o conceito de justiÇa em john rawls: as instituições e a

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1 São Luís – MA, 25 a 28 de agosto 2009 O CONCEITO DE JUSTIÇA EM JOHN RAWLS: as instituições e a justiça das parcelas distributivas. Ana Caroline Pereira Lima Centro Universitário do Maranhão-UNICEUMA Élida Rejane de Jesus Ferreira Universidade Federal do Maranhão (UFMA) Igor Manoel Martins Bezerra Universidade Federal do Maranhão (UFMA) Jorge Luís Ribeiro Filho Universidade Federal do Maranhão (UFMA) Paulo Roberto Barbosa Ramos Universidade Federal do Maranhão (UFMA) Centro Universitário do Maranhão - UNICEUMA RESUMO Este trabalho é baseado na obra “Uma teoria da justiça” de John Rawls. John Rawls, filósofo norte-americano, demonstra em sua Teoria da Justiça que conseguiu capturar, de forma bastante peculiar, a essência do valor fundamental da igualdade. Repaginando a hipótese tradicional do contrato social, ele obteve uma teoria herdeira do pensamento kantiano, otimista e politicamente plausível. Situadas em uma posição original e recobertas por um véu de ignorância, as pessoas, segundo Rawls, firmariam um “pacto igualitário” e proporcionariam as bases necessárias e possíveis para a efetivação da “Justiça como equidade”. Essa concepção político-jurídica se desenvolve ao redor de dois princípios de justiça social, dispostos em ordem lexical e fortemente presentes em todos os estágios da convivência social. Portanto, a partir dessas constatações, esboçaremos a formação do conceito de justiça como equidade, abordando qual o papel da justiça e seu o objetivo, o conceito de instituições com a intenção primária de realização da justiça e a organização da sociedade. Ademais, trataremos da atribuição de deveres e a distribuição de benefícios pelas instituições do Estado. A obra de Rawls elenca quatro estágios constitutivos da estrutura básica da sociedade de forma a coadunar as políticas públicas ao conceito do justo e da justiça nas relações instituições versus indivíduos, visando propiciar o estabelecimento da poupança mínima, de mecanismos estabilizadores na economia, da transferência de renda para os membros da sociedade e de uma distribuição equitativa. Essa abordagem traz à tona a discussão acerca da elaboração de normas jurídicas pelo Estado que atendam as reais necessidades sociais, buscando mitigar as diferenças oriundas das contingências sociais

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São Luís – MA, 25 a 28 de agosto 2009

O CONCEITO DE JUSTIÇA EM JOHN RAWLS: as instituições e a justiça das parcelas distributivas.

Ana Caroline Pereira Lima

Centro Universitário do Maranhão-UNICEUMA

Élida Rejane de Jesus Ferreira Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

Igor Manoel Martins Bezerra

Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

Jorge Luís Ribeiro Filho Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

Paulo Roberto Barbosa Ramos Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

Centro Universitário do Maranhão - UNICEUMA

RESUMO

Este trabalho é baseado na obra “Uma teoria da justiça” de John Rawls. John Rawls, filósofo norte-americano, demonstra em sua Teoria da Justiça que conseguiu capturar, de forma bastante peculiar, a essência do valor fundamental da igualdade. Repaginando a hipótese tradicional do contrato social, ele obteve uma teoria herdeira do pensamento kantiano, otimista e politicamente plausível. Situadas em uma posição original e recobertas por um véu de ignorância, as pessoas, segundo Rawls, firmariam um “pacto igualitário” e proporcionariam as bases necessárias e possíveis para a efetivação da “Justiça como equidade”. Essa concepção político-jurídica se desenvolve ao redor de dois princípios de justiça social, dispostos em ordem lexical e fortemente presentes em todos os estágios da convivência social. Portanto, a partir dessas constatações, esboçaremos a formação do conceito de justiça como equidade, abordando qual o papel da justiça e seu o objetivo, o conceito de instituições com a intenção primária de realização da justiça e a organização da sociedade. Ademais, trataremos da atribuição de deveres e a distribuição de benefícios pelas instituições do Estado. A obra de Rawls elenca quatro estágios constitutivos da estrutura básica da sociedade de forma a coadunar as políticas públicas ao conceito do justo e da justiça nas relações instituições versus indivíduos, visando propiciar o estabelecimento da poupança mínima, de mecanismos estabilizadores na economia, da transferência de renda para os membros da sociedade e de uma distribuição equitativa. Essa abordagem traz à tona a discussão acerca da elaboração de normas jurídicas pelo Estado que atendam as reais necessidades sociais, buscando mitigar as diferenças oriundas das contingências sociais

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São Luís – MA, 25 a 28 de agosto 2009

A JUSTIÇA DAS PARCELAS DISTRIBUTIVAS REALIZADA PELA ESTRUTURA BÁSICA

DA SOCIEDADE NA TEORIA DA JUSTIÇA DE JOHN RAWLS

Élida Rejane de Jesus Ferreira1

RESUMO Este trabalho aborda a justiça das parcelas distributivas pela estrutura básica da sociedade com base na Teoria da Justiça como Eqüidade de John Rawls. Esta teoria surge em resposta a corrente predominante até então, o utilitarismo. Aborda as principais características da concepção da Teoria da Justiça de Rawls. Discorre sobre as instituições básicas da justiça distributiva. Estabelece as diferenças entre expectativas legítimas e mérito moral. Por fim, explica o papel chave das instituições básicas para a efetivação da justiça das parcelas distributivas. Palavras-Chaves: posição original, justiça, equidade, instituições, parcelas distributivas.

ABSTRACT This paper is about the justice of the distributive shares of the basic structure of the society upon the Theory of Justice as Fairness of John Rawls. This theory appears as a reply to the predominant thought until then, the utilitarism. It approaches the main characteristics of the conception of the Theory of the Justice of Rawls. It discourses the basic institutions of the distributive justice. It establishes the differences between legit expectations and moral merit. Finally, it explains the main function of the basic institutions for the execution of the justice of the distributive shares. Key Words: original position, justice, equitity, institutions, distributive shares.

1 INTRODUÇÃO

John Rawls é um escritor norte-americano que esboça em sua obra “Uma Teoria

da Justiça” uma nova forma de propor uma organização social que funcione de forma justa e

que tenha como resultado final a estrutura básica da sociedade e o bem-estar dos

indivíduos que a compõem, respeitando os interesses individuais.

1 Estudante do 60 período de direito da Universidade Federal do Maranhão- UFMA e membro do Núcleo de Estudos de Direito Constitucional da UFMA.

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Sua obra é uma resposta a uma das teorias filosóficas mais aceitas até então, o

utilitarismo. E para isso lança mão de um novo modelo de contrato social, diferenciando-se

de Hobbes e Locke. Utiliza alguns postulados de Kant para criar sua teoria.

Assim, propõe dois princípios da justiça escolhidos em uma situação hipotética

particular, denominada posição original, a qual consistiria em que os representantes da

sociedade a ser estruturada estariam recobertos por um véu de ignorância, sendo que

desconheceriam sua situação social, econômica, seus dotes naturais e habilidades, sua

concepção de bem, seus projetos de vida racional, os traços característicos de sua

psicologia e até mesmo as características de sua própria sociedade. Não saberiam por fim a

qual geração pertenceriam.

Nessas condições Rawls (1997) sugere que enquanto seres racionais

tenderemos a eleger os princípios que mais nos beneficie em quaisquer situações de

contingências. Assim formula a concepção de dois princípios da justiça que permita, de

forma equitativa, a sua eleição pelos membros da sociedade, a saber:

1) uma redução da liberdade deve fortalecer o sistema total das liberdades

partilhadas por todos;

2) uma desigualdade de oportunidades deve aumentar as oportunidades

daqueles que têm uma oportunidade menor.

Com base nestes princípios, que devem ser analisados de forma lexical,

extraímos do pensamento de Rawls em primeiro lugar que a liberdade é um bem maior e

que, portanto, não deve ser objeto de negociação, salvo por um sistema total de liberdades

maior, partilhada por todos. Em segundo lugar, as desigualdades sociais só deveram ser

permitidas se as oportunidades dos menos favorecidos aumentarem.

Neste sentido, Rawls visa primariamente definir e organizar a estrutura básica da

sociedade.

Com o propósito de sistematizar a estrutura básica da sociedade, a obra de

Rawls elenca quatro estágios constitutivos, aplicando critérios que visam assegurar a justiça

como equidade às políticas públicas das instituições em todas as fases do seu

estabelecimento.

Dessa forma, inicia com a definição dos princípios que nortearam todas as

demais etapas. Na seqüência, ainda parcialmente limitados sobre as informações de sua

sociedade, estabelece uma convenção constituinte para elaboração da norma fundamental

que se aplicará a todos. Em seguida começa o estágio legislativo, onde serão criadas as leis

gerais com base na constituição. E, por último é a aplicação das regras ao caso concreto

por parte dos juízes e administradores e o da obediência delas pelos cidadãos em geral

(RAWLS, 1997).

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Para efetivação da justiça dentro da estrutura básica da sociedade é

imprescindível que a constituição contemple e assegure as liberdades equitativas dos

cidadãos. Dentre essas liberdades estão à liberdade de pensamento, a liberdade individual

e a igualdade dos direitos políticos, visto que Rawls supõe o sistema político de uma

democracia constitucional.

