texto de apoio 2

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Ética e Deontologia na Prática Psicológica – Texto de Apoio 2 1 Deontologia da prática psicológica Enquadramento 1. Introdução: origem e história do CDOPP A publicação do CDOPP tornou visível para os profissionais e para o público em geral a dimensão deontológica inerente à prática psicológica, correspondendo aos objectivos atrás assinalados: Indicar à sociedade que a prática profissional visa valores socialmente reconhecidos, portanto conformes à moral comum; Sujeitar a prática profissional a um exame crítico, tanto do ponto de vista das soluções habitualmente seguidas como da falibilidade dos profissionais individualmente considerados. Recordese, no entanto, que a profissão de psicólogo foi reconhecida em Portugal antes da instituição da OPP e que a deontologia enquanto procedimento ético nesse âmbito profissional, é indissociável do discernimento pessoal dos psicólogos e, portanto, anterior ao CDOPP. Para além deste, existem outros documentos com relevância para esta matéria e que, embora não inteiramente concordantes, devem ser referenciados. A deontologia da prática psicológica tem vindo a constituirse, por ordem cronológica, graças aos seguintes documentos: o capítulo VI dos Estatutos da OPP (artigos 75º a 81º da Lei nº 57/2008) e demais legislação aplicável; o CDOPP (publicado em anexo ao Regulamento nº 258/2011, Diário da República, 2.a série de 20 de Abril de 2011); “as diversas linhas específicas de orientação (guidelines), a desenvolver ao longo do tempo, sobre áreas de aplicação ou problemáticas particulares”, à semelhança do que têm vindo a fazer organismos internacionais como a APA (American Psychological Association) ou a EFPA (European Federation of Psychologists’ Association). Deve ainda acrescentarse o Regulamento Disciplinar da Ordem dos Psicólogos Portugueses (Regulamento nº 257/2011). Centrarnosemos, neste capítulo e nos seguintes, no comentário ao CDOPP, recorrendo, quando se revele útil ou necessário, aos demais documentos acima apontados. O Código Deontológico da OPP resulta de uma proposta elaborada por um grupo de trabalho em que participaram representantes das instituições de ensino superior que oferecem formação graduada e pósgraduada em Psicologia, o Sindicato dos Psicólogos e profissionais de reconhecida competência e idoneidade.

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Ética  e  Deontologia  na  Prática  Psicológica  –  Texto  de  Apoio  2    

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Deontologia  da  prática  psicológica  -­‐  Enquadramento    

1. Introdução:  origem  e  história  do  CDOPP  A   publicação   do   CDOPP   tornou   visível   para   os   profissionais   e   para   o  

público   em   geral   a   dimensão   deontológica   inerente   à   prática   psicológica,  correspondendo  aos  objectivos  atrás  assinalados:  

-­‐ Indicar  à  sociedade  que  a  prática  profissional  visa  valores  socialmente  reconhecidos,  portanto  conformes  à  moral  comum;  

-­‐ Sujeitar   a   prática   profissional   a   um   exame   crítico,   tanto   do   ponto   de  vista   das   soluções   habitualmente   seguidas   como   da   falibilidade   dos  profissionais  individualmente  considerados.      

 Recorde-­‐se,  no  entanto,  que  a  profissão  de  psicólogo   foi  reconhecida  em  

Portugal  antes  da  instituição  da  OPP  e  que  a  deontologia  enquanto  procedimento  ético   nesse   âmbito   profissional,   é   indissociável   do   discernimento   pessoal   dos  psicólogos     e,   portanto,   anterior   ao   CDOPP.   Para   além   deste,   existem   outros  documentos   com  relevância  para  esta  matéria  e  que,   embora  não   inteiramente  concordantes,  devem  ser  referenciados.  A  deontologia  da  prática  psicológica  tem  vindo  a  constituir-­‐se,  por  ordem  cronológica,    graças  aos  seguintes  documentos:  

-­‐ o   capítulo   VI   dos   Estatutos   da   OPP   (artigos   75º   a   81º   da   Lei   nº  57/2008)  e  demais  legislação  aplicável;  

-­‐ o  CDOPP  (publicado  em  anexo  ao  Regulamento  nº  258/2011,  Diário  da  República,  2.a  série  de  20  de  Abril  de  2011);  

-­‐ “as   diversas   linhas   específicas   de   orientação   (guidelines),   a  desenvolver   ao   longo   do   tempo,   sobre   áreas   de   aplicação   ou  problemáticas   particulares”,   à   semelhança   do   que   têm   vindo   a   fazer  organismos   internacionais   como   a   APA   (American   Psychological  Association)   ou   a   EFPA   (European   Federation   of   Psychologists’  Association).      

