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1 “TESE APRESENTADA AO XXXVII CONGRESSO NACIONAL DE PROCURADORES DE ESTADO, PENDENTE DE APROVAÇÃO” O PAPEL NORMATIVO DO IBAMA NA GESTÃO DA FAUNA E SUAS IMPLICAÇÕES NA ATUAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO Lucas de Faria Rodrigues 1 1 - Introdução O Estado de São Paulo, nos últimos anos, vem assumindo diversas atribuições concernentes à gestão da fauna 2 – em especial a silvestre – no seu território. Ocorre que este tema tradicionalmente esteve associado à atuação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, uma autarquia federal, e nunca foi associado à ação dos Estados. Este quadro permaneceu inalterado até pouco tempo, porém, em 2008, o Estado de São Paulo assinou o Acordo de Cooperação Técnica nº 10/2008 com o IBAMA, por meio do qual se comprometeu a assumir diversas atividades ligadas à gestão da fauna. A partir da celebração do Acordo de Cooperação diversas atividades preparatórias foram e continuam sendo efetivadas pelo corpo técnico da Secretaria Estadual de Meio Ambiente – SMA –, possibilitando a assunção gradativa da gestão faunística pelo Estado 3 . É diante deste quadro que a Procuradoria Geral do Estado – PGE, operando como órgão de consultoria jurídica das Secretarias de Estado 4 , vem sendo chamada a se manifestar. Os Procuradores, por conseguinte, atuam justamente aí, elucidando as dúvidas jurídicas que rotineiramente surgem e demandam a solução pela PGE. À vista disto, este órgão jurídico acaba tendo participação, ainda que indireta, na modelagem e na estruturação jurídica dos diversos órgãos e instrumentos de gestão faunística no Estado de São Paulo. 1 Procurador do Estado de São Paulo. 2 Neste trabalho utilizaremos o termo gestão faunística como sinônimo de gestão de fauna. 3 Cf. ESTADO DE SÃO PAULO. Secretaria do Meio Ambiente. Relatório de Atividades 2009/2010 e Desafios para 2011. São Paulo: São Paulo, dez. 2010. Disponível em http://sigam.ambiente.sp.gov.br/sigam2/repositorio/109/documentos/dpb_2009_2010.pdf. Acesso em 01 jul. 2011, p. 68. 4 Por determinação expressa do artigo 99, inciso II, da Constituição do Estado de São Paulo.

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“TESE APRESENTADA AO XXXVII CONGRESSO NACIONAL DE PROCURADORES DE ESTADO, PENDENTE DE APROVAÇÃO”

O PAPEL NORMATIVO DO IBAMA NA GESTÃO DA FAUNA E SUAS

IMPLICAÇÕES NA ATUAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Lucas de Faria Rodrigues1

1 - Introdução

O Estado de São Paulo, nos últimos anos, vem assumindo diversas atribuições

concernentes à gestão da fauna2 – em especial a silvestre – no seu território. Ocorre que este

tema tradicionalmente esteve associado à atuação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e

dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, uma autarquia federal, e nunca foi associado à

ação dos Estados.

Este quadro permaneceu inalterado até pouco tempo, porém, em 2008, o Estado de

São Paulo assinou o Acordo de Cooperação Técnica nº 10/2008 com o IBAMA, por meio do

qual se comprometeu a assumir diversas atividades ligadas à gestão da fauna. A partir da

celebração do Acordo de Cooperação diversas atividades preparatórias foram e continuam

sendo efetivadas pelo corpo técnico da Secretaria Estadual de Meio Ambiente – SMA –,

possibilitando a assunção gradativa da gestão faunística pelo Estado3.

É diante deste quadro que a Procuradoria Geral do Estado – PGE, operando como

órgão de consultoria jurídica das Secretarias de Estado4, vem sendo chamada a se manifestar.

Os Procuradores, por conseguinte, atuam justamente aí, elucidando as dúvidas jurídicas que

rotineiramente surgem e demandam a solução pela PGE. À vista disto, este órgão jurídico

acaba tendo participação, ainda que indireta, na modelagem e na estruturação jurídica dos

diversos órgãos e instrumentos de gestão faunística no Estado de São Paulo. 1 Procurador do Estado de São Paulo. 2 Neste trabalho utilizaremos o termo gestão faunística como sinônimo de gestão de fauna. 3 Cf. ESTADO DE SÃO PAULO. Secretaria do Meio Ambiente. Relatório de Atividades 2009/2010 e Desafios para 2011. São Paulo: São Paulo, dez. 2010. Disponível em http://sigam.ambiente.sp.gov.br/sigam2/repositorio/109/documentos/dpb_2009_2010.pdf. Acesso em 01 jul. 2011, p. 68. 4 Por determinação expressa do artigo 99, inciso II, da Constituição do Estado de São Paulo.

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E não são poucas as questões jurídicas ligadas ao tema, principalmente porque as

normas sobre a matéria são em grande parte infralegais, editadas essencialmente pelo

IBAMA, por meio de Portarias e Instruções Normativas – INs.

A problemática sobre a qual nos debruçaremos surge quando os gestores ambientais

indagam em que medida estas normas infralegais – produzidas pelo IBAMA – vinculam a

atuação, em especial normativa, do Estado. Daí o título do presente trabalho, que sintetiza

muito bem a essência desta pesquisa: o papel normativo do IBAMA na gestão da fauna e suas

implicações na atuação do Estado de São Paulo.

Ainda que o título possa ser definido como objetivo da pesquisa, ele seria meramente

secundário, em razão da sua amplitude. Por esta razão elaboramos a seguinte pergunta, que

servirá como guia no desenvolvimento do restante desta tese: dentro da estrutura do Sistema

Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, o IBAMA detém competência normativa nas

questões relativas à gestão de fauna?5 Nossa hipótese, e, portanto, o objetivo primário do

trabalho, consiste na inexistência de competência normativa do IBAMA, quando a análise da

entidade é efetuada sob a óptica do SISNAMA6. Pretendemos, ao final, que esta hipótese reste

demonstrada ou refutada.

Responder esta pergunta será essencial para delimitar a atuação do Estado, em

especial quando estiver exercendo suas prerrogativas normativas. Se as normas da autarquia

federal não vincularem os Estados, restará uma margem de conformação maior quando da

adoção de normativa própria.

Para enfrentarmos esta questão será preciso decompô-la, possibilitando sua análise

de forma fragmentada e organizada. Ao final, estes elementos subsidiarão a conclusão desta

tese. Forçoso abordar, portanto, os seguintes pontos, desdobrados em tópicos: (i) a gestão

faunística e a competência dos Estados; (ii) a gestão da fauna no Estado de São Paulo; (iii)

Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA: conceito e estrutura; (iv) o IBAMA e seu

papel na gestão da fauna.

5 Os conceitos inseridos nesta questão serão desenvolvidos ao longo do trabalho. 6 Não pretendemos neste trabalho investigar a compatibilidade deste fenômeno normativo com a Constituição Federal, diante da limitação do objeto da pesquisa. O fato é que estes atos normativos do IBAMA existem e vêem sendo aplicados em maior ou menor escala. Neste sentido, o estudo ficará restrito ao enfrentamento do tema perante as regras que regulamentam o SISNAMA. Entretanto, reconhecemos que a edição de normas pelo IBAMA é de constitucionalidade duvidosa, o que poderá ensejar a ampliação desta pesquisa no futuro.

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Por fim, o tema trazido à análise enquadra-se perfeitamente na temática do

Congresso: “Advocacia Pública, Eficiência Administrativa e Resultados Sociais”. A eficiência

administrativa na gestão ambiental está intimamente ligada à atuação de uma advocacia

pública forte e apta a responder as demandas do Estado. Só assim será possível alcançar

resultados sociais satisfatórios, dentre os quais a preservação do meio ambiente.

2 – A Gestão Faunística e a Competência dos Estados

Este trabalho, por ser uma tese que se pretende científica, efetuará constantemente

delimitações conceituais, necessárias à correta compreensão do seu objeto de análise. Neste

sentido, antes de desenvolver outros aspectos teóricos, é imprescindível apresentar ao leitor a

ideia central do trabalho, a partir da seguinte indagação: o que se entende por gestão de

fauna?

