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 RAFAEL RIBEIRO FERREIRA OS QUATRO EPIGRAMAS PARA FLAUTA SOLO DE CLÁUDIO SANTORO: Texto de qualificação apresentado ao curso de pós-graduação em Música da EM/UFMG. BELO HORIZONTE 2010 

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  • RAFAEL RIBEIRO FERREIRA

    OS QUATRO EPIGRAMAS PARA FLAUTA SOLO DE

    CLUDIO SANTORO:

    Texto de qualificao apresentado ao

    curso de ps-graduao em Msica da

    EM/UFMG.

    BELO HORIZONTE

    2010

  • 2

    Sumrio:

    1. Introduo: ....................................................................................................................... 3

    2. A msica brasileira no incio do sculo XX e o surgimento do Grupo Msica Viva............. 13

    2.1 As fases do Grupo Msica Viva ...................................................................................... 15

    2.2 Cludio Santoro: relaes do compositor com o Msica Viva ........................................ 18

    2.3 As fases estilsticas de Cludio Santoro ......................................................................... 18

    3. Entre outras obras, a propsito dos Epigramas ................................................................ 20

    3.1 Os epgrafos e a poesia na obra de Santoro ................................................................... 22

    3.2 A relao entre os epigramas e outras obras para flauta solo ........................................ 24

    3.3 Relao dos Quatro Epigramas de Santoro e a Density 21.5 de Varse: o fator

    inediticidade ....................................................................................................................... 26

    4. Contribuies na interpretao dos Quatro Epigramas em formato de anlise ................ 29

    4.1 Anlise das sries dos Epigramas : ............................................................................... 34

    5. Bibliografia: ..................................................................................................................... 36

  • 3

    1. Introduo:

    As obras compostas para flauta, em especial as do sculo XX, trouxeram novas

    possibilidades de utilizar a tcnica do instrumento. Atravs da busca por uma nova

    linguagem musical surgiram diferentes possibilidades sonoras denominadas tcnica

    expandida. Tais tcnicas se diferem muito do uso tradicional do instrumento por

    requisitarem do intrprete outras capacidades alm de emisso de notas com timbre,

    afinao, dinmica e duraes corretas. Essas capacidades esto relacionadas ao

    acrscimo de atividade corporal. No caso da flauta, o uso bastante efetivo da lngua e da

    garganta, a capacidade de cantar e tocar ao mesmo tempo e a flexibilidade na

    embocadura so exemplos dessa nova abordagem motora.

    Robert Dick, flautista que dedica sua carreira a interpretao e ensino da msica

    contempornea, mapeia inmeros recursos de tcnicas expandidas em um livro que

    funciona como uma bula para flautistas:

    Este volume organizado pedagogicamente. Flautistas encontraro o material mais

    fcil apresentado em todos os captulos, e cada captulo a preparao para o prximo.

    importante notar que muitos flautistas devem trabalhar novas sonoridades e tcnicas

    beneficiando a tcnica tradicional. Prticas de novas sonoridades servem para

    desenvolver fora e flexibilidade da embocadura. (Dick, 1975, pag V )1

    O interesse em averiguar as possibilidades sonoras da flauta se deu em grande

    parte pelo contato que tive com obras de um grupo: O Grupo Msica Viva. Um grupo

    que surgiu por volta de 1939 que trazia a inteno de divulgar a msica que estava

    1 Texto original em ingles: This volume is organized pedagogically. Flutists will find the easiest material

    presented first in all chapters, to a degree, is a preparation for the next. In this light, it is also significant

    to note that many flutists may find working with the new sonorities and techniques beneficial to their

    traditional playing, especially in the area of tone development. Quite simply, practice of the new

    sonorities serves to develop both the strength and suppleness of the embouchure

  • 4

    sendo feita naquela poca no Brasil e no mundo fundado pelo alemo Hans Joachim

    Koellreutter:

    Em 1937 chegou ao Brasil o flautista alemo Hans Joachim Koellreutter, fugindo do

    Nazismo. Desde sua chegada, Koellreutter procurou trazer para o Brasil a agitao

    cultural que participou ativamente na Alemanha e na Suia. Fundou no Rio de Janeiro o

    Grupo Msica Viva, em 1939. No incio de suas atividades, o grupo reuniu vrias

    personalidades do meio musical brasileiro com a finalidade de incrementar a atividade

    musical no Brasil. (Egg, 2005, pag 60)

    A idia do grupo partiu de um movimento idealizado pelo regente alemo

    Hermann Scherchen2, professor de Koellreutter. Segundo Mendes (2008, p?) Mais do

    que uma revista a expresso Msica Viva correspondeu na Europa da dcada de trinta a

    um movimento que objetivava a divulgao das obras de compositores do sculo XX.

    Baseando-se nesse moldes, ao chegar ao Brasil em 1937, Koellreutter trazia consigo o

    desejo de dar continuidade a esse movimento.

    O Grupo Msica Viva passou por vrias fases rompendo e agregando-se a idias

    e aos compositores. Essa primeira etapa, segundo Kter (2001), marcada pela

    coexistncia interna de tendncias estticas e ideolgicas bastantes dessemelhantes....

    Os primeiros contatos de Koellreutter no Brasil foram com os artistas freqentadores da

    loja de msica Pingim na Rua do Ouvidor. Para Egg (2005) parece muito estranho

    um grupo liderado por Koellreutter ser formado pela nata do Nacionalismo musical

    crticos, musiclogos e professores do Instituto Nacional de Msica, porm, como o

    prprio autor observa, o nico grupo no qual poderia encontrar apoio ou ressonncia

    para idia de renovao era o dos prprios nacionalistas que representavam ento o

    modernismo brasileiro.

    Na segunda etapa, as divergncias de idias em relao ao nacionalismo, ao

    ensino de msica no Brasil e valorizao de uma nova linguagem composicional

    2 Regente e violista alemo,Scherchen se destacou por privilegiar estrias das composies de seus

    contemporneos, alm de fazer partes de movimentos da msica do sculo XX.

  • 5

    fizeram com o que os compositores nacionalistas se rompessem com o grupo e dessem

    espao para a msica de vanguarda. Nessa fase, Cludio Santoro, Guerra- Peixe e

    posteriormente Edino Krieger, alunos do professor Koellreutter, tiveram participao

    ativa no grupo, apoiando idias de uma msica brasileira mais consistente. O Msica

    Viva, segundo Jos Maria Neves (1981, p.90) [...] se transformaria logo na mais viva

    clula de renovao musical do pas, contribuindo eficazmente na reviso dos

    problemas relacionados com o ensino da msica (e especialmente da composio), com

    a atividade musical de grupo (incentivando a formao de conjuntos de cmera) e com a

    organizao de concertos.

    Quando mais acima relatamos certo interesse no Grupo Msica Viva, nos

    referamos especificamente ao compositor Cludio Santoro, uma das figuras que toma

    ento um posto importante nessa segunda fase do grupo. Por volta de 1940, o

    compositor tem seus primeiros contatos com o msico Koellreutter e confirma ento sua

    grande simpatia com a tcnica de dozes sons de Schoenberg:

    Lembro-me que quando fui estudar com Koellreutter em 1940 e meses depois lhe

    apresentei o incio da minha sinfonia para duas orq. de cordas, que dava o nome de

    Sinfonieta, e que este perguntou se chonhecia Schoenberg e a tcnica dos doze sons,

    disseram-lhe que no como era a verdade,mas ele no acreditou muito porque disse:

    isto parece escrito por quem conhece a tcnica dos dozes sons. ( Santoro, [194?]

    (Entrevista concedida a Rangel bandeira, ACS)

    Essa relao musical entre o flautista alemo e Cludio Santoro despertou certo

    interesse. As tendncias do compositor, mesmo antes do contato com Koellreutter, eram

    de usar os doze sons como material, mesmo que ainda no havia tido nenhum contato

    com tal tcnica. Segundo Kter (2001, p.107), por volta de 1939, Koellreutter se

    expressava ainda de maneira muito mais direta via esttica adotada por um

    Hindemith do que aquela principiada por um Schoenberg. Atravs de relatos do

    prprio Koellreutter notamos que o interesse da escrita dodecafnica partiu muito mais

    do jovem Santoro:

  • 6

    Foi com Santoro que aprofundei meus conhecimentos sobre o dodecafonismo. Ao

    contrrio do que dizem no fui introdutor dessa tcnica no Brasil (Koellreutter. Apud:

    Mendes, 2008 p.23)

    neste contexto de introduo tcnica dodecafnica e na relao com um

    professor interessado em difundir materiais que havia trazido da Europa, que Santoro

    compe importantes obras para flauta. Acredito na hiptese de que essa relao com a

    flauta se deu principalmente sobre influncia de Koellreutter, que apesar de se dedicar

    aos estudos de composio trazia consigo a bagagem de um concertista de flauta:

    Viajei por todo mundo como concertista de flauta. Sou originalmente flautista Fiz uma

    turn com Milhaud pela a Europa. Era um grande compositor e pianista. Devido a

    minha atividade pela msica moderna, ele me acompanhou. (Koellreutter 1999.

