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1. Introdução 1 1. INTRODUÇÃO O presente estudo tem como objectivo testar a compreensão da metáfora, dentro de uma abordagem psicolinguística. A motivação para estudar este tema foi pessoal e deveu-se a um interesse particular pela linguagem figurada em geral e pela metáfora em particular. Situando-me na linha teórica dos modelos conceptuais sobre a metáfora, encaro-a essencialmente como uma estrutura de organização mental e de perspectiva sobre o mundo. Através da metáfora, determinados domínios são conceptualizados nos termos de outros. Neste sentido, o âmbito da metáfora ultrapassa em muito o das manifestações literárias e mesmo linguísticas. Entendido desta forma, o mecanismo metafórico é transversal à linguagem e ao pensamento, o que o torna uma matéria de estudo especialmente interessante e atractiva. A percepção da especificidade da metáfora conduz ao reconhecimento intuitivo de que existe uma forma igualmente particular de a entender e de a processar. Com este trabalho pretendi explorar essa questão. Interessa-me perceber como se efectua a compreensão de uma linguagem assumida como

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1. Introdução

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1. INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como objectivo testar a compreensão da metáfora,

dentro de uma abordagem psicolinguística. A motivação para estudar este tema

foi pessoal e deveu-se a um interesse particular pela linguagem figurada em

geral e pela metáfora em particular.

Situando-me na linha teórica dos modelos conceptuais sobre a metáfora,

encaro-a essencialmente como uma estrutura de organização mental e de

perspectiva sobre o mundo. Através da metáfora, determinados domínios são

conceptualizados nos termos de outros. Neste sentido, o âmbito da metáfora

ultrapassa em muito o das manifestações literárias e mesmo linguísticas.

Entendido desta forma, o mecanismo metafórico é transversal à linguagem e ao

pensamento, o que o torna uma matéria de estudo especialmente interessante e

atractiva.

A percepção da especificidade da metáfora conduz ao reconhecimento

intuitivo de que existe uma forma igualmente particular de a entender e de a

processar. Com este trabalho pretendi explorar essa questão. Interessa-me

perceber como se efectua a compreensão de uma linguagem assumida como

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1. Introdução

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não literal. Independentemente de haver sempre uma distância entre o que é

dito e a realidade a que o discurso se reporta, na linguagem figurada essa

distância é mais acentuada. No entanto, a compreensão do discurso não parece

estar comprometida por esse facto. De outra forma, a linguagem figurada não

se estenderia a todos os domínios do quotidiano e da vida pública. Para além

disso, estudos realizados (Harris, 1976; Ortony, Schallert, Reynolds e Antos,

1978; Shinjo e Myers, 1987; Gerrig e Healy, 1983) parecem provar que, na

presença de metáforas predicativas do tipo A é B, desde que inseridas no

contexto adequado, o custo de compreensão não é superior ao das expressões

literais, tomando como medida de avaliação o tempo de resposta. Walter

Kintsch (2000) comprovou, através da aplicação de um modelo computacional,

que o mecanismo utilizado para a compreensão das frases predicativas é

idêntico, quer elas sejam literais ou figuradas. Por outro lado, alguns estudos

apontam para os benefícios das metáforas, em termos de ganhos na

compreensão geral do discurso, mesmo estando implicados alguns custos de

processamento (Noveck, Bianco e Castry, 2001).

Através de um breve trabalho experimental, apoiado numa investigação

teórica alargada, procurei compreender melhor as questões levantadas e

apresentar dados psicolinguísticos sobre a forma como uma população bem

determinada lida com a linguagem metafórica. A investigação centrou-se num

público escolar de final de segundo e terceiro ciclos e os dois estudos

exploratórios foram concebidos para, numa perspectiva desenvolvimental,

testar como evolui com a idade a compreensão de expressões metafóricas e de

textos com metáforas. Nesse sentido, tentei perceber se, entre os alunos desses

dois ciclos, essa compreensão é diferente e se apresenta problemas ou

benefícios. Procurei igualmente verificar se há uma relação directa entre a

compreensão da metáfora e uma válida interpretação e retenção do conteúdo de

um texto.

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1. Introdução

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Apesar de a metáfora ter sido objecto de muito interesse pelos mais

variados campos do saber, há poucas investigações psicolinguísticas dirigidas à

sua compreensão por parte de crianças e jovens, principalmente em Portugal.

Por esta razão, espero contribuir com alguns dados relevantes para o assunto.

A presente tese consta de duas partes. Na primeira parte, intitulada

Compreender as Metáforas – enquadramento teórico, realiza-se uma análise teórica

do objecto de estudo, apresentando-se as principais teorias e modelos

subjacentes ao assunto. A segunda parte da tese tem um carácter prático e nela

é exposto o trabalho experimental, com o qual se pretende testar a compreensão

das metáforas, numa perspectiva psicolinguística.

A primeira parte é composta por cinco capítulos.

No capítulo um, é feita uma introdução ao tema da tese, esclarecendo-se

o campo teórico em que o estudo experimental se vai situar. São ainda expostos

os objectivos que se pretendem alcançar com o presente trabalho.

No capítulo dois, é abordada a questão do significado, essencial para

enquadrar a linguagem metafórica dentro das principais teorias que a ela se

dedicaram. Dois conceitos controversos serão aprofundados – linguagem literal e

linguagem figurada.

O capítulo três percorre as teorias clássicas sobre a metáfora, agrupadas

em três grandes perspectivas. É ainda feita uma breve revisão dos estudos sobre

a gramática da metáfora.

O capítulo quatro é dedicado às teorias contemporâneas sobre a

metáfora, em que o fenómeno é encarado a partir de uma perspectiva

essencialmente conceptual. São aprofundados dois modelos actuais – a Teoria

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1. Introdução

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da Metáfora como Predicado de Inclusão em Classes e a Teoria da Metáfora

Conceptual.

O capítulo cinco ocupa-se da pesquisa psicolinguística sobre a metáfora,

sendo analisados dois tipos de modelos de processamento da linguagem

metafórica: modelos de etapas e modelos construtivistas. No final deste capítulo

é feita uma revisão pelos trabalhos linguísticos realizados em Portugal no

âmbito da metáfora.

No capítulo seis, é feita uma descrição linguística das metáforas,

propondo-se uma tipologia, que será utilizada no trabalho experimental. As

metáforas são analisadas de acordo com o grau de elipse dos constituintes que

as compõem, com a sua classe gramatical e o grau de convencionalidade da

expressão.

A segunda parte da tese é constituída por cinco capítulos, que incluem os

dois trabalhos experimentais.

No capítulo sete, realiza-se uma introdução teórica aos estudos

exploratórios apresentados, fazendo-se uma breve reflexão sobre o

desenvolvimento cognitivo das crianças e adolescentes e a evolução da sua

capacidade de compreensão de textos. Estes factores encontram-se directamente

relacionados com a interpretação das metáforas e de textos com metáforas.

O capítulo oito é dedicado ao Estudo 1, que consistiu em testar a

compreensão de textos com metáforas, através de um exercício de escolha

múltipla. Os resultados obtidos são apresentados e discutidos.

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1. Introdução

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O capítulo nove é composto pelo Estudo 2, em que os sujeitos realizaram

paráfrases de vinte e oito metáforas. Os dados recolhidos no estudo são

igualmente expostos e analisados.

Os resultados dos dois estudos são discutidos no capítulo dez, bem como

as respectivas implicações didácticas.

No capítulo onze, é feita a conclusão do trabalho. As questões levantadas

na introdução são retomadas e comentadas, à luz dos resultados obtidos.

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1. Introdução

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Parte I ______________________________________________________________________

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COMPREENDER AS METÁFORAS

- ENQUADRAMENTO TEÓRICO -

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Parte I ______________________________________________________________________

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2. Linguagem literal e linguagem figurada

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2. LINGUAGEM LITERAL E LINGUAGEM FIGURADA

As noções de linguagem literal/ linguagem figurada adquirem um papel

central e incontornável no estudo da metáfora. Os diferentes modelos teóricos

sobre a metáfora desenvolvem-se exactamente a partir da forma como o literal e

o figurado são perspectivados. Por esta razão, antes de se proceder à análise das

teorias da metáfora, estes conceitos serão revistos.

• O estudo do significado no século XX

Pode falar-se de duas abordagens ao significado, que se desenvolveram

no século XX. A primeira, a da Semântica Formal (Formal Semantics) surge

dentro do estudo da linguagem formal (ideal language philosophy), na tradição de

Frege, Russel, Carnap, entre outros, e propõe a aplicação às línguas naturais da

lógica e dos métodos de estudo das línguas formais. A segunda é a abordagem

da Pragmática, que se desenvolve dentro de uma filosofia de estudo das línguas

naturais (ordinary language phylosophy), adoptando uma perspectiva mais

descritiva da língua, mais pragmática e menos «matemática».

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2. Linguagem literal e linguagem figurada

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2.1 O significado na Semântica Formal

A semântica formal encara o significado de uma palavra como o conceito

do mundo exterior a ela associado (valor referencial) e o significado de uma

frase como a soma dos diversos significados nela dispostos. A proposição

expressa pela frase (aquela que respeita as suas condições de verdade - truth

conditions) aproxima-se bastante do significado convencional das expressões

linguísticas que a compõem. Dentro desta moldura teórica, «knowing a language

is like knowing a ‘theory’ by means of which one can deductively establish the truth

conditions of any sentence of that language.» (Recanati, 2004: 2). Transportando esta

teoria para as línguas naturais, legitima-se a atribuição de condições de verdade

a qualquer frase declarativa, independentemente do seu contexto de uso.

Exceptuando casos de ambiguidade, de frases elípticas ou de expressões de

referência variável, como pronomes, advérbios de lugar ou de tempo, etc., a

Semântica Formal defende que o significado das palavras é suficiente para se

aceder àquilo que a frase expressa. Cada frase possui, assim, uma leitura literal,

em que as suas regras linguísticas são respeitadas, fixando-se, desta forma, as

suas «truth conditions». Há uma «eternal sentence», subjacente à construção de

qualquer declaração, onde todos os valores referenciais são respeitados: «for

every statement that can be made using a context-sensitive sentence in a given context,

there is an eternal sentence that can be used to make the same statement in any

context.» (op. cit.: 84).

Entendendo o significado dentro deste quadro teórico, percebe-se a

divisão clara entre significado literal, em que o valor de verdade de uma frase é

respeitado, e a derivação desse significado para sentido figurado. Esta

abordagem tem sido, no entanto, muito contestada por filósofos da linguagem

(Quine, 1960; Davidson, 1984; Putnam, 1975; Kripke, 1982; ...) e linguistas

(Lakoff, 1993; Gibbs, 1994; ...). Estes questionam, desde logo, a atribuição a uma

frase de condições de verdade em abstracto, independentemente do contexto de

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2. Linguagem literal e linguagem figurada

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uso. A relação «palavra - conceito» é extremamente difícil de definir. Em

primeiro lugar, a própria noção de «conceito» é problemática, encontrando-se

na origem de diversas teorias, cada uma assumindo perspectivas e implicações

diferentes para o fenómeno. Em segundo lugar, a sua associação com as

palavras também é muito pouco clara. Todas as palavras estão ligadas a um

conceito? Cada palavra está associada a apenas um conceito? De que forma é

que se estabelece essa associação? Podemos utilizar o termo ‘banco’ para nos

referirmos a uma rocha onde nos sentamos? Se assim é, que características tem

de ter um banco para ser considerado um banco? E se não podemos, o que

impediu que essa designação fosse utilizada? Adrienne Lehrer (1974) realizou

um estudo sobre campos lexicais de palavras ligadas a recipientes de bebidas.

Essa investigação consistiu na apresentação de diversas características ou

componentes que pudessem integrar o significado dessas palavras. Os sujeitos

testados tinham de decidir sobre o carácter obrigatório ou não das diversas

características na descrição dos recipientes (características críticas ou não

críticas). A investigadora chegou à conclusão de que se se pusessem de lado

todos os componentes considerados opcionais por mais de 90% das pessoas

inquiridas, não haveria traços semânticos suficientes para distinguir as diversas

palavras, por exemplo, «copo» de «jarro». No entanto, se se incluíssem todas as

características consideradas opcionais, frases como (1) seriam consideradas

contraditórias, uma vez que o material «vidro» tinha sido assinalado como

obrigatório.

(1) Some bottles are made of glass.

Algumas garrafas são feitas de vidro.

(Lehrer, 1974: 85-6, apud Goatly, 1997: 21)

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2. Linguagem literal e linguagem figurada

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2.2 O significado na Pragmática

O significado é, tal como se percebeu, algo vago e indefinido. De acordo

com os filósofos das línguas naturais (ordinary language phylosophers) é mesmo

algo que só se pode determinar dentro do contexto de uso - «Words-world

relations are established through, and indissociable from, the context of use. It is

therefore misleading to construe the meaning of a word as some wordly entity that it

represents or, more generally, as its truth-conditional contribution» (Recanati, 2004:

2). Por outro lado, o estudo de frases como as apresentadas de (2) a (10) colocou

diversas questões em relação ao estabelecimento das suas condições de

verdade.

(2) All the bottles are empty.

Todas as garrafas estão vazias.

(3) Nobody goes there anymore because it’s too crowded.

Ninguém mais vai lá, porque tem muitas pessoas.

(4) I have nothing to wear tonight.

Não tenho nada para vestir esta noite.

(5) John hasn’t had breakfast.

John não tomou o pequeno-almoço.

(6) Jill got married and became pregnant.

Jill casou-se e ficou grávida

(7) You’re not going to die.

Tu não vais morrer.

(8) The conference starts at five.

A conferência começa às cinco.

(9) France is hexagonal.

A França é hexagonal.

(10) From Birmingham to London it’s 100 miles.

De Birmingham a Londres são cem milhas.

(Bianchi, 2004: 4)

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2. Linguagem literal e linguagem figurada

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Todas estas frases são de fácil compreensão, e, numa primeira leitura,

não são problemáticas. Apesar disso, em todas elas apenas se verifica uma

aproximação ao sentido que se pretende veicular, nunca há uma identificação

total. Para se proceder a uma leitura correcta, as frases necessitam de ser

expandidas ou adequadas ao contexto. Na última frase, por exemplo, a

distância referida pode não ser a exacta, provavelmente são necessárias mais ou

menos milhas para se percorrer o caminho. No entanto, por uma questão de

economia e de relevância de discurso, mencionam-se as cem milhas como

medida estimada. O mesmo tipo de aproximação acontece nas frases (8) e (9).

Relativamente à frase (6), esta é entendida como tendo implícita uma

ordenação temporal. Jill teve as crianças depois de se casar. No entanto, a

conjunção «e» não codifica obrigatoriamente esta ordenação. De acordo com

Grice (1989), a ordem temporal é sugerida pela colocação das orações, mas não

faz parte do que é dito («what is said»).

As primeiras quatro frases, entendidas tal como estão, exprimiriam que

todas as garrafas do mundo estão vazias, que absolutamente ninguém

frequenta determinado sítio, que a pessoa que proferiu a frase (4) não tem

roupa e que John nunca tomou o pequeno-almoço na sua vida. No entanto,

ninguém as interpreta assim. Automaticamente procede-se a um

enriquecimento contextual, que permite perceber que as garrafas de que se fala

são as que foram compradas, que as pessoas que não vão ao local são as

famosas, que a roupa em falta é a apropriada para a ocasião e que John não

tomou o pequeno-almoço naquele dia. Da mesma forma, a frase (7), utilizada

como resposta de uma mãe ao seu filho que fez um corte, nunca seria entendida

como a mãe a afirmar que o filho é imortal. Esta frase é automaticamente

entendida como:

(11) You are not going to die from this cut.

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2. Linguagem literal e linguagem figurada

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Tu não vais morrer desse corte.

O estudo de frases deste género levou Sperber e Wilson (1986) a

comentar o seguinte: «We want to claim that there is no discontinuity between these

loose uses and a variety of ‘figurative’ examples which include the most characteristic

examples of literary metaphor. In both cases the propositional forms of the utterance

differs from that of the thought interpreted. In both cases the hearer can proceed on the

assumption that these two propositional forms have some identifiable and logical

contextual implications in common. In both cases the same interpretative abilities and

procedures are involved.» (Sperber and Wilson, 1986: 235, apud Goatly, 1997: 18).

Antes de analisar a distinção entre linguagem literal e figurada, é importante

realçar o trabalho pragmático que qualquer frase exige e a distância presente

entre aquilo que se diz e aquilo que se pretende dizer, entre o significado

linguístico de uma declaração e a proposição expressa, independentemente de

se estar perante casos de ambiguidade ou não.

Como proposta alternativa ao estudo do significado pela semântica

formal, aparece o estudo do discurso, a actividade de dizer coisas. Dentro desta

teoria do significado linguístico, surge a teoria dos actos de fala (theory of speech

acts) de Austin (1975) e a teoria da conversação (theory of conversation) de Grice

(1975), que constituem a génese da pragmática. Esta é considerada hoje como

uma disciplina complementar da semântica, e parece ser consensual entre os

especialistas contemporâneos da Semântica Formal o estudo do significado

dentro de um contexto de uso e não em abstracto.

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2. Linguagem literal e linguagem figurada

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2.3 Linguagem literal e linguagem figurada

Assumindo-se, desta forma, que frases absolutamente literais são muito

raras, ou seja, que a maior parte delas já inclui derivações não literais, fará

sentido manter a distinção entre linguagem literal e figurada? Sperber e Wilson

(1986), tal como se percebeu, afirmam que essa divisão não faz sentido. Da

mesma opinião são Lakoff (1993) e Gibbs (1994). Outros linguistas e filósofos,

porém, concordam com a classificação, desenhando-lhe, contudo, outros

contornos. Recanati (2004) define a acepção de não literal para os semânticos e

para o senso comum. Uma frase como a (12) é comummente sentida como

literal, uma vez que há um uso convencional das palavras, não se verifica um

desvio à norma:

(12) He is thirsty.

Ele tem sede.

No entanto, semanticamente ela é considerada não literal, pois contém o

pronome «he», referência só resolvida através do contexto, não através das

convenções semânticas. Recanati utiliza o termo ‘t-literal’ (‘t’ refere-se a type)

para designar a literalidade de uma expressão. Relativamente à frase acima

referida, ela é t- não-literal (t-non-literal), pois há uma derivação (departure)

relativamente ao t-literal. No entanto, essa derivação é determinada, é exigida,

pelo t-literal. O significado primário da frase mantém-se, considerando-se, por

isso, que se trata de uma derivação mínima. Sempre que uma frase tem uma

derivação mínima, é considerada, pelo senso comum, como sendo literal -

«when the meaning of an utterance only minimally departs from t-literal meaning, that

meaning does not count as non-literal in the ordinary sense.» (Recanati, 1994: 69).

Recanati classifica uma frase com este desvio mínimo como m-literal (‘m’ de

meaning).

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2. Linguagem literal e linguagem figurada

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Numa frase não literal (conceito mantido pelo autor) existe muitas vezes

aquilo que Recanati designa como significado secundário (secondary meaning), que

deriva do significado primário, básico, da frase (p-literal meaning- ‘p’ de primary).

Isso acontece em casos de ironia, actos de fala indirectos, implicaturas

conversacionais, etc.. Uma afirmação como a de (13) tem um significado

primário - Paul é um bom amigo.

(13) Paul is a fine friend.

Paul é um bom amigo.

No entanto, se essa frase for utilizada para expressar exactamente o

contrário, se ironicamente se estiver a afirmar que Paul é um amigo duvidoso,

nesse caso a frase é utilizada com um sentido secundário e estamos perante

uma expressão não literal (no sentido corrente): «whenever the meaning conveyed

by the utterance is secondary and derived from some antecedent meaning expressed by

the utterance, it is ‘non-literal’ in the ordinary sense.» (op. cit.: 71). Como se percebe,

o facto de uma frase ser literal ou não encontra-se ao nível do falante e não ao

nível do significado das palavras. Não são as palavras que têm um significado

convencional, literal ou, por outro lado, figurado: «(...) non-literalness is a feature

of the interpretation of utterances, and the interpretation of utterances is something that

is bound to be available to the language users who do the interpreting.» (op. cit.: 75)

Relativamente à metáfora, esta não é considerada por Recanati como um

exemplo de significado secundário. O autor classifica-a, na maioria dos casos,

como p-literal. Na metáfora não existe uma derivação de sentido, tal como nos

casos de p-não-literal, mas antes um enriquecimento do significado da palavra,

definido pelo autor dentro da linha teórica da Metáfora como Predicado de

Inclusão de Classes. Quando uma palavra é aplicada metaforicamente, ela irá

estabelecer uma categoria nova, coerente com o contexto. O seu significado é

ajustado à situação apresentada, obrigando a uma reorganização schematica.

Repare-se na frase (14).

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2. Linguagem literal e linguagem figurada

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(14) O João é um peixe do mar.

O João não é um peixe, mas quem ouvir esta frase não tem dificuldades

em perceber o seu significado. O sentido de «peixe do mar» é enriquecido,

abarcando a noção de «pessoa que nada rapidamente». João vai pertencer à

categoria daqueles que nadam rapidamente. O ouvinte desta frase terá de

ajustar à situação apresentada o seu schema relativo aos peixes. Quando se

verifica uma grande distância entre o schema evocado e a situação enunciada, já

não se fala de enriquecimento de sentido (sense enrichment), mas de extensão de

sentido (sense extension). O autor inclui nos casos de extensão de sentido os usos

figurativos da linguagem (que mantêm, no entanto, o seu carácter p-literal).

Soares da Silva (2003), Taylor (1995) e Radden (2002), entre outros,

defendem um continuum literal-figurado em alternativa à classificação tradicional

binária de linguagem literal e figurada. Soares da Silva apresenta uma escala,

adaptada de Taylor (1995: 136-139) e Radden (2002: 409), que percorre desde os

usos literais de uma palavra até à sua aplicação metafórica, passando por

diversos graus de figuratividade. No quadro 1, encontra-se um exemplo de

aplicação dessa escala, com o adjectivo alto.

literal metonímico Metafórico

(1)

edifício alto

tecto alto

(2)

maré alta

(3)

temperatura

alta

(4)

preços altos

(5)

alta qualidade

Quadro 1 Continuum literal – figurado (Soares da Silva, 2003: 6)

Este quadro pode ser interpretado à luz do modelo da Metáfora

Conceptual, em especial da teoria das Metáforas Primárias de Grady (1997). De

acordo com esta teoria, algumas metáforas advêm de experiências muito

primárias, muito básicas, do ser humano. Essas metáforas são cognitivamente

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2. Linguagem literal e linguagem figurada

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mais primitivas e mais simples do que as metáforas conceptuais e denominam-

-se de metáforas primárias. Elas resultam da projecção de subcenas e cenas

primárias, adquiridas de forma automática e inconsciente, que codificam

experiências básicas como ver e tomar consciência de que se está a ver ou levantar

algo e perceber o seu peso. Cozinhar, por exemplo, já envolve muitos detalhes, pelo

que não constitui uma cena básica. Uma metáfora primária resulta, portanto, da

interacção entre experiências sensoriais e motoras e experiências subjectivas,

qualquer uma delas muito evidentes e directas. Um exemplo de metáfora

primária encontra-se em (15).

(15) MAIS É ACIMA

Nesta metáfora, a noção acima, uma noção vertical, é conceptualizada em

termos de quantidade (mais). Ela baseia-se na experiência sensorial de perceber

que a acumulação de objectos ou substâncias resulta num aumento vertical, em

altura.

Grady utiliza o conceito de integração/ desintegração conceptual

((de)conflation) para se referir às relações entre os domínios envolvidos na

metáfora. Sempre que existe uma identificação, indiferenciação entre dois

domínios (conceptual e perceptual), está-se perante uma integração de

conceitos (conflation). Quando os domínios se separam e se projectam um no

outro, fala-se de deconflation. Aplicando estes conceitos ao continuum literal-

-figurado apresentado, pode falar-se de uma gradação conflation-deconflation

dentro dos usos não literais. O primeiro nível, o literal, corresponde ao uso de

um só conceito - alto enquanto vertical. Soares da Silva (2003) refere-se ao

conceito de ‘acima’ aplicado nesta utilização literal. No segundo estádio,

verifica-se a integração (conflation) de ACIMA com MAIS. É um estado

parcialmente metonímico, em que a subida do mar em termos horizontais

converge com o seu aumento em termos verticais, numa acepção já

anteriormente explicada. No estádio metonímico, já se verifica uma

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2. Linguagem literal e linguagem figurada

19

desintegração (deconflation). Temos o conceito de temperatura e temos o

conceito de acima, que substitui os graus de temperatura. Esta é-nos dada pela

subida do mercúrio no termómetro (metonímia ACIMA POR MAIS ou EFEITO PELA

CAUSA). A desintegração (deconflation) de domínios conceptuais é total no

estádio metafórico. Neste caso (nível 5), alto já não diz respeito a uma noção de

verticalidade, mas de qualidade. Há a desintegração dos domínios ACIMA e MAIS,

realizando-se a metáfora BOM É ACIMA.

Numa outra perspectiva sobre os conceitos literal/ figurado, Giora (1997)

desvaloriza essas noções e propõe um continuum saliente - não saliente, baseado

no grau de convencionalidade, frequência, familiaridade ou prototipicidade de

determinada palavra ou expressão. Os significados mais salientes são acedidos

de forma automática, independentemente de serem figurados ou não. Desta

forma, e de acordo com esta teoria - the graded salience hypothesis - o

processamento de uma metáfora morta e de uma frase convencionalmente

literal é idêntico.

2.4 Conclusões

Neste capítulo foram analisadas diferentes abordagens ao conceito de

significado, enquanto elemento central e estruturante da linguagem. Há uma

tendência actual para entender a constituição de sentido dentro do discurso, e

não em abstracto, pelo que se rejeita a noção de palavra ou expressão

metafórica ou literal, enquanto tal. Nas palavras de Ricoeur: «Não há metáfora

no dicionário, apenas existe no discurso» (1983: 148). Existe, ainda, uma

orientação teórica contemporânea para rejeitar a dicotomia entre significado

literal/ significado figurado, motivada igualmente por uma perspectiva da

semântica mais abrangente do que a tradicional. Não há, no entanto, uma

alternativa consensual a essa forma clássica de encarar o significado. Alguns

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2. Linguagem literal e linguagem figurada

20

autores mantêm as noções de literal e de figurado, mas enquadram-nas num

todo, que comporta diversas nuances e graus de figuração. Outros, por outro

lado, consideram pouco produtiva a análise da literalidade das palavras ou das

frases, propondo que o estudo do significado se centre noutras características,

como, por exemplo, o grau de saliência dos elementos constituintes.

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3. Teorias clássicas da metáfora

21

3. TEORIAS CLÁSSICAS DA METÁFORA

Uma definição da metáfora transporta consigo toda uma visão sobre o

fenómeno e não é, de forma alguma, consensual. Ao longo de séculos, diversos

autores exploraram a metáfora de formas diferentes, dando-lhe amplitudes

muito diversas e vendo-a de acordo com noções distintas. Um percurso

histórico por uma «teoria da metáfora» teria de ser um trabalho interdisciplinar

a nível da filosofia, da linguística em geral (e da psicolinguística em particular),

da literatura e até da psicologia. Não se pretende fazê-lo nesta secção, apenas se

irá esboçar um quadro geral, que permita entender o conceito de uma forma

global.

• Perspectivas sobre a metáfora

O fenómeno metafórico tem sido, portanto, abordado sob diversas

perspectivas. Cristina Cacciari e Sam Glucksberg (1994), no seu artigo

Understanding Figurative Language, agrupam essas perspectivas em três vias

principais - the comparison view, the interaction view e the incoherence view.

Recorrendo a essa classificação, proceder-se-á, neste capítulo, a uma análise de

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3. Teorias clássicas da metáfora

22

diferentes formas de entender a metáfora. Antes de se concluir, será ainda feita

uma breve revisão dos estudos sobre a gramática da metáfora.

3.1 Da teoria aristotélica às teorias de substituição

Para se delinear uma teoria da metáfora tem de se remontar a Aristóteles.

O termo «metaphorá» foi utilizado pelo autor, na sua Arte Poética, para designar

a operação de transferência de sentido que ocorre na linguagem: «A metáfora

consiste no transportar para uma coisa o nome de outra, ou do género para a espécie, ou

da espécie para o género, ou da espécie de uma para a espécie de outra, ou por analogia.»

(1994: 1457b). Aristóteles evidencia a transferência de nome, ou seja, refere-se a

uma operação linguística realizada ao nível da palavra - um vocábulo substitui

outro. Este destaque prevaleceu na teoria clássica da metáfora, nomeadamente

na teoria comparativista, em que a metáfora recebeu o enfoque principal na

palavra.

De acordo com Soares da Silva (1999), Aristóteles incluiu na noção de

metáfora em cima transcrita os conceitos posteriormente distintos de sinédoque e

de metonímia, ao se ter referido, respectivamente, a «transportar para uma coisa o

nome de outra, ou do género para a espécie, ou da espécie para o género ou da

espécie de uma para a espécie de outra.» (op.cit., destaque nosso). As noções de

sinédoque e de metonímia são de definição controversa. Tradicionalmente são

entendidas como figuras, através das quais se verifica o emprego de um termo

para designar outro, que com o primeiro se relaciona directamente. Na

sinédoque, considerada uma forma particular de metonímia, o todo exprime-se

através de um termo que se refere à parte ou vice-versa (frase 17). Vejam-se as

frases (16) e (17).

(16) O João bebeu um pacote de leite.

(17) Ele tem várias cabeças de gado.

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3. Teorias clássicas da metáfora

23

Em (16), o que o João bebeu não foi o pacote de leite, mas o seu conteúdo

(relação continente – conteúdo). Em (17), uma parte do animal (a cabeça) é

utilizada para se referir ao todo (vários animais). Em (16) e (17) há uma relação

de contiguidade que se estabelece entre os termos utilizados e aqueles a que são

associados. Actualmente, e na perspectiva da linguística cognitiva, esta relação

é considerada conceptual, e não tanto linguística, o mesmo se passando com a

metáfora. No entanto, admite-se que a metonímia se «caracteriza por uma relação

contingente de contiguidade conceptual entre domínios de um mesmo domínio

conceptual, ao passo que a metáfora consiste numa projecção de um domínio conceptual

noutro distinto.» (Soares da Silva, 2003: 20)

Retomando a análise de Aristóteles sobre a metáfora, o autor prossegue

com a explicação e exemplo de cada um dos quatro tipos metafóricos

enunciados, detendo-se mais longamente na analogia, considerada a forma mais

popular de metáfora. A associação da metáfora à analogia foi igualmente a que

se reteve da teoria aristotélica e a que perdurou ao longo dos séculos - uma

metáfora implica a relação entre dois termos.

Na Retórica (1998), Aristóteles retoma e aprofunda o assunto,

descrevendo o processo metafórico, analisando diversas metáforas e

comentando a sua conveniência e harmonia. Refere igualmente as suas

características, as aplicações e a sua forma de funcionamento. Aristóteles faz

uma associação explícita entre a metáfora e a comparação, definindo esta última

como uma «metáfora desenvolvida»: «O símile é também uma metáfora. A

diferença, na verdade, é pequena: sempre que se diz ‘lançou-se como um leão’, é um

símile; mas quando se diz ‘ele lançou-se um leão’, é uma metáfora. (...) Em todos estes

casos, é possível formulá-los quer como símiles quer como metáforas, de forma que todos

os que são celebrados quando expressos como metáforas, é evidente que sê-lo-ão também

quando símiles; e o mesmo com os símiles, que são metáforas a que falta uma palavra.»

(1998, Livro III: 1407a). Esta concepção também se manteve e moldou a nossa

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3. Teorias clássicas da metáfora

24

forma de pensar e de entender o fenómeno. Ainda hoje a metáfora é ensinada

como uma «comparação sem ‘como’», admitindo-se, dessa forma, a sua

paráfrase e a sua explicação num desenvolvimento literal. Kleiber (apud Amaral,

2003: 24) refere-se a este entendimento da metáfora como ‘tese da comparação

abreviada saturada’. O sentido da metáfora esgota-se, cumpre-se, no seu

desenvolvimento numa estrutura comparativa. Inerente a esta concepção

encontra-se a noção de que o que motiva uma metáfora são questões estilísticas.

Podendo dizer-se a mesma coisa de uma forma ou de outra, opta-se pela versão

metafórica, por esta embelezar e enobrecer o discurso: «Necessária será, portanto,

toda a espécie de vocábulos. Palavras estrangeiras, metáforas, ornatos e todos os outros

nomes de que falámos, elevam a linguagem acima do vulgar e do uso comum, enquanto

os termos correntes lhe conferem a clareza.» (Aristóteles, 1994: 1458b).

As noções acima apresentadas sobre a teoria aristotélica da metáfora

encontram-se na base do entendimento clássico sobre o fenómeno. No entanto,

diversos autores (Ricoeur, 1979; Turner, 1998; Amaral, 2003) alertam para a

necessidade de se realizar uma leitura mais alargada e aprofundada dos textos

de Aristóteles, leitura essa que, em certos sentidos, nos aproxima das teorias

contemporâneas sobre a metáfora (Amaral, 2003). Para começar, Aristóteles

atribui à metáfora um papel central: «Grande importância tem, pois, o uso discreto

de cada uma das espécies de nomes, de nomes duplos e de palavras estrangeiras; maior,

todavia, é a do emprego das metáforas, porque tal se não aprende nos demais, e revela

portanto o engenho natural do poeta.» (1994: 1459a 4-8) e destaca a sua

funcionalidade, nomeadamente enquanto mecanismo de inovação lexical.