Para tanto, adaptamos o conceito cunhado por Milaré para gestão ambiental7,

pois, para nós, a definição apresentada pelo autor abrange a gestão faunística. Trata-se da

direção, condução e controle efetuado pelo governo do uso dos recursos faunísticos8. Para

tanto, o ente político, titular de competência material para proteção do meio ambiente, pode se

valer de diversos instrumentos, como a utilização de medidas econômicas, a regulamentação,

a normatização, a realização de investimentos públicos e financeiros9. E continua o autor:

Esse conjunto orgânico de ações praticadas constitui um processo único, articulado, vez que elas não podem ser desconexas ou descoordenadas. Tal processo, complexo e cientificamente encadeado, vem a ser a Administração do Meio Ambiente ou, em termos mais apropriados à nomenclatura contemporânea, a Gestão Ambiental10. (grifo nosso)

Com este esclarecimento conceitual, essencial para o desenvolvimento do

trabalho, devemos fazer nova indagação. Os Estados detêm competência para o desempenho

da gestão da fauna? Esta resposta tem duas abordagens distintas, porém, complementares: a

constitucional e a infraconstitucional.

7 O leitor deve ficar atento ao fato de que o termo gestão ambiental não é sinônimo do termo gestão de fauna. O primeiro, por ser mais amplo, abrange o segundo, não sendo, portanto, iguais. 8 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 1315. 9 Cf. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 1315. 10 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 297.

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Iniciando pela abordagem constitucional, inegável que a Constituição Federal é a

regra matriz no tocante à distribuição de competências, inclusive sobre matérias ambientais.

Como afirma Machado, as “atribuições e obrigações dos Estados e dos Municípios só a

Constituição Federal pode estabelecer”11. Neste sentido, a Carta de 1988 atribuiu competência

material comum à União, aos Estados e aos Municípios para preservar a fauna (artigo 23,

inciso VII) e competência legislativa concorrente à União e aos Estados para legislar sobre o

tema (artigo 24, inciso VI).

Com relação à competência legislativa, não pairam grandes dúvidas sobre sua

conceituação, por ser o termo autoexplicativo: trata-se da prerrogativa de editar normas. É

concorrente, por ser repartida entre União e Estados, cabendo à primeira o encargo de

estabelecer normas gerais, e aos segundos o de editar normas suplementares àquelas gerais

advindas da União. Já as competências materiais comuns, listadas no artigo 23 e repartidas

igualmente entre todos os entes federados, consistem na “prestação dos serviços referentes

àquelas matérias, à tomada de providências para sua realização”12.

Antes de avançarmos em nossa exposição, é importante situar o contexto no qual

estas normas de competência em matéria ambiental foram editadas. Isso porque há uma

diferença significativa entre os regimes jurídicos a que esteve sujeito o meio ambiente antes

da Constituição de 1988 e depois dela. Antes da referida Carta este termo sequer era

mencionado no texto constitucional13. A Constituição de 1988 ampliou a disciplina de

questões relacionadas à matéria e trouxe uma inovação: inseriu os Estados e os Municípios

diretamente na proteção deste bem de grande relevância. Quanto aos Estados foi além, ao

prever expressamente competência normativa para disciplinar questões inerentes à fauna14. A

competência material, por sua vez, foi estendida também aos Municípios, cabendo aos três

entes federativos a tarefa de preservar as florestas, a fauna e a flora. Como assinala Silva:

A Constituição de 1988 foi, portanto, a primeira a tratar deliberadamente da questão ambiental. Pode-se dizer que ela é uma Constituição eminentemente ambientalista. Assumiu o tratamento da matéria em termos amplos e modernos. Traz um capítulo

11 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 18ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010, p. 121. 12 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 9ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 79. 13 Cf. SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 9ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 48. 14 Silva reconhece também a competência legislativa dos Municípios em matéria ambiental com base no artigo 30, inciso II, da Constituição Federal (SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 9ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 82). Entretanto, inexiste dispositivo expresso neste sentido, como no caso dos Estados.

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específico sobre o meio ambiente, inserido no título da “ordem Social” (Capítulo VI do Título VIII). Mas a questão permeia todo o seu texto, correlacionada com os temas fundamentais da ordem constitucional15.

No mesmo sentido lecionam Fábio Feldman e Maria Ester Mena Barreto Camino:

A Constituição de 1988 dota o país de uma das mais avançadas espinhas-dorsais normativas do mundo em matéria ambiental, dando estrutura às paulatinas conquistas que foram ocorrendo. Nas constituições anteriores, as normas ambientais eram incipientes, restringindo-se a dispositivos de defesa e proteção à saúde ou eventual menção à preservação do patrimônio histórico e função social da propriedade. Em 1988, todavia, conseguimos que a noção de ambiente como bem público de uso comum do povo, a ser necessariamente assegurado e protegido estivesse presente em vários pontos do texto constitucional, permeando-o16.

O aspecto mais relevante para a compreensão deste trabalho foi o fato de a

Constituição Federal de 1988 ter trazido para o nível constitucional tendência de

descentralização em matéria de gestão ambiental, visto que a Carta atribuiu a todos os

entes federados competência material para proteger o meio ambiente e, portanto, a gestão da

fauna.

Não negamos, neste particular, que alguns doutrinadores consideram a

Constituição Federal de 1988 ainda bastante centralizadora17, mesmo tendo adotado a forma

federativa e previsto a repartição de competências, pois a atividade legislativa exercida pela

União ainda se sobrepõe a dos demais entes federativos.

Entretanto, é notória a evolução da partilha de competências em relação às

constituições anteriores18, especialmente, se considerarmos a previsão expressa de

competência material comum aos Estados e aos Municípios para defesa do meio ambiente. É

dizer que, ainda sendo bastante centralizadora, a Constituição incorporou traços de

descentralização em matéria de gestão ambiental. Isso porque, “na competência comum

ocorre uma descentralização de encargos em matérias de grande relevância social, que não

podem ser prejudicadas por questões de limites e espaços de competência”19.

15 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 9ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 48. 16 FELDMANN, Fábio José; CAMINO, Maria Ester Mena Barreto. O direito ambiental: da teoria à prática. In: Revista Forense. Rio de Janeiro: vol. 317, p. 89-113, janeiro/março, 1992, p. 95. 17 Neste sentido: ANTUNES, Paulo de Bessa. Federalismo e Competências Ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 157-170. 18 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 144. 19 LOBO, Paulo Luiz Neto. Competência legislativa concorrente dos estados-membros na Constituição de 1988, p. 100 apud ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 113.

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Embora a Constituição Federal de 1988 seja de fundamental importância na

delimitação de competências quanto à gestão ambiental, a descentralização nesta matéria foi

inaugurada no Brasil pela Lei Federal nº 6.938/81 – Lei da Política Nacional do Meio

Ambiente (LPNMA).

E aqui iniciamos a abordagem infraconstitucional, desta vez indagando: por que a

LPNMA foi tão inovadora?

Primeiro, porque marca a guinada do país em matéria de proteção do meio

ambiente. Até a Conferência das Nações Unidas de Estocolmo, realizada em 1972, o Brasil

defendia o desenvolvimento a qualquer custo, independentemente dos prejuízos causados ao

meio ambiente. Com a lei, o Brasil passou a defender o desenvolvimento econômico atrelado

à ideia de sustentabilidade e de proteção do meio ambiente.

Segundo, porque a legislação nacional até então se limitou a ações pontuais no

tocante à proteção do meio ambiente. Não havia o ideal de uma política de longo prazo, com a

previsão de planos e projetos estruturados e planificados de forma integrada20. Era a fase

denominada por Benjamin de fragmentária, guiada pelo utilitarismo – na qual a única razão

da proteção era o interesse econômico –, pela fragmentação do seu objeto – o meio ambiente

não era entendido de forma integrada – e pela fragmentação da legislação – normas esparsas,

sem interligação lógica21. Com a LPNMA, deu-se “tratamento global e unitário à defesa da

qualidade do meio ambiente no país”22, articulando todos os entes federados para a instituição

da Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA. De acordo com Benjamin, a LPNMA é

responsável por inaugurar a fase holística da legislação ambiental brasileira, pela qual o meio

ambiente passou a ser protegido como um “sistema ecológico integrado”23.