    Entrevista concedida a Adriano, Vorobow. Folha mais)

    Tambm h relatos de seus trabalhos como flautista no Brasil. Segundo Egg

    (2005, p.63), em 1944, Koellreutter assumiu o posto de flautista substituto na

    Orquestra Sinfnica Brasileira, o que permitiu que abandonasse outras atividades

    profissionais secundrias.

    Minha pesquisa enquanto flautista, aps traar um breve panorama histrico que

    abrange a msica brasileira do sculo XX, o Grupo Msica Viva e a relao de

    Koellreutter com o compositor Cludio Santoro, se interessar a partir de ento,

    exclusivamente em uma das obras do compositor Cludio Santoro: Quatro Epigramas

    para flauta solo. Coloco como foco, o objetivo de identificar os processos de tcnica

    expandida, analisar a obra sobre um ponto de vista que colabore na interpretao e

    trabalhar a hiptese de que o compositor conseguiu, com o uso de novas tcnicas, certa

    inediticidade em relao a outras obras para flauta compostas no mesmo perodo.

    Cludio Santoro nasceu em 1919, na cidade de Manaus e j em sua adolescncia

    se mudou para o Rio de Janeiro para estudar violino. Foi no Rio que teve seu maior

  • 7

    contato com processos composicionais e tambm em 1939 seus primeiros contatos com

    Koellreutter.

    A msica de Cludio Santoro esteve presente em importantes mudanas

    estilsticas que se firmaram ao longo da histria da msica brasileira do sculo XX.

    Segundo Neves (1981, p.138) Santoro foi durante muito tempo o grande smbolo da

    nova msica brasileira, tanto como dodecafonista como no perodo nacionalista.

    Partindo da consulta de seu catlogo de obras 3, foram encontradas 15 peas escritas

    para flauta, em formaes que variam de solo, duos, trios at pequenos grupos de

    cmera. As datas de composio das obras se estendem de 1941 (fase dodecafnica) a

    1984 (fase de maturidade do compositor). Sendo Santoro, tido como um grande

    compositor brasileiro

    O crtico Eurico Nogueira Frana, contou uma vez, a histria das viagens de Copland ao Brasil: por duas vezes, e com longo intervalo de tempo ele teria perguntado qual era o

    compositor jovem mais interessante, e em ambas as vezes o nome de Santoro foi o

    primeiro citado. (Neves, 1981, p.138)

    e sendo algumas peas para flauta situadas como obras de importncia no catlogo do

    compositor4, minha investigao pretende preencher uma lacuna existente no que se

    refere materiais acadmicos e divulgao de sua msica.

    No decorrer de quase cinco dcadas, a msica de Cludio Santoro sofreu

    alteraes no processo composicional. O prprio compositor delineia suas mudanas

    atravs de suas correspondncias:

    3 Catlogo retirado do site: Acesso em

    26/04/2010.

    4 Neves (1981, p.99) situa o Quinteto de sopros, a Sonatina a 3 e a Sonata para flauta e piano como

    obras de importncia no catlogo do compositor.

  • 8

    Como deve estar informado fui dodecafonista at 1946. Com raras excees toda minha

    produo at esta data, est dentro dessa tcnica e se ligava a uma concepo esttica

    formal. Da em diante h um perodo de transio e pesquisa,at o momento em que me afirmo dentro da corrente realista da msica utilizando uma tcnica moderna, mas sem

    fugir as caractersticas rtmico-meldicas da nossa msica

    nacional.(Santoro,1956)(Correspondncia a Apleby,ACS)

    A fase dodecafnica (1939-1946) foi marcada pelo contato com o msico

    Koellreutter e o engajamento do compositor ao Grupo Msica Viva. O papel do grupo

    era bastante chamativo principalmente para os jovens compositores, como observa

    Carlos Kter (2000, p.51): Se, no entanto as sociedades existentes realavam o virtuose

    e o concerto, Msica Viva assume a diferenciada finalidade de divulgar o compositor e

    sua obra, principalmente a contempornea . Foi nesse momento que Santoro comps

    seis de suas obras para flauta, talvez pelo fato de seu professor Koellreuter ter sido

    flautista5. Entre elas esto os 4 Epigramas para flauta solo e a sonata para flauta e

    piano composta em 1941, que considerada por Neves (1981, p 99) a melhor

    realizao do compositor dentro da nova tcnica composicional.

    O perodo de transio (1946-1948) marcado pela ruptura de Santoro

    com o Grupo Msica Viva. Segundo Kter (2000, p.83) A textura turva que vai

    permeando as relaes internas do grupo produzir a partir do descompasso entre o

    engajamento de tendncia partidria liderado por Santoro e a filosofia imprimida por

    Koellreuter ao movimento -- a radicalizao de pontos de vista, esturio original do

    processo desagregador do ncleo. A participao ativa de Santoro no 2 congresso

    Internacional de Compositores e Crticos musicais em Praga, 1948, marcar

    definitivamente sua posio em favor de um nacionalismo progressista, tomando uma

    posio esttica de carter universalista. Data-se desse perodo uma nica composio

    com flauta: o trio de flauta, clarineta e fagote.

    A fase nacionalista (1949-1960) foi um momento no qual Santoro optou

    por uma simplificao da linguagem para atingir as massas. Datam-se desse perodo

    5 Neves (1981, p.105) *...+ (nota-se de passagem a enorme quantidade de obras para flauta dos

    compositores ligados ao Msica Viva, lembrando que este era o instrumento de Koellreuter *...+

  • 9

    poucas obras do compositor, sendo nenhuma delas para flauta. Nessa poca, Santoro

    voltou suas energias para a pesquisa, que segundo Vasco Mariz (1921, p.74) A

    necessidade de rever sua maneira de escrever, de estudar mais detidamente a msica

    folclrica brasileira, que nunca havia merecido grande ateno sua, reduziram a duas

    apenas as obras terminadas em 1949/50 [...].

    na sua fase de maturidade, denominada por ele mesmo de o retorno ao

    serialismo, (1960-1989) que foram compostas mais sete obras para flauta. Certo de que

    suas fases anteriores foram fundamentais e que esse desejo do novo enriqueceria

    nitidamente o desenvolvimento esttico-musical de suas obras, Santoro aventurava-se

    novamente pela busca de um novo caminho.

    Tenho escrito vrias coisas e estou mudando meu estilo.[...]Voltei um pouco ao

    serialismo,embora,sempre a minha maneira.Isto , nunca de maneira escolstica nem dogmtica.Como voc sabe nunca me prendo a dogma.[...]Creio que minha experincia

    nos ltimo anos foi muito interessante , mas esse meu esprito de sempre pesquisar,em

    busca de novos caminhos, novos materiais, fez-me esperar um pouco e refletir para esperar criar novas obras.(Santoro,1962)(correspondncia a Bruno[?], ACS)

    Concentrando-me nos Quatro Epigramas, no pretendo elaborar uma grande

    discusso respeito das fases de Santoro, Em minha pesquisa, tal diviso se dispe

    somente a expor a sua trajetria composicional. A fase dodecafnica exige maior

    ateno, por se tratar do momento em que os epigramas foram escritos e da relao

    entre o compositor e o flautista e professor Koellreutter.

