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    Aprendendo a ler com outros olhos: relatosde oficinas de letramento visual comprofessores surdosTatiana Bolvar Lebedeff

    ResumoO estudo investiga a concepo e o uso de estratgias de letramento visual naeducao de alunos surdos. A surdez, se compreendida como uma diferena

    lingustica, apresenta uma gama de caractersticas singulares. Entre essassingularidades, encontra-se a lngua de sinais, que uma lngua visual. Devidoao aspecto visual da lngua de sinais, a educao deveria ser, essencialmente,visual. Entretanto, tanto professores surdos como ouvintes no costumamdesenvolver propostas educativas baseadas na visualidade da surdez.Professores surdos e ouvintes costumam reproduzir prticas de ensino delngua escrita pautadas na fontica da lngua oral, utilizando ferramentas oraise no visuais. necessrio instrumentalizar os professores de surdos comestratgias que respeitem a experincia visual dos seus alunos. Este trabalho

    apresenta o relato da realizao de cinco oficinas de ensino de estratgiasvisuais para professores surdos.Palavras-chave: letramento visual; surdez; lngua de sinais; estratgias visuaisLearning to read with other eyes: reports of visual literacyworkshops for teachers of deaf peopleAbstractThis study investigates the conception and the use of visual literacy strategieson the education of the deaf students. Deafness, if understood as a linguisticdifference, presents a series of singular characteristics. Amongst such

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    singularities we find the sign language, which is a visual language. Due to thevisual aspect of the signal language, the education must be essentially visual.However Deaf and hearing teachers are not accustomed to develop educative

    proposal based on the visuality of deafness . Both deaf and hearing teacherssimply repeat teaching techniques that resemble to a phonetic-based literacyprogram, using oral and not visual tools. It is of extreme importance to leadteachers in deaf classes to practices and techniques that respect the visualexperience of their students. The present study introduces the experiences ofteaching visual practices by deaf teachers.Key-words: visual literacy; deafness; sign language; visual strategies.

    Surdez significada como experincia visualOs surdos tm sido narrados como sujeitos visuais h muito tempo.

    Entretanto, Skliar (2001) comenta que muitas vezes a caracterizao dossurdos enquanto sujeitos visuais fica restrita a uma capacidade cognitivae/ou lingustica de compreender e produzir informao em lngua de

    sinais. Este autor salienta que a experincia visual dos surdos envolve,para alm das questes lingusticas, todo tipo de significaescomunitrias e culturais, exemplificando: os surdos utilizam apelidos ounomes visuais; metforas visuais; imagens visuais, humor visual;definio das marcas do tempo a partir de figuras visuais, entre tantasoutras formas de significaes. Ou seja, desloca-se o significado dasurdez enquanto perda auditiva para a compreenso da surdez a partirde suas marcas idiossincrsicas: a surdez significada como experincia

    visual, a presena da lngua de sinais, a produo de uma cultura queprescinde do som, entre outras.

    Deste modo, fcil inferir que as escolas propiciem experinciasescolares significativas que privilegiem esta experincia visual.Infelizmente, como pontua Skliar (2001), a situao inversa. Este autordenuncia que a experincia visual dos surdos no tem sido objeto deanlise nem tido espao especial nos projetos de educao e

    escolarizao dos surdos. Esta distncia entre discurso (o surdo sujeitovisual) e prtica (experincia visual no privilegiada na escola) pode

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    ser observada tanto na escola para ouvintes com alunos surdos includoscomo nas prprias classes de surdos, seja com professores surdos ou

    ouvintes.Na comunidade surda em que atuei, por exemplo, havia o discurso

    presente de que a educao dos surdos deva ser visual, utilizando aexperincia visual. Entretanto, como supervisora de estgio no ensinomdio e nos anos iniciais de acadmicos surdos, no percebia, em suasprticas, a incorporao de estratgias de letramento visual. Pelocontrrio, pelo fato de sua formao acadmica ser em um curso para

    ouvintes (as metodologias de ensino pensam em um aluno ouvinte) epelas terrveis experincias na escola de ouvintes (Lebedeff, 2006a), atendncia maior a de reproduo de atividades e experincias ouvintes,com tmidas incurses pelo letramento visual e pela cultura surda.

    Esta incongruncia deveria ser problematizada. Oliveira (2006)comenta que uma marca patente de nossa sociedade contempornea a importncia dada visualidade. A autora salienta que, apesar do usointensivo da imagem fora do ambiente escolar (jogos eletrnicos,publicidade, entretenimento, entre outros), ainda muito tmida asistematizao de seu uso para fins pedaggicos no currculo. A autoraainda denuncia que em termos curriculares, o conceito tradicional detexto linear ainda o dominante, e que a imagem, em sala de aula,costuma ser aceita apenas como a representao simples e esttica darealidade, sendo a imagem compreendida apenas como apndiceilustrativo do texto.

