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  • 1

    NDIA REGIA MAFFI NECKEL

    TESSITURA E TECEDURA: MOVIMENTOS DE COMPREENSO DO DISCURSO ARTSTICO NO AUDIOVISUAL

    Tese apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas para obteno do Ttulo de Doutor em Lingstica.

    Orientadora: Prof Dr Suzy Lagazzi

    Campinas

    2010

    i

  • 2

    ii

    FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO IEL - UNICAMP

    N282M

    Neckel, Nadia. Tessitura e Tecedura: Movimentos de compreenso do Artstico no Audiovisual /

    Nadia Regia Maffi Neckel. -- Campinas, SP : [s.n.], 2010.

    Orientador : Suzy Maria Lagazzi. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da

    Linguagem.

    1. Audiovisual. 2. Memria. 3. Imagem. I. Lagazzi, Suzy Maria. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Ttulo.

    tjj/iel

    Ttulo em ingls: Tessitura and Weaving: Movements of understanding of the Art Audiovisual.

    Palavras-chaves em ingls (Keywords): Audio-visual; Memory; Image. rea de concentrao: Lingustica. Titulao: Doutor em Lingustica.

    Banca examinadora: Profa. Dra. Suzy Maria Lagazzi (orientadora), Profa. Dra. Tania Conceio Clemente de Souza, Profa. Dra. Beatriz Maria Eckert-Hoff, Profa. Dra. Solange Maria Leda Gallo e Profa. Dra. Mnica Graciela Zoppi Fontana. Suplentes: Profa. Dra. Claudia Regina Castelhano Pfeiffer, Profa. Dra. Nadja de Carvalho Lamas e Profa. Dra. Marci Fileti Martins. Data da defesa: 24/02/2010.

    Programa de Ps-Graduao: Programa de Ps-Graduao em Lingstica.

  • 3

    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

    A Comisso Julgadora dos trabalhos de Defesa de Tese de Doutorado, em sesso pblica realizada em 24 de fevereiro de 2010, considerou a candidata NDIA REGIA MAFFI NECKEL aprovada.

    iii

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    Para Clia minha roteirista. Maria Clara, Luiz Fernando e Rebecca projees de minha vida. Meus pais, famlia e amigos, circunstncias da tomada, traos de subjetividade em meu suporte flmico. Minha av Dora que me ensinou a brincar com carretis e meu av Albino (in memorian) ferrovirio, de quem ganhei minha primeira bicicleta.

    v

  • 7

    AGRADECIMENTOS Agradecimentos so tantos, afinal ningum percorre um caminho sozinho. Em primeiro lugar preciso agradecer a minha me menininha, Ftima, pelo exemplo de vida,

    trabalho, dedicao e amor sem restries. A Clia por todo incentivo, apoio, companheirismo e compreenso de todas as horas. A Suzy minha orientadora pelas discusses, desafios e o olhar sempre doce da amizade e

    carinho, pelos sentidos que a AD permitiu compreender do artstico at aqui. A Sol sempre pelos textos com sol, pela amizade, conversas fiadas e outras muito srias no

    recanto das pedras, pela cumplicidade e orientao sempre. Sua alegria e carinho sem fim fazem do caminho na AD, um enorme prazer.

    A Bi@ minha querida amiga que nem mesmo a distncia pode enfraquecer esse lao de amizade, pelo acolhimento desde os primeiros passos desse processo todo, pela urdidura da trama e principalmente por me apresentar o primeiro texto em AD em 2001.

    A Mnica por todos os ensinamentos, conversas preciosas para as qualificaes e principalmente por dividir comigo seu bero porteo La hermosa Buenos Aires, uma das experincias mais importantes da minha vida.

    Elena mi hermacita portea, pelo acolhimento em sua casa em Buenos Aires por dividir comigo espaos, lugares, famlia, amigos y Laila (que tornou meus dias especiais cheios de bom humor e carinho canino), gracias.

    Minha amiga e colega Andra pela leitura atenta desta tese e questionamentos sempre pertinentes com muitas madrugadas de caf.

    Minha amiga Conterrnea Simone pelos papos presenciais e virtuais Campinas, Lyon e Buenos Aires, pela convivncia nas disciplinas e pelo precioso Rsum.

    Ao meu irmo Albino Moacir, projeto de engenheiro mais sensvel que j conheci, pelos socorros em ingls desde o processo seletivo, nos estudos para proficincia e pelo abstract compenetrado.

    A minha maninha Giovanna (Gi), que a AD me trouxe, por todas as interlocues, horas de estrada, botecos no ape e papos online, pela muita cumplicidade e amizade sincera. E, tambm a Silvania (Sil) sua alegria, torcida, receitas deliciosas e a convivncia no ape; experincias nicas da turma de SC em Campinas.

    Minha amiga Carla (Carlotinha) sempre na torcida, por segurar muitas pontas, apagar muitos incndios, superar minhas faltas e continuar sendo uma grande amiga para todas as horas.

    A Universidade do Contestado, que por meio do programa de capacitao docente, tornou possvel essa pesquisa. Aos dirigentes e colegas, obrigada pela confiana no trabalho.

    vii

  • 9

    A noo de Projeo no sentido de ampla difuso e visibilidade, de fazer-se conhecer, de lanar-se a outra escala, de criar novos pblicos.

    A noo de Projeto como imaginado, o planejamento, o lanamento do inexistente ao existente, da fantasia concretizao.

    A noo de Projeto como aquele que evolui. A noo de Projeo no sentido prprio da cartografia: o processo que leva do

    terreno ao mapa e do mapa ao terreno. A noo de Projeo no sentido psicanaltico: a projeo de um vnculo sobre outro,

    a transposio das representaes. A noo de Projeo no sentido de refletir uma imagem sobre uma superfcie,

    enviar raios de luz sobre algo, tornar visvel uma figura pela luz.

    (Definio de Projeto, por Roberto Jacoby Curador da mostra Projetveis 7 Bienal do MERCOSUL Porto Alegre novembro de 2009)

    ix

  • 11

    RESUMO

    A produo audiovisual contempornea inscreve-se em condies de produo fronteirias. A materialidade singular (uma materialidade que desfaz a dicotomia verbal-no-verbal) da qual constitudo o audiovisual no se deixa aprisionar por anlises rgidas e apriorsticas, no h territrios demarcados, nem to pouco, fronteiras definidas. Categorizar determinadas produes no especializa o gesto de interpretao, por isso, dificilmente, as teorias estabilizadas do conta de compreender o funcionamento e os deslizamentos de sentido. O dispositivo terico-analtico da AD especializa a compreenso desse materiais por meio das noes de Tecedura e Tessitura de uma produo audiovisual e rompe epistemologicamente com a rigidez metodolgica e a reduo estilstica. Tessitura e Tecedura, nesta pesquisa, so formulaes tomadas como funcionamento da ordem da estrutura e do acontecimento do/no corpus de anlise, permitindo um deslocamento terico-analtico das noes de Poisis e Estesia inscritas no artstico e, das noes de Inter e Intradiscurso inscritas na AD. Desta forma, a perspectiva discursiva na leitura/interpretao de imagens e/ou produo artstica capaz de dar conta produtivamente da compreenso das condies de produo e deslocamentos de sentidos presentes em materialidades contemporneas. Nosso corpus de pesquisa e anlise refere-se a materiais audiovisuais inscritos ou circunscritos pelo Discurso Artstico em seu jogo de polissemia/policromia.

    Palavras-chave: Audiovisual. Memria. Imagem

    xi

  • 13

    ABSTRACT

    The make audiovisual contemporary inscribe in conditions of production frontier. The materiality single (a materiality that unmake the ambiguousness verbal-not-verbal) that is compose the video contemporary is not prison to hard analysis and aprioristic. There arent land delimit, end too not frontier conclusive. Categorize determined productions dont specialize the manner interpretation, to this, is hard the theories stabilized understand. The work and sliding of feeling. The dispositive analytic-theoretical of AD specialized in the understand of weave and tessitura production audio-visual and break epstemologicament with the hardly methodologist and the reduction stylistic. Tessitura and Weaving in this search, are formulations get that work of order structure and occurrence of/in corpus of analysis, permitted a displacement analytic-theoretical of conception Poesies and Etesian inscribed in the artistic and, conception of inter and intradiscourse inscribed in AD. This form, the perspective discursive at read/interpretation of drawing and/or production artistic and capacity give count productivity of understanding conditions production and displace feeling of materials contemporary that the video. My corpus search and analysis referring the material audio-visual inscribed or circumscribed by discourse artistic in your game of polysemy/plolychrome.

    Key words: Audiovisual. Memory, Picture

    xiii

  • 15

    RSUM

    La production audiovisuelle contemporaine sinscrit dans des conditions de production de frontire. La matrialit singulire (une matrialit qui dfait la dichotomie verbal-non-verbal) de laquelle est constitue la vido contemporaine ne se laisse pas emprisonner par des analyses rigides e aprioristiques, il ny a pas de territoires dmarques, ni des frontires dfinis. Catgoriser certaines productions ne spcialise pas le geste dinterprtation, pour cela, difficilement, les thories stabilises sont capables de comprendre le fonctionnement et les glissements des sens. Le dispositif thorique-analytique de lAD spcialise la comprhension de la Tissage et Tessiture dune production audiovisuelle et rompt pistmologiquement avec la rigidit mthodologique et la rduction stylistique. Tissage et Tessiture, dans cette recherche, sont des formulations prises comme fonctionnements de lordre de la structure et de lvnement du/dans le corpus de lanalyse, en permettent un dplacement thorique-analytique des notions de Poisis et de Estesia inscrites dans lartistique et, des notions de Inter et Intradiscours inscrites dans lAD. Ainsi, la perspective discursive dans la lecture/interprtation des images et/ou production artistique est en mesure de faire face de manire productive de la comprhension des conditions de production et des dplacements de sens prsents dans des matrialits contemporaines comme la vido. Notre corpus de recherche et danalyse se rfre des documents audiovisuels inscrits ou circonscrits par le Discours Artistique dans son jeu de polysmie/polychromie.