Por outro lado, Aristóteles refere-se ao processo constitutivo das

metáforas, que permite perceber semelhanças entre coisas distantes: «(...) é

forçoso que as metáforas provenham de coisas apropriadas ao objecto em causa, mas não

óbvias, tal como na filosofia é próprio do espírito sagaz estabelecer a semelhança mesmo

com entidades muito diferentes.» (1998, livro III: 1412a); «(...) Efectivamente, sempre

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3. Teorias clássicas da metáfora

25

que ele chama à velhice «palha», produz ensinamento e conhecimento por meio da

categoria: ambos, na verdade, já não estão na flor da idade.(...) Na verdade, nestes casos

resulta algum conhecimento.» (op. cit.: 1410b). A metáfora surge, portanto, como

um mecanismo cognitivo, motivado por uma relação ao nível do conceito. Não

está em causa apenas a transposição de um nome para outro, mas sim uma

transferência conceptual, feita a nível interno e não apenas formal. Dessa

relação surge uma nova forma de entender determinado assunto ou objecto.

O filósofo faz depender a construção de boas metáforas exactamente da

capacidade de perceber e de fazer perceber semelhanças e de, para além disso,

permitir que o sentido por elas evocado «salte para ‘diante dos olhos’» (op.cit.),

pressupondo-se uma dimensão pictórica. Estas características da metáfora

acentuam-lhe o valor pedagógico e didáctico, tornando-a um elemento retórico

extremamente eficaz: «uma aprendizagem fácil é, por natureza, agradável a todos; por

seu turno, as palavras têm determinado significado, de tal forma que as mais agradáveis

são todas as palavras que nos proporcionam também conhecimento. É certo que há

palavras que nos são desconhecidas, embora as conheçamos no seu sentido «apropriado»;

mas é sobretudo a metáfora que provoca tal.» (op. cit.); «A maioria das expressões

‘elegantes’ deriva da metáfora e radica no engano prévio do ouvinte. Pois torna-se mais

evidente que se aprende algo se os elementos resultam ao contrário do que se esperava; e

o espírito parece dizer: ‘como é verdade e eu estava enganado!’» (op. cit.: 1412a).

Para finalizar, é de salientar a seguinte passagem da Retórica, que

contraria a redução da metáfora a uma opção estilística: «(...) há palavras mais

apropriadas do que outras, e mais semelhantes ao objecto e mais próprias para trazer o

assunto diante dos olhos. (...) Daqui é que se devem tirar as metáforas: de coisas belas

quer em som, quer em efeito, quer em poder de visualização, quer numa outra qualquer

forma de percepção. Não é a mesma coisa dizer, por exemplo, ‘aurora de dedos de rosa’

ou ‘de dedos de púrpura’, ou ainda, de forma mais pobre, ‘de dedos rubros’.» (op. cit:

1405b). A metáfora não parece, desta forma, ser encarada como uma mera

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3. Teorias clássicas da metáfora

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alternativa poética de discurso. De acordo com Patrícia Amaral, «a enunciação

metafórica aparece, assim, como o único veículo linguístico para o que se quer dizer: a

formulação é, portanto, indissolúvel do conteúdo da metáfora, a metáfora define-se pela

impossibilidade de uma ‘formulação equivalente’» (2003: 29). No excerto de

Aristóteles também se realça o facto de algumas metáforas parecerem mais

aptas do que outras, facto apontado e problematizado por diversos autores

contemporâneos, nomeadamente Cristina Cacciari e Sam Glucksberg (1994),

que, na sequência da constatação desse e de outros aspectos, propuseram que as

metáforas sejam concebidas como predicados de inclusão de classes: «Viewing

metaphor vehicles as typifying their intended attributive categories provides a

principled explanation for why some metaphors seem apt and appropriate, while others

that are equally comprehensible seem less apt.» (p. 463)

Da teoria aristotélica foram, portanto, retidas as noções de transferência e

de analogia, noções que perduraram durante séculos e que moldaram a nossa

forma de pensar e de entender o fenómeno. A noção de «transporte» foi

posteriormente alargada na terminologia retórica para compreender o conceito

de «tropos», desvio linguístico, o emprego de uma palavra numa acepção

diferente da usual. No século XIX, Pierre Fontanier define desta forma o

conceito de «tropo»: «Les Tropes sont certains sens plus ou mois différens du sens

primitif, qu’offrent, dans l’expression de la pensée, les mots appliqués à de nouvelles

idées.» (1968: 39) e identifica a metáfora como um tropo de semelhança,

introduzindo a perspectiva de ela apresentar ideias sob o signo de outras ideias:

«l’existence ou l’idée de l’un se trouvant comprise dans l’existence ou dans l’idée de

l’autre.» (1968: 87).

Diversos autores têm levantado objecções a esta forma de perceber a

metáfora focalizada na palavra, tornando-a opcional e facilmente parafraseável

noutras expressões linguísticas, o que constitui a perspectiva substitutiva.

Sucedânea desta teoria é, de acordo com Max Black (1962), a teoria

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3. Teorias clássicas da metáfora

27

comparativista, em que a metáfora é entendida como uma comparação implícita

ou como o estabelecimento de similitudes. Esta teoria pressupõe que, num

primeiro momento, a comparação metafórica seja tornada explícita,

possibilitando uma compreensão idêntica à que se dá nas comparações literais:

detectam-se e estabelecem-se as bases de semelhança entre os dois membros.

3.1.1 Comentários à teoria comparativista

Uma das observações que se têm feito à teoria comparativista (Ortony,

1979) é que não é possível encarar todas as metáforas como comparações

implícitas. A metáfora presente no verso do poema de José Régio1 em (18a)

pode facilmente ser transformada na comparação explícita de (18b):

(18) a) «A minha vida é um vendaval que se soltou.»

b) A minha vida é como vendaval que se soltou.

No entanto, outras expressões metafóricas resistem a semelhante

reescrita. Repare-se no verso (19), de Olavo Bilac2.

(19) «E parámos de súbito na estrada da vida.»

Dificilmente se consegue fazer uma comparação da metáfora constante

em (19). De qualquer forma, mesmo nas situações em que é possível explicitar

uma comparação, afigura-se problemática a noção de se estar realmente a

comparar dois termos. Empiricamente percebemos que podemos comparar

duas entidades de natureza semelhante, quando as características de uma e de

outra são em grande parte compartilhadas e idênticas. Se alguém quiser

comparar a coca-cola a alguma coisa irá escolher uma bebida semelhante e

1 Régio, José (2005). «Cantico Negro». In Soares, Mário. Os Poemas da Minha Vida. Lisboa:

Público. 2 Bilac, Olavo (1978). «Nell mezo del camim…» In Poesias. Rio de Janeiro: Ediouro.

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3. Teorias clássicas da metáfora

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referirá provavelmente a pepsi-cola ou outra análoga. Ambas partilham as

mesmas características salientes (high-salient predicates) - são bebidas com gás,

coradas com caramelo, contêm cafeína, etc.. No entanto, que predicados podem

ser comuns a ‘mãos’ e a ‘água’, tal como surgem nos versos de Florbela

Espanca3, constantes em (20)?

(20) «As minhas mãos magritas, afiladas,

Tão brancas como a água da nascente?»

Se nos pedirem para associarmos as mãos a determinadas propriedades,

as mais salientes seriam talvez o facto de serem um órgão do corpo, de servirem

para agarrar, de terem uma função táctil. Em relação à água, é um elemento

líquido, inodoro, incolor, satisfaz a sede, etc.. Ou seja, as mãos e a água não

partilham as mesmas características salientes. Podem, no entanto, compartilhar

de forma desequilibrada os seus predicados. Esta é a teoria de Ortony (1979)-

the salience imbalance hypothesis. Quando a base da comparação entre dois

referentes é constituída pelas características mais salientes de ambos,

encontramo-nos face a uma comparação literal (21):

(21) A Coca-Cola é como a Pepsi-Cola.

Quando se transporta uma característica muito saliente de um elemento

a um outro, que também a tem, mas num grau menor, estamos perante uma

comparação metafórica. No caso dos versos de Florbela Espanca, as mãos são

destacadamente brancas, puras. A água aceita essas características, não lhe são

incompatíveis, apesar de não serem as mais evidentes. Esta é, então, uma

comparação não literal. Sendo assim, poderíamos admitir o funcionamento das

metáforas como idêntico ao das comparações literais, ou seja, como sendo

constituído por uma partilha de propriedades comuns, mas num grau diferente.

3 Espanca, Florbela (1987). «As minhas mãos magritas, afiladas». In Poesia. Lisboa:

Publicações Dom Quixote.

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3. Teorias clássicas da metáfora

29

Numa primeira leitura desta hipótese, percebemos que só a poderemos

considerar se aceitarmos que essa partilha deriva de uma interpretação

metafórica. As mãos no poema são tidas como «puras», pela interpretação do

adjectivo «brancas». Na verdade, esta não será uma leitura universal. E, no

entanto, ninguém teria dificuldade em aceitar e perceber estes versos. Cacciari e

Glucksberg (1994) afirmam, a este propósito, que «for a listener, there need be no

similarity whatever between a metaphor topic and vehicle prior to encountering the

metaphor itself; the metaphor creates the similarity.». Searle (1979) toma uma

posição idêntica quando refere que as semelhanças não precisam de ser literais.

A base delas parece encontrar-se muito mais inscrita nas imagens mentais das

pessoas, nos estereótipos culturais, do que nas características concretas dos

referentes. O autor refere como exemplo a frase (22).

(22) Richard is a gorilla.

Ricardo é um gorila.

Quem a ouvir, associa muito provavelmente as características de

«violento», «feroz», «impulsivo» a Richard. No entanto, destaca Searle, as

investigações demonstram que os gorilas são animais dóceis, sensíveis,

carinhosos e muito calmos. Desta forma, conseguimos perceber que prevalece a

informação que temos armazenada nas nossas estruturas mentais abstractas

(schemata) relativamente à informação concreta, real das coisas. De acordo com

Cacciari e Glucksberg (1994), Ortony (1979) também se apercebe disso, ao

distinguir entre as metáforas em que uma determinada característica é

destacada (predicate promotion metaphors) e aquelas em que uma propriedade é

atribuída a um referente (predicate introduction metaphors). Neste último caso, o

leitor desconhece as características do referente, conseguindo, no entanto,

interpretar a expressão metafórica, activando informação que tenha

armazenado. A isso alude Ortony, quando se refere a este tipo de metáforas da

seguinte forma (destaque nosso): «The predicates that are transferred from the

vehicle to the topic are more holistic, less discrete, and can include perceptual and

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3. Teorias clássicas da metáfora

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emotive aspects.» (1979: 200). Parece estar, desta forma, comprometida a teoria

de que a metáfora se constrói sobre o estabelecimento de semelhanças, pelo

menos no que diz respeito a semelhanças reais.

A estes argumentos juntam-se outros. Tversky (1977) fez notar que,

devido a uma partilha de características de saliência elevada, as comparações

literais apresentam uma simetria entre os dois membros, o que permite que eles

sejam invertidos sem que se perca o sentido da comparação. Pode afirmar-se

que a Pepsi-Cola é como a Coca-Cola ou vice-versa. Em alguns casos de

comparações literais verificam-se assimetrias. Os diários parecem ser mais

comparáveis aos livros do que o contrário. De acordo com Tversky, isto

acontece porque normalmente se encontra na posição de predicado a

informação mais saliente ou aquela que transporta as características mais

salientes que se pretendem destacar (neste caso, «livro», que é mais prototípico

do que «diário»). Este desequilíbrio na partilha de propriedades salientes dá

origem a assimetrias quando os termos de uma comparação são comutados. No

entanto, este facto não invalida semanticamente a inversão dos elementos da

comparação literal e a base em que ela se constitui mantém-se relativamente

inalterada. O mesmo não acontece nas comparações metafóricas. A expressão

(23a) não admite a inversão dos elementos constituintes (23b).

(23) a) Esta criança é forte como um touro.

b) *Um touro é forte como esta criança.

Por vezes, é possível reverter as metáforas, mas isso implica o

estabelecimento de uma nova base. Uma comparação metafórica como (24a)

permite a transposição dos elementos constituintes, como se verifica em (24b).

(24) a) As veias são como rios.

b) Os rios são como veias.

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3. Teorias clássicas da metáfora

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As implicações de cada frase são, no entanto, diversas. Na primeira (24a)

salienta-se o percurso fluído, longo, das veias e na segunda (24b) o factor de

vitalidade, de transporte de um bem essencial, associado aos rios. Afirmar,

então, que a uma metáfora está subjacente a comparação (literal) entre dois

elementos, parece incorrecto, uma vez que o funcionamento de uma expressão

metafórica e de uma expressão comparativa literal é distinto.

Para finalizar esta análise da teoria comparativista, deve realçar-se que

normalmente não se consegue, de forma satisfatória e adequada, parafrasear

literalmente uma metáfora. Ao reduzi-la a uma comparação, não se consegue

dar conta das suas especificidades, que a tornam tão insubstituível e

indispensável em determinados contextos. Como parafrasear os versos de

Cecília Meireles4, em (25)?

(25) «Pus o meu sonho num navio

e o navio em cima do mar

depois, abri o mar com as mãos,

para o meu sonho naufragar»

Pode tentar-se, mas, com certeza, perder-se-á muito do sentido, da força

e da intenção dos versos. De qualquer forma, tal como vários autores já

salientaram, por que razão utilizar uma forma de linguagem tão enigmática,

quando se poderia dizer o mesmo literal e inequivocamente? Por que razão

sacrificar a simplicidade à beleza? Talvez não seja isso que esteja em causa nas

metáforas e a sua utilização contenha motivações mais profundas.

4 Meireles, Cecília (1982). «Canção». In Viagem e Vaga Música. Rio de Janeiro: Editora Nova

Fronteira

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3.2 Teorias da interacção

No século XX, a metáfora foi objecto de grande interesse por parte de

estudiosos de diversas áreas e a base conceptual em que assenta a perspectiva

substitutiva, e que para muitos se afigurou como insatisfatória, sofreu

alterações, nomeadamente ao nível da semântica. I. A. Richards, Max Black,

Beardsley e Berggren, entre outros, iniciaram, nessa linha, outra teoria da

metáfora, baseada na interacção semântica - teoria da interacção. I. A. Richards

(1936), encarando, tal como Fontanier (1830), a metáfora como um veículo de

ideias, apresenta-a, no entanto, como uma relação dual entre a ideia transmitida

pelo tenor or topic (tópico) e aquela veiculada pelo vehicle (veículo). Temos então

uma expressão, designada por veículo, que aparece na sua acepção corrente e à

qual se vai associar um referente não convencional- o tópico. Trata-se de uma

ligação pouco usual, invulgar, interactiva, entre dois termos, que estarão

ligados numa relação de analogia ou de similitude. A base em que se estabelece

a similitude ou analogia entre estes dois membros constitui the ground (a base).

De acordo com Richards, o veículo transporta o sentido do tópico, pelo que a

metáfora se realiza nesta interdependência dos dois elementos. Segundo esta

teoria, estabelece-se uma tensão semântica entre o tópico e o veículo, que

resulta exactamente desta necessidade de conjugar dois sentidos diferentes para

a mesma realidade. Pode mesmo acontecer que a relação entre o tópico e o

veículo se altere com o tempo, fruto de novos conhecimentos, gerando

interpretações diferentes.

Max Black (1962), um autor posterior e essencial para as teorias da

metáfora, retomou e desenvolveu as noções de Richards. O autor distingue dois

sujeitos numa expressão metafórica5- o sujeito principal, que ele nomeia de

frame (quadro), e o secundário, designado por focus (foco), sendo que o primeiro

5 Na obra Models and Metaphors (1962), Max Black utiliza os termos «principal/ subsidiary». No

livro «More about Metaphor» (1988) designa os sujeitos como «primary/ secondary»

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3. Teorias clássicas da metáfora

33

é literal e o segundo figurado. O valor metafórico do foco vai surgir da sua

relação com o quadro, a sua «moldura» literal. O sentido metafórico aparece

não como sendo veiculado pela palavra, mas pela frase. Desta forma, o processo

não se limita à substituição de uma palavra por outra, mas à relação interactiva

entre um sujeito principal e o sujeito secundário, que funciona como seu

predicado. O desvio situa-se na estrutura predicativa e, nesse sentido, a

metáfora «as to be described as a deviant predication rather than a deviant

denomination» (Ricoeur, 1979: 143). A inovação semântica a que a metáfora

obriga não deve, no entanto, ser reduzida a um desvio, mas deve antes ser

entendida como instituindo uma nova congruência ao nível da frase, de tal

forma que esta faz sentido em si, em todo o seu conjunto.

3.2.1 Comentários às teorias da interacção

As teorias da interacção foram decisivas para o avanço dos estudos sobre

a metáfora, por terem alargado a compreensão dos enunciados metafóricos a

uma relação de significados, intenções e associações, muito para além dos

referentes linguísticos. Muitos dos pressupostos destas teorias são

desenvolvidos nos modelos actuais de compreensão metafórica, tal como se irá

comprovar no capítulo seguinte.

Como teorias de forte carácter filosófico, não avançaram propostas muito

concretas sobre a forma de processar as metáforas. No entanto, algumas críticas

têm-lhe sido apontadas a esse nível, principalmente por fazerem depender o

sentido metafórico da relação entre um enunciado figurado e literal, com todas

as implicações que esta distinção entre figurado e literal acarreta. Searle (1979)

salienta ainda que não se deve perceber a metáfora como introduzindo uma

mudança de significado numa expressão, pela sua interacção com outra. O

autor procede à distinção pragmática entre significado da frase (sentence

meaning) e significado do falante ou da expressão (speaker’s or utterance meaning),

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3. Teorias clássicas da metáfora

34

referindo que o que caracteriza a metáfora é exactamente a distância entre o

significado das palavras da frase e aquele que o falante lhe atribui (destaque

nosso): «The metaphorical utterance does indeed mean something different from the

meaning of the words and sentences, but that is not because there has been any

change in the meanings of the lexical elements, but because the speaker means

something different by them.» (1979: 100)

3.3 Teorias pragmáticas

No século XX, desenvolveu-se ainda uma outra forma de pensar a

metáfora, designada por the incoherence view, e explorada pela semântica

generativa e pela pragmática e teoria dos actos de fala. Esta visão do fenómeno

metafórico caracteriza-se por encará-lo como algo que viola as regras da

semântica ou da pragmática. A metáfora é, então, percebida como uma

estrutura defectiva, incoerente, quando confrontada com as regras da língua.

A semântica generativa de Chomsky, de Katz e de Kintsch, entre outros,

considera as metáforas como expressões anómalas, às quais não se pode atribuir

valor de verdade, uma vez que as propriedades de selecção semântica dos

predicadores não foram respeitadas. Isto implica a não aceitabilidade da

expressão. Para se processar tais enunciados, tem de se rejeitar a leitura literal

da frase e optar por uma figurada, que «corrija» as regras violadas. Esta

proposta de compreensão das expressões metafóricas por etapas será analisada

no capítulo cinco, quando for estudado o modelo de etapas.

Uma outra via de exploração da incoherence view é-nos dada pela

pragmática, campo de estudo da língua desenvolvido por Searle (1979), Austin

(1975) e Grice (1993). Searle coloca a si próprio o problema de como ser

resolvida a falta de correspondência entre o que uma pessoa diz e o que ela

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3. Teorias clássicas da metáfora

35

quer dizer. Como é possível que alguém diga que S é P e queira dizer que S é R

e que quem o ouça perceba essa incoerência de sentido? De acordo com Searle,

«metaphor concerns the relations between word and sentence meaning, on the one hand,

and speaker’s meaning and utterance meaning, on the other.» (1979: 93). Desta forma,

e de acordo com este teórico, a explicação semântica da metáfora não é

suficientemente abrangente e será a pragmática o factor decisivo para a

compreender. Tal como foi atrás explicado, Searle distingue o significado das

palavras do significado do enunciado e afirma que «Metaphorical meaning is

always utterance meaning.» (1984: 93). Para que o sentido que o falante atribui a

uma frase metafórica seja compreendido, o ouvinte terá de considerar uma

leitura literal da frase, para em seguida a rejeitar, pois, caso contrário, a frase

teria de ser julgada imperfeita, uma vez que seria obviamente falsa,

semanticamente desprovida de sentido (semantic nonsense) ou violaria as regras

dos actos de fala ou dos princípios da comunicação. Optando pela leitura

metafórica, o ouvinte accionará vários princípios, através dos quais conseguirá

processar o sentido pretendido: «When you hear ‘S is P’, to find possible values of R

look for ways in which S might be like P, and to fill in the respect in which S might be

like P, look for salient, well known and distinctive features of P things.» (1984: 115).

Afastando-se da teoria dos actos de fala, Grice (1993) desenvolveu uma

abordagem pragmática da metáfora, baseada na distinção entre significado

natural (significado linguístico) e não natural (significado do falante) e a sua

relação com o princípio de cooperação, por ele desenvolvido. Este autor concebe o

acto de comunicação como sendo fortemente inferencial e como estando assente

sobre uma lógica conversacional, que permite que a interlocução se estabeleça.

Essa lógica está expressa no princípio de cooperação: «Faça a sua contribuição

conversacional de maneira a satisfazer, no momento em que o fizer, a finalidade ou a

direcção de troca linguística em que está envolvido». (apud Coimbra, 1999: 39)

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3. Teorias clássicas da metáfora

36

Através de quatro máximas conversacionais, este princípio é desenvolvido:

- a máxima da quantidade pressupõe que não se diz mais do que o

necessário;

- a máxima da qualidade prevê uma informação verdadeira e

fundamentada;

- a máxima da relevância estipula a relação do que se diz com a conversa;

- a máxima do modo presume que a contribuição seja clara, breve,

ordenada e não ambígua.

Qualquer ouvinte pressupõe que o falante respeite estas regras. Caso elas

sejam violadas, o ouvinte terá de inferir a intenção comunicativa do falante, que

se percebe estar para além do significado natural expresso (o enunciado tem de

ser interpretado extraliteralmente). Estas inferências são denominadas de

implicaturas conversacionais e são elas que irão repor o princípio de cooperação.

Uma metáfora viola a máxima da qualidade. Após a leitura literal, à qual será

atribuído um valor de verdade negativo, o ouvinte inferirá que tem de fazer

uma segunda leitura figurada.

3.3.1 Comentários às teorias pragmáticas

As teorias pragmáticas da metáfora têm sido muito questionadas (Stroik,

1989; Rohrer, 1995; Veale, 1995). Por um lado, elas, tal como as teorias anteriores

aqui apresentadas, partem da distinção essencial entre sentido figurado e literal

e analisam as metáforas tendo como base essa divisão. No entanto, a dualidade

sentido literal/ sentido figurado, já analisada no capítulo dois, é em si

problemática. Por outro lado, as teorias pragmáticas assumem que os

significados literais são automaticamente preferidos relativamente às

interpretações metafóricas, aparecendo estes como alternativa à impossibilidade

de uma leitura literal. No entanto, isso não parece ser corroborado pelos dados

obtidos em investigações empíricas e que serão objecto de estudo no capítulo

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3. Teorias clássicas da metáfora

37

cinco. Uma terceira objecção a esta teoria refere-se à noção por ela veiculada (e

pela incoherence view em geral, bem como pelas teorias comparativistas) que as

frases figuradas implicam um maior esforço cognitivo do que as literais. Isso

também não parece ser consensual, levando em conta os estudos

psicolinguísticos realizados, principalmente quando as metáforas utilizadas são

predicativas, do tipo A é B, e o contexto em que ocorrem é o adequado.

3.4 Perspectivas linguísticas sobre a metáfora

Vários estudos se têm feito sobre a sintaxe das metáforas. Matthews,

Abraham e outros, no início dos anos 70, fundamentaram os seus trabalhos na

distinção sintáctica das estruturas envolvidas em enunciados metafóricos, por

oposição aos literais. Segundo estes autores, as metáforas surgiam dentro de um

quadro de violação ou desvio gramatical. Esta posição foi posteriormente

abandonada, tendo-se percebido, dentro da semântica generativa, que as

restrições seleccionais não são de natureza sintáctica. A partir daí, o estudo das

configurações sintácticas metafóricas assumiu um carácter mais descritivo.

Aceita-se, mais ou menos consensualmente, que não se consegue isolar uma

sintaxe do figurado, ou seja, não é possível atribuir uma estrutura sintáctica às

frases metafóricas, que as distinga das frases literais, mas pode tentar-se

descrevê-las e caracterizá-las sintacticamente. Foi isto que se pretendeu com os

estudos da gramática da metáfora. Christine Brooke-Rose escreve, em 1958, um

importante livro nesse sentido, A Grammar of Metaphor, onde apresenta uma

tipologia de metáforas, agrupadas segundo as classes de palavras utilizadas

(metáforas nominais, verbais, adjectivais e adverbiais).

Outros estudos dentro da gramática da metáfora centraram-se na

configuração sintáctica da estrutura metafórica, analisada em contraste com a

estrutura comparativa. São exemplo disso os trabalhos de Morier (1961),

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3. Teorias clássicas da metáfora

38

Genette (1970) e Françoise Soublin (1971). O grupo µ (1970), Joelle Tamine

(1979), Irène Tamba-Mecz ocuparam-se igualmente das metáforas a um nível

sintáctico. Na década de 80, diversos estudos foram realizados nesse sentido.

Béatrice Lamiroy (1987) analisou as estruturas sintácticas de frases com verbos

de movimento utilizados em sentido metafórico. A autora estudou expressões

como as presentes em (26), (27) e (28).

(26) Luc a déterré de sa mémoire que Marie lui doit de l'argent.

Luc lembrou-se de que Marie lhe deve dinheiro. (déterrer= desenterrar)

(27) Cela a amené Marie à penser que Luc a tort.

Isso levou Marie a pensar que Luc estava errado. (amener= trazer)

(28) Que Marie ait dit cela a rempli Luc de joie.

Que Marie tenha dito isso encheu Luc de alegria. (remplir=encher)

(Lamiroy, 1987, apud Coimbra, 1999: 32)

A conclusão a que Lamiroy chegou foi a de que estes verbos, utilizados

numa acepção metafórica, impõem mais restrições de sintaxe do que quando o

seu sentido é literal. Por exemplo, frases com este tipo de verbos não aceitam

muitas vezes a transformação passiva, permitindo-a, no entanto, quando os

verbos aparecem no seu significado literal.

Cirlene Almeida, em 1989, apresentou uma descrição linguística das

metáforas, relacionando categorias sintácticas e semânticas, dentro do quadro

teórico da gramática generativa e da Teoria dos Espaços Mentais de Fauconnier.

Assumindo a estrutura predicativa como «o mecanismo básico da produção das

metáforas» (1989: 161), a autora defende que estará a elas subjacente a criação de

dois espaços mentais: o referencial, correspondente ao tópico da metáfora, e o

espaço predicativo, correspondente ao seu veículo. Estes espaços mentais

articulam-se de acordo com a aplicação do Princípio de Identificação, uma

categoria básica da Teoria dos Espaços Mentais, que pressupõe a existência de

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3. Teorias clássicas da metáfora

39

um conector pragmático a ligar dois domínios cognitivos (ou espaços mentais)

distintos.

Utilizando como exemplo a frase «A palavra de Deus é uma semente», a

autora apresenta o seguinte esquema:

F= (função pragmática)

A palavra de Deus semente

(espaço referencial) (espaço predicativo)

Esta análise semântica realizada no âmbito da teoria de Fauconnier pode

ser, de acordo com Cirlene Almeida, articulada com a Teoria da Regência e

Ligação e com a Teoria Temática da gramática generativa, aplicando-se os

princípios da atribuição de papel temático. Uma determinada categoria lexical

combina-se com os seus argumentos, atribuindo-lhe papéis temáticos, o que dá

origem a uma grade temática. Desta forma, um verbo como ‘cantar’, por

exemplo, tem uma estrutura argumental de um lugar, atribuindo o papel

temático de agente ao seu sujeito.

Os predicadores semânticos previstos na Teoria dos Espaços Mentais

pertencem à classe dos nomes, verbos, adjectivos e preposições. Eles coincidem

com as categorias sintácticas da Teoria da Regência e Ligação, pelo que é

possível propor uma tipologia de metáforas, considerando princípios sintácticos

e semânticos:

Metáforas verbais

O chefe rugiu.

A maldade bebe a maior parte do veneno que produz. (Séneca)

Maria recebeu confetes do chefe.

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3. Teorias clássicas da metáfora

40

Metáforas nominais Um romance é um espelho. (Stendhal)

O povo quer que o governo seja um pai para todos.

Metáforas adjectivais

Pessoas frias me dão um calafrio.

Metáforas preposicionais

Um abismo entre mim e ti nos separa.

(Almeida, 1989: 155, 156)

A descrição sintáctica de estruturas metafóricas tomou outras formas,

apresentadas tanto posterior como anteriormente àquelas aqui referidas, cada

uma delas reflectindo a complexidade destes estudos. Luís Faísca (2004), num

trabalho sobre a construção do significado metafórico, considera que só se

realiza uma interpretação metafórica de expressões predicativas, do tipo A é B,

quando essa estrutura se mantém. Ou seja, a interpretação metafórica verifica-

se quando o nome predicativo do sujeito (o veículo) projecta sobre o sujeito (o

tópico) características que o irão esclarecer. Esta projecção é assimétrica,

retomando os termos de Ortony (1979), na salience imbalance hypothesis. De

acordo com Faísca, «uma característica pouco saliente do tópico é, assim, posta em

relevo, tornando-se a interpretação informativa.» (op.cit.: 316). Devido a essa

‘natureza assimétrica’ da metáfora, a estrutura predicativa necessita ser

mantida, não podendo ser o tópico a transferir características para o veículo.

Como foi explicado na secção 3.1.1.1, a comparação literal aceita que os seus

elementos sejam permutados, mas o mesmo não acontece com a metáfora.

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3. Teorias clássicas da metáfora

41

3.5 Conclusão

Neste capítulo, foram delineadas as vias tradicionais de exploração da

metáfora, sobretudo a nível linguístico. Na próxima secção será abordado o

novo foco de investigação deste campo de estudo - o entendimento da metáfora

não apenas como fenómeno da língua, mas como ferramenta cognitiva

essencial. A dimensão conceptual da metáfora já estava prevista nas teorias até

aqui expostas. Como foi referido inicialmente, considera-se existir em

Aristóteles a noção de que a metáfora resulta da aplicação de um mecanismo

cognitivo que permite a percepção de uma entidade nos termos de outra. Outro

autor mencionado, Richards (1936), contestando as teorias por ele consideradas

como limitativas sobre a metáfora, afirmou que «it made metaphor seem to be a

verbal matter, a shifting and displacement of words, whereas fundamentally it is a

borrowing between and intercourse of thoughts, a transaction between contexts.

Thought is metaphoric, and proceeds by comparison, and the metaphors of language

derive there from.» (1936: 94, destaques no original). No entanto, nas novas

correntes sobre a metáfora, esta é encarada essencialmente como um

mecanismo cognitivo, sendo as suas expressões linguísticas secundárias

(principalmente na abordagem de Lakoff).

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3. Teorias clássicas da metáfora

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4. Teorias contemporâneas da metáfora

43

4. TEORIAS CONTEMPORÂNEAS DA METÁFORA

Ultimamente têm-se desenvolvido diversos estudos sobre a metáfora

dentro das áreas da linguística cognitiva e da psicolinguística, abrindo caminho

a uma perspectiva conceptual do fenómeno. A psicolinguística está interessada

em compreender os mecanismos cognitivos envolvidos no uso da linguagem e a

linguística cognitiva explora as interrelações entre as faculdades cognitivas e a

linguagem, procurando perceber nesta última manifestações da primeira.

Langacker (2000) defende que a linguagem não é uma faculdade humana

independente, mas uma faculdade que faz parte da cognição. Integra um

fenómeno psicológico vasto, não se podendo diferenciar ou estudar

isoladamente. Observando dados linguísticos, acedemos a processos cognitivos.

Lakoff e Johnson defendem algo semelhante, afirmando que: «Since

communication is based on the same conceptual system that we use in thinking and

acting, language is an important source of evidence for what the system is like.» (1980:

3). No que diz respeito à metáfora, para vários linguistas cognitivos e

psicolinguistas, esta desempenha um papel central nos nossos processos

cognitivos, pelo que o seu estudo tem sido objecto de grande interesse. Este

capítulo incidirá sobre dois modelos conceptuais de metáfora - a teoria da

Metáfora como Predicado de Inclusão em Classes e a teoria da Metáfora

Conceptual. Esta última desenvolveu-se recentemente em outras teorias, como

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4. Teorias contemporâneas da metáfora

44

na da Integração Conceptual de Fauconnier e Turner (2002) ou na das Metáforas

Primárias de Grady (1997).

4.1 Metáfora como Predicado de Inclusão em Classes

De acordo com a teoria da metáfora como predicado de inclusão em

classes (metaphors as class-inclusion assertions), prevalece na construção e no

processamento das metáforas um mecanismo conceptual que permite a criação

de categorias taxonómicas inovadoras. Para demonstrar a perspectiva desta

teoria, será retomada a comparação literal (21) utilizada no capítulo três, aqui

recodificada como (29a). Se se confrontar essa expressão com uma variação dos

versos de Eugénio de Andrade «São como um cristal,/ as palavras»6, que constitui

a comparação metafórica de (30a), verifica-se que é possível transformar esta

última num predicado de inclusão (30b). Ou seja, em (30a), tanto palavras como

cristal (o veículo e o tópico da metáfora respectivamente) estão incluídos dentro

de uma mesmo categoria, admitindo, por essa razão, a reescrita presente em

(30b). O mesmo não acontece nas comparações literais, como se comprova em

(29b).

(29) a) A Pepsi-Cola é como a Coca-Cola.

b) * A Pepsi-Cola é a Coca-Cola.