    No caso dos surdos, esta questo torna-se mais preocupante, selevarmos em considerao que a lngua viso-gestual e a culturaproduzida por esta comunidade visual, entre tantas outras refernciasque salientam a caracterstica visual da condio de surdez. Pensar nascomunidades surdas hoje significa, de acordo com Miranda (2001, p.22), ter em conta a representao das diferenas culturais, histricas ede identidade. Para o autor, as representaes de diferena que se

    engendram no seio da comunidade surda encontram razes naexperincia visual, a partir da lngua, das estratgias de interao

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    sociocultural e das representaes de mundo surdo e de mundoouvinte.

    Nesse sentido, Strobel (2009, p. 40) comenta que

    o primeiro artefato da cultura surda a experincia visualem que os sujeitos surdos percebem o mundo de maneiradiferente, a qual provoca as reflexes de suassubjetividades: De onde viemos? O que somos? Para ondequeremos ir? Qual a nossa identidade?

    A cultura surda, assim como outras culturas, desenvolve-sehistoricamente por via da transmisso atravs de geraes. Padden &Humphries (2003) citam casos em que surdos s percebem realmenteque so surdos quando entram na escola para surdos. Isso significa que,at entrar para a escola, ou ter contato com a cultura surda atravs deinteraes com a comunidade surda, a criana surda filha de famliaouvinte no conhece os valores culturais que esto agregados aodomnio da Lngua de Sinais. A interao cultural, deste modo, d-se sobo modelo do ouvinte.

    De acordo com Carter, Carter & Fleischer (2005), os surdos serenem em associaes e eventos sociais possuindo suas prpriasinstituies e tradies. Segundo os autores, os surdos se unem e seaproximam em funo da lngua de sinais e, a partir dela, desenvolvemsua prpria cultura. Lane (1992) argumenta que pessoas que ficaramsurdas muito cedo ou que nasceram surdas consideram-seessencialmente visuais, com uma linguagem visual, uma organizaosocial e uma histria e valores morais que lhes so prprios. Essaspessoas tm a sua prpria maneira de ser e possuem uma lngua ecultura prprias.

    Levando em considerao a discusso apresentada acima, percebe-se a necessidade de discusso sobre o acesso do aluno surdo aestratgias visuais de leitura e compreenso do mundo. Essas estratgias

    teriam como ponto de partida a rea de estudo denominada deLetramento Visual.

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    Letramento visual e surdezConceitos como cultura surda, experincia visual e cultura visual

    remetem, consequentemente, ao conceito de letramento visual. Comrelao ao letramento, Soares (2002) salienta que este conceito nopode ser visto apenas como um conjunto de habilidades individuais,mas, sim, como um conjunto de prticas sociais ligadas leitura e escrita em que os sujeitos se envolvem no seu contexto social. Discutirento letramento para a surdez requer pensar em prticas culturais esociais: pensar em como os surdos leem e interpretam o mundo a partir

    de suas singularidades lingusticas e culturais; pensar em como ossurdos utilizam social e culturalmente a lngua escrita. Por exemplo,pesquisas demonstram que as singularidades da surdez esto para almda lngua, os surdos utilizam estratgias diferentes das dos ouvintes parao ensino de lngua escrita (LEBEDEFF, 2006b) e para o conto dehistrias (LEBEDEFF, 2003; 2007).

    Letramento visual compreendido por Oliveira (2006) como a rea

    de estudo que lida com o que pode ser visto e como se pode interpretaro que visto. Segundo a autora, o letramento visual abordado a partirde vrias disciplinas que buscam estudar os processos fsicos envolvidosna percepo visual; usar a tecnologia para representar a imagem visual;desenvolver estratgias para interpretar e entender o que visto. Nessesentido, letramento visual para os surdos precisa ser compreendido,tambm, a partir de prticas sociais e culturais de leitura e compreensode imagens. Por exemplo, no basta ser surdo para ler uma imagem,

    assim como no basta ser ouvinte para apreciar um sarau de poesias.Ler uma imagem ou apreciar uma poesia so atividades culturais

    desenvolvidas pelos grupos sociais. Oliveira (2006) chama a atenopara o fato de que os alunos j utilizam as imagens de maneirainadvertida e aleatria com objetivos ldicos, sendo necessrio que aescola lhes proporcione o conhecimento da gramtica visual paramelhor compreenso dos significados das imagens. Da mesma maneira,

    Santos (2003) ressalta a importncia do conhecimento da semntica dashistrias em quadrinhos para que o leitor possa compreend-las. Ou

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    seja, o letramento visual necessita de prticas intencionais, sejam elasprticas escolarizadas ou no.

