sendo utilizada pela

Suprema Corte americana, e em meio a essas críticas o devido processo legal

restringiu significativamente a área de sua abrangência. A partir de então era

invocado tão somente com o objetivo de proteger os direitos fundamentais.

A partir da Constituição de 1988 o ordenamento jurídico brasileiro

passou a albergar expressamente a garantia constitucional do devido processo

legal. O due process of law previsto no direito anglo-saxão desde o século XIV

limitava-se a oferecer garantia no âmbito processual, passando, com o decurso

do tempo, a ampliar seu conteúdo e alcance.

O devido processo legal “tornou-se, ao lado do princípio da isonomia

(equal protection of law), o principal instrumento de argumentação de que

lançou mão a doutrina e a jurisprudência no vibrante processo de

transformação do Direito Constitucional nos Estados Unidos da América”.123

122 SILVEIRA, Paulo Fernando. Devido Processo Legal. Belo Horizonte: Del Rey, 1997.

123 CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. Devido Processo Legal e a Razoabilidade das Leis na Nova

Constituição do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1989. Pág. 32.

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Com a incidência do princípio do devido processo legal são

garantidos aos litigantes: o acesso à justiça, a igualdade de tratamento (direitos

iguais para a produção probatória), a publicidade dos atos processuais, o

julgamento por juiz natural, o julgamento obtido da análise de um conjunto

probatório lícito, o dever de fundamentação das decisões judiciais.

A essência do devido processo legal é, portanto, o respeito às

normas constitucionais e infraconstitucionais pelo Estado e pelos cidadãos.

Representa a garantia de acesso à justiça, entendido não apenas como uma

garantia formal, mas, significando mesmo o direito à prestação da tutela

jurisdicional.

A cláusula do devido processo legal não significa apenas a tutela

processual. “Sua caracterização se dá de forma bipartida, pois há o substantive

due process e o procedural due process, para indicar a incidência do princípio

em seu aspecto substancial, vale dizer, atuando no que respeita ao direito

material, e, de outro lado, a tutela daqueles direitos por meio do processo

judicial ou administrativo”. 124

3.2 Princípio do contraditório e ampla defesa

O art. 5º, LV da Constituição Federal assegura aos litigantes o

direito ao contraditório e à ampla defesa. É certo que o respeito ao estado de

direito, inspirou o legislador a conferir juntamente com o direito de defesa, o

direito à ação.

O contraditório, considerado subprincípio do devido processo legal,

interessa de perto ao tema da necessária produção de prova, e faz-se

indispensável vê-lo como essencial à formação de um processo democrático.

Afinal, o Estado Democrático reclama essa participação efetiva no processo,

que é o instrumento posto à disposição da sociedade, para garantia dos seus

direitos lesados ou ameaçados de lesão. Para Rui Portanova, “o contraditório

assenta-se em fundamentos lógico e político. A bilateralidade da ação (e da

124 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais. 8ª edição. 2004. Pág. 65.

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pretensão) que gera a bilateralidade do processo (e a contradição recíproca) é

o fundamento lógico. O sentido de que ninguém pode ser julgado sem ser

ouvido é o fundamento político”.125

Dinamarco chama a atenção para dois momentos do processo, em

se tratando do contraditório: a informação e a participação.

O primeiro, como chamamento, em que se expressa a necessidade

de comunicação dos atos processuais. O segundo momento, representando a

efetiva participação dos atos do processo. “Participar, (...), é viver o

processo.”126 E viver é estar presente, vivenciando as experiências.

Outro não é o entendimento de Nery Jr.: “Por contraditório deve

entender-se, de um lado, a necessidade de dar conhecimento da existência da

ação e de todos os atos do processo às partes, e, de outro, a possibilidade de

as partes reagirem aos atos que lhe sejam desfavoráveis. Os contendores têm

direito de deduzir suas pretensões e defesas, de realizar as provas que

requereram para demonstrar a existência de seu direito, em suma, direito de

serem ouvidos paritariamente no processo em todos os seus termos.”127

Muito além, no entanto, de o contraditório ser apenas observado

como a possibilidade de manifestação das partes no processo, urge a

consideração de tal princípio desembocar no convencimento do magistrado.

Com efeito, à luz da Constituição Federal, em seu art. 5º LV: “aos litigantes, em

processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados

o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

“O contraditório é a paridade de armas entre os litigantes, significa

dar igual oportunidade de informação, ação e reação, enquanto a ampla defesa

consiste em permitir a apresentação em juízo de todas as alegações,

125 PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.

126 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. São Paulo: RT. 1986. Pág. 94. 127 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil da Constituição Federal. São Paulo: RT. 8ª edição. 2004. Pág. 172.

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disponibilizando-se às partes todos os meios de prova lícitos para a

concretização da defesa de seus interesses”.128

O legislador infraconstitucional, no art. 7º do CPC (Lei

nº13.105/2015) assegura aos litigantes: “paridade de tratamento em relação ao

exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus,

aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar

pelo efetivo contraditório.”

Falar em contraditório significa falar da influência que as partes

contendoras possuem na formação do convencimento do juiz. Um

convencimento que há de ser livre na sua formação e formulação, donde se

falar em livre convicção motivada. A garantia ao contraditório não se limita à

esfera procedimental, pois é considerada uma verdadeira condição de validade

dos atos processuais e até mesmo da sentença.

A partir do instante em que o Estado assumiu a função jurisdicional,

passando a resolver os conflitos de interesses que lhe fossem submetidos à

apreciação, longe da antiga justiça privada, ao autor da demanda foi incumbido

o ônus de provar os fatos constitutivos do seu direito, ao passo que ao réu, o

de provar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.

Depois da análise do conjunto de argumentação o magistrado deverá então

julgar, expondo os motivos que o convenceram na tomada de decisão.

Todo o procedimento probatório há de alicerçar-se nos princípios

constitucionais norteadores da atividade jurisdicional democrática. O juiz não é

apenas a boca da lei, mas, também, e, sobretudo, o grande artífice a quem foi

confiada a missão de ouvir as partes e suas provas e assegurar um resultado

que seja o elemento pacificador da sociedade.

A ampla defesa assegurada aos litigantes, é consequência do

contraditório, pois as partes têm a liberdade de alegar os fatos que constituem

o objeto de sua lide, e as provas com que pretendem assegurar a veracidade

daqueles fatos.

128 HOFFMAN. Paulo. A Atuação Probatória do Réu Revel, sob o Aspecto Constitucional da Ampla De-fesa. In: O Processo na Constituição. Coordenação Ives Gandra da Silva Martins e Eduardo Jobim. São Paulo: Quartier Latin, 2008. Pág. 385.