(30) a) As palavras são como um cristal

b) As palavras são um cristal.

Cacciari e Glucksberg (1994) salientam o paradoxo deste facto - não é

possível ligar num predicado de inclusão duas palavras que se referem a coisas

idênticas, mas é possível fazê-lo com duas entidades muito diferentes. De

acordo com os autores, isso acontece porque, através das metáforas, são

6 Andrade, Eugénio (1958). «As Palavras». In Coração do Dia. Lisboa: Iniciativas Editoriais.

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4. Teorias contemporâneas da metáfora

45

construídas novas categorias predicativas («new attributive category», op. cit.:

462). Quando alguém ouve que as palavras são um cristal será induzido a

proceder a uma categorização nova do termo «cristal», feita dentro do

processamento on line, que agora inclui o termo «palavras». Será a categoria das

coisas frágeis, delicadas, preciosas. Neste caso, «cristal» não é utilizado na sua

acepção mais corrente, concreta e literal, mas refere-se a uma classe mais geral e

prototípica, não lexicalizada, à qual pertence «palavras».

Peirce (1932) distinguiu as palavras enquanto instância (token) das

palavras enquanto tipo (type). Os vocábulos são utilizados como instância

quando aludem a entidades, quando nomeiam algo em concreto. No caso de se

referirem a uma categoria, funcionam como tipos. Cacciari e Glucksberg

utilizam a terminologia subordinate level e superordinate level para se refirem a

essas duas funções de uma mesma palavra. No caso da metáfora acima referida,

«cristal» é empregue como tipo, numa acepção de nível superior (superordinate

level) e não como instância (subordinate level). Desta forma, uma metáfora

equivaleria menos a uma comparação literal do que a uma relação de

hiponímia-hiperonímia, tal como se apresenta em (31).

(31) O gato é um animal.

A diferença é que não é atribuído um nome ao hiperónimo e este recebe,

por extensão, o nome do hipónimo. Repare-se na frase (32).

(32) My surgeon was a butcher.

O meu cirurgião foi um talhante.

Relativamente à frase (32), Glucksberg e Keysar (1993) realçam o facto de

não se estar a comparar o cirurgião a um talhante. Nas suas palavras, «In using

this expression, the speaker alludes to a prototypical or ideal exemplar of the category of

bumgling or harmful workers, and simultaneously uses that prototype’s name to name

that category.» (Glucksberg e Keysar apud Cacciari e Glucksberg, 1994: 462).

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4. Teorias contemporâneas da metáfora

46

4.1.1 Comentários à teoria da Metáfora como Predicado de Inclusão em Classes

Este modelo permite resolver algumas questões, para as quais outras

teorias não conseguiram encontrar respostas - entre outras, a assimetria dos

termos metafóricos, a diferença entre comparações literais e metáforas e o

processo de selecção dos traços atribuídos ao tópico através do veículo e vice-

versa. No entanto, não está livre de críticas. Ritchie (2003) e Lakoff (1993)

questionam a aplicação deste modelo a metáforas como a de (33):

(33) O meu emprego é uma prisão.

Para que se possa criar a categoria de «situação desagradável de

confinamento», em que estejam incluídos o tópico e o veículo, terá de se fazer

uma leitura metafórica adicional de emprego (em princípio o emprego não

implica confinamento). O que carece de explicação, para estes autores, é a

necessidade de se fazer uma leitura metafórica para se interpretar uma

metáfora.

4.2 Teoria da Metáfora Conceptual

Na génese desta teoria contemporânea da metáfora encontra-se a obra

que Lakoff e Johnson publicaram em 1980 - Metaphors We Live By. Nesse livro,

os autores defendem que as expressões linguísticas metafóricas, que desde

sempre constituíram o objecto de estudo daqueles que se dedicam a este campo,

reflectem outras metáforas mais básicas, constituintes do nosso sistema

conceptual e às quais acedemos inconscientemente. Serão essas metáforas, de

natureza cognitiva, que irão ocupar Lakoff e Johnson, transferindo, assim, da

língua para o pensamento o estudo do fenómeno metafórico. As metáforas

deixam de ser consideradas como um artifício linguístico, um desvio à

«formulação literal» do pensamento. Pelo contrário, e uma vez que o próprio

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4. Teorias contemporâneas da metáfora

47

pensamento é considerado como metafórico na sua natureza, elas são antes

vistas como algo natural, quotidianamente presente e disperso por vários

domínios. A prová-lo está a abundância de expressões metafóricas, que

banalmente utilizamos, sem nos apercebermos de que elas não podem ser

interpretadas de forma literal. Por outro lado, acontece-nos frequentemente

experienciar coisas em termos de outras coisas. Isto é o que acontece, e

utilizando o exemplo dado pelos autores, quando procedemos a afirmações

como a (34). Por detrás desta afirmação está o conceito metafórico (35).

(34) Estamos a perder tempo.

(35) TEMPO É DINHEIRO

A metáfora conceptual (35) faz-nos percepcionar o tempo como algo

valioso, limitado, quantificável, tal como o é o dinheiro. Ao fazê-lo, estamos a

agir metaforicamente, recorrendo a uma realidade que melhor conhecemos e

apreendemos («The essence of metaphor is understanding and experiencing one kind

of thing in terms of another». (Lakoff e Johnson, 1980: 5). O tempo em si não é

dinheiro, todos concordam com isso, mas é em parte percepcionado,

conceptualizado e expresso dessa forma: «The concept is metaphorically structured,

the activity is metaphorically structured, and, consequently, the language is

metaphorically structured.» (1980: 5). A própria dificuldade em traduzir

expressões figuradas revela que elas espelham concepções mentais que vão

para além da expressão linguística, tornando necessário complementar a

tradução com explicações sobre a conotação implicada. Uma outra evidência

para a natureza conceptual da metáfora é o facto de a sua expressão não ter

necessariamente de ser linguística. As metáforas visuais são muito exploradas

pela publicidade e há outras bem conhecidas, como a da pomba, símbolo da

paz, por exemplo. Rosa Coimbra (1999) refere-se igualmente a metáforas tácteis,

olfactivas e sonoras. Como exemplo de uma metáfora táctil, a autora menciona

um anúncio em que se utilizaram tiras de feltro, que os leitores tinham de

descolar, para simbolizar a aderência que os pneus de uma determinada marca

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4. Teorias contemporâneas da metáfora

48

tinham à estrada. Como metáfora olfactiva, a mesma autora dá como exemplo

as cartas perfumadas que os namorados trocam e que sugerem, segundo

Coimbra, o que de agradável e doce os une. Relativamente às metáforas

auditivas, a autora afirma que «a relação poema música pode ser encarada

como uma correlação conceptual entre dois domínios.» (1999: 45).

Existem ainda evidências psicológicas relativamente à natureza

metafórica do pensamento. Serão referidos neste trabalho estudos realizados

que comprovam a acessibilidadade da interpretação figurada e a independência

desta relativamente à leitura literal (capítulo 5). Augusto Soares da Silva (2003)

afirma ainda que «as metáforas e as metonímias conceptuais desempenham um

papel fundamental na aprendizagem, na interpretação consciente e na

compreensão rápida e geralmente inconsciente de muitos tipos de linguagem

convencional e inovadora.» (p.4).

Lakoff e Johnson distinguem, como já foi referido, as metáforas

conceptuais das metáforas linguísticas. As primeiras constituem o seu objecto

de trabalho e formam padrões básicos de conceptualização do mundo. Os

autores convencionaram utilizar letras maiúsculas pequenas (versaletes) para se

referirem a estas metáforas conceptuais. Cada uma delas será projectada em

várias realizações linguísticas, mais ou menos criativas ou convencionais.

Diversos exemplos poderiam ser dados. Utilizando a metáfora conceptual BOM É

CIMA; MAU É BAIXO, as suas realizações linguísticas são várias:

(36) O João anda muito em baixo.

(37) O Pedro subiu aos céus com a notícia.

(38) Ele teve de rastejar para o conseguir.

(39) Desde Sábado que ela anda nas nuvens.

(40) A vida tem altos e baixos.

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4. Teorias contemporâneas da metáfora

49

Sendo um mecanismo essencialmente cognitivo, as metáforas passam a

ser entendidas como projecções entre domínios conceptuais (domain mapping).

Um domínio origem ou fonte (source domain), normalmente da experiência mais

concreta, muitas vezes da realidade corporal, projecta noutro domínio distinto

vários padrões conceptuais, passando esse domínio alvo (target domain) mais

abstracto a ser entendido nos termos do outro. Estas projecções são sistemáticas,

na medida em que há uma correspondência fixa, não arbitrária, entre os

padrões do domínio origem e aqueles que são projectados no domínio alvo.

Repare-se neste diagrama de uma projecção metafórica, retirado de Soares da

Silva, 2003 (p. 16):

Domínio origem Domínio alvo

Para além de sistemáticas, as correspondências projectadas são ainda

invariáveis (the invariance principle, segundo Lakoff). Na metáfora conceptual

(41), a pessoa corresponde sempre ao passageiro, as paragens às etapas da vida,

os obstáculos aos problemas, etc..

(41) A VIDA É UMA VIAGEM

As projecções das metáforas cognitivas são parciais. Como facilmente se

intui, a correspondência entre a fonte e o alvo não é completa. Se fosse,

estaríamos a falar de duas entidades iguais e não seria necessário utilizar uma

metáfora para perceber o domínio alvo. Por essa razão, nem todos os aspectos

do domínio fonte serão projectados no domínio alvo e nem toda a natureza

deste será iluminada pelo outro. As projecções da fonte irão incidir apenas

sobre algumas partes do alvo, aquelas que fazem sentido dentro da metáfora,

deixando outras de parte. Isso terá reflexos na sua conceptualização. Ao

privilegiarem-se certos padrões de um conceito e ao omitirem-se outros,

A B C

1 2 3

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4. Teorias contemporâneas da metáfora

50

direcciona-se a percepção. Lakoff e Johnson referem-se à porção utilizada (used

portion) da metáfora. Se tomarmos como exemplo a metáfora conceptual (42),

aquilo que tipicamente se projecta da fonte no alvo são os aspectos combativos.

Há, no entanto, outros aspectos que poderiam ser levados em conta, como a

interacção, a troca de conhecimentos, a cooperação, mas que, como não são

compatíveis com a metáfora, não são levados considerados e não caracterizam,

por essa razão, a nossa forma de entender uma discussão.

(42) DISCUSSÃO É GUERRA

Este modelo prevê ainda a organização das metáforas em dois níveis - as

metáforas de nível genérico (generic-level metaphors) e aquelas de nível básico ou

específico (specific-level or basic metaphors). As metáforas de nível inferior

herdam os padrões de projecção daquelas de nível superior, organizando assim

redes hierárquicas de metáforas, dominadas por uma expressão metafórica

conceptual mais alta (higher). Esta, tal como o nome refere, é mais genérica, os

seus domínios fonte e alvo não são fixos, bem como não o são as projecções. As

metáforas básicas já serão caracterizadas pela especificidade do seu domínio.

Lakoff e Johnson (1989: 52) apresentam o seguinte exemplo de metáforas dos

dois níveis na conceptualização da vida e da morte:

1. Generic-level metaphors: PURPOSES ARE DESTINATIONS, STATES ARE

LOCATIONS, EVENTS ARE ACTIONS, etc..

2. Specific-level metaphors for the domains of life and death: LIFE IS A

JOURNEY, DEATH IS DEPARTURE, PEOPLE ARE PLANTS, A LIFETIME IS A YEAR, A

LIFETIME IS A DAY, DEATH IS REST, DEATH IS SLEEP, LIFE IS A PRECIOUS POSSESSION,

LIFE IS A PLAY, etc..

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4. Teorias contemporâneas da metáfora

51

A tipologia de metáforas conceptuais proposta por estes autores é a seguinte:

estruturais

• Metáforas convencionais orientacionais

ontológicas

• Metáforas novas

• Metáforas imagéticas

As metáforas convencionais são aquelas tipicamente automáticas,

enraizadas na nossa experiência física. Dividem-se em estruturais, quando

estruturam um conceito nos termos de outro (43, 44), orientacionais, se

organizarem um sistema com base na orientação espacial, essencialmente na

noção de cima e baixo (45, 46) e ontológicas, as que equiparam conceitos

abstractos a entidades concretas, nomeadamente do domínio corporal e físico

(47, 48). As metáforas novas baseiam-se em afinidades que se formam a partir de

metáforas orientacionais e ontológicas, resultando, essencialmente, em

metáforas estruturais. Nas metáforas imagéticas, ao contrário das convencionais,

não são projectados vários padrões de um domínio noutro, mas é projectada

singularmente uma imagem mental noutra. Lakoff (1993) exemplifica com a

frase (49), de André Breton.

(43) DISCUSSÃO É GUERRA

(44) TEMPO É DINHEIRO

(45) BOM É CIMA, MAU É BAIXO

(46) SAÚDE É CIMA, DOENÇA É BAIXO

(47) AS EMOÇÕES SÃO SUBSTÂNCIAS

(48) AS PESSOAS SÃO PLANTAS

(49) «My wife... whose waist is an hourglass.»

A minha mulher… cuja cintura é uma ampulheta.

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4. Teorias contemporâneas da metáfora

52

4.2.1 Comentários à Teoria da Metáfora Conceptual

Apesar do reconhecimento alargado existente na literatura relativamente

às potencialidades e inovações desta teoria, encontram-se reservas por parte de

diversos autores (Holland, 1982; MacCormac, 1985; Wierzbicka, 1986; Ortony,

1988; Jackendoff and Aaron, 1991; Cacciari and Glucksberg, 1994, entre outros).

Keesing (1985), Mühlhaüser (1995), Yu (1998), por exemplo, mostram-se

incrédulos relativamente à extensão universal de algumas metáforas

conceptuais a partir de uma única língua estudada - o inglês. Estas metáforas

são muitas vezes construídas, tal como já se explicou, em experiências corporais

básicas («direct physical experience» Lakoff e Johnson, 1980: 57) e comuns à classe

humana - a noção de verticalidade condiciona a nossa percepção espacial em

termos de cima-baixo (up/ down), a nossa constituição física impõe-nos o

conceito de frente-trás (front-back), etc.. Poder-se-ia admitir que, sendo estas

percepções comuns a toda a raça humana, originariam igualmente metáforas

conceptuais idênticas nas diferentes línguas. No entanto, é para esta

generalização que os autores acima mencionados alertam. Yu refere a

necessidade de se tentar perceber melhor, através de estudos inter-linguísticos,

até que ponto as metáforas conceptuais são universais e até que ponto são

culturalmente condicionadas. O autor afirma que «Since, as argued, human

understanding, meaning and reasoning are grounded in our embodied experience, and

since basic bodily experience should be common among all human beings, it can be

hypothesized that there exist cognitive universals, as well as linguistic universals. On

the other hand, since bodily experience always interact with specific physical, social and

cultural environments, it is also expexted that there should be cognitive variations

across cultures and languages.» (p.47). Cacciari e Glucksberg (1994) levantam

igualmente várias objecções à abordagem lakoviana da metáfora. Por um lado,

salientam a fragilidade desta teoria em termos linguísticos. Ocupando-se

exclusivamente das metáforas conceptuais, não parece responder a

preocupações linguísticas como por exemplo o que leva a que determinadas

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4. Teorias contemporâneas da metáfora

53

expressões metafóricas sejam preferíveis em relação a outras. De acordo com os

autores, a teoria conceptual não dá conta da metáfora ao nível do discurso, e

isso continua a ser necessário. Por outro lado, Cacciari e Glucksberg apontam

questões que consideram não resolvidas, como a forma como o sistema

conceptual é adquirido; o facto de as estruturas conceptuais e as projecções

serem ou não universais; a dúvida sobre se todas as pessoas partilham essas

estruturas conceptuais e projecções; a questão de, construindo-se as metáforas

com base em estruturas conceptuais presentes na memória semântica, como se

explicam as metáforas novas.

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4. Teorias contemporâneas da metáfora

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5. A pesquisa psicolinguística

55

5. A PESQUISA PSICOLINGUÍSTICA

A construção do significado de uma frase metafórica, a forma como as

metáforas são percebidas, é uma preocupação da psicolinguística. Para

responder a esta questão, diferentes propostas são apresentadas, reflectindo,

cada uma delas, uma perspectiva distinta sobre o assunto. A forma como são

entendidos os conceitos de significado literal e significado figurado e como se

considera que estes significados são processados encontra-se directamente

relacionada com o tema. Como se reconhece uma frase como metafórica em vez

de literal e se constrói a sua leitura de acordo com isso? A pergunta torna-se

mais pertinente, se tivermos em conta que as pistas sintácticas para o

reconhecimento de frases metafóricas são reduzidas. As frases (50) e (51),

metafórica e literal, respectivamente, têm uma estrutura sintáctica idêntica.

(50) O cão é um animal.

(51) As palavras são punhais.

Para além disso, em muitas frases, não se verificam anomalias

semânticas, podendo ter uma leitura literal ou figurada:

(52) O Ricardo é um gorila.

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5. A pesquisa psicolinguística

56

Neste capítulo será feita uma análise de dois modelos psicolinguísticos

essenciais para o processamento das metáforas: os modelos de etapas ou de

processamento derivado e os modelos construtivistas. No final do capítulo,

proceder-se-á a uma revisão dos estudos linguísticos e psicolinguísticos

realizados em Portugal dentro do âmbito da linguagem metafórica.

5.1 Modelos de etapas

O modelo de etapas advém da teoria pragmática tradicional (Standard

Pragmatic Model) e está na base de outros modelos como o de Ortony (Salience

Imbalance Model) ou o de Gentner (Structure Mapping Model). Tal como se

verificou no capítulo três, a linguagem figurada representa, para esta teoria,

uma violação das regras da língua, uma utilização marcada da linguagem,

tendo como referência os usos convencionais da gramática, nomeadamente da

semântica. Qualquer frase que se ouça ou que se leia, segundo preconiza a

teoria pragmática, é aceite como estando a veicular informação fidedigna e

credível (através de uma frase literal, gramaticalmente aceitável). Só após uma

primeira leitura, em que se percebe que, entendida literalmente, a frase é, de

alguma forma, estranha, se opta por uma segunda leitura, esta figurada e capaz

de restabelecer as regras conversacionais. Neste sentido, a metáfora só pode ser

percebida como um fenómeno da pragmática: «Metaphorical meaning is always

utterance meaning» (Searle, 1979: 93).

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5. A pesquisa psicolinguística

57

Esta visão da metáfora gera o modelo de processamento por etapas:

a) Primeira etapa - procede-se a uma leitura literal da frase.

b) Segunda etapa - acede-se à interpretação da frase, tendo em conta o

seu contexto.

c) Terceira etapa - apenas na impossibilidade de uma leitura literal da

frase (then and only then), opta-se por uma

interpretação não literal.

5.1.1 Estudos sobre os modelos de etapas

O modelo de etapas delineia de forma clara o processo de compreensão

das metáforas, sendo esse o seu grande mérito. No entanto, esta maneira

simples e linear de perceber o fenómeno tem sido muito contestada por

diversos estudiosos e contrariada por vários estudos psicolinguísticos

realizados. Glucksberg e Keysar (1990) salientaram que têm sido encontrados

argumentos que inviabilizam cada etapa apresentada pelo modelo de

processamento derivado.

A primeira etapa do modelo define que a leitura de uma frase não literal

é sempre antecedida por uma leitura literal dessa mesma frase. Parte-se do

princípio que, se tal acontecesse, isso traduzir-se-ia num tempo de

processamento mais alargado das frases metafóricas em contraste com o das

literais. As experiências realizadas por Harris (1976); Ortony, Schallert,

Reynolds e Antos (1978); Shinjo e Myers (1987) Gerrig e Healy (1983), entre

outros, comprovaram no entanto que, se o contexto for o adequado, as frases

metafóricas não necessitam de mais tempo de leitura do que as frases literais.

Raymond Gibbs estudou outras formas de linguagem figurada para além da

metáfora, tal como pedidos indirectos (1979), expressões idiomáticas (1986a) e

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5. A pesquisa psicolinguística

58

ironia (1986b) e as conclusões a que chegou, relativamente ao tempo de

processamento, foram idênticas.

Uma variável importante na realização destes estudos é o tipo de

metáforas utilizado. Grande parte deles foram pensados para investigar a

velocidade de leitura e de processamento de metáforas predicativas do tipo

A é B. Estas investigações comprovaram que uma frase metafórica não é mais

difícil de perceber do que uma literal, levando em conta os tempos de leitura.

No entanto, quando os testes incidiram sobre metáforas em posição referencial

(Gibbs,1990; Onishi e Murphy, 1993; Noveck, Bianco e Castry, 2001) os

resultados foram diferentes, sendo, talvez, necessário especificar as condições

que permitem dizer que «people understand metaphors in the much same way as

they understand literal sentences» (Kintsch, 2002: 3). Gibbs (1990) criou um

paradigma de referência metafórica (Metaphoric Reference Paradigm) para estudar

esse tipo de metáforas. O investigador utilizou histórias de oito linhas, em que a

última mencionava metafórica ou literalmente um personagem da história. Por

exemplo, num dos textos foi descrito um combate de boxe, em que um dos

lutadores era muito mau e perdia sempre. A última frase encontra-se em (53),

referindo-se «the creampuff» a esse lutador.

(53) The creampuff didn´t even show up.

O pastel de nata não apareceu.

A referência literal era «the fighter» (o lutador). Gibbs constatou que os

tempos de leitura diferiram significativamente, sendo as referências literais de

leitura invariavelmente mais rápida do que as metafóricas. As hipóteses que

Gibbs levantou para explicar este resultado foram, por um lado, a validade do

modelo de etapas, que prevê um mais difícil processamento de frases

metafóricas relativamente a frases literais, ou, por outro lado, o processo de

referência interferir com a interpretação da metáfora. Onishi e Murphy (1993)

procuraram testar estas hipóteses, controlando possíveis factores que

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5. A pesquisa psicolinguística

59

interferissem com o processamento da referência metafórica. Numa primeira

experiência, foi tornada clara toda a informação partilhada pelos intervenientes

da história, de forma a que, quando surgisse a referência metafórica, não

houvesse a possibilidade de os sujeitos testados estarem a integrar informação

extra que aumentasse o tempo de leitura. Os investigadores utilizaram histórias

de quatro a seis linhas em que duas pessoas partilhavam os mesmos dados

sobre uma terceira pessoa ou objecto, que eram referenciados, metafórica ou

literalmente, na última ou penúltima frase do texto. A frase referencial não

introduzia, portanto, informação nova quanto ao ponto de vista das duas

pessoas. Os investigadores aplicaram este paradigma a vinte pessoas e

verificaram que nenhum sujeito leu a frase-alvo metafórica mais rapidamente

do que a literal, sendo a média de leitura de 1,669 msec para as frases literais e

de 2,000 msec para as metafóricas. Concluiu-se, portanto, que a referência

metafórica exige, realmente, mais tempo do que a literal. Onishi e Murphy

procuraram, numa segunda experiência, controlar outros factores que

pudessem dificultar a compreensão da referência metafórica. Numa tentativa

de tornar ainda mais explícito o referente e eliminar possíveis dificuldades em o

identificar, Onishi e Murphy construíram histórias em que a personagem

referenciada aparecia imediatamente antes da frase-alvo. Num dos textos, a

dona estremosa de uma gata que se recusava a comer telefona ao veterinário. A

frase número sete é a que consta em (55), ao que se segue a frase-alvo

metafórica (54a). A variante literal encontra-se em (54c).

(54) a) My princess won’t eat

A minha princesa não come

b) My cat is my princess

A minha gata é a minha princesa

c) My cat won’t eat.

A minha gata não come.

(55) Felicia described her problem with her siamese.

Felicia descreveu o seu problema com a sua siamesa.

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5. A pesquisa psicolinguística

60

Todos estes procedimentos, no entanto, não impediram um maior tempo

de leitura das frases metafóricas (2,262 msec versus 1,912 msec das frases

literais).

Os investigadores utilizaram tópicos e veículos que tinham sido

testados anteriormente em metáforas predicativas (Gildea e Glucksberg, 1983) e

que tinham sido considerados adequados e fáceis de perceber, não parecendo

haver, portanto, dificuldade em relacioná-los. No entanto, para testar a

adequação das metáforas utilizadas, e para perceber se o problema era

realmente o facto de serem referenciais ou se era a expressão em si, os

investigadores realizaram uma terceira experiência, em que apresentaram as

mesmas histórias, mas em que as metáforas eram predicativas. No texto

original do gato, o que a sua dona diz ao telefone constitui a frase-alvo

metafórica (54a). Nesta experiência, Onoshi e Murphy colocaram a frase (54b) e

verificaram que, nesta como nas outras histórias, as diferenças no tempo de

leitura em relação aos referentes literais desapareceram, pelo que o problema

não estava nas metáforas em si, mas no facto de serem utilizadas em posição

referencial. Numa metáfora predicativa, todos os componentes metafóricos se

encontram explícitos. É fácil identificar o tópico e o veículo, cabendo ao ouvinte

perceber a base. No entanto, quando se trata de referências metafóricas, é

exigido o trabalho adicional de inferir o tópico. Numa frase como (54a), tem de

se recuperar o tópico (o gato), para além de ser necessário construir a base da

metáfora (um gato muito bem cuidado e tratado). Este processo leva Onoshi e

Murphy a afirmar que «it seems that comprehending the metaphor (i.e., relating the

topic and the vehicle) is not the difficulty here - the problem is identifying the referent

and (equivalently) identifying the noun phrase as metaphorical.» (1993: 770).

Noveck, Bianco e Castry (2001) realizaram uma experiência semelhante e

concluiram que realmente «metaphors often come with costs when compared with

non-figurative controls (e.g. longer processing times)». Estes autores basearam-se na

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5. A pesquisa psicolinguística

61

Teoria da Relevância (Relevance Theory) de Sperber e Wilson (1995) e adaptaram

o Paradigma de Referência Metafórica de Gibbs. Eles apresentaram aos sujeitos

testados dezasseis histórias de oito linhas, em que a penúltima continha uma

frase metafórica ou uma sinónima literal. Esta experiência foi realizada com

crianças desde os nove anos até adultos e os autores verificaram que o factor

idade é determinante na compreensão das metáforas, encontrando-se esta

facilitada pela maturação cognitiva dos indivíduos. Com a idade, o tempo de

leitura de uma frase metafórica referencial, em comparação com o de uma

literal, diminui, mas é sempre superior (nas crianças de nove anos foi 2322 mseg

superior e nos adultos foi 530 mseg superior). Os autores concluem que

«compared to synonymous controls, metaphoric references are consistently associated

with relatively longer reading times». No entanto, estes custos são compensados,

pelo menos nos adultos, com vantagens na compreensão. Os autores fizeram

uma segunda experiência em que acrescentaram, no fim, questões sobre a

história. Eles verificaram que o número de respostas correctas dos adultos era

7% mais elevado nas histórias com referências metafóricas do que nas histórias

com referências literais (90% e 83% respectivamente). As crianças, no entanto,

não pareceram beneficiar com as metáforas, apresentando um número superior

de respostas certas após referências literais (8%, 4% e 1% em crianças com nove,

onze e catorze anos respectivamente).

O segundo momento do modelo de etapas, em que se preconiza que o

significado de uma frase metafórica só é processado após o acesso ao

significado literal, também tem sido sujeito a contestações empíricas.

Glucksberg, Gildea e Bookin (1982) realizaram uma experiência, utilizando

metáforas nominais do tipo A é B. Nesse estudo, era pedido às pessoas que

decidissem se a afirmação era verdadeira ou falsa. As pessoas tiveram mais

dificuldades em tomar essa decisão face a frases literalmente falsas, mas

metaforicamente aceitáveis, como em (56).

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5. A pesquisa psicolinguística

62

(56) Some desks are junkyards.

Algumas secretárias são sucatas.

Este resultado revela um efeito de interferência da leitura metafórica e

valida a hipótese de esta ser activada automaticamente e não opcionalmente,

após rejeição de uma leitura literal. Numa outra investigação, Blasko e Connine

(1993) verificaram que, na compreensão de um enunciado metafórico, tanto o

significado literal como o figurado estão activados, o que levou as autoras a

rejeitar o modelo sequencial e a optar por um modelo paralelo. Newsome

(1999), por outro lado, demonstrou que, em enunciados figurados com termos

alvo exclusivamente associados à metáfora, o significado literal nem sempre é

activado. McElree e Nordlie (1999) utilizaram o método SAT (speed-accuracy

trade-off) para verificar se os significados literal e metafórico são acedidos

sequencial ou paralelamente. Os autores encontraram evidências temporais

para esta última hipótese.

No que diz respeito à terceira etapa do modelo de processamento

derivado, em que finalmente se acede ao significado figurado, várias

experiências realizadas têm-na colocado em questão. Essa etapa implica que as

interpretações não literais ocorram dentro de uma moldura contextual mais

alargada e diferencial do que as literais. No entanto, o que empiricamente se

percebeu (Ortony et al., 1978; Gildea e Glucksberg, 1983; Gerrig e Healy, 1983;

Blasko e Connine, 1993) foi que a informação que é necessário activar para se

proceder a uma leitura figurada é aquela que se recruta face a frases literais. A

interpretação de metáforas familiares ou convencionais, por exemplo, não é tão

dependente do contexto como são as metáforas novas ou ambíguas (Blasko e

Connine: 1993).

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5. A pesquisa psicolinguística

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5.2 Modelos construtivistas

Os modelos de etapas são propostos por teorias que assumem a distinção

fundamental entre frases literais e figuradas. Consequentemente, o

processamento destes dois tipos de frases será diferenciado. A alternativa aos

modelos de etapas é a dos modelos construtivistas, que defendem um

processamento cognitivo idêntico nas frases literais e metafóricas. De acordo

com este modelo, a construção do significado de qualquer frase, literal ou não

literal, é processual, exige a activação do mesmo tipo de mecanismos

inferenciais e está dependente do contexto - «there exists a considerable and

convincing body of research in cognitive psychology and cognitive science that indicates

that people understand metaphors in much the same way as they understand literal

sentences. (...) the meaning of a word, sentence or text is given by the set of relationship

between it and everything else that is known» (Kintsch e Bowles, 2002: 3). Este é o

modelo proposto pela teoria de Inclusão de Classes de Keysar e Glucksberg

(1993). Tal como se verificou no capítulo anterior, os autores encaram as

metáforas como uma asserção de inclusão categorial, que funciona de forma

idêntica às predicações literais, com um sujeito e um nome predicativo do

sujeito. A natureza dual do veículo, que pode designar um conceito literal

específico ou uma categoria, é que irá permitir a distinção entre as predicações

literais e as metafóricas. Considerem-se as frases (57) e (58):

(57) Um dermatologista é um médico.

(58) A Inês é uma cobra.

Numa frase como a (57), «médico» refere-se a uma entidade concreta, a

palavra é utilizada como uma instância (token), numa função de nível inferior

(subordinate level). Será nesse nível concreto que o nome predicativo do sujeito

irá atribuir características ao sujeito. Na frase (58), «cobra» é utilizada numa

dimensão categorial e não concreta ou «emblemática». Ela irá denominar a

categoria das coisas traiçoeiras, venenosas, más e serão essas características que

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5. A pesquisa psicolinguística

64

serão atribuídas ao tópico. Não se refere a répteis, pelo que essa propriedade

não será transportada para o sujeito.

A computação de uma frase, metafórica ou não, implica a identificação e

a selecção de características semanticamente apropriadas, dado o contexto. Não

se activam e combinam todos os traços dos elementos que constituem a frase.

As propriedades seleccionadas para se compreender o verbo «apanhar» em

(59a) e (59b) são distintas.

(59) a) A criança apanhou um susto.

b) Eu apanhei a roupa.

O mesmo acontece numa metáfora, de acordo com este modelo. São

seleccionados os traços do veículo adequados ao tópico e aqueles que são

irrelevantes dentro da predicação são suprimidos. Desta forma, cria-se a nova

categoria mental. O tópico, por sua vez, interage com o veículo, fornecendo

propriedades que especifiquem essa categoria: «A metaphor topic provides

dimensions for attribution, while a metaphor vehicle provides properties to be attributed

to the topic.» (Glucksberg, 2001: 53). Kintsch (2000) compara o processamento de

uma expressão metafórica ao processamento de uma frase com palavras

polissémicas. Os recursos activados para se perceber o vocábulo ‘cobra’

utilizado num contexto literal, como em (60a) ou numa frase metafórica, como

em (60b), são aqueles necessários para se construir o significado da palavra

«canto» em diferentes contextos, exemplificados em (61a) e (61b):

(60) a) A cobra mordeu o João.

b) A Inês é uma cobra.

(61) a) O móvel está no canto da sala.

b) O canto do pássaro é lindo.

Ambos os casos (frases 60 e 61) obrigam a «activating context-appropriate

features and inhibiting or deactivating innapropriate features.» (Kintsch, 2000: 263).

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5. A pesquisa psicolinguística

65

5.2.1 Estudos sobre os modelos construtivistas

Gernsbacher e Keysar (1995) testaram a influência do contexto no

processamento de frases literais e verificaram que este era mais lento quando o

enunciado era antecedido por uma metáfora. Testando a velocidade de leitura

de frases como (62), os tempos de reacção resultaram mais lentos no caso de o

prime ser a frase (63) do que no caso de ser a (64).

(62) Sharks are good swimmers

Os tubarões nadam bem.

(63) My lawyer is a shark.

O meu advogado é um tubarão.

(64) The hammerhead is a shark.

O tubarão-martelo é um tubarão.

Daqui se concluiu que o facto de uma frase ser literal não a torna, por si

só, de processamento mais simples e directo. O contexto irá influenciar a leitura

e a sua interpretação.