2 AS INSTITUIÇÕES BÁSICAS DA JUSTIÇA DISTRIBUTIVA

Para assegurar a criação de instituições justas foi necessária a estruturação

parte a parte dos estágios que concebem a estrutura básica da sociedade, tendo em vista

as peculiaridades dos interesses individuais no contexto social.

Nesse sentido, os princípios da justiça e o ordenamento jurídico formulados

regularam o modo como as mais importantes instituições se organizaram.

A teoria da justiça como equidade utiliza a noção de justiça procedimental pura

para lidar com as contingências de situações particulares (Rawls, 1997). No entanto, no

caso concreto as normas idealizadas nem sempre atingem os resultados esperados.

Portanto, é de fundamental importância a concepção de instituições políticas e jurídicas que

atendam as necessidades sociais.

As instituições básicas da justiça distributiva são constituídas pela constituição

justa que pressupõe a liberdade de consciência e de pensamento, assegurando as

liberdades de cidadania igual. Também, é necessário o valor equitativo da liberdade política.

O processo político é um procedimento justo tanto para a escolha de um tipo de governo,

quanto para a elaboração de uma legislação. Ainda, pressupõe-se a igualdade de

oportunidades equitativas.

Na obra Justiça e Democracia de Rawls (2000) ele especifica ainda mais as

instituições que compõem a estrutura básica da sociedade, a saber: a constituição política,

as formas de propriedade legalmente admitidas, a organização da economia e a natureza da

família.

Percebe-se dessa forma a preocupação de Rawls em utilizar o conceito de

justiça nos pilares fundamentais de uma democracia constitucional, assegurando aos

cidadãos uma estrutura básica justa, convincente e estabelecida com a participação de

todas as camadas sociais, o que favorecerá o cumprimento das normas pelos membros da

sociedade.

A teoria da justiça como equidade tem como princípio maior a liberdade dos

indivíduos, pois os considera como iguais e livres. Estabelece no seu segundo princípio que

os indivíduos devem possuir igualdade de oportunidades na sociedade, e que só deve

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prevalecer o princípio da diferença se uma desigualdade de oportunidades aumentar as

oportunidades dos menos favorecidos.

Não por menos a justiça prepondera na estrutura básica da sociedade, pois

parte de uma posição equitativa entre as pessoas, as quais elegem e seguem os princípios

escolhidos.

Neste sentido, ao contrário do utilitarismo, a justiça como equidade não tem por

base a eficiência do sistema social e sim a justiça em seu fim último, pois considera os

direitos fundamentais dos cidadãos.

A prioridade de liberdade deve preponderar sobre as vantagens econômicas e

sociais, isto porque pelo o acordo estabelecido na posição original, a liberdade é elevada a

princípio reitor, subordinando o princípio da diferença (ordem lexical), e determinando que

as instituições mais do que buscarem por vantagens no campo econômico ou social, visarão

assegurar e manter a liberdade.

Nessa perspectiva, desejos injustos que venham a ser reivindicados não devem

ser atendidos. Também não devem ser considerados aqueles desejos que violam o acordo

estabelecido, e, portanto devem ser desencorajados pelas instituições.

Para manter sua estabilização deve gerar sua própria sustentação, promovendo

a validade das normas estabelecidas, fomentando um senso de justiça entre os seus

membros, fazendo com que estes desejem efetivamente agir de acordo com as regras

acordadas em virtude da justiça.

Levando em consideração que as pessoas na posição original são morais, livres

e iguais, podemos considerá-las homogêneas, de tal maneira que a unanimidade nas

decisões é possível, o que facilitaria as deliberações, tendo em vista uma semelhança no

senso de justiça, fato que daria lugar a uma sociedade bem-ordenada.

No campo da argumentação política, o senso de justiça e o valor moral não

somente são reivindicados, mas incentivados no meio social, pois tais características

retroalimentam a sociedade bem-ordenada.

Quando se trata de bens indivisíveis, até mesmo homens considerados justos,

se tornam injustos. Assim o Estado não pode deixar a auto-regulação da sociedade a mercê

das leis de mercado, uma vez que os interesses pessoais sucumbiriam a estabilização da

estrutura básica da sociedade.

O governo se divide em quatro setores para estabelecer as instituições básicas,

sendo que cada setor possui vários órgãos ou atividades relacionadas, que visam assegurar

algumas condições econômicas e sociais.

O primeiro setor é de alocação. Este setor serve para manter a competitividade

do sistema de preços dentro dos limites do factível, e também para evitar a formação de um

poder sobre o mercado que não seja razoável (Rawls, 1997).

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Enquanto o mercado for competitivo ao extremo, dentro da eficiência esperada,

o setor de alocação não intervirá nele. As preferências dos consumidores e os fatores

geográficos também serão levados em conta.

Outra função do setor de alocação é a identificação e correção dos desvios

evidentes com relação à eficiência, em virtude do insucesso dos preços em medir com

precisão os custos e benefícios sociais (RAWLS, 1997).

Diante desta situação o governo, através do setor de alocação, pode utilizar

impostos e subsídios, ou o alcance e a definição do direito de propriedade podem ser

revistos.

Nesse sentido o que o governo busca através deste setor não é simplesmente a

regulação do sistema com intuito de atingir a eficiência máxima, mas sim intervir no mercado

apenas quando as leis que o rege não atenderem aos resultados de eficiência esperado, de

acordo com os preceitos da justiça e a igualdade de oportunidade entre os indivíduos.

O setor de estabilização cuidará do mercado de empregos. Sua função é

proporcionar a existência de empregos razoáveis, onde permita aos que buscam empregos,

que os encontre.

Por sua vez, a oferta de empregos deve considerar a livre escolha de ocupação

e o desenvolvimento das finanças asseguradas por uma forte demanda efetiva (RAWLS,

1997).

Ao setor de transferência incube definir e distribuir o mínimo social. Este setor

atua analisando as necessidades dos indivíduos e atribuindo a elas um peso adequado,

respeitando a outras reivindicações.

No sistema competitivo o mercado regula sua estabilidade sem considerar as

deficiências sociais, dessa forma não pode ser considerado o único meio de distribuição.

Nesse contexto a função das instituições básicas é de fundamental importância

na distribuição da renda total, pois através de ações comissivas, regulam contingências

sociais, as quais o mercado competitivo não engloba.

Enfim, existe o setor de distribuição, cuja função é preservar uma justiça

aproximativa das partes a serem distribuídas por meio da taxação e dos ajustes de

propriedade que se fazem necessários (RAWLS, 1997).

No primeiro momento ele trabalha com impostos sobre heranças e doações,

bem como estabelece restrições ao direito de legar. O objetivo desses tributos e regras não

é ampliar os recursos do governo, mas sim corrigir, de maneira gradual e contínua, a

distribuição de riquezas, e também impedir concentrações de poder, as quais podem afetar

tanto liberdade equitativa na política, quanto a igualdade equitativa de oportunidades.

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Assim, o governo por meio de tais mecanismos, como por exemplo, a tributação

progressiva, poderia aplicar os preceitos da justiça na distribuição equitativa das parcelas

distributivas.

No segundo momento o setor de distribuição tem a função de arrecadar a receita

a todos imposta pela justiça. Os recursos recebidos são retribuídos aos membros da

sociedade através da disponibilização de serviços públicos e pagamentos de transferências,

com vista a atender o princípio da diferença.

Rawls, coloca ainda que pode ser criado um quinto setor, de trocas, mas que

este nada tem haver com os princípios da justiça, portanto, estão a parte deste, tendo em

vista que este setor atuaria na negociação de bens e serviços com o governo (desde que

atendidos os requisitos legais), quando o mercado falhasse, o que estaria, desta forma, mais

ligado a eficiência do mercado do que os parâmetros de justiça que se quer implementar.

3 EXPECTATIVA LEGÍTIMA E MÉRITO MORAL

O senso comum espera que a renda e a riqueza deveriam ser divididas de

acordo com o grau de moral dos membros da sociedade. Assim, a justiça é a felicidade de

acordo com a virtude (RAWLS, 1997).

Este é o ideal da justiça distributiva no campo hipotético, embora não seja

possível proceder tal qual se idealiza, é preciso que a sociedade lance mão de todos os

meios para efetivá-la.

Contudo, para Rawls, tal princípio não seria escolhido na posição original, isto

porque os deveres e obrigações estipulados na estrutura básica da sociedade não tomam

por base o mérito moral dos indivíduos e sim suas expectativas legítimas.

Enquanto o mérito moral é pertinente ao valor intrínseco de cada indivíduo, ou

seja, representa a sua virtude, as expectativas legítimas são frutos do cumprimento

reiterado das regras de conduta sociais estabelecidas e que, portanto, geram direitos aos

cidadãos e a distribuição justa das partes honra essas reivindicações (RAWLS, 1997).

A justiça distributiva é pautada na concepção de instituições sociais justas

inseridas na estrutura básica da sociedade, e tem por finalidade atender as expectativas

legítimas decorrentes dos deveres e obrigações estabelecidos previamente. Já o mérito

moral não foi definido como parâmetro para atendimento dos princípios da justiça.

A justiça como equidade estabelece que em uma sociedade bem-ordenada os

indivíduos devem receber uma parte do produto social de acordo com as normas

incentivadas pelas instituições justas e legítimas, proporcional ao seu esforço e atendimento

aos deveres e obrigações.

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É possível perceber o reflexo do acordo na posição original e a adesão aos

princípios da justiça, quando determinamos que os benefícios distribuídos pelo governo

(incluso os bens e serviços), estão condicionados ao cumprimento das normas aceitas pelos

indivíduos. Dessa forma, espera-se que os cidadãos respeitem o acordo por eles firmado.

