texto 1ª aula

7
Noções introdutórias sobre a questão ambiental 1. Aspectos jus-filosóficos da questão ambiental A humanidade enfrenta atualmente graves problemas ambientais em decorrência do modelo de globalização econômica focado no consumismo e na industrialização; no uso depredatório dos recursos naturais. O modelo de sociedade dominante tem ignorado a mais fundamental de todas as questões: sua própria sustentabilidade. Por sua vez, a crise do modelo dominante, que assola a modernidade, acaba por produzir duas rupturas básicas: a ruptura das relações sociais e das relações do homem com a natureza. É a realidade! O processo civilizatório tem-se caracterizado por ser um processo de distanciamento entre os homens e de esquecimento do homem com a natureza; com sua própria natureza. Um modelo invertido de percepção: que separa o homem do ambiente em que vive e causa um distanciamento de sua própria percepção como ser, humano; do real significado da vida. A natureza, concebida como a fonte inanimada dos recursos naturais, da qual se pode tirar todo proveito para o desenvolvimento econômico, sem preocupação ou responsabilidades, com as consequências de uma exploração insustentável. Os recursos naturais ali, para ser apropriados, conforme o valor que as forças de mercado, os economistas, os planejadores oficiais a eles conferiram! Conclui SHELDRAK, “uma teoria mecanicista da natureza que hoje está encaixada na ortodoxia oficial do progresso econômico e que nos leva à crise ambiental e social por que passamos”.

Upload: marcia-tavares

Post on 13-Apr-2017

281 views

Category:

Education


74 download

TRANSCRIPT

Page 1: Texto 1ª aula

Noções introdutórias sobre a questão ambiental

1. Aspectos jus-filosóficos da questão ambiental

A humanidade enfrenta atualmente graves problemas ambientais em

decorrência do modelo de globalização econômica focado no consumismo e na

industrialização; no uso depredatório dos recursos naturais. O modelo de

sociedade dominante tem ignorado a mais fundamental de todas as questões:

sua própria sustentabilidade.

Por sua vez, a crise do modelo dominante, que assola a modernidade, acaba

por produzir duas rupturas básicas: a ruptura das relações sociais e das

relações do homem com a natureza.

É a realidade! O processo civilizatório tem-se caracterizado por ser um

processo de distanciamento entre os homens e de esquecimento do homem

com a natureza; com sua própria natureza. Um modelo invertido de

percepção: que separa o homem do ambiente em que vive e causa um

distanciamento de sua própria percepção como ser, humano; do real

significado da vida.

A natureza, concebida como a fonte inanimada dos recursos naturais, da qual

se pode tirar todo proveito para o desenvolvimento econômico, sem

preocupação ou responsabilidades, com as consequências de uma exploração

insustentável.

Os recursos naturais ali, para ser apropriados, conforme o valor que as forças

de mercado, os economistas, os planejadores oficiais a eles conferiram!

Conclui SHELDRAK, “uma teoria mecanicista da natureza que hoje está

encaixada na ortodoxia oficial do progresso econômico e que nos leva à crise

ambiental e social por que passamos”.

Page 2: Texto 1ª aula

1.1- Ética ambiental

Entendemos que a crise socioambiental que afeta todas as dimensões do

relacionamento humano é resultado de uma profunda crise civilizatória

ocidental, cuja raiz é o desencontro do homem com sua tradição, com seus

valores, com sua ética, com a visão do mundo fragmentada que objetifica a

natureza.

Mas qual será a resposta ética a tantas formas de atentado à vida, à natureza,

às quais, aparentemente, a sociedade vai se habituando, sem dar a

importância devida? O que dá ao ser humano direito a ter mais direito à vida?

Se o ser humano, racionalmente, entende os fatos, sabe planejar, decidir, por

que colocar em perigo a sua vida, a de outros seres; de todo o sistema

planetário? Por que causar danos irreparáveis, irreversíveis ao meio ambiente?

Por que comprometer o futuro das gerações vindouras?

Se nos diferenciamos dos outros seres por sermos racionais, dotados de

vontade livre, de capacidade para interagir em harmonia com a natureza,

com o tempo e o espaço, de interagir com nosso semelhante, por que não o

fazemos?

Que valores passam a fundamentar a existência do homem? Qual ética norteia

seus objetivos, seus passos?

Na realidade, o ser humano apresenta um paradoxo específico: se, por um

lado, socialmente, ele é ético, capaz de cuidar da natureza, potencializar sua

dinâmica interna, melhorá-la, por outro lado é capaz de feri-la, de destruí-la

sem qualquer responsabilidade.

Page 3: Texto 1ª aula

Ou seja, o homem privilegia seus direitos e esquece-se de seus deveres,

minimizando os sentimentos de obrigatoriedade em relação a seus pares e à

natureza*.

1.2 - Homem, direito e natureza

O desrespeito ao meio ambiente, à vida, à dignidade humana; o equilíbrio do

ambiente e a preocupação com a qualidade de vida do planeta, do homem e

de tudo o que vive é responsabilidade do Direito, em sua aplicação.

De um lado, o homem; de outro, a natureza, dissociados entre si; a natureza

percebida e tratada de forma fragmentada, utilitarista; legislada e protegida

em decorrência de interesses antropocêntricos, que visam à apropriação dos

recursos naturais em conformidade com as necessidades do mercado, da

globalização, da ordem econômica.

Na verdade, quando o Direito trata da proteção da natureza, não objetiva

proteger a natureza especificamente, mas sim de proteger o homem contra si

mesmo.

A natureza não é um sujeito de direito. Como não tem obrigações, tampouco

possui direitos. As formas de vida apresentam um significado próprio em si

mesmo.