    Mots-cls : Audiovisuel. Mmoire. Image.

    xv

  • 17

    LISTA DE ILUSTRAES

    IMAGEM 01 O nascimento de Vnus .......................................................................... 51

    IMAGEM 02 - Marilyn Monroe ..................................................................................... 51

    IMAGEM 03 - As Lavadeiras ......................................................................................... 54

    IMAGEM 04 - Os construtores ....................................................................................... 55

    IMAGEM 05 - Doutor Gachet 01.................................................................................... 56

    IMAGEM 06 - Marcel Duchamp .................................................................................... 65

    IMAGEM 07 - Primeira Personagem ............................................................................. 151

    IMAGEM 08 - Casal Francs ......................................................................................... 151

    IMAGEM 09 - Dois personagens brasileiros .................................................................. 152

    IMAGEM 10 - Guia Italiana de Museu .......................................................................... 154

    IMAGEM 11 - As meninas de Velsquez ....................................................................... 154

    IMAGEM 12 - Personagem Principal ............................................................................. 155

    IMAGEM 13 - Reproduo Enigma de De Chirico ........................................................ 156

    IMAGEM 14 - Detalhes do Quadro de De Chirico ........................................................ 156 IMAGEM 15 - Detalhe de Slide ..................................................................................... 156

    IMAGEM 16 - O Pensador ............................................................................................. 164

    IMAGEM 17 - O Pensador Plaza del Congreso Argentina ......................................... 163

    IMAGEM 18 - O Pensador em Recife ............................................................................ 163

    IMAGEM 19 - Abaporu .................................................................................................. 165

    IMAGEM 20 - Ultima Ceia de Dali................................................................................. 169

    IMAGEM 21 - El Cristo de Dali ..................................................................................... 169

    IMAGEM 22 - Vigia na Estao ..................................................................................... 170

    IMAGEM 23 - Criao do Homem ................................................................................ 173

    IMAGEM 24 - Mos Da Vinci ....................................................................................... 173

    IMAGEM 25 - Mesa com cinco carretis ....................................................................... 175

    IMAGEM 26 - Carretis Iber ........................................................................................ 176

    IMAGEM 27- Franz Marc ............................................................................................. 177

    xvii

  • 18

    IMAGEM 28 - Frame Iber De Chirico Tarsila .............................................................. 177

    IMAGEM 29 - Frame Iber ............................................................................................ 177

    IMAGEM 30 - Frame Carretel Iber .............................................................................. 177

    IMAGEM 31 - Vigia ...................................................................................................... 178

    IMAGEM 32 - Recorte Vigia e Bicicleta ....................................................................... 181

    IMAGEM 33 - Frame Esttua de Mulher ....................................................................... 184

    IMAGEM 34 - Dr Gachet 2 ............................................................................................ 188

    IMAGEM 35 - Homem na Mesa .................................................................................... 188

    IMAGEM 36 - Reproduo Cezanne ............................................................................. 188

    IMAGEM 37 - Reproduo Operrios ........................................................................... 190

    IMAGEM 38/ 39 -

    Frames de Tarsila .................................................................................. 190

    IMAGEM 40 - Fragmento Enigma de um dia ................................................................ 192

    IMAGEM 41/42 -

    Fachadas de Volpi .................................................................................. 192

    IMAGEM 43 - Reproduo Dali ..................................................................................... 194

    IMAGEM 44 - Frame Torre ............................................................................................ 194

    IMAGEM 45 - Frame Ciclista Bruel ............................................................................ 195

    IMAGEM 46 - Ciclista Iber .......................................................................................... 196

    IMAGEM 47 - Ciclista Pizzinni ..................................................................................... 196

    IMAGEM 48 - Vigia e Bicicleta imveis ....................................................................... 198

    IMAGEM 49 - Frame D. Quixote ................................................................................... 200 IMAGEM 50 - Frame um Co Andaluz ......................................................................... 202

    IMAGEM 51 - Calado de Manaus .............................................................................. 203

    IMAGEM 52 - Reproduo Goldone ............................................................................. 203

    IMAGEM 53 - Chuva ..................................................................................................... 203

    IMAGEM 54 - Bicicleta Close ....................................................................................... 204

    IMAGEM 55 - Roda Duchamp ...................................................................................... 204

    IMAGEM 56 - Inabsentia ............................................................................................... 204

    IMAGEM 57 - Palmeiras ................................................................................................ 207

    IMAGEM 58 - Gare ........................................................................................................ 210

    xvii

    xviii

  • 19

    IMAGEM 59 - A feira .................................................................................................... 212

    IMAGEM 60 - Magritte Time ........................................................................................ 212

    IMAGEM 61 - Construes Gticas Volpi .................................................................... 217

    IMAGEM 62 - Bandeiras Rosa ...................................................................................... 217

    IMAGEM 63 - Fachadas Volpi ....................................................................................... 217

    IMAGEM 64 - Torre de Babel 01.................................................................................... 219

    IMAGEM 65 - Torre de Babel 02.................................................................................... 219

    IMAGEM 66 - Olho Vigia .............................................................................................. 222

    IMAGEM 67 - Olho Magritte ......................................................................................... 222

    IMAGEM 68 - Reproduo Flmica de De Chirico ........................................................ 224

    xix

  • 21

    LISTA DE GRFICOS/QUADROS

    Grfico 01 - Modos Principais das funes da Imagem ............................................. 39 Grfico 02 - Esquema Orlandi Individuao .............................................................. 107 Grfico 03 - Do Esttico ao Interdiscurso .................................................................. 139

    xxi

  • 23

    LISTA DE SEQNCIAS FLMICAS

    Seqncia flmica 01 - Frames de abertura ................................................................ 106 Seqncia flmica 02 - Frames do Vigia .................................................................... 162 Seqncia flmica 03 - Frames Vigia na Estao ....................................................... 169 Seqncia flmica 04 - Trilhos.................................................................................... 171 Seqncia flmica 05 - Passarela e Mo em primeiro plano....................................... 172 Seqncia flmica 06 - Cidado Kane ........................................................................ 173 Seqncia flmica 07 - Co Andaluz .......................................................................... 173 Seqncia flmica 08 - Carretis ................................................................................ 175 Seqncia flmica 09 - Vago de Trem ...................................................................... 178 Seqncia flmica 10 - Interior de Vago .................................................................. 179 Seqncia flmica 11 - Tocador de Viola ................................................................ 180 Seqncia flmica 12 - O Vigia e a Bicicleta ............................................................. 182 Seqncia flmica 13 - Bicicleta Trem ....................................................................... 184 Seqncia flmica 14 - MASP lateral ......................................................................... 185 Seqncia flmica 15 - Vo do MASP ....................................................................... 186 Seqncia flmica 16 - Vigia no Elevador ................................................................. 187 Seqncia flmica 17 - Rosto do Vigia em Primeiro Plano ....................................... 187 Seqncia flmica 18 - Vigia no salo com msica ................................................... 188 Seqncia flmica 19 - Vigia com sua bicicleta ........................................................ 189 Seqncia flmica 20 - Construes .......................................................................... 192 Seqncia flmica 21 - Vigia, bicicleta e torre .......................................................... 193 Seqncia flmica 22 - Vigia ciclista ......................................................................... 199 Seqncia flmica 23 - Vigia, bicicleta e esttuas ..................................................... 195 Seqncia flmica 24 - Vigia e ps em primeiro plano .............................................. 200 Seqncia flmica 25 - Ciclista e o guarda chuva ...................................................... 202 Seqncia flmica 26 - Primeiro Plano pneu de bicicleta .......................................... 204 Seqncia flmica 27 - Travessia do ciclista .............................................................. 206 Seqncia flmica 28 - Um Co Andaluz 2................................................................ 206 Seqncia flmica 29 - Travessia com chamins ....................................................... 207 Seqncia flmica 30 - Estesiador e construes........................................................ 208 Seqncia flmica 31 - Estesiador nas pedras ............................................................ 209 Seqncia flmica 32 - Imagens de arquivo ............................................................... 209 Seqncia flmica 33 - Vigia na estao .................................................................... 210 Seqncia flmica 34 - Garagem e frutas ................................................................... 211 Seqncia flmica 35 - Esttuas, fios de luz e vigia ................................................... 212 Seqncia flmica 36 - Vigia na Chapada .................................................................. 213 Seqncia flmica 37 - Vigia, casebre e estao ........................................................ 214 Seqncia flmica 38 - Filme de arquivo 2 ................................................................ 214 Seqncia flmica 39 - Vigia, estao em primeiro plano.......................................... 214 Seqncia flmica 40 - Vigia e o espao .................................................................... 215 Seqncia flmica 41 - Vigia tomada superior fundo azul ......................................... 216

    xxiii

  • 24

    Seqncia flmica 42 - Lambrequis ............................................................................ 216 Seqncia flmica 43 - Vigia de costas fios e campo.................................................. 218 Seqncia flmica 44 - Silhueta vigia no campo ....................................................... 218 Seqncia flmica 45- Vigia em frente a torre .......................................................... 219 Seqncia flmica 46 - Vigia no campo ..................................................................... 220 Seqncia flmica 47 - Vigia e chamin .................................................................... 221 Seqncia flmica 48 - Vigia em frente ao quadro .................................................... 221 Seqncia flmica 49 - O homem da cmera ............................................................. 222 Seqncia flmica 50 - Frames Andaluz .................................................................... 222

    xxiv

    xxiii

  • 25

    SUMRIO

    1 INTRODUO....................................................................................................................................27 2 MATERIALIDADES DISCURVIVAS: CONSTITUTIVIDADE E ATRAVESSAMENTOS HISTRICOS ............................................................................................................................................35 2.1 ABORDAGEM DISCURSIVA E SUA ESPECIFICIDADE ..............................................................................38 2.2 OBJETO DISCURSIVO: EFEITOS DE SENTIDO .........................................................................................45 2.3 A CONTEMPORANEIDADE MEDIADA POR IMAGENS: PROCESSOS DE AUTORIA ....................................64 3 A ESPECIFICIDADE DA MATERIALIDADE FILMICA: A IMAGEM MVEL ....................71 3.1 A LNGUA: O CINE-LNGUA OU CINEMA LINGUAGEM?........................................................................78 3.2 INTERLOCUO DA/NA IMAGEM: O ESPAO -A IMAGEM SEU AUTOR ESPECTADOR88 3.3 O SUJEITO CONSTITUI A IMAGEM: A IMAGEM CONSTITUI O SUJEITO. ...............................................101 4 O POTICO E O ESTTICO E SUAS EXTENSES: INSCRIO E FUNCIONAMENTO DO ARTSTICO ......................................................................................................................................117 5 ENVOLVIMENTO COM O CORPUS ............................................................................................133

