tese mestrado direito cidadania

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(IN) SEGURANÇA E (RESTRIÇÃO DOS) DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS MILITARES DISCIPLINA MILITAR MARIA BERNARDETE RODRIGUES SABINA ROSA CALHAÇO Dissertação apresentada na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, para a obtenção do grau de Mestre em Direito e Segurança. LISBOA Março de 2010

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  • (IN) SEGURANA E (RESTRIO DOS) DIREITOS

    FUNDAMENTAIS DOS MILITARES

    DISCIPLINA MILITAR

    MARIA BERNARDETE RODRIGUES SABINA ROSA CALHAO

    Dissertao apresentada na Faculdade de Direito da

    Universidade Nova de Lisboa, para a obteno do

    grau de Mestre em Direito e Segurana.

    LISBOA

    Maro de 2010

  • 2

  • 3

    (IN) SEGURANA E (RESTRIO DOS) DIREITOS

    FUNDAMENTAIS DOS MILITARES

    DISCIPLINA MILITAR

    MARIA BERNARDETE RODRIGUES SABINA ROSA CALHAO

    ORIENTAO: PROFESSOR DOUTOR JORGE BACELAR GOUVEIA

    Dissertao apresentada na Faculdade de Direito da

    Universidade Nova de Lisboa, para a obteno do

    grau de Mestre em Direito e Segurana.

    LISBOA

    Maro de 2010

  • 4

    minha me Lurdes e ao meu marido Nuno.

    Eles sabem porqu...

  • 5

    Ao Professor Doutor Jorge Bacelar Gouveia, agradeo-lhe

    a permanente disponibilidade para a orientao da

    presente dissertao e o exemplo, de dedicao ao

    trabalho, a seguir.

  • 6

    Assim sendo, um comandante hbil procura a vitria atravs das

    situaes e no a exige dos seus subordinados. Escolhe os homens

    adequados e explora as situaes. Aquele que tira partido das situaes

    usa os seus homens em combate como quem faz rolar toros e pedras.

    Pela sua prpria natureza, os toros e as pedras permanecem imveis

    num terreno plano, mas tendem a rolar numa encosta. Se quadrados,

    param; se redondos, rolam. Quem sabe utilizar tropas em combate

    incute-lhes uma fora comparvel de pedras redondas lanadas de

    uma alta montanha. esta a fora do Exrcito.

    SUN TZU, A Arte da Guerra

  • 7

    NDICE

    APRESENTAO.................................................................................................... 9 CAPTULO I - AS FORAS ARMADAS VOLUNTRIAS NO ESTADO

    CONSTITUCIONAL ....................................................................................... 13 1.1. A CONSTITUCIONALIZAO DAS FORAS ARMADAS

    PORTUGUESAS ............................................................................................. 13 1.2. O SERVIO MILITAR VOLUNTRIO ........................................................ 14 CAPTULO II - A RESTRIO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS

    MILITARES ..................................................................................................... 18 2.1. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS EM GERAL ............................................ 18 2.2. A APLICABILIDADE DIRECTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O

    ESTATUTO SOCIAL MNIMO ..................................................................... 19

    2.3. A RESTRIO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS MILITARES .... 20 2.4. OS FUNDAMENTOS DA RESTRIO ........................................................ 23 2.5. O APARTIDARISMO E A ISENO POLTICA EM ESPECIAL .............. 27

    2.6. AS MANIFESTAES MILITARES: RESTROSPECTIVA HISTRICA .. 30

    2.6.1. ANO DE 2005 ................................................................................................ 31

    2.6.2. ANO DE 2006 ................................................................................................ 33

    2.6.3. ANO DE 2007 ................................................................................................ 34

    2.6.4. ANO DE 2008 ................................................................................................ 35

    2.6.5. ANO DE 2009 ................................................................................................ 43

    CAPTULO III - A DISCIPLINAR MILITAR....................................................... 46 3.1. O REGIME DISCIPLINAR E OS DEVERES MILITARES ESPECIAIS ..... 46

    3.2. O PROCESSO DISCIPLINAR MILITAR ...................................................... 48

    3.2.1 A CELERIDADE, SIMPLICIDADE E NATUREZA SECRETA DO

    PROCESSO ..................................................................................................... 49

    3.2.2. DA NOTCIA DA INFRACO AO EXERCCIO DA ACO

    DISCIPLINAR ................................................................................................. 51

    3.2.3. A INDEPENDNCIA E AUTONOMIA DO PROCEDIMENTO

    DISCIPLINAR ................................................................................................. 56

    3.2.4. A NOMEAO DO OFICIAL INSTRUTOR E A INSTRUO DO

    PROCESSO DISCIPLINAR .......................................................................... 57

    3.2.5. O DIREITO DE DEFESA DO ARGUIDO ................................................ 64

    3.2.6. O RELATRIO DO OFICIAL INSTRUTOR .......................................... 70

    3.2.7. A DECISO: A APLICAO CONCRETA DA PENA DISCIPLINAR75

  • 8

    3.2.8. A NOTIFICAO DA DECISO FINAL ................................................ 83

    3.2.9. OS EFEITOS DAS PENAS DISCIPLINARES E O SEU

    CUMPRIMENTO ........................................................................................... 84

    3.2.10. OS MEIOS DE IMPUGNAO .............................................................. 87

    3.2.11. A TUTELA CAUTELAR DE DIREITOS ............................................... 91

    3.2.12. A EXTINO DA RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR ................ 95

    CAPTULO IV - RESULTADOS E DISCUSSO ................................................ 97 CAPTULO V PRINCIPAIS FONTES ............................................................. 113 FONTES BIBLIOGRFICAS .............................................................................. 113 MONOGRAFIAS .................................................................................................. 113 ARTIGOS DE PUBLICAO EM SRIE .......................................................... 116 DOCUMENTOS LEGISLATIVOS E OFICIAIS................................................. 118

    INTERNACIONAIS / EUROPEUS .................................................................... 118

    ESPANHIS ......................................................................................................... 119

    NACIONAIS ......................................................................................................... 119

    PARECERES E ACRDOS ............................................................................ 123

    FONTES NA INTERNET ..................................................................................... 123

  • 9

    APRESENTAO

    A vida em sociedade pressupe uma ordem. A sociedade exige de cada um dos

    seus membros o reconhecimento de que as condutas individuais devem obedecer a um

    conjunto de normas exteriores ao indivduo, isto , independentes da sua vontade, que

    defendem e garantem a ordem social, preservando a sobrevivncia do grupo. Cada

    pessoa , assim, persuadida a pautar o seu comportamento pelas normas de conduta

    social vigentes, que concretizam e reflectem os valores aceites pelo grupo.

    Os valores, enquanto concepes gerais do bem, legitimam as normas e mantm

    a coeso porquanto so socialmente aceites e compartilhados por todos os membros do

    grupo (identidade).

    Neste sentido, as normas, expresso dos valores aceites, integram padres de

    comportamento (ou modelos) a seguir por cada um dos membros do grupo, que obstam

    ou anulam ao desenvolvimento de qualquer desvio comportamental (mecanismos de

    controlo social).

    O constrangimento social tem, deste modo, um papel preponderante na

    organizao da vida social. O grupo exerce em cada indivduo uma influncia passvel

    de o submeter s normas sociais, impedindo-o de actuar contra a conduta e a identidade

    comum reconhecida no grupo. Para vencer a resistncia relativamente adeso aos

    padres de conduta impostos, a sociedade recorre a medidas que vo desde o conselho,

    a sugesto e a persuaso at coaco. Nas sociedades civilizadas, os meios utilizados

    so, geralmente, as sanes legais. A escola, a famlia, os meios de comunicao social,

    a justia, as foras policiais e outras instituies do Estado cooperam na obra

    orientadora, educativa e repressora do controlo social.

    Neste contexto se insere o conceito de disciplina, consubstanciada no conjunto

    dos deveres, leis e demais preceitos, de natureza legal (as normas jurdicas1), ou no

    1 A norma jurdica patenteia a caracterstica da coercibilidade, tendo, na sua essncia, o objectivo

    da realizao de trs dimenses fundamentais, traduzidas nos conhecidos brocardos latinos honeste vivere

    (no abusar dos seus direitos), alterum non laedere (no prejudicar ningum) e suum quique tribuere (dar

    ou entregar a cada um o que seu).

  • 10

    (vejam-se, por exemplo, as normas sociais nascidas de valores ticos, morais, religiosos,

    econmicos e polticos), que regem a sociedade civil.

    Mas no mbito militar que o conceito de disciplina apresenta contornos mais

    definidos. Aqui emerge todo um conjunto de imperativos e regras de conduta

    particulares aos quais se submetem todos os militares, com absoluto e necessrio rigor.

    Dadas as exigncias especficas em matria de disciplina, as Foras Armadas regem-se

    pela aplicao de um regime disciplinar prprio, plasmado no Regulamento de

    Disciplina Militar (RDM), decorrente do qual se espera que o militar cumpra,

    cabalmente, o leque dos deveres especiais ali previsto, imposto, assim, pela respectiva

    condio militar.

    A disciplina militar , assim, seguramente, aquela onde a ordem mais notria.

    Os militares obedecem criteriosamente a um conjunto de regras que concretizam e

    reflectem valores, tais como a honra e o amor Ptria, aceites e compartilhados por

    todos. Estes valores comuns do, inclusive, origem a sentimentos de solidariedade (a

    camaradagem e o esprito de corpo) e de unidade (a coeso) entre os militares.

    Porm, as normas regulamentares que regem as Foras Armadas no se devem

    cristalizar. Com efeito, as Foras Armadas sofrem, inevitavelmente, no seu seio, a

    influncia social da prpria sociedade em que incontornavelmente se inserem,

    destacando-se, desde logo, a recentemente concretizada profissionalizao das Foras

    Armadas Portuguesas.

    neste mbito que, atentas as tomadas de posio pblicas e as intervenes

    militares a que temos assistido, sobretudo nos ltimos anos, directamente relacionadas

    com a questo da restrio dos direitos fundamentais dos militares em efectividade de

    servio constitucionalmente consagrada, me propus abordar a face mais esquecida

    mas a mais controvertida, do problema: a forma como a Instituio Militar reforou, de

    h cerca de trinta anos a esta parte, a disciplina militar, anulando, de forma rigorosa e

    eficaz, atravs de um diploma manifestamente obsoleto, qualquer desvio de

    comportamento2. Revelou-se-me, efectivamente, pertinente que, tendo como pano de

    fundo a (in)segurana e a (restrio) dos direitos fundamentais do militares, procedesse

    ao concreto relacionamento da teoria com as necessrias observaes empricas,

    questionando, assim, a espiral consubstanciada no solitrio e pouco garantstico

    procedimento disciplinar militar, ainda que pontualmente sanado pelas declaraes de

    2 O RDM anterior foi aprovado pelo Decreto-Lei n. 142/77, de 9 de Abril.

  • 11

    inconstitucionalidade de alguns preceitos normativos. E porque a aguardada reforma da

    disciplina militar veio espelhar-se num diploma publicado recentemente, no se

    olvidaram as inevitavelmente emergentes crticas que o mesmo j nos merece3.

