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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE DIREITO DEPARTAMENTO DE DIREITO INTERNACIONAL E COMPARADO OBEDE FRANKLIN MOURA E SILVA JUNIOR Nº USP: 7214849 IMPORTAÇÃO DE MODELOS DE CONTRATOS EMPRESARIAIS COMPLEXOS: UMA ANÁLISE DE DIREITO COMPARADO Orientador: Professor Doutor Wagner Menezes São Paulo 2015

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Page 1: Tese de Láurea l Obede.PDF

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE DIREITO

DEPARTAMENTO DE DIREITO INTERNACIONAL E COMPARADO

OBEDE FRANKLIN MOURA E SILVA JUNIOR

Nº USP: 7214849

IMPORTAÇÃO DE MODELOS DE CONTRATOS EMPRESARIAIS

COMPLEXOS: UMA ANÁLISE DE DIREITO COMPARADO

Orientador: Professor Doutor Wagner Menezes

São Paulo

2015

Page 2: Tese de Láurea l Obede.PDF

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE DIREITO

DEPARTAMENTO DE DIREITO INTERNACIONAL E COMPARADO

IMPORTAÇÃO DE MODELOS DE CONTRATOS EMPRESARIAIS

COMPLEXOS: UMA ANÁLISE DE DIREITO COMPARADO

Trabalho apresentado como exigência para a

conclusão do curso de graduação em Direito na

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Orientador: Professor Doutor Wagner Menezes.

Obede Franklin Moura e Silva Junior

Nº USP: 7214849

São Paulo

2015

Page 3: Tese de Láurea l Obede.PDF

Nome: FRANKLIN M. E S. JR., Obede.

Título: Importação de Modelos de Contratos Empresariais Complexos: Uma Análise de

Direito Comparado.

Trabalho apresentado como exigência para a

conclusão do curso de graduação em Direito na

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Orientador: Professor Doutor Wagner Menezes.

Aprovado em: ______/______/______

Banca Examinadora

Prof. ____________________________ Instituição:_________________________

Julgamento:______________________ Assinatura:_________________________

Prof. ____________________________ Instituição:_________________________

Julgamento:______________________ Assinatura:_________________________

Page 4: Tese de Láurea l Obede.PDF

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus pais e ao meu irmão,

meus referenciais de vida e conduta cristã.

Page 5: Tese de Láurea l Obede.PDF

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela Sua infinita graça, pela família que tenho e, principalmente, por ter me

concedido essa natureza irrequieta de cearense.

Agradeço à minha mãe, Hailane, pela ética, força e persistência próprias de uma mulher

extremamente forte e, sobretudo, cristã. Ao meu amigo, pai e pastor, nessa ordem de

referência, Obede, pela coerência, ternura e sabedoria, muito além do que se espera de

qualquer amigo, pai ou pastor. Ao meu irmão, Arnon, pelo cuidado, maturidade e prudência

de um irmão mais novo e, ao mesmo tempo, mais velho. Devo tudo o que sou e o que tenho a

essas três pessoas.

Agradeço à minha avó e segunda mãe, a Sra. Valdelice, que, com sua doçura infinita, sempre

me transmitiu os fundamentos da fé cristã, da ética protestante e a cultura do sertão. Ao meu

avô, o Sr. Renato, pela sua caridade com os necessitados.

Agradeço ao Prof. Wagner Menezes, pela parceria de futebol e pelas lições de direito

internacional e de vida, além de ter delicadamente aceitado me orientar na elaboração deste

trabalho.

Agradeço, por fim, ao Prof. Mario Engler Pinto Jr., por toda a gentileza em me ajudar no

desenvolvimento deste trabalho, baseado em um de seus brilhantes artigos.

Page 6: Tese de Láurea l Obede.PDF

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo analisar, sobretudo sob uma perspectiva prática, os motivos

pelos quais tem sido adotado no Brasil o modelo de negociação e elaboração de contratos

empresariais complexos anglo-americano, em detrimento do modelo alemão, cuja realidade

jurídico-legislativa é mais próxima da brasileira. Apresentam-se, assim, as peculiaridades

próprias de cada um desses modelos, destacando-se aspectos jurídicos e sociais envolvidos na

determinação da forma de contratar, tanto nos Estados Unidos da América quanto na

Alemanha. Comparam-se cláusulas e distinguem-se os padrões de cada um dos modelos

contratuais. Posteriormente, analisa-se o modelo brasileiro e seus excessos diante da

legislação vigente. Conclui-se que, destarte a existência de uma legislação solidificada no

Brasil em matéria de direito dos contratos, o modelo contratual anglo-americano se encaixa

mais no perfil dos contratantes brasileiros, voltados à minimização de oportunismos, porém,

ainda assim, poder-se-ia adotar no Brasil uma forma mais intermediária entre os modelos

anglo-americano e alemão para uma maior eficiência de seus contratos.

Palavras-chave: direito contratual; direito contratual anglo-americano; direito contratual

alemão; contratos empresariais complexos; fusões e aquisições.

Page 7: Tese de Láurea l Obede.PDF

ABSTRACT

This thesis has the scope of analyzing, especially under a practical approach, the reasons by

means of which the Anglo-American complex business contracting model has been adopted

in Brazil, instead of its German counterpart, whose legislative and judiciary realities are closer

to the Brazilian ones. The peculiarities of each of these models are presented, pointing out

legal and social aspects involved in determining the contracting way in both the United States

and Germany. Standard clauses in complex business contracts are compared and distinguished

from the patterns of each of the contract models. Later, the Brazilian contracting style is

analyzed, stressing its excesses under the Brazilian law. Finally, it is concluded that, although

there is a codified legislation in Brazil regarding contract law, the Anglo-American

contracting model seems to fit more properly in the contracting parties style in Brazil, aimed

at the minimization of opportunism. It is also concluded that an intermediate solution in

between both Anglo-American and German contracting styles should be adopted in Brazil for

a greater contract efficiency.

Key-words: contract law; Anglo-American contract law; German contract law; complex

business contracts; mergers and acquisitions.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 8

2 ELABORAÇÃO DE CONTRATOS EMPRESARIAIS COMPLEXOS NOS SISTEMAS ANGLO-AMERICANO E ALEMÃO ................................................................. 10

2.1 O Processo de Negociação dos Contratos Complexos .......................................... 11

2.2 Os Contratos e suas Cláusulas ............................................................................... 13

2.3 Evitando o Oportunismo ........................................................................................ 15

2.4 O Papel do Processo Civil ..................................................................................... 17

2.5 O Papel da Tradição e Interações Sociais .............................................................. 20

2.6 O Papel da Boa-Fé ................................................................................................. 22

3 INTERPRETAÇÃO DE CONTRATOS EMPRESARIAIS COMPLEXOS NOS SISTEMAS ANGLO-AMERICANO E ALEMÃO ................................................................. 26

3.1 Problemas de Significado e de Linguagem ........................................................... 28

3.2 Soluções Padronizadas........................................................................................... 34

3.2.1 Soluções Padronizadas no Direito Contratual ........................................... 34

3.2.2 Outras Soluções Padronizadas................................................................... 36

3.2.3 Soluções Padronizadas Podem Ser Adotadas nos Estados Unidos? ......... 38

4 O MODELO BRASILEIRO ........................................................................................... 39

4.1 Para Quem se Destina o Contrato Elaborado no Brasil? ....................................... 39

4.2 Exemplos de Cláusulas de Contratos Complexos no Brasil .................................. 42

4.3 Custos de Transação e Oportunismo ..................................................................... 46

4.4 O Papel da Boa-Fé no Direito Brasileiro ............................................................... 47

4.4.1 A Boa-Fé Durante as Tratativas ................................................................ 47

4.4.2 A Boa-Fé na Execução do Contrato .......................................................... 49

4.4.3 A Boa-Fé Após o Término do Contrato .................................................... 50

5 CONCLUSÃO ................................................................................................................ 52

6 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................ 54

Page 9: Tese de Láurea l Obede.PDF

8

1 INTRODUÇÃO

Desde o desenvolvimento econômico experimentado pelas nações europeias a

partir do século XV, especialmente com a necessidade de arrecadação de recursos para o

financiamento da aventura marítima em direção às Índias e suas especiarias, o direito tem sido

desafiado a regular novas formas de relacionamento entre partes contratantes. A

complexificação da economia, portanto, exige uma complexificação dos contratos.

Atualmente, contratos empresariais complexos – fusões, aquisições, joint

ventures, contratos financeiros, contratos de leasing etc. – são particularmente difíceis de

elaborar e de ler. O processo de negociação é longo, cansativo e, via de regra, requer do

advogado muitos dias e noites de trabalho. E, quando enfim, algum litígio envolvendo algum

desses tipos de contrato vai ao judiciário, juízes dificilmente têm tempo e conhecimento

técnico para interpretar os termos e condições ali estabelecidos.

Qual, pois, seria o destinatário buscado pelo advogado atual ao redigir um

contrato empresarial complexo? As partes? Os tribunais? A resposta é especialmente

importante para se definir a técnica de interpretação para tais contratos.

Fato notório é que temos nos especializado num juridiquês incompreensível, que

complica o simples e, em última instância, abre as portas para a loteria jurídica.

O sistema brasileiro, nesse contexto, é interessantemente paradoxal: ao mesmo

tempo em que contempla como princípio supremo da hermenêutica contratual a boa-fé

objetiva, o que é típico de países com regime de civil law, produz contratos adornados com

cláusulas extremamente esmiuçadas, na tentativa de dizer ao juiz qual era verdadeiramente a

vontade das partes no momento da contratação, o que é próprio de países com regime de

common law.

Ora, se se tem uma série de definições, regras e condições já delimitadas na

legislação dos países com direito codificado, como é o caso do Brasil, por que se escolhe

justamente gastar cláusulas e cláusulas definindo o já definido, regulando o óbvio e dirimindo

Page 10: Tese de Láurea l Obede.PDF

9

o incontestável? O excesso na escrita, verificadamente, cria a falsa ideia de que aquilo que

não está expressamente proibido no contrato está necessariamente permitido por ele.

Curiosamente, enquanto escrevemos um contrato de compra e venda de ações em

centenas de páginas, pouco obstando futuros litígios, o modelo contratual alemão o faz em

algumas dezenas, com uma taxa de litígios consideravelmente inferior.

Mas como o contrato alemão pode alcançar os objetivos das partes contratantes

com muito menos rebuscamento? Nossa resposta desafia uma precipitada conclusão no direito

dos contratos: que o processo de contratação nos Estados Unidos – e, consequentemente,

também no Brasil –, com sua ênfase em contratos rebuscados, customizados e de alta

complexidade, opera sensivelmente para ajudar as partes a ter o negócio que desejam.

Tal como Claire Ariane Hill e Christopher King1, acreditamos que essa

customização dos contratos nos Estados Unidos tem uma explicação não tanto benevolente:

isso reflete (i) uma cara e dispendiosa tentativa de impedir o oportunismo através da

linguagem usada nos contratos, e (ii) um fracasso na criação e aceitação de soluções “boas o

suficiente” para dirimir pontos não controversos que as partes normalmente enfrentam.

Entendemos que o modelo contratual alemão se sai melhor nessas duas frentes.

Ele, ao mesmo tempo em que corta parte dos custos excessivos com a elaboração de contratos

“amarrados”, também cria e usa soluções padrões boas o suficiente para lidar com pontos não

controversos.

Para tentarmos compreender os questionamentos suscitados, bem como a razão

para essa evidente incoerência no direito brasileiro, dividiremos a nossa pesquisa da seguinte

forma: na primeira parte nós compararemos os modelos de contratos empresariais complexos

dos sistemas anglo-americano e alemão, desmembrando tal análise em duas etapas: (a)

elaboração e (b) interpretação. Na segunda parte nós trataremos da realidade brasileira,

destacando (a) características do nosso sistema normativo, (b) o modelo por nós adotado e (c)

os problemas por nós enfrentados devido a tal escolha.

1 How Do German Contracts Do As Much With Fewer Words?, Chicago-Kent Law Review, vol. 79, p. 890,

2004. Disponível em: http://ssrn.com/abstract=596668. Acesso em 8 de setembro de 2014.

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10

2 ELABORAÇÃO DE CONTRATOS EMPRESARIAIS

COMPLEXOS NOS SISTEMAS ANGLO-AMERICANO E ALEMÃO

O processo de elaboração de contratos empresariais complexos no sistema anglo-

americano difere-se diametralmente daquele no sistema alemão.