Deve   ainda   acrescentar-­‐se   o   Regulamento   Disciplinar   da   Ordem   dos  Psicólogos  Portugueses  (Regulamento  nº  257/2011).

Centrar-­‐nos-­‐emos,   neste   capítulo   e   nos   seguintes,   no   comentário   ao  CDOPP,  recorrendo,  quando  se  revele  útil  ou  necessário,  aos  demais  documentos  acima  apontados.  

O  Código  Deontológico  da  OPP  resulta  de  uma  proposta  elaborada  por  um  

grupo   de   trabalho   em   que   participaram   representantes   das   instituições   de  ensino  superior  que  oferecem  formação  graduada  e  pós-­‐graduada  em  Psicologia,  o   Sindicato   dos   Psicólogos   e   profissionais   de   reconhecida   competência   e  idoneidade.    

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O  documento  produzido  por  este  grupo  de  trabalho  esteve  em  discussão  pública   entre   24   de   Janeiro   e   24   de   Fevereiro   de   2011,   sendo   posteriormente  revisto,  apresentado  e  votado  na  Assembleia  de  Representantes  de  25  de  Março  do  mesmo   ano.   Veio   a   ser   publicado   em  Diário   da   República   a   20   de   Abril   de  2011,   como   anexo   do   Regulamento   nº   258/2011,   em   cumprimento   do  estabelecido  pelos  Estatutos  da  Ordem.  

O   CDOPP   é   constituído   pelo   Preâmbulo,   Princípios   Gerais   e   Princípios  Específicos.  

 O  primeiro  aspecto  a  sublinhar  no  Preâmbulo  é  a  seguinte  afirmação:   “a  

referência  do  exercício  profissional  é  o  máximo  ético  e  não  o  mínimo  aceitável”.  Esta   frase,   ainda  que  não  possa   considerar-­‐se  uma  declaração  de  princípios  ou  uma   profissão   de   fé   em   termos   filosóficos,   é   indiciadora   de   que   este   corpo   de  profissionais  assume  a  ética  como  constitutiva  da  sua  profissionalidade,  não  em  termos  abstractos  ou  formais,  mas  incarnada  no  seu  agir  profissional  quotidiano.  Por   essa   razão,   o   CDOPP   refere-­‐se   directamente   à   prática   e   aos   seus  destinatários,   estabelecendo   normas   e   definindo   boas   práticas,   mas   também  princípios  e  valores  que  as  fundamentam.  A  mesma  frase  deixa  também  implícito  que   “conhecer   as   normas”   pode   não   corresponder   a   “agir   de   acordo   com  princípios  e  valores”  e  assume  a  sua  opção  por  uma  prática  que  visa  o  melhor  e  pode,   por   isso,   considerar-­‐se   de   acordo   com   a   definição   de   ética   que   atrás  deixámos:   “visar   o   bem,   vivendo   com   e   para   os   outros   em   instituições   justas”  (Ricoeur,  1990,  1995).  Por  outro  lado,  a  própria  existência  do  CDOPP  mostra  que  os  psicólogos  não  caem  na  crença  ingénua  de  considerar  que  um  código  não  seria  necessário  pelo   facto  de   “decent  mature  people  do  not  need   to  be   told  how   to  conduct  themselves”  (Hall,  1952:430,  cit.  Lindsay  et  al.,  p.  8).    

A  perspectiva  do  CDOPP  é  realista  no  sentido  de  que  se  espera  de  todos  os  psicólogos   um   comportamento   visando   o  máximo  ético,   isto   é,   o  melhor  modo  possível   de   exercer   a   profissão,   para   os   quais,   idealmente,   o   CDOPP   não   seria  necessário;   mas   em   que   este   se   apresenta   como   um   instrumento   a   estudar   e  discutir  em  contexto  de  formação  e  investigação,  de  tal  modo  que  os  psicólogos  não   precisem   de   recorrer   a   ele   na   sua   prática   quotidiana,   mas   permanece  disponível  para  que  seja  possível  actuar  de  cada  vez  que  não  seja  cumprido.    