A Lei n. 6.938 foi a primeira tentativa de sistematizar normativamente uma política nacional de meio ambiente, estabelecendo princípios e objetivos de ação, instituindo um sistema nacional e criando o respectivo conselho, consagrando a responsabilidade objetiva e enumerando instrumentos de ação. É o texto legal que, antecedendo à Constituição atual, serviu para lançar os alicerces normativos, que deveriam embasar toda ação executiva24.

20 Cf. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 325. 21 BENJAMIN, Antônio V. Herman. Introdução ao Direito Ambiental Brasileiro. In Revista de Direito Ambiental. São Paulo: n. 14, p. 48-82, abril-junho, 1999, p. 51. 22 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 9ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 219. 23 BENJAMIN, Antônio V. Herman. Introdução ao Direito Ambiental Brasileiro. In Revista de Direito Ambiental. São Paulo: n. 14, p. 48-82, abril-junho, 1999, p. 52. 24 FELDMANN, Fábio José; CAMINO, Maria Ester Mena Barreto. O direito ambiental: da teoria à prática. In: Revista Forense. Rio de Janeiro: vol. 317, p. 89-113, janeiro/março, 1992, p. 107.

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Tal como a Constituição Federal, o aspecto da LPNMA que mais interessa para o

desenvolvimento do trabalho é a já referida descentralização, cuja maior expressão foi a

criação do SISNAMA. Por meio desta lei integraram-se todos os entes federados a um

sistema de proteção ao meio ambiente, promovendo o compartilhamento da execução da

política ambiental. Como bem disse Antunes, “(...) a própria criação do SISNAMA tem por

finalidade última a organização de atribuições diferenciadas e a descentralização

administrativa de forma cooperativa e harmônica”25. É dizer que, pela primeira vez, uma

norma reconheceu a importância da participação dos Estados e Municípios na preservação

ambiental26.

O estabelecimento de um sistema de proteção ambiental que tenta unir todos os três níveis de estado baseou-se também no raciocínio de que, num país de porte continental como o Brasil, o controle efetivo da execução de políticas ambientais não deve ser demasiadamente centralizador27.

Abordaremos no próximo capítulo, com mais vagar, aspectos inerentes ao

SISNAMA. Para o momento vale apenas a fixação da ideia de descentralização. E aqui,

quando falamos de descentralização, estamos fazendo referência à

transferência da autoridade e do poder decisório de instâncias agregadas para unidades espacialmente menores, (...), conferindo capacidade de decisão e autonomia de gestão para as unidades territoriais de menor amplitude e escala28.

A LPNMA é relevante neste contexto de descentralização por reconhecer diversas

prerrogativas aos Estados e aos Municípios, em um momento institucional marcado pela

centralização administrativa29. Podemos mencionar, apenas a título exemplificativo, os

seguintes aspectos contidos na norma: (i) inserção dos Estados e Municípios na estrutura do

SISNAMA; (ii) reconhecimento da competência normativa dos Estados e Municípios (artigo

6º, parágrafos 1º e 2º)30; (iii) competência dos Estados para emitir licenças ambientais, sendo

25 ANTUNES, Paulo de Bessa. Política Nacional do Meio Ambiente PNMA. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 170-171. 26 Cf. KRELL, Andreas J. A Posição dos Municípios Brasileiros no Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA). In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme (org.). Doutrinas Essenciais Direito Ambiental – Vol. III – Meio Ambiente Urbano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 1060. 27 KRELL, Andreas J. A Posição dos Municípios Brasileiros no Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA). In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme (org.). Doutrinas Essenciais Direito Ambiental – Vol. III – Meio Ambiente Urbano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 1052. 28 BUARQUE, Sérgio C. Metodologia de Planejamento do Desenvolvimento Local e Municipal Sustentável. Brasília, junho de 1999. Disponível em http://www.apodesc.org/sites/documentos_estudos/arquivos/Planej-Metodo logia%20de%20planejamento%20do%20desenvolvimento%20local%20e%20municipal%20sustentavel-Sergio%20Buarque.pdf. Acesso em 26 jun. 2011. 29 Vigorava no Brasil um regime de exceção, sob a égide da Constituição de 1969. 30 Pode parecer estranho falar no “reconhecimento de competência” em uma lei ordinária, diante da atual formatação da Constituição Federal. Como já mencionamos neste trabalho, para Machado leis

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o licenciamento pelo IBAMA meramente supletivo (artigo 10); (iv) previsão da possibilidade

de todos os entes federados criarem espaços territoriais especialmente protegidos (artigo 9º,

inciso VI); (v) inserção dos Estados e Municípios diretamente na atividade de fiscalização,

por meio da aplicação de sanções administrativas (artigo 14).

Em síntese, quando falamos em descentralização da gestão ambiental o fazemos

com base na distribuição de competências efetuadas pela Constituição Federal 1988 e pela

LPNMA. Isso possibilita o que chamamos de gestão ambiental compartilhada e, portanto, a

gestão faunística compartilhada, efetuada pela União, por Estados e por Municípios31.

3 – A Gestão da Fauna no Estado de São Paulo

Feitos tais esclarecimentos sobre o regime jurídico constitucional de proteção ao

meio ambiente, com especial atenção à descentralização da gestão ambiental promovida pela

Carta – e também pela LPNMA –, devemos delinear os traços característicos da gestão da

fauna exercida pelo Estado de São Paulo.

Como já afirmamos na introdução, a gestão faunística no Brasil sempre foi

realizada pelo IBAMA32. Embora a União – por intermédio desta autarquia – tenha

centralizado a disciplina da questão, mais recentemente esta lógica começou a ser revertida.

Isso porque o IBAMA iniciou tratativas com os Estados para que eles assumissem seu papel

constitucional. A partir deste movimento as questões relacionadas à gestão da fauna passaram

a merecer especial atenção da SMA.

infraconstitucionais “não podem repartir ou atribuir competências” (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 18ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010, p. 121), por ser matéria típica das Cartas Constitucionais. Entretanto, naquele momento histórico constitucional, este fato foi extremamente significativo, pois a LPNMA reconhece diversas prerrogativas a Estados e Municípios em uma conjuntura de extrema centralização político-administrativa no Brasil (Constituição Federal de 1969). Ademais, indiscutível que a lei foi plenamente recepcionada pela Constituição Federal de 1988, pois a lógica da repartição de competências previstas na norma respeita a lógica de repartição de competências previstas na Carta. 31 Aqui estamos falando dos traços jurídicos envolvidos na descentralização, sem analisar se de fato ela ocorreu ou não. Aliás, a gestão da fauna é o exemplo crasso de que a implementação da descentralização vem enfrentando algumas dificuldades práticas. Entretanto, para nós, a base jurídica desta descentralização já está sedimentada, faltando apenas vontade política para sua efetivação. 32 Não pretendemos discutir neste momento as possíveis razões para este fenômeno, simplesmente assumimos sua existência e deixaremos para discutir possíveis causas em trabalho futuro.

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O primeiro e mais relevante marco deste processo foi a assinatura do Acordo de

Cooperação nº 10/2008, entre o IBAMA e o Estado de São Paulo, por meio da SMA. O

ajuste, publicado no Diário Oficial da União em 24 de outubro de 2008, objetivava o

“estabelecimento de regras e condições para a cooperação técnica visando à gestão

compartilhada dos recursos faunísticos no Estado de São Paulo”33. É dizer, previu a

descentralização do modelo de gestão até então adotado, com a assunção gradativa pelo

Estado de funções antes exclusivas do IBAMA.

Notícia publicada no site da SMA no dia 15 de outubro de 2008 é bastante

ilustrativa do contexto no qual o acordo foi celebrado:

Desde sua criação, em 1989, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA foi o responsável pelo licenciamento e fiscalização da atividade de manejo da fauna silvestre no Brasil. A implantação e funcionamento de empreendimentos como zoológicos, criadouros, centros de triagem e reabilitação da fauna, por exemplo, sempre foram atribuição do órgão federal. Mas, em 15.10, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente assumiu essa responsabilidade para o Estado de São Paulo, quando o secretário Xico Graziano e o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, assinaram um acordo de cooperação que estabelece a gestão compartilhada dos recursos faunísticos do Estado entre os dois órgãos: IBAMA e SMA. Agora, o IBAMA passa a ser um parceiro do Estado de São Paulo, disponibilizando o seu conhecimento técnico, adquirido em quase 20 anos de existência, e a SMA assume as atividades de licenciamento e fiscalização. Além disso, com a parceria, os órgãos públicos passam a compartilhar os seus Sistemas de Gestão de fauna. O SISFAUNA, por parte do IBAMA, e o CADFauna por parte da SMA. Com isso, a transferência de informações e conhecimentos será enriquecida para todas as partes, inclusive à população, que poderá ter acesso a dados mais completos sobre a fauna silvestre do Estado de São Paulo e também do país. (...)34.