De outro modo, também é justo que seus direitos sejam atendidos.

Aqueles que violarem as leis justas devem ser punidos. Nessa perspectiva a lei

penal tem como objetivo apoiar os direitos naturais básicos, evitando que alguns indivíduos

afetem a liberdade, a propriedade, a integridade ou qualquer outro tipo de conduta que

ofendam os direitos de outrem.

As leis penais, portanto, atuam de maneira repressiva na sociedade

parcialmente bem-ordenada. Melhor seria que não fosse necessária a aplicação de tais leis.

Para isso, os membros da sociedade deveriam agir de forma homogenea, pautados no

conceito de justiça e nas regras de condutas adotadas. Teríamos dessa forma a sociedade

bem-ordenada no seu sentido estrito.

“A função das partes distributivas desiguais é cobrir os custos da especialização

e educação, atrair indivíduos aos lugares e associações que, de um ponto de vista social,

mais necessitam deles, e assim por diante” (RAWLS, 1997).

Agindo desta forma o governo respeita a justiça da distribuição das parcelas

equitativas e atua regulando no equilibro do sistema social, através da utilização de parte

dos recursos arrecadados, nas áreas de especialização e educação, como por exemplo,

universidades públicas, teatros públicos, museus públicos, assim como associações

públicas que venham a beneficiar os que do ponto de vista social mais precisam.

Em Justiça e Democracia, Rawls (2000), define o papel da justiça em uma

sociedade bem ordenada, como segue:

O papel social de uma concepção da justiça consiste assim em permitir a todos os membros da sociedade compreenderem por que as instituições e as disposições básicas que eles compartilham são aceitáveis, bem como em fazer com que os demais igualmente o compreendam.

O mérito moral por ser subjetivo e estar suscetível de falhas, bem como das

circunstâncias oriundas dos dotes naturais, não é aceitável como medida de recompensas

do sistema distributivo e nem faz parte dos princípios da justiça. No entanto, o valor moral é

salutar e o desejo pelas instituições justas é compartilhado. Numa sociedade bem-ordenada

as pessoas possuem o senso de justiça e corroboram com os que buscam através dos

meios lícitos os projetos pessoais.

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4 CONCLUSÃO

Como dissemos no início deste trabalho, a finalidade da Teoria da Justiça como

Equidade de John Rawls é a criação da estrutura básica da sociedade de acordo com os

princípios de justiça. Para isso, Rawls desenvolve sua teoria passo a passo de forma

seqüencial, com o intuito de garantir que interesses individuais não preponderem sobre os

ideais de justiça.

Assim, da posição original surgem primeiro os princípios da justiça, que devem

ser trabalhados sempre de forma lexical. Em seguida, inicia a seqüência dos quatro

estágios, que dará origem as instituições básicas da sociedade.

A Teoria da justiça como equidade é estabelecida assim, devido os membros da

sociedade só terem informações da sua posição social quando as normas fundamentais já

estiverem definidas. Essas condições não permitem os seres humanos pensarem apenas

nas suas pretensões individuais, fazendo com que existam falhas provenientes da injustiça.

Dessa forma, numa sociedade bem-ordenada, as instituições são consideradas

justas e reconhecidas publicamente. Os indivíduos pactuam as leis acordadas e aceitam os

deveres e as obrigações e assim reivindicam suas expectativas legítimas.

A constituição como norma fundamental de uma democracia constitucional deve

ser pública e seguida por todos. Ela foi formada por uma assembléia constituinte, onde

contou com os representantes de todas as camadas sociais. Nela foram inseridos e

assegurados dispositivos que protegem a liberdade de consciência, de pensamento e

política, através de uma cidadania igual.

As demais leis são criadas por meio desses mesmos critérios, daí termos por

conseqüência o processo legislativo justo, aceito pelos seus membros, cujo desdobramento

se estenderá ao caso concreto, através das condutas de justiça aplicadas pelos juizes e

autoridades administrativas.

Assim, depois de estabelecidas todas as normas e regras pautadas na justiça e

torná-las públicas, o governo sistematiza de forma equitativa e justa a arrecadação dos

tributos e a repartição das parcelas distributivas.

No modelo de uma economia de mercado, as leis negociais que ali imperam

tendem a equilibrar o sistema econômico, isto porque o mercado se auto-regula, e assim de

médio a longo prazo nem existirá bens demais, nem demanda excessiva. Contudo, este

modelo de economia satisfaz o critério da eficiência, deixando de lado as adversidades

sociais.

John Rawls é considerado um liberal, mas nesse ponto, defende que em uma

sociedade bem-ordenada pautada nos conceitos de justiça, o governo não deve deixar que

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funcione uma economia de mercado tendo como referência um critério de eficiência.

Propõe, portanto, que haja intervenção do governo para equilibrar as deficiências sociais.

Com essa finalidade John Rawls sugere a criação de quatro setores, como

abordados no tópico acima das “Instituições Básicas da Justiça Distributiva”, são eles:

alocação, transferências, estabilização e distribuição. Esses setores funcionariam como

responsáveis pela análise das contingências sociais e interventores do sistema econômico

para restabelecer o equilíbrio das instituições sociais.

O papel do Estado, portanto, é buscar o ponto de equilíbrio das instituições

econômico-sociais. Em que pese os indivíduos possuírem liberdade de escolhas, o Estado

deve considerar as adversidades sociais, a pobreza e as injustiças geradas em função da

obtenção do lucro excessivo e interesses individuais de empresas privadas.

O governo deve ainda, de acordo com o princípio da diferença, destinar recursos

para as camadas mais pobres da sociedade, com o intuito de promover seu

desenvolvimento social, através de instituições educativas e especializantes, associações e

espaços públicos.

A democracia constitucional é um sistema político que respeita as liberdades de

escolha, tem por base a liberdade equitativa, dispõe de oportunidades equitativas, mas as

contingências sociais conduzem as pessoas a caminhos não desejados e injustos. A função

da estrutura básica da sociedade é, portanto, o ajuste necessário para a efetivação da

justiça.

REFERÊNCIAS RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1997. RAWLS, John. Justiça e Democracia. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2000. GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls – Um breve manual de filosofia política. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2008. KYMLICKA, Will. Filosofia Política Contemporânea: uma Introdução. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2006.

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O CONCEITO DE DESOBEDIÊNCIA E DE OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA EM JOHN RALWS

Igor Manoel Martins Bezerra2

RESUMO

Este artigo analisa o conceito de Desobediência Civil e Objeção de consciência em John Rawls, tratando inicialmente da teoria da justiça como equidade, visando responder principalmente o modo como estes elementos da teoria rawsiana se apóiam em garantias fundamentais oriundas da posição original. Ademais são trabalhados os estágios necessários para a exeqüibilidade dos princípios da justiça e como pode ocorrer o desvirtuamento das leis e dos atos políticos. Palavras-Chave: justiça, equidade, contrato.

ABSTRACT

This article examines the concept of civil disobedience and of conscientious objection in John Rawls, addressing initially in the original theory of justice as fairness, responding primarily to how these elements of the theory rawsiana rely on guarantees from the original position. Also worked the stages are necessary for the feasibility of the principles of justice and can occur as the distortion of the laws and political acts. Keywords: justice, fairness, contract.

1 A JUSTIÇA COMO EQÜIDADE

Jonh Rawls expõe a idéia de que a concepção de justiça mais apropriada para a

estrutura básica de uma sociedade democrática seria aquela em que seus cidadãos

adotariam em uma posição equitativa em relação a si mesmos, sendo nesse momento

pessoas livres, morais e iguais.

Como conseqüência desse método, temos um momento onde as diferenças

sociais passam a ser vistas como injustas quando não podem ser justificadas por meio de

argumentos que levem em consideração aspectos morais, ou seja, as diferenças que

2Aluno do Quarto Período do Curso de Direito da UFMA e membro do NEDC - Núcleo de Estudos de Direito Constitucional.

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somente se justificam por meio dos aspectos singulares das relações entre os indivíduos.

Porém estas diferenças podem ser admitidas, mas somente no momento em que sejam

necessárias para impedir uma injustiça maior. Dessa forma, a injustiça não está nas

diferenças entre os vários segmentos sociais, mas na forma como elas são justificadas e no

modo como a estrutura básica da sociedade se posiciona em relação a eles.

Na justiça como equidade, o elemento contratual representado pela posição

original é o momento desencadeador dessas condições, pois atrás do véu da ignorância,

Eles não conhecem o seu lugar na sociedade nem o seu status social, não conhecem tampouco o seu quinhão na distribuição de talentos e de dons naturais. Pressupor-se-à igualmente que não conhecem sua própria concepção de bem, isto é, seus fins últimos particulares e, para concluir, que ignoram suas tendências e suas disposições psicológicas especificas.3

Os cidadãos representativos encontram-se privados de informações que

poderiam desvirtuar toda a estrutura contratual a ser acordada nessa posição, sendo

afastados do acordo a ser firmado elementos que tenderiam ao favorecimento de uma

pessoa ou ao favorecimento de um segmento social em especial. A escolha dessa forma,

seria feita em um regime onde a imparcialidade estaria assegurada.

Embora as partes estejam sob um véu de ignorância que lhes esconde a maior

parte dos conhecimentos particulares inerentes a cada cidadão, eles conhecem os aspectos

gerais da sociedade, bem como o sentido de justiça dos seus pares, fato que gera certa

estabilidade ao contrato.