 A   quem   se   aplica   o   CDOPP?   Ou,   dito   de   outro  modo,   quem   é   que   pode  

considerar-­‐se  psicólogo,  para  que  se  lhe  aplique  o  CDOPP?    O  Preâmbulo  esclarece  que  “psicólogo”  é  

qualquer   pessoa   que   obtenha   formação   específica   em   Psicologia   concordante  com   as   normas   em   vigor   (...)   e   que   exerça   um   papel   profissional   em   qualquer  área   ou   contexto   da   Psicologia.   Para   o   exercício   da   sua   prática   é   obrigatória   a  inscrição   enquanto  membro,   ou  membro-­‐estagiário,   no   exercício   da   actividade  profissional  supervisionada,  da  Ordem  dos  Psicólogos.  

Os  Estatutos  afirmam  também,  no  seu  artigo  51º,  que  

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1.  Podem  inscrever-­‐se  na  Ordem:  a) Os  mestres  em  Psicologia  que  tenham  realizado  estudos  superiores  de  1º  

e  2º  ciclo  em  Psicologia;  b) Os  licenciados  em  Psicologia  que  tenham  realizado  uma  licenciatura  com  

a  duração  de  quatro  ou  cinco  anos,  anterior  à  data  de  31  de  Dezembro  de  2007;  

c) Os   profissionais   nacionais   de   outros   Estados   membros   da   União  Europeia  que  sejam  titulares  das  habilitações  académicas  e  profissionais  requeridas  legalmente  para  o  exercício  da  profissão  no  respectivo  Estado  de  origem;

d) Os  nacionais  de  outros  Estados  em  condições  de  reciprocidade  desde  que  obtenham  a  equiparação  nos  termos  da  lei  em  vigor.

2.   A   passagem   a   membro   efetivo   da   Ordem   depende   da   realização   de   estágio  profissional.

Encontramos  ainda  no  Preâmbulo,   em  concordância   com  os  Estatutos,   a  seguinte  definição  de  “cliente”:    

entende-­‐se   por   cliente   qualquer   pessoa,   família,   grupo,   organização   e/ou  comunidade   com   os   quais   os/as   psicólogos/as   exerçam   actividades   no   âmbito  dos   seus   papéis   profissionais,   científicos   e/ou   educacionais   enquanto  psicólogos/as.  

Trata-­‐se,  portanto,  de  uma  definição  que  extravasa  a  dimensão   clínica   e  corresponde   sobretudo   à   natureza   relacional   do   trabalho   do   psicólogo.   A  definição  de  cliente  é  muito  relevante  pois  é  em  função  do  destinatário  da  prática  psicológica   que   pode   deduzir-­‐se   a   deontologia,   expressa   de   modo   mais  consistente  e    desenvolvido  no  CDOPP.  

 O   corpo   do   CDOPP   divide-­‐se   em   duas   partes:   Princípios   Gerais,  

qualificados   de   “estruturais   e   aspiracionais”   e   Princípios   Específicos,   definidos  como  “regras  de  conduta  ética”.  Embora  exista  uma  relação   indissociável  entre  ambas   as   partes,   dada   precisamente   a   natureza   “estrutural”   dos   Princípios  Gerais,   pode   dizer-­‐se   que   estes   estão   mais   próximos   da   ética   profissional,   ao  passo  que  os  segundos  são  de  natureza  mais  deontológica.  No  entanto,   será  na  apresentação   dos   objectivos   dos   Princípios   Específicos   que   encontramos   a  primeira  formulação  do  que  Hortal  (1995)  chama  “fins  ou  bens  intrínsecos  a  que  tende  o  exercício  da  profissão”.  São  definidos  nos  seguintes  termos:    

promoção  da  qualidade  de  vida  e  protecção  de  pessoas,  casais,  famílias,  grupos,  organizações  e  comunidades  com  as  quais  os/as  psicólogos/as  trabalham.  