O acordo prevê diversas etapas para a assunção, por parte do Estado de São Paulo,

da gestão da fauna, a saber: Etapa 1 - Zoológicos e Aquários; Etapa 2 - Criadores,

mantenedores, estabelecimentos comerciais, abatedouros e frigoríficos de fauna silvestre,

centros de triagem (CETAS), centros de recuperação de animais silvestres (CRAS); Etapa 3 –

Autorização de transporte de animais silvestres; Etapa 4 – Destinação de Fauna; Etapa 5:

Manejo de fauna na natureza; Etapa 6: Criadores amadoristas de passeriformes35.

33 BRASIL. Imprensa Nacional. Diário Oficial da União – Seção 3. Brasília: Distrito Federal, 24 out. 2008, p. 114. 34 ESTADO DE SÃO PAULO. Secretaria do Meio Ambiente. SMA e IBAMA compartilham gestão dos recursos faunísticos. São Paulo: São Paulo, 15 out. 2008. Disponível em http://www.ambiente.sp.gov.br/verNoticia.php?id=203. Acesso em 26 jun. 2011. 35 Cf. ESTADO DE SÃO PAULO. Secretaria do Meio Ambiente. Relatório de Atividades 2009/2010 e Desafios para 2011. São Paulo: São Paulo, dez. 2010. Disponível em http://sigam.ambiente.sp.gov.br/sigam2/repositorio/109/documentos/dpb_2009_2010.pdf. Acesso em 01 jul. 2011.

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Não pretendemos travar neste trabalho uma discussão sobre a necessidade da

celebração de um acordo de cooperação entre a SMA e o IBAMA para conferir à primeira

prerrogativas inerentes à gestão da fauna. Para nós, a competência dos Estados decorre

diretamente da Constituição, como afirmado alhures. A nova ordem constitucional – de 1988

– significou uma ruptura do modelo anteriormente vigente no país em matéria de proteção ao

meio ambiente, tendo inserido os Estados diretamente na gestão ambiental.

Contudo, é inegável que o IBAMA seja referência nesta matéria. Não é por outra

razão que a assinatura deste acordo significa o reconhecimento por parte do IBAMA, tardio é

bem verdade, de que a gestão ambiental não é sua atribuição exclusiva. A partir daí, o ente

buscou entendimento com o Estado de São Paulo, não para delegar uma competência que é

também estadual por determinação constitucional, mas para colaborar com o exercício das

competências originárias dos entes federativos.

A continuação deste movimento, iniciado pelo Acordo de Cooperação nº 10/2008,

pôde ser visualizada na reestruturação da SMA, promovida pelo Decreto Estadual n°

54.653/2009. A norma criou dentro da estrutura da Pasta diversos órgãos voltados à atuação

na temática da fauna. É o caso do Centro de Fauna Silvestre, com seus três núcleos: o Núcleo

de Manejo de Fauna Silvestre, o Núcleo de Destinação de Fauna Silvestre e o Núcleo de

Fauna Silvestre.

Decreto Estadual nº 54.653/2009 (...) Artigo 37 - O Centro de Fauna Silvestre, por meio de seu Corpo Técnico, tem as seguintes atribuições: I - desenvolver ações para a gestão da fauna silvestre em âmbito estadual; II - coordenar e avaliar a eficácia da implantação da legislação ambiental relacionada à fauna silvestre. Artigo 38 - O Núcleo de Manejo de Fauna Silvestre tem as seguintes atribuições: I - realizar estudos e análises, emitir pareceres, desenvolver modelos e propor normas e políticas sobre: a) a conservação da fauna silvestre nativa; b) o manejo da fauna silvestre invasora e de espécies-problema; II - propor, coordenar, executar e/ou acompanhar projetos de manejo da fauna silvestre invasora e de espécies-problema. Artigo 39 - O Núcleo de Destinação de Fauna Silvestre tem as seguintes atribuições: I - analisar a viabilidade de implantação e funcionamento de centros de reabilitação e de centros de triagem de animais silvestres, bem como de soltura destes animais, inclusive para os fins de expedição das respectivas autorizações; II - realizar estudos, desenvolver modelos e propor normas voltadas à destinação de animais silvestres. Artigo 40 - O Núcleo de Fauna Silvestre em Cativeiro tem as seguintes atribuições: I - analisar, inclusive para os fins de expedição das respectivas autorizações: a) o uso ou manejo da fauna silvestre em cativeiro;

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b) o transporte, o beneficiamento e a comercialização dos produtos e sub-produtos da fauna silvestre; II - realizar estudos, desenvolver modelos e propor normas voltadas à gestão da fauna silvestre em cativeiro. (...)

Ademais, a SMA editou a Resolução nº 25/2010, “que estabelece os critérios da

gestão de fauna silvestre, no âmbito da Secretaria do Meio Ambiente”36, disciplinando, dentre

outros instrumentos, as autorizações destinadas ao uso e manejo da fauna silvestre, de seus

produtos e subprodutos no Estado de São Paulo.

É preciso apontar, por fim, a partir dos elementos trazidos nesta exposição, que a

administração ambiental no Estado de São Paulo, no seu viés ligado à fauna, discrepou da

tendência identificada na legislação ambiental de cunho nacional. Enquanto a LPNMA –

marco no processo de descentralização da gestão ambiental – é datada de 1981, a gestão

faunística no Estado de São Paulo iniciou-se apenas em 2008 – mais de 25 anos depois.

Diante de todos os elementos anteriormente abordados, esperamos ter descrito, ao

menos em linhas gerais, o estado atual da gestão faunística no Estado de São Paulo, dando

especial atenção à sua base normativa. Para o prosseguimento, cumpre analisar com mais

minúcia os aspectos ligados ao SISNAMA, mencionado brevemente nos capítulos anteriores,

porquanto o IBAMA integra a sua estrutura. De tal sorte, a compreensão do verdadeiro papel

da autarquia passa pela análise das suas atribuições dentro deste sistema.

4 - Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA: Conceito e Estrutura

Devemos começar este capítulo com duas indagações, balizadoras da exposição

deste item: o que é o SISNAMA e qual a importância de definir o SISNAMA para a presente

tese?

Comecemos pela segunda, por ser a resposta aparentemente mais simples. O

IBAMA, parte do nosso objeto de pesquisa, integra o SISNAMA e, portanto, sua

conceituação é fundamental.

36 ESTADO DE SÃO PAULO. Resolução da Secretaria do Meio Ambiente nº 25, de 30 de março de 2010. Diário Oficial do Estado, São Paulo, SP, 16 abr. 2010. Disponível em http://www.ambiente.sp.gov.br/legislacao/estadual/resolucoes/2010_res_est_sma_25_republicada.pdf. Acesso em: 26 jun. 2011.

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Esta assertiva, embora seja verdadeira, não é suficiente para esclarecer o exato

sentido da nossa indagação. Quando questionamos a relevância do SISNAMA, o fazemos

com o intuito principal de delimitar nossa análise. Ao inquirirmos no início deste trabalho se o

IBAMA detém competência normativa, o fizemos sob a óptica do SISNAMA. Assim, nosso

trabalho pretende investigar, ainda que de forma incipiente, se a LPNMA, ao estruturar um

sistema de proteção ambiental37, conferiu ao IBAMA atribuições normativas, tal como fez

com o Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA38.

Por certo, a análise sobre o exercício de funções normativas pelo IBAMA tem

diversos desdobramentos, em especial no tocante à compatibilidade desta prerrogativa com a

atual ordem constitucional39. Todavia, dado o limite deste trabalho, nosso exame ficará

restrito à “lente” da LPNMA e, consequentemente, do SISNAMA.