Por meio desse método, o acordo é considerado justo e equitativo, tendo como

conteúdo principal dois princípios que são a base de toda a teoria rawlsiana. São eles:

Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao sistema mais extenso de iguais liberdades fundamentais que seja compatível com um sistema similar de liberdades para as outras pessoas; Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem estar dispostas de tal modo que tanto (a) se possa razoavelmente esperar que se estabeleçam em benefícios de todos como (b) estejam vinculadas a cargos e posições acessíveis a todos. 4

Dessa forma, dispostos em ordem lexical, esses princípios regeriam as

estruturas básicas da sociedade e o modo como as instituições distribuiriam direitos e

obrigações entre os cidadãos de tal forma que vantagens materiais não seriam aceitas de

infringissem direitos fundamentais.

Na justiça como equidade, o acordo não é feito em uma assembléia, somente é

necessário saber o contexto em que o acordo é escolhido, pois sendo os participes

3(RAWLS.2008, p. 57)

4(RAWLS.2008, p.73)

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igualmente racionais e estando em um plano similar, todas as pessoas seriam convencidas

pelos mesmo argumentos.

A posição original funciona como um momento no qual os cidadãos

representativos, considerados como racionais e capazes de possuir um sentimento de

justiça, estariam inclinados a optar pelos dois princípios. É importante ter em mente que o

contrato é hipotético, mas funciona como um método, um dispositivo que para que

determinada concepção de igualdade seja alcançada. Nesse sentido a idéia de contrato

social funciona como um dispositivo para incorporar uma concepção de igualdade.

A fito da posição original acaba sendo a estrutura básica da sociedade, sendo

essa entendida como a forma pela qual as principais instituições da sociedade distribuem

direitos e deveres. Por meio desse viés, espera-se que seja escolhida uma estrutura básica

que proporcione a cada indivíduo a realização dos seus planos de vida.

Nesse sentido, é importante a influência do principio da diferença, que faz com

que os pontos acordados para definir a distribuição dos bens primários pela estrutura básica

excluam a possibilidade de os indivíduos representativos recorrerem a qualquer aspecto da

estrutura social que não determinasse uma melhoria para os demais.

A posição original é o instrumento garantidor da justiça procedimental argüida

por Rawls, pois por meio dela, adotar medidas para o benefício próprio significa adotar

medidas para a melhoria de toda a sociedade.

A seqüência de quatro estágios e a execução dos princípios da justiça

Na posição original, os indivíduos representativos tem conhecimentos limitados,

mas esta limitação é necessária na medida em que proporciona uma ocasião de justiça.

Após esse momento, advém outro que se ocupa da aplicação desses princípios

junto a estrutura básica da sociedade, onde os indivíduos continuam sob influência do véu

da ignorância, que implica na liberdade quanto à influencias egoísticas. Esse momento

seria formado pela seqüência de quatro estágios.

Desse modo, posteriormente a posição original, faz-se necessário uma

convenção constituinte onde, segundo Rawls o princípio da liberdade igual seria

provavelmente acordado de forma unânime, pois por meio dele, a liberdade de consciência

e a de pensamento se encontrariam protegidos. Preconceitos e discriminações seriam

repelidos, implicando necessariamente em uma garantia procedimental de justiça.

Na convenção constituinte será abordado um sistema para organizar as

disposições de poderes sociais. Nesse estágio ainda existe uma influência do véu da

ignorância que só foi retirado em parte. Desse modo, a constituição decorrente asseguraria

relações imparciais. Os aspectos mais gerais da sociedade são conhecidos, porém o

conhecimento mais específico ainda é limitado, ao ponto de evitar vantagens individuais.

O estágio seguinte é o legislativo onde,

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Propostas de projetos de lei são julgados do ponto de vista de um legislador representativo que, como de costume, não conhece os dados particulares sobre si mesmo. Os diversos institutos legais devem satisfazer não apenas os princípios da justiça, mas também respeitar quaisquer limites estabelecidos na constituição. 5

Esse cuidado teórico ocasionará um status comum de cidadania igual.

O último estágio é o da aplicação das regras a casos particulares por parte dos

juízes. Nesse estágio todos tem acesso às informações que antes se encontravam

limitadas.

É importante colocar que por mais que o processo de aplicação dos princípios

sejam limitados pelos aspectos invocados dentro da justiça como equidade não se pode

ignorar as influências políticas e sociais que os constituintes estão sujeitos. Dessa forma o

resultado do processo poderia não ir ao encontro de juízos ponderados que Rawls destaca,

o que provavelmente iria constituir um procedimento de justiça imperfeito, mas as

deliberações acordadas devem estar dentro dos limites do razoável.

2 A DESOBEDIÊNCIA CIVIL

A desobediência civil constitui uma parte importante da teoria da justiça, sendo

explorada no Capítulo IV de Uma Teoria da Justiça. Ele a define da seguinte forma:

desobediência civil como público, não violento, consciente e não obstante um ato político, contrario a lei, geralmente praticado com o objetivo de provocar uma mudança na lei e nas políticas do governo. 6

Na desobediência civil como se percebe, não é exigido a desobediência a lei

(tendo em vista que é importante a obediência a uma lei, mesmo quando ela é injusta), o

que ocorre é uma inclinação à resistência, quando houver a violação das liberdades

fundamentais, apoiada na concepção de justiça comum a cada cidadão representativo.

O movimento é público, mesmo partindo inicialmente dos apelos de uma minoria

e funciona como um mecanismo de controle legislativo, pois só ocorre a insurgência contra

a lei no momento em que esta vai de encontro ao senso de justiça que é próprio de todo

cidadão racional representativo.

É um apelo a um princípio que é comum a todos. É normal que a posição de

uma lei ou de uma política do governo, por exemplo, que fujam dos limites acordados sejam

reinterpretados.

5(RAWLS.2008, p. 215)

6 (RAWLS.2008, p. 404)

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O movimento ocorre quando o conceito de justiça comum a todos é violado, ou

seja, concepções particulares de justiça que poderiam resultar em conseqüências similares

àquelas do movimento utilitarista que afrontam direitos fundamentais, tenderiam a não

encontrar respaldo entre outros cidadãos.

Desse modo, a desobediência civil constitui um instrumento de legitimidade das

políticas e dos ordenamentos dentro de um estado democrático, na medida em que vai de

encontro a leis injustas e impede as pretensões não virtuosas prosperem. Ela é um dos

mecanismos estabilizadores do sistema constitucional onde a ação dos insurgentes se

encontra no limite da legalidade. Sendo utilizada de forma ponderada, não é ilegal e mesmo

criticando a constituição, na verdade visa fortalecer as liberdades que ela assegura na

medida em que o povo responde a violação de garantias constitucionais.

Mesmo ocorrendo a subversão, não existe o risco de uma revolução, pois o

autor trabalha com a idéia de constituição que seria oriunda de um procedimento, ainda que

imperfeito, de justiça. Dessa forma seriam revistos os momentos em que as leis destoassem

da constituição. A resistência dos cidadãos representa o reforço dos direitos e garantias

constitucionais.

Da forma como é concebida, a desobediência civil não é um movimento ilegal,

mas moral que se justifica na observância da concepção de justiça. Ralws fala que no

momento em que as causas do movimento não fossem revistas, poderia ser cogitado a idéia

de uma real desobediência a lei.

Porém, se os fundamentos apresentados por Ralws forem cumpridos, a atitude

do povo estaria justificada frente o tamanho da violação. Entretanto, toda instituição criada

prevê também a forma de sua manutenção, o Estado possui aparelhos coercitivos que

impelem constantemente os cidadãos a adequarem suas ações às previsões do

ordenamento.

Dessa forma, a atuação das forças estatais para debelar a rebelião seria

injustificada. Entretanto, é de conhecimento notório o embate político neste momento,

ocorrendo a defesa dos dois lados do seu ponto de vista.

Todavia, a desobediência civil equilibra todo o sistema, já que

é um dos recursos estabilizadores de um sistema constitucional, embora por definição seja ilegal. Ao lado de certos fatos, tais como as eleições livres e regulares e um sistema judiciário independente com poderes para interpretar a constituição(não necessariamente escrita), a desobediência civil, usada com a devida moderação e o critério justo, ajuda a manter e a reforçar as instituições justas. Resistindo a injustiça dentro dos limites da lei [...] 7

7 (RAWLS.2008, p.424)

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3 OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA

Objeção de consciência não implica necessariamente em discordâncias de

princípios políticos, podendo se fundamentar em divergências culturais, religiosas ou de

ordem que divirja da natureza constitucional da sociedade.

Entretanto, a objeção de consciência pode fundar-se em princípios políticos, este

seria o caso de uma lei que estabelecesse a escravidão.

Ela diverge da desobediência civil em vários momentos, pois esta não diz

respeito ao senso de justiça que é comum a todos. Ela é simplesmente, uma recusa, por

questões de consciência. Ocorre no momento em que alguém se abstém de cumprir uma

ordem ou uma lei por questões que não se relacionam com o conjunto social. Esse não é

em si um movimento público.

Por outro lado, Rawls nos fala que em situações concretas, não há nenhuma

clara distinção entre ambas, ocorrendo um entrelaçamento dos dois conceitos.

O exemplo de objeção de consciência mais típico é o do serviço militar

obrigatório negado pelos pacifistas, na medida em que o serviço militar é uma violação das

liberdades básicas dos cidadãos, ele é justificado por exigências como as de segurança

nacional.O serviço militar obrigatório só é admissível se for em defesa da própria liberdade.