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“A defesa não é uma generosidade, mas um interesse público. Para

além de uma garantia constitucional de qualquer país, o direito de defender-se

é essencial a todo e qualquer Estado que se pretenda minimamente

democrático.”129

A ampla defesa caminha de mãos dadas com o contraditório, razão

pela qual, os dois momentos acima referidos: de informação (ou conhecimento)

e participação, são tomados novamente. As partes têm o direito de informação,

participando, livre e eficazmente de todos os atos do processo; bem como o

direito de alegar e provar aquilo que alega. A garantia de uma citação válida,

nomeação de defensor, intimação dos atos processuais, são exemplos que

ilustram a hipótese em comento. Essa liberdade de participar ativamente do

processo, exercendo seu direito de ação, confere não apenas a reação às

alegações, mas também abrem a possibilidade de não ser utilizada nenhuma

técnica de defesa. Daí pensar-se numa busca efetiva da garantia do princípio

da ampla defesa, para que sejam atendidos os ditames constitucionais, não é

suficiente a apresentação de uma defesa formal, mas uma defesa plena, com a

utilização dos meios postos à disposição do magistrado para exercer seu

munus, com a responsabilidade que lhe é exigida na condução do processo.

3.3 Princípio da proibição de provas ilícitas

O art. 5º, LVI da Constituição Federal de 1988, assevera que “são

inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Já o nosso

Código de ritos, em seu art. 369, tratando das provas, assegura que “as partes

têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente

legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade

dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na

convicção do juiz.”

Com a leitura comparada dos dispositivos suso referidos, vê-se

que o legislador ordinário, preocupado com o trato da matéria probatória, achou

129 PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 1997. Pág. 125

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por bem ampliar o conteúdo do artigo 5º da Constituição Federal, vedando a

obtenção das provas obtidas por meios ilícitos, como também aquelas em que

foram empregados meios moralmente ilegítimos.

Com a adoção do princípio em comento, assegura-se aos

litigantes, a paridade de direitos no campo probatório, quanto à impossibilidade

(ou menor possibilidade) de surgirem provas obtidas através de meios ilícitos

e/ou moralmente ilegítimas.

A prova ilegal é aquela que vai de encontro às normas de direito

material, com a violação do ordenamento jurídico, compreendendo-se as leis e

os princípios. Diz-se ilegítima, aquela que contraria as normas de direito

processual; e a prova ilícita ocorre fora do mundo processual, e é caracterizada

por ser produzida com a violação da norma de direito material.

Para Dinamarco,

provas ilícitas são as demonstrações de fatos obtidos por modos contrários ao direito, quer no tocante às fontes de prova, quer quanto aos meios probatórios. A prova será ilícita – ou seja, anti-jurídica e portanto ineficaz a demonstração feita – quando o acesso à fonte tiver sido obtido de modo ilegal ou quando a utilização da fonte se fizer por modos ilegais. Ilicitude da prova, portanto, é ilicitude na obtenção das fontes ou ilicitude na aplicação dos meios. No sistema do direito probatório, o veto às provas ilícitas constitui limitação ao direito à prova. No plano constitucional, ele é instrumento democrático de resguardo à liberdade e à intimidade das pessoas contra atos arbitrários ou maliciosos.130

A prova considerada ilícita não deve produzir nenhum efeito, sob

pena de violar todo o processo, e as garantias constitucionais a ele

assegurado, pois é colhida em profundo desrespeito à função jurisdicional do

Estado Democrático de Direito. É considerada mesmo ato inexistente no

mundo processual.

Alguns autores admitem a relativização dessa regra, pois

consideram que o juiz deverá adotar a regra da proporcionalidade para fazer o

balanceamento dos valores e interesses que estão em conflito. Argumentam

130 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros Edi-tores. 6ª edição. 2009. Vol III. Pág. 47

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que “quase todos” os países que adotaram a proibição da prova ilícita vieram a

estabelecer exceções, a exemplo dos tribunais americanos e alemães.

A primeira corrente preconiza a interpretação literal do comando

insculpido no art. 5º, LVI da Constituição Federal/88, vedando a utilização de

prova obtida por meio ilícito. Em contrapartida, outra corrente admite a

aplicação do princípio da proporcionalidade para atenuar o rigor da

interpretação literal do dispositivo em comento. Como traço comum de ambas,

destaca-se a preocupação com o resultado nocivo que essa prova venha a

produzir.

O princípio da proporcionalidade ou razoabilidade surgiu

originariamente nas Cortes Constitucionais da Alemanha e Suíça, vindo a

despontar no direito ocidental na segunda metade do século XX, cuida de

controlar o excesso cometido pelos agentes estatais, que devem pautar seu

agir em conformidade com os direitos fundamentais.

O assunto proveniente das provas ilícitas por derivação, também

chamado de teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of the pousonous

tree), afastam do processo as provas que derivem direta ou indiretamente das

informações ilicitamente obtidas, ao argumento de que essas provas são

imprestáveis para o processo, pois estimulam a torpeza e maculam o

sentimento constitucional.

3.4 Princípio da Duração Razoável do Processo

Quando se pensa em processo, logo vem à mente o tempo de

duração até a solução da querela. A relação entre tempo e processo, que

sempre foi tormentosa, tem sido objeto de preocupação do legislador

constitucional e infraconstitucional. A celeridade processual sempre foi

ambicionada pelos processualistas e pela sociedade, sabida a preocupação

com a famigerada “crise da justiça, tanto que o art. 5º, LXXVIII da Constituição

Federal/88 veio garantir, seja no âmbito judicial ou administrativo, a razoável

duração do processo. O Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), em seu

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art. 4º, dispõe que:“ as partes têm o direito de obter em prazo razoável a

solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.”

A garantia da efetividade das decisões judiciais representa o

cumprimento daquelas promessas constitucionais. Desejam os aplicadores, as

partes contendoras e toda a sociedade, que as demandas sub judice sejam

resolvidas no menor tempo possível, pois o tempo, com sua ação deletéria,

muitas vezes corrói, e outras tantas inviabiliza os fatos no mundo fenomênico.

Entretanto, em que pese o desejo de uma justiça célere, havemos por lutar por

um processo justo, pois não há razão para almejar a celeridade em detrimento

do cumprimento dos direitos fundamentais constitucionalmente assegurados. A

matéria é tratada na legislação infraconstitucional, a ela mantendo-se fiel.

A inovação da Lei nº 13.105/2015 é a inclusão, neste tempo de

duração do processo, além da solução do litígio, o cumprimento ou execução

da sentença. Que a celeridade na prestação jurisdicional seja atendida e que o

tempo não seja um elemento integrante das ações judiciais.