    6 A TECEDURA E A TESSITURA DO DISCURSO ARTSTICO DO/NO ENIGMA DE UM DIA OU DE MUITOS... ...................................................................................................................................141 6.1 DESCRIO E ANLISE DA MATERIALIDADE DISCURSIVA ............................................................146 6.1.1 Sequncia flmica inicial: apresentao do Enigma, primeiro movimento.............................146 6.1.2 O Enigma sustentado pela Torre de Babel: segundo movimento............................................148 6.1.3 Tessitura e Tecedura do Enigma num in-repertrio imagtico...............................................159 6.1.3.1 O Vigia Estesiador: terceiro movimento em busca dos fios e da tecedura .................................159 6.1.3.2 O Estesiador e seus percursos na/pela imagem flmica e suas intertextualidades ......................169 6.1.3.3 Estesiador frente pintura: ltimos movimentos no filme .........................................................221 CONSIDERAES PROVISRIAS: O EFEITO DE FECHO NUM MOVIMENTO POR VIR .227 REFERNCIAS .......................................................................................................................................233

    xxv

  • 27

    1 INTRODUO

    Se meus olhos fossem cmeras cinematogrficas eu no veria chuvas nem estrelas nem lua,

    eria que construir chuvas, inventar luas, arquitetar estrelas. Mas meus olhos so feitos de retinas, no de lentes,

    e neles cabem todas as chuvas estrelas lua que vejo todos os dias todas as noites

    (Caio F. Abreu 1995)

    As discusses presentes nesta tese do continuidade pesquisa iniciada no Mestrado1, a qual nos permitiu mostrar, na perspectiva materialista da Anlise do Discurso (AD), que o dizer artstico um discurso constitudo heterogeneamente e que emergem dele sentidos provenientes de diferentes posies-sujeito. Tratamos, aqui, do Discurso Artstico (DA2).

    Observamos que no funcionamento do DA e dos processos discursivos que o compem, os efeitos de sentido so produzidos por condies polissmicas e no lineares. Para tal formulao, retomamos as tipologias discursivas formuladas por Orlandi (1987): o discurso ldico, o discurso polmico e o discurso autoritrio. Por meio dessas formulaes, a autora nos mostra que tais tipologias discursivas funcionam diferentemente.

    O discurso ldico aquele em que seu objeto se mantm presente enquanto tal (enquanto objeto, enquanto coisa) e os interlocutores se expem a essa presena, resultando disso o que chamaramos de polissemia aberta (o exagero o non sense). O discurso polmico mantm a presena do seu objeto, sendo que os participantes no se expem, mas ao contrrio procuram dominar seu referente, dando-lhe uma direo, indicando perspectivas particularizantes pelas quais se o olha e se o diz, o que resulta na polissemia controlada (o exagero a injuria). No discurso autoritrio o referente est ausente, oculta pelo dizer, no h realmente interlocutores, mas um agente exclusivo, o que resulta na polissemia contida (o exagero a ordem no sentido em que se diz isso uma ordem, em que o sujeito passa a instrumento de comando). (ORLANDI, 1987, p.15).

    Neste caminho das tipologias discursivas apontadas por Orlandi, caracterizamos o DA como predominantemente ldico e polissmico.

    1 Mestrado em Cincias da Linguagem Concludo em 2004 na UNISUL (Universidade do Sul Catarinense), sob a

    orientao da Prof Dr Solange Leda Gallo. Realizamos um estudo sobre o funcionamento do Discurso Artstico. 2 Discurso Artstico, doravante no textos simplesmente DA.

  • 28

    Outras noes foram fundantes para a formulao do DA, dentre elas, as noes de Parfrase e Polissemia. A autora nos lembra que a linguagem se faz na articulao desses grandes processos. Dito de outro modo, a linguagem enquanto processo de simbolizao tecida entre a fora de um dizer mesmo (sedimentado) e, por conseguinte, parafrstico, e a tenso daquilo que vaza e aponta para a possibilidade de ruptura, abrindo polissemia. Eis a tenso constitutiva do discurso: a parfrase e a polissemia; o mesmo e o diferente (ORLANDI, 1987, p.27). Tambm, nos foi fundamental a noo de Policromia em Souza (2001), pois tal noo debrua-se sobre os processos discursivos nos quais h a predominncia da imagem enquanto matria significante.

    O que nos instiga, em um corpus do DA, o jogo entre as diferentes matrias significantes constitutivas da produo de sentidos. Ou seja, a no predominncia desta ou daquela materialidade, mas a imbricao material (LAGAZZI, 2004)3 enquanto constitutividade do dizer artstico, principalmente nos dizeres contemporneos da arte.

    No confronto entre as diferentes constititutividades da imagem (pictrica, flmica, fotogrfica ou cinematogrfica) como no corpus escolhido para a anlise, este jogo se acentua, principalmente pela imbricao imagem-memria. Estamos o tempo todo no confronto parafrstico e polissmico da/na imagem enquanto materialidade significante. Ao perceber o dizer artstico enquanto estrutura e acontecimento, ou seja, enquanto discurso, configuramos os argumentos que tornam possvel a anlise do DA e do processo discursivo4 da Tessitura flmica em sua Tecedura discursiva.

    Segundo Pcheux (1997:161) a expresso processo discursivo passar a designar o sistema de relaes de substituies, parfrases, sinonmias, etc., que funcionam entre elementos lingsticos significantes- em uma formao discursiva dada. Assim, chamamos de processo, nesta pesquisa, todos os elementos significantes da ordem da Tecedura e Tessitura do dizer artstico.

    3 Essa noo proposta por Lagazzi quando a autora formula suas anlises sobre os documentrios Tereza e Boca

    de Lixo, no texto Pontos de Parada na Discursividade social: alternncia e janelas, publicado em Giros na Cidade: materialidade do espao. Campinas: LABEURB/NUDECRI UNICAMP, 2004. 4 Ressaltamos, ainda, que o conceito de Tecedura, tal como o tomamos nesta tese, delineou-se a partir da leitura da

    primeira parte da tese de doutoramento de Eckert-Hoff (2004) cujo ttulo era: No Tear de fios: a urdidura e a trama. A autora faz meno ao tecido terico que sustenta seu estudo. A partir disso, comeamos a pensar uma imagem metafrica do discurso como um tecido. Entremeado, aparentemente nico, mas, constitudo de muitos fios em uma tecelagem complexa da qual, no somos os nicos teceles.

  • 29

    Estamos nas teias da relao imagem - memria do/no discurso. Um tecido opaco e enredante que toca o real da linguagem. J a Tessitura nos d pistas em seu ordenamento estrutural, tal como a organizao de um compasso musical.

    Mas, algo nos escapa... Este o enigma. Trabalharemos tais noes, assim como seu constructo terico, no captulo seis desta tese.

    Elegemos para o exerccio analtico um exemplar do cinema de poesia contemporneo, o curtametragem Enigma de um dia, dirigido por Joel Pizzini Filho, de 1996. A categorizao Cinema de Poesia5 vem da Teoria e Crtica do Cinema. Por isso, buscamos a leitura sobre tais categorizaes em diferentes teorias da imagem, desde a imagem pictrica passando pela imagem artstica e tambm pela imagem cinematogrfica.

    Entre os questionamentos que nos sentimos compelidos a buscar, para o entendimento acerca dos funcionamentos de diferentes modos de significar da imagem em sua imbricao material, em seu jogo de memria discursiva, coloca-se os estudos sobre o DA (mais especificamente nos dizeres artsticos contemporneos), bem como a prpria prtica analtica dos dizeres da arte (histria da arte e na crtica de arte).

    Embora reconheamos a imbricao das mltiplas materialidades significantes no cinema (o som a imagem o gesto a palavra), pretendemos fazer um recorte analtico pela imagem e explorar sua relao com a memria discursiva.

    O objeto de arte, dotado de discursividade, no est apenas num lugar nico de significao, pois opera sempre num espao de re-significao, o que j nos remete a outros dizeres possveis. A consistncia histrica e ideolgica do DA vem justamente do espao de interpretao, um espao polissmico de interpretao, que funda um gesto prprio. Os sentidos produzidos no interior do DA so gestos de interpretao de acontecimentos outros. Assim, tais gestos podem estar filiados a diferentes formaes discursivas. Dito de outro modo, o sentido da materialidade significante est em seu lugar de inscrio, e, no apenas em sua constituio fsica

    5 Trabalharemos, mais frente, essa categorizao, porm, para sinalizar ao nosso leitor podemos adiantar que o

    Cinema de Poesia teve como principal representante o cineasta poeta romancista tradutor pintor jornalista teatrlogo editor crtico de arte, enfim, o multimiditico Pier Paolo Pasolini. Crtico radical do seu tempo este artista traduziu em imagens o cenrio poltico italiano entre as dcadas de 50, 60 e 70. Segundo Adalberto Muller: Quando Pasolini fala em cinema de poesia () no apenas um cinema de belas imagens (muito pelo contrrio, Pasolini cultuava o feio e pobre), mas um cinema em que as imagens se pensam. Para ele, o cinema de poesia era apenas uma etapa para a poetizao da prpria indstria (e no apenas a indstria cinematogrfica), que se daria pari passu com a poetizao da vida e das relaes sociais in: http://www.ufscar.br/rua/site/?p=2323 disponvel em 18 de novembro de 2009.

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    (forma). Ou seja, a matria significante atravessada pelo histrico e pelo social (sujeito-objeto-situao) que produzem efeitos de sentido, e no a matria em si mesma ou isoladamente.

    Orlandi (1999) nos ensina que a linguagem linguagem porque faz sentido. E a linguagem s faz sentido porque se inscreve na histria. E, pensando deste lugar, que entendemos como sendo as caractersticas do DA, em confronto com as caractersticas de outros discursos, que determinaro os efeitos de polissemia ou parfrase presentes em seu funcionamento. Esse processo o que chamamos do acontecimento prprio do DA6 e ser explorado nesta tese.

    Conduzimos nosso olhar em direo interface da AD que estuda a materialidade

    discursiva, levando em conta as condies de produo do acontecimento discursivo e as

    posies assumidas pelos sujeitos com as concepes e teorias da arte e do cinema, as quais possibilitam re-construir marcas das diferentes prticas de linguagem que compem os dizeres da imagem fixa e da imagem mvel sempre atravessados pela lngua.

    Partimos do pressuposto de que os dizeres da arte, constituindo-se em discursos, mobilizam a memria discursiva, produzem uma mexida, um deslocamento da/na rede de filiaes scio-histricas e ideolgicas dos diferentes discursos que os atravessam e os constituem. Assim entendida a memria pela AD.

