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História de Vida e Referencial de Competências - Chave - Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências 1 INTRODUÇÃO

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Tese sobre a educação e formação de adultos

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

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INTRODUÇÃO

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

2

A presente investigação prende-se com a mais recente estrutura de Educação e

Formação de Adultos, o Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

(RVCC) e tem como principal objectivo determinar se existirá nestes anos mais

recentes, que correspondem a uma nova fase dos processos RVCC, uma tensão entre os

dispositivos metodológicos que utilizam e que se inscrevem em duas lógicas diferentes,

uma de natureza informal, a História de Vida do adulto que procura o processo RVCC,

a outra de natureza formal, o Balanço de Competências a serem reconhecidas, validadas

e certificadas. A História de Vida conduz ao Balanço de Competências, e a articulação

de ambos produz o Portefólio Reflexivo de Aprendizagens (PRA), processo

aparentemente fácil mas que pressupõe da parte do adulto uma capacidade real de

reflectir sobre as aprendizagens efectuadas ao longo da vida em contextos formais, não

formais e informais. O Balanço de Competências faz-se remetendo para um Referencial

de Competências-Chave, de nível básico ou secundário, cujo défice implica um

processo de formação dos adultos que assume na prática a forma escolar. A tensão

mencionada, a existir, será precisamente produzida pela tentativa de formalização do

informal, o qual é princípio orientador fundamental do campo da Educação e Formação

de Adultos, pois como reconhece Canário as modalidades educativas não formais e

informais constituiriam ―a matriz fundamental dos processos de aprendizagem‖ (2000:

82).

O tema escolhido prende-se com o facto de ter entrado em contacto com esta realidade

no 4º ano da Licenciatura em Ciências da Educação. O meu estágio decorreu no Centro

de Novas Oportunidades (CNO) da Cruz Vermelha de Vila Nova de Gaia, tendo na

ocasião estudado as razões do abandono dos adultos em processo RVCC. As conclusões

do relatório de estágio indicam como razões de abandono constrangimentos de ordem

diversa, desde a complexidade do Referencial de Competências-Chave até à inibição em

falar da História de Vida, passando pela falta de apoio por parte dos profissionais

(referida pelos adultos) ou pela pressão de metas quantitativas a atingir (referida pela

equipa técnico pedagógica).

No decurso daquele estudo, verifiquei existirem adultos que abandonavam o processo,

regressavam, para de novo o abandonarem. Este abandono recorrente despertou-me a

curiosidade e levou-me a interrogar se as razões subjacentes não residiriam

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precisamente na própria natureza do processo RVCC e na hipotética contradição entre

dispositivos metodológicos, nomeadamente as Histórias de Vida e o Referencial de

Competências-Chave.

A presente investigação está estruturada em três partes distintas: o quadro conceptual,

que pretende enquadrar teoricamente o trabalho, o quadro metodológico, que define as

metodologias e procedimentos utilizados no desenvolvimento da investigação e os

resultados e discussão, interligando teoria e estudo empírico na produção de

conhecimento.

O quadro conceptual divide-se em dois capítulos os quais constituem em conjunto a

moldura teórica da investigação.

O Capítulo I intitulado ―Educação e Formação de Adultos‖ remete-nos para o conceito

de Aprendizagem ao Longo da Vida e como esta no discurso oficial se relaciona

preferencialmente com a fase adulta da vida dos indivíduos. Aí coloca-se a questão

sobre o que é um adulto e como é olhada e tratada a questão da educação e formação de

adultos.

O Capítulo II intitulado ―Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências‖

faz uma breve contextualização dos Centros de Novas Oportunidades, onde decorrem os

processos RVCC, e reflecte sobre os dispositivos metodológicos que utilizam, História

de Vida e Balanço de Competências. Refere também o perfil dos profissionais RVCC,

salientando o seu papel de mediadores e agentes de comunicação. Por fim, procura

desenvolver o conceito de autonomia, dado que é central ao processo RVCC, é pedida

autonomia ao adulto que o frequenta como condição fundamental de sucesso,

constituindo ponto fulcral perceber se essa autonomia não deveria ser estimulada pelo

processo em si em vez de exigida à partida.

O Capítulo III intitulado ―Metodologia de recolha e tratamento de dados‖ subdivide-se

em quatro pontos distintos. O primeiro e segundo pontos abordam a problemática de

estudo e a metodologia qualitativa utilizada na sua abordagem, que se traduz numa

análise do sentido que os actores dão às suas práticas. O terceiro ponto refere os

procedimentos adoptados no decurso da investigação, nomeadamente os instrumentos

de recolha de dados utilizados, entrevista e análise documental, finalmente o quarto

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desenvolve o conceito de análise de conteúdo como método de análise e tratamento de

dados.

Os Resultados e Discussão contêm dois capítulos, o Capítulo IV intitulado ―Principais

Considerações para o Tema em Estudo‖ e o Capítulo V intitulado ―(Re)problematizando

o processo RVCC‖. No ponto 1 do Capítulo IV é feita a análise de conteúdo das

entrevistas, respeitando o significado atribuído pelos sujeitos aos acontecimentos e

procurando compreender através da escuta as suas perspectivas sobre o tema em

questão. No ponto 2 do mesmo Capítulo são discutidos os resultados obtidos,

interligando dados empíricos e conceitos teóricos, demonstrando que existe uma tensão

entre a História de Vida individualizada do adulto e os Referenciais de Competências-

Chave padronizados, comuns a todos os CNO‘s, e avaliando as repercussões no

processo RVCC.

O Capítulo V constitui uma reflexão sobre os CNO‘s, a realidade actual do processo

RVCC e a realidade nos anos iniciais da sua criação e implementação no terreno,

procurando determinar qual o ponto crucial da tensão História de Vida/Referencial de

Competências-Chave e que parece situar-se na mudança do perfil do público-alvo.

A Conclusão constituiu uma reflexão sobre o percurso da investigação, meditando sobre

o que é na realidade o processo RVCC, quais os objectivos dissimulados que visa e o

que poderia ser se norteado pelos grandes princípios orientadores da Educação e

Formação de Adultos.

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1ª Parte – QUADRO CONCEPTUAL

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Capítulo I

Educação e Formação de Adultos

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1.1. Aprendizagem ao Longo da Vida

“Aprendizagem ao longo da vida: um conceito que surge na década de 1970”1

Após a Segunda Guerra Mundial os governos dos países aliados assinaram a Carta das

Nações Unidas, destinada a manter a paz e segurança recém adquiridas, promovendo

simultaneamente o desenvolvimento económico e social característico do modelo de

civilização ocidental. Foi assim imposta a chamada ―modernização‖, hegemonia da

História e cultura ocidental, e começa-se a falar em Direitos Humanos, uma vez mais

Direitos Humanos ―ocidentais‖ que não tinham em linha de consta as diferenças

culturais e se auto-proclamavam como norma de conduta moral universal. De acordo

com Finger e Asún (2003: 27/30) surgiu então o Economic and Social Council

(ECOSOC), o qual tinha como objectivo a coordenação das agências de

desenvolvimento quer económico quer social, tendo um ano mais tarde sido fundada a

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO),

como agência especializada do ECOSOC. A sua missão era ―contribuir para a paz e

segurança, promovendo a colaboração entre os povos, através da educação, da ciência e

da cultura‖ (Constituição da UNESCO, in Finger e Asún, 2003: 28).

A UNESCO teve o seu apogeu nos chamados ―gloriosos 30 anos‖ que se seguiram ao

pós-guerra, no decurso dos quais muitas colónias adquiriram a sua independência,

tendo-se então alargado substancialmente o número dos seus países membros. Por esta

altura foi também criado o Conselho Internacional de Educação de Adultos por um

colaborador próximo da UNESCO, uma vez que a educação para todos ao longo da vida

era vista como um dos pilares fundamentais do desenvolvimento e do crescimento

económico. Em anos mais recentes teve contudo a UNESCO o cuidado de passar a falar

em desenvolvimento sustentável e a mostrar preocupação com a conservação ambiental

e a poupança de recursos naturais.

No entanto, ―o discurso e a filosofia da UNESCO em relação à educação popular e de

adultos… são produtos típicos das Décadas de Desenvolvimento e de uma agenda de

acção social de libertação e empowerment através da educação, quer científica, quer

cultural‖ (Finger e Asún: 2003: 29). A sua acção neste campo tem sido muito profícua,

1 Eurydice, (2000: 9)

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quer mobilizando recursos e lançando programas de propagação de conhecimentos, quer

através da organização de conferências e publicação e guarda de documentos

Em 1948, Paul Lengrand inicia funções na Unesco, sendo nomeado responsável pela

Divisão de Educação de Adultos em 1962, tendo estado na base da implantação de uma

Unidade de Aprendizagem ao Longo da Vida. Nessa capacidade apresenta em 1965 um

relatório no Comité Internacional da UNESCO, intitulado Uma Introdução à Educação

ao Longo da Vida. É o emergir de um novo conceito que irá tentar restaurar o sistema

educativo abalado com os acontecimentos de Maio de 1968, preconizando que ―a

Educação Permanente era o princípio unificador que permitia reunir num todo coerente

os vários aspectos da educação‖ (Lengrand, 1965, cit. Nogueira, 1996: 37).