3.5 Princípio da motivação das decisões

Com o dever de motivação das decisões judiciais, assegura-se ao

jurisdicionado que o magistrado necessariamente fará a exposição dos motivos

que o conduziram a proferir o ato decisório. Motivação não se resume a uma

referência sobre regras e princípios, sem nenhuma abordagem da situação

fática posta sob análise. Segundo Nery Jr,

A motivação da sentença pode ser analisada por vários aspectos, que vão desde a necessidade de comunicação judicial, exercício de lógica e atividade intelectual do juiz, até sua submissão, como ato processual, ao estado de direito e às garantias constitucionais estampadas no art. 5º, CF, trazendo consequentemente a exigência da imparcialidade do juiz, a publicidade das decisões judiciais, a legalidade da mesma decisão, passando pelo princípio constitucional da independência jurídica do magistrado, que pode decidire de acordo com sua livre convicção, desde que motive as razões de seu convencimento.131

131 NERY Jr, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 8ª edição. 2004. Págs. 217/218.

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O Estado Democrático de Direito assegura ao cidadão o direito de

saber qual o embasamento teórico, qual a argumentação expendida, qual a

norma aplicada na decisão que põe fim aos conflitos de interesse. Na

realidade, espera-se que “o juiz leve em consideração todas as peculiaridades

do caso concreto e, sopesando os bens e interesses ali existentes, faça valer

os valores constitucionais.”132

Analisando o referencial histórico do instituto, verificamos que até

o fim do século XVII, não havia a preocupação com a motivação da decisão

judicial. E somente a partir do século XIX, o princípio da motivação das

decisões passou a ter status de preceito constitucional.

Decorre, o dever de motivar as decisões, evidentemente, do

devido processo legal, que assegura a análise pelo Poder Judiciário das

situações conflituosas. Para dar a resposta à sociedade, o magistrado deve

expor suas razões de convencimento com clareza, lógica e precisão

terminológica.

Fundamentar, para Rui Portanova, é “além da análise da norma,

(...) proceder a exame discriminado, específico dos fatos e das provas.”133

O CPC/2015, em seu art. 11, em compasso com o disposto no art.

93, IX da Constituição Federal/88, estabelece a publicidade de todos os

julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário, e todas as decisões

fundamentadas, sob pena de nulidade.

Cuidando da matéria, o legislador ordinário tratou de elencar as

hipóteses em que a decisão não tenha cumprido os ditames legais. O artigo

489, em seus incisos, dispõe os elementos essenciais da sentença, e vai além,

em seu § 1º, e incisos, dispondo as hipóteses em que a decisão (seja ela

interlocutória, sentença ou acórdão) não estará fundamentada. Insta fazer

referência ao inciso V, que não considera fundamentada a decisão que “se

limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus

132 SAMPAIO JÚNIOR, José Herval. Processo Constitucional: nova concepção de jurisdição. Rio de Ja-neiro: Forense. São Paulo: Método. 2008. Pág. 160 133 PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 1997. Pág. 251

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fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se

ajusta àqueles fundamentos.”

O julgador deverá, portanto, fundamentar sua decisão

demonstrando que o precedente, enunciado ou súmula de fato se aplica ao

caso em análise.

Com relação ao inciso VI, considera-se não fundamentada a

decisão que deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou

precedente invocado pela parte, sem que tenha se incumbido de demonstrar a

existência de distinta falta de correspondência com o caso sob análise, ou que

tenha ocorrido a superação do entendimento alegado. O art. 927 enumera a

matéria que tem eficácia vinculante.

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CAPÍTULO V: A PROVA NO ATUAL CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL EM

FACE ÀS OPÇÕES CONSTITUCIONAIS

1.A disciplina da prova no Código de Processo Civil de 1973 e a prova no

Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015)

O Código de Processo Civil de 1973 teve sua origem no anteprojeto

apresentado em 1964, pelo então Ministro da Justiça Alfredo Buzaid. Numa

ligeira retrospectiva podemos constatar que os anos que antecederam a

década de 70, precisamente a partir do golpe militar de 1964, foram

considerados verdadeiros “anos de chumbo”, que deram lugar à edição do Ato

Institucional nº5, em 1968. Com a edição do AI-5 houve o fechamento do

Congresso; a concessão de autorização para o Executivo legislar, suspensão

de várias garantias constitucionais e legais; além da permissão para o

presidente demitir, remover, aposentar, transferir juízes, empregados e

militares, e a suspensão das imunidades parlamentares.

Esse cenário inspirou o surgimento do Código de Processo Civil de

1973, que em sua exposição de motivos tratou de considerar o processo civil

como “um instrumento que o Estado põe à disposição dos litigantes, a fim de

administrar justiça”. Trata-se de um instrumento técnico jurídico, “preordenado

a assegurar a observância da lei”, com o compromisso de conferir aos

jurisdicionados, “sem delongas, a justiça.” (DOU, de 08 de maio de 1964, pág.

52, seção 01). O Código de Processo Civil de 1973 buscou inovação e

conservação, além de ter inserido o processo civil brasileiro, de forma mais

expressiva, no cenário do processualismo prevalente na Europa,

especialmente na Itália, na primeira metade do século XX. No período entre as

duas grandes guerras, a Europa experimentou um substancial fechamento

cultural e ideológico. Com uma abordagem diversa daquela disposta no Código

de 1939, o Código Buzaid manteve-se firme no propósito de manutenção da

técnica e da neutralidade científica.

O Código de Processo Civil de 1973, em matéria probatória

manteve-se firme e atuante. A sua estrutura encontrou eco nas disposições

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contidas na Carta Magna de 1988, e todo o processo de conhecimento, que

alberga o trato da matéria probatória, foi capaz de respaldar a prestação da

tutela jurisdicional.

O Código de ritos de 2015 tem inspiração na Constituição de

1988, conhecida como a Constituição cidadã, que representou um marco no

constitucionalismo brasileiro. Essa salutar influência certamente trará à

ritualística do processo civil sopro renovado.

O tratamento especial dado aos direitos fundamentais na

Constituição de 1988, fruto do neoconstitucionalismo e toda a escalada da

doutrina processual, até o pós-positivismo, nos revela um momento propício

para fazer valer a “vontade de constituição” preconizada por Konrad Hesse. É

que esse desejo de realizar a vontade da Constituição deve fazer parte do

nosso dia a dia. Os direitos fundamentais consagrados não são formais

(presentes apenas no documento escrito), mas representam a garantia da

escorreita prestação jurisdicional para tutela dos interesses da sociedade.

O direito probatório vem encartado nos arts. 369 a 484 do Código

de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015). Entretanto, o art. 319, VI mantendo a

mesma redação do Código de 1973, em seu art. 282, VI, dispõe sobre os

requisitos da petição incial. Ressaltamos aqui a importância do inciso suso

referido, que dispõe sobre a necessidade de que sejam indicadas “as provas

com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos.”134

A inovação do artigo vem estampada no seu inciso VII, quando de-

termina que o autor, em sua petição inicial fará ou não o requerimento para que

haja audiência de mediação ou conciliação. Fazendo esse requerimento, o juiz

deverá, a teor do que dispõe o art. 334, designar a referida audiência com an-

tecedência mínima de trinta (30) dias. A audiência somente não se realizará se

as partes contendoras manifestarem seu desejo comum pela não realização do

ato, de acordo com o regramento do inciso I, do § 4º, do art. 334. É que as au-

diências de conciliação e mediação integram o procedimento comum, razão pe- 134 Art. 319. A petição inicial indicará:I – o juízo a que é dirigida; II – os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu; III _ o fato e o fundamento jurídico do pedido; IV – o pedido e suas especificações; V – o valor da causa; VI – as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados; VII – a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação.