    Diversos autores salientam, a partir da experincia visual da surdez,a necessidade de que os processos educativos que envolvem alunossurdos implementem estratgias ou atividades visuais e, principalmente,que possibilitem aos surdos, eventos de letramento visual. Entretanto,pouco se tem dito sobre quais seriam essas prticas pedaggicas ou queeventos de letramento visual.

    Quadros (2004) discute a importncia de se pensar uma

    reestruturao curricular a partir dos efeitos de modalidade da lngua desinais lngua viso-gestual. Para tanto, a autora prope uma srie deatividades denominadas prticas pedaggicas visuais. Essas prticasesto relacionadas ao uso e produo social da lngua de sinais.

    Com relao leitura de imagens, Reily (2003) trabalhou comcrianas surdas as possibilidades polissmicas e humorsticas dasimagens, atravs da leitura de imagens cmicas. Na perspectiva de

    letramento visual, a autora discute a importncia da imagem nocurrculo de crianas surdas, atentando para a necessidade de inseroformal do letramento visual nas escolas. Esta insero formal, de acordocom Reily (2003), deveria dar ateno especial para a necessidade deum letramento visual para os surdos, sugerindo que os educadoresdeveriam refletir mais sobre o papel da imagem visual na produo doconhecimento. Salienta a necessidade de utilizar-se a imagem adequada-mente como recurso cultural que permeia todos os campos de conheci-mento e que traz consigo uma estrutura capaz de instrumentalizar opensamento.

    Com relao ao ensino de matemtica para surdos, Nunes (2005)desenvolveu um programa de ensino-aprendizagem de matemtica coma finalidade de transformar as habilidades visuais de crianas surdas emfator de resilincia. A autora desenvolveu atividades de raciocnio lgicoe de resoluo de problemas que utilizavam desenhos e diagramas,tanto para a apresentao do problema como meio para a crianarepresentar suas solues, e o mnimo possvel de texto escrito. As

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    instrues eram fornecidas pelas professoras em Lngua Britnica deSinais. Como resultados de aplicao dessas atividades em dois grupos

    de pesquisa, as crianas surdas submetidas ao programa apresentarammelhor performance no ps-teste (NFER Nelson age-appropriatemathematics achievement test) com relao ao grupo de controle.

    Em estilo similar ao de Nunes (2005), Souza (2007) desenvolveu,para um grupo de jovens e adultos surdos, no Brasil, oficinas commaterial didtico desenvolvido por ela para o ensino de fsica. A autoraconfeccionou apostilas nas quais utilizava, essencialmente, linguagem

    visual para a compreenso e registro de conceitos fsicos. SuaDissertao de Mestrado um excelente exemplo de como oletramento visual pode ser aplicado em qualquer rea do conhecimento.

    As estratgias visuais tambm foram utilizadas por Schleper (2002)como estratgias de pr-leitura. O autor utilizou grficos organizadorescomo grfico em teia (web), Diagramas de Venn e tabelas para eliciarconhecimento prvio de alunos surdos sobre os tpicos que seriamlidos, posteeriormente, em texto linear. Assim como Nunes (2004) eSouza (2007), o autor apresenta os exemplos utilizados com os alunosem atividades de salas de aula.

    Tomando por base as discusses e trabalhos desenvolvidos porSchleper (2002), Reily (2003), Nunes (2004) e Souza (2007) e aspropostas de letramento visual para crianas ouvintes desenvolvidas porMoline (2008), percebi que em nossa comunidade estvamos muitodefasados com relao s possibilidades de letramento visual com osalunos surdos. A imagem, como denunciou Oliveira (2006), aindafuncionava como enfeite do texto linear.

    Em finais do ano de 2007, ao conversar sobre esta temtica com aPresidncia da Associao de Pais e Amigos dos Surdos (APAS) de PassoFundo RS, surgiu o desafio de promover atividades de formaocontinuada para a qualificao dos professores surdos. Esses docentesatuavam na APAS ministrando oficinas de apoio pedaggico para alunossurdos includos no sistema comum de ensino. Como os docentesrecebiam formao inicial pensada para os alunos ouvintes, a proposta

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    deveria desafiar os docentes surdos a pensarem nas singularidades dasurdez para a organizao do ensino. Deste modo, surgiu a proposta de

    realizao de uma Oficina de Letramento Visual, ou seja, uma oficinaque discutisse, que problematizasse as prticas pedaggicas a partir daconcepo de que uma imagem pode ser lida e interpretada como umtexto, e, para alm disto, em como possvel utilizar recursos visuaispara melhor compreender um texto.

