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TESSEROLOGIA FICHA DE M. F. CLARO (COIMBRA) Numismática, nº 131, mai/ago 2019, A.N.P. (revisão 1) Luís Salgado A Cruz de Cristo no reverso aponta-nos de imediato para os anos 1920’ e a febre patriótica resultante da travessia aérea do Atlântico-Sul por Gago Coutinho e Sacadura Cabral em 1922. A legenda Coimbra fornece- nos o local e, felizmente para nós, o sobrenome Claro não é de todo abundante na região. De facto, segundo os censos de Coimbra de 1930, havia nessa altura apenas três habitantes com esse sobrenome e apenas um com as iniciais certas, além do ramo mais plausível para a emissão de fichas. E que personagem nos saiu… Manuel Fernandes Claro, conhecido como “o carequinha”, era dono de um grande sentido de humor e da taberna Cova Funda, uma casa de madeira uma dezena de metros depois da Casa da Ponte na Av. da Ponte (hoje Av. João das Regras). Além da taberna tinha ainda loja onde expunha e vendia as mais variadas mercadorias, desde brinquedos a artigos religiosos, de campainhas a canários, e ainda comissionava caixeiros- viajantes fossem eles vendedores de livros ou de pianos, conforme atestam os relatos e os variados anúncios nos jornais da época. Seria pessoa de relevo social, pois já em 1929 entrava nas listas de bons doadores para as instituições de assistência com uns generosos 50$00, além de ser notícia de jornal o seu regresso à cidade, quando se ausentava. De resto, os mesmos jornais vão denunciando a sua vida: em 1927 enviuvou e declarava que não queria ter nada a ver com as dívidas da falecida; em 1929 estava já novamente casado e protestava contra “o engraçado que fez espalhar pela cidade que o Claro era Polícia de Informação e por isso declara que nunca pertenceu nem pertence a tal autoridade ou outra parecida”. Mas era nos carnavais que “o carequinha” mais brilhava. Conhecido pelas suas tropelias e pelos disfarces que engenhava, por vezes indecorosos, este folião era personagem primordial dos festejos coimbrões, sendo seguidas com interesse as suas aventuras nas coberturas noticiosas dos bailaricos. A taberna ficava na cave da casa, servia bom vinho, bons petiscos e regularmente fazia sardinhadas. Foi eternizada nos poemas dos estudantes e na memória dos fregueses fiéis que apareciam diariamente para jogar às cartas e beber. Alguns ficavam-se mesmo por ali, ou saíam pelas traseiras para fazer uma sesta no choupal. Em 1942 o Cova Funda era já anunciado como restaurante, aberto durante toda a noite e com camas para pernoitar. Mas em 1951 terá servido as suas últimas malgas de vinho fechando as portas para sempre. Da função da ficha podemos apenas especular. Em afinidade com muitos outros cafés da época, é bastante provável que fosse usada em substituição dos trocos, ou para a batota, um subterfúgio comum para mascarar a ilicitude do jogo a dinheiro. M. F. Claro - Coimbra Quaisquer informações novas serão úteis para completar este registo histórico e serão muito bem-vindas. Por favor partilhe o seu conhecimento pelo correio eletrónico: [email protected] ou comunique à A.N.P. Anv: M F. CLARO - COIMBRA; monograma MFC ao centro Rev: cruz de Cristo ao centro; <valor> em baixo Latão, 24mm, 6,2g, eixo vertical Apenas temos conhecimento do valor $20. Anúncio do restaurante Cova Funda na Gazeta dos Caminhos de Ferro em 1942. E findavam em festatas Duma beleza profunda, Afogadas na pinguinha Da tasca da “Cova Funda” Do famoso “Carequinha”. Trecho de poema estudantil

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Page 1: TESSEROLOGIA FI HA DE M. LARO OIM RAcarequinha” mais brilhava. Conhecido pelas suas tropelias e pelos disfarces que engenhava, por vezes indecorosos, este folião era personagem