    Salientando a escassez da doutrina portuguesa nesta matria, dedico o Captulo I

    ao que considerei constiturem os alicerces fundamentais do presente estudo,

    reconhecendo a integrao das Foras Armadas Portuguesas no Estado Constitucional e

    o actual modelo de servio militar, baseado, em tempo de paz, no voluntariado.

    No Captulo II, dirigido restrio dos direitos fundamentais dos militares,

    abordo a questo da aplicabilidade directa dos direitos fundamentais e o respectivo

    ncleo duro. Dada a sua habitual reconduo a verdadeiro fundamento de restrio,

    sublinho a relevante restrio consubstanciada nas garantias mnimas do apartidarismo e

    da iseno poltica, exigidos aos nossos militares. Ainda neste Captulo, atenta a

    actualidade, bem como a sua pertinncia para o presente estudo, foco a questo das

    manifestaes militares, reflexo do mal-estar incontido existente no seio das Foras

    Armadas e da incontornvel necessidade de evoluo das normas regulamentares, de

    acordo com a prpria evoluo social.

    No Captulo III, analiso o regime disciplinar especial consagrado no RDM

    vigente durante trinta anos nas Unidades, Estabelecimentos e rgos Militares (U/E/O),

    apreciando criticamente as diferentes solues legais ento adoptadas e relacionando-as

    com as presentemente acolhidas no diploma que regula a actual disciplina militar.

    No Captulo IV, exponho os resultados controvertidos deste estudo, concluindo,

    por ltimo, com o Captulo V, que dedico s principais fontes bibliogrficas e da

    Internet, ferramentas de valor inestimvel presente investigao.

    Admitindo embora que a condio militar, com a qual orgulhosamente convivi

    durante cinco anos, me permitiu o manuseamento quase dirio do RDM, salvaguardo,

    porm, a independncia tcnica desta dissertao, no consubstanciando, por isso, a

    mesma, doutrina de qualquer ramo das Foras Armadas.

    Assim e sem pretender vestir outra pele que no a de simples jurista, proponho

    levar a cabo a demonstrao da inadequao das normas integrantes do procedimento

    disciplinar militar, sugerindo a premente consagrao legal de solues ajuizadas como

    as mais consentneas, sem que, naturalmente, tal importe qualquer sacrifcio das

    3 A Lei Orgnica n. 2/2009, de 22 de Julho, aprova o novo RDM, revogando o anterior, sem

    prejuzo da aplicao das normas mais favorveis aos processos em curso (cfr. os ns 2 do Artigo 2 e 3,

    ambos da referida Lei Orgnica).

  • 12

    intemporais exigncias de coeso, eficincia e, bem assim, disciplina das Foras

    Armadas.

    Movida, pois, pelo ideal da JUSTIA e, bem assim, pelo indisfarado nimo de

    promover uma maior discusso numa matria to sensvel para a Segurana da nossa

    Ptria, ouso enunciar solues (mais) ajustadas ao Direito e realidade do actual

    modelo de prestao de servio militar, apresentando aqui, sem coincidncias, na

    Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, o contributo de uma jurista

    despida do seu uniforme.

  • 13

    CAPTULO I - AS FORAS ARMADAS VOLUNTRIAS

    NO ESTADO CONSTITUCIONAL

    1.1. A CONSTITUCIONALIZAO DAS FORAS

    ARMADAS PORTUGUESAS

    Na sequncia da reviso constitucional de 1982, ocorreram modificaes de

    fundo no ordenamento jurdico-poltico portugus, como a eliminao do Conselho da

    Revoluo, a transferncia para a Assembleia da Repblica das competncias

    legislativas que pertenciam ao Conselho da Revoluo4, a extino do Movimento das

    Foras Armadas (MFA) e da sua aliana com o povo, a subordinao das Foras

    Armadas ao poder poltico, a institucionalizao do Conselho Superior de Defesa

    Nacional (CSDN)5 e a nomeao dos Chefes de Estado-Maior (CEM) pelo Presidente

    da Repblica, sob proposta do Governo6.

    Aquando da vigncia do texto constitucional de 1976, o Presidente da Repblica

    era militar, ocupava o cargo de Chefe de Estado-Maior-General das Foras Armadas

    (CEMGFA) e presidia ao Conselho da Revoluo, constitudo exclusivamente por

    militares. O Conselho de Chefes de Estado-Maior exercia funes governamentais, o

    CEMGFA tinha a categoria de primeiro-ministro e os CEM dos trs ramos das Foras

    Armadas tinham a categoria e a competncia de ministros. O prprio Ministro da Defesa

    Nacional limitava-se a ser um mero elo de ligao entre o Governo e as Foras

    Armadas. Estas tinham independncia funcional, constituindo um poder autnomo

    4 Vide v.g, a al. d) do Artigo 164 da Constituio da Repblica Portuguesa (CRP). Constitui,

    assim, reserva absoluta da Assembleia da Repblica legislar sobre a organizao da defesa nacional, definio dos deveres dela decorrentes e bases gerias da organizao, do funcionamento, do

    reequipamento e da disciplina das Foras Armadas.

    5 O CSDN presidido pelo Presidente da Repblica, sendo o rgo especfico de consulta para

    os assuntos relativos defesa nacional e organizao, funcionamento e disciplina das Foras Armadas.

    A sua composio determinada por lei, a qual inclui membros eleitos pela Assembleia da Repblica

    (Vide o n. 1 do Artigo 274 da CRP e as alteraes composio, competncias e funcionamento do

    CSDN introduzidas pela Lei Orgnica n. 2/2007, de 16 de Abril).

    6 Vide a al. p) do Artigo 133 da CRP. Vide, ainda, o Artigo 182 da CRP, relativo concepo

    do Governo como o rgo de conduo da poltica geral do pas, na qual se inclui a poltica de defesa nacional.

  • 14

    dentro do prprio Estado. A CRP reconhecia, efectivamente, um poder poltico-militar

    ou estatuto poltico-constitucional prprio s Foras Armadas. Estas detinham um poder

    de garantia (institucional) do (permanente) equilbrio poltico do sistema constitucional,

    direccionando-se igualmente para a (funo de) dinamizao poltica em situaes

    (excepcionais) de crise do sistema poltico7.

    A actual integrao das Foras Armadas no Estado Democrtico-Constitucional8

    reconhece a instituio militar como um instrumento fundamental do Estado

    Democrtico e revela, concomitantemente, a exigibilidade da adaptao, tanto da sua

    estrutura orgnica, como do modo do seu funcionamento, aos princpios fundamentais

    constitucionais.

    1.2. O SERVIO MILITAR VOLUNTRIO

    A jusante das alteraes resultantes da quarta reviso constitucional, ocorrida em

    1997, a nova Lei do Servio Militar (LSM), aprovada pela Lei n. 174/99, de 21 de

    Setembro9, veio estabelecer a transio do anterior sistema de conscrio dos cidados

    prestao de servio militar10

    para um novo regime de prestao de servio militar

    assente, em tempo de paz, no voluntariado.

    7 Antes da constitucionalizao das Foras Armadas, estas eram alheias s restantes instituies e

    tradicionalmente tidas como foras supraconstitucionais, a-constitucionais ou infra-constitucionais.Vide,

    neste sentido, LUCAS PIRES, Francisco, As Foras Armadas e a Constituio, in Estudos sobre a

    Constituio, 1 Vol., Livraria Petrony, Lisboa, 1977, pg. 321 ss.

    8 Vide, ainda, neste mbito, a al. o) do Artigo 164 da CRP, que consagra a competncia

    exclusiva da Assembleia da Repblica para legislar sobre as restries ao exerccio de direitos por

    militares dos quadros permanentes em servio efectivo; a al. d) do Artigo 199, que atribui ao Governo a

    competncia para, no exerccio de funes administrativas, dirigir os servios e a actividade da

    administrao directa do Estado, civil e militar; o Artigo 273 da CRP, que impe ao Estado a obrigao

    de assegurar a defesa nacional, com vista a garantir, no respeito da ordem constitucional, das instituies

    democrticas e das convenes internacionais, a independncia nacional, a integridade do territrio e a

    liberdade e segurana das populaes contra qualquer agresso ou ameaa externas; e, finalmente, o

    Artigo 275 da CRP, que consagra o princpio da obedincia das Foras Armadas aos rgos de soberania

    competentes, nos termos da Constituio e da Lei (n. 3), definindo expressamente as misses que lhe so

    atribudas, designadamente de defesa militar da Repblica (n. 1) e de colaborao em aces de

    cooperao tcnico-militar, no mbito da poltica nacional de cooperao (n. 6).

    9 Este diploma legal sofreu as alteraes ditadas pela Lei Orgnica n. 1/2008, de 6 de Maio, no

    tocante ao novo modelo de recenseamento militar e cominao estabelecida para o no cumprimento do

    dever de comparncia ao Dia da Defesa Nacional.

    10

    O sistema de conscrio dos cidados prestao de servio militar era imposto pela Lei n.

    30/87, de 7 de Julho, com as alteraes introduzidas pela Lei n. 89/88, de 5 de Agosto e n. 22/91, de 19

  • 15

    Pressuposta a inteno da profissionalizao dos recursos humanos militares da

    Defesa Nacional e uma estratgia de recrutamento contnuo de voluntrios, a LSM

    consagrou as formas de prestao de servio efectivo nos regimes de contrato e de

    voluntariado11

    , quadro legal cuja filosofia subjacente veio a imbuir-se no (novo)

    Regulamento da Lei do Servio Militar (RLSM), aprovado pelo Decreto-Lei n.

    289/2000, de 14 de Novembro12

    , bem como no aditamento e na reviso parcial do

    Estatuto dos Militares das Foras Armadas (EMFAR)13

    .

    O recrutamento militar actual, enquanto conjunto de operaes necessrias

    obteno dos meios humanos para o ingresso nas Foras Armadas, baseia-se, assim, no

    designado recrutamento normal, com a finalidade da admisso de cidados que se

    proponham prestar voluntariamente servio militar efectivo nos referidos regimes de

    contrato e de voluntariado nas Foras Armadas14

    , compreendendo, ainda, a modalidade

    do recrutamento especial para a prestao de servio efectivo voluntrio nos quadros

    de Junho e regulamentado pelo Decreto-Lei n. 463/88, de 15 de Dezembro, com as alteraes dadas pelo

    Decreto-Lei n. 143/92, de 20 de Julho.

    11

    Vide, respectivamente, as al. b) e c) do n. 2 do Artigo 3 da LSM.

    12

    Este diploma foi alterado pelo Decreto-Lei n. 52/2009, de 2 de Maro.