A Educação Permanente na Europa2 é seguidamente impulsionada pelo Conselho da

Europa, tendo-se realizado sob os auspícios da UNESCO duas conferências, nas quais

se procurou articular a Educação Escolar com a Educação de Adultos no seio da

Educação Permanente. Foram elas a Terceira Conferência Internacional de Educação de

Adultos (realizada em Tóquio em 1972) que estabeleceu como objectivos examinar as

tendências da educação de adultos durante o decénio precedente, considerar as funções

da educação de adultos no contexto da educação permanente e examinar as estratégias

do desenvolvimento educativo no que diz respeito à educação de adultos e a

Recomendação sobre o Desenvolvimento da Educação de Adultos de Nairobi (1976), a

qual, embora sublinhando a prioridade que deve ser dada a ―grupos educacionalmente

subpriveligiados", referindo melhoramentos a efectuar para colmatar essa situação e

propondo diversas medidas nesse sentido, acaba por não estabelecer os direitos da

educação dos adultos.

2 ―Em 1970, o Conselho da Europa edita uma recolha de quinze estudos sob o título ―Educação

Permanente‖. É o resultado de uma série de reflexões iniciadas desde 1967 no âmbito do Conselho da

Cooperação Cultural. Em 1981 é publicado um documento ―Contribuição para o desenvolvimento de uma nova política educativa‖ que retoma os três principais textos elaborados no âmbito do projecto

―Educação Permanente‖. Este projecto, de 1972 a 1979, foi empreendido pelo Grupo Director sob a

presidência de Bertrand Schwartz, dando lugar em Junho de 1979 a um Simpósio de Síntese, em Siena,

que marcou finalmente o termo. Depois, baseando-se nos princípios ou fundamentos do conceito de

Educação Permanente, uma série de projectos - principalmente no domínio da Educação dos Adultos -

procurou traduzi-los em termos de estratégias educativas adaptadas à evolução social, económica e

cultural dos países signatários da Convenção Cultural Europeia‖.

TITZ, Jean-Pierre (1995) ―O projecto ―Educação Permanente‖ do Conselho da Europa‖, Formação

Profissional nº 6 Revista Europeia, 45 [On-line]

http://www.cedefop.europa.eu/etv/Upload/Information_resources/Bookshop/132/6_pt_titz.pdf, 18/09/09

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É por conseguinte o Simpósio de Sienne de 1980 que vem confirmar para a Europa o

valor da Educação Permanente e definir o quadro de acção constitutivo dos seus

princípios, bem como as suas consequências, os quais podem ser esquematizados da

seguinte forma:

Quadro nº 1 - Os traços e os contornos dos Princípios da Educação Permanente

Fonte: (Nogueira, 1996: 38)

Quadro nº 2 – As consequências dos princípios da Educação Permanente

A Educação Permanente Consequências

Designa um Projecto. Não é um sistema fechado.

É global. Não é sectorizada.

Destina-se tanto a reestruturar o sistema educativo como a desenvolver todas as possibilidades de formação fora do sistema educativo.

Ultrapassa o sistema educativo e, como

consequência, ultrapassa as possibilidades de qualquer Ministério da Educação.

Considera o ser humano sujeito da sua própria educação, por meio da interacção permanente das suas acções e reflexões.

É participativo, descentralizado e englobado nas necessidades sociais reais.

Rejeita intervenções que se limitem ao período de escolaridade.

É transescolar.

Abarca todas as dimensões da vida, todos os ramos do saber e todos os conhecimentos práticos que podem adquirir-se por todos os meios.

É integral.

Contribui para todas as formas de desenvolvimento da personalidade.

Articula projectos de formação com projectos de desenvolvimento.

É total. Articula todos os projectos educativos entre si.

Fonte: (Nogueira, 1996: 38)

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A Educação Permanente é pelo exposto nos quadros e nas palavras de Canário ―um

princípio reorganizador de todo o processo educativo‖3 (2000: 88), objecto de citações

entusiásticas de diversos autores, como por exemplo ―traz consigo um mundo melhor‖,

―a promoção de uma nova sociedade‖, ―um suplemento de alma para os anos 70‖

(Gérard Wiel, Hartung, Sarrouy cit. Nogueira, 1996: 36-37) ou mais recentemente

Malgraive ―a formação inicial será pensada e realizada em função de e para a formação

contínua de adultos‖ (1981, cit. in Nogueira, 1996: 37).

A publicação da UNESCO, conhecida como Relatório Delors (1996), decorridos mais

de trinta anos sobre o relatório Lengrand, continua a promover o conceito de Educação

ao Longo da Vida ―…a Educação é tão diversificada…que abrange todas as actividades

que permitem ao ser humano, desde a infância até à velhice, adquirir um conhecimento

dinâmico do mundo dos outros e de si próprio.‖ (Eurydice 2000:11). A Organização

para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), também em 1996,

enfatiza a progressão da vida activa, salientando que a mesma

― […] engloba o desenvolvimento social do ser humano sob todas as formas e em

todos os contextos, tanto formais…como não formais…e empreende esforços com

vista a assegurar que todos os adultos, tanto empregados como desempregados, que

necessitem de fazer uma reciclagem dos mesmos, tenham oportunidade de o fazer.‖

(idem:11-12).

Estava lançado um desafio aos sistemas educativos dos países membros da OCDE, o

qual ―adopta instrumentos internacionais, decisões e recomendações, para promover

regras ou acordos multilaterais necessários para garantir o progresso das nações dentro

de uma economia cada vez mais global. O diálogo, o consenso e a pressão sobre os seus

pares são o verdadeiro centro de actuação da OCDE‖4.

O significado do conceito em Portugal

Seguindo o estudo da EURODYCE, Portugal interpreta o conceito de aprendizagem ao

longo da vida como uma

3 Em itálico no original

4 OCDE Enquadramento Geral (2002) in Autoridade Nacional de Comunicações (ANACON) [On-line]

http://www.anacom.pt/render.jsp?categoryId=7821, 13/07/09

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―aceleração da transição para uma economia e sociedade diferentes…. (economias

baseadas no conhecimento) e (sociedades da informação) ‖, assim como atribuir à

escola um papel central ― […] enquanto instância privilegiada para a construção de

conhecimentos, saberes, competências e atitudes [...] capazes de dotar qualquer

cidadão com os instrumentos básicos essenciais para o exercício de uma cidadania

activa numa sociedade em rápida mutação‖ (idem:114).

Uma das preocupações transversais no relatório de Portugal é reforçar a qualidade da

educação escolar para todos considerando ― […] as fragilidades específicas da situação

educativa da população portuguesa, resultante dos atrasos acumulados durante gerações

[…]‖ (idem:116). Ainda segundo a mesma fonte, em meados dos anos 90, 80% da

população entre os 15-64 anos detinha como habilitação escolar apenas 9 ou menos

anos de escolaridade.

A este atraso de Portugal durante gerações não está alheio o regime político de ditadura

vivido antes do 25 de Abril de 1974, que em nada privilegiou a área educativa.

Remetendo especificamente para a área da Educação de Adultos, antes de Abril de

1974, houve pouca intervenção no nosso país, pese embora o ensaio de múltiplas

tentativas de reformas nesse campo surgidas a partir do século XIX.

No decurso desse século foram tentadas sucessivas reformas educativas as quais

incluíam os adultos analfabetos, tendo nessa época surgido um movimento associativo

muito forte. A título de exemplo5, podemos mencionar um projecto de Henrique

Nogueira, datado da década de 60, o qual preconizava a criação de escolas de adultos

em cada povoado, acompanhadas de gabinetes de leitura e pólos de cultura sediados em

associações; também o industrial Casimiro Freire, na década de 80, iniciou uma

campanha pela criação das chamadas ―escolas móveis‖, escolas que iriam ao encontro

de todos os que delas necessitassem. Contudo, o século XIX foi marcado pela

instabilidade política decorrente das lutas liberais, instabilidade essa que se reflectiu nos

impulsos reformadores. No final do século, apesar de tudo, surgiram inúmeras

associações culturais, que privilegiavam a formação cívica e política, como preparação

para a revolução republicana.

5 Informação retirada da obra de António Inácio C. Nogueira Para uma Educação Permanente à Roda da

Vida.

