tese mestrado direito cidadania
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(IN) SEGURANA E (RESTRIO DOS) DIREITOS
FUNDAMENTAIS DOS MILITARES
DISCIPLINA MILITAR
MARIA BERNARDETE RODRIGUES SABINA ROSA CALHAO
Dissertao apresentada na Faculdade de Direito da
Universidade Nova de Lisboa, para a obteno do
grau de Mestre em Direito e Segurana.
LISBOA
Maro de 2010
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(IN) SEGURANA E (RESTRIO DOS) DIREITOS
FUNDAMENTAIS DOS MILITARES
DISCIPLINA MILITAR
MARIA BERNARDETE RODRIGUES SABINA ROSA CALHAO
ORIENTAO: PROFESSOR DOUTOR JORGE BACELAR GOUVEIA
Dissertao apresentada na Faculdade de Direito da
Universidade Nova de Lisboa, para a obteno do
grau de Mestre em Direito e Segurana.
LISBOA
Maro de 2010
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minha me Lurdes e ao meu marido Nuno.
Eles sabem porqu...
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Ao Professor Doutor Jorge Bacelar Gouveia, agradeo-lhe
a permanente disponibilidade para a orientao da
presente dissertao e o exemplo, de dedicao ao
trabalho, a seguir.
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Assim sendo, um comandante hbil procura a vitria atravs das
situaes e no a exige dos seus subordinados. Escolhe os homens
adequados e explora as situaes. Aquele que tira partido das situaes
usa os seus homens em combate como quem faz rolar toros e pedras.
Pela sua prpria natureza, os toros e as pedras permanecem imveis
num terreno plano, mas tendem a rolar numa encosta. Se quadrados,
param; se redondos, rolam. Quem sabe utilizar tropas em combate
incute-lhes uma fora comparvel de pedras redondas lanadas de
uma alta montanha. esta a fora do Exrcito.
SUN TZU, A Arte da Guerra
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NDICE
APRESENTAO.................................................................................................... 9 CAPTULO I - AS FORAS ARMADAS VOLUNTRIAS NO ESTADO
CONSTITUCIONAL ....................................................................................... 13 1.1. A CONSTITUCIONALIZAO DAS FORAS ARMADAS
PORTUGUESAS ............................................................................................. 13 1.2. O SERVIO MILITAR VOLUNTRIO ........................................................ 14 CAPTULO II - A RESTRIO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS
MILITARES ..................................................................................................... 18 2.1. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS EM GERAL ............................................ 18 2.2. A APLICABILIDADE DIRECTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O
ESTATUTO SOCIAL MNIMO ..................................................................... 19
2.3. A RESTRIO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS MILITARES .... 20 2.4. OS FUNDAMENTOS DA RESTRIO ........................................................ 23 2.5. O APARTIDARISMO E A ISENO POLTICA EM ESPECIAL .............. 27
2.6. AS MANIFESTAES MILITARES: RESTROSPECTIVA HISTRICA .. 30
2.6.1. ANO DE 2005 ................................................................................................ 31
2.6.2. ANO DE 2006 ................................................................................................ 33
2.6.3. ANO DE 2007 ................................................................................................ 34
2.6.4. ANO DE 2008 ................................................................................................ 35
2.6.5. ANO DE 2009 ................................................................................................ 43
CAPTULO III - A DISCIPLINAR MILITAR....................................................... 46 3.1. O REGIME DISCIPLINAR E OS DEVERES MILITARES ESPECIAIS ..... 46
3.2. O PROCESSO DISCIPLINAR MILITAR ...................................................... 48
3.2.1 A CELERIDADE, SIMPLICIDADE E NATUREZA SECRETA DO
PROCESSO ..................................................................................................... 49
3.2.2. DA NOTCIA DA INFRACO AO EXERCCIO DA ACO
DISCIPLINAR ................................................................................................. 51
3.2.3. A INDEPENDNCIA E AUTONOMIA DO PROCEDIMENTO
DISCIPLINAR ................................................................................................. 56
3.2.4. A NOMEAO DO OFICIAL INSTRUTOR E A INSTRUO DO
PROCESSO DISCIPLINAR .......................................................................... 57
3.2.5. O DIREITO DE DEFESA DO ARGUIDO ................................................ 64
3.2.6. O RELATRIO DO OFICIAL INSTRUTOR .......................................... 70
3.2.7. A DECISO: A APLICAO CONCRETA DA PENA DISCIPLINAR75
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3.2.8. A NOTIFICAO DA DECISO FINAL ................................................ 83
3.2.9. OS EFEITOS DAS PENAS DISCIPLINARES E O SEU
CUMPRIMENTO ........................................................................................... 84
3.2.10. OS MEIOS DE IMPUGNAO .............................................................. 87
3.2.11. A TUTELA CAUTELAR DE DIREITOS ............................................... 91
3.2.12. A EXTINO DA RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR ................ 95
CAPTULO IV - RESULTADOS E DISCUSSO ................................................ 97 CAPTULO V PRINCIPAIS FONTES ............................................................. 113 FONTES BIBLIOGRFICAS .............................................................................. 113 MONOGRAFIAS .................................................................................................. 113 ARTIGOS DE PUBLICAO EM SRIE .......................................................... 116 DOCUMENTOS LEGISLATIVOS E OFICIAIS................................................. 118
INTERNACIONAIS / EUROPEUS .................................................................... 118
ESPANHIS ......................................................................................................... 119
NACIONAIS ......................................................................................................... 119
PARECERES E ACRDOS ............................................................................ 123
FONTES NA INTERNET ..................................................................................... 123
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APRESENTAO
A vida em sociedade pressupe uma ordem. A sociedade exige de cada um dos
seus membros o reconhecimento de que as condutas individuais devem obedecer a um
conjunto de normas exteriores ao indivduo, isto , independentes da sua vontade, que
defendem e garantem a ordem social, preservando a sobrevivncia do grupo. Cada
pessoa , assim, persuadida a pautar o seu comportamento pelas normas de conduta
social vigentes, que concretizam e reflectem os valores aceites pelo grupo.
Os valores, enquanto concepes gerais do bem, legitimam as normas e mantm
a coeso porquanto so socialmente aceites e compartilhados por todos os membros do
grupo (identidade).
Neste sentido, as normas, expresso dos valores aceites, integram padres de
comportamento (ou modelos) a seguir por cada um dos membros do grupo, que obstam
ou anulam ao desenvolvimento de qualquer desvio comportamental (mecanismos de
controlo social).
O constrangimento social tem, deste modo, um papel preponderante na
organizao da vida social. O grupo exerce em cada indivduo uma influncia passvel
de o submeter s normas sociais, impedindo-o de actuar contra a conduta e a identidade
comum reconhecida no grupo. Para vencer a resistncia relativamente adeso aos
padres de conduta impostos, a sociedade recorre a medidas que vo desde o conselho,
a sugesto e a persuaso at coaco. Nas sociedades civilizadas, os meios utilizados
so, geralmente, as sanes legais. A escola, a famlia, os meios de comunicao social,
a justia, as foras policiais e outras instituies do Estado cooperam na obra
orientadora, educativa e repressora do controlo social.
Neste contexto se insere o conceito de disciplina, consubstanciada no conjunto
dos deveres, leis e demais preceitos, de natureza legal (as normas jurdicas1), ou no
1 A norma jurdica patenteia a caracterstica da coercibilidade, tendo, na sua essncia, o objectivo
da realizao de trs dimenses fundamentais, traduzidas nos conhecidos brocardos latinos honeste vivere
(no abusar dos seus direitos), alterum non laedere (no prejudicar ningum) e suum quique tribuere (dar
ou entregar a cada um o que seu).
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(vejam-se, por exemplo, as normas sociais nascidas de valores ticos, morais, religiosos,
econmicos e polticos), que regem a sociedade civil.
Mas no mbito militar que o conceito de disciplina apresenta contornos mais
definidos. Aqui emerge todo um conjunto de imperativos e regras de conduta
particulares aos quais se submetem todos os militares, com absoluto e necessrio rigor.
Dadas as exigncias especficas em matria de disciplina, as Foras Armadas regem-se
pela aplicao de um regime disciplinar prprio, plasmado no Regulamento de
Disciplina Militar (RDM), decorrente do qual se espera que o militar cumpra,
cabalmente, o leque dos deveres especiais ali previsto, imposto, assim, pela respectiva
condio militar.
A disciplina militar , assim, seguramente, aquela onde a ordem mais notria.
Os militares obedecem criteriosamente a um conjunto de regras que concretizam e
reflectem valores, tais como a honra e o amor Ptria, aceites e compartilhados por
todos. Estes valores comuns do, inclusive, origem a sentimentos de solidariedade (a
camaradagem e o esprito de corpo) e de unidade (a coeso) entre os militares.
Porm, as normas regulamentares que regem as Foras Armadas no se devem
cristalizar. Com efeito, as Foras Armadas sofrem, inevitavelmente, no seu seio, a
influncia social da prpria sociedade em que incontornavelmente se inserem,
destacando-se, desde logo, a recentemente concretizada profissionalizao das Foras
Armadas Portuguesas.
neste mbito que, atentas as tomadas de posio pblicas e as intervenes
militares a que temos assistido, sobretudo nos ltimos anos, directamente relacionadas
com a questo da restrio dos direitos fundamentais dos militares em efectividade de
servio constitucionalmente consagrada, me propus abordar a face mais esquecida
mas a mais controvertida, do problema: a forma como a Instituio Militar reforou, de
h cerca de trinta anos a esta parte, a disciplina militar, anulando, de forma rigorosa e
eficaz, atravs de um diploma manifestamente obsoleto, qualquer desvio de
comportamento2. Revelou-se-me, efectivamente, pertinente que, tendo como pano de
fundo a (in)segurana e a (restrio) dos direitos fundamentais do militares, procedesse
ao concreto relacionamento da teoria com as necessrias observaes empricas,
questionando, assim, a espiral consubstanciada no solitrio e pouco garantstico
procedimento disciplinar militar, ainda que pontualmente sanado pelas declaraes de
2 O RDM anterior foi aprovado pelo Decreto-Lei n. 142/77, de 9 de Abril.
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inconstitucionalidade de alguns preceitos normativos. E porque a aguardada reforma da
disciplina militar veio espelhar-se num diploma publicado recentemente, no se
olvidaram as inevitavelmente emergentes crticas que o mesmo j nos merece3.