    A noo de memria em Pcheux no parte de um conceito individual, portanto, no se trata da memria individual, mas de sentidos entrecruzados da memria mtica, da memria social inscrita em prticas sociais, e da memria construda pelo historiador. Uma memria que conta com o atravessamento do ideolgico, do histrico e do social.

    A memria, por sua vez, tem suas caractersticas, quando pensada em relao ao discurso. E, nessa perspectiva, ela tratada como interdiscurso. Este definido como aquilo que fala antes, em outro lugar, independentemente. Ou seja, o que chamamos de memria discursiva: o saber discursivo que torna possvel todo dizer e que retorna sob a forma do pr-construdo, o j dito que est na base do dizvel, sustentando cada tomada de palavra (1999, p. 31).

    O DA (assim como qualquer outro discurso) funciona, tanto na ordem do intradiscurso, quando na ordem do interdiscurso. Logo, todo discurso atravessado por outros discursos, isto , por vozes exteriores que o afetam e o constituem.

    6 No nos coube, no estudo, propor definies para a Arte. O que apontamos so caractersticas do DA. Dentre as

    discusses at hoje delineadas, tanto na teoria da arte quanto na crtica da arte, encontramos a apropriao da denominao discurso em vrias instncias: discurso de arte, discurso sobre arte, discurso da arte.

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    Com a perspectiva terica aqui adotada, filiada escola francesa de AD, que toma o discurso como uma das instncias materiais (concretas) da relao linguagem/pensamento/ mundo7, e considerando que nosso corpus se constitui a partir do DA, partimos de questes que nortearo o nosso trabalho de investigao e, posteriormente de anlise: 1) Como se manifesta a relao interdiscursiva e intertextual, na imagem (fixa e mvel) no cinema de poesia? 2) Como funciona a relao simblico/imaginrio na constituio dos sentidos no curta metragem analisado? 3) Como funciona a imbricao material na tessitura do audiovisual? 4) A partir dessa imbricao material, o audiovisual, em sua estrutura e funcionamento, pode ser caracterizado como tendo uma ordem prpria? Uma Tecedura singular? E, ainda: 5) possvel, a partir desta investigao, (re)pensar dizeres artsticos contemporneos no interior do DA?

    Nosso objetivo principal compreender, no espao do DA, o movimento de tecedura e tessitura da imagem, na relao parfrase/polissemia, compreendendo assim, a construo da memria discursiva no/pelo filme. Assim, tomaremos como Tecedura aquilo que corresponde aos efeitos de sentido no(s) fio(s) do discurso. E, como Tessitura, o funcionamento de sua estrutura enquanto materialidade significante (forma e plasticidade em relao ao funcionamento).

    Estamos tomando Tecedura no entremear de fios do DA e dos gestos de leitura que lhe so possveis. Podemos dizer que o gesto de leitura do DA se d na Tecedura do processo. pela Tecedura que se configuram as relaes intertextuais, mostradas pela Tessitura da matria significante. Dito de outro modo, o intertexto s possvel porque o interdiscurso lhe oferece tais condies. Ou seja, a memria marca a textualidade por seus pontos de ancoragem, pontos que chamamos de pr-construdos. Ao lidarmos com uma materialidade como a do audiovisual, o deslocamento das noes inter e intradiscurso fizeram-se necessrios para que compreendssemos o funcionamento da matria significante em seu imbricamento.

    Na disperso da imagem flmica vo se formulando, intertextualmente, por sua Tessitura, configuraes de um gesto de leitura que passa por uma especificidade de interpretao de um lugar marcadamente brasileiro ancorado em sua Tecedura. Pizzini realiza uma leitura do Enigma de De Chirico por meio de dizeres de outros artistas brasileiros, desde a semana de arte moderna at a contemporaneidade. O cineasta nos prope um percurso visual por quadros e cenrios do/no Brasil, que lem os espaos representados na imagem pictrica de De Chirico. O filme evoca relaes intertextuais e re-significao por meio de uma memria social. O que temos uma

    7 Ver em Orlandi (2004, p.12) 4 edio de Interpretao: Autoria, leitura e efeitos do Trabalho Simblico.

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    Tecedura, uma rede dos gestos de interpretao que possui uma Tessitura (rede material com diferentes funcionamentos) na imagem mvel e na imagem fixa. Assim, o artstico posto em funcionamento na, e pela interseo de imagens e imbricao material. A memria discursiva mobilizada pelo fazer intertextual j formulado, e, tambm, pelo possvel e no formulado. Esta a face polissmica do DA. Estamos tratando com um funcionamento ldico, funcionamento, este, prprio do DA.

    Pretendemos, com esta tese, contribuir para uma reflexo sobre o territrio contemporneo-discursivo da arte. Um territrio que acreditamos cada vez mais des-territorializado, um lugar de entremeio, entre as diferentes prticas de linguagem.

    Ao provocar deslocamentos para a compreenso da relao discursiva das diferentes prticas de linguagem, os nossos objetivos especficos visam a: 1) Compreender a construo histrica deste vdeo, buscando suas marcas de interdiscursividade nas diferentes prticas de linguagem que nele se estabelecem; 2) Problematizar, por meio da imbricao material, o lugar da imagem enquanto matria significante de/neste corpus; 3) Compreender os pontos de ancoragem e as diferenas de imagens fixas e mveis, na desestabilizao de suas fronteiras na tessitura do vdeo; 4) Vislumbrar, na relao inter e intradiscurso (na Tecedura e na Tessitura), pontos emergentes destes dizeres, enquanto dizeres contemporneos da arte e efeitos de uma sociedade multimiditica.

    Estamos tratando de um dispositivo de anlise voltado aos processos discursivos e no ao produto. Esperamos, desta forma, realizar um gesto de interpretao de uma imagem pela prpria via da imagem na ordem discursiva. Tal postura, possibilita-nos um recorte do corpus considerando suas qualidades e inscries histricas, sociais e ideolgicas.

    A partir da abordagem discursiva, ao tomarmos como corpus de anlise um objeto to complexo como este curta metragem, marcamos uma posio de identidade enquanto diferena, sem negar o mesmo (identidade), privilegiando a complexidade que envolve os dizeres contemporneos, abertos e polissmicos. Ou seja, assumimos a pluralidade de discursos e seus diferentes funcionamentos, em sua imbricao material.

    contando com essa opacidade dos dizeres que pretendemos mergulhar na AD, observando o funcionamento do DA, ocupando-nos deste corpus instigante dos dizeres da arte que o cinema contemporneo.

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    Neste contexto, ao buscar as materialidades destes dizeres, tomamos como base terica principalmente: Pcheux e Orlandi em AD, Gombrich, Hauser e Huberman na Histria da Arte; e, Aumont e Xavier sobre cinema e audiovisual.

    Nossa justificativa para tal escolha terica volta-se, em primeira instncia, para uma busca de aprofundamento nos textos fundantes da AD. Pcheux, em sua formulao dos conceitos analticos e em suas pistas sobre as possibilidades de anlise de diferentes matrias significantes, entre elas, a imagem. Orlandi, por todos os avanos da AD no Brasil e sua contribuio incalculvel para anlises com diferentes materialidades discursivas.

    Dentre os autores da histria da arte procuramos posturas tericas que levassem em conta as questes da sociedade, como o caso de Gombrich, primeiramente. E, em Huberman, uma postura contempornea, por meio da qual, nas ltimas trs dcadas, procura contrapor-se a uma viso absolutista e positivista da histria da arte. Para tanto, a postura desse autor ancora-se em posies do materialismo histrico e da psicanlise, mostrando em suas anlises de imagens da arte, as relaes fundantes entre objeto sujeito e situao. E, em Hauser, a histria da arte imbricada na histria da sociedade.

    No que diz respeito aos autores do cinema e audiovisual, nossa escolha se d, principalmente, pela aproximao terica de suas abordagens com a perspectiva discursiva. Aumont percebe o atravessamento da histria e da sociedade, tanto na produo, quanto na recepo das imagens. Buscamos, tambm em Xavier, principalmente em sua publicao O Discurso Cinematogrfico: opacidade e transparncia (2005), a nfase que nas produes cinematogrficas no acontecem aleatoriamente, nem margem das sociedades nas quais esto inscritas. Trata-se, portanto, de uma tentativa em no separar linguagem, sociedade e histria, um desafio que consiste em operar na posio de entremeio das diferentes regies do saber. A importncia de tal pesquisa justifica-se principalmente pelo intento de contribuir, tanto com a AD, quanto com as anlises na area da Arte, no que diz respeito ao desenvolvimento de dispositivos analticos.

    A organizao capitular procura percorrer questes tericas e analticas do campo da arte, do cinema e do discurso. A primeira parte da tese procura discutir as Materialidades Discursivas Constitutividade e atravessamentos histricos que fazem do Discurso nosso corpo de trabalho. Esse captulo busca mostrar como certas dicotomias, muito pouco ou nada contribuem para a compreenso das materialidades discursivas. Abordamos tais materialidades considerando o

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    contexto histrico e mostramos como a contemporaneidade mediada por imagens e, ainda, o quanto historicamente as imagens perpassam nossa relao com o mundo. Na Especificidade da materialidade flmica, buscamos demonstrar como a imagem constituda pela imbricao material e mediada pela tecnologia, e o quanto a imagem flmica mudou a perspectiva de o homem compreender o mundo e seus objetos simblicos. Como o cinema se inscreve como linguagem deslocando os processos de autoria. J em O Potico e o Esttico, intentamos compreender o funcionamento do artstico, sendo que tais campos compem intrnseca e extrinsecamente o DA, o que nos faz considerar que est a sua constitutividade histrica, social e ideolgica. No Envolvimento com o Corpus, retomamos algumas questes pertinentes ao cinema de poesia e do filme a ser analisado, a fim de pontuar sua inscrio no cenrio artstico contemporneo. E, na ltima parte, Tecedura e Tessitura, mobilizamos os conceitos fundantes de nossa anlise e seguimos para a descrio e para a anlise propriamente dita, procurando mostrar a Tecedura do DA na Tessitura flmica.

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    2 MATERIALIDADES DISCURVIVAS: CONSTITUTIVIDADE E ATRAVESSAMENTOS HISTRICOS

    As dicotomizaes so de ordem histrica. A dicotomizao lngua e arte ressoa nas demais. Tal dicotomia no se apresenta apenas nas teorias lingsticas, mas igualmente nas teorias de anlise e crtica de arte, incluindo o cinema. O que vemos comumente , de um lado, artistas negando o estatuto de linguagem arte. E, de outro, lingistas transportando um aparato de anlise verbal para uma materialidade no verbal. Tais posturas apenas dividem e reforam falsas dicotomias.