Para Avery Katz2, isso se evidencia de uma forma bastante peculiar no

direcionamento acadêmico de juristas e estudantes de direito. Para ele, a doutrina nos Estados

Unidos têm se concentrado muito mais no eventual litígio judicial advindo dos contratos do

que na vontade das partes no momento de redigi-los.

Isso significa que os contratos empresariais complexos elaborados no sistema

anglo-americano são elaborados objetivando principalmente o que será decidido no caso de

haver um litígio contencioso. Dentro desse objetivo, portanto, cada uma das partes procura

redações mais claras e completas em determinados momentos, e mais obscuras e incertas em

outros, a depender do seu interesse.

Horas e horas são trabalhadas nos escritórios de advocacia não para delimitar a

real vontade das partes, mas para proteger seus clientes do adversário. E o resultado imediato

nisso tudo só é benéfico ao próprio advogado, materializado nos honorários exorbitantes.

Dessa forma, enquanto nos países de common law as partes procuram em seus

contratos desencorajar violações, compensar a vítima dessas eventuais violações e assegurar o

cumprimento do contrato através da customização máxima e complexa da linguagem, na

Alemanha o mesmo objetivo é buscado – e alcançado, muitas vezes com maior êxito – com

uma linguagem mais amena, flexível e aberta.

Dado à complexidade e à singularidade do objeto desse tipo contratual (seja um

investimento, a aquisição de ações de uma companhia etc.), além do fato de que a vontade das

2 Contractual Incompleteness: A Transactional Perspective. Case Western Reserve Law Review, setembro de

2005, p. 171: “[L]egal scholars should focus more on addressing the contractual decisions of private lawmakers (that is, transactional lawyers and their clients) and less on the decisions of public lawmakers (that is, courts and legislature)”. Paper disponível em http://law.cwru.edu/news/pdf/239_Contractual_ Incompleteness_A_Transactional_Perspective_-_Katz.pdf, p. 171 Último acesso em 30.10.2014.

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11

partes dependerá de fatores que muitas vezes não são sabidos no momento da primeira

minuta, articular contingências e decidir como lidar com elas de forma ex ante – como

habitualmente é feito nos Estados Unidos – pode ser pior que deixar uma flexibilidade ex post

– como é feito na Alemanha.

O pragmatismo alemão leva a contratos muito mais enxutos, muitas vezes a

metade ou dois terços do tamanho do contrato equivalente elaborado no sistema anglo-

americano3. É justamente esse o ponto de nosso interesse neste trabalho.

2.1 O Processo de Negociação dos Contratos Complexos

Claire A. Hill4 explica bem como esse processo funciona no sistema anglo-

americano.

Primeiramente, as partes fazem menos do que deveriam para “completar” os

contratos. Todos os pontos de potencial interesse para as partes são abordados na minuta, que,

por sua vez, foi provavelmente usada para outra transação com escopo provavelmente

diferente.

A partir da remessa da primeira minuta por uma parte à outra, uma série de novas

versões marcadas e mexidas aparecem. Esse é o processo de “customização” desses contratos.

À medida que o processo de due diligence termina, as partes conseguem identificar as

contingências materializadas e materializáveis, discutem preço, garantias, formas de solução

de conflitos e, por fim, se desesperam para assinar o contrato. A ideia é que cada transação

tenha seu “próprio” contrato, feito à sua imagem e semelhança.

O momento de assinatura é um dos mais peculiares possíveis, principalmente

porque, na maioria das vezes, as transações empresariais complexas têm dois momentos

diferentes: a assinatura, ou signing, e o fechamento, ou closing. Essa separação entre signing e

3 HILL, Claire A.; KING, Christopher. Op. Cit., p. 894. 4 Bargaining in the Shadow of the Lawsuit: A Social Norms Theory of Incomplete Contracts. University of

Minnesota, Legal Studies Research Paper Series. Research Paper No. 08-46, p. 2. Disponível em http://ssrn.com/abstract=1288689. Último acesso em 7.10.2014.

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12

closing ocorre, principalmente, devido a uma série de condições suspensivas impostas e

necessárias para o aperfeiçoamento do contrato, como no caso de uma avaliação de algum

órgão regulador da concorrência.

Partes e advogados se enclausuram em salas de reunião por dias e noites seguidos.

Tudo o que é decidido no processo de negociação ali no momento é praticamente reduzido a

termo na minuta contratual já completamente retalhada. A probabilidade de erro humano,

assim, cresce exponencialmente com o passar das horas sem sono. O que se tem por fim: um

documento enorme, muitas vezes com referências cruzadas erradas e, inevitavelmente, com

suas lacunas.

A negociação desse tipo de contrato na Alemanha, por sua vez, parte dos mesmos

eventos, mas se materializam de forma consideravelmente diferente.

Primeiramente, os contratos alemães5 não se destinam primordialmente a

combater o oportunismo como nos seus pares anglo-americanos. Por ser um sistema de civil

law, muitas cláusulas não precisam ser por demasiado extensas e explicadas, uma vez que o

próprio direito já o faz e, portanto, não há necessidade de se repetir o óbvio.

Além disso, como o mercado doméstico alemão é incomparavelmente menor que

o anglo-americano – usado worldwide –, os agentes envolvidos normalmente são os mesmos.

Não se procura, dessa maneira, tirar a máxima vantagem possível pois, se assim determinado

indivíduo faz, ele ficará “marcado” pela sua própria comunidade.

Fora isso, os escritórios têm a cultura de compartilhar suas minutas-padrão de tal

forma que podemos visualizar cláusulas uniformes em contratos elaborados mesmo por

diferentes escritórios.

5 Os contratos alemães que estamos descrevendo são somente aqueles domésticos. Tais contratos tendem a ser

celebrados no mercado intermediário na Alemanha. Contratos para transações muito grandes tipicamente envolvem mais de uma jurisdição, sendo governados por algum direito estrangeiro e, portanto, minutados e negociados por um dos cinco grandes escritórios do “magic circle” britânico: Allen&Overy, Clifford Chance, Freshfields Bruckhaus Deringer, Linklaters e Slaughter and May.

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13

Dois fatores, portanto, são extremamente importantes no condicionamento das

relações contratuais nas diferentes comunidades: (i) o número de players atuantes no mercado

e (ii) o grau de desconfiança social.

2.2 Os Contratos e suas Cláusulas

Para melhor apresentarmos nosso ponto, analisaremos alguns modelos de

cláusulas largamente utilizados nos contratos empresariais complexos anglo-americanos e

alemães. Para facilitar nossa exposição, nosso paradigma será os contratos de M&A6.

Observemos esses dois modelos de cláusula de definição de foro:

Cláusula anglo-americana Cláusula alemã:

“The exclusive forum for the resolution of any dispute under or arising out of this agreement shall be the courts of general jurisdiction of [•] and both parties submit to the jurisdiction of such courts. The parties waive all objections to such forum based on forum non conveniens7.”

“Ausschließlicher Gerichtsstand ist [•]8.”

Outro exemplo de excessiva escrita pode ser comprovada nas cláusulas de outorga

abaixo, comum em instrumentos de securitização:

Cláusula anglo-americana Cláusula alemã:

“[•] does hereby grant, bargain, sell, assign, transfer, convey, pledge and confirm, unto

“Der Sicherungsgeber übereignet der Bank hiermit den gesamten jeweiligen Bestand

6 Os exemplos de cláusulas aqui abordados foram retirados do artigo de Claire A. Hill e Christopher King, How

Do German Contracts Do As Much With Fewer Words?, Op. Cit., p. 894-896. 7 Tradução livre e literal: "O foro exclusivo para a solução de qualquer litígio sob ou decorrente deste contrato

será aquele dos tribunais de competência genérica de [●], e ambas as partes se submeterão à jurisdição de tais tribunais. As partes renunciam a todas as objeções a este foro baseadas em forum non conveniens".

8 Tradução livre e literal: "A jurisdição especial é [●]".

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14

Cláusula anglo-americana Cláusula alemã:

Indenture Trustee, its successors and assigns, for the security and benefit of the Indenture Trustee, for itself, and for the Holders from time to time a security interest in and lien on, all estate, right, title and interest of __in, to and under the following described property, agreements, rights, interests and privileges, whether now owned or hereafter acquired, arising or existing (which collectively (...), are herein called the “[•] Trustee Indenture Estate”).”9

an(...) der sich in (...) befindet und in Zukunft dorthin verbracht wird.”10

A língua alemã contribui ainda de certa forma para a redução do tamanho e na

objetividade de seus contratos. Comprovemos nessas frases bastante utilizadas em contratos

de M&A:

Cláusula anglo-americana Cláusula alemã:

“(...) including but not limited to(...)”11 “insbesondere”12

Nota-se, com os exemplos acima citados, a objetividade e concisão dos contratos

alemães em detrimento dos seus equivalentes anglo-americanos.

Por que, então, nós brasileiros escolhemos um e não o outro? É com o objetivo de

compreender melhor essa nuance que se resvala no direito brasileiro que procuraremos

estudar o tema.

9 Tradução livre e literal: "[●], por este instrumento, outorga, negocia, vende, cede, transfere, transmite,

penhora e confirma, pela Escritura de Depositário, a seus sucessores e cessionários, para garantia e benefício do Depositário, para si e para os Titulares, de tempos em tempos, em garantia e penhor, todo imóvel, direito, título e garantias de ___, para e relacionados aos imóveis, contratos, direitos, garantias e privilégios, seja de sua propriedade agora ou no futuro (coletivamente denominados como [●]".

10 Tradução livre e literal: " O Segurador transfere/cede ao Banco o conjunto do respectivo estoque/acervo para ____ e que se encontra em _____ para lá ser levado futuramente."

11 Tradução livre e literal: "incluindo, mas não se limitando a (...)". 12 Tradução livre e literal: "especialmente".

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15

2.3 Evitando o Oportunismo

Por que as partes contratantes nos Estados Unidos incorrem em todos esses

custos? Por que pretendem compreender todas as hipóteses e eventos possíveis e impossíveis

nos seus contratos? Na opinião de Hill e King13, os players anglo-americanos têm entrado

numa “arms race”, na qual cada um procura prever as possíveis estratégias do outro em cada

rodada de negociações.

O resultado é esse modelo contratual anglo-americano típico, completamente

customizado e extenso. Os participantes no processo acreditam, ou acabam persuadindo a si

mesmos a acreditar, que “qualquer vírgula importa”.

A demonstração de que esse modelo procura muito mais evitar disputas (ou uma

vitória em caso de litígio) é que durante todo o período em que não há problemas encontrados

pelas partes na vigência do contrato – e, por isso, não há qualquer necessidade de

“enforcement” legal, as partes raramente (ou nunca) consultam o instrumento contratual.

É somente quando o relacionamento contratual começa a descambar para a

desconfiança que as partes procuram de fato levar em consideração as letras do contrato e sua

literalidade. E, ainda assim, as chances de que a letra contratual fará uma real diferença no

sentido de externalizar a vontade das partes no momento de celebração do contrato são

mínimas, uma vez que nos Estados Unidos o resultado dos litígios são bastante incertos e

imprevisíveis.

Certamente seria muito melhor se as partes contratantes na modelo anglo-

americano deixassem de adotar essa corrida armamentista na hora de negociar, elaborar e

efetivamente executar seus contratos. No entanto, sabemos esse tipo de acordo é bastante

difícil de ser feito e cumprido quando essa prática de “corrida armamentista” tem sido o

modus operandi vigente.

13

How Do German Contracts Do As Much With Fewer Words, op. cit. p. 902.

Page 17: Tese de Láurea l Obede.PDF

16

O modelo alemão, mais uma vez, tem por elemento intrínseco a regra do “stop

sooner”14 no procedimento de customização. Um advogado na Alemanha pretendendo

negociar no estilo anglo-americano mostra-se extremamente agressivo para os padrões locais,

como dissemos anteriormente, bastante “doméstico” e baseado em relações de confiança entre

players conhecidos um dos outros.

Em contrapartida, se um advogado atuar nos Estados Unidos sem negociar cada

um dos termos contratuais minuciosa e exaustivamente, com certeza será visto como alguém

sem zelo e/ou competência institucional. Vale ressaltar que a forma de remuneração seja nos

Estados Unidos, na Inglaterra ou Alemanha é a mesma: horas incorridas multiplicadas pelas

taxas de honorários, o que, em tese, favoreceria o modelo de trabalho anglo-americano sob

uma perspectiva do advogado.

Dessa forma, aparentemente não há qualquer razão que explique o porquê de os

advogados alemães terem menor incentivo, em comparação com o modelo anglo-americano,

para - ou vontade de - gastar tempo negociando exaustivamente e revisando material.