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la qual, diante da omissão do pronunciamento pela não realização, entende-se

que o autor não se recusa a participar, razão pela qual a audiências de concili-

ação ou de mediação serão realizadas. O réu poderá apresentar sua manifes-

tação contrária à realização da audiência, a teor do que dispõe o § 5º do art.

334.

O art. 369 assegura às partes “o direito de empregar todos os meios

legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste

Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa

e influir eficazmente na convicção do juiz.” Sem maiores inovações, o artigo

369 assegura a utilização de provas obtidas através de meios legais e moral-

mente legítimos.

O artigo 370 mudou o formato, mas manteve a essência, que é o in-

deferimento, através de decisão fundamentada, das diligências inúteis ou me-

ramente protelatórias, do art. 130 do CPC de 1973.

Ao serem indicadas as provas com as quais pretende o autor “de-

monstrar a verdade dos fatos alegados”, deve o mesmo pautar-se com extrema

cautela, utilizando meios probatórios compatíveis com o alegado. Afinal, deixou

cristalino o legislador, que a prova produzida servirá para cristalizar o conven-

cimento do magistrado acerca do debate instalado nos autos. Servimo-nos do

momento para deixar nossa concordância com o posicionamento de Daniel A.

Neves, para quem “a produção de provas de ofício não é um dever do juiz, mas

sim uma faculdade, não sendo nula a sentença que aplica o ônus da prova

mesmo quando o juiz poderia ter produzido prova de ofício.”135

2.Atividade judicante: análise, cabimento e necessidade da prova

Nem todos os fatos pertencem ao processo, e nem todos os fatos

deverão ser postos como matéria probatória.

É que os fatos que não servirem para a comprovação das

alegações devem ser expurgados do acervo probatório, pois, os fatos que 135 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015. . 2. ed. São Paulo: Método, 2015.

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servem para comprovação das alegações das partes, devem ser relevantes. O

próprio parágrafo único do artigo 370 do CPC/2015 determina, como um dos

poderes instrutórios, a possibilidade de indeferimento de diligências inúteis ou

meramente protelatórias.

É que o direito probatório deve ser respeitado como garantia

constitucional, não servindo, assim, para alimentar sentimentos que não se

coadunem com o ideal do Estado de Direito. O processo é garantidor do direito

fundamental à prova, e o juiz, tem o papel de valorar a prova produzida no

processo. “Ninguém melhor do que o juiz, a quem está afeto o julgamento, para

decidir sobre a necessidade de produzir determinada prova”.136

É que não basta a existência de uma demanda judicial para que

seja produzida prova sem a perfeita análise frente aos substratos factuais que

se apresentam nos autos. Impõe-se a necessidade de que a valoração da

prova deve ser feita à luz dos direitos fundamentais constitucionalmente

assegurados aos cidadãos no Estado Democrático de Direito.

A colheita de elementos probatórios é ato privativo do julgador, e a

simples alegação do fato não tem o condão de formar o convencimento do

magistrado, até mesmo porque estamos diante de afirmações trazidas pelas

partes contendoras, que são, via de regra, diametralmente opostas. Se existe

controvérsia quanto a existência de determinado fato discutido judicialmente,

não há como pretenderem as partes que simples afirmações tenham o condão

de resultar no convencimento do juiz. E mais, como pretender que a decisão

seja motivada, se o arcabouço probatório não se encontra com elementos

capazes de assegurar a verdade das alegações. Diante do antagonismo das

argumentações oferecidas pelas partes, os poderes instrutórios do juiz no

deslinde da causa tornaram-se mais amplos, afinal, o processo é o instrumento

utilizado para se buscar a verdade (possível) sobre os fatos que são

investigados, e, “imbuído dos valores dominantes, o juiz é um intérprete

qualificado e legitimado a buscar cada um deles, a descobrir-lhes o significado

136 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes Instrutórios do Juiz. São Paulo: RT. 2ª edição. 1994. Pág. 13.

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e a julgar os casos concretos na conformidade dos resultados dessa busca e

interpretação”. 137

Através da fase instrutória é concentrado o esforço no sentido de

permitir a produção de provas além daquelas já existentes ao momento do

ajuizamento e da contestação. Para Ricardo Tinoco de Góes, a cujo

pensamento nos filiamos: “a atividade instrutória serve de meio para a

apreensão, pelo juiz, do conhecimento indispensável ao julgamento da

causa.”138 Mesmo com o maior alargamento dos poderes do juiz em matéria

probatória, não há como se pensar “em retirar das partes o ônus de deduzir

os fatos com que pretendem demonstrar o seu direito. Cabe a elas a exposição

da fonte de prova, isto é, do fato que se servirá o juiz para decidir.”139

A prova terá cabimento sempre que houver um confronto de

afirmações no processo, razão pela qual a necessidade de sua produção é

absolutamente imprescindível para a prolação de uma decisão

constitucionalmente justa.

3.Prova e ônus probatório

Tratando do assunto, o magistério de Cândido Dinamarco é o de que

“o ônus da prova é o encargo, atribuído pela lei a cada uma das partes, de

demonstrar a ocorrência dos fatos de seu próprio interesse para as decisões a

serem proferidas no processo.”140

O vocábulo, originário do latim ônus (carga, peso, obrigação), “na

significação técnico-jurídica, entende-se todo encargo, dever ou obrigação que

pesa sobre uma coisa ou uma pessoa, a que se atender.”141

137 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. Pág. 48. 138 GÓES, Ricardo Tinoco de. Efetividade do Processo e Cognição Sumária. São Paulo: MP Editora. 2008. Pág. 128 139 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes Instrutórios do Juiz. 2. ed. São Paulo: RT, 1994. Pág. 90. 140 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros. Pág. 70. 3v. 141 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 28. ed. Rio de Janeiro: GEN – Forense. 2009. Vocábulo ÔNUS. Pág. 978.

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Apesar da sinonímia que acima se fez referência, o ônus probatório

não é considerado obrigação de provar. O ônus probatório é o encargo que se

atribui às partes do processo, de apresentar provas dos fatos articulados e que

são considerados os fundamentos que alicerçam a pretensão deduzida em

juízo. Não é demais repetir a máxima de que: onus probandi incumbit qui

dicit.142

“O conceito de ônus probatório desenvolveu-se, inicialmente, na Alemanha e na Áustria, em razão de os doutrinadores destes países haverem percebido a incompatibilidade entre a noção de ônus da prova herdada do direito romano (identificado como a obrigação de provar para obter êxito no processo) e sua aproximação com os poderes instrutórios e de critérios de valoração de prova pelo juiz.”143

Para que a parte seja beneficiada com os efeitos decorrentes da

aplicação da norma jurídica, deve fazer prova dos argumentos fáticos

deduzidos. Ao fim da instrução probatória, o magistrado, destinatário da prova,

deve analisar se o resultado da instrução resultou completo ou incompleto. Se

se resultou completa, não há que se prender ao aspecto subjetivo do ônus

probatório. Não importando se a prova foi produzida pelo autor ou pelo réu

(princípio da comunhão das provas). Entretanto, se decorrida a instrução, o

resultado for incompleto, o aspecto objetivo deve ser posto em evidência, na

investigação de qual das partes contendoras não se desincumbiu do ônus

probatório.