    Essa diviso tem, na verdade, suas razes em outros pressupostos dicotmicos arraigados na prpria histria ocidental da cincia. J na nota introdutria de Semntica e Discurso, Pcheux, ao tematizar a prpria histria da semntica, lembra-nos da diviso histrica entre a Retrica e a Lgica. Sendo que a primeira estaria mais voltada poltica, e a segunda matemtica. O Mestre nos lembra a mxima de Hobbes ... Matemticas unem os homens, a Poltica os divide. Curioso que, na mxima, Matemtica (s) vem no plural, e Poltica, no singular, provocando um efeito de que o que plural une, o que singular divide, uma marca interessante. O que divide uno, o que liga plural. O que temos aqui, no apenas uma relao antagnica, e sim, uma relao de contradio. E, a contradio, para a AD, necessariamente constitutiva. No pretendemos realizar uma anlise da mxima de Hobbes, apenas tom-la como uma forma de ressonncia dos princpios divisrios, cujos efeitos se colocam tambm na diviso da linguagem. O que temos um efeito de sentido que opera pela contradio. As matemticas estariam para os princpios lgicos, assim como a retrica estaria para a poltica. Tal como uma

    diviso ainda mais clssica e de razes filosficas como j propunha Plato em sua ciso entre a razo e os sentidos.

    Lagazzi (2009)8 nos traz, em sua leitura de Pcheux e Gadet, um importante vis da noo de contradio, que muito tem a ver com nosso trabalho, pois relaciona a noo de contradio com a questo potica. mago de nossa discusso.

    Em minha prtica analtica, cada vez mais tenho buscado dar conseqncia ao conceito de contradio. M.Pcheux e F.Gadet, em A Lngua Inatingvel (2004), fazem um

    8 Mais frente no captulo sobre o Potico e o Esttico, retomaremos essa mesma citao a fim de discutir mais

    especificamente a relao potica da linguagem.

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    belssimo percurso mostrando a necessidade terico-analtica de constante remisso do real da lngua, a incompletude, ao real da histria, a contradio. Afirmam que o real da lngua a impossibilidade de que tudo seja dito, que o potico um deslizamento inerente a toda linguagem, que a poesia uma propriedade da prpria lngua. Mostram que a contradio, como real da histria, impossibilita que o social se resolva na interao, exige que as condies materiais de produo sejam consideradas no conjunto das relaes sociais. Portanto, o trabalho com o real da lngua e o real da histria nos afirmam a impossibilidade da sntese e nos levam ao trabalho com a diferena no plano da cadeia significante e da produo dos sentidos. (http://www.discurso.ufrgs.br/sead/prog/s5_Suzy.pdf disponvel em 20 de outubro 2009)

    A noo de contradio, para AD, vem de encontro aos princpios divisrios do logicamente estabilizado. nela que Michel Pcheux tece sua desdisciplina. Pcheux nos lembra, a partir de Schaff, que a linguagem tida como (...) um sistema de signos verbais que serve para formular pensamentos no processo de reflexo objetiva, pela cognio subjetiva, e, para comunicar socialmente esses pensamentos sobre a realidade, bem como, as experincias emocionais, estticas, volitivas, etc., a esta relacionadas. (PCHEUX, 1997, p. 19-20). No h, para nosso autor, uma separao entre linguagem-sujeito e situao. A linguagem no um sistema parte que podemos acessar apenas por necessidade comunicativa. Somos sim, constitudos na e pela linguagem. Sendo assim, o que Pcheux pretendia, era pensar em posturas tericas a partir do atravessamento histrico. E, este atravessamento, fortemente determinado social, terica e politicamente.

    No se trata, contudo, de levantar bandeiras, e sim, trabalhar com as condies de produo e no apenas com os efeitos de circulao das teorias. Pcheux vislumbrava esta possibilidade a partir de um deslocamento terico da semntica. Porm, como ele mesmo dizia, era preciso ultrapassar a inteno e debruar-se nos fatos tericos que lhe interessavam. Assim, Pcheux iniciou tal exerccio terico pela anlise das posturas de Adam Schaff criticando as produes de evidncia em seus textos. Em sua leitura, Pcheux procura mostrar criticamente como Lgica (Matemtica) e Retrica (Linguagem) assumem posies de confronto. E, ainda, como na maioria das interpretaes tericas, tal confronto no pensado constitutivamente, e sim, antagonicamente, produzindo um efeito de dicotomia.

    As Cincias da Linguagem, assim como toda a Cincia com C maisculo, viveu a promessa de uma cincia rgia, baseada em conceitos rigorosos, buscando sempre o rigor cientfico. Tais cincias, como nos aponta Pcheux, buscavam um projeto de saber

    O projeto de um saber que unificaria esta multiplicidade heterclita das coisas-a-saber em uma estrutura representvel e homognea, a idia de uma possvel cincia da estrutura desse real, capaz de explicit-lo fora de toda falsa aparncia e de lhe assegurar

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    o controle sem risco de interpretao (logo uma auto-leitura cientfica, sem falha, do real) responde, com toda evidncia a uma urgncia to viva, to universalmente humana, ele amarra to bem, em torno do mesmo jogo dominao/ resistncia, os interesses dos sucessivos mestres desse mundo e os de todos os condenados da terra... que o fantasma desse saber, eficaz, administrvel e transmissvel, no podia deixar de tender historicamente a se materializar por todos os meios. (PCHEUX, 2006, p. 35)

    Toda essa formulao de uma Cincia da Linguagem seria, por fora da histria, colocada (a linguagem) mais para a Matemtica do que para a Poltica9. Assim, as dimenses sensveis e estticas (principalmente de materialidades no verbais, por seu carter de cambialidade) apresentavam dificuldades de formulao cientfica (exata), sendo que o cientfico era voltado de forma mais intensa ao logicamente estabilizado, unidade, ao entendimento.

    Na realidade, essa oposio condensa e exibe no domnio lingstico os efeitos de dualidade Lgica/Retrica, cuja suspeita evidncia acabamos de comentar; melhor dizendo, ela chama, irresistivelmente, para reflexo lingstica, consideraes sobre a relao entre objeto e propriedades do objeto, entre necessidade e contingncia, entre objetividade e subjetividade, etc., que formam um verdadeiro bal filosfico em torno da dualidade Lgico/Retrica. (...) Vemos, assim, como a questo lingstica, vem se articular a relao entre necessidade (enquanto ligada substncia) e contingncia (exprimindo a incidncia das circunstncias, dos pontos de vista e das intenes, que podem ou no juntar tal propriedade a tal objeto). (PCHEUX, 1997, p. 28 -29)

    Logo, todo o desenho (a palavra desenho aqui usada no sentido de projeto, como projeto arquitetnico, projeto de construo) da AD, conta, desde sua formulao, com uma prtica na qual a linguagem se coloca sempre em relao .

    Dessa forma, a AD nos faz abandonar essa dicotomizao histrica da linguagem justamente por fora de sua constitutividade terica. Dito de outro modo, o projeto terico-metodolgico de Pcheux, tomou como objeto a linguagem no mais como um sistema, mas, como organismo. Organismo vivo e cambiante. Em outras palavras, o objeto de estudo da AD no o sentido pronto e acabado. , sim, o processo de produo dos sentidos e as formas de constituio dos sujeitos.

    Mesmo na teoria do cinema possvel perceber que as ressonncias destas dicotomias postularam, durante muito tempo, como devamos perceber sua materialidade. De um lado a

    9 Efeitos desta posio so percebidos tambm na teoria do cinema, como por exemplo, no Cine-Lngua, visto

    primeiramente como um sistema, tomando linguagem como lngua (elemento verbal). Segundo Metz, do ponto de vista histrico O cine-lngua, no sentido amplo que lhe damos, fornece boa parte do que na poca ofereceu de melhor em matria de cinema; graas a ele, algo aconteceu na arte e na linguagem (2006, p.74).

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    lngua, a linguagem, de outro lado, a arte, como se esta fosse linguagem, ou, se forjasse por diferentes linguagens.

    Nesse sentido, pensamos ser importante adiantar um posicionamento de Christian Metz acerca da relao lngua, linguagem e cinema e esta falsa dicotomia. O autor vem ao encontro de nossa argumentao quando nos diz que

    Assim o que a lngua perde vem enriquecer a linguagem. Estes dois movimentos so um s. Tudo ocorre, no cinema, como se a riqueza significante do cdigo e da mensagem estivessem unidas entre si, ou melhor, desunidas pela relao obscuramente rigorosa de uma espcie de proporcionalidade inversa: o cdigo, quando existe, grosseiro; aqueles que acreditaram nele e que foram grandes cineastas, o foram apesar dele; a mensagem, ao se tornar mais complexa, passa por fora do cdigo; o cdigo, a qualquer momento, poder mudar ou desaparecer; a mensagem a qualquer momento, encontrar o meio de significar de outro modo (METZ, 2006, p. 65).

    Portanto, no se trata de perceber a linguagem presa a um sistema, ou, a um esquema linear de cdigo mensagem receptor, e sim, pensar a linguagem em sua relao complexa com a sociedade, com a histria e com a ideologia. Esse outro modo apontado pelo autor coloca a relao necessria e complexa da linguagem com a subjetividade e com as condies de produo de sentido, sempre em processo. Dito de outro modo, os sentidos operando na incompletude, na abertura, na possibilidade de sentidos outros.

    Por isso, o dispositivo terico-analtico da AD tomado, nesta tese, como um caminho possvel de especializao no gesto de interpretao da imagem enquanto discurso, enquanto processo e no enquanto produto.

    Propomos uma leitura pontual sobre o percurso terico analtico da AD.

    2.1 ABORDAGEM DISCURSIVA E SUA ESPECIFICIDADE

    Um processo analtico em AD considera sempre a particularidade do objeto analisado em sua singularidade, no negando suas condies de produo especficas. Por isso, falsas dicotomias no nos interessam. No vemos o corpus discursivo como um objeto de anlise isoladamente, e sim, sua relao constitutiva, sua imbricao histrica- social e ideolgica. essa imbricao que faz da AD, antes uma cincia do processo, do que do produto. Como nos lembra

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    Orlandi10: No h uma teoria pronta que sirva de instrumento para a anlise. no batimento teoria e anlise que o dispositivo da AD se constitui.

