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I Seminário Internacional de Ciência Política Política de segurança e a construção do conceito de ”inimigo interno” no Brasil Thaiane Mendonça 1 Resumo Desde o final do século passado, nota-se que o comércio ilegal de drogas passou a ser uma questão vital de soberania para países como os Estados Unidos. Seguindo a lógica estadunidense e suas políticas repressivas, países como México, Colômbia e Brasil vem desde aquela época engajando-se nesta “guera às drogas” através da militarização do combate a este inimigo e de sua identificação como problema de segurança nacional que não respeita fronteiras. No caso particular brasileiro, a atuação militar no combate a este inimigo é sensível, o que pode representar um grave problema para o país. Tendo estas considerações em mente, o presente artigo pretende fazer uma análise das definições de inimigo interno no país considerando esta definição durante a Ditadura Militar no país (1964-1985) e o momento atual com o combate ao narcotráfico, tendo em vista especialmente o exemplo do Rio de Janeiro como caso empírico para análise. Como marco teórico será utilizado a ideia de “estado de exceção” como proposta por Carl Schmitt e também por seus críticos. Palavras-chave: exceção; inimigo interno; campo Introdução De acordo com Beck (2011), o mundo vive hoje de acordo com a lógica do bode expiatório, segundo a qual pessoas ou grupos específicos da sociedade são considerados culpados por problemas de ordem interno, não porque são de fato origem do problema e representam uma ameaça à segurança, mas porque há todo um discurso e ações políticas que os constróem desta forma. Há, portanto, a construção de elementos indesejáveis dentro da sociedade que passam a ser considerados fontes de insegurança que, como tal, precisam ser administrados com algum modelo de segurança pública capaz de contê-los. Este discurso de segurança ou insegurança pública faz, portanto, com que certos grupos sejam coniderados como ameaças à ordem vigente ou por representarem uma possível nova ordem ou por representarem a destruição de fato das estruturas que mantém o ordenamento vigente. 1 Mestranda em Estudos Estratégicos no Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense. Vinculada ao projeto “Narcotráfico e militarização no entorno estratégico nacional: lições para o Brasil”, financiado pelo Instituto Pandiá Calógeras/Ministério da Defesa e CNPq. Contato: [email protected]

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  • I  Seminário  Internacional  de  Ciência  Política    Universidade  Federal  do  Rio  Grande  do  Sul  |  Porto  Alegre  |  Set.  2015    

    Política de segurança e a construção do conceito de ”inimigo interno” no Brasil

    Thaiane Mendonça1

    Resumo Desde o final do século passado, nota-se que o comércio ilegal de drogas passou a ser uma questão vital de soberania para países como os Estados Unidos. Seguindo a lógica estadunidense e suas políticas repressivas, países como México, Colômbia e Brasil vem desde aquela época engajando-se nesta “guera às drogas” através da militarização do combate a este inimigo e de sua identificação como problema de segurança nacional que não respeita fronteiras. No caso particular brasileiro, a atuação militar no combate a este inimigo é sensível, o que pode representar um grave problema para o país. Tendo estas considerações em mente, o presente artigo pretende fazer uma análise das definições de inimigo interno no país considerando esta definição durante a Ditadura Militar no país (1964-1985) e o momento atual com o combate ao narcotráfico, tendo em vista especialmente o exemplo do Rio de Janeiro como caso empírico para análise. Como marco teórico será utilizado a ideia de “estado de exceção” como proposta por Carl Schmitt e também por seus críticos. Palavras-chave: exceção; inimigo interno; campo Introdução De acordo com Beck (2011), o mundo vive hoje de acordo com a lógica do bode expiatório,

    segundo a qual pessoas ou grupos específicos da sociedade são considerados culpados por

    problemas de ordem interno, não porque são de fato origem do problema e representam uma

    ameaça à segurança, mas porque há todo um discurso e ações políticas que os constróem desta

    forma. Há, portanto, a construção de elementos indesejáveis dentro da sociedade que passam a ser

    considerados fontes de insegurança que, como tal, precisam ser administrados com algum modelo

    de segurança pública capaz de contê-los. Este discurso de segurança ou insegurança pública faz,

    portanto, com que certos grupos sejam coniderados como ameaças à ordem vigente ou por

    representarem uma possível nova ordem ou por representarem a destruição de fato das estruturas

    que mantém o ordenamento vigente.