    Os Quatro Epigramas foram escritos em 1942. Segundo MARIZ (1970, p.178) a

    primeira audio mundial da obra aconteceu em setembro de 1943 no Rio de Janeiro,

    sendo interpretada por Koellreutter. Fora a partir das lies com seu professor em 1941

    e dos primeiros contatos com a teoria de Schoenberg da tcnica de doze sons, que

    Santoro pode aperfeioar melhor sua linguagem enquanto compositor serialista. Sobre

    Os 4 Epigramas , Neves tece o seguinte comentrio:

    Em comum a todas as obras desta fase, o rigor lgico da construo, o cerebralismo, a

    ausncia de concesses sensibilidade primria. ( Neves,1981, p.99)

  • 10

    Koellreutter tambm comenta sobre essa fase de Santoro em seu artigo sobre a

    Msica Brasileira:

    Na obra de Santoro, a msica Brasileira entra em crise, e define a msica deste

    compositor como a arte de parte-pris, intencionalmente agressiva, constante, metlica,

    de ritmos incisivos, implacvel, fatal. E ele conclui dizendo que a msica agora no

    s para sentir, tambm para compreender. ( Koellreutter apud Neves, 1981, p.100)

    Alm desse aprimoramento do compositor com a tcnica dos doze sons, notada

    j por seus prprios contemporneos, aps mais de meio sculo de histria da msica,

    nos deparamos com outro fator que traz ainda mais inediticidade para obra em questo.

    No Epigrama IV, podemos citar processos de tcnica expandida bastante ricos e

    inusitados se levarmos em considerao o ano em que foi composto. Gestos como

    frullatos, harmnicos, trmolos alm de dois outros que, se comparado a outras obras

    para flauta solo, se apresentam como uma grande novidade. O primeiro em questo

    uma polifonia escrita para um instrumento meldico. O compositor escreve duas vozes

    para serem executadas ao mesmo tempo na flauta. Na primeira voz um trmolo contnuo

    e na segundo uma melodia descendente com acentos que interrompem o trmolo da voz

    superior. O outro gesto uma indicao de quase pizz. aliado ao sinal que indica que as

    chaves da flauta devem ser percutidas. No Epigrama II um gesto bastante caracterstico

    um glissando acrescido de acento e frullato. Nos Epigramas I e III os harmnicos,

    tcnica j utilizada em repertrios tradicionais, so decorrentes.

    Tais recursos encontrados nessa obra possibilitaram a minha pesquisa propor um

    dilogo com outras obras para flauta solo da mesma poca. Uma das obras mais

    relevantes para o repertrio de flauta solo a Density 21.5 do compositor Edgard

    Varse. Segundo Garcia6:

    6 Professor e diretor da Escola de Msica da UFMG, Maurcio Freire Garcia explorou a obra Density 21.5

    em sua tese de doutorado: Density 21.5: Beyond Pitch Organization. 2002 , New England Conservatory

    ,Boston,EUA

  • 11

    Neste trabalho Varse explorou a flauta em um caminho completamente inovador,

    lanando o instrumento a uma nova esfera de possibilidades e sonoridades. A pea

    representa um dos mais revolucionrios trabalhos na literatura da flauta no sculo XX

    entre Debussys Syrinx (1913) e Berios Sequenza I (1958). ( Garcia, 2002, p.1)7

    Podemos encontrar nessa obra o mesmo recurso de chave percutida que Santoro

    utilizou nos quatro epigramas. Tal recurso definido por Dick, que aponta Varse como

    precursor da utilizao dessa tcnica:

    Sons percussivos so produzidos pela batida de uma ou mais chaves da flauta e/ou por

    ataques percussivos de lngua, que geram ressonncias no tubo da flauta. O mais

    familiar som percussivo, Key- slaps em notas Staccato, foi introduzido na flauta por

    Varse em 1936. (DICK, 1975, p.129)

    Porm uma grande discusso a respeito dessa novidade foi gerada quando Freire,

    em sua tese de doutorado, encontrou o manuscrito original de Density 21.5 e constatou

    que:

    ... mas no compasso23 o mais inesperado fato ocorre: no h o efeito de clapping- keys!

    A pea aclamada pela introduo dessa possibilidade de novo som na flauta, mas isso

    foi claramente introduzido depois, rapidamente entre Abril e julho de 1946. ( Garcia,

    2002, p.80)

    7 Texto original em ingls: In this work Varse explored the flute in a completely innovative way,

    launching the instrument to a new sphere of possibilities and sonorities. The piece represents one of the

    great revolutionary works in the flute literature en the 20 century besides Debussys Syrinx (1913) and

    Berios Sequenza I (1958).

  • 12

    Com base nesses dados extrados da tese de doutorado de Freire pretendemos

    buscar no acervo de Santoro o manuscrito dos Quatro Epigramas, para identificar se

    havia j neste, o efeito de chaves percutidas. Caso essa hiptese seja confirmada a obra

    que, por si s, traz uma carga de inmeras inovaes para a msica brasileira, trar

    tambm uma inediticidade nos que diz respeito ao uso de tal tcnica expandida. Caso

    Santoro tenha escrito esse recurso em 1942, essa obra ficar situada anteriormente

    Density 21.5 de Varse no que tange questes de introduo do Clapping-keys.

    Paralela a toda essa discusso bibliogrfica e contextual, utilizarei como

    metodologia de anlise alguns princpios da Teoria dos conjuntos de Allen Forte8. Tal

    procedimento, j aplicado em outras obras dodecafnicas inclusive obras brasileiras,

    funcionar como um colaborador da performance da obra.

    O Primeiro captulo da pesquisa discutir questes relacionadas ao momento em

    que a obra foi escrita. Uma reviso bibliogrfica sobre o que j foi escrito sobre o

    Grupo Msica Viva atravs de autores como Carlos Kter, Jos Maria Neves, Srgio

    Nogueira Mendes, Andr Egg, Alice BelmVieira, Josye Dures,contribuir para

    compreender e discutir a forma como Santoro desenvolveu a linguagem dodecafnica e

    sua relao com o compositor e flautista Koellreutter.

    No segundo captulo o foco ser os Quatro Epigramas. Uma pequena introduo

    contendo a etimologia da palavra epigrama, uma relao com outras obras para flauta

    solo contemporneas aos epigramas e o resultado da investigao do manuscrito da

    obra. Com esse resultado, ser traado um dilogo com a obra Density 21.5 de Edgar

    Varse.

    No terceiro captulo atravs de uma anlise das sries utilizando a teoria dos

    conjuntos de Allen Forte e da anlise das tcnicas expandidas utilizando Robert Dick,

    Pierre Yves Artaud9 e Carin Levine

    10, a pesquisa se interessar em oferecer uma

    contribuio para execuo da obra.

    8 Allen Forte professor emrito de teoria da msica no departamento de msica da Universidade de

    Yales e tem 12 livros e 80 artigos publicados que tratam de Teoria da msica e anlise musical.

    9 Premiado com o Primeiro Lugar em flauta e msica de cmera no prmio de Paris, Pierre Yves Artaud

    professor do Conservatrio Nacional superior de Paris e Escola de Msica de Paris. Desenvolveu

  • 13

    2. A msica brasileira no incio do sculo XX e o

    surgimento do Grupo Msica Viva

    Em um contexto de preservao das tcnicas composicionais herdadas na

    Europa do sculo XIX, que podemos situar a msica brasileira no incio do sculo

    XX. De acordo com Neves, sob a orientao direta de Mrio de Andrade e com

    representao mxima na figura de Villa Lobos, uma escola nacional foi fundamentada

    em cima dos seguintes padres:

    As normas do tonalismo e as estruturas formais tradio clssico-romntica eram aceitas

    sem discusso e usada de modos direto nas composies, obrigando a freqentes

    deformaes do material folclrico original que, ele nem sempre prestava-se a

    manipulaes exigidas por tais princpios tcnicos. ( Neves, 1981, p.77 )

    Neste momento a msica brasileira se disps a uma popularizao da linguagem.

    Com o intuito de uma msica facilmente compreendida pelo povo, compositores

    mantiveram estruturas formais usadas no romantismo, assim como preservaram a idia

    de tonalidade. Os temas folclricos e populares brasileiros eram introduzidos nas

    estruturas romnticas sob a tica dos nacionalistas da poca, como uma forma de

    enraizar a cultura nacionalista.

    Apesar de grandes compositores, incluindo Villa-lobos, terem se destacado nesse

    momento por suas composies, a msica brasileira de at ento, no se arriscava em

    criar uma nova linguagem musical:

    Falta msica brasileira deste perodo uma atitude de maior desconformidade com a

    tradio, com os riscos e as descobertas que tal postura pode acarretar, o que poderia ser

    definido, em outras palavras, como o abandono corajoso das tcnicas acadmicas e a

    busca de novas proposies estticas e de novas solues tcnicas que levam a criao

    de uma nova linguagem musical. (Neves, 1981, p. 77)

    pesquisa em tcnicas de flauta tradicional e tcnicas expandidas. (site pessoal do flautista

    acesso em 14-12-12)

    10 Carin Levine flautista e estudou com Aurle NIcolet e Jack Wellbaum. Sua intensa atividade com

    msica contempornea rendeu um livro sobre tcnicas estendidas intitulado The techniques off lute

    Plaing.