    A seguir, sero relatadas as atividades desenvolvidas na oficina deletramento visual. Participaram dessa oficina quatro professores, um

    homem e trs mulheres, que sero assim identificados: Ed (professor deEducao Fsica), Math (professora de Matemtica), Alf1 (professoraAlfabetizadora 1) e Alf2 (professora Alfabetizadora 2). Dos quatroparticipantes, Ed e Math eram concluintes de seus cursos de graduao,mas j atuavam ministrando oficinas na prpria APAS. Alf1 pedagogaformada e especialista em Educao Especial, docente em classe dejovens e adultos e de anos iniciais com crianas. Alf2 recebeu formaode professor leigo, cursa Psicologia e trabalha em classe de jovens e

    adultos.As oficinas ocorreram semanalmente, todas as teras-feiras no turno

    da manh, por dois meses, na sede da Associao de Pais e Amigos dosSurdos, no primeiro semestre de 2008. Inicivamos s 9 horas etrabalhamos at s 11h30min.

    Oficinas de letramento VisualAo propor o trabalho a ser desenvolvido com os docentes surdos,

    eu tinha uma grande preocupao: as atividades no poderiam serorganizadas em formato de aula linear, com a simples apresentao dasestratgias de letramento visual. Eu almejava uma metodologia quepossibilitasse a intensa participao dos docentes. Optei, ento, emtrabalhar na perspectiva de oficina.

    Ormezzano (2001) comenta que uma oficina um local aonde seexercem ofcios, surgindo na Idade Mdia, no perodo Romnico, em

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    grmios de artesos e, no perodo Gtico, em conventos femininos,como espao coletivo de ensino-aprendizagem e produo artstica. A

    oficina o local em que se trabalha, em que se faz alguma coisa, noocorrendo distino entre trabalho intelectual e manual. Para a autora,na oficina, possvel criar um espao de trabalho e discusso, no qualtodos os participantes se sintam mestres e aprendizes, construindo oconhecimento em sucessivas etapas coletivas e autnomas.

    Nesta perspectiva de oficina, realizamos encontros semanais, nosquais foram discutidas diferentes estratgias de letramento visual. s

    vezes, era eu quem propunha a estratgia; outras vezes, eram osdocentes que as traziam para problematizao e discusso.

    De maneira geral, as oficinas possuam a seguinte rotina: noprimeiro momento, um dos participantes expunha a estratgiautilizando como exemplo algum elemento da cultura surda. Aps adiscusso e explicaes gerais sobre a estratgia, cada um dosparticipantes deslocava-se ao quadro e a utilizava com exemplos de suarea especfica de atuao, provocando uma situao de construo deconhecimento para os outros participantes.

    Nas primeiras oficinas, o rodzio de apresentao no quadro semprevinha acompanhado de comentrios de preguia, no tenho ideias,no sei, entre outros. Posteriormente, durante a apresentao daestratgia, os participantes j comeavam a discutir como sua rea deconhecimento poderia utiliz-la. Alm disso, todos comearam acontribuir com sugestes sobre como outras reas de conhecimentopoderiam utilizar a estratgia que estava sendo discutida.

    Apresentarei, a seguir, cinco oficinas que foram realizadas: a)grfico em rvore, b) grfico em teia, c) tabela, d) mapa de histria e e)histria em quadrinhos. O critrio de seleo para a apresentao destase no de outras oficinas j realizadas a possibilidade de observao ecompreenso de elementos da cultura surda.

    a) Grfico em rvore um tipo de grfico organizador que mostracomo itens podem estar relacionados uns aos outros. O tronco da

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    rvore representa o tpico principal, e dos galhos derivam asinformaes relativas ao tpico.

    O grfico em rvore foi o primeiro a ser apresentado nas oficinas.Introduzi a atividade comentando que a pedagogia para surdos deveriaser, prioritariamente, visual, e que isto acaba no ocorrendo na escola.Salientei a perspectiva do letramento visual, em como as imagenspodem ser lidas e interpretadas como textos e, tambm, a possibilidadedo caminho inverso, ou seja, em como um texto pode ser reorganizadoatravs de estratgias visuais para que possa ser mais bem compre-

    endido.O primeiro exemplo utilizado foi com relao histria daeducao dos surdos. No tronco da rvore, coloquei como tpicoEducao dos Surdos; dele derivavam trs galhos: oralismo, comu-nicao total e bilinguismo. Discutimos o que essas trs abordagenstinham como pressupostos, gerando novos galhos a partir deles, efomos assim at acharmos que tnhamos esgotado o assunto.