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Porém o analfabetismo generalizado diminuía muito lentamente, por razões diversas, a

que não seriam alheias por ventura as sucessivas tentativas de ―europeização‖ de

Portugal, seguidas de períodos de isolamento. A república foi de início uma fonte de

esperança, preconizando uma aposta forte na educação popular. Foram emitidos

inúmeros decretos, que logo eram substituídos por outros, numa série de ajustamentos,

que se revelaram pouco frutíferos. Ainda assim a educação de adultos sofreu um

impulso positivo, com as iniciativas culturais promovidas pelas ―escolas móveis‖,

universidades populares e outras instituições dedicadas a projectos de desenvolvimento

local. Esse impulso quebrou-se com a instauração da ditadura, a qual tentou glorificar

veladamente o analfabetismo. Por exemplo, a escolaridade obrigatória que na Primeira

República, em 1919, havia passado para cinco anos regressou aos três anos de 1911,

vindo a ser aumentada para seis anos apenas em 1964. Passou também a ser exercido

um forte controlo sobre as instituições promotoras da educação popular. Abertamente

contudo o regime promovia campanhas pela alfabetização que poucos resultados

alcançavam, embora seja de salientar a acção global de Leite Pinto no Ministério da

Educação, a reforma do ensino técnico e o Plano de Educação Popular, durante os anos

cinquenta. Porém será apenas na década de 70, com a reforma de Veiga Simão, que a

educação passa a assumir um papel central nos debates sobre a modernização e o

desenvolvimento do país, e que se começa a falar de democratização do ensino e de

Educação Permanente. Surgiram os Cursos do Ensino Primário Supletivos para Adultos

(CEPSA‘S) que funcionaram entre 1971 e 1974, sem grandes resultados,

particularmente nas regiões mais remotas e sempre de cariz escolar.

Foi necessário esperar por Abril de 1974 para se viver de novo uma euforia de base

associativista, tendo as variadas intervenções culturais e sociais então promovidas

começado a institucionalizar-se e a fazer parte da estrutura de organismos como a

Direcção Geral de Educação Permanente. Nos dois anos seguintes apareceram novas

correntes neste âmbito, fortemente impregnadas por um ambiente revolucionário e um

subjacente processo de democratização. O poder político dedica mais atenção à

educação de adultos: por um lado foi criado o Plano Nacional de Alfabetização6 (PNA),

6 O P. N. A. apareceu em Maio de 1975, a partir de uma iniciativa do Ministro da Educação do IV

Governo Provisório, e pretendia baixar significativamente a taxa de analfabetismo (para 3%), apenas em

três anos.

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sendo o seu principal objectivo de difícil concretização, e por outro, apareceu um

modelo de educação popular, que segundo Rothes (2005) procurou dar voz às classes

socialmente mais desfavorecidas e melhorar a qualidade dos processos educativos. Estes

esforços do pós 25 Abril representaram o ― […] tentar lançar-se o embrião do que seria

um campo e um edifício de educação de adultos em Portugal. Conceberam-se e

experimentaram-se, nessa altura, algumas inovações significativas‖ (Melo, Alberto7).

Melo refere como exemplo o exame da 4ª classe para adultos que nos anos 75/76 foi

totalmente renovado, passando a centrar-se no adulto, não se baseando apenas numa

situação puramente escolar, mas em todo o seu percurso de vida. Está aqui já presente a

lógica que preside ao actual sub-sistema RVCC, quando utiliza a metodologia das

Histórias de Vida e contempla as aprendizagens realizadas em todos os lugares e tempos

de vida.

Não é por falta de iniciativa/empenhamento por parte dos técnicos pertencentes aos

movimentos de educação que a Educação de Adultos não tem os resultados previstos.

Em 1979 surge o Plano Nacional de Alfabetização e Educação de Base de Adultos

(PNAEBA), aprovado pela Lei nº 3/79 de 10 de Janeiro. Os seus principais objectivos

eram reduzir o analfabetismo e alargar o acesso dos adultos à escolaridade obrigatória.

Este plano englobava parâmetros necessários que permitiam desenvolver medidas e

práticas transversais à Educação Popular e à Educação Permanente, estando a sua

execução prevista para um período de dez anos. A nível central, pretendia-se a criação

de um Instituto Nacional de Educação de Adultos, que nunca chegou a ser uma

realidade. Só em 1986, e com a Lei de Bases do Sistema Educativo, Lei nº 46/86 de 14

de Outubro, documento emergente da reforma do sistema educativo, é contemplada a

educação de adultos numa perspectiva que tem como referência a educação escolar, não

tendo em conta a vertente plurifacetada e a dimensão mais vasta da educação de adultos.

Estrutura-se unicamente em torno do ensino recorrente de adultos e da educação extra-

escolar. O primeiro destina-se aos ―indivíduos que já não se encontram na idade normal

7 Comunicação apresentada no Painel ―Desenvolvimento da Aplicação de Políticas de Educação /

Formação‖, integrado no Seminário ―Políticas de Educação / Formação: Estratégias e Práticas‖,

promovido pelo Conselho Nacional de Educação, no âmbito da divulgação do Programa ―Novas

Oportunidades‖. Lisboa, 7 de Fevereiro de 2006.

Publicada ―Associação o direito de Aprender‖ [On-line]

http://www.direitodeaprender.com.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=45&Itemid=12,

07/07/09

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de frequência do ensino básico e secundário‖8 e aos ―indivíduos que não tiveram

oportunidade de se enquadrar no sistema de educação escolar na idade normal de

formação, tendo em especial atenção a eliminação do analfabetismo.‖9 A educação

extra-escolar destina-se a todo o jovem ou adulto, que pretenda ―aumentar os seus

conhecimentos e desenvolver as suas potencialidades, em complemento da formação

escolar ou em suprimento da sua carência.‖10

Está direccionada numa perspectiva de

educação permanente e visa a continuidade da acção educativa. A Educação de Adultos

teve um tratamento menor e diminuto por parte dos governos, nunca tendo existido no

sistema educativo no que a ela diz respeito ―um tratamento articulado dos diferentes

contextos educativos formais e não-formais e das diferentes práticas que se inserem

dentro do conceito alargado de educação de adultos, parecendo traduzir, por

conseguinte, uma não valorização deste campo.‖ (Veloso, 2004:197). Atendendo que a

Lei de Bases do Sistema Educativo apenas abordava esta questão no sentido restrito e

escolarizante, surgiram em 1988 duas novas tentativas que procuram reorganizar um

projecto para o subsistema da educação de adultos.

O Documento Preparatório III, elaborado a pedido da Comissão de Reforma do Sistema

Educativo, pretendia consolidar e estruturar todo o subsistema de educação de adultos,

não menosprezando as vias de cariz mais escolar, mas valorizando uma perspectiva

plurifacetada, onde de acordo com Rothes estavam integradas as seguintes modalidades

da educação não escolar: extensão educativa, formação para o trabalho, promoção

cultural e cívica, e intervenção socioeducativa. O Plano de Emergência para a Formação

de Bases de Adultos, constituído no âmbito da Direcção Geral de Apoio e Extensão

Educativa, tinha como principal finalidade, ―contribuir para melhorar o nível de

qualificação da mão-de-obra, através da formação profissional que incluía uma

formação geral de base, na perspectiva dum melhor desempenho profissional e a

possibilidade de prossecução das carreiras e de melhor adaptação às exigências do

mercado de trabalho‖ (Rothes, 2005: 273). Contudo, mais uma vez, este plano nunca

viria a ser adoptado, mantendo-se as medidas meramente escolarizantes da intervenção

do Estado no campo da Educação de Adultos.

8 Artigo 20º, ponto 1, da Lei nº46/86 de 14 de Outubro.

9 Artigo 20º, ponto 2, da Lei nº46/86 de 14 de Outubro

10 Artigo 23º, ponto 1, da Lei nº46/86 de 14 de Outubro

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Coincidentemente em 1986, com a entrada de Portugal para a Comunidade Europeia,

emerge a formação já largamente difundida nos outros países membros, incentivada

pela possibilidade de recurso aos fundos comunitários. As acções de formação

profissional então implementadas tiveram o apoio do Fundo Social Europeu. Um pouco

mais tarde, em 1989, com o alargamento dos fundos estruturais comunitários, Portugal

candidata-se ao PRODEP11

, Subprograma 3, Educação de Adultos. No âmbito do

PRODEP, o Subprograma de Educação de Adultos que veio a ser aprovado inserido no

1.º Quadro Comunitário de Apoio, em 1990, teve como objectivos essenciais a obtenção

da escolaridade obrigatória articulada com uma formação profissional inicial. Podemos

dizer que a década de 90, foi marcada pelo PRODEP – entre 1990 e 1993, decorreu o

PRODEP I e entre 1994 e 1999, o PRODEP II. Estes programas, representaram uma

melhoria das medidas implementadas e desenvolvidas pelo governo neste sector,

contudo não existiram alterações qualitativas significativas, permanecendo o enfoque na

escolaridade obrigatória (ampliando-se o Ensino Recorrente - 1º e 2º Ciclos) e em

algumas acções de formação profissional inicial. Uma das debilidades do programa12

prendeu-se com o facto de se destinar a indivíduos dos 14 aos 45 anos, o que

comportava dificuldades, dada a diferença de maturidade e de interesses e objectivos de

uns e outros. Na realidade não estamos a lidar apenas com Educação de Adultos, mas

educação de adultos e de jovens que abandonaram precocemente o sistema escolar

formal. Com uma componente de formação geral e uma componente de formação

técnico-prática que se destinava a introduzir os sujeitos no mundo profissional, o

PRODEP/Educação de Adultos, ainda que teoricamente contemplasse o

desenvolvimento individual e sócio-cultural, na prática instrumentalizou o processo

educativo, tendo obtido pouco resultado, dado o número restrito de formandos que

frequentaram as acções de formação profissional.