TESSEROLOGIA FICHA DE M. F. CLARO (COIMBRA)

Numismática, nº 131, mai/ago 2019, A.N.P. (revisão 1)

Luís Salgado

A Cruz de Cristo no reverso aponta-nos de imediato

para os anos 1920’ e a febre patriótica resultante da

travessia aérea do Atlântico-Sul por Gago Coutinho e

Sacadura Cabral em 1922. A legenda Coimbra fornece-

nos o local e, felizmente para nós, o sobrenome Claro

não é de todo abundante na região. De facto, segundo

os censos de Coimbra de 1930, havia nessa altura

apenas três habitantes com esse sobrenome e apenas

um com as iniciais certas, além do ramo mais plausível

para a emissão de fichas. E que personagem nos saiu…

Manuel Fernandes Claro, conhecido como “o

carequinha”, era dono de um grande sentido de humor

e da taberna Cova Funda, uma casa de madeira uma

dezena de metros depois da Casa da Ponte na Av. da

Ponte (hoje Av. João das Regras). Além da taberna tinha

ainda loja onde expunha e vendia as mais variadas

mercadorias, desde brinquedos a artigos religiosos, de

campainhas a canários, e ainda comissionava caixeiros-

viajantes fossem eles vendedores de livros ou de

pianos, conforme atestam os relatos e os variados

anúncios nos jornais da época.

Seria pessoa de relevo social, pois já em 1929

entrava nas listas de bons doadores para as instituições

de assistência com uns generosos 50$00, além de ser

notícia de jornal o seu regresso à cidade, quando se

ausentava. De resto, os mesmos jornais vão

denunciando a sua vida: em 1927 enviuvou e declarava

que não queria ter nada a ver com as dívidas da

falecida; em 1929 estava já novamente casado e

protestava contra “o engraçado que fez espalhar pela

cidade que o Claro era Polícia de Informação e por isso

declara que nunca pertenceu nem pertence a tal

autoridade ou outra parecida”.

Mas era nos

carnavais que “o

carequinha” mais

brilhava. Conhecido

pelas suas tropelias e

pelos disfarces que

engenhava, por

vezes indecorosos,

este folião era personagem primordial dos festejos

coimbrões, sendo seguidas com interesse as suas

aventuras nas coberturas noticiosas dos bailaricos.

A taberna ficava na cave da casa, servia bom vinho,

bons petiscos e regularmente fazia sardinhadas. Foi

eternizada nos poemas dos estudantes e na memória

dos fregueses fiéis que apareciam diariamente para

jogar às cartas e beber. Alguns ficavam-se mesmo por

ali, ou saíam pelas traseiras para fazer uma sesta no

choupal. Em 1942 o Cova Funda era já anunciado como

restaurante, aberto durante toda a noite e com camas

para pernoitar. Mas em 1951 terá servido as suas

últimas malgas de vinho fechando as portas para

sempre. Da função da ficha podemos apenas especular.

Em afinidade com muitos outros cafés da época, é

bastante provável que fosse usada em substituição dos

trocos, ou para a batota, um subterfúgio comum para

mascarar a ilicitude do jogo a dinheiro.

M. F. Claro - Coimbra

Quaisquer informações novas serão úteis para completar este registo histórico e serão muito bem-vindas. Por favor partilhe o seu conhecimento pelo correio eletrónico: [email protected] ou comunique à A.N.P.

Anv: M F. CLARO - COIMBRA; monograma MFC ao centro Rev: cruz de Cristo ao centro; <valor> em baixo Latão, 24mm, 6,2g, eixo vertical Apenas temos conhecimento do valor $20.

Anúncio do restaurante Cova Funda na Gazeta dos Caminhos de Ferro em 1942.

E findavam em festatas

Duma beleza profunda,

Afogadas na pinguinha

Da tasca da “Cova Funda”

Do famoso “Carequinha”.

Trecho de poema estudantil