Salientando a escassez da doutrina portuguesa nesta matria, dedico o Captulo I
ao que considerei constiturem os alicerces fundamentais do presente estudo,
reconhecendo a integrao das Foras Armadas Portuguesas no Estado Constitucional e
o actual modelo de servio militar, baseado, em tempo de paz, no voluntariado.
No Captulo II, dirigido restrio dos direitos fundamentais dos militares,
abordo a questo da aplicabilidade directa dos direitos fundamentais e o respectivo
ncleo duro. Dada a sua habitual reconduo a verdadeiro fundamento de restrio,
sublinho a relevante restrio consubstanciada nas garantias mnimas do apartidarismo e
da iseno poltica, exigidos aos nossos militares. Ainda neste Captulo, atenta a
actualidade, bem como a sua pertinncia para o presente estudo, foco a questo das
manifestaes militares, reflexo do mal-estar incontido existente no seio das Foras
Armadas e da incontornvel necessidade de evoluo das normas regulamentares, de
acordo com a prpria evoluo social.
No Captulo III, analiso o regime disciplinar especial consagrado no RDM
vigente durante trinta anos nas Unidades, Estabelecimentos e rgos Militares (U/E/O),
apreciando criticamente as diferentes solues legais ento adoptadas e relacionando-as
com as presentemente acolhidas no diploma que regula a actual disciplina militar.
No Captulo IV, exponho os resultados controvertidos deste estudo, concluindo,
por ltimo, com o Captulo V, que dedico s principais fontes bibliogrficas e da
Internet, ferramentas de valor inestimvel presente investigao.
Admitindo embora que a condio militar, com a qual orgulhosamente convivi
durante cinco anos, me permitiu o manuseamento quase dirio do RDM, salvaguardo,
porm, a independncia tcnica desta dissertao, no consubstanciando, por isso, a
mesma, doutrina de qualquer ramo das Foras Armadas.
Assim e sem pretender vestir outra pele que no a de simples jurista, proponho
levar a cabo a demonstrao da inadequao das normas integrantes do procedimento
disciplinar militar, sugerindo a premente consagrao legal de solues ajuizadas como
as mais consentneas, sem que, naturalmente, tal importe qualquer sacrifcio das
3 A Lei Orgnica n. 2/2009, de 22 de Julho, aprova o novo RDM, revogando o anterior, sem
prejuzo da aplicao das normas mais favorveis aos processos em curso (cfr. os ns 2 do Artigo 2 e 3,
ambos da referida Lei Orgnica).
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intemporais exigncias de coeso, eficincia e, bem assim, disciplina das Foras
Armadas.
Movida, pois, pelo ideal da JUSTIA e, bem assim, pelo indisfarado nimo de
promover uma maior discusso numa matria to sensvel para a Segurana da nossa
Ptria, ouso enunciar solues (mais) ajustadas ao Direito e realidade do actual
modelo de prestao de servio militar, apresentando aqui, sem coincidncias, na
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, o contributo de uma jurista
despida do seu uniforme.
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CAPTULO I - AS FORAS ARMADAS VOLUNTRIAS
NO ESTADO CONSTITUCIONAL
1.1. A CONSTITUCIONALIZAO DAS FORAS
ARMADAS PORTUGUESAS
Na sequncia da reviso constitucional de 1982, ocorreram modificaes de
fundo no ordenamento jurdico-poltico portugus, como a eliminao do Conselho da
Revoluo, a transferncia para a Assembleia da Repblica das competncias
legislativas que pertenciam ao Conselho da Revoluo4, a extino do Movimento das
Foras Armadas (MFA) e da sua aliana com o povo, a subordinao das Foras
Armadas ao poder poltico, a institucionalizao do Conselho Superior de Defesa
Nacional (CSDN)5 e a nomeao dos Chefes de Estado-Maior (CEM) pelo Presidente
da Repblica, sob proposta do Governo6.
Aquando da vigncia do texto constitucional de 1976, o Presidente da Repblica
era militar, ocupava o cargo de Chefe de Estado-Maior-General das Foras Armadas
(CEMGFA) e presidia ao Conselho da Revoluo, constitudo exclusivamente por
militares. O Conselho de Chefes de Estado-Maior exercia funes governamentais, o
CEMGFA tinha a categoria de primeiro-ministro e os CEM dos trs ramos das Foras
Armadas tinham a categoria e a competncia de ministros. O prprio Ministro da Defesa
Nacional limitava-se a ser um mero elo de ligao entre o Governo e as Foras
Armadas. Estas tinham independncia funcional, constituindo um poder autnomo
4 Vide v.g, a al. d) do Artigo 164 da Constituio da Repblica Portuguesa (CRP). Constitui,
assim, reserva absoluta da Assembleia da Repblica legislar sobre a organizao da defesa nacional, definio dos deveres dela decorrentes e bases gerias da organizao, do funcionamento, do
reequipamento e da disciplina das Foras Armadas.
5 O CSDN presidido pelo Presidente da Repblica, sendo o rgo especfico de consulta para
os assuntos relativos defesa nacional e organizao, funcionamento e disciplina das Foras Armadas.
A sua composio determinada por lei, a qual inclui membros eleitos pela Assembleia da Repblica
(Vide o n. 1 do Artigo 274 da CRP e as alteraes composio, competncias e funcionamento do
CSDN introduzidas pela Lei Orgnica n. 2/2007, de 16 de Abril).
6 Vide a al. p) do Artigo 133 da CRP. Vide, ainda, o Artigo 182 da CRP, relativo concepo
do Governo como o rgo de conduo da poltica geral do pas, na qual se inclui a poltica de defesa nacional.
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dentro do prprio Estado. A CRP reconhecia, efectivamente, um poder poltico-militar
ou estatuto poltico-constitucional prprio s Foras Armadas. Estas detinham um poder
de garantia (institucional) do (permanente) equilbrio poltico do sistema constitucional,
direccionando-se igualmente para a (funo de) dinamizao poltica em situaes
(excepcionais) de crise do sistema poltico7.
A actual integrao das Foras Armadas no Estado Democrtico-Constitucional8
reconhece a instituio militar como um instrumento fundamental do Estado
Democrtico e revela, concomitantemente, a exigibilidade da adaptao, tanto da sua
estrutura orgnica, como do modo do seu funcionamento, aos princpios fundamentais
constitucionais.
1.2. O SERVIO MILITAR VOLUNTRIO
A jusante das alteraes resultantes da quarta reviso constitucional, ocorrida em
1997, a nova Lei do Servio Militar (LSM), aprovada pela Lei n. 174/99, de 21 de
Setembro9, veio estabelecer a transio do anterior sistema de conscrio dos cidados
prestao de servio militar10
para um novo regime de prestao de servio militar
assente, em tempo de paz, no voluntariado.
7 Antes da constitucionalizao das Foras Armadas, estas eram alheias s restantes instituies e
tradicionalmente tidas como foras supraconstitucionais, a-constitucionais ou infra-constitucionais.Vide,
neste sentido, LUCAS PIRES, Francisco, As Foras Armadas e a Constituio, in Estudos sobre a
Constituio, 1 Vol., Livraria Petrony, Lisboa, 1977, pg. 321 ss.
8 Vide, ainda, neste mbito, a al. o) do Artigo 164 da CRP, que consagra a competncia
exclusiva da Assembleia da Repblica para legislar sobre as restries ao exerccio de direitos por
militares dos quadros permanentes em servio efectivo; a al. d) do Artigo 199, que atribui ao Governo a
competncia para, no exerccio de funes administrativas, dirigir os servios e a actividade da
administrao directa do Estado, civil e militar; o Artigo 273 da CRP, que impe ao Estado a obrigao
de assegurar a defesa nacional, com vista a garantir, no respeito da ordem constitucional, das instituies
democrticas e das convenes internacionais, a independncia nacional, a integridade do territrio e a
liberdade e segurana das populaes contra qualquer agresso ou ameaa externas; e, finalmente, o
Artigo 275 da CRP, que consagra o princpio da obedincia das Foras Armadas aos rgos de soberania
competentes, nos termos da Constituio e da Lei (n. 3), definindo expressamente as misses que lhe so
atribudas, designadamente de defesa militar da Repblica (n. 1) e de colaborao em aces de
cooperao tcnico-militar, no mbito da poltica nacional de cooperao (n. 6).
9 Este diploma legal sofreu as alteraes ditadas pela Lei Orgnica n. 1/2008, de 6 de Maio, no
tocante ao novo modelo de recenseamento militar e cominao estabelecida para o no cumprimento do
dever de comparncia ao Dia da Defesa Nacional.
10
O sistema de conscrio dos cidados prestao de servio militar era imposto pela Lei n.
30/87, de 7 de Julho, com as alteraes introduzidas pela Lei n. 89/88, de 5 de Agosto e n. 22/91, de 19
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15
Pressuposta a inteno da profissionalizao dos recursos humanos militares da
Defesa Nacional e uma estratgia de recrutamento contnuo de voluntrios, a LSM
consagrou as formas de prestao de servio efectivo nos regimes de contrato e de
voluntariado11
, quadro legal cuja filosofia subjacente veio a imbuir-se no (novo)
Regulamento da Lei do Servio Militar (RLSM), aprovado pelo Decreto-Lei n.
289/2000, de 14 de Novembro12
, bem como no aditamento e na reviso parcial do
Estatuto dos Militares das Foras Armadas (EMFAR)13
.
O recrutamento militar actual, enquanto conjunto de operaes necessrias
obteno dos meios humanos para o ingresso nas Foras Armadas, baseia-se, assim, no
designado recrutamento normal, com a finalidade da admisso de cidados que se
proponham prestar voluntariamente servio militar efectivo nos referidos regimes de
contrato e de voluntariado nas Foras Armadas14
, compreendendo, ainda, a modalidade
do recrutamento especial para a prestao de servio efectivo voluntrio nos quadros
de Junho e regulamentado pelo Decreto-Lei n. 463/88, de 15 de Dezembro, com as alteraes dadas pelo
Decreto-Lei n. 143/92, de 20 de Julho.
11
Vide, respectivamente, as al. b) e c) do n. 2 do Artigo 3 da LSM.
12
Este diploma foi alterado pelo Decreto-Lei n. 52/2009, de 2 de Maro.