    13

    Vide as al. b) e c) do Artigo 3 e o Livro III, Dos regimes de contrato e de voluntariado, do

    EMFAR, aprovado pelo Decreto-Lei n. 236/99, de 25 de Junho, com as alteraes introduzidas pela Lei

    n. 25/2000, de 23 de Agosto e pelos Decretos-Lei n. 197-A/2003, de 30 de Agosto, n. 70/2005, de 17

    de Maro, n. 166/2005, de 23 de Setembro, n. 310/2007, de 11 de Setembro e n. 59/2009, de 4 de

    Maro. O novo sistema de prestao de servio militar introduzido no ordenamento jurdico portugus

    assenta na adeso voluntria a um vnculo temporrio com as Foras Armadas por um perodo mnimo de

    dois anos e um perodo mximo de seis anos no regime de contrato e a durao de doze meses no regime

    de voluntariado, perodo a partir do qual o militar neste regime pode ingressar no regime de contrato,

    requerendo a sua permanncia no servio efectivo (Vide, respectivamente, o n. 1 do Artigo 28 da LSM,

    o n. 3 do Artigo 45 do RLSM, o n. 1 do Artigo 5 do EMFAR e os Artigos 31 e 32 da LSM, o Artigo

    50 do RLSM e o n. 2 do Artigo 5 do EMFAR). Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n. 169/2006,

    de 17 de Agosto, a renovao contratual em regime de contrato passou a carecer de autorizao prvia

    dos membros do Governo responsveis pelas reas das Finanas, da Administrao Pblica e da Defesa

    Nacional. Assim, incumbe ao Chefe do Estado-Maior do respectivo ramo das Foras Armadas apresentar, semestralmente, o nmero total de efectivos que se encontra a prestar servio em regime de

    contrato, acrescido do nmero de renovaes susceptvel de ocorrer nesse perodo (Vide os ns 2 e 3 do Artigo 6 deste diploma legal). No sentido de acautelar o processo de consolidao e de sustentabilidade

    da profissionalizao das Foras Armadas, enquanto decorrem os trabalhos de reestruturao das carreiras

    dos militares das Foras Armadas e observados os critrios de racionalidade e economia, o Decreto

    Regulamentar n. 12/2009, de 17 de Julho, veio fixar novos quantitativos mximos de militares na

    efectividade de servio nos regimes de voluntariado e de contrato, em 2009 e 2010, na Marinha, no

    Exrcito e na Fora Area.

    14

    Vide o Artigo 13 da LSM e o n. 1 do Artigo 32 do RLSM. Vide, ainda, os modelos de

    contrato para a prestao de servio militar nos regimes de contrato e de voluntariado constantes da

    Portaria n. 418/2002, de 19 de Abril, do Ministro da Defesa Nacional.

  • 16

    permanentes15

    e prevenindo o estabelecimento do recrutamento excepcional para a

    prestao de servio efectivo decorrente da convocao ou mobilizao16

    .

    Uma vez firmado o vnculo com as Foras Armadas, enquadram-se estes

    cidados, militares nos regimes de voluntariado, de contrato e dos quadros permanentes,

    no conceito de trabalhadores da Administrao Pblica, conforme decorre do Artigo

    270 da CRP e do n. 1 do Artigo 35 da Lei da Defesa Nacional e da Foras Armadas

    (LDNFA)17

    , integrando o vnculo jurdico inerente prestao de servio militar todas

    as caractersticas essenciais relao jurdica de emprego pblico a sujeio ao

    regime de Direito Pblico, a prestao de trabalho, a retribuio e a subordinao

    15

    O servio efectivo nos quadros permanentes compreende a prestao de servio pelos cidados

    que, tendo ingressado voluntariamente na carreira militar, estabelecem um vnculo definitivo com as

    Foras Armadas (Vide o Artigo 4 do EMFAR). A ttulo exemplificativo, o actual ingresso na categoria de

    Oficial dos quadros permanentes do Exrcito depende da obteno, com aproveitamento, do grau de

    Mestre na Academia Militar (AM), devendo os candidatos categoria de Sargento dos quadros

    permanentes do mesmo ramo das Foras Armadas frequentar o respectivo Curso de Formao de

    Sargentos, com a durao de dois anos, o primeiro dos quais, dedicado formao comum de todas as

    armas e servios, tem lugar na Escola de Sargentos do Exrcito (ESE). Com o ingresso nos quadros

    permanentes, o militar presta juramento de fidelidade em cerimnia prpria, em obedincia seguinte

    frmula: Juro, por minha honra, como portugus e como Oficial/Sargento/Praa da(o) Armada/Exrcito/Fora Area, guardar e fazer guardar a Constituio da Repblica, cumprir as ordens e

    deveres militares, de acordo com as leis e regulamentos, contribuir com todas as minhas capacidades para

    o prestgio das Foras Armadas e servir a minha Ptria em todas as circunstncias e sem limitaes,

    mesmo com o sacrifcio da prpria vida. Ao Oficial entregue a Carta Patente, documento tradicionalmente adoptado como forma de encarte dos Oficiais dos quadros permanentes das Foras

    Armadas, regulado no Decreto-Lei n. 194/82, de 21 de Maio.

    16

    Vide o Artigo 7 da LSM.

    17

    A LDNFA foi aprovada pela Lei n. 29/82, de 11 de Dezembro e alterada pelas Leis n. 41/83,

    de 21 de Dezembro, n. 111/91, de 29 de Agosto, n. 113/91, de 29 de Agosto e n. 18/95, de 13 de Julho,

    bem como pelas Leis Orgnicas n. 3/99, de 18 de Setembro, n. 4/2001, de 30 de Agosto e n. 2/2007, de

    16 de Abril.

  • 17

    jurdica18

    , sem prejuzo das especificidades inerentes relao de servio militar,

    incontornavelmente marcada (pelo menos) desde o dia do Juramento de Bandeira19

    .

    18

    Sem prejuzo de os actuais regimes de carreiras, vnculos e remuneraes do trabalhadores que

    exercem funes pblicas, aprovados pela Lei n. 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, estabelecer no seu

    Artigo 91 a correspondente converso dos contratos administrativos de provimento dos trabalhadores

    abrangidos pelo mbito de aplicao subjectivo do diploma, do qual se exclui os militares das Foras

    Armadas, cujos regimes constam de leis especiais, o n. 1 do Artigo 45 do RLSM prev expressamente

    que, para todo os efeitos legais, o regime de contrato equivalente ao contrato administrativo de provimento e o militar contratado equiparado a agente administrativo, estabelecendo o n. 2 do Artigo 50 do RLSM a aplicabilidade, com as necessrias adaptaes, das disposies do presente Regulamento que regulam o RC ao RV. Vide, por ltimo, o Parecer n. 83/2007, de 22 de Julho de 2008, da Procuradoria-Geral da Repblica, relativamente incluso dos militares dos quadros permanentes das

    Foras Armadas no conceito de emprego pblico, a propsito dos fundamentos invocados no sentido da aplicabilidade do estatuto do trabalhador estudante a estes militares, parecer que foi homologado por

    despacho do Ministro da Defesa Nacional, em 11 de Julho de 2008 e publicado no Dirio da Repblica,

    n. 146, 2 Srie, de 30 de Julho.

    19

    O Artigo 7 do EMFAR consagra a frmula empregue nas cerimnias onde cada militar

    profere, com o brao direito erguido em direco Bandeira nacional, o necessrio juramento: Juro, como portugus e como militar, guardar e fazer guardar a Constituio e as leis da Repblica, servir as

    Foras Armadas e cumprir os deveres militares. Juro defender a minha Ptria e estar sempre pronto a lutar

    pela sua liberdade e independncia, mesmo com o sacrifcio da prpria vida.

  • 18

    CAPTULO II - A RESTRIO DOS DIREITOS

    FUNDAMENTAIS DOS MILITARES

    2.1. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS EM GERAL

    Os direitos fundamentais consubstanciam as posies jurdicas dos cidados,

    individual ou institucionalmente considerados, assentes na Constituio formal (direitos

    fundamentais em sentido formal) e na Constituio material (direitos fundamentais em

    sentido material).

    Os direitos fundamentais, ou os direitos fundamentais em sentido material,

    decorrem dos princpios da Constituio material, cujo sentido e alcance efectivo se

    encontra sujeito a variaes.

    Assim, para alm dos princpios comuns a todos os direitos (princpios da

    universalidade e da igualdade)20

    , existem princpios comuns com variaes, como o

    princpio da proteco da confiana21

    , o princpio da proporcionalidade22

    , o princpio

    da eficcia jurdica dos direitos fundamentais23

    , que abordaremos infra, o princpio da

    tutela jurdica24

    e o princpio da responsabilidade civil das entidades pblicas e dos

    seus titulares em caso de violao de direitos25

    .26

    Face Constituio de 1976, o sentido e o contedo efectivo dos direitos

    fundamentais correspondero necessariamente aos valores e princpios consignados nos

    20

    Vide os Artigos 12 e 13 da CRP.

    21

    Vide o n. 2 do Artigo 266 da CRP.

    22

    Vide o n. 2 do Artigo 18 da CRP.

    23

    Vide o n. 1 do Artigo 18 da CRP.

    24

    Vide o Artigo 20 da CRP, o n. 2 do Artigo 202, os ns 4 e 5 do Artigo 268, o Artigo 23 e o

    n. 1 do Artigo 52, todos da CRP.

    25

    Vide o Artigo 22 e o n. 1 do Artigo 269, ambos da CRP.

    26

    Vide, neste sentido, JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Direitos

    Fundamentais, Tomo IV, 4 Edio, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pgs. 152-153.

  • 19

    Artigos 1 e 2 da Lei Fundamental, nomeadamente ao respeito pela dignidade da

    pessoa humana e o pelo Estado de Direito democrtico.

    2.2. A APLICABILIDADE DIRECTA DOS DIREITOS

    FUNDAMENTAIS E O ESTATUTO SOCIAL MNIMO

    No sentido da determinao do mbito e alcance da eficcia dos direitos

    fundamentais27

    , tem-se revelado pacfica a teoria da eficcia directa no Direito Pblico,

    inequivocamente reforada pelo disposto no n. 1 do Artigo 18 da CRP: Os preceitos

    constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias so directamente

    aplicveis e vinculam as entidades pblicas (e privadas) parnteses nosso. Os direitos

    fundamentais visam, pois, em primeira linha, a proteco dos sujeitos jurdicos contra

    os poderes estaduais, cuja posio privilegiada facilmente atentaria contra o designado

    contedo mnimo essencial ou ncleo duro, irredutvel, desses mesmos direitos.