    1 Mestranda em Estudos Estratégicos no Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense. Vinculada ao projeto “Narcotráfico e militarização no entorno estratégico nacional: lições para o Brasil”, financiado pelo Instituto Pandiá Calógeras/Ministério da Defesa e CNPq. Contato: [email protected]

  • I  Seminário  Internacional  de  Ciência  Política    Universidade  Federal  do  Rio  Grande  do  Sul  |  Porto  Alegre  |  Set.  2015    

    A fim de entender esta questão, o presente artigo apresentará uma discussão sobre o estado

    de exceção e o binômio amigo/inimigo de Carl Schmitt e as contribuições de Benjamin e de

    Agamben com relação ao homo sacer, a vida nua e o campo, tendo em vista a relação entre a

    definição do inimigo interno e a formulação de políticas de segurança em dois momentos da

    História do Brasil. O primeiro é marcado pela Ditadura Civil-Militar (1964-1985) e seus aparelhos

    de repressão e o segundo é o momento atual marcado pela Guerra às Drogas nas favelas da cidade

    do Rio de Janeiro.

    Nota-se que durante a Ditadura Civil-Militar, o inimigo interno estava relacionado ao

    subversivo, ao comunista, ou seja, um inimigo político que propunha um novo paradigma de

    governo contrário ao regime. Utilizando como argumento a segurança nacional, o regime militar se

    utilizou de medidas autoritárias e fortemente violentas e repressivas associadas a ações de

    inteligência a fim de identificar e eliminar o possível inimigo da nação. Vale lembrar que durante o

    período, o mundo estava imerso em grande sensação de insegurança e medo, e no Brasil, a partir da

    implementação da Doutrina de Segurança Nacional, a população passou a agir como delatora,

    entregando suspeitos de subversão para o governo justamente por conta desta atmosfera tensa.

    Com o fim do regime em 1985, a gradual distensão da Guerra Fria, que acabaria alguns anos

    depois, e a ascensão do que se convencionou chamar de “novas ameaças”, o inimigo interno no

    Brasil e em diversos países da América Latina passou a ser identificado com o narcotraficante, um

    criminoso comum que, geralmente, não possui objetivos políticos. Não obstante, os meios utlizados

    para a eliminação deste inimigo seguem a mesma linha repressiva e autoritária da ditadura, exceto

    que em vez dos militares, agora é a policial que assume o papel de soberana e de ator decisório.

    Após estas considerações, ressalta-se que a principal questão a ser abordada neste artigo é a

    de que determinar que um certo grupo da sociedade é o inimigo implica o governo poder tomar

    medidas excepcionais com o objetivo de eliminá-lo ou por representar uma nova ordem possível ou

    simplesmente por ser uma ameaça à integridade física do Estado.

    O artigo está dividido em quatro partes além desta introdução. A primeira é uma breve

    fundamentação teórica sobre o estado de exceção. Ainda que longe de esgotar a discussão, o tema

    foi abordado de maneira a ser útil para o prosseguimento do artigo. A segunda parte trata

    especificamente da Ditadura Civil-Militar. A terceira trata do caso das Unidades de Polícia

    Pacificadora no Rio de Janeiro. Por fim, serão feitas algumas considerações finas.

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    O estado de exceção: uma perspectiva teórica

    Ainda que a excepcionalidade tenha sido abordada ao longa da História da Ciência Política

    por autores como Maquiavel, é Carl Schmitt quem cunha o termo “estado de exceção” e lança as

    bases para uma das questões mais relevantes da época contemporânea. De acordo com a obra do

    autor, a essência da política, ou seja, “o político” é a relação amigo/inimigo. Este binômio é

    intrínseco à figura soberana e não significa, em estado de normalidade, uma divisão estanque entre

    lados opostos. Ainda que tenda a se agrupar com quem considera amigo, um soberano geralmente

    mantém relações econômicas e políticas com o que pode ser um soberano inimigo (SCHMITT,

    1996). No mundo contemporâneo, o Estado personifica o soberano e, com isso, adquire o arbítrio de

    decidir sobre a relação amigo/inimigo e sobre a exceção. Nota-se ainda que o inimigo pode ser tanto

    externo, um outro Estado por exemplo, ou interno.

    Para o autor, a excepcionalidade é vista como um evento singular que só pode – e deve – ser

    acionado em momentos nos quais a segurança do Estado corre sério risco. Nesse sentido, qualquer

    distúrbio que ameace o ordenamento vigente ou a vida do Estado demanda a suspensão da ordem

    normal em prol da manutenção do Estado no tempo. Neste momento excepcional quem decide é o

    soberano e, apesar de estar inserido na norma, ele tem o poder de suspendê-la e agir da maneira que

    achar conveniente para identificar e eliminar o inimigo.