Alguém pode argumentar no sentido de dizer que nos Estados Unidos e Inglaterra

esse modelo de negociação e elaboração de contratos demonstra forte zelo por parte do

advogado. Um sócio que verifica no seu advogado júnior um cuidado nos detalhes, uma

obsessão em cada palavra escrita, enfim, esse “zelo” no processo de elaboração do contrato,

fica impressionado. Da mesma forma ficam os clientes em relação ao trabalho dos advogados

contratados – se não ficarem impressionados, pelo menos não ficam aflitos.

Na Alemanha, a mesma conduta não será recompensada dessa forma. E por que

isso ocorre?

Conforme já falamos, a comunidade de players na Alemanha (diga-se: advogados,

executivos, negociadores, financial advisors etc.) tem sido relativamente homogênea. Esse

tipo de comunidade estimula o desenvolvimento e a aplicação efetiva da norma “stop sooner”

(“parar o quanto antes”), seja por uma questão de expectativas sociais inerentes às relações

desses players, seja pelo cálculo de custos envolvidos.

14 How Do German Contracts Do As Much With Fewer Words, op. cit., p. 903.

Page 18: Tese de Láurea l Obede.PDF

17

2.4 O Papel do Processo Civil

Acreditamos que as diferenças do processo civil especificamente nos Estados

Unidos e na Alemanha desempenham relevante papel no momento de negociar, elaborar e

executar contratos.

Um dos primeiros grandes trabalhos sobre o tema foi elaborado por John H.

Langbein15. O autor introduz seu estudo com a seguinte anedota do escritor belga Georges van

Hecke16:

"He [van Hecke] told of a transaction in which an American company

and a European company were planning to affiliate by exchanging

shares. The lawyers for the American firm drafted two contracts to

embrace the transaction. The combined drafts ran about 10,000 words

in length. The European businessman had no prior experience with

American lawyers, and when presented with the elephantine American

drafts he was so shocked that he nearly renounced the deal.

Thereupon it was decided to start over, and the European

businessman arranged for his lawyer to prepare a counterdraft. 'The

result was a document of 1400 words. It was found by the American

party to include all the substance that was really needed, and it was

readily executed by both parties and adequately performed.'"17

Van Hecke aponta três principais características que clarificam o motivo pelo qual

os contratos nos Estados Unidos são muito mais detalhados que suas contrapartes europeias.

A primeira seria por conta do perfeccionismo inerente dos empresários de lá. Segundo ele, o

15 Comparative Civil Procedure and the Style of Complex Contracts, Yale Law School, Faculty Scholarship

Series, Paper 537, 1987, p. 381, disponível em http://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/537/. Última visita em 14.7.2015.

16 In A Civilian Looks at the Common-Law Lawyer, International Contracts: Choice of Law and Language, Parker School of Foreign and Comparative Law, Universidade de Columbia, 1962.

17 Tradução livre: "Ele falou de uma transação na qual uma empresa estadunidense e uma empresa europeia planejavam se coligar trocando suas ações entre si. Os advogados da empresa estadunidense elaboraram minutas de dois contratos para abranger toda a operação. As minutas juntas somavam cerca de 10.000 palavras de extensão. O empresário europeu não tinha experiência prévia com advogados americanos e, quando apresentado às colossais minutas elaboradas pela parte estadunidense, ele ficou tão chocado que quase cancelou o negócio. Então, decidiu-se começar de novo, e o empresário europeu solicitou seu advogado para que preparasse uma contraminuta. 'O resultado foi um documento de 1.400 palavras. A parte estadunidense ficou satisfeita com tal documento, considerando que toda a substância essencial do negócio foi devidamente abordada, e foi prontamente celebrado pelas partes e devidamente cumprido.'"

Page 19: Tese de Láurea l Obede.PDF

18

"empresário médio" nos Estados Unidos está disposto a pagar pela perfeição na forma de altos

honorários. E ele deseja esse perfeccionismo justamente para evitar que as eventualidades

provenientes do contrato segam deixadas ao julgamento do judiciário.

Nesse contexto vale reproduzir um pequeno extrato da obra clássica de James C.

Freund, Anatomy of a Merger: Strategies and Techniques for Negotiating Corporate

Acquisitions, na qual o autor ilustra cenas por ele vivenciadas nos processos de negociação e

elaboração de contratos de fusões e aquisições nos Estados Unidos18:

"Scene 12

'Never leave well enough alone'

[Monday, January 11. PRUDENT and PREPPIE are in Prudent's

office.]

PRUDENT: Now, Pete, even though all the major issues have been

resolved, there are still a few edges we can pick up in drafting the

necessary language. Let me show you, for example, how I think you

ought to handle this registration provision..."19

Em segundo lugar, estaria o federalismo. Para van Hecke, quando um advogado

nos Estados Unidos está preparando uma minuta de um contrato, ele não sabe em qual

jurisdição um eventual litígio será julgado. Ele tem, portanto, que preparar um contrato que

possa atingir seus objetivos em qualquer jurisdição em solo estadunidense.

Em terceiro lugar, ele cita as diferenças entre países com direito codificado e não

codificado. Para o autor, os advogados nos Estados Unidos elaboram seus contratos para

combater a falta de juridicidade no próprio direito, manifesta num complexo de

jurisprudências e multiplicidade de primeiras instâncias.

Um dos belos argumentos de van Hecke é que os advogados atuantes em nações

baseadas em common law, estando fundamentados no método causídico, acabam por se tornar

mais sensíveis às nuances da prática, dos detalhes próprios do caso concreto. Enquanto isso,

18 Law Journal Press, 4ª edição, Nova Iorque: 1977, p. 528. O Capítulo 14 da referida obra retrata numa espécie

de dramaturgia cenas corriqueiras por ele vivenciadas em determinada transação envolvendo companhia no ramo de softwares.

19 Tradução livre e literal: "Cena 12. Nunca deixe o 'bom o bastante' sozinho. [Segunda-feira, 11 de janeiro. PRUDENTE e INICIANTE estão no escritório de Prudente.] Prudente: Agora, Pete, mesmo com todos os maiores problemas resolvidos, ainda existem alguns pontos que podemos abordar elaborando uma minuta com uma redação mais adequada. Deixe-me mostrar a você, por exemplo, como eu acho que você deve lidar com essa cláusula de registro..."

Page 20: Tese de Láurea l Obede.PDF

19

os advogados atuantes em países sob civil law, sendo treinados com direito codificado,

tendem a enfatizar mais princípios doutrinários.

Ele conclui, dessa forma, que quanto um advogado nos Estados Unidos e um

europeu desejam dizer a mesma coisa, o advogado estadunidense necessariamente usará mais

palavras.

Langbein posiciona sua linha de argumento nas diferenças de direito processual e

suas respectivas instituições nos Estados Unidos e na Europa continental. Para ele, faz mais

sentido procurar a explicação das diferenças entre os modelos contratuais anglo-americanos e

europeus a partir dessa perspectiva, e não da tradicional "code law vs case law".

Para Langbein, o direito processual nos Estados Unidos é ineficiente20, além de

ser caro, lento, imprevisível e ineficaz no que concerne ao desencorajamento de demandas

frívolas. Diante desse cenário, o empresário prefere diminuir as eventualidades e

imprevisibilidades de seus contratos através do preciosismo linguístico.

Nos Estados Unidos, por exemplo, cada parte contratante presume de antemão que

a outra parte pode causar consideráveis dificuldades através, especialmente, da apresentação

voluntária de interpretações erradas de cláusulas. A parte diz que quer alguma coisa, escreve

algo diferente mas reafirma que aquilo que pretende dizer com a cláusula escrita é o que as

partes haviam negociado. Lá, diferentemente da Alemanha e demais países de common law,

essa parte que agiu de má-fé poderá sim prevalecer no judiciário.

E mesmo que essa parte não prevaleça no judiciário, poderá ser causadora de

grandes custos à parte inocente na fase pré-litigiosa (custos com alocação de pessoal para

elaboração de notificações e produção de provas, por exemplo). Essa estratégia de apresentar

cláusulas a partir de erros conscientes de interpretação (strategic misinterpretation) pode,

dessa forma, valer a pena nos Estados Unidos.

O processo civil alemão, de outro lado, impõe limites à aplicação dessa strategic

misinterpretation. Primeiro que há uma supremacia do princípio da boa-fé, pelo qual as partes

20 HECKE, Georges Van., op. cit., p. 386.

Page 21: Tese de Láurea l Obede.PDF

20

não ficam adstritas à literalidade do contrato, além da regra do “perdeu, pagou”. Tudo isso,

via de regra, acaba por desestimular a parte faltosa a procurar resolver seus litígios no

judiciário.

Essa atuação do princípio da boa-fé no contexto do processo civil alemão permite,

ainda, que o próprio juiz não fique preso ao contrato, mas, antes, deva procurar saber qual foi

a intenção das partes no momento da celebração do contrato. Outros instrumentos pré-

contratuais ou acessórios, além de documentos diversos, portanto, devem ser utilizados para

delimitar a vontade das partes e identificar eventual má-fé de alguma delas.

O interessante é que o sistema alemão confere muito poder aos seus juízes. E,

dessa forma, deve ter formas eficientes de assegurar que esse poder seja usado de forma justa.

É por isso que os juízes na Alemanha não são eleitos nem apontados por meio de um processo

político. Eles são selecionados a partir de méritos intelectuais e acadêmicos, e, em seguida,

são submetidos a um processo de treinamento especializado para esse fim. Além disso, o

crescimento na carreira é baseado no julgamento exclusivo dos seus pares, e não por

elementos externos21.

Importante destacar que no direito processual na Europa continental,

essencialmente de civil Law, o juiz é aquele que analisa evidencias, examina provas e ouve

testemunhas, sem que haja a possibilidade de júri nos julgamentos de casos envolvendo

litígios contratuais como os aqui suscitados22.

2.5 O Papel da Tradição e Interações Sociais

Como já falamos anteriormente, as partes contratantes na Alemanha não procuram

compelir o oportunismo tanto quanto naqueles contratos de modelo anglo-americano.

21 How Do German Contracts Do As Much With Fewer Words. op. cit., p. 905. 22 LANGBEIN, John H., The German Advantage in Civil Procedure, 52 U. Chi. L. Rev. 823 (1985), p. 826-828.

Disponível em http://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/536/. Última visualização em 5.7.2015.

Page 22: Tese de Láurea l Obede.PDF

21

Falamos que isso ocorre por duas razões principais: (i) a regra do “parar o quanto

antes” (stop sooner) no processo de customização dos contratos e (ii) a estrutura do processo

civil alemão.

Outra razão possível, defendida por Hill e King23, é o papel da tradição e das

interações sociais como determinações nos processos de negociação, elaboração e execução

dos contratos.

A comunidade de players na Alemanha é pequena, quando comparada com aquela

dos Estados Unidos. Na Alemanha, muitas indústrias estão concentradas em determinadas

regiões, sem grandes dispersões. Assim, muitas transações ocorrem entre partes já

acostumadas a transacionar.

Além disso, as associações comerciais na Alemanha têm maior relevância que

aquelas nos Estados Unidos.

Em se tratando especificamente de contratos de M&A, observamos que aquisições

feitas por players externos – e, consequentemente, assessorados por advogados de fora da

comunidade –, como por exemplo por fundos de private equity, não têm tido considerável

importância em termos quantitativos na Alemanha24.

Para finalizar esse ponto, o mercado de ações na Alemanha, em termos de

controle societário ou participação relevante, não é tão disperso como o mercado nos Estados

Unidos. Na Alemanha, os bancos detêm consideráveis participações em várias companhias.

Segundo Eric Nowak25, é bem comum encontrar um mesmo banco envolvido nos dois lados

de uma transação.

23 How Do German Contracts Do As Much With Fewer Words, op. cit., p. 907. 24 Vide Constantin Christofidis e Olivier Debande, Financing Innovative Firms Through Venture Capital,

disponível em http://www.eib.org/attachments/pj/vencap.pdf. Último acesso em 5.7.2015. 25 Recent Developments in German Capital Markets and Corporate Governance, Journal of Applied Corporate

Finance, vol. 14, nº 3, 2001. Disponível em http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=316123. Último acesso em 5.7.2015.

Page 23: Tese de Láurea l Obede.PDF

22

Todos esses fatores contribuem significativamente para um modelo de negociação

não tão voltado para compelir o oportunismo das partes como assim o é nos contratos de

modelo anglo-americano.