Portanto, o cidadão poderá se recusar ao serviço militar, caso a lei moral da guerra seja

violada, o que ocorre em guerras com finalidades meramente econômicas.

4 CONCLUSÃO

A teoria de John Rawls possui virtudes admiráveis, pois com o uso do conceito

da posição original, ocorre um dispositivo que coloca o cidadão representativo em ponto tal,

livre de influências particulares que os acordos que resultam daí são equitativos. Tanto que

os acordos surgidos de tal posição representam resultados naturais, advindos de uma

intuição lógica quando se pretende repartir as benfeitorias da cooperação social respeitando

os indivíduos como detentores de direitos fundamentais intangíveis.

Os institutos da desobediência civil e da objeção de consciência, dentro de um

regime democrático de direito, funcionam como o momento onde a sociedade é mais

audível, na medida em que irá existir uma afronta ao ordenamento jurídico. Ainda que ela

seja um confronto dentro de limites lícitos, pois mesmo a objeção de consciência nos casos

de apresentação ao serviço militar por exemplo exige uma contraprestação à sociedade.

A desobediência civil da forma como é entendida, não prega o descumprimento

do preceito legal, mas uma campanha, visando o senso de justiça comum a toda a

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sociedade que após um debate público, revisaria a lei alvo das discussões e no momento

em que ficasse provado o descompasso com os princípios racionais, seria revista.

Nesses momentos da teoria da justiça tem uma aproximação mais sensível com

a realidade social, pois é o momento em que ele menos se apóia em hipóteses e conceitos

preconcebidos. Esse é dos maiores méritos da teoria rawseana, a delimitação de direitos

intangíveis, no caso a liberdade de livre expressão.

REFERÊNCIAS

KYMLICKA, Will. Filosofia política contemporânea. São Paulo: Martins Fontes.2006. PETTIT, Philip. KUKATHAS, Chandran. Rawls, Uma Teoria da Justiça e os seus Críticos.Coimbra: Gradiva.1995 RAWLS, John. Uma teoria da justiça.São Paulo: Martins Fontes.2008. ______.Justiça e democracia.São Paulo: Martins Fontes.2000.

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ASPECTOS DAS INSTITUIÇÕES NA TEORIA DA JUSTIÇA DE JOHN RAWLS

Ana Caroline Pereira Lima1

RESUMO

Este artigo objetiva realizar uma breve exposição da teoria da justiça como equidade de John Rawls, destacando aspectos das instituições sociais. Com um sistema político-filosófico em que todos os indivíduos são considerados iguais enquanto pessoas morais e racionais, e que o bem-estar da sociedade poderia ser alcançado sem o sacrifício dos direitos fundamentais da minoria da população em prol da maioria, Rawls estabeleceu um novo marco em filosofia política ocidental na segunda metade do século XX. A teoria da justiça como eqüidade foi apresentada em 1971, com a publicação da obra A Theory of Justice. Palavras-Chaves: justiça, equidade, posição original, instituições.

ABSTRACT

This article presents a briefly analysis of the theory of justice as fairness of John Rawls, distinguishing aspects of its social institutions. The theory of justice as fairness is a political-philosophical system where all the individuals are considered equal, as moral and rational people, and that the socials goodness could be reached without the sacrifice of the basics rights of lesser parcel of the population in favor of the majority, John Rawls established a landmark in the occidental philosophy politics of the second half of the century XX. The theory of justice as fairness was presented in 1971, with the publication of the workmanship the Theory of Justice. Key Words: justice, fairness, original position, institutions.

1 INTRODUÇÃO

John Rawls foi um dos primeiros filósofos políticos da contemporaneidade que

apresentaram uma alternativa sistemática à velha crença do utilitarismo. Sob um viés liberal,

criou um sistema político-filosófico em que todos os indivíduos são considerados iguais,

enquanto pessoas morais e racionais, e que o bem estar da sociedade poderia ser

alcançado sem o sacrifício dos direitos fundamentais de uma parcela menor da população

em prol da maioria, mas, pelo contrario, que os termos equitativos de cooperação social

seriam justos no momento em que os direitos dos indivíduos menos favorecidos fossem

assegurados, efetivados, e que os meios necessários para tal fossem suficientes para que

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esses mesmos indivíduos pudessem alcançar seus objetivos enquanto pessoas racionais e

morais.

Em seu livro “Uma Teoria da Justiça”, propõe uma concepção de justiça que

generalize e eleve a uma ordem mais alta de abstração a teoria tradicional do contrato social

exposta por Locke, Rousseau e Kant (RAWLS, 2008). Na realidade, a sua teoria é,

conforme ele próprio confessa, criada a partir do construtivismo kantiano.

A principal idéia da teoria proposta por Rawls é que os princípios da justiça para

a estrutura básica da sociedade são o objeto do consenso original (RAWLS, 2008). Tais

princípios são estabelecidos numa posição inicial de igualdade, onde pessoas livres,

racionais e mutuamente desinteressadas escolhem princípios que devem regular todos os

acordos subseqüentes, especificando os tipos de cooperação social que se podem assumir

e as formas de governo que se podem estabelecer. Esse contexto de igualdade da posição

original é transferido aos princípios adotados para estrutura básica da sociedade, e por tal

motivo, Rawls denomina sua teoria de “Justiça Como Equidade”.

Dessa forma, a justiça como equidade inicia-se, nos dizeres de Rawls, como

uma das mais gerais dentre todas as escolhas que as pessoas podem fazer em conjunto, ou

seja, a escolha dos princípios basilares de uma concepção de justiça que objetiva reger

todas as subseqüentes críticas e reformas das instituições sociais (RAWLS, 2008).

2 O OBJETO DA JUSTIÇA

O objeto principal da justiça na teoria de Rawls é a estrutura básica da

sociedade, ou seja, o modo como as principais instituições organizam-se em um esquema

de cooperação social (RAWLS, 2008).

Por instituição, Rawls (2008) compreende um sistema público de regras que

define cargos e posições com seus direitos e deveres, poderes e imunidades, etc. Tais

regras especificam quais são as formas de ação permitidas e quais as proibidas, criando

certas penalidades e defesas referentes às violações das regras. Rawls refere-se à

constituição política e aos principais arranjos econômicos e sociais e dá como exemplo, a

proteção legal da liberdade de pensamento e de consciência, os mercados competitivos, a

propriedade particular no âmbito dos meios de produção e a família monogâmica.

A estrutura básica da sociedade tende a inevitáveis desigualdades que além de

serem difusas, atingem as possibilidades de vida dos indivíduos. É a tais desigualdades que

os princípios de justiça devem ser aplicados primeiramente. Os princípios acordados na

posição original devem orientar a estipulação de direitos e deveres nessas instituições, além

de determinar uma adequada distribuição dos benefícios e encargos da vida social.

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Assim, uma sociedade justa é caracterizada por instituições sociais, econômicas

e políticas que tratam seus membros como pessoas moralmente iguais. Os arranjos

institucionais básicos devem oferecer o suporte apropriado para que cada indivíduo, imbuído

de valor intrínseco, possa agir conforme suas convicções morais e seja capaz de atingir

êxitos pautados em seus próprios talentos, o que cria as bases sociais do respeito a si

próprio.

Para Rawls, a justiça como equidade deriva da exigência de que as

desigualdades sejam justificadas para os menos favorecidos e da prioridade da liberdade.

Dessa forma, ele nos apresenta os dois princípios de justiça.

O primeiro princípio, ou o princípio da liberdade igual, demonstra a exigência das

liberdades fundamentais a todos os indivíduos, imparcialmente, conforme uma lista de

liberdades básicas iguais, dentre elas a liberdade política, a liberdade de expressão e

reunião, a liberdade de consciência e de pensamento, as liberdades da pessoa, o direito à

propriedade privada e a proteção contra a prisão e a detenção arbitrárias (RAWLS, 2008)

O segundo princípio, ou princípio da diferença, mostra-se associado à idéia de

igualdade. Afirma que as desigualdades sociais e econômicas necessitam ser dispostas de

maneira que sejam ao mesmo tempo vantajosas para todos dentro dos limites do razoável e

ligadas a posições e cargos acessíveis a todos. A priori, o segundo princípio se aplica à

distribuição de renda e riqueza e à estruturação de organizações que utilizam de diferenças

de autoridade e responsabilidade. Para sua efetivação, mantêm-se abertos os cargos, e

depois, dentro desse limite, dispõem-se as desigualdades sociais e econômicas de modo

que todos se beneficiem deles. (RAWLS, 2008)

Conforme análise de Roberto Gargarella (2008):

O princípio da diferença, tal como está exposto, implica a superação de uma idéia de justiça distributiva, habitual em sociedades modernas, segundo a qual o que cada um obtém é justo se os benefícios ou posições também forem acessíveis aos demais.

3 PRINCÍPIOS DA JUSTIÇA APLICADOS ÀS INSTITUIÇÕES

Na teoria como equidade a estrutura básica a sociedade é encarada como um

sistema de normas públicas que definem um esquema de atividades que deverão conduzir

os homens a agirem em conjunto para produzir o maior número de benefício a todos. Rawls

destaca que as principais instituições dessa estrutura são as da democracia constitucional.