O art. 373 do CPC (Lei nº 13.105/2015) mantém a distribuição

estática do ônus da prova da forma seguinte: Ao autor, incumbe a prova dos

fatos constitutivos do direito invocado; e ao réu cabe a prova de fato impeditivo,

modificativo ou extintivo do direito do autor. A inovação do dispositivo está no

§1º144do citado artigo, que disciplina a distribuição dinâmica do ônus da prova,

o que não acontecia no Código de 73, uma vez que possuía uma distribuição

estática do onus probandi. Na distribuição dinâmica, o juiz avalia as 142 O ônus da prova incumbe a quem a afirma. 143 BORGES, Fernanda Gomes e Souza. A Prova no Processo Civil Democrático. Curitiba: Juruá. 2013. Pág.186. 144Art. 373. §1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibi-lidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de ob-tenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o fa-ça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

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circunstâncias de produção das provas, e identifica qual das partes terá maior

facilidade para efetivar a demonstração da prova determinada, devendo incidir

sobre ela os efeitos da não produção.

O § 2º do mesmo art. 373 faz restrição à distribuição dinâmica do

ônus da prova nos casos em que a obtenção das provas pela parte seja

impossível ou excessivamente difícil. É a hipótese das chamadas “provas

diabólicas” (probatio diabolica).

O Código de Processo Civil de 2015 não adotou em seu art. 373 a

regra da distribuição dinâmica do ônus da prova, mas trouxe em seus

parágrafos 1º e 2º a previsão da inversão, ressaltando a ideia da carga

dinâmica do ônus da prova.

Resta claro que a distribuição estática do ônus probatório, em

situações que impossibilitem o exercício do direito probatório, poderá ser

revista pelo magistrado, até mesmo porque “não se afasta a ocorrência de

situações em que a aplicação das regras sobre o ônus da prova flerta,

perigosamente, com a impossibilidade de provar, beirando a inutilidade da ação

judiciária, com a vedação oculta de acesso efetivo à justiça”.145

Em que pese ser o ônus dinâmico uma forma de tratar igualmente as

partes, possibilitando assim, o efetivo acesso à justiça, não se pode olvidar que

essa aplicação não servirá “para simplesmente compensar a inércia ou a

inatividade processual do litigante”146, mas para que seja evitada que a prova

diabólica recaia sobre uma das partes contendoras.

No cotejo probatório dos autos, faz-se imprescindível não apenas as

alegações, mas a comprovação dessas alegações, até mesmo porque quem

alega estará mais afeito aos fatos articulados e ao tipo de prova que poderá

produzir. É evidente que a preocupação com a atividade probatória condizente

com os preceitos constitucionais, certamente revela a preocupação com a

realização do efetivo acesso à justiça, pois o direito ao processo justo é 145 KNIJNIK, Danilo. Processo e Constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbo-sa Moreira. Coordenação: Fux, Luiz, Nery Jr., Nelson e Wambier, Teresa Arruda Alvim. São Paulo: RT. 2006. Pág. 944. 146 KNIJNIK, Danilo. Processo e Constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbo-sa Moreira. Coordenação: Fux, Luiz, Nery Jr., Nelson e Wambier, Teresa Arruda Alvim. São Paulo: RT. 2006. Pág. 947.

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garantia constitucional, que não pode ser deixada de lado nesse estágio de

evolução constitucional. Os fatos controversos geram a necessidade de

produção mais acurada de prova. Além do que não é demasiado dizer que fato

não provado equivale a fato não alegado. A regra do ônus da prova tem estreita

relação na condução da formação do convencimento do julgador na valoração

da prova. O ônus da prova não conduzirá invariavelmente, a um resultado

favorável, mas trará elementos que formarão o convencimento do magistrado,

podendo ser até mesmo desfavorável à parte que produziu a prova.

O ônus da prova, em sua roupagem mais atual, reclama uma

postura mais ativa do juiz, e essa postura mais ativa do magistrado na colheita

de provas sempre foi uma preocupação dos doutrinadores. No código de 1973

(art. 130), já havia a preocupação do legislador. Doutrina e legislação sempre

estiveram afinadas para que a iniciativa probatória fosse realizada de forma

mais intensa, pelo juiz.

“A doutrina moderna busca ampliar os poderes do juiz na ins-trução da causa, sob a bandeira de que o processo é instru-mento público e que deve buscar a verdade sobre os fatos in-vestigados. Ao se autorizar que o juiz possa determinar, de ofí-cio, a produção de provas — suprindo, pois, a atividade que competiria primariamente às partes — novamente pretende-se dar ênfase à busca da verdade substancial, trazida como ver-dadeiro dogma para o direito processual.” 147

A atividade do juiz na distribuição do ônus probatório, ou mesmo na

condução da colheita de provas não substitui, em absoluto, o encargo das par-

tes de provar o alegado. O dever das partes de cumprir com o ônus que lhes foi

atribuído concorre para a busca da verdade buscada no processo.

4.Poderes discricionários do julgador na apreciação da prova

Com o advento da Constituição de 1988, o judiciário brasileiro se

viu às voltas com a missão da pacificação social, combinada com a função já

147 ARENHART, Sérgio Cruz. In: A verdade e a prova no processo civil. Disponível em <http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/S%C3%A9rgio%20Cruz%20Arenhart%282%29%20-%20formatado.pdf>

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desempenhada de compor os conflitos de interesses dos indivíduos, em suas

relações societárias. Surge a necessidade de um juiz mais afinado com os

ditames constitucionais, capaz de exercer sua função sob a batuta de um

ordenamento constitucional voltado para o bem comum e o desenvolvimento

social. Em decorrência das novas áreas de atuação, houve a consequente

ampliação dos poderes dos juízes, equivalendo dizer que o poder discricionário

dos juízes não se assemelha à arbitrariedade, e sim, a uma atividade

valorativa.

O vocábulo discricionariedade deriva do latim discernere, que

significa discernir, distinguir148. O poder discricionário é o que se põe nas mãos

do magistrado, decorrente de sua função, para atuar na direção do processo

judicial, analisando os fatos sobre os quais estão fundadas as argumentações

das partes contendoras.

É que as transformações sociais reclamam uma atuação do Poder

Judiciário na composição dos conflitos, e exatamente por isso, o legislador

deixou essa margem de discricionariedade para que o juiz realize a análise do

processo, especialmente no que concerne à valoração probatória, como base

nos princípios constitucionais garantidores de um devido processo legal efetivo,

e possa prolatar sua decisão motivada e fundamentada.