    As dvidas foram colocadas pela Doutrina inicialmente na Alemanha e, na sua

    esteira, pela Jurisprudncia, apenas no que diz respeito vinculao das entidades

    privadas, ou seja, no mbito do Direito Privado. Em Portugal, as teses que defendem a

    eficcia directa e imediata dos direitos fundamentais nas relaes entre privados so

    sustentadas designadamente por J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA28

    ,

    JOS JOO ABRANTES29

    , ANA PRATA30

    e JORGE BACELAR GOUVEIA. J a

    posio de CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO31

    se traduz na defesa da teoria da

    27

    Os Princpios Fundamentais encontram-se plasmados na CRP (Artigos 1 a 11), onde esto

    tambm garantidos os Direitos e Deveres Fundamentais dos cidados: Princpios Gerais Artigos 12 a 23, Direitos, Liberdades e Garantias Pessoais Artigos 24 a 47, Direitos, Liberdades e Garantias de Participao Poltica Artigos 48 a 52, Direitos, Liberdades e Garantias dos Trabalhadores Artigos 53 a 57, Direitos e Deveres Econmicos Artigos 58 a 62, Sociais Artigos 63 a 72 e Culturais Artigos 73 a 79.

    28

    Cfr., Constituio da Repblica Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pg.

    147.

    29

    Cfr., A Vinculao das Entidades Privadas aos Direitos Fundamentais, AAFDL, Lisboa,

    1990, pg. 94 e Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais, Coimbra Editora, 2005, pgs. 223 ss, do

    mesmo autor.

    30

    Cfr., A Tutela Constitucional da Autonomia Privada, Almedina, Coimbra, 1982, pg. 137.

    31

    Cfr., Teoria Geral do Direito Civil, 4 Edio, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pgs. 73 ss.

  • 20

    eficcia indirecta ou mediata dos direitos fundamentais nas relaes jurdico-privadas,

    em que a aplicao das normas constitucionais se faz com referncia a instrumentos e

    regras prprias do direito civil32

    . Sem prejuzo de parte da Doutrina apontar no sentido

    da ausncia prtica de diferenas do confronto entre estas teorias, adoptar uma ou outra

    no ser, porm, indiferente, uma vez que s a eficcia directa dos direitos fundamentais

    nas relaes privadas d a garantia plena de defesa da intangibilidade do contedo

    mnimo essencial dos mesmos33

    . Podemos, por ltimo, ainda afirmar que a previso

    expressa da natureza directa da vinculao das entidades particulares aos direitos,

    liberdades e garantias no preceito constitucional supra transcrito sempre tornar esta

    teoria incontornvel.

    Os direitos fundamentais, traduzidos em normas e princpios objectivos34

    ,

    impem-se, pois, a toda a Ordem Jurdica, pblica e privada, obrigando, assim, o Estado

    e a sociedade civil.

    2.3. A RESTRIO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS

    MILITARES

    Na salvaguarda do estatuto social mnimo definido pela CRP, cujo respeito ,

    como vimos, imposto s entidades pblicas e privadas, a Lei Fundamental estabelece,

    no n. 2 do seu Artigo 18, que a lei ordinria s pode restringir os direitos, as liberdades

    e as garantias nos casos expressamente previstos35

    , devendo as restries limitar-se ao

    32

    A eficcia indirecta da aplicao dos preceitos constitucionais s relaes jurdico-privadas

    referida na Doutrina alem como eficcia reflexa ou eficcia em relao a terceiros.

    33

    Neste sentido, Vide, JOO ABRANTES, Jos, Contrato de Trabalho e Direitos

    Fundamentais, Coimbra Editora, 2005, pgs. 227 a 229.

    34

    Note-se, pois, que os direitos fundamentais eram inicialmente apenas tidos como direitos

    subjectivos de defesa perante os poderes do Estado.

    35

    Em consonncia com o princpio da autorizao constitucional expressa. Nas palavras de

    GOMES CANOTILHO, J.J, Direito Constitucional e Teoria da Constituio, 7 Edio, Almedina,

    Coimbra, 2009, pg. 424, Esta individualizao expressa tem como objectivo obrigar o legislador a procurar sempre nas normas constitucionais o fundamento concreto para o exerccio da sua competncia

    de restrio de direitos, liberdades e garantias, e criar segurana jurdica nos cidados, que podero contar

    com a inexistncia de medidas restritivas de direitos fora dos casos expressamente considerados pelas

    normas constitucionais como sujeitos a reserva de lei restritiva.

  • 21

    necessrio para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente

    protegidos. s leis restritivas de direitos, liberdades e garantias fica, alm disso, vedada

    a possibilidade da diminuio da extenso e do alcance do contedo essencial dos

    preceitos constitucionais36

    .

    Ora a CRP consagra expressa e taxativamente as situaes de restrio

    admitidas ao exerccio de direitos pelos militares integrantes das fileiras das Foras

    Armadas, a quem incumbe a defesa (militar) da Repblica (contra o exterior) e

    imposto o dever de obedincia aos rgos de soberania competentes, nos termos da

    Constituio e da Lei 37

    . Prev, pois, o Artigo 270 da CRP, a possibilidade de a Lei

    estabelecer, na estrita medida das exigncias prprias das respectivas funes,

    restries ao exerccio de direitos de expresso, reunio, manifestao, associao e

    petio colectiva e capacidade eleitoral passiva por militares (e agentes

    militarizados) dos quadros permanentes em servio efectivo38

    .

    Assim, as restries constitucionalmente consagradas aparecem estabelecidas e

    desenvolvidas nos Artigos 31 a 31-F da LDNFA. Com efeito, dispe o n. 1 do Artigo

    31 desta Lei que Os militares em efectividade de servio dos quadros permanentes e

    em regime de voluntariado e de contrato gozam dos direitos, liberdades e garantias

    constitucionalmente estabelecidos, mas o exerccio dos direitos de expresso, reunio,

    manifestao, associao e petio colectiva e a capacidade eleitoral passiva ficam

    36

    Cfr., o n. 3 do Artigo 18 da CRP. O princpio da proteco do ncleo essencial traduz uma

    preocupao eminentemente material, que procura evitar o esvaziamento do contedo dos direitos

    fundamentais restringidos. A restrio de direitos pautada, ademais, por outros princpios fundamentais,

    tais como o princpio da proibio do excesso ou princpio da proporcionalidade. Vide, neste sentido,

    BACELAR GOUVEIA, Jorge, Regulao e Limites dos Direitos Fundamentais, in Separata do II

    Suplemento do Dicionrio Jurdico da Administrao Pblica, Lisboa, 2001, pg. 458 ss. Relativamente

    regulao e aos limites dos direitos fundamentais, Vide, BACELAR GOUVEIA, Jorge, Regulao e

    Limites dos Direitos Fundamentais, in Separata do II Suplemento do Dicionrio Jurdico da

    Administrao Pblica, Lisboa, 2001, pg. 450 ss. Ainda sobre os limites dos direitos fundamentais, Vide,

    VIEIRA DE ANDRADE, Jos Carlos, Os Direitos Fundamentais na Constituio Portuguesa de 1976,

    Almedina, Coimbra, 2007, pg. 212 ss.

    37

    Vide, respectivamente, os ns 1 e 2 do Artigo 275. O princpio da obedincia das Foras

    Armadas aos rgos de soberania competentes encontra-se igualmente previsto no Artigo 19 da LDNFA.

    No mesmo sentido, Vide, ainda, o Artigo 4 do anterior RDM e o Artigo 1 do novo RDM.

    38

    A propsito da tipificao, Vide, com as adaptaes inerentes questo da restrio dos

    direitos fundamentais, BACELAR GOUVEIA, Jorge, Os Direitos Fundamentais Atpicos, Aequitas,

    Editorial Notcias, 1995, pg. 60: A razo do emprego da tipificao quase no carece de demonstrao no domnio dos direitos fundamentais. A sua enorme importncia afere-se pela necessidade da

    pormenorizao dos bens jurdicos protegidos e das respectivas vias de aproveitamento como forma de

    melhor contribuir para a sua melhor proteco, evitando-se assim a sua diluio em formas abstractas,

    facilmente merc do poder poltico.

  • 22

    sujeitos ao regime previsto nos artigos 31-A a 31-F da presente lei, nos termos da

    Constituio.

    Em conjugao com o n. 4 do Artigo 275 da CRP39

    , o n. 2 do Artigo 31 da

    LDNFA acrescenta que Os militares em efectividade de servio so rigorosamente

    apartidrios e no podem aproveitar-se da sua arma, do seu posto ou da sua funo para

    qualquer interveno poltica, partidria ou sindical, nisto consistindo o seu dever de

    iseno, dispondo, ademais, o n. 3 do Artigo 31 da LDNFA que, aos militares em

    efectividade de servio dos quadros permanentes e em regime de voluntariado e de

    contrato, no so aplicveis as normas constitucionais referentes aos direitos dos

    trabalhadores cujo exerccio tenha como pressuposto os direitos restringidos nos

    nmeros seguintes, designadamente a liberdade sindical, nas suas diferentes

    manifestaes e desenvolvimentos, o direito criao de comisses de trabalhadores,

    tambm com os respectivos desenvolvimentos, e o direito greve40. Por ltimo, o n. 4

    deste preceito normativo estabelece que No exerccio dos respectivos direitos os

    militares esto sujeitos s obrigaes do estatuto da condio militar e devem observar

    uma conduta conforme a tica militar e respeitar a coeso e a disciplina das Foras

    Armadas 41

    .

    39

    Dispe o n. 4 do Artigo 275 da CRP que As Foras Armadas esto ao servio do povo portugus, so rigorosamente apartidrias e os seus elementos no podem aproveitar-se da sua arma, do

    seu posto ou da sua funo para qualquer interveno poltica.

    40 O Artigo 30 da LDNFA consagra expressamente o princpio da iseno poltica exigido aos

    militares, reproduzindo quase integralmente o n. 4 do Artigo 275 da CRP. A al. a) do Dever 13 do

    Artigo 4 do anterior RDM consagrava tambm como um dos deveres especiais do militar do quadro permanente, na efectividade de servio ou prestando servio em regime voluntrio, conservar, em todas as

    circunstncias, um rigoroso apartidarismo poltico, sendo-lhe, vedado o exerccio de qualquer actividade poltica sem autorizao, bem como a filiao em agrupamentos ou associaes de carcter poltico. Vide,

    ainda, o Dever 14 do mesmo preceito legal, relativo imposio de o militar no assistir uniformizado e mesmo em trajo civil, no tomar parte em mesas, fazer uso da palavra ou exercer qualquer actividade em

    comcios, manifestaes ou reunies pblicas de carcter poltico sem autorizao. O novo RDM consagra igualmente o dever especial de iseno poltica, identificando-o como o rigoroso apartidarismo dos militares, no podendo os mesmos usar a sua arma, o seu posto ou a sua funo para qualquer interveno poltica, partidria ou sindical (Vide a alnea i) do n. 2 do Artigo 11 e o Artigo 20, ambos deste diploma legal). Existem autores que sentenciam que a LDNFA ter extravasado, por

    exemplo no n. 3 do Artigo 31 desta Lei, o mandado constitucional de neutralidade poltico-partidria das

    Foras Armadas para o mbito das restries do domnio sindical, decepando-as da possibilidade de os

    seus membros beneficiarem dos direitos fundamentais dos trabalhadores, colidindo com a actual realidade

    social. Neste sentido, Vide ANTNIO ARAJO, O Direito da Defesa Nacional e das Foras Armadas,

    Edies Cosmos, Instituto da Defesa Nacional, Lisboa, 2000, pg. 309. Vide, ademais, o Parecer n.