    A partir da obra do Schmitt críticos como Walter Benjamin e Giorgio Agamben expuseram

    suas considerações sobre o estado de exceção. De acordo com Benjamin, no mundo contemporâneo,

    a exceção tem se tornado a regra no sentido de que a decisão arbitrária do soberano não está restrita

    a um momento específico, ou seja, passa a funcionar como uma forma de legitimar o arbítrio do

    soberano sobre a vida dos cidadãos. Com isso, exceção e soberania funcionam como instrumentos

    que legitimam práticas de poder que transformam medidas excepcionais em técnicas de governo

    usando como argumento a defesa e a segurança do Estado.

    Segundo Agamben, no mundo contemporâneo, a exceção tem se tornado paradigma de

    governo, o que pode facilitar o entendimento de diversas políticas de segurança atuais. O autor

    compartilha da visão de Schmitt ao afirmar que a exceção deve ser um momento de fato

    excepcional, singular e limitado no tempo. Não obstante, instrumentos de políticas de segurança

    atuais tem cada vez mais adotado medidas excepcionais como paradigma, como será analisado nos

    tópicos seguintes deste artigo.

  • I  Seminário  Internacional  de  Ciência  Política    Universidade  Federal  do  Rio  Grande  do  Sul  |  Porto  Alegre  |  Set.  2015    

    É neste momento em que a exceção passa a constituir paradigma de governo e de

    normalidade que, segundo Agamben, abre-se espaço para a implantação do “campo”, que seria um

    espaço de exceção permanente (AGAMBEN,1998). Para o autor, o campo é a materialização do

    estado de exceção e é o espaço onde é exposta a vida nua. Por ser o espaço da exceção, as ações dos

    atores dentro do campo não estão mais ligadas a uma norma legal, mas sim ao arbítrio da polícia

    que age temporariamente como soberano (Idem).

    Os indivíduos no campo são reduzidos à vida nua, termo que Agamben utiliza para se referir

    à vida exterminável do homo sacer, figura do antigo direito romano cuja vida podia ser exterminada

    sem que esta ação constituísse uma ação criminosa (Idem). Assim, no espaço do campo, o cidadão é

    reduzido à vida nua e tem sua vida biológica (zoé) inserida no meio político, sendo portanto,

    incluídos na política ao serem excluídos dela. Isto é possível, pois no espaço de exceção o cidadão é

    despido de todo e qualquer direito e o soberano tem o arbítrio de decidir sobre sua vida e sua morte,

    passíveisi das mais diversas formas de violência do Estado sem que isto seja considerado um crime,

    tudo sob o argumento da segurança do Estado.

    É importante frisar que a definição do campo é arbitrária e também está relacionada ao

    soberano. Tendo em mente o binômio amigo/inimigo, o soberano tem a prerrogativa de decidir

    quem é considerado o inimigo interno que deve ser excluído, reduzido à vida nua e inserido no

    campo.

    A partir destas considerações, o presente artigo analisará a relação entre o estado de exceção

    e a definição do inimigo interno primeiro no período da Ditadura Civil-Militar (1964-1985) e na

    atualidade, buscando analisar especificamente o caso da política de segurança da cidade do Rio de

    Janeiro.

    O golpe dentro do golpe e o inimigo interno

    Em 1964 é dado no Brasil o Golpe Civil-Militar. A polícia repressiva, os Atos Institucionais

    e a violência política foram marcas do regime que durou vinte e um anos. Agravado pelo ambiente

    externo de Guerra Fria entre capitalismo e socialismo, é sensível neste momento uma preocupação

    generalizada com o inimigo e com a tensão de uma possível guerra. O ano de 1968, marcado pelo

    que ficou conhecido como golpe dentro do golpe (Angelo, 2012) será mais relevante para os

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    propósitos deste artigo por conta da consolidação dos aparelhos de inteligência e de repressão que

    ocorreu ao longo deste ano.

    Entre 1967 e 1968 a Doutrina de Segurança Nacional (DSN) passa a ser colocada em prática

    no país. Tal Doutrina tinha como objetivo garantir os interesses nacionais e a segurança do país, e

    principalmente do regime, contra ameaças externas e internas. A grande preocupação da DSN era a

    subversão, considerando que o mundo encontrava-se bipolarizado entre o socialismo e o

    capitalismo o que dificultava a manutenção de uma posição de neutralidade durante o período

    (BORGES apud ANGELO, 2012). De acordo com o modelo proposto pela DSN, o inimigo não era

    mais aquele da guerra tradicional, ou seja, bem definido, com objetivos políticos geralmente

    conhecidos. A guerra passou a ter um caráter subversivo e revolucionário, o que fez com que o

    inimigo fosse identificado com parcelas organizadas da sociedade que tinham o interesse de

    derrubar o governo, com ou sem ajuda internacional (CARVALHO e NASCIMENTO, 2012).