Partindo do princípio, e baseando-se em diversas investigações, de que a

compreensão de metáforas se realiza de maneira idêntica à de frases literais,

Walter Kintsch (2000) criou um modelo computacional para simular a

compreensão de predicações metafóricas, em que elas são tratadas da mesma

forma do que as predicações literais. Este modelo apoia-se na técnica de Latent

Semantic Analysis (LSA) e no Construction-Integration Model (CI). O LSA é um

modelo de construção de significado (a model of human knowledge structure), que

permite criar um espaço semântico onde as palavras ou as frases de um texto se

relacionam entre si. Através do cálculo do grau de relação semântica que elas

partilham, chega-se ao significado das palavras ou frases. The construction-

integration model providencia a associação sintáctica das predicações,

combinando traços do predicado com os do seu argumento. Por exemplo, na

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5. A pesquisa psicolinguística

66

frase (63), realiza-se a combinação de «is a shark» (que obterá resultados

diferentes do espaço semântico de «shark» isolado) com «My lawyer»,

resultando num campo semântico inovador.

A sequência (simplificada) pela qual o computador processa a frase é a

seguinte:

1- Através do LSA são seleccionados termos que se associem ao

predicado;

2- Desses termos são escolhidos aqueles que se relacionam com o

argumento;

3- O termo mais activado desta rede fornece o significado da metáfora.

O processamento de uma predicação literal (figura dois) é idêntico ao de

uma predicação metafórica (figura um), tal como se pode perceber nos

seguintes esquemas:

Numa frase literal, a relação entre o predicado e o seu argumento é

normalmente clara e esperada, sendo que várias características do primeiro se

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5. A pesquisa psicolinguística

67

aplicam ao último. Numa metáfora, só se verifica a associação de alguns traços,

proporcionando um o campo semântico original e criativo.

Este modelo foi testado, comparando as interpretações de vinte e quatro

sujeitos a trinta metáforas predicativas e os resultados da simulação

computacional com essas mesmas metáforas. As pessoas tinham igualmente de

se pronunciar relativamente à facilidade ou dificuldade que sentiram na leitura

das frases. Relativamente às metáforas consideradas fáceis, verificou-se grande

consensualidade na interpretação e o termo atribuído pelo computador

assemelhava-se muito àquele indicado pelas pessoas. No caso das metáforas

sentidas como difíceis, houve uma variedade maior nas respostas, mas os

resultados do modelo computacional também se aproximaram aos dos sujeitos.

Kintsch concluiu, desta forma, que este modelo fornece pistas fiáveis sobre o

processo de compreensão de frases predicativas, sejam elas literais ou

metafóricas. Resumindo, este processo baseia-se na interacção entre o

significado do tópico e do veículo, ou do predicado e seu argumento,

independentemente de a frase predicativa ser literal ou metafórica: «Predication

modifies the topic vector, by merging it with selected features of the vehicle vector»

(Kintsch, 2000: 257).

5.3 Estudos linguísticos sobre a metáfora realizados em Portugal

A metáfora tem sido objecto de interesse em Portugal em várias áreas do

saber (filosofia, literatura, didáctica, ciências, história, etc.), a julgar pelos

trabalhos publicados. Detendo-me nas áreas da linguística, tem havido, nos

últimos anos, importantes contributos para a compreensão da linguagem

metafórica.

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5. A pesquisa psicolinguística

68

Augusto Soares da Silva tem vários estudos sobre a metáfora,

disponíveis em diversas publicações. No âmbito da linguística cognitiva,

publicou um artigo intitulado «O poder cognitivo da metáfora e da metonímia»

(2003). Apresentando a metáfora e a metonímia como ‘fenómenos conceptuais’

(op.cit.: 2), e de forma a analisar o seu poder, Soares da Silva faz uma revisão

dos actuais modelos conceptuais que incidem sobre os dois mecanismos,

procedendo a uma avaliação crítica sobre eles. Para tal, recupera a análise de

diversos conceitos, tais como a distinção entre a metáfora e a não-metáfora ou a

linguagem literal e figurada.

Na área da psicologia cognitiva, Luís Faísca (2004) desenvolveu vários

estudos experimentais sobre o processamento da metáfora, integrados na sua

tese de doutoramento: A Construção do Significado Metafórico – um contributo para

a caracterização dos processos cognitivos subjacentes (2004). O primeiro desses

estudos consistiu em pedir a cento e oitenta pessoas, com idades

compreendidas entre os dezoito e os sessenta e cinco anos, que parafraseassem

quarenta e seis metáforas nominais novas, ou seja, que não existiam, do tipo A é

B. De seguida, os sujeitos deveriam avaliá-las em quatro dimensões: facilidade

de interpretação, familiaridade percebida, concordância com a expressão e sua

qualidade. De acordo com os resultados dessa tarefa, o corpus de metáforas foi

caracterizado e foi utilizado nos restantes trabalhos empíricos da tese. Este

estudo permitiu concluir que, perante frases tão estranhas como ‘a criatividade

é uma torradeira’, os inquiridos esforçavam-se por lhes conferir um significado

válido. Apenas 12.7% das frases não foram interpretadas. Por outro lado, uma

mesma frase provocava uma grande variedade de interpretações, não havendo

nenhuma à qual tivesse sido atribuído um sentido único. Relativamente aos

parâmetros de avaliação, verificou-se que eles se relacionavam muito entre si.

Quer isto dizer que havia uma tendência generalizada para se avaliarem as

quatro dimensões da mesma forma. Se uma metáfora era considerada fácil de

interpretar, era igualmente julgada como mais familiar, de melhor qualidade e

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5. A pesquisa psicolinguística

69

suscitava maior concordância. A conclusão que se retirou deste facto foi de que

os sujeitos se basearam apenas num critério de avaliação para apreciarem os

quatro parâmetros. O efeito do nível de escolaridade também foi avaliado e

verificou-se que os indivíduos licenciados interpretavam mais metáforas,

apesar da qualidade das interpretações ter sido considerada idêntica à dos

sujeitos não licenciados.

Posteriormente, as paráfrases foram objecto de um outro estudo.

Partindo da premissa de que «uma interpretação é de qualidade se respeitar a

estrutura sintáctica da frase original e assinalar aspectos relevantes do tópico atribuídos

pelo veículo.» (op.cit.: 314), só foram consideradas neste estudo as paráfrases

avaliadas como de baixa qualidade, denunciadoras de uma interpretação não

metafórica. O trabalho recaiu nas estratégias alternativas utilizadas pelos

sujeitos para lidarem com as expressões apresentadas. De acordo com o estudo,

as estratégias de extracção de significado foram necessárias, na sua grande

maioria, quando as metáforas eram consideradas de difícil interpretação pelos

sujeitos. Naquelas avaliadas como fáceis, a construção do sentido da frase era

canónica, sendo o veículo utilizado para esclarecer características do tópico,

através da projecção de propriedades comuns. As estratégias alternativas

propostas foram oito, incluindo interpretações por distorção semântica, por

distorção sintáctica, por associação livre, por realização de oposições, por

analogias distorcidas e interpretações consideradas ‘quasi-metafóricas’, mas

ainda assim não canónicas.

Estes dois estudos serão retomados na segunda parte desta tese,

dedicada ao trabalho experimental. As outras investigações de Faísca

consistiram na análise do processo de interpretação de metáforas fáceis e

difíceis de compreender, no estudo da função do tópico e do veículo no

processo de construção de significado metafórico e na avaliação da tarefa da

memória de trabalho nesse mesmo processo.

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5. A pesquisa psicolinguística

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Também no âmbito da psicologia cognitiva, Sara Baía (1989) efectuou

uma investigação sobre a compreensão e recordação de frases metafóricas e

literais por crianças dos oito aos onze anos. O estudo consistiu em apresentar a

esses sujeitos frases predicativas metafóricas e seus correspondentes literais,

como nos exemplos (65a) e (65b), respectivamente:

(65) a) O sol é uma bola de fogo.

b) O menino gosta muito da sua bola.

Foi pedido às crianças que explicassem essas frases e que,

posteriormente, as recordassem. A investigadora verificou que as crianças mais

novas compreendiam pior as frases metafóricas do que as mais velhas e que

ambas entendiam menos frases metafóricas do que literais. Concluiu-se, desta

forma, que a compreensão de metáforas evolui com a idade e com a maturação

cognitiva. No que diz respeito às frases literais, esta evolução não se verificou,

sendo essas frases percebidas de forma equivalente pelas crianças mais novas e

mais velhas. Não se registaram diferenças na recordação dos dois tipos de

frases.

Rosa Coimbra (1999) realizou a sua tese de doutoramento em linguística

igualmente sobre a metáfora. A investigadora estudou dois mil e sessenta

títulos de notícias da imprensa portuguesa e analisou a linguagem metafórica

neles existente, de um ponto de vista sintáctico, léxico-semântico, fónico e inter-

textual. Da investigação que realizou, concluiu que a metáfora participa na

construção mental da notícia a vários níveis, exercendo um importante papel na

verbalização de conceitos, motivação à leitura e condensação semântica.

Num outro estudo realizado por Coimbra e Bendiha (2004), e publicado

sob o título «Nem todas as cegonhas trazem bebés. Um estudo de metáforas

com nomes de animais em falantes portugueses e chineses», foram analisadas

as projecções metafóricas resultantes de nomes de animais em português e em

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5. A pesquisa psicolinguística

71

mandarim. Considerando que as expressões metafóricas usadas

quotidianamente espelham conceitos culturais e sociais, as investigadoras

realizaram um inquérito junto de sujeitos das duas línguas maternas, pedindo-

-lhes que associassem os nomes de diversos animais a determinadas

características pré-seleccionadas. De acordo com os resultados obtidos,

verificou-se uma diversidade de respostas entre os dois grupos de falantes,

reflectindo uma forma distinta de perceber os diversos conceitos, mas uma

relativa homogeneidade interna nas escolhas efectuadas.

Eduardo Fonseca também se tem dedicado ao estudo linguístico das

metáforas, sendo a sua tese de doutoramento (não publicada) «A compreensão

de alguns tipos de metáforas por alunos dos ensinos básico e secundário»

(1994). Numa conferência proferida em 2000 e dedicada aos «Problemas de

psicolinguística genética: a compreensão da metáfora por estudantes

portugueses», Fonseca, após uma perspectiva teórica sobre o fenómeno

metafórico, apresenta uma proposta de tipologia de metáforas, baseada em

Morier (1981). No capítulo seis da presente tese retomar-se-á este estudo para

igualmente apresentar uma tipologia de expressões metafóricas. Fonseca alerta

para a necessidade de se clarificar o tipo de metáfora testado nas investigações

empíricas, nomeadamente nas de carácter desenvolvimental, pois diferentes

tipos de metáforas implicam complexidades distintas no processamento da

informação.

Patrícia Matos Amaral (2003) realizou a sua tese de mestrado em

linguística geral sobre o fenómeno da significação e propôs-se efectuar esse

estudo à luz dos mecanismos de interpretação metafórica. De acordo com a

autora, «a metáfora revela-se um exemplo particularmente significativo do

funcionamento do processo de interpretação (….). O trabalho de construção requerido ao

ouvinte/ leitor, de que a interpretação da metáfora constitui apenas um limite, é

essencialmente o mesmo para todos os usos da linguagem.» (op. cit.: 16). Partindo

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5. A pesquisa psicolinguística

72

desse princípio, é proposto nesse estudo uma aproximação dos processos

inferenciais envolvidos na interpretação metafórica ao funcionamento da

comunicação, tal como ele é entendido pela autora, e que se baseia no Modelo

Inferencial de Sperber e Wilson (1995), dentro do quadro teórico da Teoria da

Relevância. De acordo com esse modelo, a nossa consciência é de natureza

social e a comunicação entre indivíduos implica a acção de reconstruir o sentido

da mensagem, através dos diversos sinais verbais e não-verbais percebidos:

«According to the inferential model, communication is achieved by producing and

intterpreting evidence.» (Sperber e Wilson, 1995: 2).

Ana Mineiro desenvolveu, também como trabalho que constituiu a sua

tese de doutoramento em Linguística Portuguesa, um estudo sobre «As

Metáforas que constroem a Terminologia Náutica Portuguesa» (2006). Esta

investigação incide sobre uma área específica, a da ciência náutica, e é realizada

com base num corpus de metáforas, analisado sob a perspectiva da linguística

cognitiva, em particular do modelo da Metáfora Conceptual de Lakoff e

Johnson.

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6. Tipos de metáforas

73

6. TIPOS DE METÁFORAS

Foi feita, até agora, uma revisão da literatura e das teorias sobre o tema,

mas ainda não foi apresentada uma descrição linguística das metáforas. O que é

exactamente uma expressão metafórica? O que a constitui? Este é um capítulo

essencial num estudo sobre metáforas, pois, como se perceberá, elas podem

tomar formas muito diversas e considerá-las apenas nas suas manifestações

predicaticas A é B afigura-se bastante redutor. No entanto, e como já foi referido

anteriormente, todas as tentativas de se estabelecer uma gramática do figurado

revelaram-se, de uma forma ou de outra, frustrantes, pois as possibilidades

combinatórias de uma língua são imensas e as estruturas utilizadas na

linguagem figurada não diferem das da linguagem não figurada. Talvez essa

seja uma das razões, pelas quais as metáforas conceptuais sejam as que ocupam

o modelo da Metáfora Cognitiva. Autores como Lakoff (1993), Gentner (1983)

ou Miller (1993) não estudam as manifestações linguísticas das metáforas

cognitivas, pois elas são essencialmente fruto de uma determinada

conceptualização de algo, sendo essa conceptualização o que realmente importa

analisar.

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6. Tipos de metáforas

74

Este trabalho situa-se na linha teórica dos modelos conceptuais sobre a

metáfora, pelo que ela é encarada essencialmente como forma de organizar e

reflectir uma determinada perspectiva do mundo. Considerar-se-á a metáfora

um mecanismo cognitivo, através do qual um determinado domínio é

conceptualizado nos termos de outro mais acessível. Esta é uma perspectiva

mental, mas que tem correspondência em expressões linguísticas. Uma vez que

serão investigadas as metáforas nas suas manifestações escritas, torna-se

pertinente defini-las enquanto objecto de estudo linguístico e apresentar uma

descrição nesse sentido. Esta será apresentada de acordo com três critérios: o

grau de elipse dos constituintes da metáfora (Fonseca, 2007), a classe gramatical

dos mesmos e o grau de lexicalização/ convencionalidade da metáfora.

• Grau de elipse dos constituintes

A tipologia de metáforas que se segue baseia-se no estudo de Morier

(1961: 670-742), que as analisou utilizando como critério os constituintes da

expressão metafórica. Eduardo Fonseca (2000: 13-26) apresentou uma

classificação de metáforas assente igualmente nesse critério, mas expandiu as

combinações apresentadas por Morier. Na tipologia agora proposta, empregar-

-se-á a terminologia, já anteriormente mencionada, de I. A. Richards (1936) -

veículo, tópico e base e as abreviaturas empregues por Morier - (A), (B) e (I). A

abreviatura (A) designa o termo que vai ser comparado (le comparé), ou seja, o

tópico; (B) designa o termo ao qual o tópico será comparado (le comparant),

portanto, o veículo; (I) refere-se ao termo matemático de intersecção (intersection

ou nd de métaphore), ou seja, a base da metáfora, onde se estabelecem as

analogias que ligam o tópico à base. Recorrendo ao verso de Florbela Espanca

apresentado em (66), o tópico da metáfora será «os dias» e o veículo «Outonos».

A base sobre a qual a metáfora se constrói encontra-se em «choram…choram…»

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6. Tipos de metáforas

75

(66) «Os dias são Outonos: choram…choram…»7 ⇓ ⇓ ⇓ tópico(A) veículo(B) base(I)

Conforme os diversos constituintes da metáfora estejam ou não

presentes, podemos classificá-la de:

a) metáfora explícita (ABI);

b) metáfora elíptica de base (AB...);

c) metáfora elíptica de tópico e de base (B);

d) metáfora elíptica de tópico (BI);

e) metáfora elíptica de veículo (AI);

f) metáfora elíptica de veículo e de tópico (I);

a) Metáfora explícita (ABI) - Morier denomina estas metáforas de «métaphors

complètes» (1961: 679). Nesta metáfora estão presentes em estrutura

de superfície todos os seus constituintes- A, B e I, combinados de

diversas formas:

(67) «Amor é chama que mata» Mário de Sá-Carneiro8

A B I

b) Metáfora elíptica de base - Neste caso estão presentes o tópico e o veículo,

tendo a base de ser construída pelo ouvinte, através dos

constituintes expressos ou do contexto. De acordo com Morier,

esta forma elíptica de metáfora, que não impõe ao leitor a analogia

a reter, antes deixando-lhe a tarefa de completar a metáfora, pode

7 Espanca, Florbela (1987). «Longe de ti são ermos os caminhos». In Poesias. Lisboa:

Publicações Dom Quixote (p. 46). 8 Sá-Carneiro, Mário de. (1996).«O Amor». In Poemas Completos. Lisboa: Assírio e Alvim.

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6. Tipos de metáforas

76

adquirir um poder sugestivo mais forte: «L’ellipse s’impose par son

pouvoir de suggestion» (1961: 683). Esta metáfora pode apresentar

diversas estruturas:

1. estrutura predicativa (A é B- metáfora in praesentia):

(68) «O silêncio, em redor, é uma asa quieta.», Florbela Espanca9

2. AB/ BA (nas palavras de Morier (1961), juxtaposition ou parataxe):

a) AB

(69) «pombo correio»

b) BA

(70) «esse fogo, o amor»;

(71) «É a minha herança: o sorriso», Eugénio de Andrade10

3. A de B (qualificação)

(72) «Lágrimas de fogo» (comunidade online de fotografia)

4. B de A (atribuição)

(73) «(...)e sobre o leito negro do asfalto da estrada», Ruy Belo11

c) Metáfora elíptica de tópico e de base (Metáfora in absentia- B) - Nesta

metáfora, apenas aparece em estrutura de superfície o veículo,

sendo o tópico e a base referências inferíveis pelo resto do texto ou

pelo conhecimento do mundo. Esta estrutura é aquela que

tipicamente constitui as metáforas referenciais, cujos constituintes

foram anteriormente criados, retomando-se, agora o veículo, como

referência ao tópico.

9 Espanca, Florbela (1987). «Trazes-me em tuas mãos de vitorioso». In Poesia. Lisboa:

Publicações Dom Quixote (p. 46). 10

Andrade, Eugénio de (2001). «Herança». In Os Sulcos da Sede. Porto: Fundação Eugénio de Andrade (p. 35).

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6. Tipos de metáforas

77

(74) «Castelã da tristeza, vês?... A quem?», Florbela Espanca12.

Pelo resto do poema, pode restabelecer-se a continuidade textual,

percebendo-se que o próprio sujeito poético é a castelã da tristeza, que vive

sozinha no seu castelo. Esse castelo é identificado com a dor.

(75) «Vem, oh deusa imortal, vem maravilha», Bocage13.

Este verso refere-se à Liberdade.

De acordo com Eduardo Fonseca, esta é igualmente a forma típica das

metáforas mortas, cujo carácter metafórico já foi absorvido pelo uso regular e

recorrente da expressão. Quando dizemos «dente de alho», temos uma

metáfora elíptica, cujo tópico é o «bolbilho»: «Um bolbilho é um dente de alho.»

d) Metáfora elíptica de tópico (BI) - Esta é uma metáfora em que o tópico não

aparece realizado linguisticamente, estando, contudo, presentes o

veículo e a base.

(76) «A mansão da morte», Soares de Passos14, apud Fonseca (2000: 26).

Neste verso está implícito o tópico «cemitério», que se percebe pelo título

do poema e pelo contexto.

11

Belo, Ruy (2000). «O Portugal futuro». In Todos os Poemas. Lisboa: Assírio e Alvim. 12

Espanca, Florbela (1987). «Castelã da Tristeza. In Poesia. Lisboa: Publicações Dom Quixote (p. 63). 13

Bocage, Manuel M. B. (2005). «Liberdade Querida, e Suspirada». In Soares, Mário. Os Poemas da Minha Vida. Lisboa: Público (p. 25). 14

Passos, Soares de (1967). «O Noivado do Sepulcro/ Balada». In Poesias. Porto: Lello e Irmão (11ª ed.)

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6. Tipos de metáforas

78

Morier refere que este é o tipo de metáforas presente nas adivinhas e nos

enigmas tradicionais: «c’est par ellipse du comparant que procède l’énigme» (1961:

689). Repare-se na adivinha constante em (77).

(77) Uma casa com doze meninas. Cada uma com quatro quartos, todas elas usam meias, nenhuma rompe sapatos. O que é?

A resposta é o relógio. Esta resposta só pode ser entendida

metaforicamente. O relógio tem doze números, metaforicamente referidos como

casas. Cada um dos números é indicativo de uma hora. Por sua vez, cada hora

está dividida em quartos de hora e na meia hora.

e) Metáfora elíptica de veículo (AI) - Nesta metáfora, o veículo não está

expresso, apenas o tópico e a base.

(78) O Amor é Vermelho e Arde - título de um livro de Terry Morgan15.

Se esta metáfora fosse expandida tomaria a seguinte forma: «O amor é

fogo que é vermelho e arde». Apenas metaforicamente o amor pode ser assim

considerado.

Diversos autores (Eduardo Fonseca, 2000; Lakoff e Johnson, 1980;

Anderson, 1964) têm considerado algumas personificações e animizações não

como figuras de retórica autónomas, mas como um tipo de metáfora. De acordo

com Lakoff e Johnson, a personificação é uma metáfora ontológica, que «allows

us to comprehend a wide variety of experiences with non-human entities in terms of

human motivations, characteristics, and activities" (1980: 33). Nesta perspectiva, as

15

Morgan, Terry (2005). O Amor é Vermelho e Arde. Lisboa: Assírio e Alvim.

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6. Tipos de metáforas

79

personificações e as animizações são metáforas elípticas de veículo. Repare-se

no seguinte verso de Sophia de Mello Breyner.

(79) a) «A morte caminha no sossego do jardim»16

Neste verso, uma entidade não humana, a morte, adquire

metaforicamente caracteríticas humanas. Existe, na frase, um termo implícito,

ao qual a morte é comparada, que é «alguém». Poderíamos reescrever esta frase

numa metáfora explícita:

(79) b) A morte é alguém que caminha no sossego do jardim.

f) Metáfora elíptica de Veículo e de Tópico (I) - Metáfora em que apenas a base

aparece explícita. Os restantes constituintes inferem-se pelo

contexto.

Atente-se na seguinte estrofe do poema «Chuva», de Luísa Ducla Soares17.

(80) a) «Parte as flores, plim, plim maça a gente plim, plim parece não ter mais fim.»

Esta é a quarta estrofe do poema. A primeira estrofe é a seguinte:

«Cai a chuva, ploc, ploc corre a chuva ploc, ploc como um cavalo a galope.»

Na última estrofe encontramos, portanto, uma alusão à chuva, numa sucessão

de metáforas, que se fossem do tipo ABI seriam:

(80) b) A chuva é um cavalo que parte as flores A chuva é um cavalo que maça a gente (...)

16

Andressen, Sophia de Mello Breyner (2004). «A Casa». In Dual. Lisboa: Editorial Caminho. 17

Soares, Luísa Ducla (1999). «Chuva». In A Gata Tareca e outros Poemas levados da Breca. Lisboa: Teorema.

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6. Tipos de metáforas

80

• Classe gramatical dos constituintes

A análise linguística da metáfora pode também recair sobre a classe

gramatical dos seus constituintes. Em muitas das metáforas acima transcritas, a

associação metafórica ao tópico fez-se através de um nome ou de um sintagma

nominal. No entanto, encontram-se metáforas constituídas pelas diversas

classes de palavras, não apenas os nomes. Analisando a estrutura de predicação

das metáforas, Andrew Goatly (1997: 82-92) divide-as em cinco classes:

a) Metáforas nominais

b) Metáforas verbais

c) Metáforas adjectivais

d) Metáforas adverbiais

e) Metáforas preposicionais

Todos os exemplos aqui apresentados para ilustrar estas classes de

metáforas foram retirados do conto «Uma Viagem na nossa Terra» de José

Rodrigues Miguéis18, excepto o da metáfora preposicional, em que se utiliza

uma metáfora inactiva.

a) Metáforas nominais

(81) «(…)aquele pinheiro, monge solitário»

(82) «Tendo a garganta seca, a língua é uma lixa»

b) Metáforas verbais

(83) «O sol descaía.»;

(84) «Já tínhamos engolido Óbidos(...)»

(85) «Não há derrotas que o verguem.»

18

Miguéis, José Rodrigues (1968). «Uma Viagem na nossa Terra». In Léah e Outras Histórias. Lisboa: Estúdios Cor.

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6. Tipos de metáforas

81

c) Metáforas adjectivais

(86) «A boa senhora poisou a mão afogada de anéis (...)»

(87) «[Eu] devia estar era verde.»

d) Metáforas adverbiais

(88) «As belezas da estremadura começaram então a esgueirar-

se descabeladamente à direita e à esquerda(...)»;

(89) «O Chevrolet descaía tristemente sobre um pneu vazio.»

e) Metáforas preposicionais

(90) «Ele está muito acima de mim.»

De acordo com Goatly, «Noun V[ehicle]-terms are either more recognizable as

metaphors or yield richer interpretations than V-terms of other word classes.» (1997:

83). De facto, algumas das metáforas retiradas do conto de José Rodrigues

Miguéis não são facilmente identificáveis enquanto tal. A metáfora típica é

nominal, esta é a forma mais reconhecível de se realizar associações não

convencionais a determinado tópico. É também a mais forte, uma vez que é

aquela que melhor permite a criação de uma base diversificada e rica. Segundo

a teoria das Metáforas Conceptuais, uma metáfora resulta de projecções entre

domínios conceptuais, sendo que o domínio fonte, normalmente mais concreto

e físico, projecta vários padrões sobre um domínio alvo, mais abstracto. A classe

dos nomes será a mais indicada para nomear coisas concretas. Em primeiro

lugar, são expressões referenciais, pelo que os universos que evocam mais

facilmente podem ser confrontados com os tópicos, tornando-se mais evidente a

referência contraditória, não convencional, a estes. Por outro lado, e de acordo

com Goatly, a metáfora vive muito das imagens que consegue criar e as

imagens contêm coisas, formas, às quais os nomes se referem. As metáforas

nominais (81) e (82) facilmente criam um universo de imagens e de significados

muito vivo, que se presta a diversas associações e interacção entre os

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6. Tipos de metáforas

82

constituintes. Mesmo os nomes que não se referem a coisas, mas a processos,

como ‘natação’ ou ‘o viajar’, são muito susceptíveis de activar schemata e

imagens.

Os verbos também evocam imagens, principalmente aqueles que se

referem a processos materiais (engolir, cair, descair,...) e não mentais. Em (85), o

processo mental de desistir, ceder é expresso em sentido físico - vergar, tendo

subjacente as metáforas conceptuais MAU ESTÁ EM BAIXO/ NÃO TER CONTROLE OU

FORÇA ESTÁ EM BAIXO.

Em relação aos adjectivos, Goatly afirma que estes formam muitas

metáforas, cujo referente é o corpo humano e metáforas inactivas. O autor refere

que a propriedade metafórica de verbos e adjectivos advém em grande parte da

associação destes a nomes. Convencionalmente ligamos os adjectivos e verbos a

determinados nomes. Associamos «correr» a «pé» ou a «caminho» e ligamos

«saudável» ou «alto» a uma pessoa, ou seja, concretizamos qualidades ou

acções, processos.

Os advérbios e as preposições formam metáforas menos fortes, menos

imagéticas, reconhecendo-se, no entanto, a transferência de características para

o tópico, através do advérbio ou da preposição. Em (89), o Chevrolet adquire

qualidades humanas, descaindo «tristemente sobre um pneu vazio». Em (88), o

neologismo aplicado à paisagem fá-la igualmente adquirir contornos humanos.

No que diz respeito às preposições, Goatly realça que elas estão normalmente

presentes em metáforas inactivas, integrando analogias de raiz (root analogies).

Esse é o caso de (90), que realiza linguisticamente a metáfora conceptual BOM É

ACIMA.

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6. Tipos de metáforas

83

• Grau de lexicalização/ convencionalidade

Há metáforas mais reconhecíveis enquanto tal do que outras. Em alguns

casos, não nos damos conta de estarmos perante expressões metafóricas, porque

os seus veículos já não são associadas a um tópico, as suas bases já não se

conseguem estabelecer e já não exigem uma acentuada capacidade inferencial

de interpretação, uma vez que esta passou a ser estipulada pela convenção.

Neste sentido, pode falar-se de três tipos de metáforas:

a) Metáforas activas

b) Metáforas inactivas

c) Metáforas mortas

A distinção entre estes três tipos de metáforas nem sempre é clara, as

fronteiras de classificação conseguem ser muito difusas. O critério de distinção

é normalmente o grau de fixação das expressões no léxico. Quanto mais

lexicalizadas estiverem as metáforas, menos activas serão. Pode, no entanto,

acontecer, que uma metáfora já inscrita no léxico da língua e, por isso,

convencional, veja a sua vitalidade restaurada ao ser utilizada criativamente

num novo contexto. Matarredona (2005) refere também o caso dos jargões

profissionais, que se servem de metáforas muito convencionais, mas que, para

alguém de outra área profissional, constituirão metáforas muito originais.

A descrição que se segue procura dar conta das características de cada

tipo de metáforas, de acordo com o grau de convencionalidade de cada uma

delas.

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6. Tipos de metáforas

84

a) Metáforas activas – Estas metáforas também podem ser denominadas de

novas, vivas ou não lexicalizadas. Estas estruturas são as mais

evidentes, enquanto metáforas com um tópico, um veículo e uma

base. Esta última terá de ser construída tendo em conta o contexto.

As metáforas activas são aquelas mais passíveis de gerar uma base

criativa e diversificada e cuja interpretação mais varia com o

contexto. A interacção do veículo e do tópico é crucial para o

estabelecimento da base.

(91) «As velas são os músculos do barco», José Saramago19

Esta metáfora pode gerar diversas interpretações e para se estabelecerem

as suas bases tem de se a integrar no contexto do discurso: «As velas são os

músculos do barco, basta ver como incham quando se esforçam, mas, e isso mesmo

acontece aos músculos, se não se lhes dá uso regularmente, abrandam, amolecem,

perdem nervo.»15

b) Metáforas inactivas – As metáforas inactivas (ou moribundas, em repouso ou

semilexicalizadas) já se encontram lexicalizadas, mas percebe-se a

sua ligação a um significado mais literal, reconhecendo-se que o

seu sentido provém de um processo metafórico, seja o de extensão

de sentido ou de transferência metafórica. Este estádio é muitas

vezes difícil de demarcar do próximo – metáforas mortas.

Matarredona (2005) salienta que elas são mais facilmente

identificáveis em traduções, pois não admitem uma escrita literal,

mas também não configuram ainda nas entradas de dicionário.

19

Saramago, José (1998). O Conto da ilha Desconhecida. Lisboa: Editorial Caminho.

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6. Tipos de metáforas

85

(92) A perna da mesa

Nesta expressão, a palavra perna, tida como polissémica, resulta de uma

transferência metafórica entre a perna humana, que suporta o corpo, e a

estrutura que mantém de pé um objecto.

(93) A corrente do rio/ A corrente da electricidade

O termo concreto que designa o curso de água num rio é empregue para

nomear o fluxo de partículas portadoras de carga eléctrica, sofrendo o vocábulo

«corrente» uma extensão de sentido.

c) Metáforas mortas – A estas metáforas pode também ser atribuído o nome de

lexicalizadas, convencionais ou extintas. Muitas vezes não

reconhecemos estas metáforas enquanto tal. O seu correspondente

literal pode já não se encontrar disponível ou pode já não ser

possível (ou ser muito difícil) ligá-lo ao tópico original e refazer a

base, pelo que apenas sobrevive a transferência metafórica.

(94) Delta do rio

Assim se denomina a foz de um rio, quando a sua configuração é em

triângulo ou leque. Isto acontece em locais em que a força da água do mar já é

escassa, permitindo o depósito de sedimentos, que alargam o leito do rio em

diversos canais e ilhas. O seu nome provém da letra grega maiúscula delta – ∆ –

a cuja forma triangular a foz do rio se assemelha.

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6. Tipos de metáforas

86

(95) O tímpano do ouvido

O termo «tímpano», membrana delgada e elástica que separa o ouvido

externo do médio, provém do latim tympanon, que significava «tambor». A

forma deste último e o facto de também ele possuir uma pele que vibra

justificaram que se utilizasse o seu nome para nomear a membrana do ouvido.