    83/2007, de 22 de Julho de 2008, da Procuradoria-Geral da Repblica, homologado por Despacho de Sua

    Ex. o Ministro da Defesa Nacional em 11 de Julho de 2008 e publicado no Dirio da Repblica, 2 Srie,

    n. 146, de 30 de Julho, no sentido da curiosamente questionada aplicabilidade do prprio estatuto do

    trabalhador estudante aos militares dos quadros permanentes das Foras Armadas.

    41

    No que se refere ao estatuto da condio militar, a Lei n. 11/89, de 1 de Junho aprovou as

    bases gerais a que deve obedecer o exerccio dos direitos e o cumprimento dos deveres pelos militares dos

  • 23

    Chegados problemtica da especificidade inerente condio militar e

    antecedendo a anlise do arqutipo legal garante da designada disciplina pugnada pelas

    Foras Armadas e, bem assim, da salvaguarda das restries dos direitos fundamentais

    legalmente estabelecidas, cumpre primeiro questionarmos os fundamentos da

    interveno legislativa restritiva operada, designadamente no que toca ao princpio da

    autorizao constitucional expressa.

    2.4. OS FUNDAMENTOS DA RESTRIO

    Considera-se, assim, de todo pertinente aferir, prima facie, se a interveno

    legislativa diminuiu a extenso e o alcance do contedo essencial dos preceitos

    constitucionais, limitando-se as restries ao necessrio salvaguarda de outros direitos

    ou interesses constitucionalmente protegidos.

    Constatamos, pois, que o princpio da autorizao constitucional expressa foi

    indubitavelmente comprimido em favor do reconhecimento da existncia de uma

    autorizao implcita de restrio legal de direitos fundamentais (ou de restries

    implcitas dos direitos fundamentais), com fundamento em inquestionveis razes

    materiais. Efectivamente, estendeu-se a expressa restrio constitucional aos direitos

    fundamentais dos militares dos quadros permanentes aos militares sujeitos ao vnculo

    temporrio da prestao de servio militar nos regimes de contrato e de voluntariado,

    permitindo-se, assim, interveno legislativa restritiva, a harmonizao dos interesses

    inerentes extenso da restrio a todos os militares em efectividade de servio

    (princpio da igualdade). Mas que interesses so estes?

    Na busca dos fundamentos da restrio dos direitos fundamentais dos militares,

    surgem, de imediato, as razes que favorecem a sujeio do cidado em uniforme42

    em

    quadros permanentes e dos restantes militares enquanto na efectividade de servio (BGECM), definindo

    os princpios orientadores das respectivas carreiras (Vide, o Artigo 1, a al. g) do Artigo 2 e o Artigo 7

    deste diploma legal). Note-se que o n. 1 do Artigo 18 do EMFAR, relativo aos direitos, liberdades e

    garantias dos militares reproduz os termos do Artigo 7 das BGECM: O Militar goza de todos os direitos, liberdades e garantias reconhecidas aos demais cidados, estando o exerccio de alguns desses

    direitos e liberdades sujeito s restries constitucionalmente previstas, com o mbito pessoal e material

    que consta da LDNFA. 42

    Na busca do sentido subjacente ao conceito de nacionalidade ou cidadania portuguesa, o

    Artigo 4 da CRP presta algum auxlio, dispondo que So cidados portugueses todos aqueles que como

    tal sejam considerados pela lei ou por conveno internacional. Mas a tarefa do legislador ordinrio est,

  • 24

    naturalmente, sujeita aos parmetros jusinternacionais e constitucionais. Nestes termos, o regime da

    nacionalidade portuguesa encontra-se consagrado na Lei n. 37/81, de 3 de Outubro, alterada pela Lei n.

    25/94, de 19 de Agosto, pelo Decreto-Lei n. 322-A/2001, de 14 de Dezembro, na redaco dada pelo

    Decreto-Lei n. 194/2003, de 23 de Agosto, pela Lei Orgnica n. 1/2004, de 15 de Janeiro e pela Lei

    Orgnica n. 2/2006, de 17 de Abril. Atravs deste diploma legal, so definidas as condies e os efeitos

    da atribuio (nacionalidade originria), aquisio (por efeito da vontade, pela adopo e por

    naturalizao) e perda da nacionalidade, as regras do registo, prova e contencioso da nacionalidade e do

    conflito de leis sobre a nacionalidade (note-se que o status segundo o qual um indivduo titular da

    nacionalidade de dois Estados designado dupla-nacionalidade ou dupla-cidadania; j a situao da

    acumulao de nacionalidades de mais de dois pases designada de nacionalidade mltipla ou

    plurinacionalidade). Sobre este ponto, Vide, ainda, a Conveno Europeia sobre a Nacionalidade, aberta

    assinatura dos Estados Membros do Conselho da Europa em Estrasburgo em 26 de Novembro de 1997,

    aprovada, para ratificao, pela Resoluo da Assembleia da Repblica n. 19/2000, publicada no Dirio

    da Repblica, Srie I-A, n. 55, de 6 de Maro e ratificada por Decreto do Presidente da Repblica n.

    7/2000, publicado no mesmo Dirio da Repblica. A cidadania , em si, um vnculo jurdico pelo qual o

    indivduo integra o povo de um Estado e acede, por essa via, titularidade de um conjunto de direitos,

    representando igualmente um sinal identificador com peso acentuadamente simblico, v.g., a histria e a

    cultura da Ptria. Poder-se- ainda dizer, com Ian Brownlie, que a nacionalidade um vnculo jurdico que tem por base um facto social de pertena, uma conexo genuna de vivncia, de interesses e de

    sentimentos, em conjunto com a existncia de direitos e deveres recprocos. Saliente-se constituir inclusivamente fundamento de oposio aquisio da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade

    ou da adopo, a prestao de servio militar no obrigatrio a Estado estrangeiro (Vide, a al. c) do

    Artigo 9 e o Artigo 10 da Lei da Nacionalidade). Assim, facilmente se deduz que a admisso s Foras

    Armadas no exige a nacionalidade portuguesa (ou a sua atribuio ou aquisio prvia) como um mero

    formalismo inerente ao recrutamento a seleco dos candidatos. Ao exigir a nacionalidade portuguesa,

    confia-se antes que a sua deteno configure mais do que um mero status transformado em mecanismo

    legal que to-somente permite aceder a um conjunto de direitos reservados aos cidados nacionais da

    Ptria. Com efeito, o direito de defesa da Ptria est indissociavelmente ligado a um dever que pressupe

    uma relao de fidelidade que s pode ser imposto aos respectivos cidados. A questo da

    inadmissibilidade de estrangeiros nas Foras Armadas pode vir a ser objecto de grande controvrsia no

    nosso pas, sendo-o j para l das nossas fronteiras, onde determinados pases admitem que estrangeiros

    prestem servio militar, como por exemplo nos Estados Unidos da Amrica (cfr. o Selective Service Act,

    de 28 de Setembro de 1971), onde a conscrio foi extinta aps a guerra do Vietname. Com efeito, muitos

    imigrantes, especialmente latino-americanos, com residncia legal permanente, ingressam nas Foras

    Armadas dos EUA, movidos sobretudo pela vontade de acelerar o processo de obteno da cidadania

    (e/ou de aceder gratuitamente ao ensino superior). Nos termos desta poltica, a nacionalizao surge como

    uma forma de recompensar os estrangeiros que participam na guerra contra o terrorismo (Jos

    Guttierrez, por exemplo, nasceu na Guatemala e foi o segundo soldado americano a morrer no Iraque,

    sendo homenageado com cidadania pstuma). No entanto, existem vozes que questionam se a nica

    lngua nacional e a cultura anglo-protestante no correro o risco de serem substitudas, respectivamente,

    por duas lnguas (ingls e espanhol) e por dois povos com duas culturas (anglicana e hispnica). Outro

    caso particular o de Espanha. Uma das mudanas mais significativas sofridas nas respectivas Foras

    Armadas foi igualmente a extino do servio militar obrigatrio, em 31 de Dezembro de 2001 e a

    consagrao legal da possibilidade de admisso de extranjeros a la condicin de militar Professional de

    tropa y marinera (Vide, neste sentido, a Ley 32/2002, de 5 de jlio, que alterou a Ley 17/1999, de 18 de

    mayo, do Rgimen del Personal de las Fuerzas Armadas e o Reglamento de acceso de extranjeros a la

    condicin de militar profesional de tropa y marinera, aprovado pelo Real Decreto 1244/2002, de 29 de

    noviembre, com as alteraes constantes do Real Decreto 2266/2004, de 3 de diciembre e da competente

    Orden Ministerial num. 217/2004, de 30 de diciembre). No entanto, a admissibilidade da nacionalidade

    estrangeira limita-se aos pases que mantm especiais vnculos histricos, culturais e lingusticos com

    Espanha, salvaguardando-se legalmente a no-ingerncia nos assuntos internos dos Estados, a

    harmonizao com as normas do direito internacional e a misso constitucionalmente consagrada e

    atribuda das Foras Armadas. Com efeito, a defesa nacional essencialmente direito e dever dos

    cidados espanhis, pelo que o acesso dos estrangeiros restringe-se de forma proporcional, a fim de

    alegadamente evitar um desfasamento quantitativo e qualitativo das foras.

  • 25

    desfavor da sua autonomia pessoal, sobretudo no mbito das designadas relaes

    especiais de poder, ou seja, nas palavras de MANUEL DA COSTA ANDRADE43

    ,

    naquelas particulares relaes entre o Estado e o indivduo, marcadas, para alm da

    durao e intensidade dos vnculos, pela acentuao exponencial da assimetria e da

    dependncia prprias das relaes entre o poder e o indivduo. Em sentido semelhante,

    JOS CARLOS VIEIRA DE ANDRADE44

    afirma que os membros das Foras

    Armadas no so (sequer), meros indivduos, precisamente porque se encontram em

    situaes especiais de relao jurdica com os poderes pblicos, capazes de justificar

    restries, tambm especiais, de alguns direitos.

    Assim, a relao especial de poder, qual os militares se encontram sujeitos,

    pressuporia um regime jurdico particular adequado aos fins da relao jurdica especial,

    j de per si legitimadora das restries aos respectivos direitos fundamentais.

    Sustentaria, ademais, esta tomada de posio o facto de as actuais caractersticas

    do servio militar, consubstanciadas na profissionalizao das Foras Armadas,

    integradas por voluntrios para a prestao de servio militar efectivo nos regimes de

    contrato e de voluntariado e, bem assim, por militares dos quadros permanentes que

    (voluntariamente) abraam a carreira militar, importarem como que uma renncia

    expressa ao pleno exerccio dos direitos fundamenteis45

    , vislumbrando-se aqui, sob

    outra perspectiva, a vertente especfica da relao especial de sujeio dos militares.