    Com isso, diferente do que ocorria em uma guerra tradicional interestatal, o inimigo era

    qualquer cidadão, ele estava em qualquer lugar em meio à sociedade e sua arma era, a princípio,

    ideológica. Nesse sentido, todo um aparato de informação e de repressão foi construído a fim de

    possibilitar a identificação deste inimigo e a sua eliminação. Com a legalização da ideia de guerra

    interna pela Constituição de 1967, todos os cidadãos passaram a ser considerados suspeitos de

    subversão e, portanto, inimigos da nação (ANGELO, 2012).

    Durante este período, como apontam Carvalho e Nascimento (2014), no Brasil houve uma

    grande preocupação com o inimigo interno. Tal preocupação podia ser vista tanto nos discursos do

    governo quanto na mídia, como mostra a análise das autoras sobre a criação da Revista Veja durante

    este período que constantemente publicava artigos que incitavam o medo e o ódio ao subversivo, ao

    inimigo. Agregado ao clima de tensão instaurado já naquele momento que perpassava todas as

    camadas da sociedade, a mídia colaborou ainda mais com a paranóia da identificação do subversivo,

    fazendo com que a população se tornasse a polícia uns dos outros e fossem incentivadas a denunciar

    qualquer um que fosse suspeito de subversão.

    Como já foi abordado na primeira parte deste trabalho, ao identificar um inimigo a função

    do soberano é de eliminá-lo. Para isso, ele pode dispor dos meios que achar necessários, ou seja, de

    medidas excepcionais que solucionem a situação. No caso da ditadura no Brasil, aparelhos

    repressivos como o Inquérito Policial-Militar (IPM) e o Destacamento de Operações de

    Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) foram criados justamente para a

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    aplicação destas medidas excepcionais. O primeiro era responsável por apurar os supostos crimes

    contra a segurança nacional e o segundo, além da função de inteligência, era responsável por

    prender e torturar os inimigos da nação. Após o fim do regime, foram descobertas as diversas

    atrocidades cometidas por conta destes aparelhos em prol da segurança nacional.

    É importante ressaltar que a construção do inimigo interno não foi só uma justificativa

    política para o aprofundamento da ditadura de acordo com a vontade dos linha-dura (ANGELO,

    2012). Houve também um grande esforço da mídia, ainda mais após o Ato Institucional nº5, que

    instituía a censura, para alertar a sociedade sobre estes inimigos que deveriam ser combatidos, além

    de disseminar um clima de insegurança generalizado (CARVALHO e NASCIMENTO, 2014).

    Como aponta Almendra (2014), alerta-se para o fato de que ainda que a mídia tenha grande

    influência na opinião pública, os jornalistas responsáveis por ela são membros da sociedade e

    também são influenciados pelas percepções sociais de preconceitos e de segurança. Logo, as

    percepções da sociedade sobre a guerra entre capitalismo e comunismo afetavam a forma como se

    via o conflito interno entre a esquerda armada e a direita governante. Ainda, embora o Brasil não

    estivesse de fato enfrentando uma guerra, a mídia e outras agências do governo insistiam na

    possibilidade constante de uma guerra e na necessidade da eliminação do inimigo para garantir a

    ordem política e social do país (CARVALHO e NASCIMENTO, 2014).

    Nota-se, portanto, que o período da ditadura no Brasil foi grandemente marcado pela lógica

    do amigo/inimigo como exposta por Schmitt e apresentada na primeira parte deste artigo. Ainda que

    os subversivos não representassem de fato uma ameaça para o regime, tanto por estarem

    fragmentados quanto por não serem tão fortemente armados quanto o Exército à época (ANGELO,

    2012), eles ainda assim eram considerados o outro, os propositores de uma nova ordem possível e,

    por conta disto, representavam uma ameaça para o regime político vigente. Nesse sentido, a

    ditadura no Brasil instaurou um regime de exceção permanente dentro do qual a vida biológica das

    pessoas, sua morte, era decidida pelo arbítrio do Estado em prol da segurança nacional e da

    manutenção do regime.

    Denrto dos prédios do DOI-CODI, quem tinha o poder de decisão era a polícia e os

    militares. Portanto, dentro destes ambientes, eles eram soberanos e tinha o arbítrio de decidir sobre

    a vida e a morte das pessoas que lá entravam. Com isso, neste momento excepcional e com a

    justificativa de garantir a segurança nacional, essa polícia-soberana expunha os presos subversivos à

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    vida nua, privando-os de todo e qualquer direito e tendo suas vidas igualadas a de qualquer outro

    animal.