Perante a situação da população adulta portuguesa, foi constituído o ―Grupo de Missão

para o Desenvolvimento da Educação e Formação de Adultos, por decisão conjunta do

Ministério da Educação e do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social‖.

(Veloso, 2004:212). Um dos seus objectivos era a criação de uma Agência Nacional de

11

Programa Operacional de Desenvolvimento da Educação para Portugal 12

Informação retirada da obra de Fátima Barbosa (2004) A Educação de Adultos: Uma Visão Crítica

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16

Educação e Formação de Adultos (ANEFA)13

, a qual surgiu em 1999, sob a tutela

conjunta dos Ministérios da Educação e do Trabalho e da Solidariedade, extinguindo-se

então o Grupo de Missão.

Quais as finalidades da ANEFA? No diploma pode ler-se que a ANEFA foi criada…

“com a natureza de instituto público, sujeito à tutela e superintendência dos Ministros

da Educação e do Trabalho e da Solidariedade, concebida como estrutura de

competência ao nível da concepção de metodologias de intervenção, da promoção de

programas e projectos e do apoio a iniciativas da sociedade civil, no domínio da

educação e formação de adultos, e ainda da construção gradual de um sistema de

reconhecimento e validação das aprendizagens informais dos adultos‖.

A ANEFA manteve-se em regime de instalação até a sua integração final em 2002

(Decreto-Lei nº 208/2002, de 17 de Outubro) na DGFV (Direcção Geral da Formação

Vocacional), actual Agência Nacional para a Qualidade, (ANQ)14

.

As finalidades destes organismos pouco diferem entre si à primeira vista quanto aos

objectivos previstos no diploma que criou a ANEFA e os que prevê a ANQ, a diferença

mais notória reside na qualificação mínima a que se refere a ANQ, ou seja o 12º ano. Os

restantes objectivos permanecem aparentemente os mesmos, apesar dos oito anos

entretanto decorridos; contudo a diferença de linguagem utilizada, ao introduzir o

conceito certificação, e das práticas que daí forçosamente decorrem é significativa se

nela nos detivermos com atenção, traduzindo um desvirtuamento dos processos de

Educação e Formação de Adultos, pela insistência nas qualificações, conotando

Educação e Formação Profissional e pela introdução de um novo público, os jovens,

excluídos do sistema de educação formal.

13

Criada pelo Decreto-Lei nº387/99, de 28 de Setembro. 14

A ANQ foi criada pelo Decreto-Lei nº 276-C/2007 de 31/07/2007 – o mesmo decreto prevê no seu

artigo 18º a extinção da DGFV e do Instituto para a Qualidade na Formação, organismos cujas

atribuições passaram para a responsabilidade da ANQ - Diário da República nº 146 Série I de

31/07/2007 Suplemento [on line]

http://bdjur.almedina.net/item.php?field=node_id&value=1207485, 12.06.08

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17

Quadro nº 3 – Quadro comparativo entre finalidades da ANEFA e da ANQ

Finalidades da ANEFA15

Finalidades da ANQ16

O desenvolvimento da educação e formação ao

longo da vida, considerada como «condição para a plena participação na sociedade», assenta num

conceito de educação de adultos definido como o

conjunto de processos de aprendizagem, formais

ou não formais.

Uma política de educação de adultos que visa, em

simultâneo, corrigir um passado marcado pelo atraso

neste domínio e preparar o futuro deve assegurar

respostas eficazes e adequadas que garantam a

igualdade de oportunidades, permitam lutar

contra a exclusão social através do reforço das

condições de acesso a todos os níveis e tipos de

aprendizagem, ao mesmo tempo que asseguram a

transição para a sociedade do conhecimento.

Nesta óptica, a estratégia para a educação e

formação de adultos deve combinar uma lógica de serviço público e uma lógica de programa, que se

traduza no estímulo e apoio à iniciativa e à

responsabilidade individual e de grupos, no sentido

de uma capacitação crescente das pessoas e das comunidades, privilegiando para isso a dimensão

local e regional e mobilizando a sociedade civil.

Assim, a acção a desenvolver deve dar

visibilidade e substância a estratégias de

valorização pessoal, profissional, cívica e

cultural, na óptica da empregabilidade, da

criatividade, da adaptabilidade e da cidadania

activa.

É missão da ANQ, I. P., coordenar a execução das

políticas de educação e formação profissional de jovens e adultos e assegurar o desenvolvimento

e a gestão do sistema de reconhecimento,

validação e certificação de competências. A

coordenação das políticas de educação e formação, assegurando a coerência e a pertinência

da oferta formativa orientada pelo objectivo da

dupla certificação, bem como a valorização dos

dispositivos de reconhecimento, validação e certificação de competências são pilares

fundamentais da estratégia de qualificação da

população portuguesa e de promoção da

aprendizagem ao longo da vida protagonizadas, em particular, pela Iniciativa Novas

Oportunidades.

Esta Iniciativa propõe metas ambiciosas no

domínio da certificação escolar e profissional

da população e exige a mobilização alargada

dos instrumentos, políticas e sistemas de

qualificação.

…têm por principal desígnio promover a generalização do nível secundário como

qualificação mínima da população portuguesa

A intervenção da ANQ, I. P. visa assim, de modo

global e articulado, melhorar a relevância e a

qualidade da educação e da formação

profissional…

A leitura do quadro suscita diversas questões, como por exemplo que direccionamento

teve a educação e a formação de adultos nos últimos anos?

A sua análise reveste-se de grande interesse, porque enfatiza as diferentes concepções

de educação subjacentes a cada um dos organismos, nomeadamente uma abordagem

humanista com centralidade do sujeito no seu processo de educação e formação, por

parte da ANEFA, por contraponto a uma abordagem tecnicista que visa a mera

qualificação da população portuguesa por parte da ANQ. Neste ponto da pesquisa

teórica, é já visível uma tensão de posturas entre dois organismos que se sucederam no

tempo, e consequentemente em contextos políticos diferentes, o que como é sabido se

repercute nas políticas educativas.

15

Decreto-Lei n.º 387/99 de 28 de Setembro (Revogado pelo artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 208/2002 de

17 de Outubro) [On line]

http://dre.pt/pdf1sdip/1999/09/227A00/66726675.pdf, 12.06.08 16

Decreto-lei nº 276-C/2007 de 31-07-2007 [On line]

http://dre.pt/pdf1sdip/2007/07/14603/0001600020.pdf, 20/09/09

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18

Considerando que a preocupação central do meu trabalho é tentar perceber quais as

directivas que regem actualmente a Educação e Formação de Adultos em processo

RVCC e consequentes metodologias utilizadas, esta tensão observada constituiu o

primeiro sinal que perspectiva outras mudanças, as quais irão ser objecto de posterior

pesquisa. De facto, em termos efectivos aonde têm conduzido estas medidas? Se

tivermos em consideração o mais recente documento oficial Programa Operacional

Potencial Humano 2007-2013 (POHP) e observarmos quais as suas

finalidades/objectivos, temos a sensação de estar perante o relatório Delors com uma

―actualização‖ de semântica, com a introdução de novos conceitos como coesão social,

sustentabilidade e a ênfase dada à globalização. A Educação já foi contemplada com

inúmeros financiamentos da UE, esperando-se que o Prodep III lidere a evolução do

sistema educativo na primeira década do novo milénio, inspirado por uma Visão de

Qualidade do serviço público de educação. São elementos fundamentais destes

programas de desenvolvimento educativo para Portugal:

―a convergência, com os outros países europeus, das taxas de pré-escolarização e

de escolarização no ensino secundário;

a abertura à prestação de novos serviços pelas instituições escolares, especialmente

dirigidos a adultos e activos, estimulantes de Aprendizagem ao Longo da Vida;

a rápida evolução do sistema tradicional de ensino para um sistema de

aprendizagem orientada, no qual os alunos são estimulados a aprender com os

meios e ao ritmo do seu tempo‖. (Prodep III)17

Em todo este discurso é notório que várias oportunidades não foram no devido tempo

aproveitadas, tornando-se premente uma postura por parte do Estado Português que seja

suficientemente proactiva. O sub-sistema RVCC surgiu como uma das saídas com mais

potencial para alcançar as metas impostas e deste modo cumprir os protocolos na área

da Educação, tendo entre 2001 e 2005 sido certificados a nível nacional 44.192 adultos

e de 2006 em diante 189.508 adultos.18

17

Prodep III [On-line]

www.prodep.min-edu.pt/menu/1.htm, 15/07/09 18

Fonte: Ministério da Educação, a partir de dados fornecidos pelos CNO‘s à DGFV (2006) e à

plataforma SIGO (2007), com dados provisórios até 30 de Junho de 2009. [On-line] www.min-edu.pt/outerFrame.jsp?link=http%3A//www.novasoportunidades.gov.pt, 29/08/09

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1.2. O que é ser adulto (no sistema educativo)?