    A discusso transitou por: 1) questes identitrias - no oralismo, osujeito surdo era considerado deficiente; na comunicao total, comopseudo-ouvinte e, no bilinguismo, como pertencente a uma minorialingustica e cultural; 2) questes lingusticas - proibio de lngua desinais e oralizao no oralismo, uso concomitante de lngua oral e lnguade sinais na comunicao total e lngua de sinais como primeira lnguano bilinguismo; 3) questes pedaggicas total desconsiderao dassingularidades da surdez no oralismo, professores com pouca flunciaem lngua de sinais na comunicao total e reivindicao da escola desurdos no bilinguismo. Obviamente, a discusso histrica e ideolgicano se apresenta to sectariamente estruturada como em nossarvore, mas sua organizao foi importante para a discusso do que sequer para a educao dos surdos, e uma das questes relevantes foi aperspectiva da experincia visual da surdez.

    Aps a elaborao deste grfico, entreguei uma gravura do sistemasolar e comecei a questionar em como poderamos organizar um grficoem rvore a partir das informaes visuais. Fui fornecendo suporte com

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    informaes pertinentes com relao hierarquia que deveria serutilizada. O tronco, ou tpico, era o sistema solar e, a partir da leitura

    da imagem, fomos incorporando os galhos.Aps a construo deste segundo grfico, provoquei o primeiro

    rodzio, ou seja, cada um deveria ir ao quadro e construir um grficoutilizando informaes de sua rea de conhecimento. Participavamdesta oficina 4 professores: Ed, Math, Alf1 e Alf2. O primeiro a elaborarum grfico foi Ed, que colocou como tpico esportes com bola. Osprimeiros galhos foram os esportes mais praticados no Brasil, e os

    galhos que derivavam desses apresentavam detalhes relativos a cadaesporte. O detalhe mais interessante foi relativo s estratgias ecomportamentos utilizados pelos juzes para a arbitragem de jogos comsurdos.

    Math foi a seguinte, e colocou como tpico matemtica e, nosprimeiros galhos as possibilidades de trabalho de matemtica nos anosiniciais. Os galhos que derivavam de cada possibilidade (adio,subtrao, resoluo de problemas, entre outros) referiam-se sestratgias visuais e ao material concreto que poderiam ser utilizadoscom crianas surdas.

    Alf1 e Alf2 elaboraram grficos tendo por tpico o processo dealfabetizao e os galhos derivados continham os contedos queestavam trabalhando naquele momento com suas respectivas turmas,seguidos das possibilidades de utilizao de estratgias visuais.

    Percebi, neste primeiro encontro, uma grande preocupao com asquestes relativas surdez. Os participantes no elaboraram apenasgrficos de seus contedos de trabalho, mas se preocuparam emregistrar, em cada grfico, as marcas da surdez atravs da discusso dasmodificaes necessrias com relao a estratgias visuais e estratgiaslingusticas para o processo de ensino-aprendizagem com crianassurdas.

    b) Grfico em teia (web) tambm denominado clusterou cloud, um tipo no linear de grfico organizador, que auxilia a sistematizaode ideias originadas a partir de um tpico central. Este tipo de grfico

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    auxilia o professor a realizar estratgias de brainstorm, ou exploso deideias.

    Nesta oficina, comecei elaborando o grfico a partir do tpicoEncontro com Manuela. Manuela Dvila Deputada Federal peloEstado do Rio Grande do Sul, e havia recebido os surdos de PassoFundo em Porto Alegre. No encontro com Manuela, os surdos contaramsuas experincias escolares e solicitaram a interveno da Deputadacom relao nova Poltica de Educao Especial do MEC, que previa aincluso dos surdos nas escolas comuns, sendo que os surdos

    reivindicam a escola bilngue. Como dois dos participantes das oficinasestavam na reunio e os outros j haviam tido conhecimento doencontro, iniciamos com a exploso de ideias, ou brainstorm.

    No grfico em teia, no existe hierarquiaa priori, a organizao dostpicos ocorre aps serem esgotadas as ideias. Assim, surgiram seisbraos que partiam do tpico principal, e um derivado de um deles.Depois de esgotadas as ideias, lemos todos os braos e propus queorganizssemos as ideias de maneira a possibilitar a construode umtexto coerente. Ed comentou que, antes de estabelecer a sequncia,deveramos buscar o pargrafo principal, para ser o primeiro pargrafo.Colocamos nmeros ordinais para estabelecer a sequncia do queseriam os pargrafos.

    O grfico em teia recebeu inmeras exclamaes de admirao,tanto pela facilidade de utilizao como pela qualidade do trabalho quepode ser desenvolvido a partir dele. O segundo grfico a ser elaboradofoi uma proposta de Math. Ela sugeriu a construo de uma histria, ados trs porquinhos surdos. A histria desenrolou-se como a histriatradicional, mas, quando o lobo gritou para a casa e assoprou, a casa detijolos no caiu porque era forte, mas porque era surda. O lobo, ento,faz curso de lngua de sinais e derruba a casa com sinais, jantando ostrs porquinhos.