  • 14

    nesse contexto, que surge no Brasil a figura de um importante grupo que se

    prope a uma inovao na msica que havia sendo produzida at ento. Pode-se se

    dizer, segundo bibliografias consultadas, que a ideia do Grupo Msica Viva brotou do

    contato de Koellreutter com seu professor Sherchen.

    Atravs de Kter temos a seguinte colocao:

    Como se sabe, os esforos de Scherchen foram desde cedo consagrados divulgao e

    melhor compreenso da msica nova de todas as pocas -, cabendo a ele as primeiras

    audies de obras fundamentais hoje totalmente incorporadas literatura

    contempornea [...](Kter, 2000,p.45 )

    Tambm ao falar sobre Koellreutter, Neves coloca a importncia desse contato

    que esse teve com Scherchen:

    Chegando ao Brasil, Koellreutter trazia uma slida bagagem musical recebida

    especialmente de Kurt Thomas e de Hermann Scherchen, de quem foi discpulo dileto e

    assistente. ( Neves, 1981, p. 84)

    Foi de Scherchen a idia de um movimento criado na Europa em 1933 com o

    nome de Musica Viva e que resultou tambm em um peridico musical que editou em

    Bruxelas de 1933 a 193611

    . Ao desembarcar no Brasil em 1937, o flautista e regente

    Koellreutter, aps uma tourne artstica pela Amrica do sul12

    , trazia consigo no s

    toda a bagagem musical e cultural apreendida na Europa, mas tambm um desejo de

    radicar no Brasil a nova linguagem composicional que at ento no havia sido

    explorada sistematicamente no pas.

    Para uma melhor compreenso dos processos composicionais de Cludio

    Santoro ser traado um pequeno roteiro das fazes do Grupo Msica Viva, j que no

    incio da carreira, este foi o grupo em que o compositor esteve inserido ativamente

    contribuindo com suas obras e almejando a divulgao de uma nova linguagem musical.

    11 Kter (2002, p.45)

    12Neves (1981, p.84)

  • 15

    2.1 As fases do Grupo Msica Viva

    Podemos identificar nas bibliografias revisadas a respeito do grupo Msica Viva,

    certa coincidncia nos limites temporais e estticos que delineiam as rupturas e

    abrangncias no decorrer dos anos de existncia do grupo. Para uma melhor

    organizao do texto utilizarei a proposta de Kter que divide o histrico do grupo em

    trs momentos.

    O primeiro momento marcado pelos contatos iniciais de Koellreutter com o

    meio musical brasileiro. Atravs de Luiz Heitor Corra de Azevedo13

    , o professor e

    flautista que havia acabado de chegar ao Brasil, foi apresentado aos artistas

    freqentadores da Pinguim14

    .

    Ali assiduamente se encontravam Braslio Itiber ( jovem compositor e professor do

    conservatrio), Octvio Bevilcqua ( crtico musical de O Globo), Andrade Muricy (

    escritor e crtico musical do Jornal Comrcio), Alfredo Lage ( membro da alta

    sociedade e primeiro aluno de Koellreutter no Brasil), Werner Singer (maestro alemo,

    refugiado no pas). Egydio (tambm compositor) e o prrpio Luiz Heitor, entre outros.(

    Kater, 2000, p.49)

    Nessa fase integradora, Koellreutter buscou se apoiar em artistas que

    tradicionalmente, j estavam engajados com o meio musical brasileiro, apesar da

    discrepncia de idias a respeito do nacionalismo e das tcnicas de composio:

    Para ns que conhecemos os desdobramentos musicais do pas na dcada de 1940,

    parece muito estranho um grupo liderado por Koellreutter ser formado pela nata do

    nacionalismo musical crticos, musiclogos e professores do Instituto Nacional de

    msica. No perodo, essa associao era mais que natural. Koellreutter chegou ao Brasil

    ainda muito jovem (22 anos), mas j com uma formao humanstica e musical que

    certamente o distinguia, com experincia de atuao num meio cultural muito mais

    agitado que o brasileiro. J participava, na Europa, de atividades em favor da msica

    contempornea e pretendia continu-las no Brasil. Ao chegar, trazia uma boa

    experincia como instrumentista e contatos mais prximos com a msica recentemente

    13 Luiz Heitor Crrea era chefe da seo de Msica da Biblioteca Nacional ( Kter, 2002, p.48)

    14 Loja de msica localizada na Rua do Ouvidor freqentada por msicos e intelectuais da poca. (Kter,

    2002, p.49)

  • 16

    produzida na Europa. O nico grupo no qual poderia encontrar apoio ou ressonncia

    para idias de renovao era dos prprios nacionalistas que representavam ento, o

    modernismo brasileiro. ( Egg, 2005, p.61)

    Nas primeiras publicaes da revista Msica Viva no era mencionado nada

    sobre nacionalismo brasileiro. Certamente Koellreutter no queria tocar nesse ponto

    delicado que comprometeria a opinio de muitos integrantes do grupo. Segundo Neves

    (1981, p.90) Em comum, todos eles tinham apenas o desejo de prosseguir estudos e

    discusses sobre os problemas da esttica e da evoluo da linguagem musical. O

    mesmo observa Kter (2000, p.50) ao dizer que nessa primeira etapa, integradora por

    excelncia, marcada pela coexistncia interna de tendncias estticas e ideolgicas

    bastante dessemelhantes, tal como se manifestam na constituio original do grupo.

    Atravs disso, notamos que esse primeiro momento se tratou muito mais de uma

    disseminao das idias de Koellreutter no meio musical brasileiro, que at ento, era

    composto por compositores nacionalistas que se utilizavam das tcnicas composicionais

    advindas da tonalidade e estruturas formais europias do sculo XX. Essas idias se

    resumiam em trs frentes de ao: formao, criao e divulgao da msica brasileira

    em especial a msica contempornea.

    Koellreuter, alm de flautista, dedicava sua vida ao estudo de composio e ao

    chegar ao Brasil teve como primeiro aluno, o jovem compositor Cludio Santoro.

    Posteriormente, Guerra-Peixe, Geni Marcondes, Eunice Katunda, Esther Scliar, Edino

    Krieger entre outros jovens compositores15

    . Koellreutter trazia consigo uma grande

    bagagem europia que ainda no havia sido difundida no Brasil e que atraa tais

    compositores. A tcnica dos dozes sons foi um marco para os novos compositores

    atuantes no Msica Viva pois entrava em conflito com a linguagem tonal utilizada pelos

    nacionalistas brasileiros da poca.

    Ao criar esse interesse em introduzir na msica brasileira uma nova linguagem

    musical, que colocava em cheque a tonalidade e estruturas formais at ento

    estigmatizadas pelos compositores nacionalistas, o grupo Msica Viva, atravs do

    Manifesto de 1944, esclarece e pontua sua definitiva ruptura com os nacionalistas:

    Manifesto

    O Grupo Musica Viva surge como uma porta que se abre produo musical

    contempornea, participando ativamente da evoluo do esprito.

    15 Neves (1981, p.90)

  • 17

    A obra musical, como a mais elevada organizao do pensamento e sentimentos

    humanos, como a mais grandiosa encarnao da vida, est em primeiro plano no

    trabalho artstico do Grupo Msica Viva.

    Msica Viva, divulgando, por meio de concertos, irradiaes, conferncias e edies a

    criao musical hodierna de todas as tendncias, em especial do continente americano,

    pretende mostrar que em nossa poca tambm existe msica como expresso do tmepo,

    de um novo estado de inteligncia.

    A revoluo espiritual, que o mundo atualmente atravessa, no deixar de influenciar a

    produo contempornea. Essa transformao radical que se fez notar tambm nos

    meios sonoros, a causa da incomprenso momentnea frente a msica nova.

    Idias, porm, so mais fortes do que preconceitos!

    Assim o Grupo Msica Viva lutar pelas idias de um mundo novo, crendo na fora

    criadora do esprito humano e na arte do futuro.16

    Com o compromisso claro de apoiar a criao musical contempornea e a

    afirmao de que a nova msica o reflexo e o retrato de um mundo novo que se cria

    (Neves, 1981, p.94). Esse segundo momento interessa-se ento em divulgar as obras dos

    jovens compositores que atravs de uma produo experimental e renovadora, j no

    usavam mais a tonalidade como apoio composicional. Essa atitude,colocava a nova

    msica como um reflexo de uma sociedade que j no se enquadrava mais nos padres

    do sculo XIX.