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Parte II ______________________________________________________________________

87

A COMPREENSÃO DAS METÁFORAS

- ESTUDO EXPERIMENTAL EXPLORATÓRIO -

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Parte II

88

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7. Compreensão da linguagem metafórica e desenvolvimento cognitivo

89

7. COMPREENSÃO DA LINGUAGEM METAFÓRICA E DESENVOLVIMENTO

COGNITIVO

Para processar uma expressão metafórica, é necessário possuir

capacidade de interpretação simbólica. De acordo com DeLoache e Smith, um

símbolo é «representation of one entity by a qualitatively different kind of entity»

(1999: 62). A nossa capacidade para perceber que há coisas que são

representadas por outras, ou seja, a nossa capacidade de entendimento

simbólico, permite-nos aprender e perceber aquilo que nunca vimos, permite-

-nos transmitir informações através dos tempos, etc. É essa a aptidão que torna

possível falarmos sobre países longínquos, estudarmos animais extintos ou

fenómenos imateriais. O nosso mundo é extremamente simbólico e é através

desses símbolos que nos relacionamos dentro dele. Num excerto de O Carteiro

de Pablo Neruda, após o poeta ter realçado a Mário que ele tinha acabado de

fazer uma metáfora, este afirma: «Mas não vale, porque me saiu por simples

casualidade.», ao que Pablo Neruda contrapõe: «Não há imagem que não seja casual,

filho». Mário acaba por concluir: «Don Pablo, pensa que tudo no mundo, quero dizer

todo o mundo, com o vento, os mares, as árvores, as montanhas, (...) Pensa que o mundo

inteiro é a metáfora de alguma coisa?»20. Tudo no mundo pode realmente

20

Skármeta, António (1986). O Carteiro de Pablo Neruda. Lisboa: Editorial Teorema. P. 33

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7. Compreensão da linguagem metafórica e desenvolvimento cognitivo

90

relacionar-se ou apontar para algo diferente. A metáfora é essencialmente

simbólica. Retomando a expressão de Searle (1979), «Richard is a gorila», a

Richard são associadas as características de violento e de intempestivo, não pela

natureza real desse animal, mas pela carga simbólica de «gorila», que o remete

para a categoria dos seres ferozes e coléricos.

Os seres humanos depressa se relacionam simbolicamente com os outros.

O uso de gestos, o uso da linguagem, as brincadeiras infantis em que um

objecto faz a vez de outra coisa ou a compreensão de imagens são exemplos de

uma percepção simbólica muito básica e adquirida de forma natural. Mas essa

capacidade provavelmente acompanha a nossa descoberta e aprendizagem do

mundo e é de esperar que se vá desenvolvendo e aperfeiçoando ao longo da

maturação individual. As crianças de dois anos e meio, apesar de conseguirem

perceber relações simbólicas, não têm ainda capacidade para descodificar a

representação dual (dual representation). Judy DeLoache e colegas (2007)

realizaram uma experiência em que pediram a crianças dessa idade para

identificarem num quarto um objecto que tinham visto num modelo desse

espaço em miniatura. As crianças de dois anos e meio não o conseguiram fazer,

pois não parecem conceber as coisas enquanto simultaneamente entidades e

símbolos de outra coisa: «the problem stems from the duality inherent in all symbolic

objects: they are real in and of themselves and, at the same time, are representations of

something else. To understand them, the viewer must achieve dual representation: he or

she must mentally represent the object as well as the relation between it and what it

stands for.» (DeLoache, 2007: 31). Esta incapacidade de representação dual

explica o facto de as crianças tentarem interagir com fotografias, procurando

calçar a foto de um sapato ou morder a imagem de uma maçã. Esta confusão

perante as fotografias parece persistir até aos quatro anos (Flavell, H. and

colleagues, apud DeLoache, 2007).

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7. Compreensão da linguagem metafórica e desenvolvimento cognitivo

91

O conceito de representação dual tem implicações a vários níveis.

DeLoache alerta para o facto de se ter generalizado o uso de objectos

manipulativos destinados a uma melhor compreensão de conceitos abstractos,

como, por exemplo, as operações matemáticas. No entanto, se as crianças não

conseguirem relacionar os objectos com aquilo que eles representam, a

aprendizagem estará comprometida. A investigadora realizou uma experiência

com alunos de seis e sete anos, com o objectivo de os ensinar a subtrair. Um

grupo foi preparado para realizar as contas com blocos educativos destinados à

aprendizagem da matemática enquanto outro grupo foi ensinado a fazer a

operação com papel e lápis. Os dois grupos aprenderam a fazer a subtracção,

mas o primeiro grupo precisou de três vezes mais tempo.

Existem, desta forma, evidências relativamente a um pensamento

simbólico incipiente nas crianças, pelo que, enquanto adultos, não devemos

assumir como dominadas na infância estruturas simbólicas consideradas por

nós como óbvias. De acordo com DeLoache: «As these various studies show,

infants and young children are confused by many aspects of symbols that seem

intuitively obvious to adults. They have to overcome hurdles on the way to achieving a

mature conception of what symbols represent, and today many must master an ever

expanding variety of symbols.» (2007: 35).

Do mesmo modo, Paula Menyuk (1987) descreve as etapas da aquisição e

desenvolvimento lexical das crianças, começando pela aquisição do significado

denotativo das palavras e terminando na compreensão da linguagem figurada.

Esta é a última etapa e está prevista acontecer entre o final da infância e a

adolescência, apesar da percepção que as crianças desde muito cedo

demonstram do uso figurado da linguagem - «All of this research indicates that the

roots of understanding such figurative language begin during the early chidhood period,

but that an awareness of the meanings of such language is not accomplished until the

end of middle childhood or adolescence.» (1987: 155). A autora refere um estudo

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7. Compreensão da linguagem metafórica e desenvolvimento cognitivo

92

levado a cabo por Asch and Nerlove, «The developmet of double function

terms» (1960), onde se percebeu que a aplicação a pessoas do significado

denotativo e conotativo de palavras como doce, duro, frio e torcido (sweet, hard,

cold, crooked) só acontecia a partir dos sete ou oito anos. Antes disso, as crianças

faziam uma leitura literal de expressões como a (96), percebendo que a pessoa

tinha uma temperatura baixa.

(96) Ele é uma pessoa fria.

Apenas em crianças de dez a doze anos se verificou a capacidade para

explicar os termos. Da mesma forma, com expressões figuradas, nomeadamente

metáforas e comparações, há evidências de as crianças apreenderem

progressivamente o seu sentido e a forma de as usarem. Crianças da pré-

primária já conseguem perceber as transferências de características e de

domínios presentes nas metáforas, falando, por exemplo, de ‘soft colors’. No

entanto, não conseguem explicá-las. As crianças de sete anos, quando

perguntadas sobre o significado dessas expressões, respondem concretamente.

Apenas aos onze anos parece haver uma consciencialização do que esses termos

envolvem e as transferências são explicadas. A sequência, relativamente à

linguagem figurada, faz-se do seu uso, passando pela sua paráfrase e

interpretação e terminando na sua explicação.

Nesse mesmo livro, é explicado que a capacidade de interpretar

metáforas e comparações aumenta com a idade, parecendo relacionar-se

directamente com a complexidade da linguagem usada e com o tipo de

metáfora. Menyuk refere que metáforas simples do género das de (97) são

interpretadas mais cedo do que metáforas com um grau de complexidade

superior21, como a da frase (98), que envolve mais do que dois termos.

21

Menuk refere em concreto as ‘metáforas proporcionais’, entendidas nos termos de Aristóteles: «only older children could interpret proportional metapjors, those that entail an analogy: (‘His life was a ship constantly battling a storm’; ‘My stomach was the Atlantic Ocean without water’).» (1987: 155)

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7. Compreensão da linguagem metafórica e desenvolvimento cognitivo

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(97) A butterfly is a flying rainbow.

Uma borboleta é um arco-íris voador.

(98) His life was a ship constantly battling a storm.

A sua vida era um navio constantemente enfrentado uma tempestade.

Considerando, então, que há estágios no desenvolvimento cognitivo, no

desenvolvimento do pensamento simbólico e no desenvolvimento da aquisição

lexical (estando estes três conceitos mutuamente implicados), podemos admitir

dificuldades na interpretação das metáforas por parte das crianças e

adolescentes. Este assunto não foi, no entanto, contemplado em muitos estudos.

Grande parte das investigações psicolinguísticas apresentadas no capítulo cinco

tem como público-alvo adultos. Numa população escolar, constituída por

alunos do ensino básico, não é possível saber exactamente a partir de que altura

os problemas levantados pela interpretação de expressões metafóricas deixam

de estar presentes. Este aspecto pode ser relevante na construção de materiais

didácticos e na planificação de actividades pedagógicas, pois há a possibilidade

de textos com metáforas levantarem dificuldades aos alunos, não sendo estes

problemas levados em conta pelos professores.

Por outro lado, a compreensão dos textos em geral evolui com a idade e

há uma relação directa entre a competência de leitura e a compreensão da

linguagem figurada. Ler um texto, construir para ele um sentido, resulta de

uma interacção entre ele e o leitor (para além de implicar a sua descodificação

gráfica – a realização da correspondência entre grafemas e fonemas). Essa

interacção realiza-se pondo em confronto aquilo que já se sabe com aquilo que o

texto está a transmitir. Sempre que se lê um texto, são activados schemata, os

esquemas mentais relativos à situação, e eles são actualizados, caso se considere

necessário, tendo em conta o que se lê. Isto significa que o novo conhecimento

só se constrói sobre o que já conhecemos. Os leitores mais novos, logicamente,

partem para um texto com menos conhecimentos prévios. Por outro lado,

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7. Compreensão da linguagem metafórica e desenvolvimento cognitivo

94

possuem também menos treino e menos estratégias de diálogo com o texto (A.

Costa, 1992). No que diz respeito às metáforas, a sua compreensão está

directamente dependente da activação dos esquemas mentais, onde são

armazenados os estereótipos culturais, as correspondências simbólicas dos

vários dados do mundo. Se esses esquemas mentais ainda não estiverem

definidos para determinados domínios, a interpretação da metáfora encontra-se

comprometida, pois não se saberá a que associar os seus componentes.

Um último factor relativamente às estruturas metafóricas diz respeito aos

seus efeitos potencialmente facilitadores na construção de significado do texto e

na retenção do seu conteúdo. Goatly (1997) destaca como uma das funções da

metáfora o facto de promover a memorização, o foregrounding (‘actualização de

conteúdo’) e a capacidade informativa do texto («Enhancing memorability,

foregrounding and informativeness», p. 164). De acordo com o autor, a associação

que se estabelece numa metáfora, sobretudo na nominal, entre duas entidades

diferentes, implica normalmente a criação de uma imagem mental. Os tópicos

são usualmente coligados a um veículo mais concreto, expresso num nome, o

que potencia o seu poder visual. Associada a uma imagem, a informação é mais

facilmente retida na memória. Por outro lado, as metáforas prendem a atenção

devido à sua natureza, que o autor designa de ‘hiperbólica’. As expressões

metafóricas realçam determinadas características no tópico, através dos

elementos atribuídos ao veículo. Nesse sentido, procede-se a um exagero de

determinado(s) traço(s) distintivo(s): «To some extent all metaphors are hyperbolic,

because they give extra weighting to those features of Similarity, in Tversky’s terms»

(op. cit.: 164). Como resultado, a nossa atenção é captada, contribuindo-se para o

foregrounding, o colocar em primeiro plano a informação que se pretende

realçar.

Ainda em relação ao efeito facilitador das metáforas relativamente à

compreensão do texto em que estão inseridas, Noveck, Bianco e Castry (2001)

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7. Compreensão da linguagem metafórica e desenvolvimento cognitivo

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citam Reynolds e Schwartz (1983), afirmando que, «a paragraph having a

metaphoric conclusion, as opposed to a literal one, consistently leads to a higher

(imediate and delayed) ‘memorability’ of both the conclusion and its context.». Noveck,

Bianco e Castry chegaram igualmente a essa conclusão com o seu estudo The

Costs and Benefits of Metaphor. Os autores realizaram a investigação com

metáforas referenciais e, de acordo com os resultados obtidos, elas implicam

custos de processamento, mas parecem ser um factor facilitador da retenção do

discurso, quando os sujeitos testados são adultos. No caso das crianças até aos

catorze anos, não há evidências de benefícios pelo facto de lerem um texto com

metáforas referenciais, relativamente a controlos literais.

Os estudos que agora se apresentam dirigem-se exactamente a um

público escolar de final segundo e terceiro ciclos. Os dois ciclos correspondem a

etapas importantes na aquisição de competências linguísticas, e em concreto de

competências de leitura. Ao concluir o segundo ciclo, o aluno já desenvolveu as

capacidades básicas de compreensão de textos adquiridas no primeiro ciclo, e

lida com a informação escrita de uma forma mais autónoma. O final do terceiro

ciclo coincide com o final do ensino básico, estando previsto que o processo de

escolarização tenha actuado no desenvolvimento cognitivo do aluno, pelo que

ele se apresenta mais maduro desse ponto de vista. Por outro lado, pela maior

experiência de aprendizagem e de leitura, considera-se que o aluno adquiriu

capacidades avançadas de diálogo com o texto. Desta forma, pretendeu-se,

numa perspectiva desenvolvimental, perceber como evolui com a idade e com a

maturação cognitiva a compreensão das metáforas e de textos com metáforas. É

objectivo desta investigação perceber se, entre os alunos do segundo e terceiro

ciclos, essa compreensão apresenta diferenças e/ou custos acrescidos,

explorando, para tal, as questões em cima aprofundadas. Procurar-se-á

igualmente perceber se a metáfora contribui para que os alunos realizem uma

interpretação válida do texto e retenham o seu conteúdo.

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7. Compreensão da linguagem metafórica e desenvolvimento cognitivo

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

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8. ESTUDO 1 – COMPREENSÃO DE TEXTOS COM METÁFORAS

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

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8.1. Objectivos e hipóteses

Este estudo foi concebido para responder a três objectivos:

- analisar o desenvolvimento da capacidade de compreensão de textos

com metáforas em alunos de duas faixas etárias, correspondentes a

dois níveis de escolaridade - final de segundo e terceiro ciclos;

- perceber se, em contraste com perguntas que testem a compreensão

literal e inferencial, as que testam a compreensão metafórica

representam um maior grau de dificuldade;

- averiguar, através de uma pergunta incidente sobre a metáfora

nominal do texto, se esta contribui para a retenção do conteúdo e para

a adequada interpretação do mesmo;

As hipóteses adiantadas para a realização deste estudo basearam-se na

informação teórica, tendo-se, em particular, tomado em consideração que:

- os dois níveis de ensino correspondem a diferentes graus de

desenvolvimento cognitivo e competência linguística;

- as questões que testam o conhecimento literal incidem sobre

informação explícita no texto. O nível de compreensão envolvido nestas

questões é, por essa razão, superficial. O conhecimento inferencial

implica um trabalho de texto a nível mais profundo (Kintsch e Van

Dijk, 1978), implicando mais custos cognitivos;

- as metáforas têm um poder imagético acentuado e condensam em si

muita informação, o que favorece a retenção do conteúdo e facilita o

seu acesso posterior.

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

100

Foram antecipadas as seguintes hipóteses:

Primeira hipótese – os alunos de nono ano, pela sua maturação

cognitiva, simbólica e pelo seu maior treino de trabalho com o texto,

apresentam uma maior facilidade em lidar com textos com metáforas;

Segunda hipótese – em contraste com as questões literais, aquelas que

envolvem inferências, nomeadamente as metafóricas, têm custos

cognitivos e linguísticos mais elevados, pelo que representam um

maior grau de dificuldade para os dois anos lectivos testados;

Terceira hipótese – apesar dos custos cognitivos que envolve, a

metáfora, pelas suas características, favorece a compreensão global do

texto e contribui para a retenção do seu conteúdo.

De acordo com estas hipóteses, foram definidas as seguintes variáveis: a

idade dos sujeitos e o tipo de compreensão testado.

8.2 Metodologia

8.2.1 Sujeitos

Os testes decorreram na Escola EB 2,3 Jacinto Correia de Lagoa - Algarve.

Para responder ao objectivo de testar o desenvolvimento da capacidade de

compreensão de textos com metáforas em alunos de duas faixas etárias,

escolheram-se turmas de final de ciclo do ensino básico, ou seja, de sexto ano,

final de segundo ciclo, e de nono ano, final de terceiro ciclo. Os testes

aconteceram em dois momentos distintos. Numa fase inicial, foram testadas

duas turmas, uma de sexto e outra de nono ano. Na segunda fase, participaram

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

101

mais quatro turmas, duas de sexto e duas de nono ano. No total, os testes foram

realizados a cento e quarenta alunos, setenta do sexto ano e setenta do nono.

Dos setenta alunos do sexto ano, trinta e oito eram raparigas e trinta e dois

rapazes. No nono ano havia trinta e cinco raparigas e o mesmo número de

rapazes. Os alunos de sexto ano tinham idades compreendidas entre os onze e

os catorze anos (trinta e oito com onze anos; vinte com doze; dez com treze e

dois com catorze anos – média de 11.6). Os alunos do nono ano tinham idades

compreendidas entre os catorze e os dezassete anos (trinta e sete com catorze

anos; vinte com quinze; oito com dezasseis e cinco com dezassete anos – média

de 14.7).

8.2.2 Materiais experimentais

a) Os textos

Como foi referido no ponto anterior, os testes tiveram lugar em dois

momentos de aplicação distintos. Após a primeira fase, em que foram testadas

duas turmas, os resultados foram analisados e procedeu-se a alterações.

Verificou-se que os textos escolhidos e a respectiva tarefa não constituíram um

problema para os alunos do nono ano. Por essa razão, no segundo momento de

avaliação, a tarefa para este nível de ensino foi complexificada, tendo-se

acrescentado dois textos de um grau de dificuldade mais elevado. Esses textos

continham uma linguagem muito figurada, com metáforas de diversos tipos,

podendo ser explorado esse seu carácter não literal. Também se optou por

aumentar o número de questões de análise.

Os estímulos comuns aos dois anos lectivos consistiram em três textos

curtos retirados de jornais e revistas (T1_Harry; T2_Skate; T3_ADN).

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

102

Os textos foram escolhidos por conterem metáforas nominais. No texto

T1_Harry, a metáfora é explícita (ABI). Nos textos T2_Skate e T3_ADN, as

metáforas são elípticas de base (AB). Os textos foram ainda considerados

acessíveis e atractivos para alunos daquelas faixas etárias, características

relevantes para a sua escolha.

O universo temático dos três textos é progressivamente mais específico.

O texto T1_Harry aborda um tema do quotidiano, um tópico da vida social,

explorado pelos meios de comunicação visual e escrita, ao alcance dos alunos. O

texto T2_Skate explora uma temática de desporto muito próxima dos jovens,

pelo que se previu a aproximação afectiva ao seu conteúdo. O vocabulário é

mais específico do que no primeiro texto, e obriga a um acesso inferencial ao

seu significado (ex.: ‘spot’, ‘trecos’). O último texto comum aos dois anos, o

T3_ADN, aborda um tema de ciências, exigindo o conhecimento prévio de

noções como ‘genes’, ‘ADN’, ‘proteína’.

Na segunda fase de aplicação, criaram-se mais dois textos, que foram

aplicados a duas turmas de nono ano: T4_Futebol e T5_Panspermia. Ambos os

textos tinham uma linguagem assumidamente figurativa, contendo estruturas

metafóricas que foram seleccionadas como alvo em termos de controlo de

compreensão. No texto T4_Futebol, a metáfora alvo foi uma metáfora in absentia

(B) e no texto T5_Panspermia a metáfora era elíptica de base, do tipo AB. O

texto T4_Futebol foi escolhido por conter muitas metáforas e por ser

interessante para comprovar o efeito de tema. Este é igualmente um texto de

desporto, tal como o T2_Skate, mas o assunto é abordado de uma forma mais

técnica. Alunos mais informados sobre o domínio em questão estam

eventualmente mais bem preparados para interpretarem o conteúdo e

resolverem de forma correcta as tarefas propostas. Admitiu-se que, para alunos

com conhecimentos prévios de futebol, este texto seria transparente, revelando-

se bastante opaco para os restantes. O último texto, T5_ Panspermia, aborda um

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

103

tema da área de ciências, que é possivelmente desconhecido para os alunos.

Este texto tem um vocabulário muito específico e exige conhecimentos

científicos prévios para que a sua leitura seja bem sucedida.

No quadro 2 encontra-se um resumo das características dos cinco textos.

Todos os textos referidos encontram-se nos anexos I a V.

Tema Número de palavras

Palavras-chave

T1_Harry geral 216 Invasão do Iraque; Príncipe Harry; exército britânico; carreira militar

T2_Skate específico (desporto)

272 Skate; espaço urbano; relações sociais; estilo

T3_ADN específico (ciências)

202 Molécula de ADN; proteínas; genes; sequências da cadeia de ADN

T4_Futebol específico (desporto)

131 Taça de Inglaterra; Arsenal; Manchester United; Adebayor; ponta-de-lança; ataque

T5_Panspermia específico (ciências/ astronomia)

331 Panspermia; meteoritos; germes; cosmos; estruturas fósseis; Marte

Quadro 2 Características dos textos T1, T2, T3, T4 e T5

b) O questionário

Para cada texto foi elaborado um questionário, constituído por um

conjunto de itens de resposta múltipla, que testavam diversos tipos de

compreensão:

- literal (local ou relacional; verbatim ou paráfrase)

- inferencial (local ou relacional)

- inferencial-metafórica

- metafórica

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

104

Serão, de seguida, explicadas as quatro categorias nucleares de questões,

que testam os diferentes tipos de compreensão, juntamente com as suas

subcategorias. O texto que será utilizado para exemplificar cada uma das

categorias e subcategorias é o T2_Skate, que se encontra de seguida transcrito.

1. Questões literais

Os itens que testavam a compreensão literal incidiam sobre informação

explícita e reconhecível no texto. Estas questões recaíam sobre a identificação

básica de entidades, factos, locais, acontecimentos ou razões claramente

expressas no texto.

As categorias nucleares possuíam subcategorias que acrescentavam

graus de complexidade diferentes às questões. Os itens literais podiam ser sobre

informação que estivesse muito localizada numa só parte do texto e, nesse caso,

Sobre rodas (T2_Skate)

Ed, Major, Ricardo e Bruno conheceram-se por causa do skate. Pelo skate partilham

euforias, dores, desesperos. E desaparecem das ruas da cidade quando a chuva decide impor-se. A cidade oferece-lhes o sítio, o tempo dita o «quando». (...) São facilmente identificáveis. E dificilmente compreendidos. Por isso, não são raras as queixas e a padronização. Ser skater não é só ter uma «tábua» nos pés, é a exploração ilimitada do espaço urbano, é o que comem, ouvem, vêem. Eles adaptam-se numa cidade que deixou de ser tão somente «a capital» para se definir enquanto infra-estrutura deste desporto. E o anonimato das ruas transformou-se no palco de imensas relações sociais. Porque «o skate é união, e a união faz a força». (...) Ligações sociais. Nos sofás de Major, contavam-se quatro pessoas, mas as conversas envolviam muitas mais. Nomes de companheiros. Skaters com o seu «spot» preferido, a sua música específica no leitor de mp3, o seu «estilo» de skate. «Cada skater tem de ser o mais completo possível. Tem um som diferente para cada estilo. E o estilo conta ‘bué’, é o que define cada um. Diferencia a forma e o sítio onde dás as manobras, o tipo de ‘spot’, etc.», explica Major.

«Um bom ‘spot’ depende daquilo que me apetece fazer no momento. Houve alturas em que curtia mais corrimãos. Hoje, tenho de ponderar muito bem se o spot vale a pena. Mas o melhor é o mármore. O mármore é mel.», diz Ricardo.

«Sim, o mármore é a pedra perfeita para os ‘trecos’ deslizarem», sublinha Ed. Com apenas 17 anos foi campeão nacional de Amadores. Tem nove anos de skate.(...)

(«Expresso», 9 de Fevereiro de 2007, revista «Única»)

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

105

eram subclassificados de localizados. Podiam ainda ser sobre informação

dispersa no texto, descontínua, obrigando os alunos a relacionarem diversas

partes do mesmo, sendo estas questões literais-relacionais e consideradas de

acesso mais difícil do que as anteriores. Por outro lado, as perguntas literais

podiam requerer a reprodução exacta de palavras do texto, sendo, neste caso,

subclassificadas de verbatim. Se as questões exigissem como resposta paráfrases

da informação do texto, eram incluídas na subcategoria de paráfrases, também

mais complexas do que as literais-verbatim. As categorias e subcategorias foram

combinadas de diversas formas: literal – local – verbatim; literal – local – paráfrase;

literal – relacional – verbatim; literal – relacional – paráfrase. Todas estas hipóteses

de combinação foram contempladas na formulação das questões.

Pergunta literal (relacional - verbatim) 1- Onde é que Ed, Major, Ricardo e Bruno andam de skate?

a) no parque para skates. b) no campo. c) nas ruas da cidade.

Pergunta literal (local - paráfrase)

2- O skate é um desporto a) muito solitário. b) que une todos os que o praticam. c) muito perigoso.

As duas questões incidem sobre informação de superfície, explicitamente

referenciada no texto, pelo que são literais. Na primeira questão, a informação à

qual os alunos tinham de recorrer encontrava-se em duas partes distintas do

texto: «E desaparecem das ruas da cidade quando a chuva decide impor-se. A cidade

oferece-lhes o sítio, o tempo dita o ‘quando’.». A resposta correcta era a alínea c) (nas

ruas da cidade), que retoma as palavras do texto. Desta forma, a pergunta foi

classificada de literal – relacional – verbatim, estando, no quadro de resultados,

codificada como T2_Q1_L_RV, dentro da coluna das questões literais.

Relativamente à segunda questão, a informação necessária para assinalar a

opção correcta encontra-se localizada numa frase do texto: «Porque ‘o skate é

união, e a união faz a força’». Na alínea b) encontra-se uma paráfrase dessas

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

106

palavras do texto: que une todos os que o praticam. Esta questão é literal – local –

paráfrase (T2_Q2_L_LP).

2. Questões inferenciais

As questões que testam conhecimento inferencial são potencialmente

mais exigentes do ponto de vista cognitivo do que as literais. A informação

necessária para responder não se encontra explícita no texto, obrigando a

associações entre o que está escrito e o próprio conhecimento do mundo do

leitor. As inferências são inevitáveis, todos os textos exigem este trabalho de

complementação por parte de quem lê. No entanto, há leitores mais bem

preparados para as fazerem do que outros. O conhecimento prévio (em

quantidade e qualidade) é essencial, mas a capacidade para estabelecer relações

adequadas entre conceitos treina-se e esse treino pode não estar suficientemente

bem praticado.

As questões inferenciais destes textos incidiam sobre definições de

conceitos, identificação de actividades, esclarecimento de noções especificadas

no texto.

Tal como as questões literais, as inferenciais também podiam referir-se a

uma informação local do texto (L) ou exigir a associação de vários dados

difundidos nele (R).

No texto anteriormente referido, T2_Skate, pergunta-se, na terceira

questão, o que é um spot:

3- Um spot é a) uma marca de geleia. b) uma música. c) um local para andar de skate.

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

107

A definição não consta do texto, sendo necessário os alunos inferirem

pelas palavras do mesmo e pelo conhecimento que têm do mundo. As frases do

texto em que se podiam basear para assinalarem correctamente a alínea (c) eram

as seguintes:

«(…) E o estilo conta ‘bué’, é o que define cada um. Diferencia a forma e o sítio onde dás as manobras, o tipo de ‘spot’, etc.», explica Major. ‘Um bom ‘spot’ depende daquilo que me apetece fazer no momento. Houve alturas em que curtia mais corrimãos. Hoje, tenho de ponderar muito bem se o spot vale a pena. Mas o melhor é o mármore.(…)’»

Através do texto, percebe-se que se está a falar de locais (corrimãos,

mármore,…). Como os alunos têm de ligar informações dispersas por várias

frases, considera-se que a questão é inferencial – relacional (T2_Q2_I_R).

3. Questões inferenciais – metafóricas

Há inferências que se fazem sobre metáforas e que se tornam

potencialmente mais complexas do que as anteriores. Neste caso, o aluno tem

de realizar uma leitura metafórica da expressão para poder inferir

correctamente o que se pretende transmitir. As questões que activavam esse

tipo de compreensão foram classificadas de inferenciais – metafóricas e

referiam-se à identificação de entidades, factos ou opiniões ou à definição de

matérias científicas. Estas inferências podiam obrigar os sujeitos a lidarem com

a resolução de metáforas muito evidentes (T4_Q1, T4_Q2, …). Neste caso a

inferência era clara. No entanto, a metáfora podia ser viva, como a do mel no

texto T2_Skate ou a dos tijolos no texto T3_ADN ou, não sendo viva, ter força

suficiente para que as questões fossem consideradas como exigindo inferências

complexas (T5_Q6). Os traços local/ relacional também estavam previstos para

este tipo de perguntas.

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

108

A próxima questão seguiu-se novamente ao texto número T2_Skate:

4- O mármore é a) um bom local para fazer skate. b) um local perigoso para fazer skate. c) um produto doce para barrar no pão. Para a resolver, os alunos tinham de ler esta passagem do texto:

«Mas o melhor é o mármore. O mármore é mel.», diz Ricardo. «Sim, o mármore é a pedra perfeita para os ‘trecos’ deslizarem»

De forma a indicar correctamente a alínea a), era necessário interpretar

correctamente a expressão «o mármore é mel», cuja base aparecia mais à frente,

quando se mencionava que o mármore era a pedra perfeita para os trecos

deslizarem. Esta questão é inferencial – metafórica – relacional (T2_Q4_IM_R).

4. Questões metafóricas

A última tarefa dos alunos era realizada após a leitura e entrega de todos

os textos e depois de terem respondido oralmente a uma pergunta da

investigadora, com função distractora. Essa última tarefa consistia numa

questão que avaliava de forma muito controlada a compreensão das metáforas

de cada texto. As perguntas eram todas do mesmo tipo, confrontavam o aluno

com a expressão metafórica e apresentavam quatro hipóteses de resposta. A

razão pela qual se optou por não colocar estas questões no seguimento das

outras foi para avaliar até que ponto as metáforas contribuíam para uma maior

memorização do conteúdo do texto. Se os alunos conseguissem, através da

metáfora, retomar o teor do que leram, isso significaria que a metáfora potencia

a retenção de conteúdo.

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

109

A pergunta metafórica do texto número dois (T2_Q5_M) era a que se segue:

5- O mármore é mel? a) Sim, o mármore é um tipo de mel, do qual Ricardo gosta. b) Sim, o mármore é o mel que os skaters colocam no skate para deslizar melhor. c) Não, mas é pegajoso, tal como o mel. d) Não, o mármore é uma pedra suave, tal como o mel, e permite que o skate

deslize lá bem.

No quadro 3 são apresentadas todas as questões e a respectiva

classificação. As letras (V) e (P) da coluna das questões literais correspondem a

verbatim e paráfrase.

Literal Inferencial Inf. – Metaf. Metafórica

Loc

al

Rel

acio

nal

Loc

al

Rel

acio

nal

Loc

al

Rel

acio

nal

T1_Harry Q1(V)

Q4 (P)

Q2 Q3 Q5

T2_Skate Q2 (P) Q1 (V) Q3 Q4 Q5

T3_ADN Q4 (P) Q2 (P) Q1 Q3 Q5

T4_Futebol Q5 (V)

Q7 (P)

Q6 (P) Q3 Q2

Q4

Q1 Q8

T5_Panspermia Q1 (P) Q2 (P) Q4 Q3 Q5

Q6

Q7

Quadro 3 Classificação das questões

8.2.3 Procedimento

Os primeiros testes foram realizados no início do segundo período

escolar. As restantes turmas efectuaram o teste entre os dias sete e onze de

Abril, ou seja, no início do terceiro período.

Para começar a sessão, os alunos, enquanto elementos de uma turma,

foram sentados por ordem numérica. Antes de lhes serem distribuídos os

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

110

envelopes com os testes, foi-lhes explicado que iriam colaborar num trabalho de

investigação para a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, tendo

como objectivo testar a compreensão de textos curtos. Foi-lhes lido o protocolo,

explicando como iria decorrer a tarefa. Os alunos receberam um envelope

contendo três textos, cada um agrafado a uma folha com um número. Esses

números correspondiam à ordem pela qual os textos deviam ser lidos. Essa

ordem era balanceada (ABC, ACB, BAC,...), ocupando cada texto as três

posições. Para cada tarefa, os alunos dispunham de dez minutos. Findo esse

tempo, deveriam colocar o texto virado para baixo na mesa e retirar do

envelope o seguinte. Após a conclusão da leitura de todos os textos, eles eram

colocados de novo no envelope.

Antes da distribuição do último questionário, contendo as perguntas que

testavam a compreensão metafórica, criou-se um intervalo de tempo de cerca de

quinze minutos, no qual a investigadora inquiriu todos os alunos sobre a sua

idade e comprovou os dados pessoais que tinham sido fornecidos. Esta

funcionava como uma actividade distractora, que permitiu testar melhor a

capacidade de os alunos reterem a informação dos textos anteriormente lidos.

Por fim, foi entregue a cada sujeito uma folha com questões de resposta

múltipla, correspondentes a cada um dos textos. No final, essas folhas foram

igualmente colocadas dentro dos envelopes, que foram, de seguida, recolhidos

pela investigadora.

8.3 Resultados

Os resultados obtidos com os testes foram organizados, de acordo com as

variáveis estabelecidas no início do estudo: idade e tipo de compreensão

testado. Desta forma, foram contabilizadas as percentagens de erro por aluno,

por ano lectivo e por tipo de questão, tendo-se procedido ainda ao cruzamento

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

111

de todos os dados. Tendo sido utilizados cinco textos com características

informacionais, temáticas e lexicais distintas, os dados são apresentados por

texto, para controlar possíveis efeitos provocados pelo material utilizado. Os

resultados obtidos encontram-se nos anexos VI e VII. As respostas incorrectas

foram codificadas com 1 e as respostas correctas com 2. Para a análise de dados,

que de seguida se apresenta, apenas foram consideradas as respostas

incorrectas.

8.3.1 Descrição dos resultados

a) Resultados globais

T1_Harry T2_Skate T3_ADN TOTAL 6º ano (N= 70)

33% 29% 32% 31%

9ºano (N= 70)

13% 7% 12% 11%

TOTAL (N= 140)

23% 18% 22%

Quadro 4 Percentagem de erros nos textos T1, T2 e T3

T4_Futebol T5_Panspermia TOTAL 9º ano (N=45)

14% 22% 18%

Quadro 5 Percentagem de erros nos textos T4 e T5

Considerando a amostra de cento e quarenta alunos, setenta do sexto ano

e setenta do nono ano, que leram os três primeiros textos, T1_Harry, T2_Skate,

T3_ADN, e responderam às quinze questões que se lhes seguiam, os resultados

globais são apresentados no quadro 4. Dos dois anos, o sexto ano apresentou

uma percentagem de erros mais elevada – 31% de erros em todas as questões,

contra 11% no nono ano.