Uma instituição pode ser considerada de duas maneiras, ou como um objeto

abstrato, como uma forma possível de conduta expressa por um sistema de regras, ou como

a realização das ações especificadas por tais regras no pensamento e na conduta de certas

pessoas em uma dada época e lugar. Uma instituição existe em um momento definido no

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tempo e no espaço quando as ações especificadas por elas são devidamente efetivadas de

acordo com um entendimento público de que o sistema de regras que definem a instituição

deve ser obedecido, ou seja, que todos os que estão nela engajados sabem o que saberiam

se essas regras e a sua participação na atividade que elas definem fossem o resultado de

um acordo. (RAWLS, 2008)

Os princípios adotados na posição original aplicam-se às instituições através de

um processo que envolve quatro estágios.

No primeiro estágio, é desenvolvida a noção de posição original. Com a

aplicação dos princípios de justiça na posição original, realiza-se uma convenção

constituinte, que discute sobre a justiça das diversas formas políticas e escolhe uma

constituição, que por sua vez, determinará um sistema que contenha a estrutura e funções

do poder político e dos direitos fundamentais, respeitado sempre os princípios de justiça

convencionados na posição original.

A elaboração da Constituição, levada a cabo pelos delegados eleitos na posição

original, não se realiza de maneira totalmente imparcial, pois as condições culturais,

políticas e econômicas da sociedade ainda são consideradas. Os delegados eleitos podem

não possuir o conhecimento das pessoas concretas às quais são direcionados, entretanto,

os participantes da convenção têm conhecimento técnico e teórico do que será erigido como

constituição, o que permite a obtenção de legislação que satisfaça os princípios de justiça.

Constituição justa seria aquela que consiste num processo justo e que possua

um resultado justo, ou seja, que vise uma legislação adequada aos princípios de justiça.

Para que tal ocorra, a Constituição deve garantir as liberdades fundamentais

básicas, como a de consciência e de pensamento, as liberdades pessoais e a igualdade de

direitos políticos. Entretanto, todo processo político pode causar resultados indesejáveis,

elaborando normas injustas. Sempre haverá leis injustas, mas alguns regimes políticos

podem ter mais leis injustas que outros, assim, é fundamental saber escolher a melhor

estrutura de processo político dentre as possíveis, ou a estrutura que tem maior

probabilidade de conduzir uma ordem legal justa e eficaz.

Em um segundo momento, analisa-se a justiça das leis e das medidas políticas a

partir da constituição adotada. As leis devem respeitar os princípios de justiça e os limites

constitucionais.

É por demais controvertido saber se determinada legislação é justa ou injusta. No tocante à política econômica e social, a apreciação da justiça da lei depende de doutrina político-econômica e das ciências sociais, o que, associado ao princípio da diferença, oculta a eventual injustiça. Porém, na estrutura pública das instituições a injustiça da lei é sempre evidente. (MENDES DA SILVA, 1998)

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O princípio da igual liberdade para todos configura-se como o referencial

primário para a convenção constituinte. As liberdades fundamentais da pessoa e da

liberdade de consciência e de pensamento devem ser protegidas, e que o processo político

deve constituir um processo justo.

O segundo princípio, aplicado agora na terceira etapa – etapa legislativa –

direciona as políticas econômicas e sociais a se orientarem para a maximização das

expectativas dos menos favorecidos, não ultrapassando as condições da igualdade

eqüitativa de oportunidades e mantendo as liberdades iguais para todos. O conhecimento de

fatos econômicos e sociais é relevante. (RAWLS apud MENDES SILVA, 1998)

A quarta e última etapa é a da aplicação das regras constituídas aos casos

concretos, realizada pelos juízes e autoridades administrativas. Nessa fase de aplicação das

regras constituídas, prevalecerá a teoria da obediência parcial, excepcionada somente pelos

casos de desobediência civil e da objeção de consciência. (RAWLS apud MENDES SILVA,

1998)

Em tese, a constituição deve ser um procedimento justo que satisfaça as

exigências do primeiro princípio da justiça, devendo ser estruturada de forma que ela seja a

que tenha maiores chances de resultar em um conjunto legislativo justo e eficaz, em relação

a outros tipos de ordenamentos. “A justiça da constituição deve ser avaliada sob os dois

aspectos, à luz do que as circunstancias permitem, e as avaliações são feitas a partir do

ponto de vista da convenção constituinte.” (RAWLS, 2008), afinal, quando princípios comuns

são necessários e vantajosos para todos, eles devem ser discutidos sob a ótica de uma

situação inicial de igualdade, na qual os indivíduos são representados de maneira equitativa.

4 CONCLUSÃO

Rawls procura formular uma concepção de justiça estabelecendo a eqüidade

como base. O papel da justiça consistirá em especificar os direitos e deveres básicos dos

cidadãos e determinar as partes distributivas apropriadas. Sendo a justiça a virtude primeira

das instituições sociais, cada pessoa possui uma inviolabilidade normativa fundada na

justiça que não pode ser desconsiderada. (RAWLS, 2008)

A idéia de “justiça como equidade” funciona como uma noção pública de justiça

específica de uma sociedade bem-ordenada, imbuída de cidadãos racionais moralmente

comprometidos com a cooperação.

Os princípios acordados na posição original agem como modeladores das

instituições e meios para a produção da liberdade, igualdade e solidariedade, dessa forma

Rawls se concentra nas desigualdades da estrutura básica, compreendida como um amplo

sistema social que determina a justiça do contexto social. Observa-se que Rawls permite as

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desigualdades econômicas, desde que estas melhorem a situação dos menos favorecidos e

estejam em coerência com a igualdade equitativa de oportunidades e a liberdade igual,

devendo haver, portanto, expectativas legítimas àqueles que não lograram êxito por terem

sido atingidos por contingências sociais.

A correção das injustiças sociais advém da prática de uma política que vise à

equidade, expressamente localizada e pontual. Após identificar qual o setor social menos

favorecido, mecanismos legislativos compensatórios entrariam em ação para reparar, pela

lei e com o consentimento geral, as injustiças cometidas, o que acaba restringindo o alcance

dessas políticas.

REFERÊNCIAS

RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2008. GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um breve manual de filosofia política. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2008. KYMLICKA, Will. Filosofia Política Contemporânea – Uma Introdução. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2006. MENDES DA SILVA,Ricardo Perlingeiro. Teoria da Justiça de John Rawls. Brasília: Revista de Informação Legislativa, 1998. Disponível em: http://www.buscalegis.ufsc.br/n revistas/index. php/buscalegis/article/viewFile/30153/29548. Acesso em: 12/06/2009.

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POSIÇÃO ORIGINAL E CONTRATO SOCIAL HIPOTÉTICO: expedientes propulsores da teoria da justiça rawlsiana.

Jorge Luís Ribeiro Filho8

RESUMO

As ponderações deste artigo centram-se na análise de dois pontos – chave da teoria da justiça (Justiça enquanto equidade) desenvolvida por John Rawls (1921 – 2002), filósofo norte - americano, a saber: a posição original e o contrato social hipotético. Discutiremos questões gerais acerca da hipótese defendida pelo referido autor, dando ênfase às inovações e releituras realizadas. Cuidaremos, sobretudo, de questões atinentes à posição original, tratando – a como um artifício utilizado pelo autor para dar corpo à noção de igualdade moral primitiva. O contrato social hipotético é considerado, neste ensaio, como um instrumento de suporte aos princípios da justiça, pois, através dele, tais princípios são defendidos. Por derradeiro, defenderemos que a posição original e o contrato social, da maneira como o autor os coloca, têm importante função garantidora. Palavras – chave: Posição original. Contrato social hipotético. Igualdade. Instrumento. Justiça.

ABSTRACT

The weights of this article focus on the analysis of two main points of justice theory (justice as fairness) developed by John Rawls (1921 - 2002), north American philosopher, namely the original position and the hypothetical social contract. Discuss general issues about the hypothesis advocated by the author, emphasizing the innovations and rereading made. Taking care, especially in matters pertaining to the original position, giving it a sense used by the author to give substance to the notion of moral equality primitive. The hypothetical social contract is considered in this text as a tool to support the principles of justice, therefore, through him, these principles are upheld. For ultimate in arguing that the original position and the social contract, the way the author puts them have important role guarantor. Keywords: original position. Hypothetical social contract. Equality. Instrument. Justice.

1 INTRODUÇÃO

8 Graduando em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA); Membro do Núcleo de Estudos de Direito Constitucional da Universidade Federal do Maranhão (NEDC - UFMA).

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Falar em igualdade no campo da filosofia política contemporânea, por si só, não

representa uma grande novidade. Na verdade, muitos teóricos que atuam neste espaço já

consagram tal valor fundamental como centro irradiador das mais plausíveis construções.

John Rawls, filósofo norte-americano, demonstrou em sua Teoria da Justiça que

conseguiu captar, de forma bastante peculiar, a essência deste referido valor. Repaginando

a hipótese tradicional do contrato social, ele obteve uma teoria herdeira do pensamento

kantiano, otimista e politicamente razoável.

A situação pensada por Rawls, apesar de preponderantemente hipotética,

fornece expectativas interessantes tanto do ponto de vista coletivo quanto do individual.

Chegamos, assim, à conclusão de que seria possível termos um convívio social mais

acolhedor se encarássemos a realidade a partir de um prisma de razoabilidade.

Resumidamente, o autor nos convida a pensar que: situadas em uma posição

original e recobertas por um véu de ignorância, as pessoas firmariam um “pacto igualitário” e

proporcionariam as bases necessárias e possíveis para a efetivação da “Justiça como

equidade”.

