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Mas um dardo atravessou o cora��o de D. Evarista. Conteve-se,
entretanto: limitou-se a dizer ao marido, que, se ele n�o ia, ela n�o
iria tamb�m, porque n�o havia de meter-se sozinha pelas estradas.
� Ir� com sua tia, redarg�iu o alienista.
Note-se que D. Evarista tinha pensado nisso mesmo; mas n�o
quisera pedi-lo nem insinu�-lo, em primeiro lugar porque seria impor
grandes despesas ao marido, em segundo lugar porque era melhor,
mais met�dico e racional que a proposta viesse dele.
� Oh! mas o dinheiro que ser� preciso gastar! suspirou D. Evarista
sem convic��o.
� Que importa? Temos ganho muito, disse o marido. Ainda ontem o
escritur�rio prestou-me contas. Queres ver?
E levou-a aos livros. D. Evarista ficou deslumbrada. Era uma via-
l�ctea de algarismos. E depois levou-a �s arcas, onde estava o
dinheiro.
Deus! eram montes de ouro, eram mil cruzados sobre mil cruzados,
dobr�es sobre dobr�es; era a opul�ncia.
Enquanto ela comia o ouro com os seus olhos negros, o alienista
fitava-a, e dizia-lhe ao ouvido com a mais p�rfida das alus�es:
� Quem diria que meia d�zia de lun�ticos...
D. Evarista compreendeu, sorriu e respondeu com muita resigna��o:
� Deus sabe o que faz!
Tr�s meses depois efetuava-se a jornada. D. Evarista, a tia, a mulher
do botic�rio, um sobrinho deste, um padre que o alienista
conhecera em Lisboa, e que de aventura achava-se em Itagua�,
cinco ou seis pajens, quatro mucamas, tal foi a comitiva que a
popula��o viu dali sair em certa manh� do m�s de maio. As
despedidas foram tristes para todos, menos para o alienista.
Conquanto as l�grimas de D. Evarista fossem abundantes e
sinceras, n�o chegaram a abal�-lo. Homem de ci�ncia, e s� de
ci�ncia, nada o consternava fora da ci�ncia; e se alguma coisa o
preocupava naquela ocasi�o, se ele deixava correr pela multid�o um
olhar inquieto e policial, n�o era outra coisa mais do que a id�ia de
que algum demente podia achar-se ali misturado com a gente de
ju�zo.
� Adeus! solu�aram enfim as damas e o botic�rio.
E partiu a comitiva. Crispim Soares, ao tornar a casa, trazia os
olhos entre as duas orelhas da besta ruana em que vinha montado;
Sim�o Bacamarte alongava os seus pelo horizonte adiante, deixando
ao cavalo a responsabilidade do regresso. Imagem vivaz do g�nio e
do vulgo! Um fita o presente, com todas as suas l�grimas e
saudades, outro devassa o futuro com todas as suas auroras.
CAP�TULO IV
UMA TEORIA NOVA
Ao passo que D. Evarista, em l�grimas, vinha buscando o Rio de
Janeiro, Sim�o Bacamarte estudava por todos os lados uma certa
id�ia arrojada e nova, pr�pria a alargar as bases da psicologia. Todo
o tempo que lhe sobrava dos cuidados da Casa Verde, era pouco
para andar na rua, ou de casa em casa, conversando as gentes,
sobre trinta mil assuntos, e virgulando as falas de um olhar que
metia medo aos mais her�icos.