    Especialmente dentro do DOI-CODI, onde medidas excepcionais eram aplicadas, pode-se

    notar a inclusão da vida biológica dos presos no âmbito da política. Dentro destes edifícios, eles

    eram despidos de qualquer direito e suas vidas ficavam a critério da polícia-soberana do local. Além

    disso, matar um destes inimigos não constituía crime, justamente por estarem agindo de acordo com

    o que se exigia para a manutenção da segurança nacional. Com a censura instaurada, o que ocorria

    dentro dos centros de tortura quase não chegava ao conhecimento público, o que permitia que

    tortura e assassinatos ocorressem com frequência sem serem punidos.

    Novas ameaças, novos inimigos: a guerra às drogas no Rio de Janeiro

    Após o fim da Segunda Guerra Mundial os conflitos internacionais em raras ocasiões são

    travados entre Estados. Geralmente, eles são travados entre um Estado e atores não-estatais armados

    que possuem seus próprios objetivos, sejam eles religiosos, étnicos ou políticos. Em considerável

    parte dos casos, estes atores são bem organizados e bem armados, além de terem como

    característica não estar restritos a um só território. Um dos grandes problemas, portanto, destas

    organizações é de muitas serem capazes de realizar operações militares sofisticadas sem seguir as

    regras de conflitos internacionais. Ainda, a aceleração do processo de globalização e a consequente

    transnacionalização destes grupos facilita a organização entre eles e dificulta a ação dos Estados

    contra eles.

    Ademais, deve-se frisar que o caráter transnacional destes grupos e o fato de não possuírem

    um exército facilmente identificado nem um líder específico, dificulta a identificação de quem é

    combatente de quem não é, mesmo pelo fato de muitos destes grupos se utilizarem de crianças-

    soldado e de se aproveitarem da própria população para se defender. Por esta razão, o número de

    civis mortos nesses conflitos atinge números exorbitantes.

    Dentre estas novas ameaças que passaram a chamar a atenção tanto da literatura sobre

    conflitos internacionais quanto do mundo como um todo principalmente a partir do fim do século

    XX está o narcotráfico. O problema tomou proporções tão consideráveis em algumas partes do

    globo que passou a ser tratado como uma verdadeira guerra que ficou conhecida como Guerra às

    Drogas.

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    A Guerra às Drogas é um processo histórico de combate e repressão a substâncias ilícitas,

    desenvolvida ao longo do século XX, sendo os Estados Unidos o principal Estado a combater o

    narcotráfico. Além da questão moral envolvida com o proibicionismo, é importante ressaltar que

    estas substâncias costumavam ser relacionadas com grupos sociais indesejados, como os chineses

    (ópio) e os hispânicos (maconha), o que fortalecia a rejeição às substâncias e o racismo na

    sociedade estadunidense (RODRIGUES, 2012). O proibicionismo, impulsionado principalmente

    pelos Estados Unidos, de acordo com Rodrigues (2012) pode ser entendido como “uma das táticas

    de controle social que, na passagem do século XIX para o XX, investiram na segurança das

    sociedades pela articulação de políticas punitivas e de intervenção sobre a vida e que procediam,

    por sua vez, de práticas de governos das populações” (RODRIGUES, 2012). A partir da década de

    1970, durante a Guerra Fria e o governo Nixon, a Guerra às Drogas de fato tomou forma, já que o

    assunto passou a ser considerado questão de segurança nacional para o país.

    No Brasil, o problema do narcotráfico passou a ser visto da mesma forma que nos Estados

    Unidos ainda durante o regime militar logo em 1964 quando Castelo Branco aprovou a Convenção

    Única sobre Entorpecentes através do Decreto n° 54216 de 27 de agosto de 1964. Anos após a

    convenção, o usuário de drogas passou a ter o mesmo status de um traficante com a Lei 6368/76 e

    ambos eram relacionados ao comunismo, considerado o inimigo interno do país à época (SANTOS

    FILHOS, 2012), como já foi exposto na segunda parte deste artigo.

    Com o fim da Ditadura Militar durante a década de 1980, o comunista já não era mais o

    inimigo interno. Neste momento, o inimigo deixou de ser político e passou a ser comum, pois

    passou a ser o narcotraficante, ainda que este ainda seja reprimido pelo mesmo aparelho militar.

    A fim de entender o problema da identificação do narcotraficante como o novo inimigo

    interno do país, o presente artigo focará a análise no programa de polícia pacificadora do Rio de

    Janeiro e em como a identificação do inimigo atualmente no Brasil pode ser entendido como um

    completo estado de exceção, ainda que com ressalvas, parecido ao que ocorreu durante a ditadura.