13
Vide as al. b) e c) do Artigo 3 e o Livro III, Dos regimes de contrato e de voluntariado, do
EMFAR, aprovado pelo Decreto-Lei n. 236/99, de 25 de Junho, com as alteraes introduzidas pela Lei
n. 25/2000, de 23 de Agosto e pelos Decretos-Lei n. 197-A/2003, de 30 de Agosto, n. 70/2005, de 17
de Maro, n. 166/2005, de 23 de Setembro, n. 310/2007, de 11 de Setembro e n. 59/2009, de 4 de
Maro. O novo sistema de prestao de servio militar introduzido no ordenamento jurdico portugus
assenta na adeso voluntria a um vnculo temporrio com as Foras Armadas por um perodo mnimo de
dois anos e um perodo mximo de seis anos no regime de contrato e a durao de doze meses no regime
de voluntariado, perodo a partir do qual o militar neste regime pode ingressar no regime de contrato,
requerendo a sua permanncia no servio efectivo (Vide, respectivamente, o n. 1 do Artigo 28 da LSM,
o n. 3 do Artigo 45 do RLSM, o n. 1 do Artigo 5 do EMFAR e os Artigos 31 e 32 da LSM, o Artigo
50 do RLSM e o n. 2 do Artigo 5 do EMFAR). Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n. 169/2006,
de 17 de Agosto, a renovao contratual em regime de contrato passou a carecer de autorizao prvia
dos membros do Governo responsveis pelas reas das Finanas, da Administrao Pblica e da Defesa
Nacional. Assim, incumbe ao Chefe do Estado-Maior do respectivo ramo das Foras Armadas apresentar, semestralmente, o nmero total de efectivos que se encontra a prestar servio em regime de
contrato, acrescido do nmero de renovaes susceptvel de ocorrer nesse perodo (Vide os ns 2 e 3 do Artigo 6 deste diploma legal). No sentido de acautelar o processo de consolidao e de sustentabilidade
da profissionalizao das Foras Armadas, enquanto decorrem os trabalhos de reestruturao das carreiras
dos militares das Foras Armadas e observados os critrios de racionalidade e economia, o Decreto
Regulamentar n. 12/2009, de 17 de Julho, veio fixar novos quantitativos mximos de militares na
efectividade de servio nos regimes de voluntariado e de contrato, em 2009 e 2010, na Marinha, no
Exrcito e na Fora Area.
14
Vide o Artigo 13 da LSM e o n. 1 do Artigo 32 do RLSM. Vide, ainda, os modelos de
contrato para a prestao de servio militar nos regimes de contrato e de voluntariado constantes da
Portaria n. 418/2002, de 19 de Abril, do Ministro da Defesa Nacional.
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permanentes15
e prevenindo o estabelecimento do recrutamento excepcional para a
prestao de servio efectivo decorrente da convocao ou mobilizao16
.
Uma vez firmado o vnculo com as Foras Armadas, enquadram-se estes
cidados, militares nos regimes de voluntariado, de contrato e dos quadros permanentes,
no conceito de trabalhadores da Administrao Pblica, conforme decorre do Artigo
270 da CRP e do n. 1 do Artigo 35 da Lei da Defesa Nacional e da Foras Armadas
(LDNFA)17
, integrando o vnculo jurdico inerente prestao de servio militar todas
as caractersticas essenciais relao jurdica de emprego pblico a sujeio ao
regime de Direito Pblico, a prestao de trabalho, a retribuio e a subordinao
15
O servio efectivo nos quadros permanentes compreende a prestao de servio pelos cidados
que, tendo ingressado voluntariamente na carreira militar, estabelecem um vnculo definitivo com as
Foras Armadas (Vide o Artigo 4 do EMFAR). A ttulo exemplificativo, o actual ingresso na categoria de
Oficial dos quadros permanentes do Exrcito depende da obteno, com aproveitamento, do grau de
Mestre na Academia Militar (AM), devendo os candidatos categoria de Sargento dos quadros
permanentes do mesmo ramo das Foras Armadas frequentar o respectivo Curso de Formao de
Sargentos, com a durao de dois anos, o primeiro dos quais, dedicado formao comum de todas as
armas e servios, tem lugar na Escola de Sargentos do Exrcito (ESE). Com o ingresso nos quadros
permanentes, o militar presta juramento de fidelidade em cerimnia prpria, em obedincia seguinte
frmula: Juro, por minha honra, como portugus e como Oficial/Sargento/Praa da(o) Armada/Exrcito/Fora Area, guardar e fazer guardar a Constituio da Repblica, cumprir as ordens e
deveres militares, de acordo com as leis e regulamentos, contribuir com todas as minhas capacidades para
o prestgio das Foras Armadas e servir a minha Ptria em todas as circunstncias e sem limitaes,
mesmo com o sacrifcio da prpria vida. Ao Oficial entregue a Carta Patente, documento tradicionalmente adoptado como forma de encarte dos Oficiais dos quadros permanentes das Foras
Armadas, regulado no Decreto-Lei n. 194/82, de 21 de Maio.
16
Vide o Artigo 7 da LSM.
17
A LDNFA foi aprovada pela Lei n. 29/82, de 11 de Dezembro e alterada pelas Leis n. 41/83,
de 21 de Dezembro, n. 111/91, de 29 de Agosto, n. 113/91, de 29 de Agosto e n. 18/95, de 13 de Julho,
bem como pelas Leis Orgnicas n. 3/99, de 18 de Setembro, n. 4/2001, de 30 de Agosto e n. 2/2007, de
16 de Abril.
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17
jurdica18
, sem prejuzo das especificidades inerentes relao de servio militar,
incontornavelmente marcada (pelo menos) desde o dia do Juramento de Bandeira19
.
18
Sem prejuzo de os actuais regimes de carreiras, vnculos e remuneraes do trabalhadores que
exercem funes pblicas, aprovados pela Lei n. 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, estabelecer no seu
Artigo 91 a correspondente converso dos contratos administrativos de provimento dos trabalhadores
abrangidos pelo mbito de aplicao subjectivo do diploma, do qual se exclui os militares das Foras
Armadas, cujos regimes constam de leis especiais, o n. 1 do Artigo 45 do RLSM prev expressamente
que, para todo os efeitos legais, o regime de contrato equivalente ao contrato administrativo de provimento e o militar contratado equiparado a agente administrativo, estabelecendo o n. 2 do Artigo 50 do RLSM a aplicabilidade, com as necessrias adaptaes, das disposies do presente Regulamento que regulam o RC ao RV. Vide, por ltimo, o Parecer n. 83/2007, de 22 de Julho de 2008, da Procuradoria-Geral da Repblica, relativamente incluso dos militares dos quadros permanentes das
Foras Armadas no conceito de emprego pblico, a propsito dos fundamentos invocados no sentido da aplicabilidade do estatuto do trabalhador estudante a estes militares, parecer que foi homologado por
despacho do Ministro da Defesa Nacional, em 11 de Julho de 2008 e publicado no Dirio da Repblica,
n. 146, 2 Srie, de 30 de Julho.
19
O Artigo 7 do EMFAR consagra a frmula empregue nas cerimnias onde cada militar
profere, com o brao direito erguido em direco Bandeira nacional, o necessrio juramento: Juro, como portugus e como militar, guardar e fazer guardar a Constituio e as leis da Repblica, servir as
Foras Armadas e cumprir os deveres militares. Juro defender a minha Ptria e estar sempre pronto a lutar
pela sua liberdade e independncia, mesmo com o sacrifcio da prpria vida.
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CAPTULO II - A RESTRIO DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS DOS MILITARES
2.1. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS EM GERAL
Os direitos fundamentais consubstanciam as posies jurdicas dos cidados,
individual ou institucionalmente considerados, assentes na Constituio formal (direitos
fundamentais em sentido formal) e na Constituio material (direitos fundamentais em
sentido material).
Os direitos fundamentais, ou os direitos fundamentais em sentido material,
decorrem dos princpios da Constituio material, cujo sentido e alcance efectivo se
encontra sujeito a variaes.
Assim, para alm dos princpios comuns a todos os direitos (princpios da
universalidade e da igualdade)20
, existem princpios comuns com variaes, como o
princpio da proteco da confiana21
, o princpio da proporcionalidade22
, o princpio
da eficcia jurdica dos direitos fundamentais23
, que abordaremos infra, o princpio da
tutela jurdica24
e o princpio da responsabilidade civil das entidades pblicas e dos
seus titulares em caso de violao de direitos25
.26
Face Constituio de 1976, o sentido e o contedo efectivo dos direitos
fundamentais correspondero necessariamente aos valores e princpios consignados nos
20
Vide os Artigos 12 e 13 da CRP.
21
Vide o n. 2 do Artigo 266 da CRP.
22
Vide o n. 2 do Artigo 18 da CRP.
23
Vide o n. 1 do Artigo 18 da CRP.
24
Vide o Artigo 20 da CRP, o n. 2 do Artigo 202, os ns 4 e 5 do Artigo 268, o Artigo 23 e o
n. 1 do Artigo 52, todos da CRP.
25
Vide o Artigo 22 e o n. 1 do Artigo 269, ambos da CRP.
26
Vide, neste sentido, JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Direitos
Fundamentais, Tomo IV, 4 Edio, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pgs. 152-153.
-
19
Artigos 1 e 2 da Lei Fundamental, nomeadamente ao respeito pela dignidade da
pessoa humana e o pelo Estado de Direito democrtico.
2.2. A APLICABILIDADE DIRECTA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS E O ESTATUTO SOCIAL MNIMO
No sentido da determinao do mbito e alcance da eficcia dos direitos
fundamentais27
, tem-se revelado pacfica a teoria da eficcia directa no Direito Pblico,
inequivocamente reforada pelo disposto no n. 1 do Artigo 18 da CRP: Os preceitos
constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias so directamente
aplicveis e vinculam as entidades pblicas (e privadas) parnteses nosso. Os direitos
fundamentais visam, pois, em primeira linha, a proteco dos sujeitos jurdicos contra
os poderes estaduais, cuja posio privilegiada facilmente atentaria contra o designado
contedo mnimo essencial ou ncleo duro, irredutvel, desses mesmos direitos.
As dvidas foram colocadas pela Doutrina inicialmente na Alemanha e, na sua
esteira, pela Jurisprudncia, apenas no que diz respeito vinculao das entidades
privadas, ou seja, no mbito do Direito Privado. Em Portugal, as teses que defendem a
eficcia directa e imediata dos direitos fundamentais nas relaes entre privados so
sustentadas designadamente por J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA28
,
JOS JOO ABRANTES29
, ANA PRATA30
e JORGE BACELAR GOUVEIA. J a
posio de CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO31
se traduz na defesa da teoria da
27
Os Princpios Fundamentais encontram-se plasmados na CRP (Artigos 1 a 11), onde esto
tambm garantidos os Direitos e Deveres Fundamentais dos cidados: Princpios Gerais Artigos 12 a 23, Direitos, Liberdades e Garantias Pessoais Artigos 24 a 47, Direitos, Liberdades e Garantias de Participao Poltica Artigos 48 a 52, Direitos, Liberdades e Garantias dos Trabalhadores Artigos 53 a 57, Direitos e Deveres Econmicos Artigos 58 a 62, Sociais Artigos 63 a 72 e Culturais Artigos 73 a 79.