    Tal entendimento revela-se, porm, indefensvel, uma vez que a prpria auto-restrio

    de direitos imporia, para alm de uma vontade livre e esclarecida, uma durao limitada

    da prpria renncia aos direitos fundamentais, o que no sucede. Com efeito, basta

    atendermos, por um lado, aos constrangimentos sociais e econmicos de Portugal, que

    conduzem uma parte tida por considervel dos cidados s fileiras das Foras Armadas

    (facto social notrio, comprometedor, assim, da existncia de uma vontade

    verdadeiramente livre e concomitantemente indiciador de um eventual abuso

    institucional, gerador de efeitos perversos) e, por outro, circunstncia de tempo

    subjacente ao vnculo jurdico celebrado com os militares dos quadros permanentes,

    43

    Direito Penal Mdico SIDA: Testes Arbitrrios, Confidencialidade e Segredo, Coimbra Editora, 2004, pg. 47.

    44

    Os Direitos Fundamentais na Constituio Portuguesa de 1976, 2 Edio, Almedina,

    Coimbra, 2001, pg. 303 ss.

    45

    A prpria frmula do Juramento de Bandeira parece sustentar a tese da renncia expressa ao

    pleno exerccio dos direitos fundamentais.

  • 26

    sujeitos aos deveres militares inerentes sua situao administrativa relativamente

    prestao de servio46

    .

    Segundo o modelo clssico das Foras Armadas, ser militar importaria o assumir

    desta condio vinte e quatro horas por dia, por motivos atinentes to-s a valores

    tradicionais ainda que perdurveis, como a disciplina, a honra e a lealdade,

    importando pura e simplesmente o no exerccio dos direitos fundamentais de cidado

    pelo militar47

    . Mas as relaes especiais de poder no justificam, por si s, a restrio

    aos direitos fundamentais dos militares. Ela emerge da necessidade de harmonizar estes

    mesmos direitos com os fins institucionalmente visados, com os bens jurdicos, os

    valores ou os princpios constitucionalmente consagrados, isto , com a afirmao de

    um interesse pblico especial ou primacial48

    .

    Efectivamente, as Foras Armadas no existem por si nem para si. A estas

    incumbe a defesa militar da Repblica, obedecem aos rgos de soberania competentes

    e esto ao servio do povo portugus. Incumbe-lhes satisfazer os compromissos

    internacionais do Estado Portugus no mbito militar e participar em misses

    humanitrias e de paz assumidas pelas organizaes internacionais de que Portugal faa

    parte. Podem ainda ser incumbidas de colaborar em misses de proteco civil em

    tarefas relacionadas com a satisfao de necessidades bsicas e a melhoria da qualidade

    de vida das populaes e em aces de cooperao tcnico-militar no mbito da

    poltica nacional de cooperao, podendo inclusivamente ser empregues nas situaes

    de estado de stio e de emergncia49.

    As Foras Armadas surgem, assim, como o (exclusivo) instrumento do Estado

    para assegurar a execuo da componente militar da defesa nacional50

    , cujos objectivos

    46

    Note-se que os direitos fundamentais so, em regra, indisponveis, irrenunciveis e

    imprescritveis. Neste sentido, Vide, VIEIRA DE ANDRADE, Jos Carlos, in Os Direitos Fundamentais

    na Constituio Portuguesa de 1976, 2 Edio, Almedina, Coimbra, 2001, pg. 318 ss.

    47

    A concepo original das relaes especiais de poder de LABAND na Alemanha do Sc. XIX

    encontra-se actualmente despojada do seu radicalismo inicial, mas o seu contedo, devidamente mitigado,

    revela-se ainda til para a doutrina administrativa portuguesa, ainda que a mesma empregue, por vezes,

    outras expresses, como relaes jurdicas especiais ou estatutos especiais, para justificar a

    aplicabilidade das correspondentes regras ou regimes especficos.

    48

    Veja-se a prpria letra da lei do Artigo 270 da CRP: na estrita medida das exigncias prprias das respectivas funes.

    49 Vide os ns 1, 3 a 7 do Artigo 275 da CRP, os n. 3 a 5 do Artigo 3 da LDNFA, os Artigos 9

    e 19 da LDNFA.

    50

    A componente militar da defesa nacional exclusivamente assegurada pelas Foras Armadas,

    sem prejuzo do direito e dever de cada portugus da passagem resistncia, activa e passiva, nas reas de

  • 27

    se orientam no sentido de garantir, no respeito da ordem constitucional, das instituies

    democrticas e das convenes internacionais, a independncia nacional, a integridade

    do territrio e a liberdade e a segurana das populaes contra qualquer agresso ou

    ameaa externas, bem como assegurar a manuteno ou o restabelecimento da paz em

    condies que correspondam aos interesses nacionais51.

    Neste sentido, so imperativos das Foras Armadas, reveladores da sua

    especificidade, o respeito pela Constituio e pelas leis, a subordinao ao interesse

    nacional, a neutralidade e imparcialidade polticas, a lealdade, a disciplina, a

    subordinao hierarquia militar, a conduta conforme com a tica militar e os ditames

    da virtude e da honra, a coeso ou o esprito de corpo, o esprito de abnegao, a

    sujeio aos riscos inerentes ao cumprimento das misses militares, a permanente

    disponibilidade para lutar em defesa da Ptria (se necessrio com o sacrifcio da prpria

    vida), a obedincia pronta, a eficincia operacional e a eficcia em combate fim

    ltimo para o qual esto vocacionadas.

    A restrio dos direitos fundamentais dos militares fundamenta-se, assim, na

    proteco dos interesses constitucionalmente protegidos, ancorados na necessidade de

    assegurar a eficincia, a eficcia, a disciplina, a iseno e neutralidade polticas das

    Foras Armadas, enquanto garantias (mnimas) do cumprimento das funes de defesa

    nacional e de segurana dos cidados que lhes esto cometidas, pressupondo, assim, o

    (possvel) equilbrio entre os direitos comprimidos e os fins institucionais e

    constitucionais prosseguidos.

    2.5. O APARTIDARISMO E A ISENO POLTICA EM

    ESPECIAL

    Em favor da defesa da Repblica democrtica e pluripartidria e, bem assim, da

    Lei Fundamental exigida a no pertena dos elementos das Foras Armadas a

    qualquer partido, fora ou movimento de natureza poltica (o apartidarismo), bem como

    a sua neutralidade e imparcialidade relativamente a qualquer interesse partidrio ou

    territrio nacional ocupadas por foras estrangeiras e da colaborao das foras de segurana na execuo

    da poltica de defesa nacional, nos termos da lei (Vide, o n 1 do Artigo 18 da LDNFA).

    51

    Cfr., os Artigos 273 da CRP e 1, 4, 5, 17 e 18 da LDNFA.

  • 28

    simpatia pessoal (a iseno poltica)52

    . A relevncia desta especfica restrio afere-se

    sobretudo pela habitual reconduo mesma do fundamento essencial das restries ao

    exerccio de direitos expressamente previstas para os militares dos quadros permanentes

    no Artigo 270 do texto constitucional vigente e, como vimos, aplicveis aos restantes

    militares em efectividade de servio, nos regimes de voluntariado e de contrato.

    52

    Os princpios do apartidarismo e da iseno poltica encontram-se expressamente consagrados

    no n. 4 do Artigo 275 da CRP, no Artigo 30 e no n. 2 do Artigo 31, ambos da LDNFA, na al. a),

    Dever 13 do Artigo 4 do anterior RDM e na alnea i) do n. 2 do Artigo 11 e no Artigo 20, ambos do

    novo RDM. Saliente-se, ainda, a proibio constitucionalmente estabelecida da existncia de associaes

    armadas, do tipo militar, militarizadas ou paramilitares, de organizaes racistas ou que perfilhem a

    ideologia fascista (Vide o n. 4 do Artigo 46 da CRP). No que ao direito de expresso se refere, os

    militares em efectividade de servio dos quadros permanentes e nos regimes de voluntariado e contrato

    tm o direito de proferir declaraes pblica sobre qualquer assunto, com a reserva prpria do estatuto da condio militar, desde que as mesmas no incidam sobre a conduo da poltica de defesa nacional,

    no ponham em risco a coeso e a disciplina das Foras Armadas nem desrespeitem o dever de iseno

    poltica e sindical ou o apartidarismo dos seus elementos (cfr. o n. 1 do Artigo 31-A da LDNFA). No que respeita o direito de reunio, os referidos militares podem, desde que trajem civilmente e sem ostentao de qualquer smbolo das Foras Armadas, convocar ou participar em qualquer reunio

    legalmente convocada que no tenha natureza poltico-partidria ou sindical. Contudo, podero assistir a reunies legalmente convocadas com esta ltima natureza se no usarem da palavra nem exercerem

    qualquer funo no mbito da preparao, organizao, direco ou conduo dos trabalhos ou na

    execuo das deliberaes tomadas (cfr. os ns 1 e 2 do Artigo 31-B da LDNFA. Vide, ainda, o n. 2 do mesmo normativo, que estabelece que o exerccio do direito de reunio no pode prejudicar o servio,

    nem a permanente disponibilidade do militar para com o mesmo, nem o direito ser exercido dentro das

    U/E/O, bem como o j mencionado Dever 14 do Artigo 4 do RDM). No que toca ao direito de

    manifestao, os mesmos militares, desde que estejam desarmados e trajem civilmente sem ostentao de qualquer smbolo nacional ou das Foras Armadas, tm o direito de participar em qualquer

    manifestao legalmente convocada que no tenha natureza poltico-partidria ou sindical, desde que no

    sejam postas em risco a coeso e a disciplina das Foras Armadas (Vide o Artigo 31-C da LDNFA). Quanto liberdade de associao, estes militares tm o direito de constituir qualquer associao, nomeadamente associaes profissionais, excepto se as mesmas tiverem natureza poltica, partidria ou

    sindical (cfr. o n. 1 do Artigo 31-D da LDNFA), procurando-se, assim, evitar a politizao da actividade das associaes compostas por militares. No que se refere ao direito de petio colectiva, os

    mesmos militares tm o direito de promover ou apresentar peties colectivas dirigidas aos rgos de soberania ou a quaisquer outras autoridades, desde que as mesmas no incidam sobre a conduo da

    poltica de defesa nacional, no ponham em risco a coeso e a disciplina das Foras Armadas nem

    desrespeitem o dever de iseno poltica e sindical ou o apartidarismo dos seus elementos (cfr. o Artigo 31-E da LDNFA). Finalmente, no tocante capacidade eleitoral passiva, ainda os militares em

    efectividade de servio dos quadros permanentes e nos regimes de voluntariado e contrato que, em tempo

    de paz, pretendam concorrer a eleies para os rgos de soberania, de governo prprio das Regies

    Autnomas e do poder local, bem como para deputado ao Parlamento Europeu, devem, previamente apresentao da candidatura, requerer a concesso de uma licena especial, declarando a sua vontade de

    ser candidato no inscrito em qualquer partido poltico. Esta licena especial cessa se o militar no for

    eleito, determinando o regresso do mesmo efectividade do servio. Na situao de eleio em que o militar exera o respectivo mandato em regime de permanncia e a tempo inteiro, este pode requerer, no prazo estabelecido, a transio voluntria para a situao de reserva. No entanto, a eleio de um militar para um segundo mandato determina (automaticamente) esta transio. De igual modo, transita

    (obrigatoriamente) para a reserva o militar eleito Presidente da Repblica, salvo se o mesmo j se

    encontrar nesta situao ou na reforma aquando da eleio (Vide os ns 1, 4, 6, 8 e 10 do Artigo 31-F da

    LDNFA). A transio automtica e obrigatria para a reserva tem como pressuposto o facto de o militar

    seguramente no apresentar, nestas circunstncias, o perfil de iseno poltica exigido para a integrao

    das fileiras das Foras Armadas.