2.6 O Papel da Boa-Fé

O direito material alemão impõe obrigações de boa-fé consideravelmente mais

fortes que o direito nos Estados Unidos. Algumas dessas obrigações são dispositivas, outras

são cogentes. O Código Civil alemão ("BGB") assim dispõe: "Seção 242. O devedor tem o

dever de cumprir sua obrigação de acordo com os requisitos da boa-fé, levando em

consideração a prática habitual"26.

Conforme observação de Reinhard Zimmermann e Simon Whittaker27, essa Seção

242 do BGB tem sido usada largamente por partes e juízes para interferir nas relações

contratuais no sentido de evitar graves injustiças.

Hill e King sustentam que essa Seção 242 do BGB tem tido uma aplicação muito

mais vasta do que a literalidade de seu texto poderia expressar28. Tal Seção 242 impõe o dever

às partes de agir em boa-fé durante a negociação de um contrato, e a garantia dada pelo

vendedor numa aquisição ("culpa in contrahendo").

Essa disposição, dessa forma, pode fazer com que o vendedor seja

responsabilizado por uma insuficiente divulgação de informações ao comprador, algo que, via

de regra, não ocorreria nos Estados Unidos.

A boa-fé, nesse sentido, assume papel consideravelmente relevante, seja na

negociação ou execução de determinado contrato. Num contexto onde esse instituto impera,

26 "An obligor has a duty to perform according to the requirements of good faith, taking customary practice into

consideration". Tradução livre. Versão em língua inglesa disponível em http://www.gesetze-im-internet.de/englisch_bgb/englisch_bgb.html#p0725. Último acesso em 6.7.2015.

27 Good Faith in European Contract Law, Cambridge, England, 1996, p. 25. Disponível em http://www.loc.gov/catdir/samples/cam032/99037679.pdf. Último acesso em 6.7.2015.

28 How Do German Contracts Do As Much With Fewer Words, op. cit., p. 910.

Page 24: Tese de Láurea l Obede.PDF

23

supostamente, as partes contratantes são desestimuladas a agirem de forma incoerente,

"mudando de ideia" no decorrer do dos processos de elaboração e execução contratual. Diante

de uma ofensa à boa-fé observada em juízo, determinada provisão contratual poderá ser

completamente ignorada.

Ocorre que nos contratos complexos de modelo anglo-americano há uma

tendência maior entre as partes em confiar apenas no estabelecido na cláusula de

representações e garantias (representations and warranties). É a literalidade do contrato que

indica a dimensão da interpretação desse instrumento.

Na Alemanha, esse processo é diferente. A boa-fé deve agir de tal forma que a

relação de confiança deve estar presente em tudo aquilo estabelecido no contrato e, ainda

além, na relação das partes prévia à celebração do contrato e durante a execução deste.

O exercício interpretativo das normas estabelecidas nos contratos, em especial

aquela de representações e garantias, sob o princípio da boa-fé, deve, dessa forma, levar em

consideração as práticas costumeiras no mercado daquela localidade, além das práticas

intersubjetivas, conforme falamos acima.

Como bem ressaltou Jeffrey Lipshaw, na atividade interpretativa, em se tratado de

contratos de M&A, nós projetamos vários conceitos - confiança, representações, garantias -

numa realidade de relacionamento entre vendedor e comprador29. Para o mencionado autor,

transformar as representações prestadas no âmbito de um contrato de M&A em meias-

verdades ou omissões, e ignorar suas diferenças, é ignorar o significado de confiança. Essa é

uma crítica direta ao modelo anglo-americano.

Também nessa perspectiva, Claire Hill e Erin O'Hara defendem que o papel do

direito não deve necessariamente ser de encorajamento ou desencorajamento de confiança

entre as partes, mas de otimização dessa relação30.

29 Of Fine Lines, Blunt Instruments, and Half-Truths: Business Acquisition Agreements and the Right to Lie, p.

31-32. Disponível em http://www.theconglomerate.org/2006/02/contracting_to_.html. Última visita em 13.7.2015.

30 A Cognitive Theory of Trust, MInessota Legal Studies Research Paper No. 05-51, Dezembro de 2005, disponível em http://ssrn.com/abstract=869423. Última visita em 13.7.2015.

Page 25: Tese de Láurea l Obede.PDF

24

Esses autores sustentam que os doutrinadores nos Estados Unidos pressupõem que

a confiança entre as partes é totalmente benéfica, ou totalmente maléfica, sem considerar que

a relação de confiança e desconfiança pode coexistir na mesma relação obrigacional.

Na tese deles, o direito deve se preocupar em criar condições favoráveis para o

encorajamento da confiança, nos momentos em que a confiança é mais benéfica para as

partes, e para a desconfiança, naquelas situações contrárias.

Um exemplo dessa relação confiança/desconfiança pode facilmente ser observado

nas atividades que envolvem inspeção/monitoramento de obrigações contraídas (o que

envolve uma desconfiança inerente), e, de outro lado, uma atividade de

liderança/administração (o que implica confiança).

De qualquer forma, seja em relação de confiança ou desconfiança, a boa-fé deve

servir, como expôs Stephen Bainbridge, como um "lubrificante para reduzir o atrito social"31.

William A. Sahlman, no seu artigo How to Write a Great Business Plan32, diz que

é muito comum que os players envolvidos numa negociação se tornem extremamente

criativos, elaborando vários tipos de modelos de recompensa e de opções (de compra e de

venda de stock), o que, muitas vezes, colaboram para um maior atrito entre as partes

negociantes. Ele33, numa tentativa de mitigar essa fricção entre as partes, destaca as

características de casos bem sucedidos:

Eles são simples;

Eles são justos;

Eles enfatizam mais a confiança entre as partes do que

desenvolvem "amarras legais";

Eles não se implodem caso sua aplicação prática se dê de forma

minimamente diferente do previsto;

Eles não incentivam comportamentos destrutivos ou competitivos

entre as partes; e

31 Corporate Decision-Making and the Moral Rights of Employees: Participatory Management and Natural

Law, Setembro de 1998, p. 37. Disponível em http://ssrn.com/abstract=132528. Última visita em 13.7.2015. 32 Harvard Business Review, julho-agosto de 1997, p. 107, disponível em https://hbr.org/1997/07/how-to-write-

a-great-business-plan. Última visita em 13.7.2015. 33 Professor na Escola de Administração de Empresas de Harvard.

Page 26: Tese de Láurea l Obede.PDF

25

Eles são escritos numa pilha de papel não superior a meio

centímetro de altura34

.

Como mostrado, o processo de elaboração dos contrato leva em consideração

elementos objetivos, subjetivos e intersubjetivos. As diferenças entre os modelos contratuais

anglo-americano e alemão se apresentam em cada um desses elementos de forma bastante

clara.

A linguagem mais enxuta, a forma objetiva de lidar socialmente, um mercado de

players mais reduzido e que costumam negociar entre si, uma tradição jurídica baseada em

common law ou civil law, entre outras coisas, demonstram essas disparidades latentes.

34 "No greater than one-quarter inch thick", op. cit., p. 107.

Page 27: Tese de Láurea l Obede.PDF

26

3 INTERPRETAÇÃO DE CONTRATOS EMPRESARIAIS

COMPLEXOS NOS SISTEMAS ANGLO-AMERICANO E ALEMÃO

De acordo com Alan Schwartz e Robert Scott35, há um efetivo consenso entre

tribunais e doutrinadores que o objetivo principal da interpretação contratual é fazer com que

o aplicador da lei encontre a "resposta correta" para o cumprimento do contrato.

A busca dessa "resposta correta" seria a solução para o problema contratual

enfrentado pelas partes, com frequência provenientes de cláusulas ambíguas, vagas, omissas

ou em lacunas contratuais.

A ideia principal é, dessa forma, determinar o que as partes de fato intentaram no

momento da negociação e celebração do referido contrato.

Segundo os mencionados autores, há duas justificativas para a busca dessa

resposta correta. A primeira parte de uma perspectiva baseada na autonomia das partes. Essa

leitura sustenta que o exercício de coerção pelo Estado contra uma pessoa deve ser justificado.

Uma justificativa plausível para tanto seria dizer que os tribunais interferem nessa

relação obrigacional no sentido de obrigar as partes a cumprirem o que elas efetivamente

acordaram.

Dessa forma, o aplicador do direito deve apenas encontrar o que as partes tinham

acordado (ou intentavam acordar) para que esse objetivo seja alcançado.

A segunda justificativa parte de uma perspectiva baseada na eficiência. As partes,

a partir dessa visão, contratam para maximizar as vantagens que o negócio objeto do contrato

pode criar.

35 Contract Theory and the Limits of Contract Law, University of Virginia School of Law, Law and Economics

Research Paper nº 03-1, Yale Law Journal, vol. 113, 2003, p. 31. Disponível em http://papers.ssrn.com/abstract=397000. Última visita em 6.8.2015.

Page 28: Tese de Láurea l Obede.PDF

27

Esse alvo é inatingível se o aplicador do direito falhar ao compelir as partes a

cumprir algo que ambas não almejavam, ou seja, caso o tribunal submeta as partes a uma

solução diferente daquela dada pelas próprias partes. Assim, o tribunal deve estar certo de que

a solução pretendida pelas partes (aquela pretérita, presente no momento de negociação e

execução contratual) será efetivamente adotada.

Nesse sentido, Schwartz e Scott defendem que as regras de interpretação

contratual devem ser padrão e mandatórias, uma vez que conceder soberania para as partes

delimitarem não somente a escrita, mas também a interpretação contratual pode levar a um

imbróglio considerável, já que cada parte poderá ter uma "interpretação" diferenciada das

"regras de interpretação".

O foco é buscar segurança jurídica.

Essa é uma grande diferença entre os modelos contratuais anglo-americanos e

suas contrapartes alemães. Conforme abordamos anteriormente, na Alemanha há uma

diversidade de normas padrão codificadas e de abrangência nacional, além dos comentários ao

BGB, servindo para uma unificação na aplicação da norma.

Isso favorece para uma maior segurança jurídica no momento de interpretar os

contratos. As regras já foram definidas e todos os players já estão cientes delas. Dessa forma,

evita-se buscar a exaustão na escrita e facilita o trabalho do juiz, muitas vezes não

especializado na matéria envolvendo contratos complexos.

Nos Estados Unidos, devido a todos os pontos já mencionados, como a

diversidade de jurisdições, a falta de codificação e a variedade de players, além da tradição

social, os advogados procuram se ater nos contratos não somente sobre a obrigação ali

acordada, mas também sobre regras procedimentais sobre o próprio contrato.

Isso gera horas a mais de trabalho e, consequentemente, custos adicionais às

partes, além de elevar a probabilidade de eventuais gaps e dúvidas na hora de aplicar cada

cláusula. Afinal, como dissemos, o excesso de escrita pode muito bem criar a falsa ideia do

que aquilo que não está expressamente proibido, necessariamente está permitido.

Page 29: Tese de Láurea l Obede.PDF

28

3.1 Problemas de Significado e de Linguagem

Schwartz e Scott levantam dois questionamentos sobre o processo de

interpretação que muitas vezes se misturam36: (i) o que a linguagem empregada no contrato

quer dizer? e (ii) em que "linguagem"37 o contrato foi escrito?

Para demonstrar que esses dois pontos são distintos e não devem ser confundidos,

os referidos autores propõe que suponhamos dois grupos de comunidades linguísticas.

O primeiro grupo, chamado aqui de M, consiste de um uma única comunidade

linguística. Essa comunidade M é composta de juízes, advogados, empresários, conselheiros,

diretores etc. Os membros de M se comunicam através da "língua majoritária", porque é a

linguagem que as pessoas normalmente usam quando pretendem se comunicar entre si.

O segundo grupo, chamado aqui de P, consiste de uma variedade de comunidades

linguísticas. Cada comunidade integrante de P é composta de indivíduos que atuam num

mesmo grupo de negócios. Dessa forma, o grupo P contém uma infinidade de comunidades,

uma vez que há uma infinidade de grupos de negócio. Os membros do grupo P podem

elaborar seus contratos na língua de seus respectivos pares, ou na "língua majoritária".

Assim, a simples existência de uma variedade de comunidades linguísticas

contribui para o surgimento de problemas na hora de identificar qual "grupo linguístico" foi

tomado por base na hora de elaboração do contrato.

Se as partes concordam sobre a linguagem com a qual o contrato foi escrito, o

dever dos tribunais será limitado a encontrar o que as partes quiseram dizer com aquela

específica linguagem.