Gaston Mialaret diz-nos que ―A educação se destina a todas as idades da vida de um

homem, desde que nasce até que morre‖ (1996: 17). A aprendizagem ao longo da vida

contudo está directamente associada no discurso político ao campo da educação e

formação de adultos. Antes de se iniciar um percurso nesse mundo da educação e

formação de adultos convém determinar o que se entende por adulto, dado ser um

conceito, aliás como o de juventude, que pode flutuar e estar sujeito a múltiplas

interpretações.

Até ao final da Segunda Guerra Mundial, o adulto era olhado como alguém que atingiu

uma determinada idade, idade essa considerada como a referência e a norma, a qual

Avanzini defende ser tanto estatística como ideal. Afirma o autor que

―a noção de adulto designa tanto uma norma estatística, isto é, o estado que a maioria

dos sujeitos parece ter atingido a uma certa idade, como uma norma ideal, isto é, um

certo estado de equilíbrio. Mas ainda que este equilíbrio seja frequentemente mais

desejado que possuído, torna-se aos olhos dos que chegam a estas idades, uma espécie

de exigência em nome da qual criticamos a ―imaturidade‖ daqueles que não o

possuem‖ (1991: 14)

Vaz por sua vez afirma que a passagem à idade adulta corresponde a ―mudanças

fundamentais de estatuto – o início da vida profissional, a saída da família de origem e o

casamento‖ (2003: 12); este conjunto de transições implica a aquisição de maturidade e

até determinada altura posicionava os indivíduos que a alcançavam numa situação

normativa na sociedade.

Segundo Boutinet (2000, cit in Sousa: 2007:58), tal deixou de acontecer devido ao

desenvolvimento de uma sociedade pós-industrial em mutação constante, tendo-se então

começado a problematizar o conceito de adulto. Ainda de acordo com Avanzini, ao

falarmos de adulto estamos a utilizar um termo ―difuso‖ e ―incerto‖, propondo o autor a

seguinte definição ―processo através do qual os sujeitos (adolescentes) enfrentam e

ultrapassam progressivamente dificuldades e encontram equilíbrios para as tensões‖,

isto é ― processo de conquista de autonomia onde antes não existia, de capacidade de se

tornar auto-suficiente […]‖ (1991:11-12). Contudo outros autores salientam que o

adulto é alguém em ―maturidade vocacional nunca atingida‖ (Boutinet, 2000, cit Sousa,

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2007: 61) que se mantém em contínuo desenvolvimento, numa perspectiva humanista

evolucionista (Rogers, 1961, cit in Sousa, 2007: 61), sendo esta imaturidade vivida

actualmente de forma vulnerável e arriscada, dada a incerteza e o risco de uma

sociedade em permanente transformação. Filomena Sousa refere no seu artigo de 2007

O que é “ser adulto”: as práticas e representações sociais sobre o que é “ser adulto”

na sociedade portuguesa, os três modelos que Boutinet considera estarem na base da

definição do conceito de adulto:

―1) um modelo tradicional do adulto padrão, estático, estável, que caminha,

vocacionalmente, para uma maturidade que entende como definitiva – modelo que se

considera ainda persistir como representação predominante na sociedade portuguesa –

e outros dois modelos emergentes que, nos últimos trinta anos, têm caracterizado as

duas direcções para onde se encaminha o adulto inacabado. São eles: 2) o adulto em

perspectiva, do perene desenvolvimento vocacional; e 3) o adulto como problema, do

caos vocacional‖. (Sousa, 2007: 62)

É este inacabamento que permite admitir uma predisposição do adulto para a

aprendizagem ao longo da vida. Esta realidade faz com que as respostas dadas pela

Educação/Formação de Adultos sejam muito diversificadas, surgindo desde logo certa

ambiguidade entre ambos os conceitos, o que pode originar um conflito entre as

expectativas do adulto que se deseja educar ou formar, nunca sendo demais referir a

polivalência quer de semântica quer de interpretação entre diversos autores (estando em

geral educação mais associada ao ensino formal e a formação na sua génese ao ensino

profissional), e os interesses políticos reguladores do sistema educativo e formativo em

geral.

1.3. Educação ou Formação de adultos – conceitos interligados?

Considerando o que referi em relação às diferenças de interpretação a que estão sujeitos

os conceitos de Educação e de Formação, procurarei nesta rubrica expor diferentes

pontos de vista de diferentes autores, que me permitam retirar algumas ilações e

construir uma abordagem pessoal para o desenvolvimento do trabalho.

Para alguns autores a educação é mais vasta do que a formação, havendo

inequivocamente opiniões divergentes. A ilustrar o referido temos a posição de Agustin

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Osório, na sua obra Educação Permanente e Educação de Adultos, diz-nos que

―educação e formação são dois processos inter-relacionados. A primeira tem uma visão

ou consideração mais holística (desenvolvimento integral da pessoa) enquanto a

formação parece um processo mais pontual e funcional, dirigida à aquisição das

destrezas específicas normalmente vinculadas ao mundo do trabalho‖ (2005: 197). Um

outro autor, Gaston Pineau,19

considera porém a formação como processo ontológico

essencial ―prévio‖ ao processo educativo, o qual contribuiria para a formação[…]

humana. A formação, segundo o autor, é uma função inerente à evolução humana e deve

ter em conta factores como o quotidiano, as experiências, a narrativa da vida. É nesse

sentido uma formação permanente totalmente pessoal e intransmissível, uma formação

que não é nem uniforme nem comandada, mas depende da própria pessoa e da sua

relação consigo mesma, com os outros e com o meio envolvente. Por sua vez para

Marie-Christine Josso, a educação não é mais do que

―a acção duma sociedade através das diversas instituições que essa sociedade põe em

funcionamento através das diversas instâncias políticas, dos governos, a fim de

assegurar as transmissões do ―savoir – faire‖ dos comportamentos que vão assegurar a

integração na vida social, cultural, económica, política das novas gerações‖20.

Assim, a educação assegura, simplesmente, a ―continuidade da vida da sociedade‖. Este

―savoir-faire‖ que Josso aqui aponta é, indubitavelmente, aquilo que denominamos de

capacidade, de ―skills‖, a forma como agimos, reagimos e operacionalizamos uma

determinada tarefa ou situação, conceito que mais adiante se revestirá de alguma

importância quando abordar a noção de balanço de competências.

Seja qual for o ponto de vista aceite ou preferido no que diz respeito à educação ou

formação de adultos, existiu e provavelmente ainda subsiste uma concepção sobre

educação de adultos algo redutora, como mero combate ao analfabetismo, o que a reduz

à forma escolar e não distingue por isso os motivos e objectivos dos adultos daqueles

que animam as crianças, se bem que não serão tão diferentes assim, excepto pelo facto

das últimas serem ―forçadas‖ à frequência escolar. Esta visão de educação de adultos

coloca um conjunto de pessoas de uma determinada idade sentadas em bancos

escolares, num lugar específico e a horas específicas, com um professor que lhes

19

Pineau, G. (2004) Temporalidades na Formação, São Paulo: Triom 20

Em entrevista concedida à Associação O direito de Aprender – Out/2008

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transmite conhecimentos, conhecimentos que lhes faltam, ou seja, que colmatam um

défice de que são portadoras. Não pergunta porque é que aquelas pessoas ali estão, e

sendo voluntárias, que propósito as anima e o que querem realizar.

Há porém uma concepção de educação de adultos mais abrangente, a que valoriza a

experiência vivida informalmente, e que se apoia na história de vida do adulto para a

conhecer e a converter em fonte de conhecimento. Já não se encontram presentes apenas

intenções educativas mas também efeitos educativos, efeitos produzidos pelas

aprendizagens realizadas a partir do quotidiano, através do contacto com a realidade

social, por ―osmose‖ como refere Abraham Pain. (Pain, 1990 citado in Canário, R.,

2000: 82)21

. O adulto torna-se então objecto, sujeito e agente de socialização,

conduzindo o seu processo educativo, em ambiente formal, não formal ou informal,

auto, hetero ou ecoformando-se.