    Epistemologicamente, essa disciplina de entremeio constitui-se na imbricao terica da Lingustica, da Psicanlise e da Histria, e coloca, para tais disciplinas, questes que lhes so prprias: linguagem, sujeito e acontecimento histrico, porm, estabelece para tais questes um novo territrio e debrua-se sobre outro objeto de anlise: o discurso. Segundo Maldidier

    uma teoria do discurso postulada, enquanto teoria geral da produo dos efeitos de sentido, que no ser nem o substituto de uma teoria da ideologia nem o de uma teoria geral da produo dos efeitos de sentido, que no ser nem o substituto de uma teoria da ideologia nem o de uma teoria do inconsciente, mas poder intervir no campo dessas teorias (2003, p.21).

    Ou seja, pela sua prpria constitutividade histrica, a AD chama para si a tarefa de criticar o logicamente estabilizado e repudia um pensar terico hermtico. No texto que o prprio Pcheux considera uma de suas publicaes mais importantes Ls Vrits de La Palice percebemos que, na nota introdutria, o autor coloca sempre o termo linguagem entre aspas. Nota-se que em AD ainda no se havia formulado o conceito de matria significante. Esta uma ressalva importante. Por isso, reportamo-nos a esta nota introdutria de Pcheux, ao tematizar a histria da Semntica como parte da Lingustica. As aspas no verbete linguagem funcionam, em nossa leitura, como uma marca de que os sentidos da palavra linguagem no se restringem palavra, ou, a lngua, mas, s formas de produo de sentido, sejam elas verbais ou no.

    Mesmo a virada lingstica vem imbricada nessa esteira da dicotomizao da linguagem. Quando falamos em virada lingstica nos referimos s profundas transformaes, tanto filosficas quanto tericas, do sculo XX, as quais colocam a linguagem como relao constitutiva do mundo e, no apenas, como algo diverso dele, como um sistema a ser acessado, ou ainda, um instrumento/ferramenta a ser utilizado.

    Nigro, em sua tese de doutorado Desconstruo da linguagem poltica, nos lembra que a relao entre a linguagem e o mundo no pode ser explicada logicamente porque o mundo linguagem. A linguagem sempre j anterior a toda pergunta especfica sobre qualquer coisa no mundo. A linguagem abre o mundo, ela tem papel constitutivo na nossa relao com o mundo, mas no um objeto do mundo e, por isso, no podemos simplesmente submet-la s distines tradicionais, como entre realidade e representao. O que parece difcil de entender esta interpenetrao indissolvel, esta contaminao incontornvel entre a linguagem e o mundo. Nosso contato com a

    10 Nota introdutria do livro de Maldidier (2003, p.10)

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    realidade encontra-se, desde sempre e desde j, lingisticamente estruturado. No h como escapar da linguagem, no h um fora da linguagem, nem pensamentos pr-lingsticos. Todas as oposies que estruturam nosso pensamento so oposies lingsticas e nada pode ser pensvel sem elas (2007, p.32).

    A questo da linguagem assim no estaria mais desvinculada da histria, da sociedade e da ideologia. Por isso, a importncia fundamental da obra de Pcheux est justamente em seu comprometimento poltico e sua luta incansvel contra o logicamente estabilizado. Isso faz da AD uma disciplina (ou, uma des-disciplina, como diria Orlandi) de interpretao.

    A AD permite, ao analista, estar aberto s possibilidades de anlise da linguagem, do discurso, pois se preocupa com a dimenso simblica. justamente porque a AD preocupa-se com a dimenso simblica que ela no se restringe ao verbal, o que abre para a possibilidade de anlise das diferentes materialidades. Nosso foco a materialidade discursiva. A dimenso simblica abrange diferentes materialidades, portanto, assume a lngua como um dos atravessamentos possveis de discursos que se ocupem de outra materialidade, como por exemplo, a imagem, o som, o gesto...

    Trata-se de discursos de sujeitos e sentidos nos quais a histria ressoa, essa a diferena fundamental frente s demais abordagens.

    Retomamos a posio de Pcheux

    Pensamos que uma referncia Histria, a propsito das questes de Lingstica, s se justifica na perspectiva de uma anlise materialista do efeito das relaes de classe sobre o que se pode chamar de prticas lingsticas inscritas no funcionamento dos aparelhos ideolgicos de uma formao econmica e social dada: com essa condio, torna-se possvel explicar o que se passa hoje no estudo da linguagem e contribuir para transform-lo, no repetindo as contradies, mas tomando-as como efeitos derivados da luta de classes hoje em um pas ocidental, sob dominao da ideologia burguesa. (PCHEUX, 1997, p. 24)

    nessa medida que o simblico traz o poltico. Quando no dicotomizamos a linguagem e sim, assumimos sua constitutividade intrnseca: sujeitos e sentidos se constituem constituindo-se. E, este processo no algo exclusivo de materialidades verbais. Sentidos no se sustentam apenas pela palavra. Os sentidos so produzidos scio-histrica-ideologicamente. E, ainda, no processo de interpelao de indivduo em sujeito, bem como, nos modos de subjetivao desses sujeitos.

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    A abordagem discursiva formula-se justamente no espao de sujeitos e sentidos, e, coloca-se em relao (ideologia sociedade histria). A postura da AD a de confrontar-se, marcadamente, frente s cincias e s abordagens do logicamente estabilizado.

    A partir de uma trilogia terico-subversiva (nas palavras de Pcheux), filiada a Marx, Freud e Saussure, a AD provoca um deslocamento nos conceitos de mecanismos de linguagem. A filiao terica da AD se deu a partir de uma base materialista visando, segundo Pcheux (2006, p. 44), (...) multiplicar as relaes entre o que dito (em tal lugar), e dito assim e no de outro jeito, com o que dito em outro lugar e de outro modo, a fim de se colocar em posio de entender a presena de no-ditos no interior do que dito.

    Assim, a AD coloca-se desde sua constituio como uma disciplina de interpretao. Orlandi nos lembra que a relao: Marxismo - Psicanlise - Lingustica marcam a anlise de discurso de forma particular, e, sobretudo, do um tom particular noo de ideologia, demarcando a semntica discursiva da filosofia marxista da linguagem. (2004, p. 146)

    Foi tecendo outras aproximaes tericas e de procedimentos (Lacan, Barthes, Derrida, Foucault, Wittgenstein11) que Pcheux pensou na possibilidade analtica de diferentes materialidades discursivas e chegou formulao da teoria do discurso, tal como a conhecemos hoje. Tais aproximaes e interlocues permitiram delinear efetivamente que, analisar um discurso, no quer dizer, necessariamente, analisar somente enunciados verbais.

    (...) essa aproximao engaja concretamente maneiras de trabalhar sobre materialidades discursivas, implicadas em rituais ideolgicos, nos discursos filosficos, em enunciados polticos, nas formas culturais e estticas, atravs de suas relaes com o cotidiano, com o ordinrio do sentido (PCHEUX, 2006, p.49).

    Sublinhamos, tambm, nossa leitura de Paul Henry. Esse autor assume uma posio com a qual compartilhamos e que ser textualizada durante a escritura da tese como um todo

    (...) a distino do verbal e no verbal no tem sentido: o nvel do significante, aquele que Lacan chama de o simblico. O simblico no a linguagem. Seria preciso dizer sobretudo que a linguagem simblico realizado, com a condio de conceb-lo simplesmente como um certo registro de materialidade em que se podem inscrever,

    11 Por exemplo, Pcheux sublinha de Wittgenstein o extremo interesse de uma aproximao, terica e de

    procedimentos, entre as prticas de anlise da linguagem ordinria (na perspectiva anti-positivista...) e as prticas de leitura de arranjos discursivo-textuais (oriundas de abordagens estruturais) (PCHEUX, 2006, p.49). De Lacan, a forma-sujeito. Segundo P. Henry (1992, p.188) O sujeito sempre, e ao mesmo tempo, sujeito da ideologia e sujeito do desejo inconsciente e isso tem a ver com o fato de nossos corpos serem atravessados pela linguagem antes de qualquer cogitao. Em Foucault e sua arqueologia, Pcheux especializou conceitos foucaultianos como, por exemplo, o de Formao Discursiva. E Derrida, acerca do descentramento do sujeito.

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    materialmente, as relaes de significante com significante e no sob a modalidade do verbal e do no-verbal. preciso acrescentar que, se a linguagem do simblico realizado em formas e substncias (...) (HENRY, 1992 p.164).

    Tais posies vm reforar nossos argumentos na escritura desta tese, pois nossas perguntas de anlise estaro voltadas s formas culturais e estticas. Dessa forma, no estaremos nos perguntando pelo que verbal, ou, pelo que no verbal, mas sim, sobre as condies de produo, funcionamento e circulao de discursos de apelo esttico, melhor dizendo, do DA. Dito de outro modo, a condio para nossas perguntas (na abordagem discursiva) no est na forma, mas, no discurso e nos efeitos de sentido e posies-sujeito que circulam e inscrevem-se nesse discurso. Como nos diz Orlandi12 o discurso uma das instncias materiais (concretas) da relao linguagem/pensamento/mundo, pois no se trata de uma ligao direta, ou linear, mas, uma relao. Assim, trazemos para o aporte terico a formulao da autora sobre funcionamento discursivo.

    O funcionamento discursivo (...) a atividade estruturante de um discurso determinado, por um falante determinado, para um interlocutor determinado, com finalidades especficas. Em um discurso, ento, no s se representam os interlocutores, mas tambm a relao que ELES mantm com a formao ideolgica. E isto est marcado no e pelo funcionamento discursivo (ORLANDI, 1987, p. 125).

    A questo do funcionamento discursivo nos muito cara, nos d uma sustentao necessria para o processo de anlise e permite que o analista considere as particularidades do funcionamento da matria significante que analisa. Isso marca muito bem uma posio de uma anlise discursiva frente s outras tipologias analticas. Pois, se durante um processo de anlise, o analista no tiver considerando o tempo todo o batimento materialidade e exterioridade, pode correr o risco de voltar-se a uma anlise que ressalte simplesmente a estrutura da matria que est analisando, e perca de vista sua dimenso discursiva. preciso estar atento que discurso , sempre, estrutura e acontecimento.

