texto de apoio-o problema da justiça em john rawls

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Filosofia 10ºano 2013/2014 O Problema da Justiça em John Rawls (1921-2002) O meu objectivo é apresentar uma concepção da justiça que generaliza e eleva a um nível superior a conhecida teoria do contrato social, desenvolvida, entre outros, por Locke, Rousseau e Kant. Para o fazer, não vamos conceber o contrato social como aquele que permite a adesão a uma sociedade determinada ou que estabelece uma determinada forma de governo. […] Na teoria da justiça como equidade, a posição da igualdade original corresponde ao estado natural na teoria tradicional do contrato social. Esta posição original não é, evidentemente, concebida como uma situação histórica concreta, muito menos como um estado cultural primitivo. Deve ser vista como uma situação puramente hipotética, caracterizada de forma a conduzir a uma certa concepção da justiça. Entre essas características essenciais está o facto de que ninguém conhece a sua posição na sociedade, a sua situação de classe ou estatuto social, bem como a parte que lhe cabe na distribuição dos atributos e talentos naturais, como a sua inteligência, a sua força e mais qualidades semelhantes. Parto inclusivamente do princípio de que as partes desconhecem as suas concepções do bem ou as suas tendências psicológicas particulares. Os princípios da justiça são escolhidos a coberto de um véu de ignorância. […] O objectivo é excluir aqueles princípios que seria racional tentar fazer aprovar, por menor que fosse a possibilidade de sucesso, em função do conhecimento de certos dados que são irrelevantes do ponto de vista da justiça. Por exemplo, se alguém soubesse que era rico, poderia achar racional tentar a aprovação do principio de que são injustos os impostos que financiam medidas de natureza social; se a mesma pessoa soubesse que era pobre, iria provavelmente propor o princípio contrário. […] Uma vez que todos os participantes estão em situação semelhante e que ninguém está em posição de designar princípios que beneficiem a sua situação em particular, os

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justiça como equidade em Rawls

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Page 1: Texto de Apoio-O Problema Da Justiça Em John Rawls

Filosofia 10ºano2013/2014

O Problema da Justiça em John Rawls (1921-2002)

O meu objectivo é apresentar uma concepção da justiça que generaliza e eleva a um nível superior a conhecida teoria do contrato social, desenvolvida, entre outros, por Locke, Rousseau e Kant. Para o fazer, não vamos conceber o contrato social como aquele que permite a adesão a uma sociedade determinada ou que estabelece uma determinada forma de governo. […] Na teoria da justiça como equidade, a posição da igualdade original corresponde ao estado natural na teoria tradicional do contrato social. Esta posição original não é, evidentemente, concebida como uma situação histórica concreta, muito menos como um estado cultural primitivo. Deve ser vista como uma situação puramente hipotética, caracterizada de forma a conduzir a uma certa concepção da justiça. Entre essas características essenciais está o facto de que ninguém conhece a sua posição na sociedade, a sua situação de classe ou estatuto social, bem como a parte que lhe cabe na distribuição dos atributos e talentos naturais, como a sua inteligência, a sua força e mais qualidades semelhantes. Parto inclusivamente do princípio de que as partes desconhecem as suas concepções do bem ou as suas tendências psicológicas particulares. Os princípios da justiça são escolhidos a coberto de um véu de ignorância. […] O objectivo é excluir aqueles princípios que seria racional tentar fazer aprovar, por menor que fosse a possibilidade de sucesso, em função do conhecimento de certos dados que são irrelevantes do ponto de vista da justiça. Por exemplo, se alguém soubesse que era rico, poderia achar racional tentar a aprovação do principio de que são injustos os impostos que financiam medidas de natureza social; se a mesma pessoa soubesse que era pobre, iria provavelmente propor o princípio contrário. […] Uma vez que todos os participantes estão em situação semelhante e que ninguém está em posição de designar princípios que beneficiem a sua situação em particular, os princípios da justiça são o resultado de um acordo ou negociação equitativa. […] Vou agora apresentar os dois princípios da justiça que, julgo, seriam escolhidos na posição original. […] A primeira apresentação dos dois princípios é a seguinte: Primeiro - Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais extenso sistema de liberdades básicas que seja compatível com o sistema de liberdades idêntico para as outras. Segundo - As desigualdades sociais e económicas devem ser distribuídas por forma a que, simultaneamente: a) proporcionem a maior expectativa de benefício aos menos favorecidos; b) estejam ligadas a funções e posições abertas a todos em posições de igualdade equitativa de oportunidades. […] Por agora deve observar-se que estes dois princípios constituem um caso especial de uma concepção mais geral de justiça que pode ser expressa da seguinte forma: Todos os valores sociais – liberdade e oportunidade, rendimento e riqueza, e as bases sociais do respeito próprio – devem ser distribuídos igualmente, salvo se uma distribuição desigual de algum desses valores, ou de todos, redunde em benefício de todos. […]Uma vez adoptada uma concepção da justiça, podemos supor que serão escolhidos a constituição, um sistema de produção de leis e assim por diante, escolhas essas a efectuar de acordo com os princípios da justiça inicialmente adoptados. A nossa situação social é justa quando o sistema de regras gerais que a define foi obtido através desta série de acordos hipotéticos.

RAWLS, John, Uma Teoria da Justiça, Trad. de Carlos Pinto Correia, pp.33-87 (adaptada)