36 Schwartz e Scoot, op. cit., p. 32. 37 A palavra empregada pelos autores, language, no texto original, permite a tradução tanto para "língua", como

"linguagem". Como a ideia desenvolvida pelos autores faz referência à comunidades linguísticas, ou seja, grupos de pessoas com uma certa "linguagem" própria, adotamos aqui, em tradução livre, o vocábulo "linguagem", para que se evite qualquer ambiguidade como "idioma".

Page 30: Tese de Láurea l Obede.PDF

29

De outra lado, se as partes não concordam sobre qual foi a real linguagem

utilizada por base na elaboração do contrato, o juiz deverá primeiramente descobrir se as

partes escreveram o referido instrumento na "língua majoritária" ou numa língua privada,

específica, própria da atividade negocial que atuam.

Uma questão que é levantada pelos autores mencionados é se os tribunais

deveriam criar incentivos para que as partes usem a língua majoritária na preparação de seus

contratos, interpretando tais contratos como se sempre tivessem sido escritos nesse grupo

linguístico, ou se as partes devem ter a liberdade de escrever com a linguagem que optarem.

Um exemplo abordado no referido trabalho diz respeito ao vocábulo "esposa". Na

linguagem técnica, a luz do direito, esposa é um status alcançado mediante o cumprimento de

requisitos legais. Uma mulher é esposa de um homem quando ambos decidem se casar e,

formalmente, preenchem todos os requisitos legais, culminando com uma certidão de

casamento.

No entanto, determinado indivíduo pode muito bem elaborar um testamento pelo

qual deixa tudo para sua "esposa", referindo-se a mulher com qual tem vivido publicamente

por décadas, mas não estando casado legalmente com ela. Para a comunidade que o conhece,

muito certamente o termo "esposa" utilizado no documento não gerará qualquer dúvida. Mas

para terceiros? E qual o eventual interesse desse terceiro?

De uma forma contrária defende Steven L. Harris38. Para o referido autor, as

partes apenas deveriam descrever no contrato as respectivas regras de interpretação caso a

desejável interpretação fuja às definições usuais dos termos empregados, seja em

conformidade com o dicionário, seja em conformidade com o sentido atribuído pela atividade

negocial sobre a qual o contrato dispõe. Harris sustenta:

"Parties who wished to use language in a manner that would

counteract the meaning otherwise attributed to it by the interpretive

device (i.e., the dictionary or the relevant usage of trade) would need

first to appreciate the need to do so. That is, they would need to be

informed of the rule of interpretation (which is no small assumption)

38 Rules for Interpreting Incomplete Contracts: A Cautionary Note, Louisiana Law Review, vol. 62, nº 4, 2002,

p. 1281. Disponível em: http://digitalcommons.law.lsu.edu/lalrev/vol62/iss4/13. Última visita em 25.8.2015.

Page 31: Tese de Láurea l Obede.PDF

30

and to realize that the meaning they ascribe (in their hands) to crucial

terms differs from that of the interpretive device."39

Nesse contexto, mais uma vez as distinções entre um sistema de leis codificado e

outro baseado em casos jurisprudenciais se tornam evidentes. Para mitigar esse exercício

interpretativo pelo juiz, as partes nos Estados Unidos procuram delimitar ao máximo a língua

utilizada nos seus contratos.

É justamente por isso que os contratos complexos nos Estados Unidos seguem

uma ordem lógica e estrutural para delimitar tanto "contexto", quanto a "linguagem" utilizada

ali, deixando claro a quem for lê-lo (principalmente o juiz) o sentido mais próximo que as

partes pretendem conferir ao instrumento.

Dessa forma, os contratos sob o modelo anglo-americano destacam, inicialmente

um "Whereas" (traduzido para o português como "Considerandos"), pelo qual as partes

indicam o contexto no qual o contrato está sendo celebrado.

Muitos contratos complexos nesse modelo anglo-americano ainda contemplam

páginas e páginas de "Definições". Procura-se definir termos como "dia útil", "afiliada",

"coligada" etc.

Exemplos de "definições" frequentemente encontradas nos contratos de transações

complexas sob o modelo anglo-americano:

"'Affiliate' means, in relation to a Person, any Person that (i) directly

or indirectly Controls such Person, (ii) is Controlled, directly or

indirectly, by such Person, or (iii) is under, direct or indirect, common

Control with such Person."40

"'Applicable Law' means any constitution, statute, law, regulation,

rule, ruling, order, writ, injunction, judgment or decree of or by any

39 Tradução livre: "Partes que desejam usar a linguagem de uma forma que iria contrariar o significado de outra

forma que lhe foi atribuída pelo dispositivo interpretativo (i.e. o dicionário ou o uso comumente usado no comércio) precisaria primeiro estudar a necessidade de fazê-lo. Ou seja, eles teriam de ser informados sobre as regras de interpretação (que não são uma suposição pequena) e teriam que perceber que o significado que eles atribuem (em suas mãos) para termos relevantes difere daquela do dispositivo interpretativo".

40 Tradução livre: "'Afiliada' significa, em relação a uma Pessoa, qualquer outra Pessoa que, direta ou indiretamente, por meio de uma ou mais Pessoas, Controla, é Controlada por ou está sob Controle comum com a Pessoa em questão.

Page 32: Tese de Láurea l Obede.PDF

31

Governmental Authority as in effect and applicable to such Person or

its business, operations, properties or assets."41

“'Business Day' means any day (excluding Saturdays and Sundays) on

which commercial banks generally are open for the transactions of

normal banking business.42

"'Buyer' shall have the meaning ascribed to it in the introduction

preceding the recitals."43

“'Dollar' means the currency in full force and effect in the United

States of America."44

“'Party' shall have the meaning ascribed to it in the introduction

preceding the recitals."45

“'Person' means any Governmental Authority or any individual, firm,

partnership, corporation, limited liability company, joint venture,

trust, unincorporated organization or other entity or organization,

whether or not a legal entity."46

Após o estabelecimento dessas definições, passa-se a utilizá-las no corpo do

contrato mediante o uso de termos iniciados com letra maiúscula. Sendo que, todos os termos

não iniciados dessa maneira devem ser interpretados de acordo com a linguagem comum, ou a

"linguagem majoritária", como falamos acima.

Observe-se que muitos dos termos mencionados nos exemplos dados são

definidos na lei ou estão pacificados na linguagem majoritária que um indivíduo não

familiarizado com esse tipo de contrato pode facilmente achar tais termos redundantes.

41 Tradução livre: "'Direito Aplicável' significa qualquer constituição, estatuto, lei, regulamento, regra, decisão,

ordem, mandado, liminar, sentença ou decreto de ou por qualquer Autoridade Governamental, em vigor e aplicável a tal Pessoa ou seus negócios, operações, propriedades ou ativos".

42 Tradução livre: "'Dia Útil' significa qualquer dia (excluindo sábados e domingos) nos quais os bancos comerciais normalmente operam para transações bancárias comuns".

43 Tradução livre: "'Comprador' deverá ter o significado a ele atribuído na introdução anterior aos Considerandos".

44 Tradução livre: "'Dollar' significa a moeda vigente nos Estados Unidos da América". 45 Tradução livre: "'Parte' deverá ter o significado atribuído na introdução anterior aos Considerandos". 46 Tradução livre: "'Pessoa' significa qualquer pessoa natural, empresa, sociedade, associação, trust, fundo de

investimento, condomínio, organização não constituída e qualquer outra entidade, incluindo qualquer Autoridade Governamental.

Page 33: Tese de Láurea l Obede.PDF

32

Além disso, muitos desses contratos apresentam as chamadas "Rules of

Construction", pelas quais as partes indicam regras interpretativas referentes ao próprio

instrumento.

Exemplos de "Rules of Construction" comumente encontradas em contratos de

compra e venda de quotas ou ações são:

1. "All article, section, exhibit and schedule references used in this

Agreement are to articles, sections, exhibits and schedules in this

Agreement unless otherwise specified. The schedules and exhibits

attached to this Agreement constitute a part of this Agreement and are

incorporated herein for all purposes".47

2. "The term “includes” or “including” shall mean “including

without limitation.” The words “hereof,” “hereto,” “hereby,”

“herein,” “hereunder” and words of similar import, when used in this

Agreement, shall refer to this Agreement as a whole and not to any

particular section or article in which such words appear. The singular

shall include the plural and vice versa".48

3. "Whenever this Agreement refers to a number of days, such

number shall refer to calendar days unless Business Days are

specified. Whenever any action must be taken hereunder on or by a

day that is not a Business Day, then such action may be validly taken

on or by the next Business Day."49

4. "Reference to a given agreement, instrument, document or

Applicable Law is a reference to that agreement, instrument,

document or Applicable Law as modified, amended, supplemented and

restated through the date as of which such reference is made and, as

to any Applicable Law, any successor Applicable Law".50

47 Tradução livre: "As referências a quaisquer documentos ou instrumentos incluem todos os respectivos anexos,

aditivos, substituições, consolidações e complementações, exceto se de outra forma expressamente previsto." 48 Tradução livre: "Os termos 'inclui' ou 'incluindo' significam 'incluindo, sem limitação'. Os termos 'neste

instrumento', 'por este instrumento', 'por meio deste' e semelhantes, quando usadas neste Contrato, devem referir-se a este Contrato como um todo e não a qualquer seção ou cláusula nas quais a referida palavra aparece. A palavra no singular deverá incluir o plural e vice versa".

49 Tradução livre: "Sempre que o presente Contrato referir-se a um número de dias, tal número deverá referir-se a dias corridos, salvo se Dias Úteis. Sempre que qualquer ação deva ser tomada nos termos deste Contrato em determinado dia que não seja Dia Útil, então esta ação poderá ser validamente tomada no dia imediatamente seguinte ao Dia Útil."

50 Tradução livre: "Referência a um dado contrato, instrumento, documento ou Lei Aplicável é uma referência àquele contrato, instrumento, documento ou Lei Aplicável, tais como modificados, alterados, complementados ou atualizados até a data a partir da qual a referência é feita, tal como para Leis Aplicáveis sucessoras".

Page 34: Tese de Láurea l Obede.PDF

33

5. "The captions in this Agreement are for convenience only and

shall not be considered a part of or affect the construction or

interpretation of any provision of this Agreement".51

Outras regras que têm sido bastante utilizadas nos contratos anglo-americanos são

as chamadas material adverse change ("MAC") e material adverse effect ("MAE"). Essas

cláusulas permitem que um comprador cancele, sem custos, o negócio caso alguma alteração

ou efeito adversos atinjam o negócio de forma relevante.

Ronald Gilson e Alan Schwartz tratam primordialmente sobre o tema no trabalho

"Understanding MACs: Moral Hazard in Acquisitions"52. Uma justificativa para o frequente

uso dessas cláusulas, para os mencionados autores, está na natureza da interpretação judicial.

Os advogados esperam que a interpretação de uma MAC ou MAE dada em determinado caso

pelo tribunal pode ser influenciada pela prática das partes em outra transação:

"A number of factors may have influenced this diffusion. Perhaps most

interesting, the spread may have been due to the nature of judicial

interpretation. Lawyers would expect that judicial construction of a

traditional MAC term in a particular transaction would be influenced

by changes in MAC terms in other transactions. In particular, how a

court resolves the ambiguity in the traditional MAC formulation may

be influenced by the practice of parties in other transactions to

resolve the ambiguity explicitly."53

Em outras palavras: dentro do cenário de incertezas gerado pelo sistema jurídico

norte-americano, o uso de tais mecanismos podem trazer um pouco mais de "bom senso",

algo já inerente às concepções de boa-fé adotadas por países de civil law, pois, como já

tratamos anteriormente, nesse sistema não há necessidade de se prever esses tipos de regras,

uma vez que o direito codificado já fez esse trabalho.

51 Tradução livre: "As legendas deste Contrato são apenas para conveniência e não devem ser consideradas parte

deste Contrato ou efeito de construção ou interpretação de qualquer cláusula deste Contrato. 52 Columbia Law School, Center for Law and Economic Studies, Paper nº 245; Stanford Law School, John M.

Olin Program in Law and Economics, Paper nº 278; Yale Law School, Center for Law, Economics and Public Policy, Paper nº 292, p. 43. Disponível em http://ssrn.com/abstract=515105. Última visita em 25.8.2015.

53 Tradução livre: "Um número de fatores pode influenciar essa difusão. Talvez mais interessante, a propagação pode ter sido devido à natureza da interpretação judicial. Advogados esperariam que a construção judicial de uma tradicional cláusula MAC numa determinada transação poderia ser influenciada por mudanças numa cláusula MAC em outra transação. Particularmente, como um tribunal resolve uma ambiguidade de uma tradicional formulação de uma MAC poderá influenciar, pela prática das partes, outras transações para solucionar ambiguidades explícitas".