    O Terceiro momento, em 1946, marcado pela publicao do Manifesto de

    1946 com o ttulo de Declarao de Princpios. Esse manifesto, aps dois anos, define

    no somente a postura esttica do grupo como tambm envolve a discusso de

    problemas sociais e econmicos relacionados arte.

    Neves aponta os cinco pontos bsicos desse manifesto:

    A msica como produto da vida social; a msica como exemplo de uma cultura e de

    uma poca; a necessidade de se educar para nova msica; a concepo utilitria da arte;

    a postura revolucionria essencial. (Neves, 1988, p.94)

    a partir desse manifesto, este grande painel de idias, verdadeiro mural de

    intenes da modernidade musical brasileira, que retrata com perfeio os engajamentos

    assumidos, que ocorrero no grupo abalos consecutivo at a ruptura final.

    16

    Este manifesto est transcrito na ntegra em Kter (2000, p.54)

  • 18

    2.2 Cludio Santoro: relaes do compositor com o Msica Viva

    Existe um ponto de interseco entre as fases do Grupo Msica Viva e as fases

    composicionais de Cludio Santoro. Certamente podemos nomear esse ponto de

    Koellreutter, que foi um professor de composio influente nas obras de Santoro e que

    contribuiu efetivamente nas escolhas estticas do compositor.

    O encontro de Santoro e Koellreutter se deu por volta de 1940. O jovem

    compositor encontrou uma forma melhor de compreender e aplicar a linguagem que j

    havia usando antes mesmo de conhecer a tcnica dos doze sons, atravs de seu

    professor. Koellreutter. Este, ainda no utilizava a tcnica dodecafnica em suas obras,

    ele se expressava de maneira muito mais direta via esttica adotada por um

    Hindemith do que aquela principiada por um Schoenberg ( Kter, 2001, p.107) :

    Durante um pouco mais de um ano ele receber aulas dirias

    de Koellreutter, adquirindo notvel tcnica de escrita e abertura

    esttica que faro dele o primeiro compositor brasileiro a empregar

    corretamente a tcnica dodecafnica. ( Neves, 1988, p.99)

    Sobre o dodecafonismo no Brasil, podemos dizer com certa preciso que

    Koellreutter no introduziu tal tcnica na msica brasileira. Atravs do interesse de

    Cludio Santoro, que j se utilizava desse procedimento, o professor apenas contribuiu

    com a divulgao e o aperfeioamento da utilizao dos dozes sons, j que havia

    chegado com materiais e a experincia da msica dodecafnica europia.

    A adoo da tcnica dodecafnica pelos integrantes do Msica Viva,

    uma das aes que distinguiram e caracterizaram o grupo, no ocorreu por uma

    convico esttica de seu mentor mas est diretamente ligada ao interesse

    pessoal de Santoro pelo assunto. (Mendes, 2009, p.23)

    2.3 As fases estilsticas de Cludio Santoro

    O Msica Viva esteve presente nas duas primeiras fases composicionais de

    Santoro e certamente, a ruptura com o grupo, contribuiu para as mudanas de estilo que

    se acarretaram nas prximas fases estilsticas do compositor.

  • 19

    Na abordagem das fases encontramos, em linhas gerais, as obras de Santoro

    divididas em quatro fases: Serialismo dodecafnico (1939-1946), Transio (1946-

    1948), Nacionalismo (1949-1960) e retorno ao serialismo (1961-1989). Mesmo que a

    pesquisa no se interesse em discutir profundamente essa diviso e se limite apenas a

    uma exposio das fases, usarei como fonte bibliogrfica a pesquisa de Mendes17

    . Sua

    pesquisa prope a diviso da ltima fase retorno ao serialismo- em mais duas fases:

    Avant gard (1966-1977) e maturidade (1978-1989). Apesar de dividir em pequenas

    fases individuais Mendes tambm prope uma percepo macroscpica da obra que

    delineia o dodecafonismo, a transio e o Nacionalismo como uma primeira etapa; o

    Retorno ao serialismo e a avant gard como uma segunda etapa; e a fase de maturidade

    como o momento em que o compositor Cludio Santoro utilizou todos os materiais e

    idias j trabalhados em outras fases.

    Para concluir esse captulo farei reviso bibliogrfica da tese de doutorado de

    Mendes e aps isso realizarei uma exposio das fases dando maior enfoque para a fase

    dodecafnica que onde os Quatro Epigramas esto situados.

    17 Tese de doutorado: O Percurso estilstico de Cludio Santoro: Roteiros divergentes e conjuno final.

    Defendida por Srgio Mendes Nogueira em 2009 pela UNICAMP.

  • 20

    3. A propsito dos Epigramas

    Os Quatro Epigramas para flauta solo foram compostos em 1942 por Cludio

    Santoro. Nesse momento, o compositor acabara de entrar para o Grupo Msica Viva,

    logo aps tomar suas primeiras aulas de composio com Koellreutter.

    Encontramos referncias respeito dos epigramas em diversos autores. Alguns

    confirmam a data e outros pe em cheque a data de composio:

    Neves situa a obra no perodo de 1942. Podemos confirmar isso ao ler o seguinte

    trecho: A produo de Santoro neste perodo18 especialmente grande, mostrando

    grande verdade de solues aos problemas composicionais. ( Neves 1980, p.99)

    O mesmo ocorre com Mariz, que cita no prprio texto a data de composio: De

    1942 salientamos ainda a Sonatina a trs, noviclssica, os Quatro Epigramas para flauta solo, e

    a Toccata, para piano solo. (Mariz 1970, p.70)

    Em um de seus artigos, ao analisar os Quatro Epigramas, Mendes observa que:

    Ocupando-se de apenas trs transposies da srie, o compositor prefirir no incluir

    nos 4 Epigramas p/ flauta em Sol, pea de 1942, passagens livremente concebidas e

    independentes da ordenao original, mas se restringir a imprimir transformaes, mais

    amenas ou mais severas, a cada um dos oito segmentos dispostos no primeiro

    movimento. (Mendes, ? )

    O que coloca em dvida tal data uma entrevista que Santoro concedeu e que se

    encontra no Acervo Cludio Santoro:

    A primeira obra escrita nesta tcnica ( minha maneira) foi a ento publicada Sonata p/ Violino Solo. Obra em que procurei com a dodecafonia dar ao violino as mesmas

    possibilidades de uma oculta polifonia das Partitas e Sonatas de Bach. As obras mais

    importantes da poca so a M sica 194 3 p/Piano e Orquestra,o 1o.Quarteto 1941,a 2a. Sinfonia 1945. A 1a. Sinfonia p/ 2 orq. de Cordas obra de estudante e

    precisaria rev-la. [O grifo nosso] Outras obras menores mas que marcam uma poca

    so 4 Epigramas p/Fl. solo 1941, 3 Stcke para Clarinete solo 1942, a Sonatina para

    18

    Esse perodo aqui se refere as obras do ano de 1942 citada no pargrafo anterior.

  • 21

    obo e piano 1941, as 4 Peas p/ piano 1942 e as 6 peas 1946, o trio p/ Trp. Cl. e Cello

    dedicada J.C. Paz, em 1946, Msica de Cmara 1946 publicada no Boletim Latino

    Americano publicado por C. Lange. Outras obras de Cmara foram escritas mas no resistem a minha crtica como o Quinteto de Sopros, a Sonata p/ Cello, Violino e Piano,

    Flauta e Piano etc. (Santoro, [194?]) (Entrevista concedida a Srgio [?], ACS)

    Outra fonte importante que encontramos so citaes do prprio Santoro em

    relao ao processo de composio dos Epigramas. Essas consideraes foram feitas em

    cartas trocadas com Curt Lange19

    . Em sete de Julho de 1942, Santoro escreve:

    A ltima cousa que fiz foi um Epigrama para flauta solo que Koellreutter executar pela

    segunda vez em S. Paulo por estes dias. Compuz um segundo Epigrama com a mesma

    srie da primeira e enviarei a Kollreuter Talvez ainda amanh. (Apud: Vieira 2006,

    p.20)

    Ao que parece, Santoro escreveu separadamente cada Epigrama e mesmo suas

    estrias aconteciam de acordo com o trmino de cada um deles. Em cinco de fevereiro

    de 1943 temos o seguinte trecho:

    Quanto a minha futura participao estou indeciso para escolher o que deveria editar.