A educação assim considerada é um processo complexo, heterogéneo e plural, não

compartimentalizável em disciplinas ou em temas específicos. É factor de

desenvolvimento humano, na tripla vertente do saber, conhecimento teórico, do saber

fazer, a técnica, e do saber ser, competências de relacionamento consigo próprio e com

os outros, e que sem dúvida contribuem para uma maior capacidade de conceber e

realizar com êxito projectos de vida. Surge o conceito de Educação Permanente como

educação em todas as idades, em todas as situações e circunstâncias da vida, em todos

os espaços sociais e não apenas nas instituições especializadas, contudo na prática os

saberes construídos pelas pessoas continuam a ser olhados com cepticismo, e a oferta

educativa exagerada tem tendência a conduzir à normalização e condicionamento dos

adultos, como o faz com os jovens.

O movimento da Educação Permanente tem a sua génese no início dos anos 70 do

século passado, assumindo-se como ruptura e crítica ao modelo escolar, trazendo

consigo o embrião de uma nova sociedade. Nogueira obra afirma que ―a Educação

Permanente apresenta-se como paradigma de um novo tipo de homem, dinâmico e em

constante via de complemento; um princípio que preside, força e orienta a formação do

cidadão ideal‖ (1996: 36). Era uma concepção de educação cheia de promessas,

21

Canário, R. (2000). Educação da Adultos Um Campo e uma Problemática, Lisboa: Educa

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particularmente a partir da década de 70, em que se procurou conjugou a Educação

Escolar e a Educação de Adultos na Educação Permanente, tornando-se a primeira

apenas uma das etapas num processo global de educação permanente. A esse propósito,

Nogueira cita Dias22

(1986):

―emerge um novo conceito de Educação Permanente que pode descrever-se como um

processo de crescimento ou desenvolvimento até à realização final da própria pessoa,

no tempo, ao longo de todas e cada uma das fases da existência – infância, juventude,

vida adulta, terceira idade – e no espaço, em todos os lugares em que a vida decorre‖

(1996: 37).

As promessas da Educação Permanente não se cumpriram porque ―continuamos a não

ser capazes de assumir a realidade descontínua e informal da Educação Permanente;

rubricamos uma nova forma de dominação, agora durante toda a vida‖ (idem: 40-41).

Simultaneamente, desvalorizaram-se no campo das práticas educativas os saberes

adquiridos por via experiencial, relegados para segundo plano, o que Canário afirma

tratar-se ―de uma ideia totalmente contraditória com o conceito de ―aprender a ser‖ que

estrutura os ideais da educação permanente‖ (2000: 89). Talvez por estas razões evoluiu

posteriormente o conceito de Educação Permanente para educação ao longo da vida e

mais recentemente fala-se em Aprendizagem ao Longo da Vida como processo de

formação de responsabilidade individual, humanista, ligado aos imperativos de

desenvolvimento económico, de combate ao desemprego, e constituindo-se como factor

de manutenção da coesão social.

A formação de adultos, por sua vez, conheceu um grande crescimento na segunda

metade do século XX, confundindo-se com a formação profissional contínua, pois esta

constitui-se como ―vertente fundamental da visibilidade e autonomia do campo da

formação de adultos, relativamente aos tradicionais sistemas escolares‖ (Canário, 2000:

39). Foi identificada por conseguinte com a formação profissional, necessária ao mundo

do trabalho, tendo criado à sua volta expectativas de mudança profunda e constituindo-

se como veículo fundamental ao êxito de reformas estruturais na sociedade. Canário

afirma que o sentimento de decepção que se sucedeu a uma primeira fase marcada pela

22

Dias, J. C. (1986) A educação de adultos como objectivo de educação escolar no contexto da educação

permanente, in A. Inácio et al. (coord.), Primeiro Congresso Nacional de Educação de Adultos.

Coimbra: Associação Portuguesa para a Cultura e Educação Permanente

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euforia, levou paradoxalmente ao ―crescimento em flecha da oferta de formação

profissional contínua‖ (2000: 40), marcada porém pela ineficácia. Os cursos de

formação profissional, de uma maneira geral, quer se tratasse de formação inicial ou

contínua, pareciam uns e outros dotados de alguma inutilidade: no segundo caso apenas

uma forma de obter lucro, porque as empresas pagavam bem para os seus trabalhadores,

todos quadros médios e superiores, se reciclarem; no primeiro caso, essencialmente uma

questão de amortizar conflitos sociais, colocando na formação jovens adultos

desempregados ou à procura do 1º emprego, sem que a formação viesse a ter qualquer

impacto na sua empregabilidade futura. Especificamente a formação contínua parecia a

maior parte das vezes não ir de encontro às necessidades reais dos formandos, não os

escutando nem valorizando os seus saberes experienciais, não construindo com eles o

conhecimento, não provocando mudança; era-lhes imposta pela sociedade de forma

compulsiva, para manterem um emprego que de alguma maneira sentiam em perigo. Os

indivíduos tinham que frequentar os cursos de formação, porque estes eram eficazes, de

qualidade, e por muita decepção que sentissem, sentiam-se na obrigação de se formarem

para se actualizarem, consequentemente as ofertas formativas multiplicaram-se sem

controlo algum da real necessidade da sua existência. A oferta formativa traduziu-se

num acumular de cursos dispersos, desgarrados, fragmentados, que nada tinham a ver

uns com os outros. Tratava-se antes de mais de uma questão de competição entre

indivíduos numa sociedade cada vez mais exigente, na qual, segundo Lima

― […] a educação tende a ser considerada como um bem de consumo passível de

mercadorização, e de troca, e a aprendizagem ao longo da vida se transforma num

atributo meramente individual, só plenamente eficaz quando utilizado contra o outro,

com menos ―competências para competir‖. (Lima, 2007: 20).

Numa perspectiva mais abrangente, existem contudo modalidades de formação que

tornam possível a aproximação entre situações de trabalho e de formação, afirmando o

formando como sujeito co-produtor da sua formação, realizando-se a prática formativa

no próprio ambiente de trabalho. Ali transformam os sujeitos as experiências em

aprendizagens não formalizadas, em saberes, através da reflexão e da pesquisa sobre o

próprio exercício do trabalho, auto-formando-se de forma permanente, individual e

colectivamente. Canário fala de ―aprendizagem organizacional‖ e refere que o colectivo

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de actores em presença aprende teorizando sobre o trabalho, teorização essa que

estrutura a acção colectiva, o que permite ―não apenas a possibilidade de aprendizagem

através da organização, mas também, dando à expressão um sentido metafórico, a

possibilidade de as organizações aprenderem, no sentido de reforçarem a sua

capacidade autónoma de mudança‖ (2000: 45). Adquirem assim os sujeitos

competências que nada têm a ver com qualificações, graus académicos e diplomas. São

conhecimentos adquiridos na acção, no contacto e interacção com os outros e que

dependem também da experiência de vida de cada um. Pelo exposto a formação não se

desliga do contexto de trabalho, realiza-se nele e com ela aprendem pessoas e

organizações, adquirindo-se competências técnicas e relacionais.

Gostaria no entanto de salientar que apesar da prevalência do contexto profissional e das

competências nele adquiridas serem particularmente ―exploradas‖ no processo RVCC,

não podem ser desconsideradas todas as aprendizagens obtidas noutros contextos. São

todas essas competências que interessam ao presente estudo, porque são elas que se

pretendem formalizar no processo RVCC, atribuindo-lhes uma correspondência escolar,

num paradigma de Aprendizagem ao Longo da Vida, como realçado anteriormente.

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Capítulo II

Reconhecimento, Validação e Certificação de

Competências

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2.1. Breve contextualização dos CNO´S

Será pertinente situar contextualmente os Centros de Novas Oportunidades, as razões

que levaram à sua criação e os objectivos que se propõem atingir, caracterizando a

relevância que assumiram no campo da Educação e Formação de Adultos.

O poder político nacional, assim como directivas Europeias têm tido uma influência

decisiva no rumo que levam as políticas de Educação, tendo surgido uma série de

directivas conjuntas, que obrigam os diferentes países a tomar medidas para

acompanhar as resoluções adoptadas, como por exemplo: ―O ensino, a formação e a

empregabilidade foram reconhecidos pelo Conselho Europeu de Lisboa, de Março de

2000, como parte integrante das políticas económicas e sociais necessárias para atingir o

objectivo estratégico de fazer da Europa a economia baseada no conhecimento mais

dinâmica do Mundo até 2010” (cit. in Conselho da Europa, n.º doc. ant: 9175/04 EDUC

101 SOC 220).

A directiva com maior visibilidade para alcançar as metas referidas é a qualificação dos

jovens e adultos, com o incremento da Iniciativa Novas Oportunidades, na qual se

insere o subsistema Reconhecimento, Validação, Certificação e Validação de

Competências (RVCC). O seu objectivo principal é orientar os adultos, maiores de 18

anos, que não possuem a escolaridade obrigatória, para processos de reconhecimento,

validação e certificação de competências, tendo em vista a melhoria dos seus patamares

de certificação escolar e profissional, bem como para a continuação de processos de

formação contínua, numa perspectiva de aprendizagem ao longo da vida. (Portaria

nº1082-A/2001 – Artº 2).