    Pcheux nos chama a ateno para o fato de que, para realizarmos uma prtica analtica a partir desses procedimentos, so necessrias certas exigncias:

    1. A primeira exigncia consiste em dar o primado aos gestos de descrio das materialidades discursivas. Uma descrio, nesta perspectiva, no uma apreenso fenomenolgica ou hermenutica na qual descrever se torna indiscernvel de interpretar:

    12 Ver Orlandi Interpretao: autoria e efeitos do trabalho simblico (2004, p. 12).

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    essa concepo da descrio supe ao contrrio o reconhecimento de um real especfico sobre o qual ela se instala: o real da lngua. (...) 2. A conseqncia do que precede que toda descrio (...) est intrinsecamente exposta ao equvoco da lngua: todo enunciado intrinsecamente suscetvel de tornar-se outro, diferente de si mesmo, se deslocar discursivamente de seu sentido para derivar para um outro. (...) 3. Este ponto desemboca sobre a questo final da discursividade como estrutura ou como acontecimento. A partir do que precede, diremos que o gesto que consiste em inscrever tal discurso dado em tal srie, a incorpor-lo a um corpus, corre sempre o risco de absorver o acontecimento desse discurso na estrutura da srie medida em que esta tende a funcionar como transcendental histrico, grade de leitura ou memria antecipadora do discurso em questo. (PECHEUX, 1997, p. 51-56)

    A primeira exigncia evocada pelo autor, acerca das materialidades discursivas, provoca o olhar do analista de discurso, a fim de lembr-lo de que no se trata de pensar hermeticamente e a priori o discurso, e sim, ocupar-se primeiramente de uma observao na condio de existncia da ordem do simblico. Em conseqncia disso, tem-se a importncia de procedimentos capazes de explicitar, o que mais tarde, o prprio autor nomear de falha.

    Mais uma vez, Pcheux coloca em xeque a questo do logicamente estabilizado, ao afirmar que h uma diviso discursiva que atravessa dois espaos: o da manipulao de significaes (o que caracteriza o logicamente estabilizado13); e o espao de transformaes de sentido, aquilo que escapa, aquilo que desestabiliza o que permite o deslizamento de sentido, o que torna possvel o gesto de leitura.

    No entanto, Pcheux ainda nos aponta a dificuldade que h em determinarmos essa zona intermediria de processos discursivos, pois o acontecimento discursivo no se d de forma regular, o lugar do acontecimento no totalmente definido. O acontecimento discursivo acontece no interior das construes discursivas que so constantemente afetadas e atravessadas por diferentes processos.

    A noo de processo fundamental para a AD, principalmente quando pensamos na diversidade de matrias significantes. Pensar no processo de significao eis a crtica fundamental Semntica Tradicional e s dicotomizaes. Para Pcheux, a Semntica no s mais um nvel referente ao mesmo passo da Sintaxe, Morfologia e Fonologia. A semntica pe-se questes de ordem filosfica ao considerar o materialismo14, e questes da ordem da determinao histrica, quando considera as cincias humanas e sociais.

    13 No logicamente estabilizado no haveria construo de sentido, apenas reproduo de sentido. Ibid 52

    14 Aqui pensamos nas palavras de Althusser (1978) em seu texto Resposta John Lewis, quando o autor nos

    lembra que as teses filosficas, apesar de sempre contraditrias, provocam efeitos nas prticas sociais, e, entre elas na prtica poltica e na prtica cientfica (p.34) E, ainda a filosofia , em ltima instncia, luta de classes na

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    A noo de processo traz tona a questo do materialismo matria substncia suscetvel de formas. O materialismo dialtico a doutrina do marxismo que tem como idia central no ser o mundo um aglomerado de coisas acabadas; mas sim, um organismo em processo movimento sem fim.

    Para pensar as questes da linguagem em relao ao dispositivo terico que Pcheux formula duas noes que so fundamentais: processo e movimento.

    Os sentidos no tm um fim em si mesmo, to pouco, esto fechados ou estanques. O sentido sempre pode ser outro porque pode ser construdo sempre de um lugar diferente, o lugar da interpretao instvel. E nesse lugar de entremeio que a AD trabalha. Nesse espao, o outro sempre possvel.

    Segundo Pcheux, que h, ou transferncia, ou identificao pelas relaes que se abrem s possibilidades de interpretao.

    Colocar-se neste campo do acontecimento, do funcionamento discursivo, significa, como nos mostra Orlandi, trabalhar com a produo de sentido e no apenas com os produtos de linguagem.

    A autora ressalta ainda:

    Se pensarmos agora na importncia desse modo de se considerarem os procedimentos da anlise discursiva, devemos lembrar que a epistemologia que interessa anlise do discurso no se alinha no paradigma da epistemologia positivista, mas no da histrica, e, em relao a esta, no da descontinuidade, suprimindo, com efeito, a separao entre objeto/sujeito, exterioridade/interioridade, concreto/abstrato, origem/filiao, evoluo/produo, etc. desse modo que a concepo de linguagem, na anlise de discurso, traz para a reflexo a questo da historicidade (ORLANDI, 2004, p. 36).

    Sendo assim, a noo de acontecimento posta em relao de historicidade importante na medida em que mobiliza o processo de produo de sentido, e no o sentido enquanto pronto e acabado, enquanto produto. Tal movimento prprio do discurso, de todo e qualquer discurso, o mesmo ocorre com o DA. O acontecimento do DA efeito do acontecimento e dos sentidos que circulam nele, e no mundo que o circunda.

    Por isso, quando falamos em DA preciso que estejamos atentos s diferentes materialidades que o constituem. Ao enfatizarmos a materialidade de uma produo audiovisual, por exemplo, preciso levar em conta que se trata, primeiramente de uma materialidade que

    teoria (p.17). Dentre as prticas sociais nas quais tais teses provocam efeitos, est tambm a Arte, como aponta o autor, neste mesmo texto. (p.35).

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    desfaz a dicotomia verbal-no-verbal, pois, se constitui da/na imbricao material (som/imagem fixa e mvel/gestualidade, etc.). O dispositivo terico-analtico da AD especializa a compreenso dessa materialidade e rompe, epistemologicamente, com a rigidez metodolgica e a reduo estilstica.

    A perspectiva discursiva na interpretao da produo artstica capaz de compreender a produo e deslocamentos de sentidos dessas materialidades.

    A noo de linguagem dever ser tomada como matria-prima e no poderia haver avano materialista sobre a questo da linguagem que no se constitua de uma ruptura com relao s oposies entre forma e substancia ou entre mecanismo e contedo to caras, nos dois sentidos da palavra, a toda psicologia assim como a toda a semntica do sentido literal e do sentido figurado. na medida em que rompemos com essas oposies que podemos evitar a armadilha do formalismo e do reducionismo (HENRY, 1992, p. 165).

    , justamente, por a AD constituir-se a partir das filiaes tericas da lingstica, do materialismo histrico e da psicanlise que ela a AD enquanto dispositivo terico-analtico, especializa o gesto de interpretao de materialidades significantes em toda e qualquer linguagem.

    neste espao de inscrio terica e metodolgica que pretendemos discutir mais especificamente a materialidade significante objeto desta tese: a imagem flmica em sua imbricao material.

    2.2 OBJETO DISCURSIVO: EFEITOS DE SENTIDO

    Propomos refletir sobre os processos discursivos e materialidades significantes (som/palavra/imagem/gestualidade...) em sua imbricao material, em sua relao constitutiva e no dicotmica ou antagnica. Dessa forma, tomamos nossa materialidade no nvel do simblico. Como nos prope Henry (1992, p. 165), o simblico aquilo que, na linguagem, constitutivo do sujeito como efeito.

    As perguntas de anlise que tm sido feitas at agora colocam o verbal e a imagem em posies antagnicas. Tal oposio, em nosso entender, refora o efeito de dicotomia. Dito de outro modo, perguntar dicotomicamente : no assumir verbal e imagem numa relao de

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    constitutividade. Mesmo que seja uma relao de confronto, ainda assim, essa relao ser sempre constitutiva. essa a diferena fundamental que pretendemos apresentar em uma anlise do funcionamento do DA filiada a uma perspectiva discursiva.

    A diviso dicotmica das diferentes materialidades significantes no procedente, nem to pouco produtiva para a anlise do discurso, pelo menos para a AD que se faz hoje, principalmente no Brasil, a partir das noes elaboradas por Orlandi15. A autora nos mostra que possvel realizar anlises discursivas de diferentes materialidades de linguagem. Orlandi nos chama a ateno para o fato de que a AD uma disciplina de interpretao, e assim, deve-se pensar que

    A interpretao est presente em toda e qualquer manifestao da linguagem. No h sentido sem interpretao. Mais interessante ainda pensar os diferentes gestos de interpretao, uma vez que as diferentes linguagens, ou diferentes formas de linguagem, com suas diferentes materialidades, significam de modos distintos. (ORLANDI, 2004, p.9)

    Sendo uma questo de interpretao, as marcas do mesmo e/ou do diferente, esto na unidade de sentido, e no nesta ou aquela materialidade. Pensar nessa separao pensar somente voltado forma, estrutura. Paul Henry chama-nos a ateno para os seguintes aspectos: de que na fala em relao a outras coisas, e no na fala em si mesma, que est a noo de linguagem, e esta no diz respeito apenas oralidade ou escrita, mas fala no sentido mais amplo, de dizer.

    O conceito de lngua no tem outra funo alm de permitir que se pense o registro da materialidade do que se repete realmente no discurso ou na fala enquanto fala verbal ou discurso verbal (ou grfico) para alm de todas as variaes de forma ou de substncia. O desejo inconsciente implica tambm uma repetio, uma volta do mesmo sob as diferenas. isso o real do desejo inconsciente e nada mais. Todavia, preciso situar essa repetio no nvel em que a distino entre fala verbal e fala no-verbal perde todo sentido mesmo se, na prtica analtica, na fala verbal que ela identificada, mesmo se a prtica de anlise apenas uma experincia de discurso. (HENRY 1992, p. 163-164)

    Consideramos ser produtivo tomar a materialidade audiovisual como elemento analtico em uma perspectiva discursiva. Afirmamos, no incio da reflexo, que o audiovisual (principalmente do cinema e do vdeo) uma materialidade que, como j dissemos, desfaz a

    15 H de se considerar o volume de trabalho e os avanos tericos de formulaes em AD realizados no Brasil,

    principalmente a partir de Orlandi e pesquisadores de seu grupo, sobretudo no LABEURB Laboratrio de Estudos Urbanos da UNICAMP - SP.

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    dicotomia verbal/no verbal, pois uma materialidade que s significa no movimento da imbricao material: ela pode constituir-se do sonoro, do visual, do gestual e do verbal ao mesmo tempo.