    Desejava uma sugesto de vossa parte. O que me sugere? Conhece minhas ltimas

    composies excluindo o Quinteto de sopros, a Tocata para piano solo, as

    Invenes a 2 vozes para piano slo, o Concerto para violino e orquestra de cmera

    ainda no terminado e o Trio para cordas que vio s parte quando esteve aqui, mas

    que j est terminado, esperando apenas tempo para copi-lo e enviar-lhe para ter sua

    opinio, assim como estas outras cousas novas. Tenho tambm um Divertimento para

    Flauta, Viola e Cello assim como 3 epigramas ara flauta solo que enviei ao Carlos Paz.

    ( Apud: Vieira 2006, p.22)

    Santoro fala nessa carta sobre trs epigramas. At o dado momento no foi

    encontrado nenhum registro sobre o quarto epigrama vindo das prprias palavras de

    Santoro. A pesquisa ento se prope a uma visita ao acervo Curt Lange, localizado na

    biblioteca Central da UFMG, para uma busca em cartas e notas de programa a respeito

    da composio do ltimo epigrama.

    19 Atravs de dados de Moya (2011, p.1), Franciso Curte Lange nasceu na Alemanha em 19O3

    mudandose para a Amrica Latina em 1923. Formou-se em Arquitetura pela universidade de Munique.

    Foi pesquisador da msica Latino America e em especial da msica Brasileira. Foi incentivador e mentor

    de vrios compositores do grupo Msica Viva.

  • 22

    3.1 Os epgrafos e a poesia na obra de Santoro

    A palavra epigrama teve origem na Grcia. Segundo uma consulta no artigo de

    Alexandre Agnolon o termo formado a partir da preposio grega epi, sobre, e gra/mma, marca grfica, coisa escrita, epigrama, portanto, substantivo neutro derivado de epgrafo, escrever sobre, inscrever. Seu antigo significado se resume a breves inscries feitas em tmulos:

    A palavra, originariamente em grego, nomeia ento inscries especialmente tumulares, a indicar a identidade de quem est ali sepultado (por natural engenho de seus primeiros

    autores, a fala narrativa do texto freqentemente a prpria lpide); e votivas, a apontar

    o Deus para o qual se destina certo objeto, a identidade de quem faz o voto e para que o

    faz. E a j referida brevidade advm, evidentemente, da necessidade de o discurso adequar-se s exguas dimenses de seu suporte material. (Agnolon, ?, p.2)

    Leite (2008, p.48) fala que a prpria etimologia da palavra epigrama deixa clara

    a sua origem: a inscrio em pedra. Segundo a autora, os epigramas gregos mais antigos

    que chegaram at ns so inscries em potes um em uma jarra e outro em uma cuia. De um carter estritamente pragmtico, cujo uso restrito a circunstncias

    especialmente fnebres e votivas, os epigramas passaram rapidamente a uma funo

    literria. A esta funo literria que atribumos o fato do epigrama deixar de ser

    grafado somente em tmulos ou objetos votados a um Deus e a partir da, ser grafado

    em papel:

    Para que o epigrama se convertesse em gnero potico era necessrio que o seu suporte

    material deixasse de ser a pedra tumular ou o objeto votado a um Deus; e sua fruio, por seu turno, no fosse mais determinada pela realidade da morte ou das prticas

    rituais, mas, agora na qualidade de poesia, se subordinasse mmesis. Embora seja

    muito difcil determinar com preciso o momento exato deste desenvolvimento, ou mesmo quem teria sido o primeiro a faz-lo, certo, todavia, que os poetas gregos do

    sculo IV a.C. e os helensticos do seguinte foram os responsveis por desprender o

    epigrama de sua condio de inscrio e, enfim, convert-lo em gnero de poesia. ( Agnolon, ?, p.13)

    Com tal evoluo, essa converso ao gnero potico passou a imprimir algumas

    caractersticas peculiares aos epigramas. Leite (p.49) descreve esse gnero como leve, de ocasio, j que transferidos das pedras tumulares para os papis, os temas tratados agora, eram temas cotidianos:

  • 23

    No epigrama literrio, portanto, a circunstancialidade da inscrio derivou em

    preferncia por temas cotidianos um convite para jantar, um bilhete para um amigo, um agradecimento por um presente recebido, felicitaes pelo aniversrio de algum, uma breve mensagem por qualquer razo, uma piada suscitada por um assunto do

    momento; todos estes so temas possveis para um epigrama, que torna-se assim um

    gnero leve, de ocasio. ( Leite, 2008, p.49)

    Vale salientar tambm outras caractersticas importantes relacionados ao humor

    dos epigramas:

    As caractersticas mais importantes que determinaro de vez a apreenso do gnero

    epigramtico para a tradio posterior, como a agudeza e seu carter picante, jocoso e

    amide acerbo, ingredientes que dependeriam tambm, segundo diversos autores, de sua unidade bsica (Cf. SULLIVAN, J. P., 1999, p. 79), consolidar-se-o no perodo

    helenstico. (Agnolon, ?, p.4)

    O dicionrio Aurlio da lngua portuguesa tambm nos d como definio: 1-

    Poesia breve, satrica, stira. 2- Dito mordaz e picante. Notamos que tais definies

    especificam os dois momentos discutidos pelos autores acima, onde o breve se relaciona

    com o momento em que os epigramas tinham funo de comentrios em tmulos ou

    todos aos deuses e j a stira, o picante, se identifica com as caractersticas dos

    epigramas quando este, passou a ter uma funo potica.

    Tais definies certamente podem ser relacionadas com os Quatro Epigramas de

    Cludio Santoro. A questo do breve bastante explcita se olharmos pelo ponto de

    vista da extenso da pea, tanto a escrita como a execuo. O Epigrama I possui apenas

    quatro sistemas escritos e apesar de o andamento ser Semnima = 50 seu tempo no

    ultrapassa a 140. O mesmo ocorre com o Epigrama III. Sete sistemas que duram aproximadamente 2. Os movimentos rpidos, II e IV Epigramas, tambm so um tanto quanto breves em sua execuo.

    Sobre o satrico e picante, podemos voltar nossos olhares para os gestos musicais

    e enxergar neles o humor dos epigramas poticos. Em todos os epigramas encontramos

    dois gestos contrastantes que se dialogam:

    FIGURA 1: Santoro, Epigrama I

  • 24

    FIGURA 2 : Santoro, Epigrama I

    Podemos perceber claramente certo humor ao ver dois gestos to contrastantes

    no Epigrama I. O que Aurlio diz picante pode ser compreendido na partitura, quando Santoro insere em meio a notas de longa durao, uma agitao composta de quilteras

    de semicolcheia.

    FIGURA 3: Santoro, Epigrama II

    FIGURA 4: Santoro, Epigrama II

    FIGURA 5: Santoro, Epigrama II

    FIGURA 6: Santoro, Epigrama II

    No Epigrama II percebemos claramente o contraste entre esses dois motivos

    estruturais. Podemos novamente relacionar esses motivos to curtos brevidade dos

    epigramas, quando esses ainda tinham funes de inscrio em pedras. Alm disso, o

    humor que o motivo a e c contm atravs das notas em pianssimo stacatto entre pausas

    de colcheias podem se remeter ao que Leite (p.49) caracteriza como leve, de ocasio.

    3.2 A relao entre os epigramas e outras obras para flauta solo

  • 25

    O histrico das importantes obras para flauta solo pode ser encontrado nas

    bibliografias de Cassia Carrascoza Bomfim20

    e Julia Larson21

    . O pedido da tese de

    Larson encontra-se em andamento pelo COMUT da biblioteca da escola de Msica da

    UFMG, motivo pelo qual ainda no elaborarei um dilogo nesse tpico. Segue ento

    uma pequena exposio do que foi encontrado na dissertao de Bomfim a respeito

    desse assunto.

    Ao falar sobre o repertrio de flauta solo, Bomfim traa uma linha entre as obras

    que considera de maior relevncia para o assunto. A respeito das obras compostas do

    sculo XVII ao XIX , a autora faz a seguinte observao:

    As primeiras obras especificamentes escritas para flauta transversal datam do final do

    sculo XVII a partir dos surgimentos dos primeiros grandes virtuosos como Joaquim J.