    Embora com final trgico, a histria foi escrita no grfico commuito humor, e retoma uma necessidade que aparece reiteradamente: arealizao de narrativas que incorporem elementos de cultura surda, a

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    necessidade de que os surdos sejam protagonistas das narrativasculturais.

    O terceiro grfico da manh teve como tpico Os nmeros etinha como objetivo mostrar a possibilidade de exploso de ideias apartir de qualquer assunto. Perguntei onde encontrvamos nmeros, ecada brao do grfico correspondia ao uso ou local onde os nmerospoderiam ser encontrados: roupas, placa de carro, nmero da casa,telefone, altura, nmero de identidade, datas, idade. No esgotadas aspossibilidades, perguntei qual inferncia era possvel fazer a partir

    daquele grfico, e surgiram duas: nmeros so muito importantes enmeros ajudam a organizar a vida.

    Na semana seguinte, Math contou que havia aplicado o mesmogrfico com seus alunos (jovens e adultos surdos) e que foram a umafarmcia prxima para ver quanto pesavam, para medirem suas alturas emedir a presso sangunea. Math comentou, tambm, que alguns alunosno sabiam que as roupas continham nmeros, pois estavamacostumados com o padro P, M, G e GG. Ela insistiu para quelocalizassem nas roupas de seus colegas ou em casa roupas com padronumrico. Um dos alunos de Math, Alf1 contou divertida (as duastrabalham na mesma escola e no mesmo horrio) perguntou para ela seseu nmero era 84 (Alf1 est um pouco acima do peso).

    Alf1 comentou, ainda, que havia utilizado o grfico de rvore paradiscutir com os alunos os meios de transporte, montando um cartazcoletivo para ficar afixado na sala de aula. Segundo seu depoimento, osalunos ficaram encantados com a atividade em si e com a possibilidadede visualizao de sua discusso.

    A partir deste dia, os tpicos escolhidos pelos participantes paraelaborar os grficos deslocaram-se um pouco das questes da surdezpara temticas que eles estavam trabalhando em sala de aula. Almdisso, as estratgias utilizadas na oficina comearam a chegar muitorapidamente s salas de aula e, depois de aplicadas na escola, voltavamnovamente para problematizao do grupo, com comentrios dos

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    alunos, das atividades posteriores, das inferncias realizadas, enfim, umaatividade de ao-reflexo-ao das prticas docentes.

    c) Tabela um tipo de grfico organizador que concentra eorganiza dados. Tabelas podem ser utilizadas para mostrar atributos,para comparar e contrastar tpicos, para avaliar informaes, entreoutras possibilidades.

    Para este dia, iniciei com exemplos simples de tabelas de Rangel(2002). A primeira tabela foi para elencar animais que nasciam de ovos eque no nasciam de ovos. Depois, elaboramos uma tabela sobre os

    diferentes meios de transporte. Essas duas tabelas eram apenas listas.Posteriormente, comeamos a elaborar tabelas para comparar

    dados. Math sugeriu uma tabela em que se comparasse idade, altura edata de nascimento, e disse que, a partir desta tabela, os alunospoderiam ser inquiridos a inferenciar quem seria o mais velho, o maisalto, o mais jovem. Alf1 sugeriu uma tabela para comparar o nascimentode pessoas da famlia de cada criana, para ver a naturalidade de avs,

    bisavs, tios. O objetivo seria pesquisar se os familiares seriamimigrantes que vieram ao Brasil no perodo das Guerras Mundiais econhecer a histria familiar dos alunos surdos ao mesmo tempo em quefossem trabalhados contedos de Histria.

    Alf1 tambm sugeriu uma tabela de alimentao, do que seria acomida do dia a dia, para depois ver no mercado o preo dos alimentose ver quanto custa a alimentao em determinado espao de tempo. As

    discusses permitiram tecer inferncias de que necessrio cuidar oque ser comparado, por exemplo, comparar trabalho dos pais, acomida diria, as roupas que possuem, entre outros itens, pode serconstrangedor para os alunos. Math concluiu, ento, que seria maisseguro comparar torcedores de diferentes times de futebol, altura eidade, ou, ainda, a comida de que mais gosta.

