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Maria Virgínia Gastaldi Instituto Avisa Lá Curitiba, setembro de 2010 1 Jogos na escola Lúcia do Amaral Mesquita de Magalhães Conforme as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais,7 as atividades com jogos podem ser um importante recurso pedagógico, pois representam uma forma interessante de propor problemas aos alunos, por serem atrativas e favorecerem a criatividade na elaboração de estratégias do jogo. O jogo é um simulador de situações-problema que exige dos alunos o planejamento de ações (antecipação/previsão) a fim de vencê-lo. Ainda nos Parâmetros Curriculares Nacionais, encontramos o argumento de que os jogos podem contribuir para a formação de atitudes – construção de uma atitude positiva perante os erros –, para a socialização (decisões tomadas em grupo), para o enfrentamento de desafios, desenvolvimento da crítica, da intuição, da criação de estratégias e dos processos psicológicos básicos. Os jogos propostos na escola aplicação e à sistematização de conhecimentos matemáticos e ao desenvolvimento de habilidades relacionadas ao cálculo mental, à estimativa, à localização por meio da leitura de mapas, à identificação de pontos de referência etc. Para aprender é preciso conhecer É importante explorar a imagem e também as regras coletivamente, para que depois as crianças possam jogar em pequenos grupos em vários momentos do dia. O jogo como atividade humana, fora da escola, está ligado ao prazer de jogar, conviver e resolver desafios. É importante que sua entrada na escola e na sala de aula, como estratégia de ensino, seja primeiramente uma brincadeira e atividade lúdica que enriquece a convivência. Assim, conhecendo as características originais de uso e funcionamento de cada jogo, os alunos poderão, em um segundo momento, com mais familiaridade com os jogos, interagir e aprender com as situações propostas. Para aprender é preciso jogar com frequência

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Maria Virgínia GastaldiInstituto Avisa LáCuritiba, setembro de 2010

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Jogos na escolaLúcia do Amaral Mesquita de Magalhães

Conforme as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais,7 as atividades com jogos podem ser um importante recurso pedagógico, pois representam uma forma interessante de propor problemas aos alunos, por serem atrativas e favorecerem a criatividade na elaboração de estratégias do jogo. O jogo é um simulador de situações-problema que exige dos alunos o planejamento de ações (antecipação/previsão) a fim de vencê-lo.

Ainda nos Parâmetros Curriculares Nacionais, encontramos o argumento de que os jogos podem contribuir para a formação de atitudes – construção de uma atitude positiva perante os erros –, para a socialização (decisões tomadas em grupo), para o enfrentamento de desafios, desenvolvimento da crítica, da intuição, da criação de estratégias e dos processos psicológicos básicos. Os jogos propostos na escola aplicação e à sistematização de conhecimentos matemáticos e ao desenvolvimento de habilidades relacionadas ao cálculo mental, à estimativa, à localização por meio da leitura de mapas, à identificação de pontos de referência etc.

Para aprender é preciso conhecer É importante explorar a imagem e também as regras coletivamente, para

que depois as crianças possam jogar em pequenos grupos em vários momentos do dia. O jogo como atividade humana, fora da escola, está ligado ao prazer de jogar, conviver e resolver desafios. É importante que sua entrada na escola e na sala de aula, como estratégia de ensino, seja primeiramente uma brincadeira e atividade lúdica que enriquece a convivência. Assim, conhecendo as características originais de uso e funcionamento de cada jogo, os alunos poderão, em um segundo momento, com mais familiaridade com os jogos, interagir e aprender com as situações propostas.

Para aprender é preciso jogar com frequênciaJogar um jogo uma única vez tem pouca contribuição para a

aprendizagem matemática. Dessa forma, sugere-se que os jogos sejam explorados em momentos diferentes no decorrer do ano, explorando as muitas variações sugeridas nestas orientações. Além disso, é importante variar o momento de se trabalhar com os jogos em aula – pode ser no início da aula, como “disparador” de um conceito matemático; durante a aula, como conteúdo conceitual ou procedimental; ou mesmo ao final da aula, para desenvolver uma determinada habilidade ou aplicar um conceito matemático.

Para cada jogo proposto, é importante considerar que os alunos tenham um momento inicial de elaboração do material do jogo (tabuleiro, peças etc.) e de familiarização com esse material, seguido pelo reconhecimento das regras, registro e resolução de situações-problema escritas sobre o jogo. É fundamental que, após a análise do jogo e resolução das situações-problema, os alunos joguem novamente para que possam aplicar os conceitos, sínteses e relações que desenvolveram a seu respeito.

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2A intervenção

A intervenção do professor é um fator determinante na transformação do jogo espontâneo em pedagógico. O professor é o mediador da ação dos alunos na atividade de jogo, objetivando resgatar conceitos matemáticos do nível da ação para a compreensão e sistematização. É importante interferir o menos possível nas jogadas e nas reflexões realizadas pelos alunos no decorrer do jogo, direcionando suas intervenções para questionamentos durante a análise das jogadas.