    Em 2008 é implementada a primeira Unidade de Polícia Pacificadora do Rio de Janeiro, no

    Morro Santa Marta, sendo que esta só foi criada oficialmente em 2009 pelo Decreto nº 41.450

    (LIMA, 2012). De acordo com o site do estado do RJ sobre o programa de pacificação, a Unidade

    de Polícia Pacificadora consiste em “parcerias entre os governos (…) e diferentes atores da

    sociedade civil organizada e tem como objetivo a retomada permanente de comunidades dominadas

  • I  Seminário  Internacional  de  Ciência  Política    Universidade  Federal  do  Rio  Grande  do  Sul  |  Porto  Alegre  |  Set.  2015    

    pelo tráfico”2. As fases da operação podem ser brevemente resumidas nas seguintes: investigações e

    operações de inteligência a fim de desarticular o tráfico na região a ser ocupada; incursão no

    território para reconquista; instalação de fato da UPP, com a instalação de bases permanentes e

    alocação de forças de segurança que agem especificamente nestas regiões; (re)tomada do controle

    do Estado com a execução de medidas sociais, como a criação de escolas, postos de saúde, centros

    de cultura, entre outros.

    De acordo com Cabeleira (2013), a utilização das UPPs é a forma que o governo do Rio de Janeiro

    encontrou para consolidar a pacificação da cidade. É importante ressaltar, ainda segundo a autora,

    que esta nova política pública ocorre juntamente com a preparação dos megaeventos que ocorrerão

    na cidade. Por conta deles, diversas obras de planejamento urbano estão sendo construídas na

    cidade que se estendem dos morros ao porto, com a obra Porto Maravilha (CABELEIRA, 2013).

    Estas atraem interessados em investir em locais próximos à estas áreas que receberão os eventos,

    concentradas no Centro, Zona Sul e Zona Norte da cidade3. Coincidentemente, a maior parte das

    trinta e oito UPPs implantadas até o presente ano na cidade estão localizadas na Zona Sul e na Zona

    Norte, neste último pois é a região onde está localizado o Aeroporto Internacional do Galeão e a via

    que liga o aeroporto ao Centro e à Zona Sul da cidade, região hoteleira.

    É importante ressaltar que as favelas onde hoje existe Unidades de Polícia Pacificadora são a

    configuração contemporânea de um fenômeno de ocupação urbana começado ainda no século XIX.

    Ainda, a criação destas comunidades já se deu afastado do poder do Estado e cresceram, portanto,

    sem o controle disciplinar do Estado. Por conta disto, tornaram-se ambiente propício para o

    crescimento de vida econômica e social com características próprias relacionadas com grupos

    dedicados tanto a atividades legais como ilegais (Serra e Rodrigues, 2014. Por conta de sua

    geografia e da configuração de suas ruas e casas, as favelas também acabam por se tornar lugares

    onde criminosos podem facilmente se esconder.

    Ao crescerem desordenadamente foram sendo cada vez mais abandonadas pelo poder

    público. Por conta deste abandono e da consequente proliferação de atividades ilegais nestes

    territórios, a mídia, o governo e a própria sociedade passam a compreender estas comunidades de

    2 A descrição completa pode ser encontrada em . Acesso em 4 ago 2015. 3 A lista com as localidades de todas as UPPs implantadas no Rio de Janeiro pode ser encontrada em . Acesso em 4 ago 2015.

  • I  Seminário  Internacional  de  Ciência  Política    Universidade  Federal  do  Rio  Grande  do  Sul  |  Porto  Alegre  |  Set.  2015    

    forma negativa, como lugares de violência e selvageria. Muitas vezes o morador da favela é despido

    de seu caráter político, restando-lhe apenas seu aspecto biológico, o que o torna descartável,

    exatamente como um animal inferior. Como desde sua origem é afastada do poder público,

    historicamente as favelas foram ocupadas pela economia informal e por atividades ilegais, dentre

    elas o narcotráfico, que tornava-se um problema ainda maior por conta dos armamentos

    pesados adquiridos pelos narcotraficantes, garantindo o controle destas comunidades.

    A associação feita entre a pobreza com a criminalidade e a violência faz com que a visão

    que a sociedade tem da favela seja extremamente negativa, como se estes lugares fossem próprios

    da ilegalidade e das ações violentas. Assim sendo, a transformação do Rio de Janeiro em uma

    “cidade de negócios” capaz de atrair investidores e de abrigar os megaeventos que vem para a

    cidade exige que se executem quaisquer medidas que se considerem necessárias para controlar a

    violência urbana, característica que mancha a imagem da cidade e pode impedir seu

    desenvolvimento (ALMENDRA, 2014). Portanto, a Guerra às Drogas se torna legítima para

    grandes setores da cidade que entendem que este problema deve ser combatido tomando qualquer

    medida considerada necessária para resolvê-lo.