    Na outra semana, Math voltou para a oficina encantada com a

    atividade que havia realizado com os alunos. Ela havia utilizado tabelaspara compararem os preos de dois eletrodomsticos: uma televiso euma mquina de lavar roupas. Math solicitou aos alunos que fossem s

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    lojas e perguntassem as seguintes informaes: os preos vista e aprazo, o valor do juro mensal e a quantidade de parcelas da venda a

    prazo. Foram elaboradas, ento, tabelas para serem comparadas ascondies de compras em trs lojas e, a partir dessas tabelas, Mathdiscutiu com os alunos conceitos como juros e porcentagem.

    Os participantes discutiram a validade da organizao dasinformaes utilizando-se estratgias visuais como a tabela, que muitosimples e pode ser utilizada em diversas situaes. Questionaram oporqu do no ensino e uso dessas estratgias nas escolas em que

    estudaram, questes que ficaram sem respostas.d) Mapa de histria mapas de histria so grficos organizadoresque podem ser teis para auxiliar o aluno a analisar ou escrever umanarrativa.

    importante salientar que o mapa de histrias deve ser utilizadocomo um sistema organizador de ideias, e no uma estrutura paraengessar ou hierarquizar as ideias, a exemplo da Gramtica de

    Histrias, proposta por Stein e Glenn (1979). Para esses autores, ashistrias possuem elementos hierrquicos que devem ser seguidos paraa construo e compreenso de histrias. Muitas pesquisas com crianassurdas derivadas desta proposta de anlise de narrativas sugeriram quecrianas surdas possuam dificuldades para a compreenso de histrias(Lebedeff, 2003). J autores como Kintsch & Van Dijk (1978) sugeremque, apesar de as histrias apresentarem uma superestrutura, na qualpodem ser encontrados diversos elementos recorrentes nas histrias,no processo de compreenso e produo, o que interessa so asproposies, ou seja, as ideias que compem o texto.

    Neste sentido, os mapas de histrias foram apresentadosconstituindo-se de diversos elementos, evidenciando-se a possibilidadede incluso ou supresso de quantos elementos fossem necessrios esalientando o desenvolvimento de um texto coeso e coerente a partirdas proposies, e no a partir do aparecimento hierrquico deelementos de uma histria.

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    Nesta oficina, iniciei apresentando, no quadro, alguns dos elemen-tos que constituem uma histria: cenrio, hora, local, personagens,

    problema, o que aconteceu (desenvolvimento) e concluso. Sugerique colocssemos, naquele mapa, as informaes de uma notciajornalstica que havia sido vista na TV. Como no surgiram ideias,perguntei se podamos usar o fenmeno da Tsunami. Todos aprovarame montamos, no quadro, o mapa de histria da Tsunami.

    Ao compreenderem a estratgia e as funes de cada elemento,Math e Alf1 sugeriram de elaborarmos o mapa a partir da notcia

    principal da semana: o caso de tortura infantil em Goinia.Depois de finalizada a notcia de Goinia, apresentei outro modelode mapa, este contando com os seguintes elementos: onde, quando,personagens principais, personagens secundrios, problema, eventos econcluso. Sugeri que escolhssemos uma histria infantil para arealizao do mapa, Alph2 comentou que seria interessante analisarmosa histria da Branca de Neve. Esta histria foi escolhida porque aAssociao de Surdos havia apresentado uma pardia de Branca deNeve em um evento, e tanto crianas como adolescentes ainda estavammuito mobilizados com a pea.

    Quando comeamos a escrever os eventos, os participantesinferiram que, dependendo do alunado, o professor pode diminuir ouampliar o nmero de eventos, modificar os elementos a seremconsiderados e, o mais importante, a possibilidade de, a partir dealgumas pistas fornecidas, provocar o aluno para que ele construa suaprpria histria. Tambm foi discutido que o mapa de histria pode serutilizado para organizar diversos tipos de textos, e no apenas histrias; possvel utiliz-lo para a anlise de textos acadmicos, de diferentesdisciplinas, textos de jornais e revistas, relatos de filmes, entre outros.

    e) Histrias em quadrinhos a histria em quadrinhos umpoderoso recurso narrativo que, segundo Santos (2003), ao promover aunio de texto e desenho, consegue tornar mais claros, para a criana,conceitos que continuariam abstratos se confinados unicamente palavra.

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    Diversas vezes ouvi de professores de alunos surdos reclamaesde que crianas surdas apresentam dificuldades ou no conseguem

    elaborar histrias em quadrinhos (HQ). Sempre pergunto, nessasocasies, quem conta ou contou, periodicamente, histrias emquadrinhos para as crianas surdas. Tendo em vista as limitaeslingusticas em lngua de sinais da maioria das famlias ouvintes, no de se admirar que muitas crianas surdas apenas olharam revistas emquadrinhos, mas no leram as histrias, levando em considerao asemntica especfica dessas histrias (Santos, 2003).