Durante o processo de intervenção pedagógica, o professor deve se preocupar em:• garantir o cumprimento e a compreensão das regras do jogo, sem a preocupação de modificar a qualidade da ação dos alunos em um primeiro momento. Deixar o aluno à vontade para agir e esclarecer dúvidas;• propor facilitadores e/ou desafios maiores conforme as necessidades dos alunos;• incentivar os alunos a “jogar pensando alto”, descrevendo o que pensam e fazem, a fim de que possam identificar os procedimentos e o raciocínio desenvolvido. Além disso, incentivar a observação de regularidades, a elaboração de estratégias e a análise do jogo;• sistematizar, juntamente com os alunos, os conceitos matemáticos intrínsecosao jogo.

Quanto à observação, o professor necessita estar atento aos seguintes aspectos:• Uso do espaço do tabuleiro: Como o aluno se organiza no espaço? Domina o espaço do tabuleiro em termos de direção e sentido? Explora diferentes formas de preenchimento do tabuleiro? A familiarização com o material permitiu ao aluno um bom movimento no jogo? Procura variar seus movimentos em função das estratégias construídas?• Interesse: O aluno demonstra interesse em aprender o jogo? Está motivado a jogá-lo? Mostra-se desafiado pelas situações-problema? Apresenta interesse em analisar o jogo?• Jogadas e estratégias: O aluno compara e estabelece correspondências entre as rodadas e partidas? Utiliza observações de jogadas anteriores para repensar as suas jogadas? Cria estratégias? Como são tais estratégias, mostram-se coerentes e eficientes ou são por tentativa e erro? A ação do aluno é intencional, isto é, planejada e organizada?• Registro: Como se dá o processo do registro do jogo? Existe coerência na forma de registro entre as jogadas? Utiliza-se de algoritmos (“continhas”) para a contagem dos pontos? Considera cálculos anteriores para os cálculos das novas jogadas? As formas de registro utilizadas pelos alunos são modificadas no decorrer da atividade?

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3Jogo de percurso ou trilha

No início do ano, um grande investimento deve ser feito na aprendizagem dos procedimentos de jogos pelos alunos. Isto é, eles precisam aprender modos de decidir quem será o primeiro a jogar, a esperar a vez de jogar, a perceber a necessidade de permanecer atento enquanto os colegas jogam, a usar o dado sem que ele caia no chão a todo momento etc.

Provavelmente os alunos precisarão de muitas partidas para incorporar tais procedimentos ao seu modo de jogar, pois se trata de conteúdos aprendidos em ação, ou seja, jogando. Ainda assim, será necessário que você explicite a eles alguns desses procedimentos.

Nos primeiros meses, por exemplo, você pode propor, a cada novo jogo apresentado, que toda a classe utilize determinado jeito de decidir quem começa, evitando que a decisão fique por conta dos alunos, caso em que provavelmente o primeiro a jogar será quem falar primeiro ou quem for mais insistente. Você pode sugerir alguns modos de decidir: jogar os dados (quem tira o maior número começa), jogar “pedra, papel e tesoura”; usar fórmulas de escolha (que são parlendas do tipo “lá em cima do piano tem um copo de veneno, quem bebeu, morreu, o azar foi seu”) etc.

Por volta do segundo semestre, quando sua turma tiver um bom repertório de jeitos de decidir, você pode deixá-los escolher, em pequenos grupos, que método usarão a cada partida. Quanto aos outros procedimentos, o melhor é circular entre os grupos enquanto jogam, fazendo comentários sobre como se organizam e ajudando quem precisar.

Agora, falando de Matemática, o percurso ou trilha, especificamente, é um bom recurso para que os alunos aprendam o procedimento de contagem, tanto ao contar os pontinhos do dado quanto as casas do jogo. Observe que alguns alunos contarão a casa em que está seu pino antes de movimentá-lo, acabando por andar uma casa a menos. Um bom jeito de ensiná-los a contar corretamente é perguntar o que acontece quando se tira apenas um no dado, para observarem o que está sendo contado (nesse caso, são os passos a ser dados em cada jogada).

É bom lembrar que o procedimento de contagem inclui alguns conhecimentos coordenados: conhecer a récita ou cantilena (a sequência oral dos números) e contar cada objeto uma, e somente uma, vez (ou seja, não pular nem contar duas vezes um objeto do conjunto que se deseja quantificar). Na trilha, essa segunda condição fica facilitada, pois há um caminho organizado para percorrer, diferentemente da contagem, por exemplo, de um punhado de botões (quando a criança precisa organizar os objetos para não contá-los duas vezes nem deixar de contar algum) ou de quando se conta o mesmo elemento repetidas vezes na mesma cena. Mesmo assim, você verá que alguns dos alunos tenderão a falar os números sem corresponder, a cada número falado, um passo dado entre uma casa do jogo e outra. Eles aprenderão o procedimento correto pela experiência de contar (que deve ser vivenciada muitas vezes), aliada à observação dos colegas que o fazem corretamente e às suas intervenções, mostrando como fazer.