28
Cfr., Constituio da Repblica Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pg.
147.
29
Cfr., A Vinculao das Entidades Privadas aos Direitos Fundamentais, AAFDL, Lisboa,
1990, pg. 94 e Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais, Coimbra Editora, 2005, pgs. 223 ss, do
mesmo autor.
30
Cfr., A Tutela Constitucional da Autonomia Privada, Almedina, Coimbra, 1982, pg. 137.
31
Cfr., Teoria Geral do Direito Civil, 4 Edio, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pgs. 73 ss.
-
20
eficcia indirecta ou mediata dos direitos fundamentais nas relaes jurdico-privadas,
em que a aplicao das normas constitucionais se faz com referncia a instrumentos e
regras prprias do direito civil32
. Sem prejuzo de parte da Doutrina apontar no sentido
da ausncia prtica de diferenas do confronto entre estas teorias, adoptar uma ou outra
no ser, porm, indiferente, uma vez que s a eficcia directa dos direitos fundamentais
nas relaes privadas d a garantia plena de defesa da intangibilidade do contedo
mnimo essencial dos mesmos33
. Podemos, por ltimo, ainda afirmar que a previso
expressa da natureza directa da vinculao das entidades particulares aos direitos,
liberdades e garantias no preceito constitucional supra transcrito sempre tornar esta
teoria incontornvel.
Os direitos fundamentais, traduzidos em normas e princpios objectivos34
,
impem-se, pois, a toda a Ordem Jurdica, pblica e privada, obrigando, assim, o Estado
e a sociedade civil.
2.3. A RESTRIO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS
MILITARES
Na salvaguarda do estatuto social mnimo definido pela CRP, cujo respeito ,
como vimos, imposto s entidades pblicas e privadas, a Lei Fundamental estabelece,
no n. 2 do seu Artigo 18, que a lei ordinria s pode restringir os direitos, as liberdades
e as garantias nos casos expressamente previstos35
, devendo as restries limitar-se ao
32
A eficcia indirecta da aplicao dos preceitos constitucionais s relaes jurdico-privadas
referida na Doutrina alem como eficcia reflexa ou eficcia em relao a terceiros.
33
Neste sentido, Vide, JOO ABRANTES, Jos, Contrato de Trabalho e Direitos
Fundamentais, Coimbra Editora, 2005, pgs. 227 a 229.
34
Note-se, pois, que os direitos fundamentais eram inicialmente apenas tidos como direitos
subjectivos de defesa perante os poderes do Estado.
35
Em consonncia com o princpio da autorizao constitucional expressa. Nas palavras de
GOMES CANOTILHO, J.J, Direito Constitucional e Teoria da Constituio, 7 Edio, Almedina,
Coimbra, 2009, pg. 424, Esta individualizao expressa tem como objectivo obrigar o legislador a procurar sempre nas normas constitucionais o fundamento concreto para o exerccio da sua competncia
de restrio de direitos, liberdades e garantias, e criar segurana jurdica nos cidados, que podero contar
com a inexistncia de medidas restritivas de direitos fora dos casos expressamente considerados pelas
normas constitucionais como sujeitos a reserva de lei restritiva.
-
21
necessrio para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente
protegidos. s leis restritivas de direitos, liberdades e garantias fica, alm disso, vedada
a possibilidade da diminuio da extenso e do alcance do contedo essencial dos
preceitos constitucionais36
.
Ora a CRP consagra expressa e taxativamente as situaes de restrio
admitidas ao exerccio de direitos pelos militares integrantes das fileiras das Foras
Armadas, a quem incumbe a defesa (militar) da Repblica (contra o exterior) e
imposto o dever de obedincia aos rgos de soberania competentes, nos termos da
Constituio e da Lei 37
. Prev, pois, o Artigo 270 da CRP, a possibilidade de a Lei
estabelecer, na estrita medida das exigncias prprias das respectivas funes,
restries ao exerccio de direitos de expresso, reunio, manifestao, associao e
petio colectiva e capacidade eleitoral passiva por militares (e agentes
militarizados) dos quadros permanentes em servio efectivo38
.
Assim, as restries constitucionalmente consagradas aparecem estabelecidas e
desenvolvidas nos Artigos 31 a 31-F da LDNFA. Com efeito, dispe o n. 1 do Artigo
31 desta Lei que Os militares em efectividade de servio dos quadros permanentes e
em regime de voluntariado e de contrato gozam dos direitos, liberdades e garantias
constitucionalmente estabelecidos, mas o exerccio dos direitos de expresso, reunio,
manifestao, associao e petio colectiva e a capacidade eleitoral passiva ficam
36
Cfr., o n. 3 do Artigo 18 da CRP. O princpio da proteco do ncleo essencial traduz uma
preocupao eminentemente material, que procura evitar o esvaziamento do contedo dos direitos
fundamentais restringidos. A restrio de direitos pautada, ademais, por outros princpios fundamentais,
tais como o princpio da proibio do excesso ou princpio da proporcionalidade. Vide, neste sentido,
BACELAR GOUVEIA, Jorge, Regulao e Limites dos Direitos Fundamentais, in Separata do II
Suplemento do Dicionrio Jurdico da Administrao Pblica, Lisboa, 2001, pg. 458 ss. Relativamente
regulao e aos limites dos direitos fundamentais, Vide, BACELAR GOUVEIA, Jorge, Regulao e
Limites dos Direitos Fundamentais, in Separata do II Suplemento do Dicionrio Jurdico da
Administrao Pblica, Lisboa, 2001, pg. 450 ss. Ainda sobre os limites dos direitos fundamentais, Vide,
VIEIRA DE ANDRADE, Jos Carlos, Os Direitos Fundamentais na Constituio Portuguesa de 1976,
Almedina, Coimbra, 2007, pg. 212 ss.
37
Vide, respectivamente, os ns 1 e 2 do Artigo 275. O princpio da obedincia das Foras
Armadas aos rgos de soberania competentes encontra-se igualmente previsto no Artigo 19 da LDNFA.
No mesmo sentido, Vide, ainda, o Artigo 4 do anterior RDM e o Artigo 1 do novo RDM.
38
A propsito da tipificao, Vide, com as adaptaes inerentes questo da restrio dos
direitos fundamentais, BACELAR GOUVEIA, Jorge, Os Direitos Fundamentais Atpicos, Aequitas,
Editorial Notcias, 1995, pg. 60: A razo do emprego da tipificao quase no carece de demonstrao no domnio dos direitos fundamentais. A sua enorme importncia afere-se pela necessidade da
pormenorizao dos bens jurdicos protegidos e das respectivas vias de aproveitamento como forma de
melhor contribuir para a sua melhor proteco, evitando-se assim a sua diluio em formas abstractas,
facilmente merc do poder poltico.
-
22
sujeitos ao regime previsto nos artigos 31-A a 31-F da presente lei, nos termos da
Constituio.
Em conjugao com o n. 4 do Artigo 275 da CRP39
, o n. 2 do Artigo 31 da
LDNFA acrescenta que Os militares em efectividade de servio so rigorosamente
apartidrios e no podem aproveitar-se da sua arma, do seu posto ou da sua funo para
qualquer interveno poltica, partidria ou sindical, nisto consistindo o seu dever de
iseno, dispondo, ademais, o n. 3 do Artigo 31 da LDNFA que, aos militares em
efectividade de servio dos quadros permanentes e em regime de voluntariado e de
contrato, no so aplicveis as normas constitucionais referentes aos direitos dos
trabalhadores cujo exerccio tenha como pressuposto os direitos restringidos nos
nmeros seguintes, designadamente a liberdade sindical, nas suas diferentes
manifestaes e desenvolvimentos, o direito criao de comisses de trabalhadores,
tambm com os respectivos desenvolvimentos, e o direito greve40. Por ltimo, o n. 4
deste preceito normativo estabelece que No exerccio dos respectivos direitos os
militares esto sujeitos s obrigaes do estatuto da condio militar e devem observar
uma conduta conforme a tica militar e respeitar a coeso e a disciplina das Foras
Armadas 41
.
39
Dispe o n. 4 do Artigo 275 da CRP que As Foras Armadas esto ao servio do povo portugus, so rigorosamente apartidrias e os seus elementos no podem aproveitar-se da sua arma, do
seu posto ou da sua funo para qualquer interveno poltica.
40 O Artigo 30 da LDNFA consagra expressamente o princpio da iseno poltica exigido aos
militares, reproduzindo quase integralmente o n. 4 do Artigo 275 da CRP. A al. a) do Dever 13 do
Artigo 4 do anterior RDM consagrava tambm como um dos deveres especiais do militar do quadro permanente, na efectividade de servio ou prestando servio em regime voluntrio, conservar, em todas as
circunstncias, um rigoroso apartidarismo poltico, sendo-lhe, vedado o exerccio de qualquer actividade poltica sem autorizao, bem como a filiao em agrupamentos ou associaes de carcter poltico. Vide,
ainda, o Dever 14 do mesmo preceito legal, relativo imposio de o militar no assistir uniformizado e mesmo em trajo civil, no tomar parte em mesas, fazer uso da palavra ou exercer qualquer actividade em
comcios, manifestaes ou reunies pblicas de carcter poltico sem autorizao. O novo RDM consagra igualmente o dever especial de iseno poltica, identificando-o como o rigoroso apartidarismo dos militares, no podendo os mesmos usar a sua arma, o seu posto ou a sua funo para qualquer interveno poltica, partidria ou sindical (Vide a alnea i) do n. 2 do Artigo 11 e o Artigo 20, ambos deste diploma legal). Existem autores que sentenciam que a LDNFA ter extravasado, por
exemplo no n. 3 do Artigo 31 desta Lei, o mandado constitucional de neutralidade poltico-partidria das
Foras Armadas para o mbito das restries do domnio sindical, decepando-as da possibilidade de os
seus membros beneficiarem dos direitos fundamentais dos trabalhadores, colidindo com a actual realidade
social. Neste sentido, Vide ANTNIO ARAJO, O Direito da Defesa Nacional e das Foras Armadas,
Edies Cosmos, Instituto da Defesa Nacional, Lisboa, 2000, pg. 309. Vide, ademais, o Parecer n.