Nestas circunstâncias peculiares, os entes representativos sagrariam os

princípios de justiça social que mais satisfizessem aos seus anseios comuns. Em

consonância com a obra em análise, os princípios que preencheriam com maior excelência

os pré-requisitos exigidos seriam os seguintes:

1. Cada pessoa deve ter direito igual ao esquema mais abrangente de

liberdades básicas iguais que for compatível com um esquema semelhante de

liberdades para as demais.

2. As desigualdades sociais e econômicas deverão ser constituídas de tal modo

que ao mesmo tempo: a) espere-se que sejam razoavelmente vantajosas

para todos; b) vinculem-se a empregos e cargos acessíveis a todos.

Podemos inferir, entre outras coisas, que a teoria da Justiça enquanto Equidade

se embasa na idéia de que os empenhos de cada componente da sociedade têm valor igual

e, portanto, merecem tratamento similar.

Para efeito de melhor compreensão da proposta deste artigo, é fundamental

ressaltarmos que não pretendemos explorar, minuciosamente, o intenso caminho que

abarca o exame da proposição acerca da justiça feita por Rawls. Não aspiramos discutir

todos os meandros de sua teoria.

Acreditamos que existem pontos da teoria rawlsiana que, por sua natureza e

pela função que exercem, merecem um maior empenho interpretativo. Sendo assim, nossa

análise se voltará apenas a questões relacionadas à posição original e ao contrato social

hipotético.

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Como tal autor procurou majorar o coeficiente de abstração presente na noção

de contrato social e da posição original (“estado de natureza”) existentes em autores como

John Locke, torna-se bastante oportuna a promoção de uma análise mais detalhada destes

dois expedientes.

Para alcançarmos o objetivo proposto, distribuiremos a nossa análise da

seguinte forma: num primeiro momento, serão abordadas questões referentes à posição

original, enfatizando que ela é um expediente de exibição utilizado pelo autor com o escopo

de conceber a igualdade entre os indivíduos. Adiante, analisaremos pontos remissivos ao

contrato social hipotético, ressaltando que tal mecanismo, apesar de bastante usual, é

utilizado pelo autor com outros objetivos, distintos dos rotineiramente perseguidos.

Concluiremos este estudo com a análise da relação existente entre a posição original, o

contrato social e a proposta de equilíbrio reflexivo levantada por Rawls.

2 POSIÇÃO ORIGINAL: “status quo” inicial da teoria rawlsiana

Rawls quer que entendamos a posição original como um artifício contemplativo,

ou seja, como um expediente de exibição utilizado com o escopo de conceber a igualdade

entre os indivíduos e de legitimar os marcos equitativos que deverão conduzir futuras

relações.

Em harmonia com esse entendimento, temos:

[...] A posição original é definida de modo a ser um status quo no qual qualquer consenso atingido é justo. É um estado de coisas no qual as partes são igualmente representadas como pessoas dignas, e o resultado não é condicionado por contingências arbitrárias ou pelo equilíbrio relativo das forças sociais. Assim, a justiça como equidade é capaz de usar a idéia de justiça procedimental pura desde o início. Fica claro, então, que a posição original é uma situação puramente hipotética. [...] (RAWLS 2000, p. 129-130)

Este artifício ajuda, entre outras coisas, a demarcar o conceito de Justiça como

Equidade, padrão jurídico – político perseguido pela filosofia rawlsiana, em função da idéia

de justiça procedimental pura.

O conceito de justiça procedimental, no contexto em que é empregado na Teoria

da Justiça rawlsiana, é de fundamental importância, pois, como fica claro em diversas

passagens extraídas dos seus livros, tal autor coloca como principal meta a ser alcançada a

justiça institucional, cujo objetivo primário é o que ele mesmo chama de estrutura básica da

sociedade.

Sobre este ponto de vista, dispõe Rawls (2000, p.07-08):

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[...] Para nós o objeto primário da justiça é a estrutura básica da sociedade, ou mais exatamente, a maneira pela qual as instituições sociais mais importantes distribuem direitos e deveres fundamentais e determinam a divisão de vantagens provenientes da cooperação social. Por instituições mais importantes quero dizer a constituição política e os principais acordos econômicos e sociais. [...] A justiça de um esquema social depende essencialmente de como se atribuem direitos e deveres fundamentais e das oportunidades econômicas e condições sociais que existem nos vários setores da sociedade[...].

Outro fato bastante interessante e que dá contorno ao entendimento rawlsiano

acerca da justiça é a maneira como os indivíduos são limitados por instrumentos abstratos.

Os indivíduos representativos estariam sendo influenciados por certas circunstâncias

garantidoras, o que tornaria possível conceber seus interesses e suas decisões da maneira

mais equitativa possível. Para dar densidade à escolha dos princípios de justiça social, este

ponto é importantíssimo.

Da hipótese da posição original decorre, de acordo com o que percebemos, a

necessidade de enfraquecer certas ambições individuais que possam ser prejudiciais ao

sistema de cooperação social pretendido. O mecanismo responsável pela execução dessa

tarefa é o “véu de ignorância”.

Os homens representativos, que estariam na posição original, possuiriam,

naturalmente, convicções, aptidões, pretensões, mas, devido à influência do “véu da

ignorância”, viveriam uma espécie de “vazio mental estratégico”. Devido a essa

particularidade, eles acabariam firmando um contrato, antes mesmo de descobrirem em que

circunstâncias se encontrarão quando de sua retirada.

Assim, limitados por este véu, dispositivo que bloquearia possíveis ações de

cunho egoístico, os indivíduos representativos, segundo Rawls, não possuiriam

embasamento para comerciar pacotes de habilidades naturais ou para deturpar a aplicação

de princípios em benefício próprio.

Diante destas características, é lícito afirmarmos que a posição original, para

servir ao fim a que foi concebido por Rawls, precisa oferecer aos contratantes uma imagem

suficientemente clara acerca das variáveis que estão em jogo, permitindo a tomada de uma

decisão desinteressada, porém exata, prudente, moral, previsível e, conseqüentemente,

justa. Tal concepção-modelo acaba possibilitando a identificação entre a visão que os

componentes de uma sociedade bem ordenada têm de si mesmos como cidadãos e o

conteúdo de sua concepção pública de justiça.

Sobre esse ponto de vista, assinala Rawls (2000, p. 126-127):

[...] A idéia intuitiva da justiça como equidade é considerar que os princípios primordiais da justiça constituem, eles próprios, o objeto de um acordo original em uma situação inicial adequadamente definida. Esses princípios são aqueles que pessoas racionais interessadas em promover seus interesses aceitariam nessa posição de igualdade, para determinar os

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termos básicos de sua associação. Deve-se demonstrar, portanto, que os dois princípios da justiça são a solução para o problema de escolha apresentado prela posição original. [...]

Desse modo, John Rawls se vale da idéia de posição original figurativa para

acionar uma concepção peculiar do valor igualdade, ressalvando as implicações trazidas

pela adoção de tal conjectura e possibilitando a escolha futura e indispensável de

determinados princípios de justiça.

3 PECULIARIDADES DO CONTRATO SOCIAL HIPOTÉTICO RAWLSIANO

Na busca de um método capital que conferisse certa regularidade à sua teoria,

John Rawls se utiliza do tradicional procedimento contratualista. Tal mecanismo, porém, é

utilizado com outros objetivos, distintos, em parte, dos usualmente perseguidos.

Ele aspira, através de um acordo coletivo unânime, legitimar as bases sobre as

quais as decisões dos indivíduos e a atividade das instituições devem ser pautadas. Assim,

agentes racionalmente autônomos, submetidos a condições razoáveis, chegariam a um

acordo sobre princípios públicos de justiça social, que ganhariam “força vinculativa” através

do contrato hipotético.

Ao se utilizar do expediente contratual, John Rawls logrou êxito, principalmente,

em dois sentidos: 1) acabou por legitimar a escolha dos princípios através dos quais

desenvolverá toda sua argumentação e 2) tornou universal uma escolha que poderia ser

restringida ao campo da subjetividade dos indivíduos representativos, já que a escolha

realizada na posição original não é baseada em interesses individuais e sim em uma

racionalidade coletiva justificada.

Diferenciando-se dos “contratualistas costumeiros”, que buscavam, tão somente,

determinar qual forma de governo seria mais eficiente, qual seria a procedência histórica

das sociedades civis etc., o filósofo em tela se utiliza do argumento contratual com o intuito

de entrever, hipoteticamente, a essência da moralidade escolhida por sujeitos

representativos em uma situação primitiva igualitária. Sendo assim, Rawls busca autenticar

a relação entre os princípios primeiros da justiça social e a concepção da pessoa moral,

considerada como livre e igual.

Nesse sentido, assevera Kymlicka (2006, p. 76 – 77):

[...] Contudo, como observa Dworkin, há outra maneira de interpretar os argumentos de contrato social. [...] Invocamos a idéia de um estado de natureza não para determinar as origens históricas da sociedade ou as obrigações históricas dos governos e indivíduos, mas para modelar a idéia de igualdade moral dos indivíduos. [...] A idéia de um estado de natureza, portanto, não representa uma afirmação antropológica a respeito da

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existência pré-social dos seres humanos, mas uma afirmação moral a respeito da ausência de subordinação natural entre os seres humanos. [...]

Invocando o argumento contratual foi possível promover o assentamento de

princípios de justiça através de uma posição de equidade, princípios estes que além de

constituírem um importante reforço procedimental (agem como um meio, um canal), são

fundamentadores de direitos (estão no seio do fim proposto por Rawls).