Com estas explanações, passamos à segunda questão trazida no início deste

tópico: o que é o SISNAMA?

Como já afirmamos anteriormente, a matriz do SISNAMA está na LPNMA,

responsável por estruturá-lo. Segundo Milaré, o SISNAMA significa a

(...) articulação dos órgãos ambientais existentes e atuantes em todas as esferas da Administração Pública. Recorrendo a uma analogia compatível com a linguagem ambiental, poder-se-ia dizer que o SISNAMA é uma ramificação capilar que, partindo do sistema nervoso da União, passa pelos feixes nervosos do Estado e atinge as periferias mais remotas do organismo político-administrativo brasileiro, através dos Municípios.40

Analogias não faltam para conceituar o SISNAMA. De acordo com Granziera,

para compreender o sistema, forçoso imaginar diversos discos, com formatações distintas e

representativos das instituições, girando no mesmo eixo41. “Todavia, por mais diferentes que

sejam as instituições, o eixo comum assegura que, no exercício de suas funções, essas

37 Como afirmado no capítulo anterior, a LPNMA, além de ter criado o SISNAMA, trouxe toda sua base normativa. 38 Desenvolveremos melhor esta ideia ao longo do trabalho. Para o momento, basta saber que a LPNMA conferiu ao CONAMA a condição de órgão deliberativo dentro da estrutura do SISNAMA, prevendo expressamente ao órgão competência normativa. Por certo, esta atuação do CONAMA, para nós, deve se pautar em dispositivos legais, ainda que sejam previsões amplas e genéricas. Como afirma Figueiredo, “as resoluções do CONAMA destinam-se a efetivar a legislação vigente” (FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin. Curso de Direito Ambiental. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 168). 39 Discussão semelhante se dá quanto ao CONAMA. 40 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 309. 41 Cf. GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito Ambiental. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 104-105.

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instituições não deixem de considerar as demais, que compõem o mesmo conjunto ou o

mesmo sistema”42.

Sem prejuízo destas analogias, que auxiliam na compreensão do SISNAMA, não

podemos deixar de apresentar uma definição mais técnica desta estrutura. Primeiramente, o

uso do vocábulo sistema pela lei não é despiciendo. Não pretendemos travar aqui uma longa

discussão sobre “sistemas”, cuja significação na teoria geral do direito suscita a mais variada

gama de estudos e pesquisas. Assim, adotamos conceito didático e de fácil compreensão, mas

que muito bem exprime a ideia central por trás do SISNAMA. Segundo Sodré:

Sistema é um termo dos mais complexos nas diversas áreas da ciência. Como este não é o tema do trabalho, vamos adotar uma definição de sistema a partir da idéia do exercício de políticas públicas (sem maiores discussões teóricas): sistema é um conjunto de instituições políticas ou sociais, estruturado de forma organizada, no qual as diversas partes se relacionam entre si, a partir de princípios ou idéias comuns, encaradas quer do ponto de vista teórico, quer do de sua aplicação prática, visando um resultado. O conceito de sistema, por este ângulo, pode ser decomposto nos seguintes elementos: (a) conjunto de instituições políticas ou sociais; (b) a partir de princípios ou idéias comuns (do ponto de vista teórico ou de sua aplicação prática); (c) visando um resultado; e (d) estruturado de forma organizada, no qual as partes se relacionam entre si. Se algum destes elementos faltar, a idéia mesmo de sistema restará comprometida43.

Na delimitação do SISNAMA pela LPNMA é possível identificar todas estas

características. Temos um conjunto de instituições políticas, representativas de todos os entes

federados – União, Estados e Municípios. Esta integração funda-se em princípios e ideias

comuns, previstos na LPNMA, e ela é pautada na concepção de que o meio ambiente

encontra-se em posição de fragilidade e de risco de degradação. O sistema, por esta razão,

visa a um resultado fundamental: a proteção e a melhoria da qualidade ambiental. Por fim, as

partes do SISNAMA estão organizadas de modo a permitir a relação entre todas elas44.

Quanto à última característica, sua maior expressão está na distribuição das

competências em matéria ambiental, previstas na LPNMA. Os Estados podem editar normas

supletivas e complementares, além de padrões relacionados com o meio ambiente, observados

42 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito Ambiental. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 105. 43 SODRÉ, Marcelo Gomes. Conflitos de Competência entre as Esferas Federal, Estadual e Municipal no Sistema Nacional de Meio Ambiente: Uma visão geral. In: SANTOS, Manoel J. Pereira dos; JABUR, Wilson Pinheiro (coord.). Contratos de Propriedade Industrial e Novas Tecnologias. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 396. 44 Cf. SODRÉ, Marcelo Gomes. Conflitos de Competência entre as Esferas Federal, Estadual e Municipal no Sistema Nacional de Meio Ambiente: Uma visão geral. In: SANTOS, Manoel J. Pereira dos; JABUR, Wilson Pinheiro (coord.). Contratos de Propriedade Industrial e Novas Tecnologias. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 399.

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aqueles estabelecidos pelo CONAMA45. Os Municípios, por sua vez, também podem

elaborar normas supletivas e complementares, desde que observem as normas e os padrões

federais e estaduais. Embora o tema da distribuição de competências em matéria ambiental

seja intricado e com diversos problemas práticos ligados à sua implementação – sobre os

quais não avançaremos, considerado o objeto deste trabalho –, a LPNMA segue

aproximadamente a mesma lógica da Constituição Federal, motivo pelo qual advogamos a

tese da recepção da lei neste particular46.

Reconhecemos, ainda, que a existência deste sistema não encontra referência

expressa na Constituição Federal47. Entretanto, a ausência desta disposição não compromete o

conceito idealizado pelo legislador infraconstitucional. Para Sodré, é “necessário construir a

idéia de sistema a partir dos princípios gerais dispostos na própria Constituição”48.

Marcondes vai além, ao defender que o eventual afastamento desta função

sistêmica representa violação às regras constitucionais:

Não raro a interpretação literal ou meramente jurídica de determinado dispositivo, decolada do motivo da restrição ao uso ou da importância ecológica da área especialmente protegida, torna a proteção inócua e, portanto violadora do núcleo do sistema de proteção ao meio ambiente introduzido pelo art. 225 da CF49. (grifo nosso)

E continua o autor:

(...) deve-se atentar, ainda com mais cuidado em se tratando de normas ambientais, para os reais motivos da edição da norma evitando que por análise superficial determinado entendimento seja tecnicamente “perfeito” se, pela inobservância do real objetivo sistêmico de determinada restrição.

45 Embora a LPNMA não mencione expressamente, inegável que os Estados e Municípios deverão respeitar as leis gerais de cunho nacional editadas pela União. 46 No mesmo sentido, defendendo a recepção da LPNMA pela Constituição Federal de 1988: FELDMANN, Fábio José; CAMINO, Maria Ester Mena Barreto. O direito ambiental: da teoria à prática. In: Revista Forense. Rio de Janeiro: vol. 317, p. 89-113, janeiro/março, 1992, p. 107. 47 A Constituição do Estado de São Paulo, ao contrário, usa expressamente o termo sistema: “Artigo 193 - O Estado, mediante lei, criará um sistema de administração da qualidade ambiental, proteção, controle e desenvolvimento do meio ambiente e uso adequado dos recursos naturais, para organizar, coordenar e integrar as ações de órgãos e entidades da administração pública direta e indireta, assegurada a participação da coletividade (...)” 48 SODRÉ, Marcelo Gomes. Conflitos de Competência entre as Esferas Federal, Estadual e Municipal no Sistema Nacional de Meio Ambiente: Uma visão geral. In: SANTOS, Manoel J. Pereira dos; JABUR, Wilson Pinheiro (coord.). Contratos de Propriedade Industrial e Novas Tecnologias. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 399. 49 RAMOS, Alessander Marcondes França. A Visão Sistêmica e o Poder Regulamentar do CONAMA. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme (org.). Doutrinas Essenciais Direito Ambiental – Vol. IV – Tutela do Meio Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 26.

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Nesta situação, a inobservância da função sistêmica torna letra morta a proteção ao meio ambiente tanto para as presentes como para as futuras gerações, o que viola determinação constitucional50.