Um dos maiores embates acerca da discricionariedade deu-se entre

Herbert Hart e Ronald Dworkin. Para Hart,

O conflito directo mais agudo entre a teoria jurídica deste livro e

a teoria de Dworkin é suscitado pela minha afirmação de que,

em qualquer sistema jurídico, haverá sempre certos casos

juridicamente não regulados em que, relativamente a

determinado ponto, nenhuma decisão em qualquer dos

sentidos é ditada pelo direito e, nessa conformidade, o direito

apresenta-se como parcialmente indeterminado ou incompleto.

Se, em tais casos, o juiz tiver de proferir uma decisão, em vez

de, como Bentham chegou a advogar em tempos, se declarar

privado de jurisdição, ou remeter os pontos não regulados pelo

direito existente para a decisão do órgão legislativo, então deve

148 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 28. ed. Rio de Janeiro: GEN – Forense, 2010. Pág.1047.

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exercer o seu poder discricionário e criar direito para o caso,

em vez de aplicar meramente o direito estabelecido

preexistente. Assim, em tais casos juridicamente não previstos

ou não regulados, o juiz cria direito novo e aplica o direito

estabelecido que não só confere, mas também restringe, os

seus poderes de criação do direito.”149

Segundo o entendimento de Hart, o juiz deve utilizar a

discricionariedade para solucionar os casos difíceis (juridicamente não

previstos ou não regulados), uma vez que o direito não poderia oferecer

resposta para todos os casos.

Dworkin, em antítese, admite existir uma resposta para os casos

difíceis. Ciente das regras e princípios, a figura do juiz Hércules, descrita por

Dworkin, deverá encontrar a melhor interpretação para os hard cases, pois,

O direito é estruturado por um conjunto coerente de princípios sobre a justiça, a equidade e o devido processo legal adjetivo, e pede-lhes que os apliquem nos novos casos que se lhes apresentem, de tal modo que a situação de cada pessoa seja justa e equitativa segundo as mesmas normas.150

No modelo atual do processo civil, ao revés do que ocorria no

processo civil clássico, a atividade do juiz não se limita à aplicação da norma,

numa atividade de silogismo, cabendo-lhe, hodiernamente, a tarefa dúplice de

interpretá-la e aplicá-la.

A figura e o comportamento do juiz na atual fase do processo

assumiu nova feição. O antigo juiz la bouche de la loi, preconizado por

Montesquieu151, deu lugar ao juiz criativo, preocupado com a distribuição de

uma jurisdição calcada na eticidade, em valores sociais e, muito

especialmente, na justiça e democracia. Significa dizer que o magistrado atual

deve utilizar não apenas os argumentos de lógica, ou a linguística, mas,

149 HART, Herbert. O Conceito de Direito. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994. Pág. 335. 150 DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. Pág. 291. 151Mas os juízes da nação são apenas, como já dissemos, a boca que pronuncia as palavras da lei; são se-res inanimados que não podem moderar nem sua força, nem seu rigor. In: “O Espírito das Leis”. Livro 11, capítulo VI. <file:////Lenin/Rede Local/Equipe/Michele/MONTESQUIEU - O Espírito das Leis2.txt>

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especialmente, elementos da história, economia, política, ética, sociologia, para

solução dos conflitos.

O juiz realiza sua tarefa julgadora atrelado ao princípio da

legalidade. É certo que diante dos casos de menor complexidade, haverá a

aplicação da norma ao fato. Entretanto, as transformações que ocorrem numa

velocidade indescritivelmente rápida requerem uma postura mais criativa do

julgador, considerando-se que não mais é suficiente para a tarefa de compor os

conflitos atuais, diante dos conceitos vagos ou imprecisos que surgem

diuturnamente, a atividade subsuntiva. São conceitos indeterminados como

“boa fé”, “relevância do fundamento”, que reclamam a atividade criadora do

juiz. Até mesmo em determinadas situações em que se admite a aplicação da

subsunção, a despeito da regra de que in claris cessat interpretativo, deverá o

julgador, em respeito à observância da segurança jurídica que deve permear as

decisões jurídicas, realizar a perfeita interpretação conforme a Constituição. A

sociedade reclama por um processo célere e efetivo, que desempenhe sua

função precípua de compor a crise de direito material com celeridade, sem

esquecer, entretanto, a tão desejada segurança jurídica.

O ato de julgar é um ato que reclama uma carga de subjetividade,

pois é um ato de inteligência. Para Watanabe,

a cognição é prevalentemente um ato de inteligência, consistente em considerar, analisar e valorar as alegações e as provas produzidas pelas partes, vale dizer, as questões de fato e as de direito que são deduzidas no processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento do judicium, do julgamento do objeto litigioso do processo.152

A discricionariedade reside no dever do magistrado de

argumentar e motivar suas decisões utilizando sua liberdade criativa. É uma

faculdade conferida ao juiz de criar a norma para a solução do caso que lhe foi

posto à apreciação, nas situações em que não existe norma legal para

disciplinar o litígio. São os hard cases apontados por Dworkin

Essa atividade discricionária do juiz encontra limites, - repita-se –

com base na legalidade, e na finalidade que será obtida através da escolha.

152 WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. São Paulo: RT, 1987

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Considere-se, também, a proporcionalidade como limite à atividade

discricionária do magistrado. A decisão, além de pautar-se na legalidade, deve

atender ao critério da proporcionalidade, pois o magistrado, diante das várias

possibilidades, deverá utilizar a mais adequada para a composição da lide.

Outro limite ao poder discricionário do juiz é o dever de motivação das decisões

judiciais, pois com a fundamentação, o julgador expõe o motivo de seu

convencimento, justificando as escolhas realizadas, tudo em consonância com

os limites legais impostos, e de forma a prestar a tutela jurisdicional mais

adequada.

Registramos, por oportuno, que a atividade discricionária não se

confunde com a hermenêutica. Na discricionariedade, o julgador possui

escolhas para adequar ao caso concreto, até mesmo porque a complexidade

das relações sociais e a rapidez com que elas surgem e se estabelecem,

abrem espaço para essa atividade discricionária. Entretanto, essa não é uma

atividade realizada sem limites, razão pela qual elencamos alguns freios que

devem ser utilizados nesta tarefa: a razoabilidade, proporcionalidade e

adequação.

A hermenêutica, como técnica de interpretação, proporciona ao

julgador uma melhor compreensão das situações de dúvida, diante de um hard

case. Não significa que o magistrado não se valerá da hermenêutica sem o

imperativo dever de pautar sua decisão nos limites da legalidade, mas significa,

pincipalmente, que o hermeneuta (neste caso, o juiz), agirá discricionariamente

na escolha da solução mais condizente para a composição da lide.

5.Tutelas Provisórias de urgência e evidência no CPC/2015 e a questão da

prova

Falar em tutela de urgência é enfrentar o célebre e temido embate

entre efetividade versus celeridade, ou entre tempo versus processo.

Didier, expõe:

A rigor, o tempo é um mal necessário para a boa tutela dos direitos. É imprescindível um lapso temporal considerável (e

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razoável) para que se realize plenamente o devido processo legal e todos os seus consectários, produzindo-se resultados justos e predispostos à imutabilidade. É garantia de segurança jurídica.