Page 35: Tese de Láurea l Obede.PDF

34

Em adendo, ao contrário dos modelos anglo-americanos, os contratos alemães não

tem por destinatário final o juiz, mas as partes. É por isso que tais regras não têm razão de ser

dentro do modelo alemão.

3.2 Soluções Padronizadas

O direito contratual alemão contribui para que as partes lidem com questões "não

controversas", pontos não centrais dentro de uma determinada transação, por conter soluções

padronizadas para problemas comuns nas transações. Essas soluções apresentadas pelo direito

alemão favorecem diretamente para uma redução dos custos de transação.

Vejamos abaixo alguns exemplos dessas soluções padronizadas presentes no

direito contratual alemão.

3.2.1 Soluções Padronizadas no Direito Contratual

De acordo com Hill e King54, há muito mais lei contratual codificada aplicável a

negócios complexos na Alemanha que nos Estados Unidos.

Além disso, uma vez que a Alemanha tem um sistema de civil law com apenas

uma jurisdição, a lei é geralmente bastante uniforme em todo o território nacional.

O direito contratual alemão dispõe, ainda, de muitos comentários ao BGB

detalhados (como o Palandt), que são considerados como fontes de direito.

Essas regras de direito contratual estão basicamente descritas no Direito Alemão

das Obrigações, parte do Código Civil alemão (BGB). O Direito das Obrigações tem um

54 How Do German Contracts Do As Much With Fewer Words, op. cit., p. 912.

Page 36: Tese de Láurea l Obede.PDF

35

capítulo contendo regras pertinentes a todas obrigações, incluindo obrigações contratuais (§§

241 - 304 BGB).

As regras aplicáveis às obrigações contratuais abordam interpretação,

cumprimento e inadimplemento. Conforme já mencionamos anteriormente, em comparação

com o sistema legal estadunidense o direito alemão dispõe de muito mais regras aplicáveis a

eventuais "gaps" contratuais.

Nos Estados Unidos, a maior parte dessas regras aplicáveis ao preenchimento de

lacunas contratuais estão no Artigo 2º do UCC55, voltada apenas a venda de bens e, portanto,

não compreendendo a maioria das transações complexas.

Importante destacar que no direito contratual alemão a definição de conceitos no

Direito das Obrigações inclui cumprimento substancial do contrato, alocação de risco em caso

de erro, há especificação de quando o prazo para notificações começa a correr, incluindo

notificações de inadimplemento (§ 187), quando esse período se encerra (§ 188), o número de

dias a serem contados num mês e num ano (§ 191), além de definir "dia útil" (§ 193),

"afiliado", "coligada", "bem imóvel" (§§ 94-98), e muitos outros termos que encontramos nas

"Definições", incluídas nos contratos sob o modelo anglo-americano.

Como nos Estados Unidos não há essa especificação presente nos códigos de leis,

há a necessidade de incorporá-la e descrevê-la no próprio corpo do contrato, que passa a ser a

fonte única dessas disposições.

A título exemplificativo, a Seção 463 do BGB apresenta uma provisão sobre os

procedimentos para exercício de direito de preferência. Se as partes concordarem com a

aplicação de direito de preferência de acordo com o disposto no BGB, poderão utilizar uma

mera sentença do gênero: "A outorga a B direito de preferência na aquisição das ações detidas

por A na Companhia".

As partes, portanto, não precisam se debruçar sobre cláusulas e mais cláusulas

repetindo o procedimento que já foi devidamente estabelecido por lei. E, dessa forma, caso as

55 Disponível em https://www.law.cornell.edu/ucc/2/article2. Última visita em 5.8.2015.

Page 37: Tese de Láurea l Obede.PDF

36

partes decidam alterar apenas alguma parte do procedimento ordinário presente no BGB, elas

poderão apenas especificar exatamente o que será diferente.

Em palavras mais claras: o direito contratual alemão dispõe de muitas provisões

padrão que contribuem diretamente para uma redução na extensão e repetição de seus

contratos, e, consequentemente, uma diminuição de eventuais dúvidas na interpretação deles.

Essas disposições padrão no direito contratual alemão são muitas vezes

disponíveis para eleição: as partes podem ou não adotá-las. E as partes costumam adotá-las56.

O direito alemão é ainda mais apto que o direito contratual nos Estados Unidos

para respeitar as especificações, acordadas pelas partes, de uma quantia relativa a

indenizações. Nos Estados Unidos, esse tipo de disposição pode muito facilmente ser

considerada inaplicável se tiver "aberta demais".

É justamente por isso que as partes devem elaborar suas disposições sobre

indenização de forma bastante minuciosa para que a chance de invalidação dessa cláusula

pelas cortes seja minimizada.

O direito contratual alemão dispõe, em paralelo às especificações acima

mencionadas, sobre provisões particulares a determinados tipos de contratos, como compra e

venda, mútuo, locação, empreitada etc., o que não ocorre com tanta riqueza de detalhes no

direito contratual nos Estados Unidos e Inglaterra.

3.2.2 Outras Soluções Padronizadas

O início da elaboração contratual, baseada numa minuta comumente "padrão", é

algo que difere enormemente entre os modelos contratuais anglo-americano e alemão.

56 How Do German Contracts Do As Much With Fewer Words, op. cit., p. 914.

Page 38: Tese de Láurea l Obede.PDF

37

Um exemplo da perspectiva norte americana nesse "first drafting" é descrito na

obra, citada anteriormente, de James Freund57:

"You must recognize that each transaction has its own individualized

thumbprint. (...) I want to call special attention to one cardinal sin

that I find young (and often mature) lawyers commit time and again.

The ABC deal comes in to the office. The partner evaluates it, calls in

an associate, gives him the facts, and tells him to prepare a draft

'modeled on the XYZ acquisition that we did in January (...) What the

associate should have done, of course, was to go back to the first draft

of the XYZ deal in the files, and mark that up".58

Sob o ponto de vista das práticas contratuais alemãs, as coisas são bem diferentes.

Algumas soluções fora do direito também podem ser encontradas na Alemanha. Exemplos

bastante comuns são as minutas disponibilizadas pelas associações de comércio. Esse tipo de

associação tem considerável espaço na Alemanha, o que não ocorre nos Estados Unidos.

Como o direito alemão bem permite, as cláusulas adotadas por determinada

associação de comércio podem ser tomadas como referência. Por exemplo, um contrato de

mútuo pode ser consideravelmente curto porque ele pode incorporar por referência as

condições gerais estabelecidas nos Termos e Condições Gerais dos Bancos, uma minuta

padrão59.

Talvez ainda mais impressionante é o fato de que as bancas de advogados na

Alemanha normalmente disponibilizam suas minutas - e essas minutas são mais facilmente

adotadas por outros advogados. Nos Estados Unidos e Inglaterra, mesmo dentro de um

escritório especializado em M&A, por exemplo, cada equipe ou mesmo advogado tem sua

própria minuta e "jeito de escrever"60.

57 Anatomy of a Merger: Strategies and Techniques for Negotiating Corporate Acquisitions, op. cit., p. 141-142. 58 Tradução livre: "Você deve reconhecer que cada transação tem sua impressão digital própria. (...) Eu quero

chamar a atenção em especial de um pecado capital que eu vejo jovens advogados (e, muito frequentemente, sêniores também) cometendo comumente. O negócio ABC chega ao escritório. O sócio responsável avalia, chama o associado, apresenta-lhe os fatos e pede-lhe que prepare uma minuta 'modelada na aquisição de XYZ que fizemos em janeiro (...). O que o associado deveria fazer, claro, seria voltar para a primeira minuta do negócio XYZ e então marcá-la".

59 Vide How Do German Contracts Do As Much With Fewer Words, op. cit., p. 915. 60 How Do German Contracts Do As Much With Fewer Words, op. cit., p. 915.

Page 39: Tese de Láurea l Obede.PDF

38

3.2.3 Soluções Padronizadas Podem Ser Adotadas nos Estados Unidos?

Hill e King tecem a seguinte pergunta: "se soluções padronizadas são tão

vantajosas, por que elas não podem ser alcançadas nos Estados Unidos?"61.

Conforme já mencionamos supra, uma primeira razão está no federalismo

estadunidense. Enquanto na Alemanha o direito civil é federal, nos Estados Unidos há 50 leis

estaduais lidando sobre o assunto, além do sistema de common law.

Além disso, caso as associações de comércio - que não têm tanta relevância

quanto na Alemanha - nos Estados Unidos tentassem uniformizar as minutas contratuais, tal

iniciativa poderia ser considerada ilícita diante das leis antitruste (Seção 1 do Sherman Act).

Na Alemanha, como dissemos, há uma maior homogeneidade nas transações

locais. As partes normalmente se conhecem, o que favorece uma maior confiança no

momento da negociação e execução dos contratos. Nos Estados Unidos essa homogeneidade é

praticamente impossível de existir. Há não somente uma diversidade de players locais, como

transações cross-border, o que faz com que as partes lidem com uma infinidade de

jurisdições.

Não se pode desconsiderar, inclusive, a influência da cultura do povo, que acaba

por influenciar a forma de negociar e executar relações obrigacionais. Sabe-se que o povo

estadunidense é desconfiado e tende a pensar que cada um, a qualquer momento, pode tirar

uma vantagem sobre o outro.

Nesse sentido, as bancas de advogados disputam entre si justamente na

perspectiva do quem tem a "cover everything form"62, além de advogados treinados para

discutir sobre todos os pontos existentes.

61 How Do German Contracts Do As Much With Fewer Words, op. cit., p. 921. 62 Ou: uma minuta capaz de cobrir todos os pontos relevantes de uma infinidade de transações.

Page 40: Tese de Láurea l Obede.PDF

39

4 O MODELO BRASILEIRO

Volvendo nossos olhares ao direito pátrio, observamos que, por aqui, basicamente

todos os documentos elaborados no âmbito das negociações complexas de fusões e aquisições

seguem o modelo anglo-americano. Para fins deste trabalho, esclarecemos que, ao tratarmos

de contratos empresariais complexos diante do “modelo brasileiro”, estamos nos referindo aos

contratos domésticos, celebrados aqui e envolvendo partes brasileiras.

A nossa investigação para determinar o porquê desse evento inusitado, tendo em

vista o fato de que nosso ordenamento jurídico se assemelha muito mais àquele alemão, é

nosso desafio aqui. E, deve-se alertar, que a resposta não pode ser dada somente e

exclusivamente com base em argumentos jurídicos ou mesmo de "supremacia econômica"

norte-americana. Acreditamos que a justificativa é muito mais profunda e encontra demasiada

relevância no perfil social do brasileiro, como procuraremos demonstrar a seguir.

4.1 Para Quem se Destina o Contrato Elaborado no Brasil?

Estudamos no item 2.1 quem seria o destinatário do contrato, se as partes

negociantes ou o tribunal. Concluímos que, enquanto o modelo contratual anglo-americano

visa à diminuição do oportunismo, procurando instruir o juiz sobre a vontade das partes

(inclusive sobre a interpretação do próprio texto contratual, como tratamos no item 3.1), o

modelo alemão procura exprimir a vontade das partes, servindo como verdadeiro guia daquilo

que foi transacionado.

Observamos que alguns grandes fatores dessa postura alemã se dão por conta (i)

do modelo de civil law, possibilitando a elaboração de contratos mais enxutos e diretos e

dando certa previsibilidade no âmbito dos tribunais; (ii) do número de players, que é

consideravelmente menor no mercado doméstico alemão, sendo que muitos deles acabam se

envolvendo em reiteradas transações e, assim, há uma necessidade inerente de confiança

Page 41: Tese de Láurea l Obede.PDF

40

mútua; e (iii) do perfil do cidadão alemão, que, ao contrário do norte-americano, não é um

sujeito tão "desconfiado" do seu vizinho.

Se trouxermos esses pontos acima à realidade brasileira, poderemos concluir que

o contrato elaborado no Brasil deveria seguir o mesmo modelo que aquele doméstico alemão.

Ora, (i) estamos sob o sistema de civil law, com uma legislação consideravelmente vasta

sobre a elaboração de contratos e sua interpretação; (ii) o número de players no Brasil é ainda

infinitamente menor do que aquele alemão; e (iii) contamos com um judiciário unificado em

todo o território nacional, de carreira, sem indicações políticas para os cargos em primeira

instância.

Esses elementos, como defendemos anteriormente, contribuem significativamente

no modelo jurídico desenvolvido pelas partes na ora de contratar. E basicamente todos os

argumentos que usamos para justificar o motivo pelo qual os contratos domésticos alemães

são mais concisos, diretos e dirigidos às partes, estão presentes aqui no Brasil, exceto um, que

trataremos logo mais.