As normas ambientais não podem ser entendidas de forma isolada, fora do

contexto em que foram editadas. Ademais, a visão sistêmica ultrapassa as barreiras do direito,

sendo pressuposto também da preservação das funções ecológicas existentes em um

ecossistema – que supõe a constante relação entre os organismos, de forma dinâmica, e não

estática. Daí a conceituação de ecossistema: “conjunto de relacionamentos mútuos entre

determinado meio ambiente e a flora, a fauna e os microorganismos que nele habitam, e que

incluem fatores de equilíbrio geológico, atmosférico, metereológico (sic) e biológico”51. Mas

estas são questões para outro trabalho. Para o momento, basta ter a imagem de um sistema

bem delineada.

Diante disto, precisamos buscar na lei a estrutura básica deste sistema, o

SISNAMA. A LPNMA prevê seis diferentes unidades organizacionais (artigo 6º): (i) órgão

superior: Conselho de Governo; (ii) órgão consultivo e deliberativo: CONAMA; (iii) órgão

central: Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da República; (iv) órgão executor:

IBAMA; (v) órgãos seccionais: órgãos ou entidades estaduais responsáveis pela execução de

programas, projetos e pelo controle e fiscalização de atividades capazes de provocar a

degradação ambiental; (vi) órgãos locais: órgãos ou entidades municipais, responsáveis pelo

controle e fiscalização dessas atividades, nas suas respectivas jurisdições.

Interessa-nos, aqui, focar o exame em três aspectos, fundamentais para as

conclusões do trabalho.

O primeiro. A LPNMA atribuiu ao CONAMA expressamente a condição de

órgão deliberativo (artigo 6º, inciso II). Esta previsão não é sem motivo. O artigo 8º da lei

conferiu ao Conselho a competência de “estabelecer, mediante proposta do IBAMA, normas

e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras” (inciso

I); “estabelecer, privativamente, normas e padrões nacionais de controle da poluição por

veículos automotores, aeronaves e embarcações” (inciso VI) e “estabelecer normas, critérios

50 RAMOS, Alessander Marcondes França. A Visão Sistêmica e o Poder Regulamentar do CONAMA. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme (org.). Doutrinas Essenciais Direito Ambiental – Vol. IV – Tutela do Meio AMbinte. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 27. 51 BARROSO, Luis Roberto. A Proteção do Meio Ambiente na Constituição Brasileira. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme (org.). Doutrinas Essenciais Direito Ambiental – Vol. I – Fundamentos do Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 1024.

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e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao

uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos” (inciso VII).

O segundo. Ao IBAMA, a quem a LPNMA previu a qualificação de órgão

executor, cabe “executar e fazer executar, como órgão federal, a política e diretrizes

governamentais fixadas para o meio ambiente” (artigo 6°, inciso IV). Cabe, ainda, ao IBAMA

efetuar o licenciamento ambiental em caráter supletivo (artigo 10), além de propor – e não

editar – ao CONAMA normas e padrões para implantação, acompanhamento e fiscalização do

licenciamento (artigo 11).

Por fim, o terceiro. A LPNMA, que qualificou os entes estaduais como órgãos

seccionais do SISNAMA, atribuiu a eles a responsabilidade de executar programas e projetos,

além do dever de efetivar o controle e a fiscalização de atividades capazes de provocar a

degradação ambiental (artigo 6º, inciso V). Conquanto a norma não tenha rotulado os entes

estaduais como órgãos executores do SISNAMA, atribui-lhes funções típicas de execução. A

LPNMA, porém, não se limitou a isto. No artigo 6º, parágrafo 1º, reconheceu – como não

poderia deixar de ser em razão do texto constitucional – a competência dos Estados para

“elaboração de normas supletivas e complementares e padrões relacionados com o meio

ambiente, observados os que forem estabelecidos pelo CONAMA”.

Disto podemos deduzir que o IBAMA, dentro da estrutura do SISNAMA, criado

pela LPNMA, detém clara e inequivocamente competência executória e não competência

normativa, semelhante àquela conferida ao CONAMA. Quando a lei desejou que um órgão

tivesse competência normativa o fez expressamente, tal como o fez com os Estados e com o

Conselho.

Ademais, nem quanto ao licenciamento, uma das atividades típicas do IBAMA, a

LPNMA estabeleceu a possibilidade da edição de normas por parte do ente federal. Ao

contrário, atribuiu ao IBAMA a competência de propor normas sobre licenciamento ao

CONAMA, como aludido anteriormente. É dizer, se na estrutura prevista pela lei competisse

ao IBAMA o estabelecimento de normas, não haveria a prerrogativa de apresentação de

proposta ao Conselho, e sim a competência direta para edição.

Por tudo o que dissemos até o momento, a partir da compreensão da questão

colocada inicialmente sob a óptica de um sistema nacional do meio ambiente, para nós, o

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IBAMA não detém nenhuma atribuição normativa dentro da estrutura do SISNAMA,

mas sim meramente executória.

Embora tenhamos chegado a estas conclusões, grande parte dos autores de Direito

Ambiental não adentram na definição destas atividades executórias. Talvez por ser a LPNMA

autoexplicativa, eles se limitem, quando muito, a reproduzir os conceitos cunhados por ela52.

Não discordamos destes autores, porque o vocábulo executor para nós é inequívoco. Se um

ente é executor, significa dizer que ele deve cumprir ou efetivar algo. No caso da LPNMA

deve cumprir a política e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente, além de

outras atividades previstas pela norma (licenciamento, v.g.).

Fugindo um pouco da linha comum preconizada por estes doutrinadores, Milaré

chega a reconhecer em seu trabalho que o IBAMA detém competência normativa em algumas

questões, porém, não fundamenta sua assertiva53. Já Antunes reconhece “a falta de uma

definição clara quanto às tarefas a serem desenvolvidas pelo Instituto, pois existe

evidentemente uma superafetação de atribuições”54.

Machado também não avança muito na discussão sobre o significado do IBAMA

enquanto órgão executor. Entretanto, vai um pouco além dos demais autores, quando analisa a

instituição de licenças pelo IBAMA para atividade petrolífera e afirma:

(...) o IBAMA pode declarar os tipos ou modalidades de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais que precisarão de licenças ou de autorizações para construção, instalação, ampliação e funcionamento. Dessa forma, o IBAMA não estaria criando a licença ou a autorização, mas aplicando concretamente o art. 10, que, de outro modo, ficaria inaplicável tanto pelo IBAMA como pelos órgãos estaduais de meio ambiente. Contudo, o IBAMA não tem competência para criar as normas de licenciamento, pois tal competência foi expressamente concedida pela lei mencionada – Lei 6.938/81 – ao CONAMA –Conselho Nacional do Meio Ambiente (art. 8º, I - estabelecer, mediante proposta do IBAMA, normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, a ser concedido pelos Estados e supervisionado pelo IBAMA)55. (grifo nosso)

52 Neste sentido: GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito Ambiental. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 112-113; SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 195; BELTRÃO, Antônio F. G. Curso de Direito Ambiental. São Paulo: Método, 2009, p. 96; FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin. Curso de Direito Ambiental. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 171. 53 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 307. 54 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 12ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 126. 55 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 18ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010, p. 179.

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Para nós resta evidenciado que os autores na sua maioria nunca se preocuparam

em fundamentar eventual competência normativa do IBAMA – quando a reconheceram – ou

simplesmente se limitaram a reproduzir a lei, sem nenhuma apreciação crítica.

Por fim, reconhecemos que a resposta esboçada neste capítulo não pode ser

definitiva, enquanto não examinarmos o regime jurídico do IBAMA e todas as peculiaridades

ligadas à sua criação e estruturação. Isso porque, embora para nós inexista fundamento direto

na LPNMA para eventual função normativa do IBAMA, outras normas podem ter atribuído

tal competência ao ente.

5 – O IBAMA e seu Papel na Gestão da Fauna.

Embora a LPNMA seja nosso ponto de partida para a análise proposta neste

trabalho, não podemos nos afastar das demais normas que delineiam o regime jurídico do

IBAMA.