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

112

Nos textos T4_Futebol e T5_Panspermia, lidos por quarenta e cinco

alunos de duas turmas de nono ano, a percentagem de erro foi de 18%, contra

os 11% dos textos T1, T2 e T3 (ver quadros 4 e 5).

Quando a análise global recai sobre os textos, verifica-se que o T2_Skate

se destaca por ter induzido menos erros nos dois anos lectivos e o

T5_Panspermia por ter suscitado mais erros no nono ano. Estes resultados são

visíveis nos quadros 4 e 5.

Intervalos de erro

do 6º Ano (N=70)

Frequências Simples Frequências Acumuladas

Absoluta Relativa Absoluta Relativa

[0%, 10%[ 11 16% 11 16%

[10%, 20%[ 6 9% 17 24%

[20%, 30%[ 17 24% 34 49%

[30%, 40%[ 10 14% 44 63%

[40%, 50%[ 14 20% 58 83%

[50%, 60%[ 8 11% 66 94%

[60%, 70%] 4 6% 70 100%

Quadro 6 Distribuição de alunos do 6º ano por intervalos de erro nos textos T1, T2 e T3

Intervalos de erro

do 9º Ano (N=70)

Frequências Simples Frequências Acumuladas

Absoluta Relativa Absoluta Relativa

[0% - 10%[ 43 61% 43 61%

[10% - 20%[ 8 11% 51 73%

[20% - 30%[ 12 17% 63 90%

[30% - 40%[ 3 4% 66 94%

[40% - 50%] 4 6% 70 100%

Quadro 7 Distribuição de alunos do 9º ano por intervalos de erro nos textos T1, T2 e T3

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

113

Intervalos de erro

do 9º Ano (N=45)

Frequências Simples Frequências Acumuladas

Absoluta Relativa Absoluta Relativa

[0% - 10%[ 19 42% 19 42%

[10% - 20%[ 10 22% 29 64%

[20% - 30%[ 7 16% 36 80%

[30% - 40%[ 8 18% 44 98%

[40% - 50%] 1 2% 45 100%

Quadro 8 Distribuição de alunos do 9º ano por intervalos de erro nos textos T4 e T5.

Os quadros 6, 7 e 8 apresentam a distribuição interna dos alunos por

percentagem de erro. Relativamente ao sexto ano, a classe modal, ou seja, a

classe com maior frequência absoluta de ocorrência, é a [20% , 30%[. A classe

mediana é [30% , 40%[ (ver quadro 6). No que diz respeito ao nono ano, e entre

os setenta alunos que leram os três textos comuns, T1_Harry, T2_Skate e

T3_ADN, o intervalo de erro com maior frequência de ocorrência foi o [0% ,

10%[. Esse intervalo modal corresponde simultaneamente ao intervalo mediano

(quadro 7). Para os quarenta e cinco alunos que leram os textos T4_Futebol e

T5_Panspermia, o intervalo [0% , 10%[ corresponde à classe modal e

[10% , 20%[ é a classe mediana (quadro 8).

Da leitura destes quadros percebe-se que os sujeitos do sexto e nono anos

se comportaram de forma diferente face à tarefa. A maioria dos alunos do nono

ano errou até 10% das questões, enquanto no sexto ano a percentagem média de

erro foi de 30%. Dos cento e quarenta alunos que realizaram os testes de leitura,

nenhum errou em todos os itens, mas doze alunos do sexto ano (17%)

obtiveram uma percentagem de erro superior a 50%. No nono ano tal não

aconteceu, não tendo nenhum sujeito errado em mais de 50% das questões,

mesmo incluindo aqueles que leram os textos T4_Futebol e T5_Panspermia

(quadros 7 e 8). Por outro lado, vinte e sete alunos assinalaram correctamente

todas as alíneas da totalidade de questões dos três textos, um aluno do sexto

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

114

ano e vinte e seis do nono. Se se contabilizarem as respostas dos quarenta e

cinco alunos do nono ano que leram os cinco textos, quatro sujeitos

responderam correctamente a todas as questões.

b) Análise por tipo de compreensão testado

Questões literais

Questões inferenciais

Questões inf. – metaf.

Questões metafóricas

6º ano (N=70)

22%

42%

32%

37%

9º ano (N=70)

8%

6%

7%

24%

Quadro 9 Percentagem de erros por tipo de questões nos textos T1, T2 eT3

Questões literais

Questões inferenciais

Questões inf. – metaf.

Questões metafóricas

9ºano, (N= 45)

17%

16%

19%

19%

Quadro 10 Percentagem de erros por tipo de questões nos textos T4 e T5

No que diz respeito ao tipo de compreensão testado, nos textos

T1_Harry, T2_Skate e T3_ADN, os itens que testavam a compreensão literal

foram aqueles em que os alunos do sexto ano obtiveram uma percentagem de

erro menos elevada, considerando a globalidade de resultados (22%). No nono

ano, 8% dos alunos erraram nessas questões.

Os itens que exigiam a activação de conhecimento inferencial elevaram

consideravelmente o grau de dificuldade da tarefa no sexto ano, em que a

percentagem de erro foi de 42%, enquanto no nono ano foi de 6%. No que diz

respeito aos itens que testavam a compreensão inferencial – metafórica,

assinale-se que, no 6º ano, a percentagem de erro foi 10% inferior à das questões

que incidiam sobre a compreensão inferencial. No nono ano os resultados de

ambos os tipos de questões foram idênticos.

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

115

Os textos T4_Futebol e T5_Panspermia aumentaram, conforme o

previsto, o grau de dificuldade da tarefa. Isso aconteceu sobretudo na primeira

parte do teste, onde se encontravam as questões que testavam a compreensão

literal, inferencial e inferencial - metafórica.

Relativamente às perguntas que testavam a compreensão das metáforas,

e que constituíam a segunda parte do teste, a percentagem de erro foi

consideravelmente elevada, principalmente no nono ano, levando em conta a

discrepância de resultados relativamente à primeira parte do teste (7% de erros

na primeira parte e 24% nas questões metafóricas, não contando com os

resultados dos dois últimos textos).

Analisando estes resultados de uma forma global, percebe-se que as

questões distintivas para o sexto ano, pela maior facilidade que os alunos

revelaram em respondê-las, foram as que activavam o conhecimento literal.

No nono ano, as questões distintivas, pela maior percentagem de erros

obtida, foram as que testavam o conhecimento metafórico.

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

116

c) Análise por subcategorias de questões

Questões Literais Questões

inferenciais

Questões

Inf-metaf.

Questões

metafóricas

T1_

Q1_

L_L

V

T1_

Q4_

L_L

P

T2_

Q1_

L_R

V

T2_

Q2_

L_L

P

T3_

Q2_

L_R

P

T3_

Q4_

L_L

P

T1_

Q2_

I_R

T2_

Q3_

I_R

T3_

Q1_

I_L

T1_

Q3_

IM_R

T2_

Q4_

IM_R

T3_

Q3_

IM_L

T1_

M

T2_

M

T3_

M

6º 10% 34% 10% 23% 23% 34% 54% 49% 24% 33% 31% 31% 36% 30% 46%

22% 42% 32% 37%

9º 4% 20% 1% 6% 10% 7% 9% 6% 4% 9% 7% 6% 24% 16% 33%

8% 6% 7% 24%

Tot

al 7% 27% 6% 14% 16% 21% 31% 27% 14% 21% 19% 19% 30% 23% 39%

15% 24% 20% 31%

Quadro 11 Percentagem de erros por questões nos textos T1, T2 e T3 (6º - N=70; 9º - N=70)

Questões Literais Questões

Inferenciais

Questões

Inferenciais-metafóricas

Quest.

Metaf.

T4_

Q5_

_L_L

T4_

Q6_

L_R

T4_

Q7_

L_L

T5_

Q1_

L_P

T5_

Q2_

L_P

T4_

Q3_

I_L

T5_

Q3_

I_R

T5_

Q4_

I_L

T4_

Q1_

IM_R

T4_

Q2_

IM_L

T4_

Q4_

IM_L

T5_

Q5_

IM_L

T5_

Q6_

IM_L

T4_

M

T5_

M

2% 27% 24% 20% 11% 11% 22% 16% 9% 13% 11% 4% 56% 11% 27%

17% 16% 19% 19%

Quadro 12 Percentagem de erros por questões nos textos T4 e T5 (9º - N=70)

Considerando agora as subcategorias dos itens, as questões literais cujas

respostas envolviam paráfrases revelaram-se mais complexas do que aquelas

em que se fazia a reprodução das palavras do texto (verbatim). Os traços local e

relacional, neste tipo de itens, não se reflectiram nos resultados.

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

117

Nas questões inferenciais, a aplicação desses traços já resultou numa

complexidade diferente da tarefa, tendo-se verificado que as questões em que

era necessário relacionar informação dispersa no texto (T1_Q2_I_R; T2_Q3_I_R)

foram de mais difícil resolução em ambos os anos lectivos do que quando a

informação se encontrava localizada numa só parte do texto.

A percentagem de erro nos itens que testavam a compreensão

inferencial-metafórica foi muito idêntica em todos os textos, em ambos os anos.

Repare-se, no entanto, na questão T5_Q6_IM_L, na qual vinte e cinco alunos

erraram. Os traços local e relacional não foram distintivos para os resultados

deste tipo de questões.

Quando se analisam as perguntas metafóricas de cada texto, conclui-se

que os alunos dos dois anos lectivos obtiveram a mais alta percentagem de erro

no texto T3_ADN (ver quadro 11). De entre os textos T4 e T5, aquele que

originou mais erros nas questões metafóricas foi o T5_Panspermia (ver quadro

12). De referir que a percentagem de erro nestas questões, entre os quarenta e

cinco alunos do nono ano que leram os cinco textos, foi mais elevada nos

primeiros três textos (28%) do que nos dois últimos (19%).

É igualmente de salientar a diferença nos resultados do nono ano entre

os textos T1, T2 e T3 comparativamente a T4, T5. A percentagem de erros

elevou-se bastante nestes últimos, mantendo-se, no entanto, internamente

muito constante.

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

118

d) Cruzamento das três variáveis: ano lectivo, texto e tipo de compreensão

testado

Questões

literais

Questões

inferenciais

Questões

inf.-metaf.

Questões

metafóricas

Total

T1_Harry

(N=140)

17%

(6º- 22%

9º-12%)

31%

(6º-54%

9º- 9%)

21%

(6º-33%

9º- 9%)

30%

(6º- 36%

9º- 24%)

23%

(6º- 33%

9º- 13%)

T2_Skate

(N=140)

10%

(6º- 16%

9º- 4%)

27%

6º- 49%

9º- 6%)

19%

(6º- 31%

9º- 7%)

23%

(6º- 30%

9º- 16%)

18%

(6º- 29%

9º- 7%)

T3_ADN

(N=140)

19%

(6º- 29%

9º- 9%)

14%

(6º- 24%

9º- 4%)

19 %

(6º- 31%

9º- 6%)

39%

(6º- 46%

9º- 33%)

22%

(6º- 32%

9º- 12%)

T4_Futebol

(N=45)

18% 11% 11% 11% 14%

T5_Panspermia

(N=45)

16% 19% 30% 27% 22%

MÉDIA 16% 20% 20% 26%

Quadro 13 Percentagem de erros por texto e por tipo de compreensão testado

Fazendo uma leitura vertical deste quadro, verifica-se que onde há uma

maior coincidência de resultados é nas questões que testam o conhecimento

metafórico. À excepção do texto T4_Futebol, a percentagem de erros nestas

questões é relativamente idêntica em todos os textos. Também numa leitura

horizontal é nas perguntas que testam o conhecimento metafórico que os

resultados apresentam maior uniformidade. Nessas há, no geral, uma maior

percentagem de erro, relativamente aos outros tipos de questões.

Realizando uma leitura mais fina, na horizontal, verifica-se que as

questões do texto T1_Harry em que os resultados se destacam pela maior

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

119

percentagem de erros são as que testam os conhecimentos inferencial (pelos

resultados do sexto ano) e metafórico. Da mesma forma, no texto T2_Skate,

essas mesmas questões diferenciam-se em termos de resultados. No texto

T3_ADN, os resultados das questões que testam o conhecimento metafórico são

os mais discrepantes relativamente aos restantes. No texto T4_Futebol, as

questões com uma maior percentagem de erro são as que testam o

conhecimento literal e no texto T5_Panspermia, os itens que incidem sobre o

conhecimento inferencial-metafórico e metafórico são aqueles cujos resultados

se destacam.

Curiosamente, há dois resultados que não seriam de esperar – a elevada

percentagem de erros nas questões que testam o conhecimento literal do texto

T4_Futebol e nas questões incidentes sobre o conhecimento inferencial-

-metafórico do texto T5_Panspermia. Esses resultados serão comentados no

ponto seguinte.

8.3.2 Discussão

No início deste trabalho foram adiantadas as seguintes hipóteses:

Primeira hipótese – os alunos de nono ano, pela sua maturação

cognitiva, simbólica e pelo seu maior treino de trabalho com o texto,

apresentam uma maior facilidade em lidar com textos com metáforas;

Segunda hipótese – em contraste com as questões literais, aquelas que

envolvem inferências, nomeadamente as metafóricas, têm custos

cognitivos e linguísticos mais elevados, pelo que representam um

maior grau de dificuldade para os dois anos lectivos testados;

Terceira hipótese – a metáfora, pelas suas características, favorece a

compreensão global do texto e a retenção do seu conteúdo.

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

120

As variáveis definidas para testar estas hipóteses foram as da idade e do

tipo de compreensão testado. A análise que se segue basear-se-á nessas

variáveis, tendo-se também considerado o texto utilizado para verificar a

validade das hipóteses. Todos as questões e textos comentados encontram-se

nos anexos I a V.

a) Efeito da variável idade

• Os resultados apontam para uma evolução claramente positiva, na

compreensão de textos com metáforas, do sexto para o nono ano, pelo

que a primeira hipótese parece validada.

Em ambos os anos lectivos, os alunos referiram-se aos textos e às tarefas

como sendo fáceis. No entanto, a prestação dos alunos do sexto ano foi, no

geral, inferior à dos alunos do nono ano. Isso verificou-se em todo o tipo de

questões, não havendo nenhuma em que a percentagem de respostas negativas

tenha sido superior no nono ano.

• Principalmente no sexto ano, mas também no nono, parece existir a

tendência para os alunos não procurarem a informação no texto e

responderem de acordo com o que conhecem sobre o assunto.

Algumas perguntas incentivaram os alunos ao uso intensivo de

representações prévias, interferindo estas com a informação textual. Isso

verificou-se relativamente ao item T2_Q2_L_LP: O skate é um desporto…, que foi

concluído por vários alunos do sexto ano (no nono ano a percentagem de erro

foi residual) com: muito perigoso (alínea c), o que corresponde ao estereótipo que

se aplica a essa actividade. Da mesma forma, a questão T1_Q4_L_LP (O príncipe

Harry vai combater para o sul do Iraque?) obteve uma percentagem elevada de

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

121

respostas erradas. Esta questão testava um conhecimento literal, explícito no

texto, mas facilmente os alunos podiam responder dispensando a sua leitura e

recorrendo aos seus conhecimentos, o que conduziu a que fosse, muitas vezes,

erradamente assinalada a alínea b) - Sim, porque é muito rico e pode ajudar os

outros. Tendo em conta o título de príncipe, esta era uma resposta expectável.

Por outro lado, esta questão poderia ligar-se directamente à interpretação da

metáfora. Se os alunos tivessem descodificado correctamente a expressão

«Harry vai ser um bombeiro que não é autorizado a combater o fogo»,

responderiam acertadamente à questão. De referir que a percentagem de erros

neste item foi inesperadamente elevada no nono ano (20%), revelando-se esta

uma das questões mais problemáticas para este nível de escolaridade.

O facto de os alunos activarem os seus conhecimentos prévios,

dispensando a leitura do texto, aponta para um efeito distractor de alguns itens.

Certas questões induzem a que se recorra às representações do mundo de que o

sujeito dispõe, sobrepondo-se estas à informação textual. Os alunos do nono

ano não revelaram tanto esta tendência como os do sexto ano, o que sugere que

eles dão primazia à informação textual, baseando-se nesta para realizarem as

suas inferências. Este é um indicador de uma maior maturidade dos sujeitos de

final de terceiro ciclo enquanto leitores e de um relacionamento mais

competente e eficiente com o texto.

b) Efeito do tipo de compreensão testado

• No início deste estudo, predisse-se que, em contraste com

perguntas que testam a compreensão literal, as que incidem sobre a

compreensão inferencial e metafórica representam um maior grau de

dificuldade (segunda hipótese). Esta hipótese foi parcialmente

confirmada. No sexto ano, os alunos obtiveram uma percentagem de

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

122

erros menos elevada nas questões literais do que nas restantes. Contudo,

no nono ano, as questões distintivas, pela maior percentagem de erro,

foram as metafóricas. Os itens que testavam outros tipos de

compreensão, nomeadamente a literal, tiveram resultados idênticos entre

si.

Analisando, em primeiro lugar, todo o tipo de questões, verifica-se que

as que causaram menos problemas aos dois anos foram as literais - verbatim, o

que já seria de antecipar, pela forma mais directa como se ligam à informação

textual. No sexto ano, o contraste entre esse tipo de perguntas e as restantes foi

mais evidente do que no nono ano. Relativamente às questões que testavam o

conhecimento literal e que envolviam a paráfrase do conteúdo do texto, a já

referida questão T1_Q4_L_LP (O príncipe Harry vai combater para o sul do Iraque?)

foi muito problemática, pela quantidade de respostas erradas a que induziu. Da

mesma forma, o item T3_Q4_L_LP (O que são as sequências mudas de ADN?)

resultou numa percentagem elevada de erros. Esta pergunta, apesar de ser

literal, também lidava com uma expressão metafórica na sua formulação:

‘sequências mudas de ADN’. No texto encontrava-se a sua definição, mas

muitos alunos interpretaram literalmente o termo e assinalaram a alínea a), São

as partes do ADN que não falam. De referir que isso aconteceu no sexto ano (34%

de respostas erradas). No nono ano, a taxa de erro não foi significativa, e os dois

alunos que falharam assinalaram a alínea c), São as sequências que não têm

qualquer importância científica. Ainda no que diz respeito às questões que testam

o conhecimento literal, é necessário analisar os resultados dos alunos neste tipo

de questões no texto T4_Futebol. A percentagem de respostas erradas foi

inesperadamente elevada nas questões T4_Q6_L_RP e T4_Q7_L_LP: De onde é

Adebayor? e Ele é bom no que faz?, respectivamente (ver quadro 12). A resposta a

estas perguntas envolvia a paráfrase da informação do texto e implicava uma

leitura atenta do mesmo. No que diz respeito à questão número sete, o texto

parece indicar inicialmente que o jogador é desajeitado, só depois esclarecendo

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

123

que ele domina muito bem a bola. Todos os alunos que erraram assinalaram a

alínea a), Não, ele atrapalha-se muito. Relativamente à questão número seis, os

alunos podem não ter conseguido reconstituir a cadeia de referência. Adebayor

aparece no primeiro parágrafo e é dito que vem do Togo, país provavelmente

desconhecido para os alunos. A sua origem é tornada evidente no segundo e

último parágrafo (‘Vindo das longínquas profundezas africanas’). O termo anafórico

que retoma o antecedente ‘Adebayor’ é ‘vindo’, mas os alunos não devem ter

conseguido estabelecer a relação entre os dois termos, o que os levou a errar a

resposta à questão.

Prosseguindo com a análise do efeito do tipo de compreensão testado, as

questões inferenciais e metafóricas foram, no geral, de mais difícil resolução do

que as literais, no sexto ano. A pergunta na qual mais alunos desse nível de

escolaridade erraram foi a questão T1_Q2_I_R: Quem são John Nichol e Tim

Ripley? 54% dos alunos não responderam correctamente a essa questão. Para tal,

teriam de relacionar informação constante em dois parágrafos diferentes, o que

se revelou difícil de realizar.

É interessante verificar que a aplicação dos traços local/ relacional apenas

se reflectiu nos resultados das questões que testavam o conhecimento

inferencial. Nas restantes, o facto de a informação se encontrar numa só parte

do texto ou dispersa não foi distintivo. Esperava-se que as questões relacionais

fossem mais exigentes do ponto de vista cognitivo do que as localizadas. No

entanto, talvez outros factores tenham sido mais influentes e tenham

contribuído de forma mais decisiva para a dificuldade das questões.

No que diz respeito às questões literais e inferenciais, os alunos de nono

ano demonstraram lidar com elas de forma relativamente idêntica, em termos

de resultados. Mesmo levando em consideração os textos T4_Futebol e

T5_Panspermia, esse facto manteve-se, verificando-se apenas uma percentagem

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

124

de erro um pouco mais elevada nas perguntas que testavam o conhecimento

inferencial - metafórico. A questão destes dois textos que suscitou mais erros

(56% de respostas erradas) foi exactamente a T5_Q6_IM_L: O que são o carbono e

o hidrogénio? Vários alunos não conseguiram lidar com a metáfora do texto e

interpretaram literalmente a expressão «pedra angular da vida». A alínea que

assinalaram, erradamente, foi a b), são os elementos que constituem as pedras

angulares.

Os resultados relativamente às questões sobre informação metafórica

constituem um dado importante e os alunos manifestaram realmente mais

dificuldades nelas. O nono ano, após ter realizado a primeira parte do teste de

uma forma muito regular (com excepção apenas da questão acima assinalada -

T5_Q6_IM_L), elevou bastante a percentagem de erro nos itens que testavam a

compreensão metafórica (7% de erros na primeira parte e 24% nas questões

metafóricas, não considerando os dois últimos textos). O texto relativamente ao

qual a pergunta metafórica mais erros suscitou foi, como referido

anteriormente, o do ADN (ver quadros 11 e 12). Este era um texto de ciências,

um tema muito específico. Por um lado, era importante que os alunos

possuíssem determinados conhecimentos prévios, em que pudessem incorporar

a informação do texto. Por outro lado, a adesão ao tema não se previa tão

espontânea como relativamente aos dois primeiros textos (T1_Harry e

T2_Skate). Apesar de a percentagem de erro na primeira parte do teste não ter

sido muito diferente da dos outros textos (só numa turma do sexto ano foi mais

elevada, enquanto nas outras cinco turmas foi dos textos com menos respostas

erradas), parece que os alunos não retiveram bem o seu conteúdo. Parece

igualmente que a metáfora não ajudou a retomá-lo. Um dado curioso é que a

questão número três, que se seguia ao texto, fornecia a base da metáfora. A

questão pedia que se completasse a frase começada por As proteínas são… . A

alínea certa era a c), o elemento que estrutura o nosso organismo. 69% dos alunos do

sexto ano e 94% do nono assinalaram a resposta correcta. No entanto, essa

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

125

informação não foi, aparentemente, bem integrada, havendo um total de 39%

de respostas erradas nos dois anos na questão que testava a compreensão da

metáfora. O mesmo aconteceu com o texto T5_Panspermia, outro tema de

ciências, desconhecido para os alunos e cuja metáfora se revelou ineficaz a

ilustrar o assunto. A questão metafórica deste texto era das mais óbvias, pela

forma absurda como era formulada: De acordo com a hipótese da panspermia,

andam cowboys à solta no espaço? No entanto, dez dos quarenta e cinco alunos

assinalaram a hipótese d), Não, mas os asteróides que se encontram no espaço

parecem cowboys, porque disparam em todas as direcções. Realmente esses alunos

reconheceram a metáfora, mas não a conseguiram interpretar correctamente.

• O tipo de metáfora não foi determinante para a compreensão da

expressão metafórica.

Quando se leva em consideração o tipo da metáfora presente no texto e

testada nas últimas questões, os resultados causam alguma surpresa. Eduardo

Fonseca (2000), após alertar para a necessidade de considerar o efeito do tipo de

metáfora em estudos experimentais, refere que «a compreensão metafórica está,

ao longo de toda a escolaridade dos alunos, significativamente correlacionada

(…) com o tipo de metáfora, isto é, a maior ou menor elipse ou redundância dos

constituintes da metáfora (…)» (2000: 26). As metáforas alvo que apareciam nos

textos eram de diferentes tipos. A única metáfora explícita (ABI) era a do texto

T1_Harry, Harry vai ser um bombeiro que não é autorizado a combater o fogo. No

entanto, embora todos os termos da metáfora se encontrassem explícitos, o item

que testava a sua compreensão obteve uma percentagem de erros relativamente

elevada. No nono ano, dos cinco textos, foi o segundo que registou mais erros

neste tipo de compreensão (ver quadro 13). Por outro lado, o texto T4_Futebol

era aquele em que a metáfora era mais elíptica, constando apenas do veículo

(B): Uma girafa do Togo. Apesar disso, a percentagem de erro na questão que

testava a compreensão desta metáfora foi a mais baixa de todas, apenas 11% dos

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

126

alunos a erraram (ver quadro 13). O texto com mais erros na questão que

testava o conhecimento metafórico foi, como se referiu atrás, o T3_ADN, cuja

metáfora era elíptica de base (AB). Estes resultados sugerem que outros

factores, tais como o tema e o conhecimento prévio dos alunos, foram mais

determinantes na compreensão das expressões metafóricas do que o tipo de

metáfora. A metáfora do texto T4_Futebol não ofereceu resistência, foi

transparente para a maioria dos alunos, talvez devido ao seu conhecimento

sobre o assunto. Pelo contrário, a metáfora do texto T3_ADN mobilizava

conhecimentos científicos, que a tornavam de mais difícil descodificação,

independentemente de os seus termos se encontrarem explícitos, à excepção da

base.

• Verifica-se uma correlação positiva entre os bons resultados nas

questões que testavam o conhecimento metafórico e a compreensão

da globalidade do texto.

Ainda relativamente aos itens que testavam o conhecimento metafórico,

convém reflectir sobre um dado interessante. A boa prestação dos alunos nestas

questões é, em geral, um indicador da qualidade das respostas da primeira

parte do teste. No nono ano, trinta e sete alunos não erraram nenhuma questão

da segunda parte. Esses alunos obtiveram, na primeira parte, uma percentagem

de erro baixa (entre os 0% e os 13%, com excepção de dois alunos, que

responderam erradamente a 20% das questões). No sexto ano, os resultados não

foram tão evidentes. Dezassete alunos responderam correctamente às três

questões metafóricas. A taxa de erro desses alunos na primeira parte do teste

localizou-se entre os 0% e os 20%, havendo um aluno com 27% e outro com 53%

de respostas erradas. Para os alunos perceberem bem as metáforas, têm,

aparentemente, de perceber bem o texto todo, o macrotexto, que já pressupõe

uma integração cognitiva do seu conteúdo, a capacidade de constituir para o

texto uma configuração global. Nesse caso, significa que estas questões são mais

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

127

exigentes, pelo que os alunos têm de possuir muito boas estratégias para

lidarem com elas. Eles têm de processar a informação da generalidade do texto

e não só de uma parte, como acontece nas questões que testam o conhecimento

literal. As metáforas têm uma capacidade de resumo e de compactação de

conteúdo, particularmente as testadas neste estudo, contendo em si a

informação principal do texto. Se os alunos resolvem as metáforas, em princípio

já conseguiram lidar com as unidades do microtexto.

c) Efeito da metáfora na retenção do conteúdo do texto

• A metáfora não pareceu ajudar os alunos destas faixas etárias a

integrarem o conteúdo do texto.

Apesar de estar previsto que as questões que lidavam com as metáforas

do texto e testavam a sua compreensão fossem mais exigentes do ponto de vista

do processamento do que as questões literais, acreditava-se que os benefícios

das metáforas excedessem os seus custos, em termos de tornar mais claro o

conteúdo do texto e de ajudar a permanecer activa a informação na memória de

trabalho (hipótese número três). No entanto, os resultados parecem contradizer

tal tese, conforme acabou de ser descrito e comentado na alínea b).

A função da metáfora na construção do sentido do texto encontra-se

estudada na literatura. Noveck, Bianco e Castry (2001) concluíram, no seu

estudo The Costs and Benefits of Metaphor, que as metáforas implicam custos de

processamento, mas parecem revelar-se um factor facilitador de retenção de

discurso. No entanto, isso só acontece, de acordo com os resultados da sua

investigação, quando os sujeitos testados são adultos. As crianças até aos

catorze anos não demonstram retirar benefícios das metáforas referenciais de

um texto, relativamente a controlos literais. Os resultados obtidos no presente

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

128

estudo corroboram essa conclusão. Mesmo que os alunos reconheçam uma

metáfora e identifiquem o seu carácter não literal, a informação que ela

transporta não é, aparentemente, de fácil integração.

d) Efeito do conhecimento prévio

• O conhecimento prévio parece ser determinante para uma boa

integração do conteúdo do texto e talvez até potencie as capacidades

da metáfora em contribuir para essa integração.

Antes de concluir este capítulo, é importante analisar os dados obtidos

que permitem reflectir sobre o efeito do conhecimento prévio na interpretação

de textos com metáforas. Não sendo uma variável que se tivesse pretendido

controlar, observaram-se, no entanto, alguns factos interessantes, pelo que se

pode, com eles, complementar a análise feita. Esta discussão prende-se

directamente com as observações anteriores.

Quando se contrastam os resultados dos textos científicos (T3_ADN e

T5_Panspermia) com os do texto T4_Futebol, verifica-se que o problema talvez

não seja a especificidade do tema (os três são textos muito específicos), mas o

domínio da área de conhecimento por parte dos sujeitos. O texto do futebol

contém diversas expressões figuradas, fazendo uso de metáforas elaboradas,

menos previsíveis. No entanto, os leitores de textos desportivos não parecem ter

problemas em descodificá-lo. Ao procurar textos de desporto para utilizar neste

projecto de investigação, verificou-se que eles são bastante ‘coloridos’, servem-

se muito de metáforas, que oferecem impressões muito vivas ao que se está a

ler, imprimem ritmo e fornecem imagem ao texto. Talvez tenha a ver com a

natureza da informação, desporto é actividade e o texto tem de traduzir esse

dinamismo e energia. Os leitores de jornais desportivos estão, com certeza,

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

129

habituados a textos figurados. Relativamente ao texto em questão, ele não se

revelou muito problemático para muitos alunos e é de colocar a hipótese de o

conhecimento prévio ter sido determinante para isso. Verifica-se neste texto o

efeito de sexo. Relativamente à globalidade das questões, não considerando o

tipo de compreensão testado, as raparigas erraram 18% das questões e os

rapazes 10%. Relativamente aos outros textos, esse efeito não se verificou,

errando ambos os sexos sensivelmente em 15% dos itens (15% para as raparigas

e 14.8% para os rapazes, considerando apenas as turmas que leram os cinco

textos). Este era um efeito previsível, tratando-se este de um tema culturalmente

mais afecto aos homens do que às mulheres.

Há casos interessantes. Alguns sujeitos tiveram uma prestação regular

nos textos T1, T2, T3 e T5 e obtiveram, no texto T4_Futebol uma percentagem

de erro superior a 50%. Há textos, que, sendo muito específicos, contêm em si a

informação necessária para que se elabore deles uma representação coerente.

Era o caso dos textos T3_ADN e T5_Panspermia. O texto T4_Futebol, no

entanto, explorando igualmente um tema específico, mobilizava conhecimento

prévio e a sua ausência podia comprometer a boa interpretação do conteúdo.

Alunos que percebessem de futebol conseguiam responder correctamente a

algumas perguntas sem recorrerem ao texto (O que são o Arsenal e o Manchester

United?; Quem são Arsène Wenger e Sir Alex Fergusson?). No entanto, se o

conhecimento de futebol fosse insuficiente, a leitura do texto era bastante

dificultada, exigindo inferências elaborativas sofisticadas. Da mesma forma, a

descodificação das metáforas do texto também se tornava mais complexa.

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8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas

130

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9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas

131

9. PARÁFRASE DE METÁFORAS

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9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas

132

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9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas

133

9.1 Objectivos e hipóteses

No Estudo 1 deste projecto pretendeu-se avaliar a interpretação de textos

com metáforas, através de uma tarefa de compreensão. Essa tarefa consistiu na

resposta a um questionário de escolha múltipla, que incidia sobre diversos

textos com metáforas. Uma vez que as respostas eram fechadas, dadas pelo

investigador, o acesso à compreensão dos textos pelos sujeitos foi indirecto. Por

essa razão, procuraram obter-se, neste segundo estudo, dados mais directos,

testando-se a compreensão de metáforas, através de uma tarefa de produção.

Desta forma, pediu-se aos alunos que realizassem paráfrases de expressões

metafóricas, tentando-se, assim, captar as interpretações realmente efectuadas.

Este estudo baseou-se no projecto já anteriormente citado, no capítulo

cinco, de Luís Faísca (2004), integrado na sua tese de doutoramento: A

Construção do Significado Metafórico – um contributo para a caracterização dos

processos cognitivos subjacentes. Para o realizar, o investigador construiu vários

estudos experimentais, um dos quais envolvia a paráfrase de quarenta e seis

metáforas nominais novas, ou seja, construídas para o trabalho, e a respectiva

avaliação em quatro parâmetros: facilidade de interpretação, familiaridade,

concordância com a expressão e qualidade da mesma. Essas paráfrases

constituíram posteriormente o corpus de um outro estudo, em que foram

analisadas as estratégias de interpretação utilizadas pelos sujeitos para lidarem

com metáforas avaliadas por eles como difíceis ou pouco familiares.