Note-­‐se  que  na  definição  dos  Princípios  Específicos,  o  adjetivo  “ética”,  no  singular,   concorda  com  “conduta”  e  não  com  “regras”.  Os  princípios  específicos  são   pois   “regras”   de   natureza   deontológica   que   visam   a   “conduta   ética”   dos  psicólogos.  É  também  na  análise  dos  princípios  específicos  que  encontraremos  a  apreciação   pormenorizada   do   que   Hortal   (1995)   considera   o   específico   da  deontologia,   isto   é,   “as   consequências   que   derivam   dos   direitos   e   legítimos  interesses   dos   usuários   ou   clientes   da   actividade   profissional   em   causa,   bem  como  as  obrigações  decorrentes  de  integrar  o  grupo  profissional  respectivo”.  No  

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entanto,   tais   princípios   “não   pretendem   ser   exaustivos,   embora   se   refiram   às  diversas   áreas   e   contextos   onde   os/as   psicólogos/as   exercem   as   suas   funções  profissionais   e   a   diversas   situações   de   dilemas   éticos   que   poderão   encontrar”  (CDOPP,  Preâmbulo)  e  procuram  corresponder  também  a  um  outro  objectivo  de  natureza   deontológica:   “a   orientação   e   formação   de   membros   efectivos   e  estagiários  da  Ordem  dos  Psicólogos  e  estudantes  de  Psicologia”.    

2. Os  princípios  gerais  do  CDOPP  A   introdução   aos   princípios   gerais   do   CDOPP   permite-­‐nos   identificar   a  

orientação  filosófica  deste  documento  e  dá-­‐nos  indicações  para  o  que  deve  ser  o  discernimento  do  profissional  em  situação  de  conflito  ético.    

A   primeira   afirmação   é,   reiterando   o   dito   no   Preâmbulo   e   seguindo   o  código   da   APA,   que   “os   princípios   gerais   são,   por   natureza,   aspiracionais”,  esclarecendo  que,  com  estas  palavras,  se  propõem    

orientações   para   os   profissionais   no   sentido   de   os   guiar   e   inspirar   para   uma  atuação  centrada  nos  ideais  da  intervenção  psicológica.  

Entende-­‐se,  por  conseguinte,  que  1. existe  um  modo  ideal  de  realizar  a  intervenção  psicológica,  que  corresponde  

a  uma  perfeição,  desejável  e  desejada,  embora  nem  sempre  conseguida;  2. esta  perfeição  não  está  definida  de  um  modo  absoluto  e  definitivo,  não   tem  

um   carácter   apodítico   e,   coerentemente,   os   princípios   gerais   são  apresentados   como   “obrigações   prima facie”1, isto é, devem cumprir-se, a menos que, numa situação particular, entrem em conflito com outro dever de importância igual ou superior.  

3. os  princípios  gerais  derivam  de  uma  “moral  comum  da  Psicologia”  ou  “moral  compartilhada”2  por  este  grupo  de  profissionais,  resultando  a  sua  validade  de  serem   “sentidos   como   intuitivamente   corretos”,   “construídos   e   inspirados  nas   características   naturais   da   pessoa”   e   confirmados   tanto   por   “um  raciocínio   filosófico   secular”,   quanto   “na   natureza   da   intervenção  psicológica”;  note-­‐se  que  o  consenso  entre  os  profissionais  não  é  critério  da  bondade  destes  princípios,  embora  possa  ser  indício  da  intuição  generalizada  (cada   um   intui   que   determinado   princípio   é   correto   e,   ao   encontrar   nos  demais  idêntico  ponto  de  vista,  é  confirmado  na  sua  intuição  primeira;  não  se  trata   de   uma   obediência,   nem   de   uma   dedução,   mas   de   um   encontro   de  intuições  que  afasta  também  a  hipótese  de  coincidência  fortuita);  

4. a   atuação   profissional   dos   psicólogos   e   a   “moral   compartilhada”   que   a  suporta  não  são  perfeitas,  mas  são  perfectíveis;  

                                                                                                               1  A  noção  de  obrigação  ou  dever  prima  facie  é  apresentada  por  Ross  no  seu  livro  “The  Right  and  

the  Good”.  Corresponde  a  uma  obrigação  que  se  deve  cumprir,  a  menos  que,  numa  situação  particular,  entre  em  conflito  com  um  outro  dever  de  igual  ou  maior  importância.  Os  dilemas  éticos  resultam,  por  isso,  do  conflito  entre  dois  deveres  prima  facie.  

2  Não  parece  existir  no  CDOPP  uma  distinção  clara  entre  os  termos  ética  e  moral.  Abordámos  este  tema  no  capítulo  anterior.  