    Antes de discutir a utilizao da HQ na sala de aula, inicieiperguntando para os participantes se eles conheciam as diferenas entreos bales, e comecei a desenh-los, sem contedos e perguntando oque estaria sentindo o personagem daquele balo. O desenrolar daoficina, neste dia, foi surpreendente. Os participantes tinham muitasdvidas e curiosidades sobre o universo da HQ: bales, onomatopias,metforas visuais (como lmpadas que se acendem em cima da cabeados personagens significando a produo de uma ideia ou inferncia),

    entre outros elementos, foram explorados exausto. Math, porexemplo queria saber a diferena entre as risadas: hahaha, hehehe ehihihi; Alph1 queria saber qual a onomatopeia para campainhas, sinos,buzinas, entre outros. Foram muitas perguntas e descobertas.

    Na oficina seguinte, levei quatro exemplares de HQ para seremdiscutidas. As histrias foram fotocopiadas para que cada participanteficasse com seus exemplares. A primeira histria tinha trs quadrinhos e

    nenhuma fala; a segunda tinha cinco quadrinhos e nenhuma fala; aterceira histria tinha seis quadrinhos e pouca fala e, finalmente, aquarta tinha seis quadrinhos e um dilogo complexo.

    Fomos analisando e discutindo cada histria quadro a quadro. Aanlise envolvia a semntica prpria da HQ e o contedo da histria. Osparticipantes, a partir da orientao para uma anlise mais detalhada,ficaram impressionados com os elementos visuais contidos na HQ. Math

    comentou que parecia que as histrias haviam sido escritas para ossurdos, pois suas caractersticas lembravam muito as da cultura surda.Discutimos que as HQ poderiam ser lidas por adultos, jovens e crianas,

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    e que poderiam ser aproveitadas, ainda, para provocar discusses decarter acadmico, tomando como exemplo uma das tiras que discutia o

    desmatamento. Math pediu emprestadas as revistas que eu havia levado,e disse que agora as leria com outros olhos.

    Ocorreram algumas omisses nos relatos dessas oficinas, mas acheiinteressante apresent-las de maneira narrativa com o objetivo decompartilhar com os leitores o maior nmero possvel de experincias einferncias realizadas pelo grupo. Acredito que esses exemplos, que sobem simples em sua essncia, (afinal, o que h de muito complicado em

    se organizar uma tabela?) podem dar vazo a muitas outraspossibilidades e atividades em sala de aula. O importante colocar-seno lugar do surdo, pensar em como possibilitar leitura e compreensodo mundo prescindindo da audio. A resposta para este pensamentoemptico apontar, com certeza, para o letramento visual.

    Consideraes FinaisOs discursos sobre a experincia visual da surdez esto presentes

    na maioria dos artigos acadmicos. Entretanto, h uma carncia deprticas reais que permitam aos surdos perceberem-se realmente comosujeitos visuais, e, para perceberem as possibilidades de construo deconhecimento que a experincia visual permite realizar.

    As atividades de estratgias de letramento visual apresentadas ediscutidas nas oficinas so apenas um tmido exemplo do que pode ser

    feito na prtica pedaggica com crianas surdas. O fato de docentessurdos no conhecerem essas estratgias e se surpreenderem com opotencial de leitura e compreenso das histrias em quadrinhos , nomnimo, preocupante.

    Como j defendi em outras situaes (Lebedeff, 2008), acredito sernecessrio que se pense na surdez no como diversidade ou fenmenotransitrio. A surdez existe e necessita de uma proposta pedaggica

    nova, pensada para suas singularidades lingusticas e culturais. Ossurdos no querem adaptaes, no querem ser representados como

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    simulacros de ouvintes. O que os surdos querem uma pedagogia paraa surdez.

    Nesse sentido, acredito que o letramento visual uma rea deinvestigao e discusso que deve ser melhor aproveitada pelosprofissionais da surdez e pela comunidade surda. A leitura de imagens eas estratgias visuais de leitura e interpretao de textos devem serincentivadas nas escolas e utilizadas no apenas como ferramentas deapoio e, sim, devem ocupar espao central na organizao do ensinopara as crianas surdas.

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    Tatiana Bolivar Lebedeff. Possui Graduao em Educao Especial pela UniversidadeFederal de Santa Maria (UFSM), Especializao em Formao de Professores para

    Ensino a Distncia na Universidade Federal do Paran, Mestrado em Educao pelaUniversidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Doutorado em Psicologia doDesenvolvimento na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Ps-Doutorado (bolsista CAPES) pela Montgomery County Comunity College (USA). Professora Adjunta da Universidade Federal de Pelotas.

    E-mail: [email protected]

    Submetido em: dezembro de 2009Aceito em: agosto de 2010