  • 29

    Assim, as restries enunciadas no identificado preceito constitucional

    encontram, nas palavras de JORGE BACELAR GOUVEIA53

    , como fio condutor, uma

    restrio de ordem essencialmente poltica, visando conferir ao estatuto das foras

    militares () uma neutralidade activa em face do poder poltico, impedindo-as assim de

    tomar parte nas respectivas decises, quer no momento da designao dos respectivos

    titulares, quer no momento da formao da opinio pblica.

    Ainda segundo J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA54

    , o princpio

    do apartidarismo uma consequncia do princpio da subordinao dos militares aos

    interesses do povo portugus, cfr., o n. 4 do Art. 275 da CRP, mas que tem a

    virtualidade especfica de justificar a restrio de alguns direitos aos militares , cfr., o

    Artigo 270 da CRP. Para estes autores, o princpio da imparcialidade e da neutralidade

    polticas impe, alm do apartidarismo, a apoliticidade dos militares enquanto tais,

    proibindo-lhes de se aproveitarem da sua funo, do seu posto ou da sua arma para

    qualquer interveno poltica.

    Considera-se, assim, que a exigida imparcialidade das Foras Armadas evita que

    as estruturas militares funcionem como instrumento de presso poltica,

    comprometedoras do livre desenvolvimento das instituies democrticas. Os militares

    devem aceitar as escolhas polticas democraticamente feitas pelos cidados ou pelos

    rgos do poder poltico, ficando-lhes vedada a possibilidade de manifestar qualquer

    preferncia por qualquer ideologia em debate aquando do processo de deciso, bem

    como de discordar da posio poltica vencedora55

    . As Foras Armadas encontram-se,

    nestes termos, legalmente subordinadas ao poder poltico, legitimamente constitudo,

    no o questionando na pressuposio da realizao dos imperativos nacionais da Nao,

    tratando-se, aqui, em suma, de verdadeiras garantias mnimas para a existncia de umas

    53

    Regulao e Limites dos Direitos Fundamentais, in Separata do II Suplemento do Dicionrio

    Jurdico da Administrao Pblica, Lisboa, 2001, pg. 464.

    54

    Ainda segundo GOMES CANOTILHO, J. J. e VITAL MOREIRA, in Constituio da

    Repblica Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pg. 963, o princpio do apartidarismo

    uma consequncia do princpio da subordinao dos militares aos interesses do povo portugus, cfr., o

    n. 4 do Art. 275 da CRP, mas que tem a virtualidade especfica de justificar a restrio de alguns direitos

    aos militares , cfr., o Artigo 270 da CRP. Para os mesmos autores, o princpio da imparcialidade e da

    neutralidade polticas impe, alm do apartidarismo, a apoliticidade dos militares enquanto tais,

    proibindo-lhes de se aproveitarem da sua funo, do seu posto ou da sua arma para qualquer interveno

    poltica.

    55

    A separao das funes militares das funes polticas evita, ademais, a duplicao de

    esforos, a (inevitvel) recproca ingerncia e, bem assim, uma eventual (e fatal) coliso.

  • 30

    Foras Armadas eficazes e coesas, no fragmentadas pelas dissonncias prprias

    geradas naturalmente pela vivncia poltica56

    .

    2.6. AS MANIFESTAES MILITARES: RESTROSPECTIVA

    HISTRICA

    Sem prejuzo do respeito pela Lei Fundamental e da necessria adaptao

    normativa do modelo actual de prestao de servio militar em eventual situao de

    beligerncia, umas Foras Armadas modernas exigem o abandono de velhos conceitos,

    como a clssica subordinao absoluta do inferior ao superior hierrquico, o puro

    princpio da disciplina e da organizao militar e a ausncia das garantias fundamentais

    do cidado em uniforme.

    Os direitos de cidadania dos militares devem, pois, ser permanentemente

    ajustados democracia consolidada e realidade das caractersticas do actual modelo de

    servio militar, baseado, em tempo de paz, no voluntariado. A democratizao das

    Foras Armadas mesmo defendida por alguns autores57

    , no sentido de serem

    reconhecidos aos seus membros todos os direitos, liberdades e garantias, bem como os

    direitos de natureza anloga, em plena igualdade com os outros cidados, apenas com os

    limites compatveis com a salvaguarda da defesa externa.

    Sem se pretender defender aquilo que a prtica poderia transformar num

    incontornvel excesso, temos vindo a assistir, de h cerca de quatro anos a esta parte,

    atravs de notcias difundidas atravs dos meios de comunicao social, a vrias

    intervenes militares pblicas, reveladoras de um (indisfarado) mal-estar existente nas

    Foras Armadas, proveniente, por um lado, do acesso jurisdicional ao direito por parte

    de militares no conformados com a aplicao de penas disciplinares, reflexo

    56

    Saliente-se que o apartidarismo exigido desde a formalizao da candidatura Academia

    Militar, apresentando-se aos respectivos candidatos, muitos deles acabados de perfazer 18 anos de idade

    e, bem assim, de conquistar o direito ao voto, um termo de responsabilidade onde os mesmos declaram

    tomar conhecimento e aceitar as disposies legais neste mbito aplicveis e assumem desvincular-se de

    qualquer compromisso poltico-partidrio assumido do antecedente, com efeitos desde o respectivo

    ingresso.

    57

    Vide, neste sentido, LIBERAL FERNANDES, Francisco, As Foras Armadas e a PSP perante

    a Liberdade Sindical, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor A. Ferrer Correia, Vol. III, Boletim da

    Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, 1991, pg. 921 ss.

  • 31

    indubitvel de uma crescente empertigao dos militares contra as respectivas Chefias

    Militares (e, concomitantemente, destas Chefias relativamente aos mesmos militares e

    prpria Magistratura) e, por outro, decorrente da ameaada aplicabilidade das normas

    do novo RDM aos militares na situao de reserva e de reforma fora da efectividade de

    servio.

    2.6.1. ANO DE 2005

    Assim, reportando-nos ao princpio do ms de Setembro do ano de 2005, a

    presena de militares fardados em manifestaes contra as alteraes legislativas

    empreendidas no tocante aos seus direitos, como a sade58

    e as condies de passagem

    reserva e reforma, convocadas pelas respectivas Associaes Profissionais Militares

    (APM)59

    , onde foram proferidas palavras de ordem e slogans de protesto, bem como

    proclamadas e relembradas as competncias da hierarquia civil, tida pelos mesmos

    como um verdadeiro contra-poder que, em ltima anlise, protegeria os militares

    inconformados contra o alegado autoritarismo ou abuso de poder por parte das Chefias

    Militares, gerou um ambiente de desconfiana recproca que naturalmente se acentuou

    quando os dirigentes associativos, confrontados a posteriori com a instaurao de

    processos de averiguaes pelo Ministrio da Defesa Nacional, decidiram explicar, de

    forma pouco convincente, que os militares fardados no estariam a manifestar-se, mas

    num simples encontro de camaradas, a fim de se solidarizarem com os dirigentes das

    Associaes, ento presentes em determinados locais.

    58

    O Decreto-Lei n. 167/2005, de 23 de Setembro, unificou a assistncia na doena aos militares

    das Foras Armadas at ento assegurada por trs subsistemas de sade especficos de cada um dos ramos

    das Foras Armadas a Assistncia na Doena aos Militares da Armada, a Assistncia na Doena aos Militares da Fora Area e a Assistncia na Doena aos Militares do Exrcito, num nico subsistema

    sujeito a um regime paralelo ao da ADSE. Salvaguardando as especificidades da condio militar, esta

    alterao contribui de forma decisiva para o anunciado objectivo de uniformizao dos vrios sistemas de

    sade pblicos, ao mesmo tempo que permite uma melhor racionalizao dos meios humanos e materiais

    disponveis.

    59

    Integram as APM a Associao de Militares na Reserva e Reforma (ASMIR), a Associao de

    Oficiais das Foras Armadas (AOFA), a Associao Nacional de Sargentos (ANS) e a Associao de

    Praas da Armada (APA). A nvel europeu, as associaes de militares dos diversos pases europeus

    criaram, em Setembro de 1972, a EUROMIL European Organisation of Military Associations. A EUROMIL apoia as liberdades, os direitos bsicos e, em particular, os direitos de associao e reunio no

    espao europeu, competindo-lhe representar perante organizaes supra-nacionais e outras autoridades, os

    interesses das associaes de militares. Tem estatuto consultivo no Conselho Europeu, sendo parceiro de

    discusso no Parlamento Europeu, na NATO e na OIT.

  • 32

    Veio, entretanto, a pblico, que o Governo Civil de Lisboa proibira nova

    manifestao convocada pelas Associaes representativas dos Oficiais, Sargentos e

    Praas, referindo a sua conotao com a actividade sindical e o risco para a coeso e a

    disciplina das Foras Armadas. Os dirigentes das Associaes recorreram, assim, da

    deciso para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), que deu razo ao Governo

    Civil na parte relativa actividade sindical. Inconformados, os dirigentes associativos

    adoptaram, desde ento, uma postura de quase-desafio, prontamente sublinhada pela

    comunicao social. Assim, ainda em Setembro do mesmo ano, trs mulheres de

    militares de um Oficial, de um Sargento e de uma Praa foram nomeadas em

    reunio organizada pelos militares inconformados, a fim de agendarem uma

    manifestao de protesto, cuja convocatria foi, efectivamente, considerada legal e, bem

    assim, autorizada pelo Governo Civil. Porm, na sequncia da realizao, em 19 de

    Setembro daquele ano, de uma conferncia conjunta dos Ministros da Administrao

    Interna e da Defesa Nacional e da informao dos CEM dos ramos, no sentido da

    salvaguarda da coeso e da disciplina das Foras Armadas, os militares na efectividade

    de servio foram proibidos de comparecer mesma. No sendo os (pelo menos

    oficialmente) responsveis pela organizao da manifestao, as APM pronunciaram-se,

    no entanto, a favor da motivao da aco empreendida, afirmando que os militares

    fardados que ali se vieram a encontraram teriam sido vistos nos locais onde dirigentes

    associativos realizavam diligncias, encontravam-se apenas de passagem e estavam

    fardados porque regressavam do servio. Alegaram, ainda, a existncia de

    discriminao, uma vez que estavam centenas de militares presentes e apenas cento e

    sete teriam sido identificados, sendo apenas vinte e dois militares sujeitos a

    procedimento disciplinar, nenhum deles possuindo a categoria de Oficial.