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5. este  aperfeiçoamento  progressivo  é  susceptível  de  ser  buscado  e  descoberto  na  atuação  concreta,  razão  por  que  se  diz  que  é  função  dos  princípios  gerais  guiar  e  inspirar  os  psicólogos.  

Esta  orientação  diverge  da  que  encontramos  no  artigo  75º  dos  Estatutos  da  OPP.  Com  efeito,  na  lista  que  dele  consta  encontramos  lado  a  lado  princípios  gerais   e   princípios   específicos   do   Código   Deontológico,   sem   uma   enumeração  exaustiva  de  nenhuma  das  categorias.  A  diferença  mais  evidente  corresponde  à  omissão   da   referência   ao   princípio   de   respeito   pela   dignidade   e   direitos   da  pessoa  (Princípio  A  do  CDOPP).  Considerando  que  os  Estatutos  foram  elaborados  antes  do  Código  Deontológico,   é,   até   certo  ponto,   compreensível   a   divergência,  sendo,   no   entanto,   desejável   que   a  OPP   promova   um   trabalho   sobre   ambos   os  documentos   que   os   torne   coerentes   entre   si.   Apresentamos   no   Quadro   1   a  correspondência  entre  os  princípios  gerais  enunciados  nos  Estatutos  e  o  Código  Deontológico.  Como  veremos  adiante,  a  formulação  do  CDOPP  é  mais  abrangente  tanto  para  os  princípios  gerais  como  para  os  específicos.  

Quadro  1  Estatutos  da  OPP  

Artigo  75º  -­‐  Princípios  Gerais   Correspondência  no  Código  Deontológico  

a) Actuar   com   independência   e   isenção  profissional;    

Princípio  específico  3  -­‐  Relações  Profissionais  Princípio  específico  5.4  -­‐  Prática  e  Intervenção  Psicológicas:  Preocupações  de  isenção  e  objectividade  na  intervenção  

b) Prestigiar  e  dignificar  a  profissão;     Princípio  B  –  Competência  

c) Colocar   a   sua   capacidade   ao   serviço   do  interesse  público;    

Princípio  C  –  Responsabilidade  

d) Empenhar-­‐se   no   estabelecimento   de   uma  dinâmica  de  cooperação  social  com  o  objectivo  de  melhorar  o  bem-­‐estar  individual  e  colectivo;  

Princípio  C  –  Responsabilidade  Princípio  E  –  Beneficência  e  não  maleficência  

e) Defender  e  fazer  defender  o  sigilo  profissional;   Princípio  específico  2  -­‐  Privacidade  e  Confidencialidade  

f) Exigir   aos   seus   membros   e   colaboradores   o  respeito  pela  confidencialidade;  

Princípio  específico  2  -­‐  Privacidade  e  Confidencialidade  

g) Utilizar  os   instrumentos  científicos  adequados  ao  rigor  exigido  na  prática  da  sua  profissão;  

Princípio  específico  5  –  Prática  e  Intervenção  Psicológicas  

Princípio  específico  6  –  Ensino,  Formação  e  Supervisão  Psicológicas  

h) Conhecer   e   agir   com   respeito   pelos   preceitos  legais  e  regulamentares;  

Princípio  C  –  Responsabilidade  Princípio  D  –  Integridade  

i) Respeitar  as  normas  de  incompatibilidade  que  decorram  da  lei.  

Princípio  D  –  Integridade  

 Os  princípios  gerais  enunciados  no  CDOPP  são  os  seguintes:  1. Respeito  pela  dignidade  e  direitos  da  pessoa;  2. Competência;  3. Responsabilidade;  4. Integridade;  

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5. Beneficência  e  não-­‐maleficência.  Podem   comprovar-­‐se   semelhanças,   quer   com   o  Metacódigo   de   Ética   da  

EFPA3  (coincidindo  os  primeiros  quatro),  quer  com  o  código  de  ética  da  APA  (são  comuns   os   princípios   de   Beneficência   e   Não-­‐maleficência,   Integridade   e  Responsabilidade).  

No  CDOPP,   os   princípios   gerais   articulam-­‐se   entre   si   de   tal  modo  que   a  partir  da  análise  de  cada  um  deles  podemos  encontrar  os  demais.  Apesar  disso,  a  sua  complexidade  não  é  idêntica,  sendo  igualmente  diversa  a  respectiva  origem  histórica.    