Não podemos esquecer contudo que ensino e formação estão relacionados com

empregabilidade no discurso oficial, ou seja, traduzem uma formação subordinada à

economia e interesses empresariais. Tal tem conduzido tradicionalmente a um

desinteresse do sistema educativo Português em conceder à Educação de Adultos ―um

tratamento articulado dos diferentes contextos educativos formais e não-formais e das

diferentes práticas que se inserem dentro do conceito alargado de educação de adultos,

parecendo traduzir, por conseguinte, uma não valorização deste campo.‖ (Veloso,

2004:197). Para colmatar esta falha, embora mantendo a educação cativa da economia,

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as directivas actuais centram-se numa estratégia dual: por um lado, a elevação das taxas

de conclusão do nível secundário nos jovens, com um forte combate ao abandono

precoce e uma aposta no reforço das vias profissionalizantes; por outro lado, a

persistente recuperação dos níveis de qualificação da população adulta, através da

conjugação da educação de adultos com a generalização dos processos de

reconhecimento, validação e certificação de competências.

Apenas perante esta visão global das estratégias governamentais para se alcançar uma

melhoria dos indicadores de abandono escolar precoce e consequente melhoria nos

índices de qualidade na educação, podemos determinar o porquê da especificidade da

formação dos adultos que procuram os RVCC e as motivações dos formadores para a

ela se dedicarem. Estes encontram-se colocados perante uma situação para a qual não

receberam eles mesmos formação, tendo para além disso de dar formação ―formatada‖

e ―à medida‖ das necessidades dos adultos. Estaremos perante um modelo de formação

em que realmente os alunos aprendem com os meios ao seu dispor e ao ritmo do seu

tempo ou, dadas as limitações de tempo impostas pelas metas a atingir pelos CNO‘s e

as exigências de apresentação de resultados, centrando-se no produto final a obter e não

no processo, tratando-a como treino em vez de prática reflexiva, transformando os

actores envolvidos em objectos em vez de sujeitos de formação?

Em boa verdade a qualificação dos adultos que recorrem aos CNO‘s, para além dos fins

estatísticos já mencionados, traz consigo a noção muito em voga hoje em dia de

constituir a formação uma forma privilegiada de enfrentar e resolver problemas de cariz

social. De facto, segundo Ferry (1987), a formação constitui um dos grandes mitos do

nosso século, apresentando-se como resposta para todos os problemas. O autor diz que

a formação saiu dos limites estritamente profissionais e alargou-se a outros campos,

tendo-se banalizado de tal forma que se impôs como ―resposta a todas as interrogações,

a todas as desordens, a todas as angústias dos indivíduos e dos grupos desnorteados e

agitados por um mundo em constante mutação e ainda por cima desestabilizados pela

crise económica. Da formação exige-se o domínio das acções e situações novas, a

mudança social e pessoal que já não se espera de mudanças estruturais‖23

(1987: 31). O

poder político, para manter a coesão social, envia os desempregados para cursos de

23

Em francês no original.

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

29

formação, os activos empregados fazem cursos de formação para conservarem o

emprego; todo este frenesim de formação, mais imposta que desejada, é do meu ponto

vista questionável, porém quando se é confrontado com questões de desemprego ou de

crise económica, espera-se que a formação se estruture de forma a fornecer soluções,

tornando-se assim uma ferramenta imprescindível na luta pela inclusão social, pois

também ajuda a promover ―[…] o emprego e a mobilidade social […]‖ (Canário,

2000:39). Sendo pois o actual público-alvo dos CNO's em larga medida desempregado

ou com emprego precário ―tais destinatários terão em comum a partilha do risco de

exclusão socioprofissional‖ (Imaginário, 2001: 122), criam-se expectativas da

existência de uma relação directa e quase imediata entre formação/qualificação e

ingresso num mercado de trabalho estável, as quais sendo defraudadas podem

eventualmente ter como consequência o abandono do processo.

Contudo no discurso oficial a criação e o desenvolvimento do Sistema RVCC justifica-

se pelos baixos níveis de escolaridade da população portuguesa e pelo facto duma parte

significativa desta população exercer funções e responsabilidades, sociais e

profissionais, nas quais evidencia competências e conhecimentos muito para além das

que correspondem às suas certificações/qualificações.

Coloca-se aqui a questão, já enunciada, de determinar se as aprendizagens formais, não

formais e informais feitas pelo adulto no seu percurso de vida e materializadas em

produto identificável com o ensino formal, não traduzirá alguma tensão entre um

princípio de reconhecimento de saberes adquiridos em contexto experiencial, as

Histórias de Vida, e um Balanço de Competências que poderá ser entendido como

pretendendo ―moldar‖ essas mesmas Histórias de Vida?

2.2. A História de Vida

De acordo com Vieira na sua obra Histórias de Vida e Identidades (1999), as Histórias

de Vida enquanto metodologia de pesquisa surgem ligadas à Antropologia, com a obra

de autobiografia de um índio realizada em 1920 por Radin, a qual, segundo Balandier

(Balandier, 1990, cit Vieira, 1999: 71) ―revela do interior, do ponto de vista do sujeito,

como se estabelece a relação entre a sociedade e a cultura‖.

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

30

Marie-Christine Josso concebe a História de Vida como projecto metodológico. A

autora considera que esta opção metodológica se baseia na ―necessidade de reivindicar,

de dar um lugar, justificar a sua sustentação, dando uma legitimidade à mobilização da

subjectividade como modo de produção de saber e à intersubjectividade como suporte

do trabalho interpretativo e de construção de sentido para os autores dos relatos‖ (Josso,

1999: 15).24

Deste modo se justifica que as Histórias de Vida sejam entendidas, nas

Ciências da Educação, como formação e/ou auto-formação, pois permitem-nos conhecer

melhor os adultos e os seus percursos, pelo que se pode considerar as ―Histórias de Vida

como uma ―mediação‖ para a formação, […] não no sentido de as considerar como uma

técnica de formação, mas como uma abordagem que produz, ela própria, um certo tipo

de formação e um certo tipo de conhecimento.‖ (Couceiro, 1996: 2).25

A História de Vida é por conseguinte pensamento reflexivo necessário a um processo de

formação, que se deseja com continuidade no tempo. No campo da educação a

metodologia das Histórias de Vida pode contribuir para que seja valorizada a

aprendizagem experiencial individual, mas também colectiva, alicerçando no actual

mundo globalizado a identidade cultural dos povos. Tem por conseguinte potencial para

dar estabilidade ao processo educativo, independentemente das ideologias políticas em

vigor num determinado momento.

O processo RVCC reclama a História de Vida como metodologia fundamental, sendo

pedido a cada candidato que faça uma reflexão sobre as suas aprendizagens

experienciais, sobretudo aquelas que foram ricas no desenvolvimento de competências.

Compete ao profissional RVCC utilizar os instrumentos necessários à desocultação

dessas competências e à identificação dos interesses e motivações do adulto,

conduzindo-o a uma reflexão sobre as experiências passadas e presentes, tendo em vista

a definição de projectos de vida futuros. A operacionalização de todo o processo é

materializada no Referencial de Competências – Chave para a Educação e Formação de

Adultos, documento oficial pelo qual se regem as equipas técnico-pedagógicas dos

Centros Novas Oportunidades. No Referencial de Competências - Chave para a

24

Josso, Marie-Christine “Life history and Project: life history as a Project and “life histories” attending

to projects‖ in Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 25, n. 2, 11-23, jul/dez 1999 25

Couceiro, Maria do Loreto Paiva (1996) ―O porquê e para quê do uso das Histórias de Vida‖ in Manuela

Malpique, Histórias de Vida, Porto: Campo das Letras.

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

31

Educação e Formação de Adultos - nível secundário – guia de operacionalização, são

caracterizadas as Histórias de Vida, dando orientações metodológicas para a sua

utilização; fazem algumas distinções, designando-as como Abordagem (Auto)

biográfica. Esta é definida como um item estruturante do seguinte modo:

‖A Abordagem (Auto) biográfica aproxima-se das Histórias de Vida como método, na

medida em que visa ―a construção de um sentido vital dos factos temporais‖

(Couceiro, 2002:31). Apela à interrogação permanente: ―colocar-se face à vida,

atribuir-lhe um sentido, construir um pensamento legitimado pela experiência

existencial, compreender o modo como o sujeito se formou e deu forma à sua

existência é, de facto, um processo de interrogação, de descoberta, de criação e não de

adequação ou eventual transformação em função de algo previamente definido e

conhecido‖. (Honoré, 1992 in Couceiro, 1995: 360).

Os registos biográficos têm, sobretudo, um valor heurístico de auto e hetero-

descoberta e de elicitação de competências. São um instrumento, que assume um

carácter historicamente situado e que permite descrever, re-escrever ou verificar,

informalmente, vários níveis da experiência relevantes para o sujeito, envolvendo

dimensões individuais e sociais, tanto na esfera privada como na pública‖.