    Simultaneamente, surgiram novas formas de contestao, designadamente

    atravs da distribuio annima pela ento denominada Comisso de Solidariedade

    de um folheto apelando aos militares para que os mesmos permanecessem at s vinte

    horas nas respectivas U/E/O. Paralelamente, as Associaes organizavam (outras)

    formas pblicas de demonstrao de solidariedade para com os camaradas

    identificados.

  • 33

    2.6.2. ANO DE 2006

    No ano de 2006, ressurgiram os protestos dos militares. Em Novembro,

    manteve-se a convocao de uma manifestao por uma Comisso constituda por

    militares na reserva e no activo, apesar da proibio decretada pelo Governo Civil de

    Lisboa, que se baseou num Parecer do Conselho dos Chefes de Estado-Maior. Neste

    Parecer, o protesto classificado de ilegal e susceptvel de afectar a coeso e a

    disciplina das Foras Armadas, acrescentando ser uma forma de encobrir uma

    manifestao de militares organizada por, pelo menos, uma das quatro associaes

    profissionais de militares, a ANS, torneando o impedimento legal no s da sua

    convocao como do seu objecto. Qualificando a deciso como ilegal, injusta, sem

    fundamento e baseada num processo de intenes para proibir uma iniciativa que

    no existiria porque tratar-se-ia to-s de um passeio e no uma manifestao, o lder

    da comisso organizadora do passeio do descontentamento, FERNANDES TORRES,

    Oficial fora da efectividade de servio, reiterou, no Rossio, o convite para os militares e

    famlias se associarem ao protesto.

    A propsito deste passeio do descontentamento, o Primeiro-Ministro

    portugus, JOS SCRATES, afirmou ento: As manifestaes ilegais no devem

    realizar-se em Portugal. Neste pas, toda a gente tem o direito de se manifestar, desde

    que o faa em respeito pela lei. Por sua vez, a Governadora Civil, ADELAIDE

    ROCHA, esclareceu no ter havido qualquer pedido para a realizao do protesto que,

    nas suas palavras, revestiria tambm natureza sindical e seria apenas uma forma de

    encobrir uma manifestao de militares, sustentando ainda que os promotores,

    constituindo-se ou no em Comisso, esto obrigados a cumprir os requisitos legais de

    informao ao Governo Civil. No obstante, em 23 de Novembro de 2006, centenas de

    militares na reforma e alguns no activo, acompanhados de familiares passearam, em

    Lisboa, em efectivo protesto contra os cortes oramentais na rea da Defesa. Segundo

    os elementos oportunamente fornecidos pela ANS aos meios de comunicao social,

    pelo menos vinte militares dez da Fora Area, nove da Marinha e um do Exrcito

    teriam processos pendentes por terem participado no clebre passeio do

    descontentamento.

  • 34

    2.6.3. ANO DE 2007

    J em 2007, dez Sargentos da Fora Area foram condenados a cumprir entre

    cinco e sete dias de deteno por terem participado no referido protesto. Numa nota

    enviada imprensa, a ANS referia: hoje ficaram concludos os processos disciplinares

    instaurados a dez sargentos da Fora Area, na sequncia do passeio do nosso

    descontentamento. Acrescentava o documento que nove militares vo cumprir, a

    partir de quarta-feira, nas respectivas unidades, cinco dias de deteno, enquanto que o

    vice-presidente da ANS, Jos Pereira, cumprir sete dias por contestao pblica das

    ordens da chefia numa viglia. Ainda segundo a ANS, o Presidente desta Associao,

    LIMA COELHO, foi punido com cinco dias de deteno.

    Na sequncia das referidas condenaes, os Advogados da ANS apresentaram

    uma providncia cautelar no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, com o

    objectivo de suspender a eficcia das punies decididas pelo Comandante do Comando

    Operacional da Fora Area, o Tenente-General CRUZ, apresentando simultaneamente

    uma reclamao, nesse Comando, contra a pena disciplinar aplicada aos dez Sargentos

    participantes do passeio. EMANUEL PAMPLONA, Advogado da ANS, afirmou ento

    que a providncia cautelar tivera por base as dvidas de constitucionalidade em relao

    pena aplicada, uma vez estarem em causa direitos, liberdades e garantias dos

    militares punidos, sustentando ainda que naquele passeio no fora colocada em causa a

    hierarquia militar nem se tratara de qualquer manifestao poltica. Denunciando a

    existncia de um alegado clima de perseguio, declarou que apenas se colocaram

    em causa condies scio-profissionais e nunca de ordem poltica ou militar.

    Em 18 de Fevereiro de 2007, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra

    decidiu a suspenso imediata da pena disciplinar de deteno imposta pela Fora Area

    ao Sargento JOS AGOSTINHO. Depois de o Oficial de Dia no Comando Operacional

    da Fora Area, em Monsanto, ter sido informado da deciso judicial, ter procedido

    imediata libertao do identificado militar. A posteriori, o mesmo Tribunal confirmou a

    suspenso da punio dos restantes Sargentos, depois de ouvidos o EMGFA, o

    Ministrio da Defesa Nacional e os representantes dos Sargentos.

    Em 14 de Maro do mesmo ano, um Sargento-Chefe da Marinha,

    DIAMANTINO GOUVEIA, ter sido notificado pelo Director do Hospital Militar da

  • 35

    Armada, em Lisboa, que iria, de imediato, comear a cumprir uma pena de deteno de

    cinco dias por (igualmente) ter participado no passeio do descontentamento. Segundo

    FERNANDO FREIRE, (outro) Advogado da ANS, na nota de culpa, o referido

    Sargento fora acusado por violao dos deveres militares ao participar, fardado, numa

    manifestao atentatria da disciplina militar. Mais uma vez, a ANS recorreu aos

    tribunais administrativos, apresentando nova providncia cautelar, desta vez, no

    Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada. Para os Advogados da ANS, todos os

    militares tm o direito de aguardar, em liberdade, a deciso do recurso da punio

    interposto hierarquia militar, o que, in casu, veio a suceder. Efectivamente e

    semelhana do ocorrido em Fevereiro com os dez militares da Fora Area, o Tribunal

    Administrativo e Fiscal de Almada suspendeu, em 15 de Maro de 2007, a pena de

    deteno aplicada ao referido Sargento-Chefe. Segundo os ltimos dados tornados

    pblicos referentes interveno militar de 23 de Novembro de 2006, este ter sido o

    11 Sargento a quem os tribunais suspenderam a aplicao de uma punio disciplinar

    militar.

    J no ms de Novembro de 2007, FERNANDO TORRES denunciava, por sua

    vez, a alegada presso sofrida pelos militares no sentido de os mesmos no

    comparecerem ao novo encontro agendado para o dia 22 daquele ms, no final da tarde,

    no Rossio, ao qual denominaram Encontro pela Justia e pela Lei, contra o RDM

    vigente.

    2.6.4. ANO DE 2008

    Desde 20 de Outubro de 2008, foram surgindo novas aparies pblicas de

    militares, munidos do comummente designado caderno reivindicativo, dado o

    descontentamento manifestado contra a poltica da sade, contra a decrescente

    retribuio mdia dos ltimos anos dos militares face ao nvel dos vencimentos das

    profisses equiparadas (juzes, diplomatas e professores universitrios)60

    e contra o no

    pagamento das penses devidas aos reformados.

    60

    J no Comunicado Nacional, de 21 de Setembro de 2005, da AOFA, intitulado As razes da

    insatisfao, afirmava-se que os militares foram os que menos contriburam para o dfice, os que mais se sacrificaram para o evitar e aqueles que foram mais desconsiderados no reconhecimento e na justa

    compensao do servio prestado ao Estado e Repblica. Hoje, um Coronel tem o mesmo poder de

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    No tocante reconhecida relao controvertida entre a hierarquia militar e a

    magistratura, as Chefias Militares tm observado, com franca apreenso, a crescente

    interveno dos tribunais na justia e disciplina militares, sobretudo desde o trnsito em

    julgado das decises judiciais oportunamente proferidas pelos Tribunais

    Administrativos e Fiscais no sentido da suspenso da aplicao de penas disciplinares

    impostas a militares na sequncia da instaurao de processos disciplinares, que

    atingiram as Foras Armadas em pleno no mundo parte que pensavam ter e

    ambicionam para si, exigindo, ento, a breve resoluo do designado assunto de Estado.

    Fontes militares apontavam para uma contradio ou disfuno entre o Regulamento

    da Disciplina Militar e a Justia, acrescentavam que no h ningum investido de

    comando que no possa impor a sua ordem e avisaram: a disciplina o pilar da

    estrutura militar e a capacidade da hierarquia cumprir e fazer cumprir as leis e ordens

    com celeridade e carcter objectivo foi posta em causa.

    No mesmo sentido, LOUREIRO DOS SANTOS concluiu que a Justia colocou

    em causa a disciplina militar. A disciplina , conforme expressou em crnica, o factor

    bsico para que as Foras Armadas (FA) se enquadrem e ajam eficazmente, apenas em

    funo da vontade dos seus cidados, expressa nas decises dos rgos polticos

    legtimos. E alertou: A Histria mostra que, sem disciplina, as FA perdem eficincia,

    desagregam-se, fomentam a instabilidade e desprestigiam a nao a que pertencem. Em

    vez de constiturem o escudo de defesa do pas nica razo de existirem so uma

    ameaa que coloca os cidados em perigo. Transformam-se num bando e deixam de ser

    o bastio da segurana da Ptria e a sua reserva de soberania. Para este General,

    confrontarmo-nos com trs aspectos, todos extremamente preocupantes, que podem

    colocar em causa a disciplina militar: o incumprimento de certa legislao que afecta os

    militares, procedimentos de recurso no mbito disciplinar que minam a cadeia de

    comando, e interferncias de alguns dirigentes de associaes militares em questes de

    disciplina61.

    compra que nos anos 80 tinha um Major. Os militares perderam em comparao consigo prprios, mas

    com os outros corpos especiais a situao ainda mais devastadora: Com base em estimativas que

    efectumos, s para compensar a inseno de horrio, atendendo aos servios efectivamente prestados,

    seria necessrio extra de cerca de 50% do vencimento e para sermos colocados ao nvel dos magistrados

    tornava-se indispensvel um aumento de cerca de 100%.

    61 Parte do ass