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Criar um jogo de percurso ou trilhaA construção de jogos de percurso pode se transformar em um projeto de trabalho. Os alunos devem trabalhar em grupos de três ou quatro crianças.Os objetivos deste projeto são:• aprofundar os conhecimentos sobre o funcionamento do jogo de trilha e seus diferentes modos de apresentação das armadilhas e atalhos;• avançar nos conhecimentos sobre a sequência numérica escrita, por meio da numeração e ordenação de casas para o tabuleiro;• aprender a usar cantilenas como apoio para pesquisar numerais desconhecidos em portadores numéricos, quando necessário;• reconhecer regularidades da sequência – principalmente a observação da regra, que a unidade vai sempre aumentando de um em um até nove e, quando chega ao nove, aumenta-se um na dezena. Apresentamos um roteiro a seguir das etapas previstas.• Jogar: retomar trilhas já conhecidas, apresentar novas e prever tempo suficiente para que os alunos possam experimentar as que são para eles desconhecidas.• Roda de conversa: propor a construção de trilhas pelo grupo e conversar sobre os tipos conhecidos, suas semelhanças e diferenças (modos de apresentar as armadilhas e atalhos, tipos de configuração de tabuleiro, temas).• Fazer com os alunos uma lista das etapas necessárias para que eles possam construir suas trilhas. Algumas tarefas que podem ser listadas com eles são:- pensar no tema da trilha e pintar um fundo em um retângulo de papelão ou papel duro, que será o tabuleiro;- decidir o tamanho e quantidade das casas do jogo, cortar pedaços de sulfite do tamanho e na quantidade escolhida e numerá-los (lembre-se de que você pode definir essa variável, se julgar oportuno);- planejar o formato da trilha no tabuleiro e definir como as casas se distribuirão na folha, por exemplo, em ziguezague, em caracol, como uma “cobra” etc.;- colar as casas no tabuleiro pela ordem correta. Essa etapa pode se transformar em uma fecunda discussão sobre a sequência numérica. Se as casas estão numeradas, recortadas e fora de ordem, é preciso organizá-las. Você pode perguntar: Quem tem uma boa ideia para organizar as casas e fazer sua ordenação ficar mais fácil?;- preparar as armadilhas e fazer as ilustrações;- jogar as trilhas de todos os grupos.

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O que você sabe sobre o 27?*

Escolhemos a trilha, um jogo popular entre as crianças, para ser confeccionado por elas durante este semestre. Mas não o escolhemos só porque elas gostam, não! Também estamos de olho no que podem aprender sobre a sequência numérica enquanto se dedicam a uma das etapas dessa empreitada: numerar 50 quadrados de papel, que depois serão recortados e colados no tabuleiro, para serem as casas do percurso.

Para entender melhor sobre o que estamos falando, primeiro uma constatação: mesmo quando não sabe o nome de um numeral, uma criança pode dizer muito sobre ele. Tomemos, como exemplo, o 27. É possível que ela saiba escrever seus vizinhos (26 e 28), mesmo que também não os nomeie.

Provavelmente tem uma ideia sobre seu nome, que traz em si certa lógica (trinta e sete?; dezessete?). Caso saiba recitar os números em ordem, pode aprender a descobrir seu nome, tendo em mãos um calendário ou outro material que traga a sequência escrita. E pode ser que afirme que ele vem depois do dez e de todos os outros números (de dois dígitos) que comecem com um.

Conhecimentos desse tipo apoiam a aprendizagem da sequência numérica. Saber que o 27 vem depois de todos da “família” do dez, por exemplo, é aplicar um conhecimento sobre nosso sistema numérico que a criança nem notou que tem.

Ao propor a fabricação da trilha, pretendemos explicitar e favorecer a ampliação desses conhecimentos. Na hora de numerar as casinhas, as crianças são levadas a aprender truques para avançar por números nunca dantes navegados: “Eu já sei: sempre que o segundo chega ao nove, aumenta um no primeiro!”, exclama, exultante, alguém que acaba de vencer a barreira do 39. E a professora logo divulga a descoberta, convidando os alunos a testar a ideia no quadro: “Gente, vocês ouviram o que ele disse? Vamos ver se dá certo?”.

Quando casas estão prontas e recortadas (portanto, fora de ordem), a proposta é colá-las em ordem no tabuleiro, para mais uma rodada de reflexão. Como separá-las em conjuntos menores para facilitar a tarefa? “Vamos pôr todos do 20 juntos, todos do 30 juntos...”. Mais um bom jeito de aprender sobre a sequência numérica.

Por isso, não pergunte se uma criança sabe o 27. Pergunte o que ela sabe sobre o 27!

* Lúcia do Amaral Mesquita de Magalhães. Folha Verde - informativo da sala verde do pré 2. São Paulo: Colégio Santa Cruz, 2007. p. 2.