Como sabemos a expressão “princípios”, independente do campo de

conhecimento a que estamos nos referindo, nos passa a idéia de cláusulas embrionárias

que servem como pedra angular para o desenvolvimento de algum estudo. Na Teoria da

Justiça de John Rawls isto não é diferente.

O equilíbrio das futuras relações é resultado de uma efervescência de comandos

provenientes dos dois princípios da justiça social elencados por Rawls, que norteiam,

motivam e restringem as ações atinentes ao convívio cooperativo. A partir deles, é possível

estabelecer a interpretação da igualdade e da liberdade que convém às sociedades

democráticas modernas.

Sendo assim, com o fito de prover maior densidade material aos princípios de

justiça social, o referido autor oferece uma releitura do clássico argumento do contrato social

hipotético. Ele ambiciona, principalmente, extrair os principais efeitos de determinados

nortes éticos concernentes à eqüidade existente entre indivíduos livres, racionais e

mutuamente desinteressados.

Através deste mecanismo, é possível o vislumbre da essência da moralidade

adotada pelas pessoas, se estas pudessem considerar a sociedade a partir de um marco

zero, ou seja, de um status quo inicial (posição original rawlsiana).

Partindo do pressuposto de que aceitaríamos seus princípios, se, com o auxílio

de algum mecanismo (como o véu de ignorância) sobre eles refletíssemos, John Rawls

confere maior densidade ao argumento contratual e, por conseguinte, à sua idéia de

igualdade moral inicial.

Parece - nos, portanto, que a forma mais acertada de encarar a iniciativa

contratual hipotética rawlsiana é considerá-la como um expediente metodológico utilizado

com o fito de idealizar uma situação assinalada pela carência de submissão natural entre os

seres humanos. Um estágio onde as pretensões dos indivíduos, apesar de limitadas por um

estado transitório de desconhecimento, recebessem a mesma valoração.

Cabe ressaltar, além disso, que, como a teoria da Justiça enquanto Equidade se

baseia em direitos invioláveis (sujeitos diferentes são titulares de empenhos que têm direito

de resguardar), a idéia de utilizar o recurso contratual faz ainda mais sentido.

John Rawls, na referida teoria, procura dar atenção especial à proteção das

“liberdades básicas” dos indivíduos, termo este que, em uma interpretação bastante

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razoável, designaria os direitos fundamentais que devem, a qualquer custo, serem

reconhecidos constitucionalmente.

A maneira através da qual o contrato é empregado implica uma teoria profunda

que elege como meta basilar defender a inviolabilidade, fundada na justiça, de cada ser

humano.

Certamente, Rawls não defende a idéia de que, em alguma época remota,

membros de determinada comunidade “real” firmaram um contrato, reconhecendo caráter

vinculativo a uma série de premissas que deveriam reger as suas relações futuras. Como já

mencionamos, o seu acordo é estrategicamente imaginário.

Ele pretende, tão-somente, afirmar que, se indivíduos representativos se

encontrassem em uma posição original, recobertos por um véu de ignorância, inclinar-se-

iam a “aceitar”, como mais coerentes e politicamente viáveis, os seus princípios, até mesmo

por sua natureza de seres racionais, iguais e mutuamente desinteressados.

4 O CONTRATO SOCIAL E A POSIÇÃO ORIGINAL: questões acerca dos nossos juízos

ponderados

John Rawls teria arriscado a plausibilidade de sua teoria ao recorrer a

dispositivos como a posição original e o contrato social?

Acreditamos que não. Tal filósofo norte – americano parece partir do

pressuposto de que o peso das convicções morais dos seres representativos utilizados por

ele na posição original coloca tais recursos mais como garantidores do que como

fundamentadores de sua teoria.

Ele procura, através destes expedientes, mostrar que o emprego atual dos dois

princípios da justiça social seria conveniente, pois, em um caráter prévio, apesar das

condições terem sido outras, fora razoável anuir com eles.

O idealizador da Justiça como equidade acredita que as pessoas possuem um

entendimento intuitivo, ou, até mesmo, uma ponderação procedente da “vivência diária”, de

que certos juízos convencionais são inerentemente retos.

Desta forma, a metodologia utilizada por ele busca elencar princípios que

motivem e aclarem os nossos próprios juízos ponderados, retirando, de certa forma, a

“responsabilidade fundamentadora” que, se fosse totalmente atribuída à posição original e

ao contrato social hipotético, poderia tornar o seu argumento bastante inerme.

Podemos fundamentar tal entendimento a partir da técnica do equilíbrio reflexivo.

Acerca disso, afirma Dworkin (p. 2007, p. 244):

[...] Podemos esperar por um procedimento de vai – e – vem entre nossos juízos intuitivos e a estrutura dos princípios explicativos, fazendo ajustes

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primeiro em um dos lados, e em seguida no outro, até chegar ao que Rawls chamou de estado de equilíbrio reflexivo, no qual ficamos satisfeitos ou pelo menos tão satisfeitos quanto podemos racionalmente esperar. (...) Pode perfeitamente acontecer que, pelo menos para a maioria de nós, nossos juízos políticos habituais permaneçam nessa relação de equilíbrio reflexivo com os dois princípios de justiça de Rawls, ou pelo menos que assim possa ser feito através do processo de ajuste que acabei de descrever. [...]

No mesmo sentido, Rawls (2000, p. 22):

[...] Todavia, há um outro aspecto para a justificativa de um determinada descrição da posição original, que consiste em observar se os princípios eventualmente escolhidos combinam com nossas ponderações sobre a justiça ou se as ampliam de um modo aceitável. Podemos observar se a aplicação desses princípios nos levaria a fazer, a respeito da estrutura básica da sociedade, os mesmos julgamentos que agora fazemos intuitivamente e nos quais depositamos a maior confiança; ou se, nos casos em que nossas opiniões atuais são vacilantes, esses princípios mostram uma solução que podemos aceitar após reflexão. [...]

John Rawls utiliza, portanto, a posição original e o contrato social para mostrar,

hipoteticamente, que as pessoas teriam aceitado seus princípios de justiça, sofrendo

influencia das adequadas condições, se tivessem sido sondadas, mas isso corresponderia a

outro momento de reflexão, já que uma das condições primárias para o aceite racional é que

tais princípios teóricos figurem como uma justificação de nossas convicções.

Os ideais morais não eram os mesmos para todos os indivíduos, as pessoas,

conforme destacamos, anteriormente, possuiriam convicções, aptidões, pretensões que,

certamente seriam discrepantes. John Rawls, ao elaborar a posição original, utiliza-se da

técnica do “equilíbrio reflexivo” (tenta-se organizar as idéias e princípios básicos latentes no

bom senso, promovendo comparações, esclarecendo pressupostos e eventuais

conseqüências, desenvolvendo, assim, uma teoria coerente de justiça).

Por equilíbrio reflexivo entendamos, segundo Rawls (2000, p. 23):

[...] A esse estado de coisas eu me refiro como equilíbrio reflexivo. Trata-se de um equilíbrio porque finalmente nossos princípios e opiniões coincidem; e é reflexivo porque sabemos com quais princípios nossos julgamentos se conformam e conhecemos as premissas das quais derivam [...].

Sendo assim, apesar de inferirmos de alguns pontos do próprio pensamento

rawlsiano que apenas os princípios de justiça são “construídos”, sendo que a posição

original e os demais expedientes metodológicos, eventualmente enxertados em sua teoria,

são “estipulados”, podemos afirmar que, se o equilíbrio reflexivo não “constrói” a posição

original, ele pelo menos garante a sua efetividade enquanto recurso teórico-hipotético.

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5 CONCLUSÃO

Como constatamos, John Rawls, ao propor a “Justice as Fairness”, além de

afirmar que o “justo” tem prioridade sobre o “bem”, pensou em uma definição de Justiça que

tivesse sua efetividade justificada a partir da equidade do processo de escolha dos seus

princípios.

É lícito afirmarmos, portanto, que a posição original e o contrato social são de

fundamental importância, tanto pela riqueza metodológica que acrescentam à Teoria de

Rawls, como pela força garantidora e fundamentadora que exercem.

Em consonância com o afirmado em linhas anteriores, Rawls quer que

entendamos a posição original como um artifício contemplativo que serve, entre outras

coisas, para legitimar os marcos equitativos que deverão conduzir futuras relações,

justificando, também a escolha “atual” de certos princípios de justiça social.

O contrato social se constitui em um expediente que ter por função primordial

garantir e dar “força vinculativa hipotética” à essência da moralidade escolhida por sujeitos

representativos em uma situação primitiva igualitária.

A importância do véu da ignorância também não pode ser esquecida, já que,

através deste mecanismo, é preservada a idoneidade na escolha dos princípios, em

detrimento de eventuais contingências causadas pelo egoísmo.

Dessa forma, torna-se importante analisar estes artifícios procedimentais

trazidos pela Teoria da Justiça de John Rawls, pois eles funcionam como verdadeiros

garantidores da eficácia das proposições levantadas.

REFERÊNCIAS

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls. São Paulo: Martins Fontes. KYMLICKA, Will. Filosofia política contemporânea: uma introdução. Tradução de Luís Carlos Borges. Revisão de tradução de Marylene Pinto Michael. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Almiro Pisetta e Lenita M.R. Esteves. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. ______. Justiça e democracia. Seleção, apresentação e glossário de Catherine Audard. Tradução de Irene A. Paternot. São Paulo: Martins Fontes, 2002.