Antes, porém, de avançar no exame da legislação específica da autarquia, cumpre

advertir que a criação do Instituto está diretamente vinculada à evolução da LPNMA. A

primeira versão da LPMNA remonta a 1981. O IBAMA foi criado pela Lei Federal n° 7.735,

de 22 de fevereiro de 1989. Em 18 de julho do mesmo ano o IBAMA foi inserido na estrutura

do SISNAMA, por meio da Lei Federal nº 7.804/1989, que alterou a LPNMA.

Segundo Machado, o IBAMA, autarquia federal, é resultado da fusão de quatro

outros entes, a Secretaria Especial do Meio Ambiente, o Instituto Brasileiro de

Desenvolvimento Florestal, a Superintendência do Desenvolvimento Florestal e a

Superintendência da Borracha56.

Além daquelas atribuições previstas na LPNMA, cabe ao IBAMA, nos termos do

artigo 2º da Lei Federal nº 7.735/1989, (i) exercer o poder de polícia ambiental, (ii) executar

ações das políticas nacionais de meio ambiente, referentes às atribuições federais, relativas ao

licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos

56 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 18ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010, p. 177.

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recursos naturais e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental, observadas as

diretrizes emanadas do Ministério do Meio Ambiente; e (iii) executar as ações supletivas de

competência da União, de conformidade com a legislação ambiental vigente.

Em síntese, nem mesmo a legislação específica do IBAMA traz uma solução à

problemática enfrentada no trabalho. Além do exercício do poder de polícia, que não nos

interessa diante do objeto desta tese, a lei, ao definir as atribuições da autarquia, se vale

novamente do verbo “executar”. Em nenhum momento faz menção à possibilidade de edição

de normas, tal como a LPNMA fez com o CONAMA.

Entretanto, diante deste quadro normativo, um fato é ainda minimamente

intrigante. O site do IBAMA57, ao abordar as atribuições da autarquia, dispõe: “Cabe ao

Ibama propor e editar normas e padrões de qualidade ambiental; o zoneamento e a

avaliação de impactos ambientais”. Em verdade, não há no texto nenhuma fundamentação

para tal competência, simplesmente presume-se sua existência. Então, indagamos: teria

alguma base normativa para esta assertiva?

A resposta para esta questão está no Decreto Federal nº 6.099/2007, que aprova a

Estrutura Regimental do IBAMA. Apesar de reproduzir no artigo 1º a redação da lei que

institui a autarquia, o artigo 2º vai além, ao dispor:

Art. 2º. No cumprimento de suas finalidades e ressalvadas as competências das demais entidades que integram o Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, cabe ao IBAMA, de acordo com as diretrizes fixadas pelo Ministério do Meio Ambiente, desenvolver as seguintes ações federais:

I - proposição e edição de normas e padrões de qualidade ambiental;

(...).

Aqui é importante efetuar uma explanação. O Decreto Federal reproduz neste

dispositivo as atribuições conferidas ao CONAMA pela LPNMA, porém, estendendo-as ao

IBAMA. Por certo, o Decreto – norma infralegal - deturpa a lógica da repartição de

competências efetuada pela LPNMA. Como afirmamos alhures, a LPNMA claramente

conferiu ao IBAMA a condição de órgão executor, distinguindo-o do órgão normativo do

sistema: o CONAMA. Ademais, quando quis conferir esta prerrogativa a outros órgãos do

sistema, o fez expressamente, como no caso dos Estados e Municípios.

57 http://www.ibama.gov.br/institucional/quem-somos. Acesso em 07 jul. 2011

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Esta é a lógica do sistema criado pela lei. O IBAMA foi concebido com uma

finalidade determinada dentro desta composição e sua lei de criação seguiu este sentido. Pode,

agora, um decreto ir além e criar nova função ao Instituto?

Brevemente, cumpre tecer algumas linhas sobre esta questão. Não pretendemos

trazer uma resposta definitiva, mas mostrar ao leitor nosso julgamento sobre o Decreto

mencionado.

A Constituição Federal, no artigo 84, estabelece as competências privativas do

Presidente da República, dentre as quais está a de “sancionar, promulgar e fazer publicar as

leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução” (inciso IV). Este

dispositivo fundamenta poder clássico da Administração Pública, qual seja, o poder

regulamentar. Trata-se da prerrogativa conferida ao Poder Executivo, aqui na figura do

Presidente da República, de editar atos com carga normativa objetivando fazer cumprir as

disposições legais pré-existentes.

É, portanto, mecanismo que reflete a separação dos poderes nos moldes como

concebida pelo legislador constitucional originário. Atribui-se ao Legislativo a típica

atividade de legislar, porém, não há completo esvaziamento desta prerrogativa em relação a

outros poderes constituídos, como se configura neste caso. É a expressão maior daquilo que se

denomina sistema de freios e contrapesos, no qual parcela da capacidade normativa é

atribuída ao Chefe do Executivo.

Trata-se, assim e nos dizeres de Mello, de espécies de:

“regras orgânicas e processuais destinadas a pôr em execução os princípios institucionais estabelecidos por lei, ou para desenvolver os preceitos constantes da lei, expressos ou implícitos, dentro da órbita por ela circunscrita, isto é, as diretrizes, em pormenor, por ela determinadas”58.

Pelo que, do ponto de vista prático, a Administração deve tão somente

complementar, viabilizando a aplicação da lei geral e abstrata que fundamenta o decreto.

Não pode, a pretexto de regulamentar, criar ou alterar o texto e o sentido da lei. Foi com esta

preocupação que a Constituição Federal já previu a prerrogativa de o Congresso Nacional

sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar (artigo

20, inciso IX).

58 Mello, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1969, vol. I, p. 314.

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Isto tudo porque o poder regulamentar, do modo como foi idealizado no modelo

político-institucional atual, é subjacente à lei, pressupõe sua existência e dela não pode se

afastar. Os decretos devem sempre ser editados secundum legem, jamais contra legem ou

extra legem. Trata-se de decorrência lógica de um dos postulados clássicos do Estado de

Direito, previsto na Constituição Federal no artigo 5º, inciso II: “ninguém será obrigado a

fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Disto tudo decorre regra essencial, traduzida nas palavras de Mello:

(...) vige, na esfera do Direito Público, um Cânone basilar – oposto ao da autonomia da vontade – segundo o qual: o que, por lei, não está antecipadamente permitido à Administração está, ipso facto, proibido, de tal sorte que a Administração, para agir, depende integralmente de uma anterior previsão legal que lhe faculte ou imponha o dever de atuar59.

Mesmo aqueles que advogam a tese da existência do regulamento autônomo no

ordenamento jurídico brasileiro, o fazem no caso específico do artigo 84, inciso VI da

Constituição Federal, que atribui ao Presidente da República a prerrogativa de dispor,

mediante decreto, sobre a “organização e funcionamento da administração federal, quando

não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos” (artigo 84,

inciso VI, alínea “a”). Claramente o artigo 2º, inciso I do Decreto Federal nº 6.099/2007 não

encontra amparo no dispositivo constitucional mencionado.

Daí que, para nós, o Decreto Federal nº 6.099/2007, ao prever esta competência

normativa ao IBAMA, contraria a lógica do SISNAMA e extrapola os limites do poder

regulamentar. Utilizando as palavras de Mello, supramencionadas, se a lei não permitiu ao

IBAMA editar normas, está função está vedada ao ente60.

Não pretendemos com isto negar a competência do IBAMA para editar instruções

normativas nas matérias de sua alçada. Todavia, estes atos devem ficar restritos à

regulamentação da atuação e das atribuições da entidade, viabilizando o cumprimento de

comandos previstos na lei e em outras normas vinculadoras da sua atuação – como são as

Resoluções do CONAMA. O que não se pode admitir é o exercício de poder normativo nos

mesmos moldes do CONAMA.

59 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 16ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 314. 60 Para os fins e limites deste trabalho optamos pela doutrina clássica de direito administrativo na delimitação do poder regulamentar. Entretanto, reconhecemos que existem diversas acepções para este poder típico da Administração, em especial quanto aos seus limites.

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5.1 – IBAMA e a Disciplina das Questões Faunísticas: Uma Prática Consolidada?