    Nota-se que a palavra guerra tem um significado extremamente forte. Na guerra há a

    suspensão do direito e as Forças Armadas que nela combatem são treinadas para identificar e

    eliminar o inimigo. É importante ressaltar ainda que os narcotraficantes não possuem um uniforme,

    nem um perfil específico que facilite sua identificação. Eles estão dispersos no meio destas

    comunidades, o que acaba por tornar a guerra ao tráfico uma “guerra às favelas”, pois as políticas

    de segurança pública tipificam esses territórios como violentos per se (LEITE, 2014), como o local

    onde estes traficantes “habitam naturalmente”. Ainda, ressalta-se que há um entendimento tanto

    por parte do governo quanto por parte da mídia, que influencia a opinião pública, que as favelas são

    locais extremamente violentos pois a presença do Estado neste locais sempre foi precária, quase

    inexistente. Para os moradores dos “bairros formais”, essa violência transborda e os atinge, de

    forma que também passam a entender o território como inimigo.

    Como aponta Almendra (2014), ainda que a mídia não seja a responsável pela opinião

    pública, ela ainda assim possui influência na formação da opinião pública. Como exemplo, pode-se

    citar a divulgação de uma notícia, em maio do presente ano no site do jornal O Dia, sobre jovens de

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    classe média presos na Tijuca, bairro da Zona Norte da cidade, com trezentos quilos de maconha4.

    Conquanto a notícia mencione que eles poderiam estar envolvidos com o tráfico de drogas na Zona

    Norte da cidade, a manchete os considera somente como jovens de classe média que portavam

    drogas e não como traficantes. Ainda de acordo com o autor, a questão da “violência urbana” não é

    uma representação apenas criada pela mídia. Ela é fruto de experiências cotidianas relacionadas ao

    medo, à ameça ou ao uso efetivo de violência física ao se cometer um crime (ALMENDRA, 2014).

    O autor ressalta ainda que os relatos na mídia sobre as UPPs devem ser entendidos como moldados

    a partir de percepções sociais generalizadas sobre violência urbana e segurança pública. Nessa

    lógica, pode-se entender que a ideia da favela como um local de selvageria e violência, de seres que

    precisam ser controlados e que estão distante da realidade do resto da cidade, no sentido de que

    representam um perigo para os “outros” e que, por isso, medidas especiais podem e devem ser

    tomadas para resolver o problema.

    Por conta desta “guerra às favelas”, qualquer um pode ser considerado um inimigo e, como

    inimigo, este deve ser eliminado. Isso porque, de acordo com a obra de Schmitt, o inimigo

    representa uma ameaça ao seu modo de vida e este pode ser tanto um ator externo, um Estado, ou

    um ator interno. Neste sentido, o Estado possui a prerrogativa de suspender os direitos destes

    cidadãos em prol da manutenção de seu controle sobre um pedaço do território. Ainda, estas

    violações de direitos são consideradas válidas e justas por grande parte da mídia e da sociedade,

    exatamente por causa do discurso, disseminado e incentivado entre eles, de que a favela e seus

    moradores são figuras de segunda classe na vida política, como figuras descartáveis.

    No que diz respeito à identificação do inimigo, pode-se citar dois casos de assassinatos

    ocorridos em favelas do Rio de Janeiro em 2015. O primeiro foi em janeiro do ano em que este

    artigo foi escrito quando um menino de 11 anos foi morte na Zona Norte do Rio em uma

    comunidade pacificada. A alegação é de que o menino estava envolvido em um tiroteio entre os

    policiais e um grupo de traficantes. Segundo os policiais, o menino portava uma arma e rádio

    transmissor5. A família nega que a criança tinha qualquer envolvimento com o tráfico e ninguém foi

    preso. O segundo ocorreu em abril, quando um menino de 10 anos foi morto com um tiro de fuzil

    4 Notícia disponível em Acesso em 4 ago 2015. 5 Notícia disponível em Acesso em 4ago 2015.

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    na porta de casa6. De acordo com o que foi divulgado pela mídia, o tiro partiu de um policial da

    UPP e a bala que o atingiu não foi encontrada. O caso também permanece sem nenhuma prisão.

    Ambas as mortes das crianças foram justificadas como danos colaterais do combate ao tráfico que

    ocorrem de forma corriqueira na cidade e que representam um regime de exceção inaugurado nestes

    espaços, sob a lógica perene do inimigo interno. Casos como estes ocorrem de forma ordinária e são

    um retrato do estado de exceção dominante nas favelas do Rio de Janeiro, no qual a lógica do

    inimigo está sempre presente.