    Assim, ressaltamos dois pontos sobre os quais debruaremos nossa reflexo nesta tese: I. A materialidade audiovisual (do cinema, enquanto materialidade significante, porm em relao com outras materialidades como, por exemplo, a imagem pictrica) e, II. A perspectiva discursiva, (e o funcionamento do DA). Tais nfases mobilizam fundamentalmente, dois conceitos: movimento e processo conceitos fundantes do discurso, como nos ensina Pcheux.

    Acreditamos que Orlandi, em Interpretao, autoria e efeitos do trabalho simblico, no s sustenta nosso argumento at aqui, como tambm o legitima:

    A esta abertura, isto , no h linguagem em si, soma-se o que temos concebido como a abertura do simblico. Antes de tudo porque a questo do sentido uma questo aberta, pois como afirma P. Henry (1993), uma questo filosfica que no pode decidir categoricamente. Por outro lado, no h um sistema de signos s, mas h muitos. Porque h muitos modos de significar e a matria significante tem plasticidade, plural. Como os sentidos no so indiferentes matria significante, a relao do homem com os sentidos se exerce em diferentes materialidades, em processos de significao diversos: pintura, imagem, msica, escultura, escrita, etc. A matria significante e/ou a sua percepo afeta o gesto de interpretao, d uma forma a ele (ORLANDI, 2004, p. 12).

    assumindo essa relao de constitutividade, de pluralidade da/na matria significante, que percebemos como a lngua atravessa, e atravessada, por plasticidades mltiplas. O que nos interessa o trabalho da interpretao e sua abertura ao simblico. Seguimos para a compreenso da matria significante imagem e seus atravessamentos histricos, sociais e ideolgicos. Fundamentalmente, o que queremos dizer : - no processo de interpretao da imagem, no possvel ao sujeito, calar a lngua. Mas, h, na imagem, uma lngua que no regrada pelo idioma, nem por isso, isenta ou alheia ao discurso.

    O mestre Pcheux, deixou-nos uma pista muito importante no que tange a anlise de imagem em seu texto o Papel de Memria: A questo da imagem encontra assim a anlise de discurso por outro vis: no mais a imagem legvel na transparncia, por que um discurso a atravessa e a constitui, mas a imagem opaca e muda, quer dizer, aquela da qual a memria perdeu o trajeto de leitura (1999, p. 55).

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    Ao nos chamar a ateno para a opacidade da imagem, o mestre nos provoca o questionamento: o que pode e o que no pode ser visto16? Parafraseamos: o que pode e o que no pode ser dito?. A imagem para a AD no tomada em si mesma, mas na relao (sujeito e situao), na cadeia significante, no processo, no curso dos sentidos, no Discurso. Como Lagazzi (2004) j tem perguntado em algumas de suas anlises: - Como a imagem acessa a memria, e, como acessada por ela?

    Se, por um lado, a imagem dotada de discursividades, por outro lado, sua leitura/interpretao igualmente constituda pelos esquecimentos que so prprios do gesto de interpretao do sujeito. Nosso acesso imagem ser sempre mediado pela incompletude. para essa relao que as questes de Lagazzi convergem.

    Desta forma, no apenas questionar-se, frente a uma imagem, como seus elementos compositivos17 relacionam-se entre si, mas, como so possveis os efeitos de sentidos provocados por esses elementos. Ou seja, para alm da intertextualidade, preciso pensar na ordem do interdiscursivo. E, assim, efeitos de sentidos e memria esto intrinsecamente ligados. saber que a imagem se inscreve num discurso que a atravessa e a constitui. E com isso estamos lanados s condies de produo do discurso e no da imagem isoladamente.

    Aumont, autor de textos sobre cinema, que comunga de muitos pontos de abordagem materialista, chama-nos a ateno para o fato de que as funes da imagem so as mesmas que, no curso da Histria foram tambm as de todas as produes propriamente humanas, que visavam estabelecer uma relao com o mundo (1993, p. 79-80)

    O autor ainda prope um quadro (efeito, marcadamente, de uma postura estruturalista) sobre as diferentes funes e/ou modos de como a imagem, ao longo da histria da humanidade e da civilizao, foram se transformando frente aos acontecimentos histricos e sociais.

    Assim, segue:

    16 Existem algumas teses frente s novas proposies da Histria da Arte, nas ltimas dcadas, as quais se propem

    compreender o invisvel no sentido do ilegvel na imagem. Como, por exemplo, Didi-Huberman. 17

    No nos interessa aqui discutir a imagem enquanto forma plstica ou compositiva do ponto de vista da teoria da forma ou da cor. O que nos interessa, acima de tudo, pensar na imagem enquanto discursividade. Assim, ao

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    Modos principais das funes da Imagem Modo simblico Modo epistmico Modo esttico Imagens serviam de smbolos Smbolos Religiosos Novos valores Novas formas polticas

    Imagem traz informao Funo geral do conhecimento Funo ampliada na modernidade

    Imagem destinada a agradar/ oferecer sensaes (aisthsis) Funo indissocivel da noo de ARTE Hoje na publicidade.

    (AUMONT, 1993 p. 80-81)

    primeira vista nos parece evidente, ou, como diria Pcheux, uma viso da imagem pensada a partir de um logicamente estabilizado. No entanto, a relao de imbricao entre a lngua e a imagem algo bem mais complexo que isso. O que gostaramos de ressaltar em tal quadro, que a imagem, no que diz respeito a sua produo e formas de circulao (no h como produzir uma imagem, sem considerar as formas de circulao e como estas influenciam a memria social de/na produo de imagens), no passa alheia a um processo social, histrico ou ideolgico. Chamamos a ateno, no entanto, para o fato de que, embora tais funes se modifiquem nas abordagens funcionalistas do autor, no ocorrem de forma estanque ou isoladas. Podem provocar um efeito predominantemente esttico ou epistmico, mas ainda assim, em nossa perspectiva discursiva, sempre sero simblicas.

    preciso ter em conta o que nos aponta Pcheux, em seu texto O Discurso: Estrutura e Acontecimento: a histria uma disciplina de interpretao (2006, p.42).

    Assim, tomamos o quadro mencionado como um indicativo de que as imagens tm, sim, seus atravessamentos discursivos. Desta forma, cada um dos modos no so, como dissemos, estanques, pois circulam na histria e na sociedade.

    Assumimos o jogo significante da imagem, mas colocamos esse jogo em relao memria, em relao ao interdiscurso. Entendemos discurso, como nos postula o Mestre Pcheux, enquanto estrutura e acontecimento. O DA como um movimento de interpretao que se inscreve na histria.

    Em uma aproximao terica da perspectiva da AD com a tese de Aumont sobre a imagem, sublinhamos de seu texto o seguinte pargrafo:

    A produo de imagens jamais gratuita, e, desde sempre, as imagens foram fabricadas para determinados usos, individuais ou coletivos. Uma das primeiras respostas nossa questo passa, pois, por outra questo: para que servem as imagens (para que queremos

    pensarmos na imagem pictrica e na imagem flmica, no estamos pensando em processo tcnico de produo, e sim, enquanto processo discursivo de produo, enquanto condies de produo.

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    que elas sirvam)? claro que, em todas as sociedades, a maioria das imagens foi produzida para certos fins (de propaganda, de informao, religiosos, ideolgicos em geral), sobre o que falaremos depois. Mas num primeiro momento, e para melhor nos concentrarmos na questo do espectador, examinaremos apenas uma das razes essenciais da produo de imagens: a que provm da vinculao da imagem em geral com o domnio simblico, o que faz com que ela esteja em situao de mediao entre o espectador e a realidade (AUMONT, 1993, p. 78).

    Tal nfase vem reforar nossa posio de anlise de que o que nos interessa o funcionamento do discurso nessa materialidade da imagem inscrita na arte. Uma frase dita por um pintor argentino nos parece procedente: Rodin deca que no haba que dibujar la mano cuando te acaricia sino cuando va hacia la caricia. Yo no te quiero pintar a vos, quiero pintar lo que hay entre vos y yo. (Roberto Duarte). Ento, a questo da imagem tambm uma questo de posio de discurso recolhida no lao do social. Um lao que marca sua forma de dizer no discurso. Tal lao independe da imagem pictrica, da imagem fotogrfica ou da imagem flmica, se estas forem vistas como objetos isolados. No entanto, se a imagem for reconhecida como objeto discursivo, ela sempre uma forma de dizer, de si, do outro, da sociedade, na histria.

    preciso, contudo, que consideremos, a respeito da imagem, tambm sua inscrio na arte. a inscrio no dizer artstico que faz com que tal materialidade produza efeitos diferentes, o que pode ocorrer inclusive com as palavras. Lembramos aqui de um posicionamento de Metz a respeito da relao linguagem e arte no cinema (...) assim, como a linguagem verbal, pode ter mil empregos utilitrios, no est proibida de se tornar encantao, poesia, teatro, romance. A especificidade do cinema a presena de uma linguagem que quer se tornar arte no seio de uma arte que, por sua vez, quer se tornar linguagem. (2006, p.76)

    Por isso, a inscrio da matria significante, para a AD, sempre considerada. A matria significante Imagem carrega a marca de discursos outros em suas diferentes

    formas de circulao. E, marca ideologicamente, enquanto discurso, uma posio de dizer a sociedade na histria. Como no afirmar isso, ao pensarmos, por exemplo, na Vnus de Boticcelli ou na Marilyn Monroe de Andy Warhol, dois dizeres sobre a mulher que carregam na imagem, as marcas dos acontecimentos histrico-sociais de suas pocas.

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    Nesses dois discursos, h um funcionamento de memria pela imagem, pela cor e pelos modos de circulao dessas imagens. Dois discursos sobre o feminino fortemente marcados por suas condies histricas e sociais. No pretendemos realizar aqui uma anlise discursiva de tais imagens, apenas apontar como marcam posies discursivas na histria da arte. Acreditamos que as imagens sejam midiatizadas de formas diferentes, com atravessamentos histricos diferentes, com qualidade plstica e materialidades diferentes. Na imagem 01, temos a fora de uma Formao Discursiva (FD18) que vem pelo religioso e uma plasticidade essencialmente pictrica atravessada por um dizer da arte clssica. O historiador da Arte Gombrich aponta-nos para o fato que os letrados do Renascimento, na era Clssica, representavam a possibilidade de erudio, os mitos gregos e romanos eram vistos como fonte de sabedoria. Estavam convencidos da sabedoria superior dos antigos, que acreditavam estar contida nessas lendas clssicas alguma verdade profunda e mister