83/2007, de 22 de Julho de 2008, da Procuradoria-Geral da Repblica, homologado por Despacho de Sua
Ex. o Ministro da Defesa Nacional em 11 de Julho de 2008 e publicado no Dirio da Repblica, 2 Srie,
n. 146, de 30 de Julho, no sentido da curiosamente questionada aplicabilidade do prprio estatuto do
trabalhador estudante aos militares dos quadros permanentes das Foras Armadas.
41
No que se refere ao estatuto da condio militar, a Lei n. 11/89, de 1 de Junho aprovou as
bases gerais a que deve obedecer o exerccio dos direitos e o cumprimento dos deveres pelos militares dos
-
23
Chegados problemtica da especificidade inerente condio militar e
antecedendo a anlise do arqutipo legal garante da designada disciplina pugnada pelas
Foras Armadas e, bem assim, da salvaguarda das restries dos direitos fundamentais
legalmente estabelecidas, cumpre primeiro questionarmos os fundamentos da
interveno legislativa restritiva operada, designadamente no que toca ao princpio da
autorizao constitucional expressa.
2.4. OS FUNDAMENTOS DA RESTRIO
Considera-se, assim, de todo pertinente aferir, prima facie, se a interveno
legislativa diminuiu a extenso e o alcance do contedo essencial dos preceitos
constitucionais, limitando-se as restries ao necessrio salvaguarda de outros direitos
ou interesses constitucionalmente protegidos.
Constatamos, pois, que o princpio da autorizao constitucional expressa foi
indubitavelmente comprimido em favor do reconhecimento da existncia de uma
autorizao implcita de restrio legal de direitos fundamentais (ou de restries
implcitas dos direitos fundamentais), com fundamento em inquestionveis razes
materiais. Efectivamente, estendeu-se a expressa restrio constitucional aos direitos
fundamentais dos militares dos quadros permanentes aos militares sujeitos ao vnculo
temporrio da prestao de servio militar nos regimes de contrato e de voluntariado,
permitindo-se, assim, interveno legislativa restritiva, a harmonizao dos interesses
inerentes extenso da restrio a todos os militares em efectividade de servio
(princpio da igualdade). Mas que interesses so estes?
Na busca dos fundamentos da restrio dos direitos fundamentais dos militares,
surgem, de imediato, as razes que favorecem a sujeio do cidado em uniforme42
em
quadros permanentes e dos restantes militares enquanto na efectividade de servio (BGECM), definindo
os princpios orientadores das respectivas carreiras (Vide, o Artigo 1, a al. g) do Artigo 2 e o Artigo 7
deste diploma legal). Note-se que o n. 1 do Artigo 18 do EMFAR, relativo aos direitos, liberdades e
garantias dos militares reproduz os termos do Artigo 7 das BGECM: O Militar goza de todos os direitos, liberdades e garantias reconhecidas aos demais cidados, estando o exerccio de alguns desses
direitos e liberdades sujeito s restries constitucionalmente previstas, com o mbito pessoal e material
que consta da LDNFA. 42
Na busca do sentido subjacente ao conceito de nacionalidade ou cidadania portuguesa, o
Artigo 4 da CRP presta algum auxlio, dispondo que So cidados portugueses todos aqueles que como
tal sejam considerados pela lei ou por conveno internacional. Mas a tarefa do legislador ordinrio est,
-
24
naturalmente, sujeita aos parmetros jusinternacionais e constitucionais. Nestes termos, o regime da
nacionalidade portuguesa encontra-se consagrado na Lei n. 37/81, de 3 de Outubro, alterada pela Lei n.
25/94, de 19 de Agosto, pelo Decreto-Lei n. 322-A/2001, de 14 de Dezembro, na redaco dada pelo
Decreto-Lei n. 194/2003, de 23 de Agosto, pela Lei Orgnica n. 1/2004, de 15 de Janeiro e pela Lei
Orgnica n. 2/2006, de 17 de Abril. Atravs deste diploma legal, so definidas as condies e os efeitos
da atribuio (nacionalidade originria), aquisio (por efeito da vontade, pela adopo e por
naturalizao) e perda da nacionalidade, as regras do registo, prova e contencioso da nacionalidade e do
conflito de leis sobre a nacionalidade (note-se que o status segundo o qual um indivduo titular da
nacionalidade de dois Estados designado dupla-nacionalidade ou dupla-cidadania; j a situao da
acumulao de nacionalidades de mais de dois pases designada de nacionalidade mltipla ou
plurinacionalidade). Sobre este ponto, Vide, ainda, a Conveno Europeia sobre a Nacionalidade, aberta
assinatura dos Estados Membros do Conselho da Europa em Estrasburgo em 26 de Novembro de 1997,
aprovada, para ratificao, pela Resoluo da Assembleia da Repblica n. 19/2000, publicada no Dirio
da Repblica, Srie I-A, n. 55, de 6 de Maro e ratificada por Decreto do Presidente da Repblica n.
7/2000, publicado no mesmo Dirio da Repblica. A cidadania , em si, um vnculo jurdico pelo qual o
indivduo integra o povo de um Estado e acede, por essa via, titularidade de um conjunto de direitos,
representando igualmente um sinal identificador com peso acentuadamente simblico, v.g., a histria e a
cultura da Ptria. Poder-se- ainda dizer, com Ian Brownlie, que a nacionalidade um vnculo jurdico que tem por base um facto social de pertena, uma conexo genuna de vivncia, de interesses e de
sentimentos, em conjunto com a existncia de direitos e deveres recprocos. Saliente-se constituir inclusivamente fundamento de oposio aquisio da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade
ou da adopo, a prestao de servio militar no obrigatrio a Estado estrangeiro (Vide, a al. c) do
Artigo 9 e o Artigo 10 da Lei da Nacionalidade). Assim, facilmente se deduz que a admisso s Foras
Armadas no exige a nacionalidade portuguesa (ou a sua atribuio ou aquisio prvia) como um mero
formalismo inerente ao recrutamento a seleco dos candidatos. Ao exigir a nacionalidade portuguesa,
confia-se antes que a sua deteno configure mais do que um mero status transformado em mecanismo
legal que to-somente permite aceder a um conjunto de direitos reservados aos cidados nacionais da
Ptria. Com efeito, o direito de defesa da Ptria est indissociavelmente ligado a um dever que pressupe
uma relao de fidelidade que s pode ser imposto aos respectivos cidados. A questo da
inadmissibilidade de estrangeiros nas Foras Armadas pode vir a ser objecto de grande controvrsia no
nosso pas, sendo-o j para l das nossas fronteiras, onde determinados pases admitem que estrangeiros
prestem servio militar, como por exemplo nos Estados Unidos da Amrica (cfr. o Selective Service Act,
de 28 de Setembro de 1971), onde a conscrio foi extinta aps a guerra do Vietname. Com efeito, muitos
imigrantes, especialmente latino-americanos, com residncia legal permanente, ingressam nas Foras
Armadas dos EUA, movidos sobretudo pela vontade de acelerar o processo de obteno da cidadania
(e/ou de aceder gratuitamente ao ensino superior). Nos termos desta poltica, a nacionalizao surge como
uma forma de recompensar os estrangeiros que participam na guerra contra o terrorismo (Jos
Guttierrez, por exemplo, nasceu na Guatemala e foi o segundo soldado americano a morrer no Iraque,
sendo homenageado com cidadania pstuma). No entanto, existem vozes que questionam se a nica
lngua nacional e a cultura anglo-protestante no correro o risco de serem substitudas, respectivamente,
por duas lnguas (ingls e espanhol) e por dois povos com duas culturas (anglicana e hispnica). Outro
caso particular o de Espanha. Uma das mudanas mais significativas sofridas nas respectivas Foras
Armadas foi igualmente a extino do servio militar obrigatrio, em 31 de Dezembro de 2001 e a
consagrao legal da possibilidade de admisso de extranjeros a la condicin de militar Professional de
tropa y marinera (Vide, neste sentido, a Ley 32/2002, de 5 de jlio, que alterou a Ley 17/1999, de 18 de
mayo, do Rgimen del Personal de las Fuerzas Armadas e o Reglamento de acceso de extranjeros a la
condicin de militar profesional de tropa y marinera, aprovado pelo Real Decreto 1244/2002, de 29 de
noviembre, com as alteraes constantes do Real Decreto 2266/2004, de 3 de diciembre e da competente
Orden Ministerial num. 217/2004, de 30 de diciembre). No entanto, a admissibilidade da nacionalidade
estrangeira limita-se aos pases que mantm especiais vnculos histricos, culturais e lingusticos com
Espanha, salvaguardando-se legalmente a no-ingerncia nos assuntos internos dos Estados, a
harmonizao com as normas do direito internacional e a misso constitucionalmente consagrada e
atribuda das Foras Armadas. Com efeito, a defesa nacional essencialmente direito e dever dos
cidados espanhis, pelo que o acesso dos estrangeiros restringe-se de forma proporcional, a fim de
alegadamente evitar um desfasamento quantitativo e qualitativo das foras.
-
25
desfavor da sua autonomia pessoal, sobretudo no mbito das designadas relaes
especiais de poder, ou seja, nas palavras de MANUEL DA COSTA ANDRADE43
,
naquelas particulares relaes entre o Estado e o indivduo, marcadas, para alm da
durao e intensidade dos vnculos, pela acentuao exponencial da assimetria e da
dependncia prprias das relaes entre o poder e o indivduo. Em sentido semelhante,
JOS CARLOS VIEIRA DE ANDRADE44
afirma que os membros das Foras
Armadas no so (sequer), meros indivduos, precisamente porque se encontram em
situaes especiais de relao jurdica com os poderes pblicos, capazes de justificar
restries, tambm especiais, de alguns direitos.
Assim, a relao especial de poder, qual os militares se encontram sujeitos,
pressuporia um regime jurdico particular adequado aos fins da relao jurdica especial,
j de per si legitimadora das restries aos respectivos direitos fundamentais.
Sustentaria, ademais, esta tomada de posio o facto de as actuais caractersticas
do servio militar, consubstanciadas na profissionalizao das Foras Armadas,
integradas por voluntrios para a prestao de servio militar efectivo nos regimes de
contrato e de voluntariado e, bem assim, por militares dos quadros permanentes que
(voluntariamente) abraam a carreira militar, importarem como que uma renncia
expressa ao pleno exerccio dos direitos fundamenteis45
, vislumbrando-se aqui, sob
outra perspectiva, a vertente especfica da relao especial de sujeio dos militares.