A natureza não tem como se defender, e as alterações impostas ao seu

equilíbrio natural geram consequências, na maioria das vezes, irreversíveis.

Não se pode cobrar da natureza que ela seja injusta ou que degrade o

homem. Por ser juridicamente incapaz, vítima indefesa de agressões, precisa

de nossa permanente tutela. É a ética que se baseia na responsabilidade do

mais forte com o mais fraco.

Page 4: Texto 1ª aula

Daury César FABRIZ, em seu livro Estética do Direito, afirma que “os

fenômenos sociais contemporâneos impõem essa abertura ao Direito, sob pena

de o mesmo não se realizar como tal, ou de não alcançar as perversas práticas

sociais que hoje vêm imperando, subjacentes a uma variada lógica da

dominação”.

Ao se proteger a natureza em suas relações de equilíbrio, não se deve pensar

nesta interação apenas sob o enfoque antropocêntrico. É preciso buscar o

justo de convivência para todos os elementos que compõem a inter-relação

ecológica para ser harmoniosa.

O homem é apenas um dos elementos da cadeia que forma o repertório

ambiental e, como tal, não pode transgredir os limites deste inter-

relacionamento de forma irresponsável e injusta para os demais seres.

Ao Direito cabe regulamentar, sabemos bem, as relações sociais e a conduta

humana. Porém, para acreditarmos em mudanças, é necessário criar também

uma nova cultura jurídica que possa viabilizar os valores humanos referentes à

vida, à liberdade, à fraternidade e à dignidade da pessoa humana.

Torna-se necessária, desta forma, uma nova cultura jurídica que possa

abarcar um sentimento de respeito à natureza e a toda a vida que ela abriga.

Esses pressupostos estão implícitos nas seguintes palavras de Rupert

SHELDRAKE: “reconhecer a vida na natureza exige uma revolução na maneira

como vivemos a vida da natureza e exige uma revolução na maneira como

vivemos nossa vida”.

2- A crise ambiental: problemas ambientais

O progresso tecnológico e industrial, as conquistas da ciência, a exaltação à

racionalidade, o crescimento social e econômico, os ganhos introduzidos pela

Page 5: Texto 1ª aula

civilização moderna globalizada, geram, paradoxalmente, uma crise de

valores éticos; uma crise ambiental sem precedentes na história da

humanidade.

A natureza reage. Desastres ambientais atingem as mais diversas regiões,

causando danos, na maioria das vezes irreversíveis, com consequências

inestimáveis.

Não há mais como negar. A crise ambiental torna-se planetária; os problemas

ambientais, mais visíveis pelos meios de comunicação. Mudanças climáticas

atingem países, ricos e pobres; devastam regiões, causam inúmeros prejuízos;

destrói vidas.

Em inúmeros encontros nacionais e internacionais, cientistas, pesquisadores,

políticos, representantes do poder público, da sociedade civil organizada

denunciam a crise ambiental que se agiganta.

Convenções, declarações, tratados, protocolos, cartas, documentos são

assinados, proclamados, mas a realidade é inegável: os problemas ambientais

recrudescem, tornam-se cada vez mais intensos, incontroláveis*.

3- Principais problemas ambientais da atualidade

Podemos entender que os problemas ambientais podem ser locais ou globais,

ou melhor, transnacionais, pois ultrapassam as fronteiras entre os Estados.

Dentre os problemas ambientais da atualidade, destacam-se:

Aquecimento global - efeito estufa;

Mudanças climáticas (derretimento das geleiras, enchentes, frio ou

calor intenso; aumento do nível do mar, de tufões, furacões, tornados,

tempestades tropicais, ventanias)

Devastação das florestas; desmatamento;

Page 6: Texto 1ª aula

Destruição da camada de ozônio*

Chuva ácida;

Contaminação do solo e do subsolo, por disposição inadequada de lixos

domésticos, químicos, industriais e hospitalares; contaminação por

agrotóxicos; contaminação por resíduos nucleares;

Contaminação química da atmosfera: aumento de gases e particulados

com ação tóxica sobre os seres vivos;

Degradação do solo devido à mineração; degradação dos solos

cultiváveis;

Poluição dos recursos hídricos interiores e costeiros, dos aquíferos, dos

mares; poluição do ar; poluição visual, poluição sonora;

Escassez da água - ameaça de esgotamento das fontes de água limpa;

Perda da biodiversidade - extinção de espécies (animais e vegetais);

desproteção do patrimônio genético;

Queimadas;

Desequilíbrio do regime das chuvas;

Aumento das secas; desertificação;

Redução dos recursos energéticos;

Proliferação de doenças e pragas;

Explosão demográfica;

Cidades insustentáveis;

Aumento da pobreza;

Diminuição de alimentos.

4- Conflitos socioambientais

As questões ambientais envolvem numerosas e complexas dimensões entre

diferentes atores, do ponto de vista social, ético, político, jurídico,

financeiro, técnico constituindo verdadeiros dilemas, diante de realidades

contraditórias, tendo em vista a natureza em seu equilíbrio. Cada um

percebendo o direito a partir do seu prisma e do seu interesse.

Page 7: Texto 1ª aula

Desse modo, diante da complexidade e da diversidade dos valores e princípios

evidenciados nas situações de conflito, compreende-se a exigência de uma

nova condução na problemática ambiental.

Ou seja, a predominância da cooperação sob o conflito, pautada na

perspectiva da sustentabilidade, na corresponsabilidade entre os atores

envolvidos; na ética, como sustentação e base de discussão, em busca de

soluções e de equacionamentos do conflito socioambiental estabelecido.

*Autora do texto: Silvia Maria de Macedo Costa Rodrigues. Prof. da UNESA,

em Direito Ambiental online, especialização em Gestão Ambiental, Mestre

em Direito.