    Quantz (1697-1773), Jacques Hottererre (c. 1640/1650-c. 1772), Michel de La Barre

    (1675-1745), Michel Blavet (1700-1768), entre outros. Num longo trajeto, compositores

    e solistas desenharam a histria do repertrio para flauta, e grandes contribuies foram

    feitas por indivduos que tomaram para si essas duas funes: compositor e intrprete,

    como Guilio Briccialdi (1818-1881), Anton Doppler (1821-1883) e Jules-Auguste

    Demerssman (1833-1866). (Bomfim, 2009, p. 17)

    Em seguida, a autora expe uma evoluo do repertrio e da notao de obras

    para flauta do sculo XX:

    Syrinx escrita em 1913 por Debussy introduz materiais na linha meldicos

    escalas de tons inteiros, escalas modais, trechos atonais e tambm a questo

    cnica, j que foi composta para ser executada nos bastidores de um pea cnica

    de Gabriel Mourey.

    Em 1936, Bomfim (p.18) considera como um ano que transforma o curso dos

    acontecimentos para flauta transversal e acrescenta tambm o fato de haver

    um repertrio abundante e de qualidades sem precedentes. As obras Density

    21.5 de Edgar Varse e Cinc Incantation de Andr Jolivet foram compostas

    nesse ano. As contribuies mpares de Varse so descritos pela autora:

    Varse, foi sem dvida, o primeiro compositor a utilizar a flauta nos limites de sua

    tessitura. Em sua obra Density 21.5, explora ritmos, cores e modos de articulao inditos,

    20

    Defendeu seu Mestrado na USP em 2009 com a dissertao: A flauta solista na msica contempornea

    brasileira: trs propostas de anlise tcnico-interpretativas

    21 Dissertao defendida em 1990 pela Universidade de Maryland com o ttulo: Flute without

    accompaniment: Works from Debussy: Syrinx (1913) to Varse Density 21.5 (1936).

  • 26

    introduzindo na literatura pela primeira vez o uso do efeito de chaves percutidas. (Bomfim,

    2009, p.19)

    Jolivet acrescenta nas Cinc Incatations, o uso de rudos e sonoridades no

    convencionais para poca.

    Luciano Brios comps em 1958 as Sequenzas. A Sequenza I para flauta solo

    uma das primeiras tentativas de sistematizar graficamente possibilidades sonoras

    diferentes das tradicionais para os instrumentos do naipe de madeira.

    Em 1974, Istvn Matuz comps Studium 1/974 trazendo como novidade o uso da

    respirao contnua na flauta.

    cerca das obras brasileiras, a autora mostra as seguintes obras:

    Assobio a Jato (1950) de Villa-lobos

    Epigramas (1942) de Cludio Santor

    Flautatualf (1972) de Jorge Antunes

    Retreto II de Gilberto Mendes

    Redundantiae II de Jorge Antunes

    Estudo op. 51 de Lindemberg Cardoso

    Mitos de Ricardo Tacuchian

    3.3 Relao dos Quatro Epigramas de Santoro e a Density 21.5 de

    Varse: o fator inediticidade

    A partir da leitura de livros que tratam das obras para flauta solo, das

    bibliografias a respeito das tcnicas expandidas e da tese de doutorado de Maurcio

    Freire Garcia que analisa a obra Density 21.5 de Varse, nos deparamos em meio a

    pesquisa, com um dado intrigante no que diz respeito as datas de composio de

    Density 21.5 e Quatro Epigramas. Ambas se dialogam pela proximidade na data que

    foram compostas e por possurem em comum um efeito denominado por Dick como

    Keys Clapping, traduzido para o portugus por Chaves Percutidas.

  • 27

    FIGURA 7: Varse, Density 21.5

    FIGURA 8: Santoro, Epigrama IV

    Nas bibliografias consultadas encontramos um dado comum a todas elas: Varse

    colocado como precursor do efeito de chaves percurtidas.

    No Livro de Robert Dick sobre tcnica expandida para flauta temos o seguinte

    dado:

    Sons percussivos so produzidos pela batida de uma ou mais chaves

    da flauta e/ou por ataques percussivos de lngua, que geram ressonncias no

    tubo da flauta. O mais familiar som percussivo, Key- slaps em notas Staccato,

    foi introduzido na flauta por Varse em 1936. (DICK, 1975, p.129)

    Na dissertao de mestrado de Cssia Carrascoza Bomfim, a autora cita:

    Varse, foi sem dvida, o primeiro compositor a utilizar a

    flauta nos limites de sua tessitura. Em sua obra Density 21.5, explora

    ritmos, cores e modos de articulao inditos, introduzindo na

    literatura pela primeira vez o uso do efeito de chaves percutidas.

    (Bomfim, 2009, p.19)

    Composta em 1936, a obra de Edgard Varse, como foi apontado anteriormente,

    considerada um marco na histria da flauta, por tratar de maneira inovadora a

  • 28

    linguagem do instrumento. O uso do timbre como recurso estruturador da pea, a

    abordagem rtmica e o uso da flauta em toda sua tessitura podem ser consideradas um

    arqutipo para as peas que se desencadearam aps a composio de Density 21.5.

    Porm de acordo com Garcia (2002, p.80) o efeito de chaves percutidas, que coloca

    Varse como o primeiro compositor a utilizar tal recurso, foi acrescentado somente em

    sua reviso em 1946.

    FIGURA 9: Cpia do manuscrito original de Density 21.5

    FIGURA 10 : Reviso de Density 21.5 (1946)

    Analisando as figuras 9 e 10 conclumos que a partir de tal descoberta na

    pesquisa de Freire, a questo inediticidade no uso do recurso de chaves percutidas passa

    a ser questionada. Cludio Santoro comps os Epigramas e utilizou a mesma tcnica em

    1942, quatro anos antes da obra de Varse ser revisada. H relatos no livro de Mariz

    (1970, p.178) que a obra foi estreada por Koellreutter em 1943 no Rio de Janeiro. Para

    dar prosseguimento a essa investigao os passos que tero incio em janeiro de 2012

    sero:

    Uma busca do manuscrito dos Quatro Epigramas na casa da viva de Santoro,

    Sr Gisele Santoro. Atravs de contatos com os familiares do compositor e com

    associao Cultural Cludio Santoro, descobrimos que todo o acervo de

    manuscritos encontra-se alojado no apartamento da senhora Santoro.

    Uma visita ao acervo Curt Lange. Atravs dos mesmos meios citados acima e de

    pesquisadores do Grupo Msica Viva, tivemos notcias de que nesse acervo

    encontram-se cartas que Cludio Santoro trocava com o editor de suas partituras.

    H tambm exemplares da Revista Msica Viva programas de concertos e

    materiais que ajudem a chegar nos manuscritos da obra em questo.

    Concludo tais passos poderemos chegar a respostas mais precisas que

    esclarecero a hiptese que confirmaria certa inediticidade no uso da tcnica de

    chaves percutidas nos Quatro Epigramas.

  • 29

    4. Contribuies na interpretao dos Quatro

    Epigramas

    Paralela a toda essa pesquisa histrica e musicolgica, um objetivo maior se traava

    em relao execuo dos Quatro Epigramas. Todas as escolhas demonstradas logo

    abaixo, so reflexas de voltas e voltas ao redor do meu objeto, que certamente

    mostraram algumas possibilidades de como fazer e o que fazer com o material

    apresentado na partitura.

    A partir daqui apresento em uma tabela, os momentos que o compositor optou pelo

    uso da tcnica expandida nessa obras e possibilidades de execuo segundo os livros de

    Robert Dick, Pierres Yves Artaud, Carin Levine e Jorge Antunes:

    NOME DA TCNICA EXPANDIDA FORMA DE EXECUO

    Harmnicos: Um efeito mais usual, os harmnicos na flauta so executados atravs da variao

    da velocidade e da direo da coluna de ar.

    Em Artaud encontra-se uma lista com

    todos os harmnicos e suas posies.

    Segundo Levine (2005,p.18) A cada

    dedilhao corresponde diversas notas da

    srie harmnica, que se pode fazer soar

    com um sopro bem dirigido e uma maior

    ou menos intensidade de apoio.

    FIGURA 11

    Neste caso, Santoro quer que soe a nota r

    com a posio na nota sol. Nota-se que o

    compositor preferiu modificar o timbre da

    nota r, j que o trecho est escrito em

    dinmica decrescendo.