Tal entendimento revela-se, porm, indefensvel, uma vez que a prpria auto-restrio
de direitos imporia, para alm de uma vontade livre e esclarecida, uma durao limitada
da prpria renncia aos direitos fundamentais, o que no sucede. Com efeito, basta
atendermos, por um lado, aos constrangimentos sociais e econmicos de Portugal, que
conduzem uma parte tida por considervel dos cidados s fileiras das Foras Armadas
(facto social notrio, comprometedor, assim, da existncia de uma vontade
verdadeiramente livre e concomitantemente indiciador de um eventual abuso
institucional, gerador de efeitos perversos) e, por outro, circunstncia de tempo
subjacente ao vnculo jurdico celebrado com os militares dos quadros permanentes,
43
Direito Penal Mdico SIDA: Testes Arbitrrios, Confidencialidade e Segredo, Coimbra Editora, 2004, pg. 47.
44
Os Direitos Fundamentais na Constituio Portuguesa de 1976, 2 Edio, Almedina,
Coimbra, 2001, pg. 303 ss.
45
A prpria frmula do Juramento de Bandeira parece sustentar a tese da renncia expressa ao
pleno exerccio dos direitos fundamentais.
-
26
sujeitos aos deveres militares inerentes sua situao administrativa relativamente
prestao de servio46
.
Segundo o modelo clssico das Foras Armadas, ser militar importaria o assumir
desta condio vinte e quatro horas por dia, por motivos atinentes to-s a valores
tradicionais ainda que perdurveis, como a disciplina, a honra e a lealdade,
importando pura e simplesmente o no exerccio dos direitos fundamentais de cidado
pelo militar47
. Mas as relaes especiais de poder no justificam, por si s, a restrio
aos direitos fundamentais dos militares. Ela emerge da necessidade de harmonizar estes
mesmos direitos com os fins institucionalmente visados, com os bens jurdicos, os
valores ou os princpios constitucionalmente consagrados, isto , com a afirmao de
um interesse pblico especial ou primacial48
.
Efectivamente, as Foras Armadas no existem por si nem para si. A estas
incumbe a defesa militar da Repblica, obedecem aos rgos de soberania competentes
e esto ao servio do povo portugus. Incumbe-lhes satisfazer os compromissos
internacionais do Estado Portugus no mbito militar e participar em misses
humanitrias e de paz assumidas pelas organizaes internacionais de que Portugal faa
parte. Podem ainda ser incumbidas de colaborar em misses de proteco civil em
tarefas relacionadas com a satisfao de necessidades bsicas e a melhoria da qualidade
de vida das populaes e em aces de cooperao tcnico-militar no mbito da
poltica nacional de cooperao, podendo inclusivamente ser empregues nas situaes
de estado de stio e de emergncia49.
As Foras Armadas surgem, assim, como o (exclusivo) instrumento do Estado
para assegurar a execuo da componente militar da defesa nacional50
, cujos objectivos
46
Note-se que os direitos fundamentais so, em regra, indisponveis, irrenunciveis e
imprescritveis. Neste sentido, Vide, VIEIRA DE ANDRADE, Jos Carlos, in Os Direitos Fundamentais
na Constituio Portuguesa de 1976, 2 Edio, Almedina, Coimbra, 2001, pg. 318 ss.
47
A concepo original das relaes especiais de poder de LABAND na Alemanha do Sc. XIX
encontra-se actualmente despojada do seu radicalismo inicial, mas o seu contedo, devidamente mitigado,
revela-se ainda til para a doutrina administrativa portuguesa, ainda que a mesma empregue, por vezes,
outras expresses, como relaes jurdicas especiais ou estatutos especiais, para justificar a
aplicabilidade das correspondentes regras ou regimes especficos.
48
Veja-se a prpria letra da lei do Artigo 270 da CRP: na estrita medida das exigncias prprias das respectivas funes.
49 Vide os ns 1, 3 a 7 do Artigo 275 da CRP, os n. 3 a 5 do Artigo 3 da LDNFA, os Artigos 9
e 19 da LDNFA.
50
A componente militar da defesa nacional exclusivamente assegurada pelas Foras Armadas,
sem prejuzo do direito e dever de cada portugus da passagem resistncia, activa e passiva, nas reas de
-
27
se orientam no sentido de garantir, no respeito da ordem constitucional, das instituies
democrticas e das convenes internacionais, a independncia nacional, a integridade
do territrio e a liberdade e a segurana das populaes contra qualquer agresso ou
ameaa externas, bem como assegurar a manuteno ou o restabelecimento da paz em
condies que correspondam aos interesses nacionais51.
Neste sentido, so imperativos das Foras Armadas, reveladores da sua
especificidade, o respeito pela Constituio e pelas leis, a subordinao ao interesse
nacional, a neutralidade e imparcialidade polticas, a lealdade, a disciplina, a
subordinao hierarquia militar, a conduta conforme com a tica militar e os ditames
da virtude e da honra, a coeso ou o esprito de corpo, o esprito de abnegao, a
sujeio aos riscos inerentes ao cumprimento das misses militares, a permanente
disponibilidade para lutar em defesa da Ptria (se necessrio com o sacrifcio da prpria
vida), a obedincia pronta, a eficincia operacional e a eficcia em combate fim
ltimo para o qual esto vocacionadas.
A restrio dos direitos fundamentais dos militares fundamenta-se, assim, na
proteco dos interesses constitucionalmente protegidos, ancorados na necessidade de
assegurar a eficincia, a eficcia, a disciplina, a iseno e neutralidade polticas das
Foras Armadas, enquanto garantias (mnimas) do cumprimento das funes de defesa
nacional e de segurana dos cidados que lhes esto cometidas, pressupondo, assim, o
(possvel) equilbrio entre os direitos comprimidos e os fins institucionais e
constitucionais prosseguidos.
2.5. O APARTIDARISMO E A ISENO POLTICA EM
ESPECIAL
Em favor da defesa da Repblica democrtica e pluripartidria e, bem assim, da
Lei Fundamental exigida a no pertena dos elementos das Foras Armadas a
qualquer partido, fora ou movimento de natureza poltica (o apartidarismo), bem como
a sua neutralidade e imparcialidade relativamente a qualquer interesse partidrio ou
territrio nacional ocupadas por foras estrangeiras e da colaborao das foras de segurana na execuo
da poltica de defesa nacional, nos termos da lei (Vide, o n 1 do Artigo 18 da LDNFA).
51
Cfr., os Artigos 273 da CRP e 1, 4, 5, 17 e 18 da LDNFA.
-
28
simpatia pessoal (a iseno poltica)52
. A relevncia desta especfica restrio afere-se
sobretudo pela habitual reconduo mesma do fundamento essencial das restries ao
exerccio de direitos expressamente previstas para os militares dos quadros permanentes
no Artigo 270 do texto constitucional vigente e, como vimos, aplicveis aos restantes
militares em efectividade de servio, nos regimes de voluntariado e de contrato.
52
Os princpios do apartidarismo e da iseno poltica encontram-se expressamente consagrados
no n. 4 do Artigo 275 da CRP, no Artigo 30 e no n. 2 do Artigo 31, ambos da LDNFA, na al. a),
Dever 13 do Artigo 4 do anterior RDM e na alnea i) do n. 2 do Artigo 11 e no Artigo 20, ambos do
novo RDM. Saliente-se, ainda, a proibio constitucionalmente estabelecida da existncia de associaes
armadas, do tipo militar, militarizadas ou paramilitares, de organizaes racistas ou que perfilhem a
ideologia fascista (Vide o n. 4 do Artigo 46 da CRP). No que ao direito de expresso se refere, os
militares em efectividade de servio dos quadros permanentes e nos regimes de voluntariado e contrato
tm o direito de proferir declaraes pblica sobre qualquer assunto, com a reserva prpria do estatuto da condio militar, desde que as mesmas no incidam sobre a conduo da poltica de defesa nacional,
no ponham em risco a coeso e a disciplina das Foras Armadas nem desrespeitem o dever de iseno
poltica e sindical ou o apartidarismo dos seus elementos (cfr. o n. 1 do Artigo 31-A da LDNFA). No que respeita o direito de reunio, os referidos militares podem, desde que trajem civilmente e sem ostentao de qualquer smbolo das Foras Armadas, convocar ou participar em qualquer reunio
legalmente convocada que no tenha natureza poltico-partidria ou sindical. Contudo, podero assistir a reunies legalmente convocadas com esta ltima natureza se no usarem da palavra nem exercerem
qualquer funo no mbito da preparao, organizao, direco ou conduo dos trabalhos ou na
execuo das deliberaes tomadas (cfr. os ns 1 e 2 do Artigo 31-B da LDNFA. Vide, ainda, o n. 2 do mesmo normativo, que estabelece que o exerccio do direito de reunio no pode prejudicar o servio,
nem a permanente disponibilidade do militar para com o mesmo, nem o direito ser exercido dentro das
U/E/O, bem como o j mencionado Dever 14 do Artigo 4 do RDM). No que toca ao direito de
manifestao, os mesmos militares, desde que estejam desarmados e trajem civilmente sem ostentao de qualquer smbolo nacional ou das Foras Armadas, tm o direito de participar em qualquer
manifestao legalmente convocada que no tenha natureza poltico-partidria ou sindical, desde que no
sejam postas em risco a coeso e a disciplina das Foras Armadas (Vide o Artigo 31-C da LDNFA). Quanto liberdade de associao, estes militares tm o direito de constituir qualquer associao, nomeadamente associaes profissionais, excepto se as mesmas tiverem natureza poltica, partidria ou
sindical (cfr. o n. 1 do Artigo 31-D da LDNFA), procurando-se, assim, evitar a politizao da actividade das associaes compostas por militares. No que se refere ao direito de petio colectiva, os
mesmos militares tm o direito de promover ou apresentar peties colectivas dirigidas aos rgos de soberania ou a quaisquer outras autoridades, desde que as mesmas no incidam sobre a conduo da
poltica de defesa nacional, no ponham em risco a coeso e a disciplina das Foras Armadas nem
desrespeitem o dever de iseno poltica e sindical ou o apartidarismo dos seus elementos (cfr. o Artigo 31-E da LDNFA). Finalmente, no tocante capacidade eleitoral passiva, ainda os militares em
efectividade de servio dos quadros permanentes e nos regimes de voluntariado e contrato que, em tempo
de paz, pretendam concorrer a eleies para os rgos de soberania, de governo prprio das Regies
Autnomas e do poder local, bem como para deputado ao Parlamento Europeu, devem, previamente apresentao da candidatura, requerer a concesso de uma licena especial, declarando a sua vontade de
ser candidato no inscrito em qualquer partido poltico. Esta licena especial cessa se o militar no for
eleito, determinando o regresso do mesmo efectividade do servio. Na situao de eleio em que o militar exera o respectivo mandato em regime de permanncia e a tempo inteiro, este pode requerer, no prazo estabelecido, a transio voluntria para a situao de reserva. No entanto, a eleio de um militar para um segundo mandato determina (automaticamente) esta transio. De igual modo, transita
(obrigatoriamente) para a reserva o militar eleito Presidente da Repblica, salvo se o mesmo j se
encontrar nesta situao ou na reforma aquando da eleio (Vide os ns 1, 4, 6, 8 e 10 do Artigo 31-F da
LDNFA). A transio automtica e obrigatria para a reserva tem como pressuposto o facto de o militar
seguramente no apresentar, nestas circunstncias, o perfil de iseno poltica exigido para a integrao
das fileiras das Foras Armadas.