Em Menyuk (1987), são referidas as fases pelas quais as crianças passam

relativamente à linguagem figurada, sendo que a capacidade para interpretar

essas expressões aumenta com a idade e depende da complexidade linguística

das frases. Por outro lado, relativamente à aplicação de adjectivos que podem

ter significado conotativo e denotativo, e de acordo com investigações

mencionadas pela autora, as crianças começam por aplicá-los de forma literal.

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9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas

134

Apenas aos dez ou onze anos conseguem explicar a função dual dessas

palavras.

Tendo em conta o que foi referido, concebeu-se este estudo, no sentido

de perceber, numa perspectiva novamente desenvolvimental, mas de uma

forma mais directa, como lidam os alunos em final de segundo e terceiro ciclos

com expressões metafóricas. As hipóteses formuladas com base na informação

teórica, e em particular no que foi em cima referido, foram as seguintes:

Primeira hipótese – a capacidade de interpretação de metáforas

aumenta com a idade e o grau de escolaridade, pelo que os alunos do

sexto ano apresentam uma maior dificuldade em parafrasear

expressões metafóricas do que os alunos de nono ano;

Segunda hipótese – as metáforas familiares, consideradas como

inactivas, obtêm mais interpretações metafóricas do que as não

familiares ou activas, atendendo ao efeito de frequência das palavras

na língua. Itens muito familiares são mais acessíveis, por estarem mais

codificados.

Para testar estas hipóteses, consideraram-se duas variáveis, com

implicações no desenho experimental: o nível de escolaridade (sexto e nono

anos) e o tipo de metáforas (familiares ou não familiares).

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9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas

135

9.2 Metodologia

9.2.1 Sujeitos

Este teste foi aplicado a um subgrupo dos sujeitos testados no Estudo 1,

tendo sido escolhidas duas das seis turmas que participaram nesse estudo.

Essas turmas foram as presentes na fase inicial, a turma B do sexto ano e a A do

nono. O teste foi efectuado a vinte e cinco alunos de sexto ano e vinte e três de

nono. A idade dos alunos do sexto ano varia entre os onze e os doze anos

(dezanove com onze anos e seis com doze, média de 11.2). Da turma de nono

ano os alunos tinham idades compreendidas entre os catorze e os dezassete

anos (dezanove alunos com catorze anos, um com quinze, dois com dezasseis e

um com dezassete, média de 14.3).

9.2.2 Materiais

O efeito da frequência das palavras está estudado e sabe-se que afecta

tarefas de decisão lexical, de velocidade de leitura, etc.. Palavras de elevada

frequência são reconhecidas mais rapidamente do que as de baixa frequência

(Forster e Chambers, 1973) e são lidas também mais rapidamente (Balota, Law e

Zevin, 2000). Em Faísca (2004) verificou-se que as frases consideradas mais

familiares e acessíveis eram bem interpretadas, do ponto de vista metafórico.

Naquelas avaliadas como mais difíceis e menos familiares, os sujeitos

activavam estratégias alternativas para constituírem o seu sentido. As metáforas

familiares podem ser consideradas metáforas inactivas. O seu sentido já foi

incorporado no léxico da língua, encontra-se mais convencionalizado e a ele

acede-se mais automaticamente. Giora (2003) defende que os significados mais

salientes de uma língua são processados prioritariamente em relação aos menos

salientes (the graded salience hypothesis, já discutida no capítulo dois). A saliência

de palavras e frases advém da sua frequência na língua, da sua familiaridade e

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9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas

136

do seu grau de convencionalidade, que faz com que já estejam codificadas no

léxico mental («To be salient, meanings of words, phrases, or sentences (e.g., the

conventional interpretations of idioms or familiar ironies) have to be coded in the mental

lexicon and, in addition, enjoy prominence due to their conventionality, frequency,

experiential familiarity, or prototypicality»). Significados que não estejam já

codificados são menos salientes ou mesmo não salientes, pelo que o seu

processamento não será automático nem prioritário: «Salient meanings are

assumed to be accessed immediately upon encounter of the linguistic stimulus via a

direct lookup in the mental lexicon. Less-salient meanings will lag behind. Nonsalient

meanings require extra inferential processes and strong contextual support» (Giora,

2003)

Considerando então que os itens mais familiares da língua são mais

acessíveis do ponto de vista cognitivo, foi elaborado o corpus para o presente

trabalho, que consistiu em vinte e oito metáforas, do tipo A é B, usando

construções predicativas. Catorze metáforas são familiares ou inactivas e

catorze são não familiares. Das não familiares, dez são variações desconhecidas

das metáforas familiares. Quatro são metáforas que não têm correspondência

com as familiares. A intenção inicial era a de manter os veículos e associá-los a

novos tópicos, de forma a controlar muito bem a construção de metáforas novas

e de verificar se havia alteração na forma de interpretar umas e outras. No

entanto, verificou-se que tal tornaria a tarefa demasiado óbvia, pelo que apenas

alguns veículos (pérola, espelho, enigma) foram conservados. Os restantes são

sinónimos dos veículos das metáforas conhecidas (batalha, caminho,

imperador) ou pertencem ao mesmo campo semântico (cabeça, moedas

pequenas, queimadura). Quatro veículos são completamente novos e

casualmente escolhidos (relógio, retrato, quadro negro, ouro). No quadro 14

encontra-se a descrição do corpus de metáforas.

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9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas

137

Metáforas Familiares

(N= 14)

Metáforas não familiares

(N= 14)

14 metáforas

Ex.: ‘Os olhos são o espelho da alma.’

3 metáforas com veículos de metáforas

familiares

Ex.: ‘A televisão é um espelho.’

4 metáforas com veículos sinónimos de

veículos familiares

Ex.: ‘ Um filho é um imperador.’

3 metáforas com veículos do mesmo campo

semântico das familiares

Ex.: ‘As preocupações são moedas pequenas.’

4 metáforas com veículos novos

Ex.: ‘O desconhecido é um quadro negro.’

Quadro 14 Descrição do corpus de metáforas

Os alunos receberam o enunciado contendo as vinte e oito metáforas,

aleatoriamente ordenadas. Foram elaboradas duas ordens, distribuídas

alternadamente aos alunos. Metade deles receberam a ordem A e a outra

metade recebeu a ordem B. No quadro 15 encontram-se todas as metáforas que

constituíram o corpus deste trabalho.

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9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas

138

METÁFORAS FAMILIARES

1 O cliente é rei.

2 A Ilha da Madeira é a pérola do Atlântico.

3 Tempo é dinheiro.

4 A vida é uma luta.

5 Parar é morrer.

6 O sonho é o motor da vida.

7 A Amazónia é o pulmão do mundo.

8 O amor é fogo.

9 Um livro é uma viagem.

10 Os olhos são o espelho da alma.

11 O casamento é uma aventura.

12 Um amigo é um tesouro.

13 A vida é um milagre.

14 Uma pessoa é um enigma.

METÁFORAS NÃO FAMILIARES

15 Um filho é um imperador.

16 Um sorriso é uma pérola.

17 As preocupações são moedas pequenas.

18 A inteligência é uma batalha.

19 A Serra da Estrela é a cabeça de Portugal.

20 A tristeza é uma queimadura.

21 A educação é um caminho sem fim.

22 A televisão é um espelho.

23 A nossa casa é o nosso retrato.

24 A tecnologia é um enigma.

25 O mar é uma arca.

26 A água é ouro.

27 A sorte é um relógio.

28 O desconhecido é um quadro negro.

Quadro 15 corpus de metáforas

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9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas

139

9.2.3 Procedimento

Os testes decorreram no início do 3º período.

Os alunos começaram por ser sentados por ordem alfabética e foi-lhes

novamente explicado que eles estavam a colaborar num trabalho de

investigação, que tinha como objectivo perceber a compreensão de frases curtas

(nunca foi mencionado o termo ‘metáforas’). Explicou-se que neste segundo

estudo se procurava testar a interpretação de frases retiradas do contexto, frases

às quais os autores deram um significado, que agora teria de ser reconstituído

pelos alunos. Este facto foi realçado para fomentar o esforço dos sujeitos

quando confrontados com frases pouco comuns e, em alguns casos,

extravagantes (Gibbs, Kushner e Mills, 1991; Faísca, 1994). Pediu-se que lessem

as frases, tentassem percebê-las e explicassem por palavras suas o significado

que lhes atribuíam. Estabeleceu-se um limite de vinte palavras por paráfrase.

Era permitido aos alunos alterarem a ordem das frases e, caso não

conseguissem interpretá-las, deveriam escrever: «Não consigo interpretar.»

Os enunciados foram distribuídos e o tempo de realização da tarefa foi

cerca de quarenta e cinco minutos.

9.2.4 Codificação e organização dos dados

As paráfrases dos alunos foram lidas e a sua interpretação foi

classificada. Inicialmente foi seguida a taxonomia de estratégias de

interpretação proposta por Faísca (1994), com sete categorias e oito

subcategorias. No entanto, verificou-se, por um lado, que algumas estratégias

recorrentes nos alunos não estavam previstas nessa taxonomia. Por outro lado,

algumas estratégias alternativas eram muito idênticas, o que dificultava a

classificação. A lista foi, desta forma, alterada e reduzida.

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9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas

140

As seis formas de interpretação alternativa, para além da interpretação

metafórica, são apresentadas no quadro 16, sendo em seguida, explicadas. A

sua apresentação vai da interpretação metafórica às interpretações que mais se

afastam desta. A estratégia IC é considerada quase metafórica. Na estratégia IA,

a interpretação feita é absurda.

Estratégia Definição

IM Interpretação Metafórica – as características do tópico são

projectadas no veículo

IC Interpretação Condicionada – a interpretação é metafórica, mas

está condicionada a determinados contextos

AD Associação Distorcida – os predicados do veículo associados ao

tópico são inadequados e não o explicam

FT Focalização num dos Termos – a interpretação restringe-se à

clarificação de um dos termos da metáfora

PM Paráfrase com manutenção da Metáfora – a metáfora apresentada

é apenas parafraseada e não interpretada

IL Interpretação Literal – a metáfora é interpretada literalmente

IA Interpretação Absurda – a interpretação feita não faz sentido

Quadro 16 Estratégias de interpretação das metáforas apresentadas

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9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas

141

IM - Interpretação Metafórica - A interpretação apresentada pelos alunos foi

considerada metafórica quando derivou da transferência de características do

veículo para o tópico. Desta interacção entre o tópico e o veículo resultou um

maior esclarecimento sobre o primeiro, tendo sido posta em evidência a sua

natureza.

(1) A sorte é um relógio - «A sorte é um relógio, nem sempre é certa.»

(JS9A, frase 27)

(2) O amor é fogo - «O amor é algo que se alastra com facilidade»

(idem, frase 8)

(3) «O amor é uma coisa bonita, mas ao mesmo

tempo faz sofrer» (AE6B)

(4) As preocupações são moedas pequenas - «As preocupações não valem

nada» (GS9A, frase 17)

(5) A água é ouro - «A água é um bem muito precioso e pode acabar-

se» (RM9A, frase 26)

(6) A televisão é um espelho - «Quer dizer que nós, ao estarmos a ver

televisão, vemos as coisas como se fossem um espelho - estamos a

ver aquelas imagens, mas sem elas estarem lá.» (BM6B, frase 22)

(7) A tristeza é uma queimadura – «Quando estamos tristes, a tristeza só

passa quando nos animamos. A mesma coisa acontece com a

queimadura, só passa quando a tratamos.» (SM6B, frase 20)

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9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas

142

IC - Interpretação Condicionada – Por vezes os alunos procedem a uma

interpretação metafórica, atribuindo ao tópico características do veículo, de

forma a esclarecer o primeiro, mas fazem essa interpretação depender de um

contexto particular.

(8) As preocupações são moedas pequenas - «As preocupações dos outros

não têm interesse.» (CM9A, frase 17) - o aluno identifica um traço

passível de ser aplicado ao tópico (não ter importância), mas só o

aceita na condição de a frase se referir às preocupações dos outros.

(9) Uma pessoa é um enigma - «A pessoa só é enigma se não for amiga.»

(DB6B, frase 14) - Neste caso, o aluno, para além de não explicar a

metáfora, só aceita a analogia se ela se restringir a uma situação

muito determinada.

(10) Um sorriso é uma pérola - «Porque um pai adora o sorriso de um

filho» (WP9A, frase 16)

AD - Analogias/ associações distorcidas – Estas interpretações resultam de

associações ou analogias inadequadas ou forçadas, relativamente a um dos

constituintes da metáfora ou aos dois. Estas analogias podem ser legítimas, mas

delas não resulta um esclarecimento sobre a natureza do veículo. Em alguns

casos, a pista forte é uma comparação de forma explícita (o uso do ‘como’), que,

no entanto, não clarifica o tópico (ver exemplos 11 e 12).

(11) A sorte é um relógio - «A sorte é como um relógio, pois podemos

trazê-la ou não» RM9A, frase 27)

Estratégias de Interpretação Alternativa

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9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas

143

(12) Tempo é dinheiro - «A vida é tão boa como o dinheiro ou o tempo é

tão bom como o dinheiro» (JL6B, frase 3). Neste caso, verifica-se

uma transferência do veículo para o tópico, ambos são

considerados bons. No entanto, a essência do tópico não é

iluminada pela qualidade escolhida no veículo, pelo não se pode

considerar que a interpretação tenha sido verdadeiramente

metafórica.

(13) A Amazónia é o pulmão da Terra - «A Amazónia está no meio do

mundo.» (JG6B, frase 7) - Novamente, percebe-se a analogia - o

pulmão está no meio do corpo, a Amazónia está no meio do

mundo. No entanto, para além de não ser verdade, é irrelevante

para o tópico em questão.

(14) O mar é uma arca – «O mar é muito grande e uma arca também

pode ser grande. São iguais.» (BC6B, frase 13) – Neste caso, a

analogia é forçada, para além de não destacar nada de importante

em ambos os componentes da metáfora.

FT - Focalização num dos termos – Esta interpretação não é baseada na

associação entre o tópico e o veículo. A paráfrase restringe-se à explicação de

apenas um dos constituintes da expressão metafórica e geralmente são

registadas ideias feitas sobre ele. Há, desta forma, a anulação de um dos

membros da expressão. Normalmente, o constituinte mantido é o tópico, ou

seja, o sujeito da oração. Sendo estas frases básicas, com sujeito pré-verbal, este

vai reunir em si várias propriedades que o tornam um elemento de atenção e de

interpretação preferencial, acumulando a função de sujeito, com a de tópico da

frase, sendo ainda a primeira entidade referida (A. Costa, 2006). Nos casos em

que o elemento focalizado foi o veículo, aparece assinalado no quadro como FT

(V).

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9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas

144

Focalização no tópico:

(15) Um amigo é um tesouro - «Podemos sempre contar com um amigo

verdadeiro» (AE6B, frase 12)

(16) A vida é uma luta - «A vida é só uma passagem» (AN6B, frase 4)

(17) O casamento é uma aventura - «O casamento é conhecer melhor do

que ninguém a pessoa que amamos.» (AL9A, frase 11)

(18) Um filho é um imperador - «Tenta dizer que um filho é uma parte de

nós.» (BM6B, frase 15)

Focalização no veículo:

(19) O mar é uma arca - «Há muitos mistérios numa arca.» (AF9A, frase

25)

PM - paráfrase com manutenção da metáfora – Esta estratégia de interpretação

pode envolver o retomar da metáfora, não a descodificando. Os alunos poderão

dizê-la por outras palavras ou produzir uma nova metáfora, sem explicar a

apresentada. Em ambos os casos, não se procede a uma verdadeira

interpretação, apenas à reformulação da frase em questão ou à criação de outra

metáfora.

(20) O amor é fogo - «O amor é fogo, é como se fosse uma chama que

permanece acesa por aquela pessoa.» (AS9A, frase 8)

(21) Um livro é uma viagem - «Um bom livro é uma viagem

maravilhosa» (AE9A, frase 9)

(22) «O livro é uma vida.» (AN6B)

(23) A inteligência é uma batalha - «Temos que batalhar a inteligência»

(FV6B, frase 18)

(24) Um sorriso é uma pérola - «Está a dizer que o nosso sorriso parece

uma flor» (idem, frase 16)

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9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas

145

(25) Um filho é um imperador - «Um filho é um imperador, porque é um

milagre, há pessoas que desejam ter um filho e não têm.» (BC6B,

frase 15)

IL- Interpretação literal – Neste caso, a metáfora não é entendida enquanto tal,

sendo interpretada de forma literal, como nos casos a seguir apresentados:

(26) Um livro é uma viagem - «Podemos dar a volta ao mundo lendo

vários livros» (AE6B, frase 9)

(27) A televisão é um espelho - «Porque quando a televisão está apagada

faz de espelho» (RM6B, frase 22)

(28) O mar é uma arca - «O mar se fosse uma arca dava para guardar

alguma coisa.» (DB6B, frase 25).

Por vezes, a interpretação literal é feita sobre a inversão dos membros da frase.

Este tipo de interpretação foi codificado como A1 (I). Exemplos:

(29) A sorte é um relógio – «Ter um relógio é como ter uma grande

sorte.» (FV6B, frase 27)

(30) «Quer dizer que o relógio nos diz as horas,

por isso não chegamos atrasados a nada, isso é uma sorte.» (MS6B,

frase 27)

IA- Interpretação Absurda - Em alguns casos, os alunos escreveram afirmações

absurdas ou redundantes relativamente aos itens da metáfora (exemplos 31, 32,

33, 35) ou basearam-se em conhecimentos erróneos sobre eles (exemplo 34). Há

ainda algumas paráfrases em que os alunos parecem ignorar completamente a

frase apresentada (exemplo 36).

(31) A nossa casa é o nosso retrato - «Sem casa não tínhamos onde morar»

(FV6B, frase 23)

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9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas

146

(32) A educação é um caminho sem fim - «Porque é através da educação

que somos educados.» (AV6B, frase 21)

(33) A vida é um milagre - «A vida é um milagre para sempre» (FA6B,

frase 13)

(34) A Amazónia é o pulmão do mundo - «É o rio maior do mundo»

(RG6B, frase 7)

(35) A televisão é um espelho - «Sim, atrás do espelho é que está tudo»

(AF9A, frase 22)

(36) O amor é fogo - «Quer dizer que nós estamos bem.» (DD6B, frase 8)

Alguns alunos combinam mais do que uma estratégia para interpretarem as

frases, como se constata nos exemplos que se seguem. Sempre que tal

aconteceu, foi codificada a estratégia que se considerou preponderante.

(37) A Amazónia é o pulmão do mundo - «Porque tem várias árvores que

respiram e animais.» (SM6B, frase 7). Se a primeira parte da

paráfrase pode resultar da associação do veículo ao tópico, a

segunda parte, na sua referência aos animais, não provém da

interacção entre os dois membros da metáfora, mas sim de uma

observação sobre a Amazónia (estratégia FT). Esta última foi a

estratégia considerada.

(38) A vida é um milagre - «Sim, porque nós não sabemos o que nos vai

acontecer e a vida é um milagre.» (IS6B, frase 13) - o aluno sentiu a

necessidade de reforçar a metáfora (estratégia PM), ao mesmo

tempo que se prendeu ao sujeito da oração e escreveu um lugar-

comum sobre a vida (FT). A resposta foi codificada com a

estratégia FT.

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9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas

147

9.3 Resultados

9.3.1 Descrição dos resultados

a) Resultados globais

6º ano 9º ano Total

Total de expressões metafóricas 28

Total de alunos 25 23 48

Total de paráfrases aguardadas 700 644 1344

Total de paráfrases não realizadas 144 100 244

Total de paráfrases realizadas 556 544 1100

Quadro 17 Parâmetros relativos ao Estudo 2

Foram apresentadas vinte e oito frases metafóricas a quarenta e oito

alunos, vinte e cinco de sexto ano e vinte e três de nono. No total, dever-se-iam

obter mil, trezentas e quarenta e quatro paráfrases. No entanto, cinquenta e

uma não foram feitas e, em cento e noventa e três frases, os alunos colocaram:

«Não consigo interpretar.» Desta forma, foram lidas mil e cem paráfrases (ver

quadro 17).

Interpretações metafóricas

Interpretações não metafóricas

Não fizeram/ não interpretaram

Freq. Absoluta

Freq. Relativa

Freq. Absoluta

Freq. Relativa

Freq. Absoluta

Freq. Relativa

6º ano (N=25)

203 29% 353 50% 144 21%

9º ano (N=23)

352 55% 192 30% 100 16%

TOTAL (N=48)

555 41% 544 41% 244 18%

Quadro 18 Resultados globais das paráfrases

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9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas

148

Das paráfrases realizadas pelas duas turmas, quinhentas e cinquenta e

cinco eram interpretações metafóricas, ou seja, cerca de metade (50.4%). No

sexto ano, os alunos não fizeram ou não interpretaram cento e quarenta e

quatro frases, o que perfaz um total de 21% das frases. Nesse mesmo ano, 29%

das interpretações foram metafóricas. No nono ano, não foram feitas noventa e

sete paráfrases (16%) e realizaram-se trezentas e cinquenta e duas

interpretações metafóricas (55%).

Intervalos de IM

do 6º ano (N=25)

Frequências Simples Frequências Acumuladas

Absoluta Relativa Absoluta Relativa

[0% - 20%[ 10 40% 10 40%

[20% - 40%[ 6 24% 16 64%

[40% - 60%[ 5 20% 21 84%

[60% - 80%] 4 16% 25 100%

Quadro 19 Distribuição dos alunos do 6º ano por intervalos de interpretações metafóricas

Intervalos de IM

do 9º Ano (N=23)

Frequências Simples Frequências Acumuladas

Absoluta Relativa Absoluta Relativa

[0% , 20%[ 1 4% 1 4%

[20% , 40%[ 4 17% 5 22%

[40% , 60%[ 6 26% 11 48%

[60% , 80%[ 11 48% 22 96%

[80% , 100%] 1 4% 23 100%

Quadro 20 Distribuição dos alunos do 9º ano por intervalos de interpretações metafóricas

No quadros 19 e 20, encontra-se a distribuição dos alunos por intervalos

de interpretações metafóricas feitas. Relativamente ao sexto ano, o intervalo

modal, ou seja, o intervalo com maior frequência de ocorrência, é [0% , 20%[. A

classe mediana corresponde ao intervalo [20% , 40%[. No nono ano, o intervalo

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9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas

149

[60% , 80%] corresponde à classe mediana e simultaneamente à classe modal.

Isto significa que os alunos de nono ano, para além de terem feito mais

paráfrases das expressões apresentadas (quadro 17), também realizaram um

número significativamente superior de interpretações metafóricas do que os

alunos do sexto ano (quadro 20). A maioria dos alunos do nono ano interpretou

metaforicamente cerca de três quartos das frases apresentadas, enquanto a

maioria dos alunos do sexto ano realizou uma leitura considerada metafórica de

aproximadamente um quarto dessas frases. Neste ano lectivo, houve

inclusivamente dois alunos que não realizaram nenhuma interpretação

metafórica e três alunos que apenas fizeram uma.

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9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas

150

Metáforas IM

nº 6º(N=25) 9º(N=23) Total

1 O cliente é rei. 10 19 29

2 A Ilha da Madeira é a pérola do Atlântico. 6 10 16

3 Tempo é dinheiro. 1 8 9

4 A vida é uma luta. 6 11 17

5 Parar é morrer. 3 7 10

6 O sonho é o motor da vida. 5 9 14

7 A Amazónia é o pulmão do mundo. 7 13 20

8 O amor é fogo. 8 6 14

9 Um livro é uma viagem. 8 10 18

10 Os olhos são o espelho da alma. 4 12 16

11 O casamento é uma aventura. 3 13 16

12 Um amigo é um tesouro. 10 13 23

13 A vida é um milagre. 1 9 10

14 Uma pessoa é um enigma. 13 21 34

15 Um filho é um imperador. 11 17 28

16 Um sorriso é uma pérola. 12 16 28

17 As preocupações são moedas pequenas. 8 12 20

18 A inteligência é uma batalha. 4 15 19

19 A Serra da Estrela é a cabeça de Portugal. 9 17 26

20 A tristeza é uma queimadura. 11 15 26

21 A educação é um caminho sem fim. 14 19 33

22 A televisão é um espelho. 7 14 21

23 A nossa casa é o nosso retrato. 8 17 25

24 A tecnologia é um enigma. 13 15 28

25 O mar é uma arca. 8 12 20

26 A água é ouro. 4 7 11

27 A sorte é um relógio. 2 8 10

28 O desconhecido é um quadro negro. 7 7 14

Total 203 352 555

Quadro 21 Número de interpretações metafóricas feitas para cada expressão

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9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas

151

O quadro 21 refere-se ao total de interpretações metafóricas que cada

expressão apresentada obteve por ano lectivo. Na primeira coluna encontram-se

os números das vinte e oito metáforas, já anteriormente codificadas (ver quadro

15). Foram marcadas a sombreado as expressões com mais de vinte e quatro

interpretações metafóricas (ou seja, mais de 50%).

Das vinte e oito metáforas, a única em que os alunos do sexto ano

fizeram mais interpretações metafóricas do que os alunos de nono ano foi a

expressão familiar número oito: O amor é fogo. Todas as outras obtiveram mais

interpretações metafóricas no nono ano do que no sexto.

A expressão com mais interpretações metafóricas é a metáfora familiar

número catorze, Uma pessoa é um enigma. Aquela que gerou menos

interpretações metafóricas foi a número três, Tempo é dinheiro (metáfora

familiar).

b) Análise por estratégias alternativas utilizadas

IM IC AD FT PM IL IA 6º ano (N=25)

29% 0.3% 4% 20% 9% 13% 4%

9º ano (N=23)

55% 1% 1% 16% 8% 3% 1%

TOTAL (N=48)

41% 1% 2% 18% 8% 8% 3%

Quadro 22 Percentagem de utilização de estratégias alternativas de interpretação da metáfora, para além da interpretação metafórica

Quando um aluno não interpretou a expressão metafórica associando

características do veículo ao tópico, de forma a esclarecer este último,

considerou-se que utilizou estratégias alternativas de interpretação.

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9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas

152

Nos dois anos, quinhentas e quarenta e quatro expressões não foram

interpretadas metaforicamente, mas os alunos utilizaram estratégias

alternativas para lidar com elas. No quadro 22, encontram-se essas estratégias,

segundo a codificação atrás apresentada (ver secção 9.2.4 e quadro 16) e a

percentagem de alunos que as usaram.

No sexto ano, as estratégias alternativas de interpretação foram usadas

em trezentos e cinquenta e dois casos. Na maioria das vezes, os alunos

recorreram à focalização arbitrária em apenas um dos termos da frase,

ignorando o outro termo (uma percentagem idêntica à dos alunos que

realizaram a interpretação metafórica), ou interpretaram literalmente a

metáfora.

No nono ano, as estratégias mais utilizadas para lidar com as expressões

foram, novamente, a focalização arbitrária num dos termos da metáfora e a

realização da paráfrase, mantendo a metáfora.

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9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas

153

c) Análise segundo a acessibilidade da metáfora (metáfora familiar vs.

metáfora não familiar)

Metáforas Familiares (N=14) Interpretações

metafóricas Não fizeram/ não

interpretaram Estratégias alternativas

Freq. Absoluta

Freq. Relativa

Freq. Absoluta

Freq. Relativa

Freq. Absoluta

Freq. Relativa

6º ano (N= 25)

85 24% 69 20% 196 56%

9º ano (N=23)

161 50% 48 15% 113 35%

TOTAL (N=48)

246 37% 117 17% 309 46%

Quadro 23 Análise dos resultados globais das metáforas familiares

Metáforas não Familiares (N=14) Interpretações

metafóricas Não fizeram/ não

interpretaram Estratégias alternativas

Fr. Absoluta

Fr. Relativa

Fr. Absoluta

Fr. Relativa

Fr. Absoluta

Fr. Relativa

6º ano (N=25)

118 34% 75 21% 157 45%

9º ano (N=23)

191 59% 52 16% 79 25%

TOTAL (N=48)

309 46% 127 19% 236 35%

Quadro 24 Análise dos resultados globais das metáforas não familiares

Das vinte e oito metáforas, catorze eram familiares e catorze não eram

familiares. No sexto ano, houve oitenta e cinco interpretações metafóricas de

metáforas familiares (24%) e cento e dezoito de metáforas não familiares (34%).

No nono ano, os valores foram de cento e sessenta e uma para as metáforas

familiares (50%) e cento e noventa e uma para as não familiares (59%). No sexto

ano, houve sessenta e nove casos de metáforas familiares que os alunos não

conseguiram interpretar ou de que não fizeram as respectivas paráfrases (20%).

Relativamente às metáforas não familiares, esse número foi de setenta e cinco

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9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas

154

(21%). No nono ano, em quarenta e oito casos, os alunos não fizeram a tarefa ou

escreveram «não consigo interpretar» nas metáforas familiares (15%). Para as

não familiares, o valor foi de cinquenta e dois casos (17%).

d) Análise das estratégias aplicadas por tipo de metáfora

Metáforas Familiares (N=14) IM IC AD FT PM IL IA

6º ano (N=25) 24% 0,3% 3% 21% 11% 16% 5% 9º ano (N=23) 50% 1% 1% 17% 11% 4% 2% TOTAL (N=48) 37% 0,4% 2% 20% 11% 10% 3%

Quadro 25 Percentagem de estratégias de interpretação alternativa, para além da metafórica, utilizadas nas metáforas familiares

Metáforas não Familiares (N=14) IM IC AD FT PM IL IA

6º ano (N=25) 34% 0,3% 5% 18% 8% 11% 3% 9º ano (N=23) 59% 1% 1% 14% 5% 3% 1% TOTAL (N=48) 46% 1% 3% 16% 6% 7% 2%

Quadro 26 Percentagem de estratégias de interpretação alternativa, para além da metafórica, utilizadas nas metáforas não familiares

No que diz respeito às estratégias alternativas de interpretação das

metáforas, o facto de serem familiares ou não familiares pouco reflexo teve nos

resultados, tanto num ano lectivo como no outro, como se pode observar nos

quadros 25 e 26. As estratégias mais utilizadas, de que se tinha feito um

levantamento global (ver quadro 22), mantêm a sua distribuição quando se

efectua uma análise por tipo de metáfora. No sexto ano, quando não

procederam a uma interpretação metafórica, os alunos realizaram a paráfrase,

explicando apenas um dos termos da metáfora ou interpretando-a literalmente.

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9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas

155

No nono ano, as estratégias alternativas de interpretação de metáforas

familiares bem como de metáforas não familiares envolveram o esclarecimento

de um dos termos da metáfora ou a sua manutenção.

9.3.2 Discussão

Retomando as hipóteses estabelecidas no início deste estudo, considerou-

-se que:

Primeira hipótese – a capacidade de interpretação de metáforas

aumenta com a idade e o grau de escolaridade, pelo que os alunos do

sexto ano apresentam uma maior dificuldade em parafrasear

expressões metafóricas do que os alunos de nono ano;

Segunda hipótese – as metáforas familiares obtêm mais interpretações

metafóricas do que as não familiares, atendendo ao efeito de

frequência das palavras na língua. Itens muito familiares são mais

acessíveis, por estarem mais codificadas.

As variáveis testadas foram o nível de escolaridade dos alunos e a

familiaridade das metáforas. As estratégias alternativas de interpretação das

expressões metafóricas foram igualmente analisadas. A discussão que se segue

será orientada por esses elementos observados.

a) Efeito do nível de escolaridade

• Verifica-se uma evolução com a idade e com o grau de escolaridade da

capacidade de interpretar metáforas, pelo que a primeira hipótese parece

confirmada.

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9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas

156

Atendendo ao quadro 18, os alunos do sexto ano realizaram cerca de

metade das interpretações metafóricas daquelas realizadas pelos alunos do

nono. Para além disso, a quantidade de interpretações metafóricas feitas no

sexto ano é idêntica à quantidade de frases não interpretadas (29% e 21%,

respectivamente). Acrescente-se a isto que 56% dos alunos deste ano lectivo

apenas interpretaram metaforicamente cerca de um quarto das expressões,

enquanto no nono ano mais de metade dos alunos obteve entre 60% e 80% de

interpretações metafóricas (ver quadros 19 e 20).

Apenas uma expressão obteve mais interpretações metafóricas dos

alunos do sexto ano do que dos alunos do nono – a metáfora familiar número

oito, O amor é fogo. No nono ano houve seis interpretações metafóricas da

expressão. No sexto ano, oito alunos interpretaram-na conforme o esperado,

sendo que as suas paráfrases também foram mais ricas e variadas do que as dos

alunos mais velhos. Talvez estes factos se possam explicar pela idade dos

alunos de nono ano e pela sua maior sensibilidade ao tema do amor. Vários

sujeitos tiveram dificuldade em proceder a uma interpretação efectiva da frase,

perdendo-se em metáforas sobre o tema e em considerações pessoais.

Com estes dados afigura-se legítimo que se defenda uma evolução na

apropriação da linguagem metafórica. Vários podem ser os factores que

influenciam essa evolução. Desde logo, a maturação cognitiva dos sujeitos e o

desenvolvimento do seu pensamento simbólico, que permite realizar mais

ligações entre conceitos diversos. Por outro lado, pode ser determinante a maior

competência de leitura e de trabalho de interpretação e a superior familiaridade

com o léxico, adquiridas formalmente na escola ou através do conhecimento do

mundo. De referir que sete alunos do sexto ano pediram esclarecimentos sobre

o vocabulário das metáforas. As suas dúvidas incidiram sobre as palavras

‘enigma’ (quatro alunos), arca (dois alunos) e Amazónia (um aluno). Sem

saberem os significados convencionais das palavras, os alunos, obviamente, não

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9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas

157

são capazes de estabelecer relações entre os dois domínios semânticos da

metáfora.