  • 30

    22

    Levine (2005, p.16)

    FIGURA 12

    Neste trecho h duas possibilidades de

    execuo: 1- Posio em d (primeira

    oitava) e r ( primeira oitava) para que se

    soe duas oitavas acima as notas d e r. 2-

    posio em f e sol para que soe as quintas

    d e r. Pela facilidade no dedilhado e pelo

    efeito que o compositor almeja estar

    tambm relacionado a dinmica, sugiro a

    segundo opo.

    FIGURA 13

    A nica opo aqui, que se faa a posio

    de r (primeira oitava) para soar o

    harmnico r (segunda oitava). Nota se

    nesse trecho que a dinmica colocada de

    um crescendo, diferentemente dos dois

    trechos acima. Os harmnicos na primeira

    oitavam deixam a nota mais preenchida e

    brilhante.

    FIGURA14

    Duas possibilidades: 1- posio de mi

    (primeira oitava) para soar o harmnico mi

    ( terceira oitava) 2- posio de l para soar

    sua quinta uma oitava acima. Pelo ponto de

    vista do dedilhado a primeira opo

    melhor.

    Frullato uma das tcnicas expandidas mais difundidas na nova msica e a mais

    utilizada.22 Tanto Levine quanto Artaud

    concordam nas duas possibilidades de

    execuo: atravs da lngua ou da

    garganta. Percebendo a discrepncia do

    que cada um dos autores fala a respeito do

    que melhor usar, chegamos a concluso

    que isso depende muito mais do formato

    de lngua e garganta de cada um e do

    estudo realizado com os dois tipos. No

    entanto no privilegiaremos nenhum

    modo.

    FIGURA 15

    Nesse elemento, encontramos aliado ao

    frullato, um glissando e um acento. Tal

    gesto bastante incomum nas obras solos

    pesquisadas. Nesse caso a lngua

    contribuir na execuo do acento de

    forma mas eficaz que a garganta. Nota-se

    que o frullato permanece na glissando e

    somente no si ele deve parar.

  • 31

    FIGURA16

    Um frullato na regio aguda em dinmica f

    seguindo na seqncia de semicolcheias.

    Nota-se um certo cuidado na articulo do

    d (terceira semicolcheia).

    FIGURA 17

    Nessas duas figuras 17 e 18 o compositor

    nos deixa em dvida pela mudana de

    padres na escrita. Nas anteriores, Santoro

    escreve abaixo das notas Flatterz.

    Indicando que se deve fazer o frullato. Mas

    nas figuras 17 e 18 ele coloca apenas o

    sinal o que deixaria a entender tambm

    uma possibilidade de ataques duplos.

    Porm se olharmos pela semelhana da

    figura 18 e 19, por exemplo, podemos

    concluir que o efeito de frullato

    funcionaria melhor do que ataque duplo.

    FIGURA 18

    FIGURA 19

    FIGURA 20

    O mesmo efeito da figura 15, porm sem a

    acentuao. Nesse caso a lngua ou a

    garganta seriam possveis.

    FIGURA 21

  • 32

    23 O mecanismo de Boehm se refere ao mecanismo da flauta transversal atual. Em 1847 Theobald

    Boehm reconstruiu o sistema da flauta transversal se baseando em trs princpios: a flauta teria um

    tubo cilndrico com exceo do bocal; os buracos no tubo seguem a escala cromtica; o mecanismo foi

    construdo para que os dedos fossem capaz de controlar todas os buracos atravs das chaves.

    FIGURA 22

    Trmolos Os trmolos, segundo Levine (2005, p.50) so alternncias em duas notas em

    intervalos mais amplos que uma segunda

    maior. Muitas vezes para obter-se

    resultados melhores necessrio a

    utilizao de posies auxiliares para

    execuo dos mesmos. Artaud ( (p.16)

    mostra alguns trmolos impossveis de ser

    executados com posio real no

    mecanismo de Boehm23.

    FIGURA 23

    O trmolo em si tem fcil execuo. O

    detalhe maior est nas articulaes escritas

    antes e depois do trmolo.

    FIGURA 24

    Esse,assim como o da figura 23, no

    apresenta dificuldades na execuo

    FIGURA 25

    Nota-se que o uso do stacatto aliado ao

    trmolo comum na escrita de Santoro.

    FIGURA 26

    Uma posio que auxiliaria na agilidade

    desse trmolo o La( 3 oitava posio

    real) com o si ( 2 oitava ) no harmnico de

    F #.

  • 33

    FIGURA 27

    Uma observao importante na ateno

    ao ler esse trecho. Apesar de os quatro

    aparentarem ser trmolos, somente o

    primeiro e o terceiro grupo de duas

    colcheias o so.

    FIGURA

    28

    A mesma ateno comentada na figura 27

    deve-se ter aqui.

    Chaves percutidas

    Sobre o efeito de chaves percutidas no

    temos o detalhamento necessrio para

    tratar com clareza desse assunto que

    acabou se tornando um assunto chave em

    meu trabalho. Pretendo concluir atravs de

    uma pesquisa mais intensa nas

    bibliografias j citadas.

    FIGURA 29

    FIGURA 30

    FIGURA

    31

    FIGURA 33

    Polifonia Escrita

  • 34

    4.1 Anlise das sries dos Epigramas :

    A partir de dados metodolgicos retirados de outras anlises de peas

    dodecafnicas priorizamos em nossa pesquisa, uma anlise das sries a partir da

    Teoria dos conjuntos.24

    Tal procedimento nos permite obter uma matriz contendo

    todas as permutaes, inverses e retrgrados, baseada na srie original.

    I0 I4 I1 I10 I3 I8 I7 I2 I11 I6 I9 I5

    P0 D F# D# C F A# A E C# G# B G R0

    P8 A# D B G# C# F# F C A E G D# R8

    P11 C# F D B E A G# D# C G A# F# R11

    P2 E G# F D G C B F# D# A# C# A R2

    P9 B D# C A D G F# C# A# F G# E R9

    P4 F# A# G E A D C# G# F C D# B R4

    P5 G B G# F A# D# D A F# C# E C R5

    P10 C E C# A# D# G# G D B F# A F R10

    P1 D# G E C# F# B A# F D A C G# R1

    P6 G# C A F# B E D# A# G D F C# R6

    P3 F A F# D# G# C# C G E B D A# R3

    P7 A C# A# G C F E B G# D# F# D R7

    RI0 RI4 RI1 RI10 RI3 RI8 RI7 RI2 RI11 RI6 RI9 RI5 25

    24 Mtodologia baseada no livro de Allen forte: The structure of atonal music.

    25 Matriz calculada atravs de uma programao de computador pelo site:

    http://www.musictheory.net/calculators/matrix

  • 35

    Calculada a Matriz, podemos visualizar na obra o tratamento que Santoro deu as

    sries identificar melhor a influncia das sries na construo de frases, na escolha da

    articulao e dinmica entre outros fatores composicionais. Tais procedimentos

    analticos ainda se encontram em procedimento.

  • 36

    5. Bibliografia:

    ANDRADE, Mrio de. Ensaio sobre a msica brasileira. 3.ed. So Paulo: Livraria

    Martins Editora, 1972. 188 p.

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  • 37

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    McNUTT, Elizabeth. Performing electroacoustic music: a wider view of interactivity.

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    NEVES, Jos Maria. Msica Contempornea Brasileira. 1. ed. So Paulo: Ricordi

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    PAREYSON, Luigi. Os problemas da esttica. So Paulo: Martins Fontes, 2001.

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    de Cludio Santoro. 2006. 78f. dissertao (mestrado em msica) - Escola de Msica,

    UFMG, Belo Horizonte, 2006.

    Arquivo Claudio Santoro

    Correspondncia:

  • 39

    BOULANGER Ndia. Correspondncia a Cludio Santoro. 28/09/1960

    KOELLREUTER H.J. Correspondncia a Cludio Santoro. 8/2/1947

    _______. Correspondncia a Cludio Santoro: fev/1947

    _______. Correspondncia a Cludio Santoro: 25/02/1948

    _______. Correspondncia a Cludio Santoro: 10/07/1948

    LANGE, Francisco Curt. Correspondncia a Cludio Santo. Srie 2. Subsries

    2.1 e 2.2

    SANTORO, Cludio. Correspondncia a Carlos Santoro: 4/07/1945

    _______. Correspondncia a H.J. Koellreuter: 28/01/1947

    _______. Correspondncia a H.J. Koellreuter: 14/02/1947

    _______. Correspondncia a Bruno[?]: Braslia 24/09/62

    Referncias na WEB

    Associao Cultural Cludio Santoro:< www.claudiosantoro.art.br