-
29
Assim, as restries enunciadas no identificado preceito constitucional
encontram, nas palavras de JORGE BACELAR GOUVEIA53
, como fio condutor, uma
restrio de ordem essencialmente poltica, visando conferir ao estatuto das foras
militares () uma neutralidade activa em face do poder poltico, impedindo-as assim de
tomar parte nas respectivas decises, quer no momento da designao dos respectivos
titulares, quer no momento da formao da opinio pblica.
Ainda segundo J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA54
, o princpio
do apartidarismo uma consequncia do princpio da subordinao dos militares aos
interesses do povo portugus, cfr., o n. 4 do Art. 275 da CRP, mas que tem a
virtualidade especfica de justificar a restrio de alguns direitos aos militares , cfr., o
Artigo 270 da CRP. Para estes autores, o princpio da imparcialidade e da neutralidade
polticas impe, alm do apartidarismo, a apoliticidade dos militares enquanto tais,
proibindo-lhes de se aproveitarem da sua funo, do seu posto ou da sua arma para
qualquer interveno poltica.
Considera-se, assim, que a exigida imparcialidade das Foras Armadas evita que
as estruturas militares funcionem como instrumento de presso poltica,
comprometedoras do livre desenvolvimento das instituies democrticas. Os militares
devem aceitar as escolhas polticas democraticamente feitas pelos cidados ou pelos
rgos do poder poltico, ficando-lhes vedada a possibilidade de manifestar qualquer
preferncia por qualquer ideologia em debate aquando do processo de deciso, bem
como de discordar da posio poltica vencedora55
. As Foras Armadas encontram-se,
nestes termos, legalmente subordinadas ao poder poltico, legitimamente constitudo,
no o questionando na pressuposio da realizao dos imperativos nacionais da Nao,
tratando-se, aqui, em suma, de verdadeiras garantias mnimas para a existncia de umas
53
Regulao e Limites dos Direitos Fundamentais, in Separata do II Suplemento do Dicionrio
Jurdico da Administrao Pblica, Lisboa, 2001, pg. 464.
54
Ainda segundo GOMES CANOTILHO, J. J. e VITAL MOREIRA, in Constituio da
Repblica Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pg. 963, o princpio do apartidarismo
uma consequncia do princpio da subordinao dos militares aos interesses do povo portugus, cfr., o
n. 4 do Art. 275 da CRP, mas que tem a virtualidade especfica de justificar a restrio de alguns direitos
aos militares , cfr., o Artigo 270 da CRP. Para os mesmos autores, o princpio da imparcialidade e da
neutralidade polticas impe, alm do apartidarismo, a apoliticidade dos militares enquanto tais,
proibindo-lhes de se aproveitarem da sua funo, do seu posto ou da sua arma para qualquer interveno
poltica.
55
A separao das funes militares das funes polticas evita, ademais, a duplicao de
esforos, a (inevitvel) recproca ingerncia e, bem assim, uma eventual (e fatal) coliso.
-
30
Foras Armadas eficazes e coesas, no fragmentadas pelas dissonncias prprias
geradas naturalmente pela vivncia poltica56
.
2.6. AS MANIFESTAES MILITARES: RESTROSPECTIVA
HISTRICA
Sem prejuzo do respeito pela Lei Fundamental e da necessria adaptao
normativa do modelo actual de prestao de servio militar em eventual situao de
beligerncia, umas Foras Armadas modernas exigem o abandono de velhos conceitos,
como a clssica subordinao absoluta do inferior ao superior hierrquico, o puro
princpio da disciplina e da organizao militar e a ausncia das garantias fundamentais
do cidado em uniforme.
Os direitos de cidadania dos militares devem, pois, ser permanentemente
ajustados democracia consolidada e realidade das caractersticas do actual modelo de
servio militar, baseado, em tempo de paz, no voluntariado. A democratizao das
Foras Armadas mesmo defendida por alguns autores57
, no sentido de serem
reconhecidos aos seus membros todos os direitos, liberdades e garantias, bem como os
direitos de natureza anloga, em plena igualdade com os outros cidados, apenas com os
limites compatveis com a salvaguarda da defesa externa.
Sem se pretender defender aquilo que a prtica poderia transformar num
incontornvel excesso, temos vindo a assistir, de h cerca de quatro anos a esta parte,
atravs de notcias difundidas atravs dos meios de comunicao social, a vrias
intervenes militares pblicas, reveladoras de um (indisfarado) mal-estar existente nas
Foras Armadas, proveniente, por um lado, do acesso jurisdicional ao direito por parte
de militares no conformados com a aplicao de penas disciplinares, reflexo
56
Saliente-se que o apartidarismo exigido desde a formalizao da candidatura Academia
Militar, apresentando-se aos respectivos candidatos, muitos deles acabados de perfazer 18 anos de idade
e, bem assim, de conquistar o direito ao voto, um termo de responsabilidade onde os mesmos declaram
tomar conhecimento e aceitar as disposies legais neste mbito aplicveis e assumem desvincular-se de
qualquer compromisso poltico-partidrio assumido do antecedente, com efeitos desde o respectivo
ingresso.
57
Vide, neste sentido, LIBERAL FERNANDES, Francisco, As Foras Armadas e a PSP perante
a Liberdade Sindical, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor A. Ferrer Correia, Vol. III, Boletim da
Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, 1991, pg. 921 ss.
-
31
indubitvel de uma crescente empertigao dos militares contra as respectivas Chefias
Militares (e, concomitantemente, destas Chefias relativamente aos mesmos militares e
prpria Magistratura) e, por outro, decorrente da ameaada aplicabilidade das normas
do novo RDM aos militares na situao de reserva e de reforma fora da efectividade de
servio.
2.6.1. ANO DE 2005
Assim, reportando-nos ao princpio do ms de Setembro do ano de 2005, a
presena de militares fardados em manifestaes contra as alteraes legislativas
empreendidas no tocante aos seus direitos, como a sade58
e as condies de passagem
reserva e reforma, convocadas pelas respectivas Associaes Profissionais Militares
(APM)59
, onde foram proferidas palavras de ordem e slogans de protesto, bem como
proclamadas e relembradas as competncias da hierarquia civil, tida pelos mesmos
como um verdadeiro contra-poder que, em ltima anlise, protegeria os militares
inconformados contra o alegado autoritarismo ou abuso de poder por parte das Chefias
Militares, gerou um ambiente de desconfiana recproca que naturalmente se acentuou
quando os dirigentes associativos, confrontados a posteriori com a instaurao de
processos de averiguaes pelo Ministrio da Defesa Nacional, decidiram explicar, de
forma pouco convincente, que os militares fardados no estariam a manifestar-se, mas
num simples encontro de camaradas, a fim de se solidarizarem com os dirigentes das
Associaes, ento presentes em determinados locais.
58
O Decreto-Lei n. 167/2005, de 23 de Setembro, unificou a assistncia na doena aos militares
das Foras Armadas at ento assegurada por trs subsistemas de sade especficos de cada um dos ramos
das Foras Armadas a Assistncia na Doena aos Militares da Armada, a Assistncia na Doena aos Militares da Fora Area e a Assistncia na Doena aos Militares do Exrcito, num nico subsistema
sujeito a um regime paralelo ao da ADSE. Salvaguardando as especificidades da condio militar, esta
alterao contribui de forma decisiva para o anunciado objectivo de uniformizao dos vrios sistemas de
sade pblicos, ao mesmo tempo que permite uma melhor racionalizao dos meios humanos e materiais
disponveis.
59
Integram as APM a Associao de Militares na Reserva e Reforma (ASMIR), a Associao de
Oficiais das Foras Armadas (AOFA), a Associao Nacional de Sargentos (ANS) e a Associao de
Praas da Armada (APA). A nvel europeu, as associaes de militares dos diversos pases europeus
criaram, em Setembro de 1972, a EUROMIL European Organisation of Military Associations. A EUROMIL apoia as liberdades, os direitos bsicos e, em particular, os direitos de associao e reunio no
espao europeu, competindo-lhe representar perante organizaes supra-nacionais e outras autoridades, os
interesses das associaes de militares. Tem estatuto consultivo no Conselho Europeu, sendo parceiro de
discusso no Parlamento Europeu, na NATO e na OIT.
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32
Veio, entretanto, a pblico, que o Governo Civil de Lisboa proibira nova
manifestao convocada pelas Associaes representativas dos Oficiais, Sargentos e
Praas, referindo a sua conotao com a actividade sindical e o risco para a coeso e a
disciplina das Foras Armadas. Os dirigentes das Associaes recorreram, assim, da
deciso para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), que deu razo ao Governo
Civil na parte relativa actividade sindical. Inconformados, os dirigentes associativos
adoptaram, desde ento, uma postura de quase-desafio, prontamente sublinhada pela
comunicao social. Assim, ainda em Setembro do mesmo ano, trs mulheres de
militares de um Oficial, de um Sargento e de uma Praa foram nomeadas em
reunio organizada pelos militares inconformados, a fim de agendarem uma
manifestao de protesto, cuja convocatria foi, efectivamente, considerada legal e, bem
assim, autorizada pelo Governo Civil. Porm, na sequncia da realizao, em 19 de
Setembro daquele ano, de uma conferncia conjunta dos Ministros da Administrao
Interna e da Defesa Nacional e da informao dos CEM dos ramos, no sentido da
salvaguarda da coeso e da disciplina das Foras Armadas, os militares na efectividade
de servio foram proibidos de comparecer mesma. No sendo os (pelo menos
oficialmente) responsveis pela organizao da manifestao, as APM pronunciaram-se,
no entanto, a favor da motivao da aco empreendida, afirmando que os militares
fardados que ali se vieram a encontraram teriam sido vistos nos locais onde dirigentes
associativos realizavam diligncias, encontravam-se apenas de passagem e estavam
fardados porque regressavam do servio. Alegaram, ainda, a existncia de
discriminao, uma vez que estavam centenas de militares presentes e apenas cento e
sete teriam sido identificados, sendo apenas vinte e dois militares sujeitos a
procedimento disciplinar, nenhum deles possuindo a categoria de Oficial.