Essa apreciação pelo Judiciário, como garantia fundamental

insculpida no art. 5º, XXXV da Constituição Federal assegura que “a lei não

excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. O

cuidado do legislador constitucional é patente, e outra não seria a conduta do

legislador infraconstitucional, uma vez que o processo civil tem a função

concretizadora das garantias constitucionais, possibilitando o efetivo acesso à

justiça.

Em que pese essa preocupação, o tempo no processo - ou a falta

dele -, é tema recorrente nos fóruns e tribunais pátrios, e as tutelas de urgência

e evidência, tão utilizadas cotidianamente, certamente traduzem essa

inquietude. O ponto fulcral é analisar que em algumas situações, a prestação

jurisdicional deve ser realizada de forma célere, sob pena de deixar de ser

efetiva. Para a consecução dessa garantia de acesso à justiça, o Estado

legislador colocou instrumentos que pudessem assegurar ao cidadão uma

prestação jurisdicional célere, efetiva e tempestiva. É que não basta apenas ser

célere, urge que se observe que a tempestividade também seja observada,

para a perfectibilização da efetiva prestação da justiça.

A tutela antecipada é a técnica que busca distribuir o “ônus do

tempo no processo”. A tutela antecipada foi inserida no CPC/73, através da Lei

nº 8.952/94, cuja redação se vê no art. 273.

O Livro V do CPC/2015 trata da tutela provisória, concedida

através de cognição sumária. O art. 294 define a inserção do instituto que tem

como fundamentos a urgência ou a evidência.

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A tutela provisória de urgência, presente no art. 300 do CPC/2015

reclama a existência da demonstração da “probabilidade do direito” e do

“perigo da demora”.153

A urgência é elemento indispensável para a efetivação do pleito de

tutela provisória, e parafraseando Didier, é inerente à tutela cautelar.154

A verossimilhança da alegação, requisito presente no regramento do

art. 273, I do CPC/73, não mais está no rol do art. 300 do CPC/2015. Para a

concessão da tutela de urgência devem ser demonstrados a probabilidade do

direito (fumus boni iuris) e o perigo de dano, ou de ilícito, ou o risco do

resultado útil do processo em face da demora (periculum in mora). Valoriza-se

neste artigo, a impossibilidade da espera pela apreciação e entrega da tutela

definitiva, pois o transcurso do tempo poderá acarretar uma inutilidade do

provimento final.

Didier chama a atenção para a existência da verossimilhança fática,

que consiste na análise do grau de probabilidade (ou plausibilidade) da

verdade contida nas alegações do autor. É que há imperiosa necessidade que

se verifique, a partir da narrativa dos fatos, “uma verdade provável,

independentemente da produção de prova.”155

Some-se à análise da verossimilhança fática, a existência da

plausibilidade jurídica, pois há que se verificar sobre o grau de probabilidade da

atividade de subsunção.

O Enunciado 143 do FPPC – Fórum Permanente de

Processualistas Civil dispõe: “A redação do art. 300, caput, superou a distinção

ente os requisitos da concessão para a tutela cautelar e para a tutela satisfativa

de urgência, erigindo a probabilidade e o perigo na demora a requisitos comuns

para a prestação de ambas as tutelas de forma antecipada.”156

153Art. 294. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a

probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. 154 DIDIER Jr., Fredie,; BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 11. ed. Salvador: Jus Podium, 2016. Pág. 584. Volume 2 155 Idem. Pág. 608 156 <http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2015/06/Carta-de-Vit%C3%B3ria.pdf>

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O parágrafo primeiro do citado artigo possibilita a concessão de

tutela de urgência com a exigência da prestação de caução, que poderá ser

real ou fidejussória.

Excetua-se esse pagamento nos casos em que a parte

economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.

Cumpre apontar o regramento do art. 303 que faculta, no caso da

ocorrência de uma urgência contemporânea à propositura da ação, o

aditamento da petição inicial, com a “complementação de sua argumentação”,

bem como a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela

final, no prazo de 15 dias.

Já no art. 304, a inovação consiste na estabilidade à decisão que

concedeu tutela antecipada, acarretando a extinção, diante da ausência de

interposição de recurso.

A tutela de evidência tem sua disciplina no artigo 311 do

CFPC/2015, que disciplina a possibilidade de concessão dessa tutela quando

ocorrer “abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da

parte”.

A evidência, para Didier, “é fato jurídico processual. É o estado

processual em que as afirmações de fato estão comprovadas”.157A tutela de

evidência, para o autor referenciado, é uma técnica processual diferenciada,

utilizada para a concessão da tutela jurisdicional em razão das evidências

contidas nas alegações.158

A razão de ser do instituto está em perfeita sintonia com o art. 5º,

LXXVIII da Constituição Federal, que garante a duração razoável do processo.

Na situação da análise da tutela de evidência, trata-se de conceder àquele que

se encontra demandando com evidente prova da alegação e grande

probabilidade de que a argumentação expendida seja acolhida do provimento

final, que o processo seja conduzido com a observância da razoabilidade do

tempo até a obtenção da tutela definitiva.

157 DIDIER Jr., Fredie,; BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 11.ed. Salvador: Jus Podium, 2016. Pág. 630. Volume 2 158 Idem

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Dispensa o legislador ordinário, a demonstração do perigo.

Os incisos do art. 311 tratam das espécies de tutela provisória de

evidência. A tutela considerada punitiva, descrita no inciso I, nas hipóteses de

abuso de direito ou manifesto propósito protelatório; e documentada, presente

nos incisos II a IV. A prova das alegações deve ser robusta e deve respaldar as

alegações contidas no pedido inaugural.

O inciso II trata da hipótese de as alegações de fato puderem ser

provadas documentalmente, com tese firmada em julgamento de casos

repetitivos ou súmula vinculante. O legislador esteve mais atento ao aspecto

probatório do instituto, cercando-se de alguns cuidados que não se viu no

inciso I do citado artigo. O inciso III trata do pedido reipersecutório, fundado em

prova documental adequada do contrato de depósito. Mesmo com a extinção

do procedimento especial de depósito, registre-se a preocupação do legislador,

com a produção de prova documental que arrime o pedido autoral. O último

inciso trata da concessão da tutela de evidência quando a petição inicial for

instruída como prova documental da alegação dos fatos constitutivos dos

direitos do autor e o réu não apresente nenhuma prova que impeça essa prova

de ser considerada cabal e irrefutável.

Registramos, por oportuno, que a tutela de urgência poderá ser

requerida de forma antecedente e incidental, ao passo que a tutela de

evidência, apenas de forma incidental.

A questão que nos leva a tecer um superficial comentário, cinge-

se ao fato de que a questão probatória no que refere às tutelas de urgência é

muito distante do que se almeja num processo garantidor de direitos

fundamentais. Alguns dispositivos revelam uma certa preocupação com a

evidência da prova como garantia desses direitos, entretanto, outros estão

largados, sem uma maior especificação. Oxalá os dias que se aproximam

revelem uma realidade mais animadora.