Paula Menyuk (1987) realça as hipóteses levantadas no parágrafo

anterior para explicar os factores envolvidos no desenvolvimento das

capacidades dos sujeitos em lidarem com as metáforas, sem, no entanto, atribuir

preponderância a algum deles: «The question is: Are these abilities dependent on

levels of thinking or on other factors, such as the ability to process the language of the

metaphor or the familiarity with the references made in the metaphor (…) or on reading

competence?» (pág. 156)

b) Efeito da acessibilidade da metáfora

• A acessibilidade da metáfora, ou seja, a sua familiaridade ou não

familiaridade, o facto de ser inactiva ou activa, não produziu o efeito

esperado. Verificou-se um aumento de interpretações metafóricas entre

as metáforas activas, pelo que a hipótese número dois foi infirmada.

Tomando em consideração os resultados obtidos pelo estudo de Faísca

(2004), que indicavam um aumento de interpretações metafóricas em metáforas

mais familiares, e sabendo-se o efeito facilitador que a elevada frequência de

itens tem em diversas tarefas, previa-se que os sujeitos realizassem mais

interpretações metafóricas das metáforas familiares do que das não familiares

(hipótese dois). Tal não sucedeu, verificando-se, inclusive, um aumento de

interpretações metafóricas entre as metáforas não familiares nos dois anos. A

frase com mais interpretações metafóricas foi a metáfora familiar número

catorze, Uma pessoa é um enigma. Trinta e quatro alunos leram-na de acordo com

os parâmetros estabelecidos para a realização de uma interpretação metafórica.

No entanto, a metáfora não familiar número vinte e um (A educação é um

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9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas

158

caminho sem fim.) obteve trinta e três interpretações metafóricas, ou seja, um

número idêntico ao da metáfora familiar referida.

Uma explicação que se pode avançar para o facto de não se verificarem

mais interpretações metafóricas das expressões familiares é a de que talvez as

metáforas escolhidas, sendo, em princípio, inactivas, mantêm ainda, pelo menos

para alunos destas faixas etárias, força suficiente para que o seu significado não

seja transparente e não tenha sido já por eles incorporado. Por outro lado,

mesmo que eles as conheçam e as consigam aplicar no dia-a-dia, talvez não

consigam tornar explícito o seu significado, equiparando-se, desta forma, estas

metáforas às não familiares.

O problema pode ainda ter a ver com a natureza das palavras. Metáforas

com tópicos mais concretos, como ‘cliente’, ‘Amazónia’, ‘livro’, ‘amigo’, ‘filho’,

‘sorriso’, etc., apresentam um número mais elevado de interpretações

metafóricas (mais de vinte), independentemente de a metáfora ser familiar ou

não familiar (ver quadro 21). Pelo contrário, metáforas com tópicos mais

abstractos, como ‘tempo’, ‘parar’, ‘amor’, ‘vida’, ‘sorte’, …, tiveram menos de

quinze interpretações metafóricas. É, com certeza, mais difícil, falar de conceitos

abstractos. Há metáforas com tópicos não concretos que obtiveram um número

mais elevado de interpretações metafóricas, tais como ‘inteligência’,

‘preocupações’, ‘tristeza’, etc., no entanto, todas as metáforas com quinze ou

menos interpretações metafóricas têm tópicos abstractos. A única excepção a

este caso á a da metáfora número vinte e seis, A água é ouro, com um tópico

concreto, mas que apenas dez alunos conseguiram interpretar metaforicamente.

Metade dos alunos utilizou a estratégia FT (Focalização num dos Termos) para

parafrasear esta metáfora, fixando-se sempre no sujeito, a água. Neste caso,

parece verificar-se o efeito da representação do léxico. ‘Água’ remete para um

tópico ambiental muito actual e muito presente na vida dos alunos, no qual eles

se focaram, produzindo interpretações como as seguintes:

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9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas

159

(1) Porque a água é essencial à vida e sem ela não podemos viver (AV6B)

(2) A água é algo necessário para a vida humana. (AM9A)

(3) Sem água o nosso organismo não funciona como devia. (PD9A)

Uma última explicação para o facto de haver mais interpretações

metafóricas de expressões não familiares do que de familiares pode encontrar-

-se no efeito de viés do investigador. As metáforas familiares têm o seu sentido

mais codificado na língua do que as não familiares. Estas são metáforas activas,

não estão lexicalizadas, admitem interpretações mais livres. É possível que o

investigador tenha tido a tendência para aceitar como metafóricas mais

paráfrases destas expressões do que das familiares.

c) Análise das estratégias alternativas de interpretação

• Os alunos mais novos têm mais tendência para lerem de forma literal as

metáforas apresentadas do que os alunos mais velhos.

As estratégias alternativas de interpretação foram alvo de análise, de

forma a perceber até que ponto o desenvolvimento etário modifica as

estratégias de processamento das expressões metafóricas.

Nos dois anos, a forma preferencial como os alunos lidaram com as

expressões apresentadas, sempre que não realizaram a interpretação metafórica,

foi concentrarem-se em apenas um dos termos da metáfora e reduzir a

paráfrase à sua explicação. O termo distinguido para ser comentado foi, na sua

maioria, o tópico. Das duzentas e quarenta e nove frases interpretadas através

desta estratégia, em duzentas e quarenta e uma os alunos focaram-se no tópico

e em apenas oito os alunos comentaram o veículo. Daqui se pode extrair a força

desta estrutura predicativa. A ordem dos termos tem efeitos claros sobre o

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9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas

160

processamento da expressão. A focalização no tópico estava prevista e foi

comentada na secção 9.2.4. O tópico da metáfora, ou seja, o sujeito da frase,

encontra-se em situação preferencial para centrar em si a atenção da análise,

uma vez que é a primeira referência da frase, é o sujeito e está em posição de

tópico.

Um dos objectivos que presidiram à análise das estratégias alternativas à

interpretação metafórica foi o de verificar se os alunos de sexto ano recorriam

mais à interpretação literal do que os alunos mais velhos. A literatura aponta

para uma maior tendência das crianças mais novas para efectuarem uma leitura

literal de expressões com palavras que podem ter significado denotativo e

conotativo (Menyuk, 1987). Na análise dos dados obtidos, e tendo sido

consideradas as várias estratégias alternativas, comprova-se que a interpretação

literal é marcante na caracterização do perfil do sexto ano versus nono ano. No

final do segundo ciclo, os alunos têm tendência para lerem de forma concreta e

literal as expressões apresentadas, enquanto nos alunos de nono ano essa é uma

estratégia residual (ver quadro 22). A capacidade para perceber o sentido

conotativo e figurado dos termos evolui com a idade e com o aumento da

competência linguística (Menyuk, entre outros). Com catorze anos, os sujeitos já

possuem mais ferramentas de leitura do mundo, decorrentes da sua experiência

pessoal e do conhecimento linguístico, que podem aplicar na interpretação e

esclarecimento de frases simbólicas. Pelo contrário, no sexto ano, a par das

interpretações metafóricas que a maior parte dos alunos já faz, ainda se verifica

a tendência para eles se deterem no sentido denotativo das palavras.

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10. Discussão de resultados e implicações didácticas

161

10. DISCUSSÃO DE RESULTADOS E IMPLICAÇÕES DIDÁCTICAS

Estes dois estudos foram pensados para testar a compreensão de

metáforas inseridas em textos e em frases, por parte de alunos de final de

segundo e terceiro ciclos. No Estudo 1 – Compreensão de Textos com Metáforas

- os dados obtidos são mais indirectos, porque resultam de uma tarefa de

compreensão, com respostas fechadas, dadas pela investigadora. No Estudo 2 –

Paráfrase de Metáforas - os dados já são mais directos, decorrentes de uma

tarefa de produção livre. Neste capítulo serão confrontados e discutidos os

resultados dos dois estudos. Tendo este sido um estudo exploratório orientado

para o universo escolar do ensino básico, serão igualmente retiradas algumas

implicações didácticas.

10.1 Discussão dos resultados obtidos nos dois estudos

Em primeiro lugar, os dois estudos fornecem evidências para a evolução

com a idade da compreensão da linguagem metafórica. Os alunos mais velhos

perceberam melhor os textos com metáforas e realizaram mais interpretações

adequadas das frases metafóricas apresentadas.

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10. Discussão de resultados e implicações didácticas

162

Em segundo lugar, e apesar de se verificar esta evolução positiva com a

idade e com a maturação cognitiva, a linguagem metafórica não deixa de

apresentar problemas para os alunos de nono ano. No Estudo 1, as questões que

testavam o conhecimento metafórico foram as mais exigentes, tomando em

consideração a elevada percentagem de erro obtida por esses sujeitos,

relativamente aos restantes itens. No Estudo 2, o número de interpretações não

metafóricas e de frases não interpretadas foi igualmente significativo nesse ano

lectivo. Daqui se conclui que o domínio da linguagem metafórica não pode ser

considerado totalmente adquirido no final do ensino básico.

Em terceiro lugar, confrontando os resultados dos dois estudos, parece

lícito afirmar que os alunos têm mais dificuldade em parafrasear uma metáfora

do que em percebê-la. Limitando-nos apenas aos resultados das questões do

Estudo 1 que testavam o conhecimento metafórico, apenas quatro alunos (6%),

dos setenta do sexto ano, as erraram todas. No nono ano, dois alunos (3%)

erraram todas essas questões metafóricas e a maior parte deles (53%) respondeu

correctamente a todas elas. No geral, os alunos percebem, portanto, que o

significado das frases testadas ultrapassa o que está escrito. Mas a tarefa de

produção do Estudo 2 revelou-se substancialmente mais complexa. A maioria

dos alunos do sexto ano realizou uma interpretação metafórica de apenas um

quarto das expressões apresentadas (ver quadro 19). No nono ano, nenhum

aluno interpretou metaforicamente a totalidade das frases.

Este dado confirma a escala de apropriação de linguagem figurada

proposta por Paula Menyuk (1987) e esclarecida no início deste capítulo. Essa

escala prevê que a compreensão da metáfora anteceda a sua paráfrase e

interpretação. No período inicial da infância (early childhood), entre os três e os

sete anos, as crianças manifestam perceber expressões metafóricas, mas a

capacidade para falar sobre essas frases vem posteriormente, ocorrendo na fase

central da infância e adolescência (middle childhood and adolescence), entre os sete

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10. Discussão de resultados e implicações didácticas

163

e os catorze anos. Para além disso, verifica-se que a capacidade para interpretar

metáforas se desenvolve com a idade e com o aumento da competência

linguística.

É interessante cruzar os dados dos cinco alunos do sexto ano que não

conseguiram interpretar nenhuma ou apenas uma metáfora do Estudo 2 com os

seus resultados no Estudo 1. O sujeito DB, que não interpretou metaforicamente

nenhuma expressão do Estudo 2, errou em 66% das questões colocadas aos três

textos do Estudo 1, tendo, inclusive, assinalado incorrectamente todas as alíneas

das questões que testavam o conhecimento metafórico. Este aluno, tem,

claramente, dificuldades na interpretação de textos e a linguagem metafórica

apresenta-se como problemática para ele. Relativamente aos outros sujeitos, o

cruzamento de dados não apresenta uma leitura tão evidente. O aluno EK, não

conseguiu, igualmente, realizar nenhuma interpretação metafórica do Estudo 2.

No que diz respeito ao Estudo 1, errou em 33% das questões e, nos itens sobre o

conhecimento metafórico, respondeu correctamente a um (em três). Os três

alunos que apenas fizeram uma interpretação metafórica do Estudo 2 (FV, FA e

MF) obtiveram, no Estudo 1, uma percentagem global de erros inferior a 47% e

cada um deles apenas errou numa questão incidente sobre a compreensão

metafórica. Mais uma vez se verifica a distinção entre compreender e tornar

evidente essa compreensão em tarefas como a das paráfrases.

Em quarto lugar, estes dois estudos levantam questões metodológicas

pertinentes. Nos itens de resposta fechada, pode delimitar-se muito bem o que

se pretende testar, reduzindo-se o risco de estarem implicados nas respostas

factores como a dificuldade de escrita, por exemplo. No entanto, testes com este

tipo de questões têm sido alvo de críticas, porque os sujeitos estão

condicionados às alternativas que o investigador lhes apresenta e não é

permitido que sejam apresentadas hipóteses diferentes de resposta. Devido a

estas objecções, pensou-se num teste de produção livre (Estudo 2). No entanto,

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10. Discussão de resultados e implicações didácticas

164

também este género de tarefa gera dúvidas ao serem analisadas as respostas

obtidas. Para além de causarem mais problemas na codificação e no tratamento

de dados, não se pode ter a certeza da natureza das dificuldades dos sujeitos.

Relativamente ao estudo em questão, procurou-se testar a compreensão de

frases metafóricas, pelo que se pediu aos alunos que parafraseassem diversas

metáforas. Os resultados obtidos indicam que os alunos de sexto ano têm mais

dificuldades em lidar com expressões metafóricas do que os do nono, tendo em

conta a sua prestação, em que o número de interpretações metafóricas feitas se

aproxima ao de frases não interpretadas. A questão que se pode levantar é se

esse facto reflecte a dificuldade que esses alunos manifestam em processar a

informação apresentada e compreender as frases ou se espelha um esforço

suplementar de produção, revelando que estes sujeitos têm uma menor

habilidade de escrita do que os alunos mais velhos.

Para concluir, outras questões metodológicas se colocaram com a

realização destes estudos, realçando a dificuldade em se construírem bons

materiais para testar a compreensão. Esta envolve muitos factores, para além

dos conhecimentos linguísticos. Entre esses factores contam-se as próprias

características individuais, o estilo cognitivo dos sujeitos. De acordo com

Schütze, «grammaticality judgments result from interactions among primary language

faculties of the mind and general cognitive processes.» (1996: xi). Esses processos

cognitivos podem ser afectados pela construção dos estímulos, o tempo da

tarefa, as instruções, etc. Para além disso, há que contar com a forma

imprevisível como algumas variáveis se relacionam entre si. Todos estes são

factores a considerar na construção dos materiais, não se conseguindo, no

entanto, garantir que os resultados reflictam apenas o que se pretende testar.

Na concepção do Estudo 1, essa dificuldade e imprevisibilidade sobre as

implicações de certas questões foram particularmente sentidas. Há perguntas

nesse estudo que testam determinado tipo de compreensão, mas que, pela

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10. Discussão de resultados e implicações didácticas

165

forma como são formuladas, mobilizam outras capacidades. Esse foi o caso da

questão T3_Q4_L_LP: O que são as sequências mudas de ADN? O item testa a

compreensão literal do texto, uma vez que a resposta se encontra aí explícita e

recai sobra a identificação de um conceito. No entanto, os alunos têm de lidar

com a metáfora da pergunta, o que mobiliza a sua capacidade de descodificação

não literal e pode, novamente, condicionar a resposta. Por outro lado, há

respostas induzidas por representações prévias que os sujeitos já possuem e que

são activadas pela forma como a questão está formulada, como é o caso dos

itens T2_Q2_L_LP e T1_Q4_L_LP dos textos T1_Harry e T2_Skate, comentados

na secção 7.1.3.2 a).

Também no Estudo 2 se verificou a dificuldade em construir materiais

que testem exactamente o que se pretende. Fazia parte do objectivo desse

estudo verificar se as metáforas familiares provocavam mais interpretações

metafóricas do que as não familiares. No entanto, as metáforas seleccionadas

como familiares talvez não o fossem para os alunos.

10.2 Implicações didácticas

A natureza cognitiva da metáfora torna-a num instrumento didáctico

muito apreciado. As características que potenciam esta sua função foram

mencionadas e analisadas ao longo do trabalho. Sinteticamente, podem ser

referidas as seguintes:

- Através da metáfora, um determinado domínio é conceptualizado

nos termos de outro. Normalmente um domínio mais concreto,

mais próximo da realidade de quem o aplica é utilizado para

tornar mais claro um domínio abstracto ou menos objectivo.

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10. Discussão de resultados e implicações didácticas

166

- A metáfora combina muitas vezes uma natureza verbal com uma

natureza pictórica. Quando se activa um domínio mais concreto

ele é frequentemente mais imaginável e susceptível de ser

associado a uma representação visual.

- As imagens que cada pessoa associa a um determinado domínio

têm uma natureza muito idiossincrática, provenientes de

experiências pessoais. A natureza imagética da metáfora liga-a,

muitas vezes, ao campo das emoções e da afectividade (Goatly,

1997).

- A coligação inesperada entre dois domínios gera surpresa e

estranheza, efeitos que captam a atenção e que se resolvem

criativamente ao se perceber a analogia.

- A metáfora amplifica deliberadamente uma determinada

característica, contribuindo para o destaque da informação

(foregrounding).

- Estes factores – surpresa, emoção, ligação a imagens, aproximação

a um domínio mais familiar, destaque da informação – promovem

a retenção da metáfora e do seu conteúdo na memória a longo

prazo.

- A metáfora condensa muita informação (chunks of information)

verbal e não verbal, que, de outra forma, não seria possível

transmitir, por questões de inexpressibilidade e de economia

cognitiva.

Duas destas características, com consequências particularmente

relevantes a nível educacional, são agora destacadas: a metáfora facilita o acesso

ao novo conhecimento, estabelecendo relações com o que já se sabe, e permite

também armazenar muita informação de uma forma concisa.

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10. Discussão de resultados e implicações didácticas

167

O acesso a novos conceitos e a novos conhecimentos faz-se,

obrigatoriamente, sobre aquilo que já se conhece. Estabelecendo a metáfora

uma relação conceptual entre dois domínios distintos, apresenta-se como uma

ferramenta privilegiada na aprendizagem, permitindo a activação de schemata já

adquiridos, que serão aplicados na apreensão e esclarecimento de um novo

conceito - «metaphors contain the ingredients for producing new knowledge domains

from old ones» (Sticht, 1979: 481). Os pedagogos, os autores de manuais escolares

e os que se dedicam à divulgação de conhecimentos intuitivamente apercebem-

se disso e recorrem abundantemente à metáfora. Várias investigações foram

feitas, tendo como objectivo perceber a sua utilização em textos científicos

escolares (Curtis e Reigeluth, 1984; Woudstra, 1989; Monteiro e Justi, 2000) e

concluiu-se que ela é usada frequentemente. Em Portugal, o uso didáctico da

metáfora em disciplinas como a matemática e as ciências tem sido tema de teses

de mestrado e doutoramento (Oliveira, 2006; Pombo, 2006; Lobo, 2001; Carreira,

1999), o que comprova o interesse que o assunto suscita.

O uso da metáfora no ensino associa a vantagem de facilitar a

aprendizagem com o facto de permitir uma melhor retenção da nova

informação na memória a longo prazo. E fá-lo de uma forma particularmente

atraente, através do seu poder imagético. Vários autores (Beck, 1978; Paivio,

1979; Draaisma, 2000; Goatly, 1997) têm entendido a metáfora como operando

em dois níveis diferentes – um nível linguístico e outro visual. Paivio denomina

esta característica de dual coding. A metáfora, na visão destes autores, combina

uma natureza verbal com uma visual e funciona entre esses dois campos. A

associação promovida pela metáfora a imagens torna-a, novamente, muito

interessante como ferramenta didáctica, levando Draaisma a referir-se a esta

função como ‘the Comenius function of metaphor’ (2000: 18), por este pedagogo

defender que o uso de imagens na educação facilita a aprendizagem. Associar

conceitos a imagens, a domínios mais concretos da experiência, promove a sua

compreensão e memorização.

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10. Discussão de resultados e implicações didácticas

168

Directamente associado à sua natureza pictórica, está o facto de a

metáfora facilitar o armazenamento na memória de muita informação, de uma

forma compacta («tool for cognitive economy», Sticht, 1979: 475). Através da

metáfora apreende-se todo um conceito e a ele acede-se, recuperando-a.

Estas características fazem da metáfora, tal como afirmado

anteriormente, uma estratégia de ensino muito valorizada. No entanto, e

tomando em consideração os resultados do presente estudo, é necessária

alguma cautela na sua utilização didáctica.

Por um lado, a capacidade de interpretação metafórica evolui com a

idade e pode ficar comprometida se o pensamento simbólico do aluno não

estiver suficientemente bem estabelecido. Principalmente com alunos mais

novos, convém tomar em linha de conta que muitos poderão não perceber a

analogia feita por ainda não conseguirem distinguir entre uma palavra utilizada

de forma concreta e utilizada simbolicamente. O resultado de vários alunos do

sexto ano que participaram no Estudo 2 reforça esse facto. Cinco desses vinte e

cinco alunos realizaram uma ou nenhuma interpretação metafórica das vinte e

oito frases distribuídas (ver quadro 19).

Relativamente aos alunos mais velhos, apesar de se ter verificado que a

compreensão das metáforas evolui positivamente com a idade, as mesmas não

deixam de suscitar dificuldades, atendendo aos resultados obtidos nos dois

estudos.

Por outro lado, a compreensão da metáfora está directamente

relacionada com vários factores, tais como a complexidade da sua estrutura, a

competência linguística dos alunos e a sua familiaridade com os termos da

expressão. Relativamente a este último factor, o professor pretende, através de

uma metáfora, esclarecer um determinado domínio fonte (source domain) através

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10. Discussão de resultados e implicações didácticas

169

de um domínio alvo (target domain) mais conhecido e, usualmente, mais

concreto. No entanto, tem de se assegurar de que os alunos estão realmente

familiarizados com o domínio alvo, pois, não estando, não conseguirão

descodificar a metáfora. O conhecimento lexical dos alunos pode ser, à partida,

um obstáculo à compreensão. Por outro lado, os esquemas mentais que

determinado domínio activa podem não ser igualmente compartilhados,

principalmente em contextos multiculturais (cf. resultados de Coimbra e

Bendiha, 2004).

Os resultados do Estudo 1 parecem ainda sugerir que a compreensão e

retenção da metáfora só acontecem quando o conteúdo onde ela se integra, no

seu todo, foi bem percebido. Esse tem de ser o papel do professor – interagir

com o aluno de forma a garantir que ele percebeu o assunto e que compreendeu

a razão de se fazer determinada analogia. Como foi realçado no início, a

associação não convencional e inesperada presente muitas vezes numa

metáfora gera estranheza e confusão inicial (Sticht refere que a metáfora induz

‘cognitive anomaly’, 1979: 476). O efeito surpresa prende a atenção. No entanto, o

aluno tem de conseguir resolver a perplexidade inicial, tem de possuir os

instrumentos necessários para compreender as implicações da metáfora, pelo

que não convém que a estranheza causada seja demasiado grande ou que o

aluno seja deixado sozinho na sua resolução. Uma vez percebida, a metáfora

pode realmente favorecer a integração do novo conhecimento.

Por último, deve ter-se presente as implicações de um mecanismo tão

sedutor como é o metafórico. Quando ele promove uma conceptualização

efectiva de um domínio em termos de outro, a sua força expressiva é muito

acentuada. De acordo com Steen, «when metaphors are highly appropriate

(conceptually) they are also highly persuasive (communicatively) and natural

(emotively).» (Steen, 1994: 195, apud Goatly, 1997: 152). Mas esse efeito pode ser

perverso, se não for utilizado de maneira adequada. Por um lado, a metáfora

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10. Discussão de resultados e implicações didácticas

170

molda e restringe a forma de se encarar um assunto. Goatly (1997) apresenta

como exemplo a teoria que descreve a luz como uma onda. Essa imagem era,

em certos aspectos, incompatível com as características da luz, pelo que foi

necessário complementá-la com a teoria da partícula. Se se apresentar a luz

apenas como uma onda, ignorar-se-ão aspectos essenciais e assumir-se-ão

outros que não estão correctos. Por outro lado, a associação presente numa

metáfora não pode ser totalmente aceite nem pode ser feita de uma forma

pouco crítica. A é apresentado em termos de B, mas quem ouve tem de perceber

que A não é B e tem distinguir o que é decisivo nessa analogia, que se pode

aplicar a A, e o que não é relevante ou apropriado. Entendendo-se a metáfora

como um predicado de inclusão em classes, é preciso estabelecer a categoria em

que o tópico se insere, por intermédio do veículo. Um aluno pode não o

conseguir fazer. No Estudo 2 isso verificou-se, quando os sujeitos seleccionaram

traços irrelevantes do veículo, que não esclareceram o tópico, resultando em

interpretações não metafóricas (estratégia AD, secção 9.2.4). Mais uma vez, tem

de ser o professor a acompanhar o aluno na sua apropriação da metáfora - «The

price of metaphor is eternal vigilance», Arturo Rosenblueth e Robert Wiener22.

22 Arturo Rosenblueth e Robert Wiener apud Leowontin, R. C. (2001). In Science, Feb 16 (p.

1264).

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11. Conclusões

171

11. CONCLUSÕES

Com este trabalho, propus-me realizar um estudo psicolinguístico sobre

a compreensão da metáfora. Tendo definido como universo da investigação o

público escolar do ensino básico, pretendi perceber de que forma uma

linguagem codificada, como a metafórica, afecta a compreensão de sujeitos em

final de segundo e terceiro ciclos de escolaridade.

Antes do trabalho experimental, foi feita uma revisão de conceitos

essenciais para o estudo da metáfora, como as noções de significado e de

linguagem literal versus linguagem metafórica. Foi ainda realizado um

enquadramento teórico do assunto, tendo-se explorado diversas formas de

perspectivar as metáforas, desde as teorias mais tradicionais às

contemporâneas.

Foram igualmente analisadas algumas investigações psicolinguísticas

relevantes para o tema e que serviram de base para a elaboração do desenho

experimental deste trabalho. Da mesma forma, definiu-se uma classificação de

metáforas, essencial para a segunda parte da tese.

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11. Conclusões

172

De acordo com a informação teórica recolhida, foram concebidos os

estudos exploratórios, com os quais se pretendeu analisar as seguintes questões:

- A compreensão de metáforas e de textos com metáforas evolui

positivamente com a idade?

- A compreensão de conteúdo metafórico é mais exigente, do ponto de

vista cognitivo, do que a compreensão de conteúdo literal?

- A metáfora, pela sua capacidade de compactação de conteúdo e poder

imagético, contribui para uma adequada interpretação e retenção da

informação?

- A familiaridade das metáforas facilita o seu processamento?

- As estratégias para lidar com as metáforas são diferentes, conforme o

nível etário e escolar dos sujeitos?

O Estudo 1 consistiu num teste de compreensão de leitura de textos com

metáforas, através de uma tarefa de escolha múltipla. O Estudo 2 foi um teste

de produção, no qual os alunos parafrasearam catorze metáforas familiares e

catorze metáforas não familiares.

Apesar de estes testes terem sido aplicados a um universo reduzido de

sujeitos, os dados obtidos permitem chegar a algumas conclusões.

Os alunos do nono ano compreendem melhor textos com metáforas e

têm também mais facilidade em interpretá-las. Desta forma, parece que a

apropriação da linguagem metafórica evolui com a idade, o que quer dizer que

o desenvolvimento cognitivo afecta o processamento deste tipo de linguagem.

Outros factores podem estar igualmente implicados nesta evolução, como a

maior competência linguística dos alunos mais velhos.

Embora os alunos de nono ano lidem melhor com a linguagem

metafórica, esta não deixa de apresentar dificuldades. A informação expressa

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11. Conclusões

173

metaforicamente parece ser de processamento mais complexo do que aquela

apresentada de forma não metafórica. Da mesma maneira, a interpretação

adequada de metáforas, ainda que mais frequente entre alunos mais velhos, não

deixa de estar condicionada a diversos factores, tais como a complexidade

linguística da frase ou o maior grau de abstracção do tópico.

Pela sua capacidade de compactação de conteúdo, as metáforas

condensam muita informação. No caso dos textos do Estudo 1, muitas delas

continham em si o assunto global. Este facto pode ser uma vantagem, mas

implica que os alunos percebam muito bem o que leram, para que a metáfora

seja bem compreendida. As questões que testavam a compreensão metafórica

envolveram um grau de dificuldade acrescido, a julgar pela elevada

percentagem de erros, pelo que se afigura legítimo considerar esta informação

como sendo de mais difícil processamento.

Relacionado com o parágrafo anterior, regista-se o facto de não ser

garantido que a metáfora contribua para a boa interpretação e integração do

conteúdo. Para que tal aconteça, os alunos têm de perceber bem o texto, caso

contrário, o seu efeito de recuperação de assunto é anulado.

Muitos factores parecem estar envolvidos na compreensão e

interpretação das metáforas. No caso do Estudo 1, verificou-se o efeito de tema.

Seria natural que textos com assuntos mais próximos do quotidiano, mais

gerais, fossem mais fáceis de compreender do que aqueles mais específicos. Esta

percepção não foi confirmada. Os textos sobre desporto, apesar de serem sobre

um tema específico, não se revelaram muito problemáticos para os sujeitos

testados. O texto T2_Skate abordava um desporto muito próximo e muito do

agrado dos jovens, tendo sido o texto mais acessível para os dois anos. No que

diz respeito ao texto T4_Futebol, lido apenas pelos alunos do nono ano, o seu

conteúdo foi igualmente transparente para a maioria dos sujeitos, apesar das

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11. Conclusões

174

diversas expressões metafóricas que continha e da linguagem muito

especializada. Neste caso, o conhecimento prévio parece ter sido determinante,

pelo que se depreende que quanto mais próximos os sujeitos estiverem do

tema, independentemente de ele ser geral ou específico, mais facilitado parece

estar o processamento da linguagem metafórica. Em contraste com os textos

T2_Skate e T4_Futebol, a informação dos textos específicos sobre ciências,

T3_ADN e T5_Panspermia, revelou-se mais difícil de ser integrada, ainda que

localmente bem tratada pelos alunos. Para eles construírem para estes textos

uma representação coerente, tinham de activar os seus conhecimentos prévios

sobre várias noções específicas (ADN, genes, meteoritos, cosmos, …). Se esses

esquemas mentais não fossem recrutados, a informação perder-se-ia, o que

parece ter acontecido a vários dos sujeitos testados.

Relativamente ao Estudo 2, também se verificou que a compreensão e

interpretação das metáforas não se encontra apenas dependente da maturação

cognitiva dos sujeitos. O conhecimento lexical dos alunos é determinante para

que eles consigam lidar com a expressão apresentada. Por outro lado, o efeito

da representação lexical pode também interferir na tarefa. Se os alunos forem

particularmente sensíveis a um dos constituintes da metáfora, podem

‘sobreactivar’ os seus conhecimentos sobre esse termo e ignorar o outro.

Concluiu-se ainda que metáforas com tópicos mais concretos obtiveram mais

interpretações metafóricas do que aquelas com tópicos mais abstractos. A

metáfora é frequentemente utilizada para esclarecer tópicos de carácter mais

abstracto, associando-lhe veículos de natureza normalmente mais material,

mais objectiva. A conclusão a que se chegou com este estudo não compromete

esse funcionamento da metáfora, apenas reforça a dificuldade acrescida em

lidar com temas menos concretos e a necessidade de familiarizar os alunos com

o assunto. Só assim a compreensão da metáfora será efectiva.

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11. Conclusões

175

Uma última observação decorrente dos resultados obtidos relaciona-se

com as estratégias utilizadas pelos alunos das duas faixas etárias para lidarem

com as metáforas. Verificou-se que os alunos do sexto ano recorrem muito mais

à leitura literal das expressões do que os alunos mais velhos. Este dado reforça a

noção de que o professor deve verificar se os alunos compreenderam realmente

a metáfora utilizada, principalmente os mais novos, que podem ter dificuldades

em descodificar o sentido conotativo das palavras.

No final do capítulo sete, referiram-se algumas implicações didácticas

dos resultados obtidos nestes estudos. O cuidado que se aconselha no uso de

metáforas por parte de pedagogos e de autores de manuais não pretende

desmotivar estes profissionais a utilizarem-nas. A metáfora é uma ferramenta

de organização cognitiva essencial e, se bem utilizada, ajudará certamente o

aluno a perceber a informação e a retê-la, para utilização futura. Quem recorre

às metáforas para ‘ilustrar’ e clarificar um assunto só tem de se assegurar de

que ela é suficientemente eficaz, relevante e acessível para os seus destinatários.

Alguns dados apresentados beneficiariam se fossem aprofundados em

investigações futuras. Tendo-se verificado o efeito de tema no Estudo 1, seria

interessante pensar na amostra em função de traços que caracterizassem os

sujeitos como mais ou menos possuidores de conhecimentos prévios. No ensino

básico é difícil proceder a essa distinção de perfis em função dos seus

conhecimentos mais ou menos especializados, mas no ensino secundários isso

já seria possível, tendo em consideração a área de estudos dos alunos.

O efeito de tema também pode ser explorado em função de outras

hipóteses. Novamente no Estudo 1, verificou-se o efeito de sexo relativamente à

compreensão de um texto sobre futebol, cujo tema é culturalmente mais afecto

aos homens do que às mulheres. Esta seria uma matéria de investigação a

aprofundar, definindo-se o tema do texto como variável independente.

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11. Conclusões

176

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Anexos

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ANEXOS

Anexo I – Texto T1_Harry com perguntas

Anexo II – Texto T2_Skate com perguntas

Anexo III – Texto T3_ADN com perguntas

Anexo IV – Texto T4_Futebol com perguntas

Anexo V – Texto T5_Panspermia com perguntas

Anexo VI – Dados do estudo 1 – T1_Harry; T2_Skate; T3_ADN

Anexo VII - Dados do estudo 1 – T4_Futebol; T5_Panspermia

Anexo VIII – Dados do estudo 2 - paráfrases