Simultaneamente, surgiram novas formas de contestao, designadamente
atravs da distribuio annima pela ento denominada Comisso de Solidariedade
de um folheto apelando aos militares para que os mesmos permanecessem at s vinte
horas nas respectivas U/E/O. Paralelamente, as Associaes organizavam (outras)
formas pblicas de demonstrao de solidariedade para com os camaradas
identificados.
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33
2.6.2. ANO DE 2006
No ano de 2006, ressurgiram os protestos dos militares. Em Novembro,
manteve-se a convocao de uma manifestao por uma Comisso constituda por
militares na reserva e no activo, apesar da proibio decretada pelo Governo Civil de
Lisboa, que se baseou num Parecer do Conselho dos Chefes de Estado-Maior. Neste
Parecer, o protesto classificado de ilegal e susceptvel de afectar a coeso e a
disciplina das Foras Armadas, acrescentando ser uma forma de encobrir uma
manifestao de militares organizada por, pelo menos, uma das quatro associaes
profissionais de militares, a ANS, torneando o impedimento legal no s da sua
convocao como do seu objecto. Qualificando a deciso como ilegal, injusta, sem
fundamento e baseada num processo de intenes para proibir uma iniciativa que
no existiria porque tratar-se-ia to-s de um passeio e no uma manifestao, o lder
da comisso organizadora do passeio do descontentamento, FERNANDES TORRES,
Oficial fora da efectividade de servio, reiterou, no Rossio, o convite para os militares e
famlias se associarem ao protesto.
A propsito deste passeio do descontentamento, o Primeiro-Ministro
portugus, JOS SCRATES, afirmou ento: As manifestaes ilegais no devem
realizar-se em Portugal. Neste pas, toda a gente tem o direito de se manifestar, desde
que o faa em respeito pela lei. Por sua vez, a Governadora Civil, ADELAIDE
ROCHA, esclareceu no ter havido qualquer pedido para a realizao do protesto que,
nas suas palavras, revestiria tambm natureza sindical e seria apenas uma forma de
encobrir uma manifestao de militares, sustentando ainda que os promotores,
constituindo-se ou no em Comisso, esto obrigados a cumprir os requisitos legais de
informao ao Governo Civil. No obstante, em 23 de Novembro de 2006, centenas de
militares na reforma e alguns no activo, acompanhados de familiares passearam, em
Lisboa, em efectivo protesto contra os cortes oramentais na rea da Defesa. Segundo
os elementos oportunamente fornecidos pela ANS aos meios de comunicao social,
pelo menos vinte militares dez da Fora Area, nove da Marinha e um do Exrcito
teriam processos pendentes por terem participado no clebre passeio do
descontentamento.
-
34
2.6.3. ANO DE 2007
J em 2007, dez Sargentos da Fora Area foram condenados a cumprir entre
cinco e sete dias de deteno por terem participado no referido protesto. Numa nota
enviada imprensa, a ANS referia: hoje ficaram concludos os processos disciplinares
instaurados a dez sargentos da Fora Area, na sequncia do passeio do nosso
descontentamento. Acrescentava o documento que nove militares vo cumprir, a
partir de quarta-feira, nas respectivas unidades, cinco dias de deteno, enquanto que o
vice-presidente da ANS, Jos Pereira, cumprir sete dias por contestao pblica das
ordens da chefia numa viglia. Ainda segundo a ANS, o Presidente desta Associao,
LIMA COELHO, foi punido com cinco dias de deteno.
Na sequncia das referidas condenaes, os Advogados da ANS apresentaram
uma providncia cautelar no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, com o
objectivo de suspender a eficcia das punies decididas pelo Comandante do Comando
Operacional da Fora Area, o Tenente-General CRUZ, apresentando simultaneamente
uma reclamao, nesse Comando, contra a pena disciplinar aplicada aos dez Sargentos
participantes do passeio. EMANUEL PAMPLONA, Advogado da ANS, afirmou ento
que a providncia cautelar tivera por base as dvidas de constitucionalidade em relao
pena aplicada, uma vez estarem em causa direitos, liberdades e garantias dos
militares punidos, sustentando ainda que naquele passeio no fora colocada em causa a
hierarquia militar nem se tratara de qualquer manifestao poltica. Denunciando a
existncia de um alegado clima de perseguio, declarou que apenas se colocaram
em causa condies scio-profissionais e nunca de ordem poltica ou militar.
Em 18 de Fevereiro de 2007, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra
decidiu a suspenso imediata da pena disciplinar de deteno imposta pela Fora Area
ao Sargento JOS AGOSTINHO. Depois de o Oficial de Dia no Comando Operacional
da Fora Area, em Monsanto, ter sido informado da deciso judicial, ter procedido
imediata libertao do identificado militar. A posteriori, o mesmo Tribunal confirmou a
suspenso da punio dos restantes Sargentos, depois de ouvidos o EMGFA, o
Ministrio da Defesa Nacional e os representantes dos Sargentos.
Em 14 de Maro do mesmo ano, um Sargento-Chefe da Marinha,
DIAMANTINO GOUVEIA, ter sido notificado pelo Director do Hospital Militar da
-
35
Armada, em Lisboa, que iria, de imediato, comear a cumprir uma pena de deteno de
cinco dias por (igualmente) ter participado no passeio do descontentamento. Segundo
FERNANDO FREIRE, (outro) Advogado da ANS, na nota de culpa, o referido
Sargento fora acusado por violao dos deveres militares ao participar, fardado, numa
manifestao atentatria da disciplina militar. Mais uma vez, a ANS recorreu aos
tribunais administrativos, apresentando nova providncia cautelar, desta vez, no
Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada. Para os Advogados da ANS, todos os
militares tm o direito de aguardar, em liberdade, a deciso do recurso da punio
interposto hierarquia militar, o que, in casu, veio a suceder. Efectivamente e
semelhana do ocorrido em Fevereiro com os dez militares da Fora Area, o Tribunal
Administrativo e Fiscal de Almada suspendeu, em 15 de Maro de 2007, a pena de
deteno aplicada ao referido Sargento-Chefe. Segundo os ltimos dados tornados
pblicos referentes interveno militar de 23 de Novembro de 2006, este ter sido o
11 Sargento a quem os tribunais suspenderam a aplicao de uma punio disciplinar
militar.
J no ms de Novembro de 2007, FERNANDO TORRES denunciava, por sua
vez, a alegada presso sofrida pelos militares no sentido de os mesmos no
comparecerem ao novo encontro agendado para o dia 22 daquele ms, no final da tarde,
no Rossio, ao qual denominaram Encontro pela Justia e pela Lei, contra o RDM
vigente.
2.6.4. ANO DE 2008
Desde 20 de Outubro de 2008, foram surgindo novas aparies pblicas de
militares, munidos do comummente designado caderno reivindicativo, dado o
descontentamento manifestado contra a poltica da sade, contra a decrescente
retribuio mdia dos ltimos anos dos militares face ao nvel dos vencimentos das
profisses equiparadas (juzes, diplomatas e professores universitrios)60
e contra o no
pagamento das penses devidas aos reformados.
60
J no Comunicado Nacional, de 21 de Setembro de 2005, da AOFA, intitulado As razes da
insatisfao, afirmava-se que os militares foram os que menos contriburam para o dfice, os que mais se sacrificaram para o evitar e aqueles que foram mais desconsiderados no reconhecimento e na justa
compensao do servio prestado ao Estado e Repblica. Hoje, um Coronel tem o mesmo poder de
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36
No tocante reconhecida relao controvertida entre a hierarquia militar e a
magistratura, as Chefias Militares tm observado, com franca apreenso, a crescente
interveno dos tribunais na justia e disciplina militares, sobretudo desde o trnsito em
julgado das decises judiciais oportunamente proferidas pelos Tribunais
Administrativos e Fiscais no sentido da suspenso da aplicao de penas disciplinares
impostas a militares na sequncia da instaurao de processos disciplinares, que
atingiram as Foras Armadas em pleno no mundo parte que pensavam ter e
ambicionam para si, exigindo, ento, a breve resoluo do designado assunto de Estado.
Fontes militares apontavam para uma contradio ou disfuno entre o Regulamento
da Disciplina Militar e a Justia, acrescentavam que no h ningum investido de
comando que no possa impor a sua ordem e avisaram: a disciplina o pilar da
estrutura militar e a capacidade da hierarquia cumprir e fazer cumprir as leis e ordens
com celeridade e carcter objectivo foi posta em causa.
No mesmo sentido, LOUREIRO DOS SANTOS concluiu que a Justia colocou
em causa a disciplina militar. A disciplina , conforme expressou em crnica, o factor
bsico para que as Foras Armadas (FA) se enquadrem e ajam eficazmente, apenas em
funo da vontade dos seus cidados, expressa nas decises dos rgos polticos
legtimos. E alertou: A Histria mostra que, sem disciplina, as FA perdem eficincia,
desagregam-se, fomentam a instabilidade e desprestigiam a nao a que pertencem. Em
vez de constiturem o escudo de defesa do pas nica razo de existirem so uma
ameaa que coloca os cidados em perigo. Transformam-se num bando e deixam de ser
o bastio da segurana da Ptria e a sua reserva de soberania. Para este General,
confrontarmo-nos com trs aspectos, todos extremamente preocupantes, que podem
colocar em causa a disciplina militar: o incumprimento de certa legislao que afecta os
militares, procedimentos de recurso no mbito disciplinar que minam a cadeia de
comando, e interferncias de alguns dirigentes de associaes militares em questes de
disciplina61.
compra que nos anos 80 tinha um Major. Os militares perderam em comparao consigo prprios, mas
com os outros corpos especiais a situao ainda mais devastadora: Com base em estimativas que
efectumos, s para compensar a inseno de horrio, atendendo aos servios efectivamente prestados,
seria necessrio extra de cerca de 50% do vencimento e para sermos colocados ao nvel dos magistrados
tornava-se indispensvel um aumento de cerca de 100%.
61 Parte do ass