Por que, então, adotamos um contrato vasto, prolixo, repetitivo de cláusulas já

definidas em lei, ao invés de um instrumento curto, objetivo e, consequentemente, de custo

consideravelmente mais baixo às partes envolvidas na transação?

Nesse sentido, mostra-se bastante pertinente a observação da professora Paula

Forgioni63:

"A primeira e necessária advertência diz respeito à descuidada

importação de institutos, sem a consideração daquelas que Ascarelli

chamou de 'premissas implícitas' de cada ordenamento. Observou o

mestre italiano que, no estudo de institutos estrangeiros, as 'premissas

implícitas' próprias de cada sistema não podem ser desprezadas. No

entanto, essa singela recomendação não é sempre atendida, de sorte

que alguns simplesmente entornam a experiência estrangeira sobre

nosso sistema, pretendendo imprimir direcionamento que lhe é

estranho".

63 Teoria Geral dos Contratos Empresariais, Editora dos Tribunais, São Paulo: 2009, p. 60.

Page 42: Tese de Láurea l Obede.PDF

41

Acreditamos que o fator determinante dessa característica dos contratos brasileiros

é o elemento social. A prática empresarial aqui adotada foi, historicamente, sempre

influenciada pelos britânicos e, após, pelos nossos colegas estadunidenses.

Sabemos, aliás, que o direito não se atém na criação de novas figuras jurídicas

para tratar de coisas ainda não criadas no "mundo real". O direito não criou o cheque, por

exemplo, mas apenas o regulou. Da mesma forma, entendemos que (i) a prática empresarial

no Brasil, fortemente influenciada por britânicos e estadunidenses, adquiriu a forma e as

características dos instrumentos contratuais (tanto em fase de negociação, contratação e

execução) anglo-americanos; e (ii) esse modelo de contratação “fits like a glove” no perfil do

brasileiro.

Sobre o primeiro ponto, não é difícil compreendermos essa influência anglo-

americana nas nossas relações empresariais. Os primeiros movimentos de contratações

complexas se deram, de forma insipiente, no governo de Juscelino Kubitschek, por conta do

leve crescimento na indústria automobilística. Após, com o surto industrial ocorrido no

Governo Militar e, por fim, com o advento do Plano Real.

Em todas essas fases observamos a preponderância do capital internacional, já

acostumado com um determinado tipo de contratação. Junte-se a isso um mercado advocatício

extremamente minguado e inexperiente em práticas empresariais envolvendo operações cross-

border.

Tanto é que a primeira grande geração de advocacia empresarial no Brasil se deu

com o retorno do advogado José Martins Pinheiro Neto64 da Inglaterra ao Brasil, em 1942,

trazendo consigo, além do domínio da língua inglesa, conhecimento e contatos por lá

adquiridos.

Houve, inegavelmente, uma importação de um modelo contratual.

64 Fundador da famosa banca de advogados "Pinheiro Neto".

Page 43: Tese de Láurea l Obede.PDF

42

Sobre o segundo ponto, sabe-se que o povo brasileiro, pelo menos nos grandes

centros urbanos, é um povo extremamente desconfiado. Prova disso está no conhecido

“jeitinho brasileiro”, de tirar vantagem sempre nas relações que se envolve.

Um perfil de contratação voltado a mitigar esses possíveis oportunismos, a frear

esse ímpeto de tirar vantagens, caiu bem no perfil brasileiro.

É assim que em diversas situações nossos contratos parecem incorporar muito

mais princípios alienígenas, germinados em realidade completamente diversa da nossa, do que

aqueles que de fato determinam nossa essência (como no caso da boa-fé), gerando um risco

para a eficácia e efetividade do direito pátrio.

4.2 Exemplos de Cláusulas de Contratos Complexos no Brasil

Da mesma forma que estruturamos o item 2.2, para uma melhor visualização,

citaremos algumas cláusulas-padrão nos contratos complexos envolvendo grandes players no

mercado brasileiro.

Observe, no entanto, que nosso objetivo neste item 4.2 é ligeiramente diferente

daquele. Ao invés de compararmos cláusulas de modelos diversos para demonstrarmos como

um tem redação rebuscada, customizada, repetitiva e prolixa, enquanto o outro é curto e

direto, apresentaremos algumas cláusulas para provar que sua existência é como "órgão

vestigial": existindo ou não, o efeito é o mesmo.

Exemplos de definições frequentemente adotadas em contratos que têm expressa

previsão legal:

# Definição Contratual Previsão Legal

1.

“Afiliada” significa, em relação a uma

Pessoa, qualquer outra Pessoa que, direta

ou indiretamente, por meio de uma ou

mais Pessoas, Controla, é Controlada por

ou está sob Controle comum com a Pessoa

Arts. 265 e seguintes da Lei 6.404/76 ("LSA"): "Art. 265. A sociedade controladora e

suas controladas podem constituir, nos

termos deste Capítulo, grupo de

Page 44: Tese de Láurea l Obede.PDF

43

# Definição Contratual Previsão Legal em questão. sociedades, mediante convenção pela qual

se obriguem a combinar recursos ou

esforços para a realização dos respectivos

objetos, ou a participar de atividades ou

empreendimentos comuns."

§ 1º A sociedade controladora, ou de

comando do grupo, deve ser brasileira, e

exercer, direta ou indiretamente, e de

modo permanente, o controle das

sociedades filiadas, como titular de

direitos de sócio ou acionista, ou

mediante acordo com outros sócios ou

acionistas.

(...)"

2.

“Controle” significa, com relação a uma

Pessoa, (i) o poder detido por uma outra

Pessoa de eleger, direta ou indiretamente,

a maioria dos administradores e de

determinar e conduzir as políticas e

administração de tal Pessoa, quer

isoladamente ou em conjunto com suas

Afiliadas; ou (ii) a titularidade, direta ou

indireta, por uma Pessoa e suas Afiliadas,

de pelo menos 50% (cinquenta por cento)

mais 1 (uma) ação/quota representativa

do capital social votante da Pessoa em

questão. Termos derivados de Controle,

como “Controlada”, “Controladora” e

“sob Controle comum”, terão significado

análogo ao de Controle.

Art. 116 da LSA: "Art. 116. Entende-se por acionista

controlador a pessoa, natural ou jurídica,

ou o grupo de pessoas vinculadas por

acordo de voto, ou sob controle comum,

que: a) é titular de direitos de sócio que lhe

assegurem, de modo permanente, a

maioria dos votos nas deliberações da

assembleia-geral e o poder de eleger a

maioria dos administradores da

companhia; e

b) usa efetivamente seu poder para dirigir

as atividades sociais e orientar o

funcionamento dos órgãos da companhia.

Parágrafo único. O acionista controlador

deve usar o poder com o fim de fazer a

companhia realizar o seu objeto e cumprir

sua função social, e tem deveres e

responsabilidades para com os demais

acionistas da empresa, os que nela

trabalham e para com a comunidade em

que atua, cujos direitos e interesses deve

lealmente respeitar e atender."

3.

“Pessoa” significa qualquer pessoa

natural, empresa, sociedade, associação,

trust, fundo de investimento, condomínio,

organização não constituída e qualquer

outra entidade, incluindo qualquer

Autoridade Governamental.

Arts. 1º, 2º, 40, 41, 44 e 45 da Lei 10.406/02 ("Código Civil"): "Art. 1º Toda pessoa é capaz de direitos e

deveres na ordem civil."

"Art. 2º A personalidade civil da pessoa

começa do nascimento com vida; mas a lei

põe a salvo, desde a concepção, os

direitos do nascituro."

Page 45: Tese de Láurea l Obede.PDF

44

# Definição Contratual Previsão Legal "Art. 41. São pessoas jurídicas de direito

público interno:

I - a União;

II - os Estados, o Distrito Federal e os

Territórios;

III - os Municípios;

IV - as autarquias;

IV - as autarquias, inclusive as

associações públicas;

V - as demais entidades de caráter público

criadas por lei." "Art. 42. São pessoas jurídicas de direito

público externo os Estados estrangeiros e

todas as pessoas que forem regidas pelo

direito internacional público." "Art. 44. São pessoas jurídicas de direito

privado:

I - as associações;

II - as sociedades;

III - as fundações.

IV - as organizações religiosas;

V - os partidos políticos;

VI - as empresas individuais de

responsabilidade limitada." Art. 12 da Lei 5.869/73 ("CPC"): "Art. 12. Serão representados em juízo,

ativa e passivamente:

(...) VII - as sociedades sem personalidade

jurídica, pela pessoa a quem couber a

administração dos seus bens;

(...) IX - o condomínio, pelo administrador ou

pelo síndico."

4.

“Propriedade Intelectual” significa todas

e quaisquer (a) marcas, nomes comerciais,

nomes corporativos, logos, marcas de

serviço, patentes, trabalhos patenteáveis,

nomes de marcas, desenho industrial ou

de produto, nomes de fantasia ou de

produto, slogans, direitos de publicidade,

metodologias, programas de computador e

software (incluindo todos os códigos fonte,

códigos objeto, ferramentas de

Arts. 2, 8, 9, 10, 11, 95, 96, 97 e 123 da Lei 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial): "Art. 2º A proteção dos direitos relativos à

propriedade industrial, considerado o seu

interesse social e o desenvolvimento

tecnológico e econômico do País, efetua-

se mediante:

I - concessão de patentes de invenção e de

modelo de utilidade;

Page 46: Tese de Láurea l Obede.PDF

45

# Definição Contratual Previsão Legal desenvolvimento, arquivos, registros e

informações), invenções, modelos, pedido

de registro de patentes e divulgação de

patentes, e outros direitos ou informações

registradas, sejam ou não sujeitas a

registro por Lei, bem como toda

informação técnica relacionada; (b) sítios

de internet, domínios e toda propriedade

intelectual usada com relação a ou

contida na rede mundial de computadores;

(c) segredos de comercialização, incluindo

informações, ideias, pesquisa e

desenvolvimento, know-how, fórmulas,

composições, processos e técnicas de

produção, informações técnicas, desenhos,

especificações, listas de fornecedores e

clientes, informações de custo, preço e

negócios, planos de marketing e

propostas, confidenciais ou não; (d)

direitos ou licenças para uso de qualquer

um dos itens descritos; e (e) direitos

mundiais de (pendentes registros ou

pedidos de registro brasileiros e/ou

estrangeiros) quaisquer dos itens descritos

e quaisquer pedidos de registro, registros

e renovações relacionadas aos itens

descritos acima.

II - concessão de registro de desenho

industrial;

III - concessão de registro de marca; (...)"

5.

“Tributos” significa qualquer tributo,

contribuição, cobrança, tarifa, taxa,

imposto ou outra cobrança

governamental, seja federal, estadual ou

municipal, incluindo, mas não limitado a,

imposto de renda, impostos retidos na

fonte, impostos sobre a circulação de

mercadorias, impostos sobre produtos,

importação, exportação, ad valorem,

contribuições sociais e previdenciárias,

impostos sobre serviços ou sobre

transações financeiras.

Arts. 3º e 5º da Lei 5.172/66 ("CTN"): "Art. 3º Tributo é toda prestação

pecuniária compulsória, em moeda ou

cujo valor nela se possa exprimir, que não

constitua sanção de ato ilícito, instituída

em lei e cobrada mediante atividade

administrativa plenamente vinculada." "Art. 5º Os tributos são impostos, taxas e

contribuições de melhoria."

Como é nítido, nossos contratos estão impregnados de disposições já tratadas em

lei. Considerável número de páginas e quantidade de tempo poderiam ser poupadas caso a

disposição contratual fizesse mera referência ao texto legal, limitando-se a abordar apenas o

eventual acordo sobre disposição diferente da regra geral expressa em lei.

Page 47: Tese de Láurea l Obede.PDF

46

4.3 Custos de Transação e Oportunismo

Tratamos no item 2.3 sobre o imenso custo envolvido no processo de mitigação de

oportunismo ao qual o player contratante sob o modelo anglo-americano está disposto a

desembolsar.

Aqui no Brasil as coisas não são tão diferentes.

Nas palavras da professora Paula Forgioni, "no momento da celebração, as partes

acreditam que estarão 'melhor com o contrato do que sem ele'"65. Nesse sentido, só valerá a

pena a celebração de determinado contrato caso as partes entendam que o negócio

proporcionará mais vantagens que desvantagens.