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CONCLUSÃO

O presente trabalho, para sua elaboração, levou em conta a

importância da apreciação das provas no processo civil, como garantia do

direito fundamental. A exposição feita da matéria foi ungida com um único sinal:

aquele de demonstrar que a prova transita por caminhos que vão da

materialidade à finalidade e da forma à eficiência. Uma demonstração que, às

vezes, se faz desnecessária, tendo em vista a circunstância de, já a partir de

Aristóteles, quatro poderem ser as respostas à pergunta “por que?”. Em outras

palavras, que na formulação de qualquer discurso, inclusive o discurso

científico, podem existir vários tipos causais.

No seu curso tornaram-se evidentes, sem maior dificuldade de

exposição, as causas material (por que é a prova ou o que é a prova) e final

(para que serve a prova). Um pouco de dificuldade se encontrou na

evidenciação da forma de sua matéria (o arranjo dos vários modi probandi).

Quanto à necessidade da prova, a questão ganhou um pouco em dificuldade

de exposição. Mesmo assim, importa notar a existência de uma diferenciação

entre a suficiência e a necessariedade da prova.

Tome-se a declaração: “se as partes produzem prova no processo,

então o juiz profere uma sentença correta”. Neste caso, diz-se que a produção

de provas pelas partes é condição suficiente para a prolação de uma sentença

correta. A produção de provas, assim, é condição suficiente para a escorreita

prolação de uma sentença. E, em decorrência ou como consequência, esta

prolação pode ser vista como condição necessária: uma prolação de sentença

deverá ser escorreita quando produzidas provas.

A ideia, porém, de que a prova deve ser produzida unicamente pelas

partes já não é considerada com a rigidez de outrora. Ao juiz é conferido

também o poder/dever de atuar com ativismo sadio capaz de promover o

equilíbrio das partes do processo, assegurando, assim, um bom julgamento,

uma correta prolação, uma sentença justa.

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Entretanto, repita-se, o ativismo judicial não tem o condão de

eliminar o ônus probatório a que se vinculam as partes quando do ajuizamento

da demanda e com o oferecimento da contestação. Ao ônus de alegar os fatos

segue-se o de provar as alegações, pois, os fatos não provados são fatos não

alegados; e os fatos não alegados são irrelevantes para o julgamento da

demanda.

É certo que esse diálogo ocorrido no processo, garantido em virtude

da adoção do Estado Democrático de Direito, assegura a observância do

princípio constitucional do contraditório, corolário do devido processo legal, que

é absolutamente indispensável para a composição dos litígios pelo Estado juiz.

Uma vez instaurado o contraditório é iniciada a fase probatória. A noção

presente na doutrina processual atual é a de que não há pretender-se a

reconstrução dos fatos pretéritos no processo. Buscam-se hoje parâmetros que

sejam racionalmente possíveis e que conduzam à obtenção da prova possível.

A análise dos autos formará o convencimento do magistrado, que, valorando a

prova, julgará motivando sua decisão, a teor do que dispõe o regramento do

art. 11 do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015). A regra do livre

convencimento motivado certamente representa desde a sua criação, um dos

pilares de maior importância no direito probatório. Afinal, na época do

iluminismo o julgamento era baseado em inspiração divina ou em intuição

pessoal, e essa prática do passado não assegura uma decisão transparente e

democrática, e tampouco condiz com o avanço e a mutação social. O

fortalecimento do Estado de Direito, com a consequente vedação da justiça

privada, exigiu que as decisões guardassem sintonia com as garantias

constitucionalmente asseguradas.

Quanto à necessidade da prova, a praxis forense revela uma

situação um tanto que desoladora. A regra do ônus da prova como peso

imposto às partes tem sido mitigada, retomando o antigo modo inquisitivo de

provar. Outros, ao revés, reclamam do ativismo judicial que, como se sabe, não

é o remédio exclusivo para os males da ausência de prova. Ocorre que mesmo

com esse dever de proceder mais ativamente na colheita de provas, como é o

caso dos arts. 370, 461, 480, 481, todos do CPC/2015, o juiz possui limitações

nessa atividade, é que a discricionariedade do julgador encontra limites, razão

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pela qual não há como as partes descuidarem de alicerçar a argumentação

expendida na inicial e na contestação com elementos probatórios dignos,

lícitos, pertinentes e importantes para o deslinde da querela.

Além das inovações em matéria probatória, fez-se referência ao

novo regramento do dever de motivação das decisões judiciais, por se tratar de

tema afeito à matéria. Os arts. 11 e 489 do CPC/2015 trouxeram delineamentos

acerca da nova sistemática.

A análise da prova no processo civil brasileiro é de importância

fundamental para a busca da verdade possível que significará o fim dos

conflitos, com a justa prestação jurisdicional, garantida constitucionalmente.

De ressaltar, ao final, que os fatos considerados controversos e

indispensáveis para a apuração da certeza dos fatos argumentados devem ser

provados, não apenas em atenção ao princípio da segurança jurídica, tão

reclamado nos dias atuais, mas, especialmente, para permitir que a atividade

jurisdicional seja prestada com mais apuro.

Apura-se a atividade jurisdicional, no tocante ao tema da prova,

quando se permite ao juiz ser ele também juiz de sua própria atuação. Ou

melhor: é de ser dada ao juiz a condição, tanto de presidir a colheita de provas,

tanto de apreciar sua aptidão para julgar (aptidão para julgar = ter o

convencimento do juiz sido corretamente formado) o feito.

Aqui se retorne à declaração supra formulada: “se as partes

produzem prova no processo, então o juiz profere uma sentença correta”. Será,

porém, que basta às partes desejarem ou declararem desejar a produção de tal

ou qual tipo de prova, para que o juiz profira uma sentença correta?

Evidentemente, não.

Por outro lado, é costumeira a visão de as partes protestarem por

todo gênero de prova em juízo admissível, solicitando o deferimento de

ilogicidades, graças à simples declaração de interesse em produzir provas

dispensáveis. A regra do CPC/2015, em seu art. 370, parágrafo único,

seguindo a esteira do regramento do art. 130 do CPC/73, também prevê a

possibilidade de que o juiz, analisando a necessidade e o cabimento da prova

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requerida, indefira, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou

meramente protelatórias.

Que as partes, teoricamente pessoas interessadas, ajam de tal

modo, é aceitável. Inaceitável, porém, é que as instâncias superiores, formadas

por sujeitos processuais desinteressados, colaborem para que o tempo

processual se torne superior ao razoável.

Certo que a boa produção de prova nem sempre leva à correta

prolação de sentença. E muitas vezes isso acontece à míngua de a sentença, a

decisão ou o despacho revestir-se de couraça lógica, via de regra, por

deficiência intelectual de seu prolator. A atividade intelectual do Juiz, portanto,

há de ser impostada na lógica e suportada pela lógica, eis que todo correto

discurso judicial há de vir pintado com as cores da correta argumentação. E

nenhuma correta argumentação prescinde da certeza, para cuja existência

torna-se indispensável à prova das alegações postas em juízo.

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