    Ainda com relação à arbitrariedade da decisão sobre a questão do tráfico de drogas e sobre a

    criminalização dos moradores da favela, é importante destacar que na Lei de Drogas de 2006 consta

    que o juiz determinará se a droga apreendida é para consumo próprio ou para tráfico considerando a

    quantidade, o local, as condições da ação, as circunstâncias sociais e pessoais e a conduta

    antecedente do agente envolvido (BRASIL, 2006). Esta diferenciação entre o consumidor de drogas

    (que não pode ser preso no Brasil) e o traficante (que sofre duras penas) é de extrema importância,

    pois geralmente está relacionada a preconceitos sociais e raciais, tanto por parte dos policiais que

    fazem a apreensão, quanto por parte dos juízes que determinam a diferença e por parte da imprensa

    ao divulgar o caso. Como exposto na reportagem de Marcelo Pellegrini publicada no site da revista

    Carta Capital em julho do presente ano7, pode-se observar um aumento da população carcerária

    especialmente por conta da prisão de pessoas envolvidas com o tráfico. Já que não há estabelecido

    um valor exato que diferencie a quantidade para consumo pessoal e a quantidade que corresponde

    ao tráfico, nota-se que as prisões estão mais relacionadas realmente às questões sociais e raciais que

    à droga por si só.

    Tendo em vista a discussão prévia, o espaço de atuação das UPPs pode ser considerado um

    espaço de exceção. Dentro deste espaço, o ator soberano, temporariamente representado pelas

    forças policiais e militares, detém o poder de decisão sobre a vida que pode ser exterminada, sobre

    seu futuro e seu tratamento, prescindindo da aplicação do ordenamento jurídico padrão. As favelas

    onde atuam as UPPs constituem, dessa maneira, o “campo”, o nomos do espaço político moderno,

    nos termos agambenianos. Neste espaço, os cidadãos acabam reduzidos à condição do homo sacer,

    6 Notícia está disponível em Acesso em4ago 2015. 7 Notícia disponível em Acesso em 11 ago 2015.

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    cuja vida torna-se exterminável por um ato que não está sujeito à prestação de contas pela

    perpetração de um crime. Cabe ressaltar, uma vez mais, que a ordem legal no estado de exceção se

    encontra baseada na decisão do soberano e não nas normas vigentes, ainda que o soberano seja ator

    também pertencente a elas.

    Inaugura-se, portanto, um regime alicerçado no poder decisório das instâncias superiores,

    das quais derivam as ações em prol da manutenção e preservação do Estado, de seu status quo,

    tendo como alegado fim último a segurança pública. Neste cenário, torna-se possível a perpetuação

    da figura do inimigo interno e a utilização de instrumentos de emergência para decidir sobre os

    destinos de sua vida, a qual acaba inserida nas práticas políticas de segurança por um processo de

    crescente indistinção entre bios e zoe, entre vida política e vida biológica.

    Considerações Finais

    O presente artigo pretendeu demonstrar o problema existente com a definição do inimigo

    interno através da criminalização de grupos da sociedade e das consequentes políticas de segurança

    propostas a fim de combatê-lo.

    Durante a Ditadura Civil-Militar, podia se notar a criminalização dos grupos da sociedade

    que possuíam uma ideologia diferente daquela preconizada pelo regime. Além disto, devido aos

    serviços de inteligência do Estado, estes subersivos eram identificados e presos. Dentro dos prédios

    do DOI-CODI, estes presos eram torturados e mortos, sem que esta ação constituísse um crime, pois

    os militares que as cometiam estavam agindo em um momento excepcional de acordo com as

    diretrizes da DSN e das políticas de segurança nacional.

    Atualmente na cidade do Rio de Janeiro, ocorre uma terrível criminalização das favelas, de

    seu ambiente, de sua cultura, de sua economia, de seus moradores. A polícia-soberana entra nestes

    territórios com o argumento de garantir a segurança pública da cidade. Com isso, diversos

    moradores inocentes são assassinados a cada dia, sem que isso também seja considerado um crime.

    Estas mortes são comumente vistas como efeito colateral da Guerra às Drogas ou logo são

    justificadas com o suposto envolvimento da vítima com o tráfico local.

    Tanto o preso político subversivo da Ditadura quanto o morador da favela do Rio de Janeiro

    são despidos de seu caráter político e dos seus direitos, são expostos à vida nua e se tornam o homo

    sacer que tem sua vida exterminável. Com a construção destes espaços de excepcionalidade, a vida

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    biológica de todos eles passa a fazer parte do jogo político. Desta forma, a decisão sobre a morte e a

    vida destes grupos está colocada nas mãos de uma polícia-soberana, de militares-soberanos que

    justificam suas ações como em nome da segurança nacional ou da segurança pública. Ainda, o que

    se vê no resto da cidade e na mídia é a legitimação deste discurso, destas ações, da mesma forma

    que se via na mídia censurada da ditadura e em parte da sociedade à época. A construção do

    discurso de (in)segurança e dos campos torna o estado exceção não somente a regra como também a

    normalidade, o aceitável.

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