Encontramos   ainda   na   introdução   aos   Princípios   Gerais   do   CDOPP   um  conjunto   de   orientações   a   seguir   para   lograr   uma   decisão   ética   e  deontologicamente  fundamentada  em  caso  de  conflito  ético.  O  pressuposto  base  é  o  seguinte:  

quando  os  princípios  estabelecidos  entram  em  conflito,  cabe  ao  profissional,  em  última   análise,   decidir   sobre   como   resolver   o   dilema   ético   surgido,   a   partir   do  seu  raciocínio  ético.  

Esta  afirmação  pressupõe  que:    − a  decisão  ética  é  sempre  pessoal  e  intransmissível; − deve  ser  racional  e  expressa-­‐se  pelo  raciocínio  ético. Além   disso,   a   decisão   ética   pode   e   deve   ser   esclarecida,   tanto   pelo  

conhecimento   do   Código   Deontológico   e   da   legislação,   como   pelo   saber   e  experiência  de  profissionais  seniores,  como  se  diz  adiante:

Devem  informar-­‐se  sobre  os  procedimentos  usuais  em  circunstâncias  idênticas,  consultar   a   Comissão   de   Ética   da   instituição   onde   trabalham,   colegas   e  superiores  hierárquicos.  

 

3. Os  princípios  específicos  do  CDOPP    Os  princípios  específicos  do  CDOPP  não  se  confundem  com  leis  nem  com  

normas   disciplinares.   Apresentam   linhas   orientadoras   de   boas   práticas   e  permitem   identificar   práticas   incorrectas   a   sujeitar   à   apreciação   do   conselho  jurisdicional   (cf.   capítulo   V   dos   Estatutos).   Por   outro   lado,   sem   que   esteja   em  causa   a   importância  de  qualquer  deles,   verificamos  que   têm  desenvolvimentos  diferentes  que  se  coadunam  com  a  respectiva  finalidade.  

Os  princípios  específicos  podem  dividir-­‐se  em  três  grupos:    

                                                                                                               3  A  EFPA  é  a  European  Federation  of  Psychologists’  Associations.  No  âmbito  desta  federação  foi  

elaborado   o   Metacódigo   de   Ética   com   o   objectivo   de   servir   de   promover   entre   os   seus  membros   uma   maior   consciência   ética   em   todos   os   campos   de   estudo   da   Psicologia.   o  Metacódigo   foi   aprovado   na   Assembleia   Geral   da   EFPA   de   1995   em   Atenas   e   revisto   na  Assembleia  Geral  de  2005  em  Granada  (Cf.  http://ethics.efpa.eu/meta-­‐code/  ).  

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Ética  e  Deontologia  na  Prática  Psicológica  –  Texto  de  Apoio  2  Deontologia  da  prática  psicológica  –  Enquadramento  

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1. Condições   da   relação   profissional   –   correspondem   aos   dois   primeiros  princípios   específicos   (1.   consentimento   informado;   2.   privacidade   e  confidencialidade);  

2. Exercício   da   Profissão   -­‐   Funções   específicas   dos   psicólogos   –   definidas   e  caracterizadas   nos   princípios   específicos   4   a   7   (avaliação;   prática   e  intervenção;  ensino,  formação  e  supervisão;    investigação);  

3. Relações  dos  psicólogos  com  outras  entidades,  para  além  dos  clientes,  a  saber,  com   os   colegas   e   outros   profissionais   (princípio   específico   3)   e   com   a  sociedade  em  geral  (princípio  específico  8).          

 

Questões  para  auto-­‐avaliação  dos  seus  conhecimentos:  

1. Quais   as   finalidades   do   Código   Deontológico   da   Ordem   dos   Psicólogos  Portugueses?  

2. Em  que  documentos  se  encontra  consignada  a  deontologia  dos  Psicólogos  Portugueses?  

3. Quais  as  condições  necessárias  para  aceder  à  profissão  de  Psicólogo?  4. O  que  distingue  os  princípios  gerais  dos  princípios  específicos  do  CDOPP?  5. Quais   são   os   princípios   gerais   do   Código   Deontológico   da   Ordem   dos  

Psicólogos  Portugueses?  6. Por  que  se  diz  que  os  princípios  gerais  do  CDOPP  são  “aspiracionais”?  7. Quais  os  objectivos  dos  princípios  específicos  do  CDOPP?