Legal ou ilegal, o fenômeno da edição de normas pelo IBAMA existe e não é

insignificativo. O IBAMA, irrefutavelmente, estabeleceu normas, critérios e padrões relativos

ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente ao longo dos anos, em especial

sobre fauna.

Como exemplo, podemos mencionar a Instrução Normativa – IN – nº 169/2008. A

norma instituiu três espécies de autorizações para empreendimentos utilizadores de recursos

faunísticos: autorização prévia (AP), autorização de instalação (AI) e autorização de manejo

(AM). Interessante ressaltar que a única fundamentação constante do preâmbulo da IN é o

Decreto Federal nº 6.099/2007, justamente no dispositivo que atribuiu a competência

normativa à autarquia.

No mesmo sentido caminha a Instrução Normativa nº 146/2007, que estabelece

“os critérios para procedimentos relativos ao manejo de fauna silvestre (levantamento,

monitoramento, salvamento, resgate e destinação) em áreas de influência de empreendimentos

e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de impactos à fauna sujeitas

ao licenciamento ambiental” (artigo 1º). O fundamento neste caso são normas genéricas, que

definitivamente não atribuem competência normativa ao IBAMA61. No caso da IN nº

169/2008, a autarquia buscou fundamento no dispositivo do Decreto Federal nº 6.099/2007

que atribui competência normativa ao IBAMA. Já na Instrução Normativa nº 146/2007, sob o

falso pretexto de executar as demais normas protetivas do meio ambiente, acaba por definir

padrões e regras para o licenciamento – o que a teor do artigo 8º, inciso I, da LPNMA seria

competência do CONAMA.

Por derradeiro, cumpre trazer à baila a Instrução Normativa nº 02/2001, que

determinou “a identificação individual de espécimes da fauna silvestre e de espécimes da

fauna exótica mantidos em cativeiro nas seguintes categorias de registro junto ao IBAMA:

Jardim Zoológico, Criadouro Comercial de Fauna Silvestre e Exótica, Criadouro

Conservacionista, Criadouro Científico e Mantenedouro de Fauna Exótica” (artigo 1º). 61 Como, por exemplo, o art. 1º da Lei 5197/67 e o artigo 225, parágrafo 1º, inciso VII, além de diversos dispositivos de Resoluções do CONAMA.

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Estes são só alguns exemplos da atuação normativa do IBAMA e seus

complicadores para o Estado. Diversas outras normas infralegais de autoria do Instituto

podem ser encontradas no site da entidade62. Independentemente de qualquer juízo crítico,

trata-se de prática consolidada no âmbito do IBAMA. Por certo, não vamos aqui questionar as

possíveis causas deste fenômeno, entretanto sua existência e os problemas daí advindos são

inegáveis63.

Estas normas suscitam inúmeras dúvidas no intérprete, sobretudo diante da

questão trazida inicialmente neste trabalho. Ao assumir a gestão da fauna, os Estado podem

estabelecer normas e padrões diferentes daqueles trazidos pelo IBAMA? Poderia o Estado,

por exemplo, prever critérios distintos de identificação da fauna? Ou ainda, poderia o Estado

estabelecer outras espécies de autorizações para manejo de fauna?

É diante desta ordem de dúvidas que a problemática da assunção de encargos pelo

Estado de São Paulo com o Termo de Cooperação Técnica nº 10/2008 se coloca. Isto só

reforça a preocupação deste trabalho em delimitar o papel do IBAMA quanto à disciplina das

questões inerentes à gestão da fauna. Não podemos passar ao largo destes dilemas,

simplesmente ignorando-os, por imaginar que a atuação do IBAMA é legítima, embora sem

nenhuma preocupação em justificá-la, como faz grande parte da doutrina. Se este fenômeno

existe, ou bem está correto e deve ser mantido, ou é completamente equivocado, ensejando a

rediscussão do modelo adotado pelo IBAMA ou a reestruturação do SISNAMA, para prever

caráter deliberativo e normativo ao IBAMA.

Por todas as razões trazidas no desenvolvimento desta tese, ficamos com a

segunda alternativa – o exercício de competências normativas pelo IBAMA contraria a lógica

do SISNAMA, prevista na LPNMA. E, a partir desta concepção, procuramos enfrentar os

entraves identificados pelo Estado de São Paulo – eventualmente também por outros Estados

da Federação – na gestão da fauna. Para nós, portanto, os Estados podem estabelecer normas e

padrões diferentes daqueles previstos pelo IBAMA.

Reconhecemos, todavia, a partir da análise sistêmica das normas protetivas do

meio ambiente e da própria estrutura do SISNAMA, ser desejável um tratamento uniforme em

relação às regras sobre a gestão da fauna entre todos os integrantes do SISNAMA. Assim 62 Cf. http://www.ibama.gov.br/fauna-silvestre/legislacao/. Acesso em 28 jun. 2011. 63 As causas podem ser variadas, como por exemplo, a falta de atuação do CONAMA em matéria de fauna ou a existência de poucas leis sobre a temática (haveria diversas lacunas, supridas pelas normas do IBAMA).

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acontece também com outros temas do direito ambiental, como o licenciamento, as sanções

administrativas, dentre outros. Esta decisão, no entanto, deve ficar a cargo dos entes

detentores de competência para tanto, e não daqueles sem nenhuma atribuição neste sentido.

O simples fato de uma norma ser federal não significa que seja geral e, portanto, vinculativa

dentro do SISNAMA.

6 – Conclusão

1. A conclusão central desta tese, da qual todas as demais decorrerão, consiste

na demonstração da hipótese proposta na introdução: não existe competência normativa ao

IBAMA – nos moldes atribuídos ao CONAMA – dentro da estrutura do SISNAMA. As

razões para este apontamento podem ser resumidas da seguinte maneira:

1.1. Cuida-se de autarquia federal, integrante do SISNAMA na qualidade de

órgão executor – não de órgão normativo e deliberativo –, com a finalidade de executar a

política e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente. Certo, portanto, não se

tratar de órgão com poder normativo dentro do sistema, capaz de impor normas aos demais

membros. Esta competência normativa ficou reservada ao CONAMA.

1.2. O Decreto Federal nº 6.099/2007, que previu competência normativa ao

IBAMA, contraria a lógica do SISNAMA estabelecida por uma lei, extrapolando os limites

do poder regulamentar. É, portanto, ilegal e não se presta a fundamentar eventual atividade

normativa da autarquia.

2. Os Estados não devem seguir as normas do IBAMA ao exercerem suas

prerrogativas normativas em matéria de fauna. Se há um acordo de cooperação pretendendo

iniciar o Estado na gestão dos recursos faunísticos, inegável que ao Estado caberá

regulamentar o exercício desta competência, respeitada a legislação nacional – de cunho geral

– e demais normas estaduais pertinentes. Eis as razões para nossa posição:

2.1. O IBAMA é mero órgão executor. À vista disto, as normas estabelecidas

por um órgão executor somente são passíveis de serem aplicadas dentro da sua esfera de

atuação. Não pode um ente com tal competência dentro do SISNAMA estabelecer de forma

vinculativa regras a serem aplicadas por outros integrantes do sistema. As Instruções

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Normativas e Portarias desta autarquia não podem ser consideradas normas gerais, tal como

aquelas editas pela União – por força do artigo 24, parágrafo 1º, da Constituição Federal – e

pelo CONAMA – por força do artigo 6º, parágrafos 1º e 2º, da LPNMA c/c artigo 24,

parágrafo 1º, da Constituição Federal. As normas do IBAMA, deste modo, devem ficar

restritas à sua própria atuação, não vinculando outros entes do SISNAMA.

2.2. A própria LPNMA, ao reconhecer a competência normativa dos

Estados, determina a observância das normas estabelecidas pelo CONAMA – órgão

normativo e deliberativo –, mas nada menciona sobre a necessidade de observância das

normas estabelecidas pela IBAMA – órgão executor.

2.3. Dentro da estrutura do SISNAMA os Estados, além das competências

normativas, também possuem competências de execução, tal qual o IBAMA. Ocupam, assim,

posições semelhantes dentro do sistema. Não haveria sentido que normas editadas por órgão

exclusivamente executor – IBAMA – vinculassem outro órgão executor, sobretudo quando se

tratar de autarquia federal de um lado e órgão da administração direta estadual de outro.