O cálculo a ser feito para saber se “contratar” é melhor que “não contratar”

importa em análise, também, dos custos da transação. Gasta-se com financial advisors, com

advogados, com due diligences, além de alocar horas dos membros da administração da

empresa para a análise e negociação do negócio.

Ainda há um risco de vazamento de informações confidenciais a concorrentes,

como de insider trading e movimentos afins. Enfim, os custos são altos e, para valer a pena, o

deal precisa trazer benefícios mais consideráveis ainda.

Com a escolha do perfil de contratação, como falamos no item 4.1, o brasileiro

declarou que prefere gastar mais para ter mais segurança jurídica.

E é por isso que resolvemos comprar um pequeno mal hoje para evitar um grande

mal amanhã.

65 Teoria Geral dos Contratos Empresariais, op. cit., p. 60.

Page 48: Tese de Láurea l Obede.PDF

47

4.4 O Papel da Boa-Fé no Direito Brasileiro

Grande desafio para a interpretação dos contratos, especialmente os complexos,

no Brasil tem sido o princípio da boa-fé.

Pode-se elaborar o contrato mais customizado possível, pode-se tentar definir

todos os conceitos e premissas no instrumento contratual, pode-se tentar estabelecer os

critérios de responsabilização das partes e limitar a imposição de penalidades, mas se houver

uma quebra da boa-fé, todas essas disposições podem ser desconsideradas.

Como bem expressou o professor Calixto Salomão Filho: “[é] da amplitude

interpretativa da expressão boa-fé que decorre sua dificuldade de aplicação”66.

Pelo princípio da boa-fé, busca-se a cooperação entre as partes na execução do

objetivo econômico do contrato. Mas não é só isso. Procura-se hoje a boa-fé desde as

tratativas, com responsabilidades pré-contratuais, como após o término da relação

obrigacional.

4.4.1 A Boa-Fé Durante as Tratativas

Para a celebração de um contrato, os contratantes podem se valer de uma fase

preliminar de tratativas. Nessa fase, não há um acordo definido, mas já é suscetível de gerar

direitos e obrigações.

Essa fase das tratativas é bastante comum no processo de celebração de contratos

empresariais complexos. Às vezes tal fase demonstra sua existência por meio de

comunicações trocadas, mas às vezes alguns instrumentos podem ser confeccionados,

apontando as diretrizes das negociações e a convergência de acordos, como nos casos de

66 Breves Acenos para uma Análise Estruturalista do Contrato, in Revista de Direito Mercantil, nº 141, jan/mar

de 2006, Malheiros, São Paulo, p.20.

Page 49: Tese de Láurea l Obede.PDF

48

acordo de intenções ou memorando de entendimentos não vinculantes. Há, inegavelmente,

custos envolvidos e, portanto, expectativas em torno das tratativas.

O professor Haroldo Verçosa trata brilhantemente sobre o assunto. A título

exemplificativo, estudando Vincenzo Roppo, o ilustre professor destaca: “(i) a atitude de se

deixar alguém participar de uma longa fase de tratativas objetivando a conclusão de um

determinado contrato, sem que a outra desde o início não tivesse a mínima intenção de fazê-

lo, o que seria baseado tão somente no interesse de se levantar o preço potencial de um bem

determinado; (ii) também seria o caso de se prender um sujeito a determinadas tratativas a fim

de vinculá-lo em uma negociação fingida, para o fim de afastá-lo de outro negócio em que o

agente tivesse interesse; e (iii) a ausência da necessária diligência nas tratativas feita por

algum interessado, de cuja falta resultasse posteriormente a recusa em contratar, alegando

tardiamente aquele que a contraparte não apresentava as necessárias condições técnicas que

seriam exigidas para o fechamento do acordo”67.

Há, dessa forma, um dever objetivo das partes de informar corretamente a

contraparte sobre as circunstâncias do negócio. Não pode um, por exemplo, se valer de meias-

verdades (half-truths) para dar a entender, indiretamente, que todas as informações foram

repassadas, ou mesmo de forma a induzir a contraparte a erro.

Como aponta o professor Verçosa, “o silêncio, conforme as circunstâncias, é

passível de consistir em reserva mental, reprovável, vindo a acarretar a responsabilidade do

sujeito se dele surgirem prejuízos para a contraparte”68.

Além do dever objetivo de informar, as partes têm o dever de clareza, além de

transparência e sigilo. Na fase de tratativas as partes podem ficar expostas a segredos

comerciais e estratégicos umas das outras. Há, assim, inegável risco de prejuízos e,

consequentemente, responsabilização.

67 Contratos Mercantis e a Teoria Geral dos Contratos: o Código Civil de 2002 e a Crise do Contrato, Quartier

Latin, São Paulo, 2010, p. 233. 68 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc., op. cit., p. 236.

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4.4.2 A Boa-Fé na Execução do Contrato

No mesmo sentido de preservar a confiança entre as partes, a boa-fé se manifesta

durante a execução do contrato de algumas formas. Uma delas é proibindo o comportamento

contraditório das partes (venire contra factum proprium).

O efeito da aplicação da boa-fé, nesse contexto, se dá de forma mais efetiva no

momento da interpretação contratual. E isso deve ser feito desde o momento das tratativas,

mencionado acima.

Se uma parte vem se posicionando de uma forma determinada em relação a um

dado assunto, e, por conta de uma mudança na composição da sua administração passa a

interpretar determinada cláusula de forma diversa, há evidente quebra do dever de confiança,

gerando grande instabilidade na relação obrigacional entre as partes contratantes.

O princípio da boa-fé, como elemento componente da estrutura das relações

obrigacionais, incide sobre esse fato ao proibir a nova interpretação pretendida pela parte.

Atua, nesse caso, de forma negativa.

Da mesma forma apresentam-se os institutos da suppressio, surrectio e tu quoque.

A suppressio consiste na “situação do direito que, não tendo sido, em certas

circunstâncias, exercido durante um determinado lapso de tempo, não possa mais sê-lo por, de

outra forma, se contrariar a boa-fé”69.

A surrectio, conforme o ensinamento do professor Humberto Theodoro Júnior,

opera em sentido inverso, ou seja, “o de constituir uma situação jurídica nova entre as partes

da relação obrigacional”70.

69 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha. Da Boa-Fé no Direito Civil, Coimbra, Almedina, 1997,

p. 796. 70 O Contrato e sua Função Social: a boa-fé objetiva no ordenamento jurídico e a jurisprudência

contemporânea, 4ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 2014, p. 65.

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A tu quoque, por sua vez, “traduz, com generalidade, o aflorar de uma regra pela

qual a pessoa que viole uma norma jurídica não poderia, sem abuso, exercer a situação

jurídica que essa mesma norma lhe tivesse atribuído”71.

De outro lado, a boa-fé se apresenta como um comando positivo ao instituir o

dever às partes de mitigar o próprio dano (duty to mitigate the loss. Nesse sentido, há uma

expectativa de que as partes procedam, mesmo diante de eventual inadimplemento, de forma

proba, cooperativa e leal.

Assim, os contratantes devem se atentar a tomar as medidas necessárias e

possíveis para que o dano não seja agravado, ou seja, o credor deve agir de forma a mitigar o

próprio dano por ele sofrido.

4.4.3 A Boa-Fé Após o Término do Contrato

O exaurimento das obrigações contratuais, seja por qualquer motivo (rescisão,

denúncia ou cumprimento total da obrigação), não afasta alguns deveres impostos às partes.

O ponto mais sensível nessa esfera diz respeito ao dever de confidencialidade.

Não podem as partes usar toda a informação a qual tiveram acesso sobre a contraparte, por

conta do vínculo contratual, em benefício próprio ou de terceiro, ou mesmo de forma a

prejudicar a parte com quem havia contratado.

Da mesma forma, têm-se também a vedação – salvo disposição contratual

contrária – à concorrência desleal, comum em contratos de aquisição. Impõe-se o dever

negativo a determinada parte de, por um prazo determinado, não atuar no mesmo ramo de

atividade da sociedade vendida, em dada localidade.

Esses posicionamentos já solidificados no direito brasileiro encontram grande

correspondência com seus equivalentes no direito alemão (e demais estados codificados

71 MENEZES CORDEIRO, op. cit. p. 837.

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51

europeus). Ocorre que essa tendência contemporânea de limitar a liberdade contratual acaba

por, também, gerar incerteza diante de nossos contratos complexos extremamente

customizados e completos.

Deve-se levar em consideração, como ressaltou o professor Calixto Salomão, que

“[t]odas essas características fazem surgir um novo contrato, instrumentalizado aos interesses

da sociedade, representados pelas garantias institucionais. São elas o seu limite, impondo que

as obrigações nele contidas sejam dissecadas de forma a respeitar os interesses da sociedade

atingidos”72.

72 Função Social do Contrato, in Doutrinas Essenciais – Obrigações e Contratos – Contratos: Princípios e

Limites, vol 3, org. Gustavo Tepedino e Luiz Edson Fachin, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2011, p. 681.

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5 CONCLUSÃO

Vimos, em linhas gerais, que o modelo de contratos empresariais complexos nos

Estados Unidos é mais voltado ao litígio, sendo prioritariamente dirigido ao juiz. Dessa

forma, o advogado, ao elaborar um contrato sob o modelo anglo-americano, faz-se claro ou

obscuro, a depender da conveniência e dos interesses de seu cliente.

Isso ocorre, em grande medida, por conta do alto grau de desconfiança social das

partes contratantes sob esses modelos. Procura-se, de toda forma, minimizar o oportunismo da

contraparte, sempre vista com suspeição.

O desenvolvimento desse perfil de contratação nos Estados Unidos ocorreu, além

do acima mencionado, devido ao federalismo existente naquele País. Diante de uma

pluralidade de jurisdições, o advogado deve elaborar o instrumento contratual de tal forma

que todas suas cláusulas sejam válidas e interpretadas da mesma maneira perante todas essas

jurisdições, buscando uma maior certeza jurídica para a aplicação do contrato. Isso gera um

documento vasto, repetitivo e minucioso.

A ausência de uma codificação unitária em matéria de direito contratual nos

Estados Unidos é outro fator relevante no momento da elaboração de contratos complexos. As

partes, dessa maneira, redigem seus contratos para combater a falta de juridicidade do próprio

direito.

De forma inversa, os contratos domésticos alemães são mais voltados às partes,

funcionando mais como um guideline do que foi acordado, e não como forma de minimizar

oportunismos.

Além disso, por conta de uma vasta legislação em matéria de direito contratual, os

contratos na Alemanha não precisam ser extensos e minuciosos, devendo se ater apenas à

matéria principal da obrigação contratual.

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Relevante apontar, ainda, que o processo civil na Alemanha observa a supremacia

do princípio da boa-fé e suas variantes. O efeito imediato da aplicação de tal princípio é que,

mesmo diante de um contrato vasto e minucioso, determinadas disposições podem ser

consideradas inválidas ou ineficazes se uma conduta que fere a boa-fé for identificada. Nos

Estados Unidos, o princípio da boa-fé é incipiente e, por isso, os tribunais se atém mais à

literalidade do instrumento contratual.

Destacamos também que o número reduzido de players na Alemanha faz com que

a comunidade se conheça e evite, assim, posturas de oportunismo. Tal fato aliado à existência

de um judiciário unitário, focado na carreira acadêmica, sem qualquer interferência política,

leva a uma maior certeza jurídica diante de eventual litígio.

Todos esses fatores contribuem para que o contrato empresarial complexo alemão

seja consideravelmente mais conciso que sua contraparte anglo-americana.

Vimos, também, que as características próprias da realidade jurídico-legislativa na

Alemanha são muito próximas da nossa aqui no Brasil, o que justificaria a adoção da

importação daquele modelo contratual.

No entanto, tendo em vista principalmente (i) a influência anglo-americana na

prática empresarial brasileira e (ii) o elevado grau de desconfiança social do brasileiro,

observamos que o modelo anglo-americano tem se perpetuado no Brasil.

Ocorre que a importação desregrada desse modelo contratual gera alguns excessos

quando confrontada com a legislação brasileira. Poder-se-ia adotar um modelo intermediário

visando a uma maior eficiência dos contratos, incorporando elementos protetivos próprios do

modelo anglo-americano, como disposições sobre garantias e representações e

responsabilidades, mas a afastando a redação prolixa e complexa desse modelo (que, lembre-

se, é voltado aos tribunais), bem como a simples repetição de conceitos já definidos em lei.

Sem dúvida alguma o resultado seria um contrato mais enxuto, objetivo e

igualmente protetivo às partes, contribuindo, ademais, para a diminuição dos custos de

transação, já extremamente elevados por diversos motivos no Brasil.

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