(Referencial de Competências-Chave para a Educação e Formação de Adultos – Nível

Secundário Guia de Operacionalização: pág. 29).26

Esta abordagem às Histórias de Vida como instrumento para validar competências

direccionando os adultos para o cumprimento de objectivos, pareceria muito redutora ao

despojá-los das suas subjectividades, inibindo uma auto-reflexão, produtora de

conhecimento.

António Nóvoa,27

a partir do conceito de autoformação participada, desenvolve uma

reflexão metodológica em torno das potencialidades e dos limites do método

autobiográfico, salientando três ideias fundamentais:

―as histórias de vida constroem-se numa perspectiva retroactiva (do presente para o

passado) e procuram projectar-se no futuro; a formação deve ser entendida como uma

tomada de consciência reflexiva (presente) de toda uma trajectória de vida percorrida

26 Anexo I – Quadro com as ―Diferenças entre Histórias de Vida e (Auto) biografias‖ 27 António Nóvoa é Vice-Reitor da Universidade de Lisboa. Professor Catedrático da Faculdade de Psicologia e de

Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. Presidente da Associação Internacional de História da

Educação - ISCHE (2000-2003). [On-line]

http://www.asa.pt/autores/autor.php?id=413, 12/03/09

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

32

no passado; é fundamental que a abordagem biográfica não deslize no sentido de

favorecer uma atitude ―intimista‖ (e não participada), na medida em que tal poderia

dificultar a meta teórica a atingir, isto é, a compreensão a partir da história de vida de

cada um do processo de formação dos adultos‖ (Nóvoa citado por Nóvoa & Finger,

1988: 15).

Também Correia28

cit. in Ana Pires (2007), falando sobre os saberes experienciais,

privilegia uma perspectiva crítica, defensora de ―modelos de intervenção preocupados

com o aprofundamento das valências emancipatórias da formação‖, procura a

―reabilitação das experiências inserindo‑as num processo cuja pertinência já não se

defina pela sua adequabilidade relativamente aos saberes formais e susceptíveis de

serem transmitidos, mas pelo sentido que lhes atribuem os indivíduos e os grupos em

formação. […] Para além de se preocupar com o reconhecimento destes saberes, o

trabalho de formação procura induzir situações em que os indivíduos se reconheçam nos

seus saberes e sejam capazes de incorporar no seu património experiencial os próprios

saberes produzidos pelas experiências de formação‖ (op. cit., p. 37).

Na minha opinião, as perspectivas dos autores supra corroboram o enunciado nos

Referenciais de Competências-Chave no que concerne a utilização das Histórias de

Vida como metodologia, sendo no plano teórico o processo RVCC sobretudo um

processo de formação. Contudo, na prática o conceito de História de Vida é imbuído de

adaptações necessárias ao funcionamento do processo, (instrumentalização da biografia

do sujeito, criação de instrumentos que direccionam a biografia). Esta abordagem

coloca-se pela obrigatoriedade de cumprimento do referencial. É esta necessidade de

coerência que poderá eventualmente deturpar a ―essência‖ do processo, tornando-o

―essencialmente‖ um processo de ortopedia social.

2.3. Balanço de competências

O Balanço de Competências está muito ligado às competências adquiridas no mundo do

trabalho, embora em teoria se dirija aos saberes experienciais provenientes de contextos

diversos, formais, não formais e informais. Marise Ramos na sua obra A Pedagogia das

28PIRES, A.L.O. (2007) ―Reconhecimento e Validação das Aprendizagens Experienciais. Uma problemática

educativa‖ in Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 2, 5-20. [On-line]

http://sisifo.fpce.ul.pt, 14/05/09

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

33

Competências: autonomia ou adaptação? salienta que ―a ideia central em qualquer

caso, é distanciar a certificação da concepção académica de credencial obtida ao

concluir estudos com êxito demonstrado por meio de provas e aproximá-la da descrição

de capacidades profissionais reais do trabalhador, independentemente da forma como as

tenha adquirido‖ (2006: 87). Contrapondo a esta ideia de que o balanço de competências

se direcciona essencialmente às adquiridas em contexto de trabalho, surgem outras

definições mais abrangentes de competência.

É altura de retomar o conceito de capacidade já referido anteriormente quando abordei a

questão da educação e da formação de adultos, pois parece-me esta mais directamente

ligada ao trabalho, à execução de tarefas. Gérard Malglaive (1995) considera a

capacidade como o potencial que cada indivíduo tem em si mesmo (já que esta noção

faz parte do sistema neurológico) em realizar uma determinada tarefa. É, no fundo, o

valor, o mérito ou o talento. Quanto à competência é quer a integração, quer a

coordenação de um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que, por serem

pessoais e intransmissíveis, produzem uma actuação diferenciada. A competência

encerra em si mesma várias dimensões humanas, convocadas no momento de realizar

uma determinada tarefa. O conjunto de crenças e valores inerentes a cada indivíduo

(presentes, obviamente, em tudo aquilo que o indivíduo realiza) determinará o seu modo

de ser, o seu ―modus operandi‖, o qual, por sua vez, determinará sem dúvida o grau de

motivação que o indivíduo tem para a realização de actividades concretas. Poder-se-á

concluir, assim, que a competência se expressa pelo modo singular como uma

determinada tarefa é operacionalizada. A competência evoca, segundo Malglaive, a

excelência do fazer, a habilidade, a amplitude de saberes e do saber - fazer num

determinado domínio (Malglaive, 1995:122).

Também Ana Pires nos fala de competência como de um conceito abrangente, dotado

de ambiguidade, com uma multiplicidade de categorias. No seu artigo As Novas

Competências Profissionais, propõe uma sistematização da noção de competência da

autoria de Patrick Gilbert e Michel Parlier:

― - A competência possui um duplo carácter operatório e finalizado: apenas tem sentido

em relação à acção – ela é sempre «competência para agir» - e também na medida

em que realiza essa acção. A competência é indissociável da actividade pela qual se

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

34

manifesta.

- É relativa a uma determinada situação. Tirando partido dos diferentes elementos

dessa situação, permite que o indivíduo se adapte a ela ou que se adapte às suas

condições evolutivas.

- Combina de forma dinâmica os diferentes elementos que a constituem (saberes,

saberes-fazer práticos, raciocínios…) para responder a essas exigências de

adaptação.‖ (1994: 6)

Refere em seguida que as competências, embora a autora fale especificamente das

profissionais, não são apenas técnicas, mas pessoais e relacionais, não se reduzindo nem

às capacidades nem mesmo às qualificações.

Aponta onze competências genéricas, nas quais se incluem por exemplo o espírito

crítico, a percepção e interpercepção nas relações pessoais e a preocupação e solicitude

em relação aos outros, os ―soft skills‖, competências-chave fundamentais tais como a

autonomia, a flexibilidade, o espírito de liderança e a criatividade e finalmente as

competências de terceira dimensão, as quais agrupam os comportamentos profissionais

e sociais, as atitudes relativas à comunicação, à auto imagem e à capacidade de

adaptação e mudança, as capacidades criativas e as atitudes existenciais ou éticas.

Porém, é de salientar o facto que tais competências podem ser desenvolvidas quer por

actividades profissionais e de formação, quer por actividades ligadas à vida social e

familiar.

Por sua vez o vocábulo Balanço sugere desde logo avaliação dos aspectos positivos ou

negativos das competências dos adultos, avaliação com carácter reflexivo, critico, auto

avaliação, feita embora em conjunto com o profissional RVCC na sua qualidade de

mediador. Esta avaliação formativa que o discurso oficial afirma estar presente no

Balanço de Competências, assume ou deveria assumir um papel orientador de apreensão

das aprendizagens realizadas ao longo da vida a que Luísa Cortesão (1999, cit in

Terrasêca, 2002: 197)29

chama ―papel de bússola‖ para o distinguir do ―papel de

balança‖ desempenhado pela avaliação sumativa.

29

CORTESÃO. L. (1999), cit in TERRASÊCA (2002) Tensão controlo/avaliação in Avaliação de

Sistemas de Formação. Contributos para a compreensão da avaliação enquanto processo de

construção de sentido. Porto: FPCE-UP (Tese Doutoramento) pp. 195-210.

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

35

É um Balanço de Competências desta natureza, em que a ―bússola‖ aponta o caminho

para o reconhecimento de um conjunto de competências de natureza abrangente, não

apenas profissionais mas também do âmbito do saber ser, que parece ter repercussões na

obra de Luís Imaginário, sobre a origem do sub-sistema RVCC, quer a nível

internacional, quer em Portugal. Intitulada ―Balanço de Competências, Discursos e

Práticas‖ (2001) dá-nos a contextualização do referencial de competências (emergiu em

França) como ―ferramenta‖ para a validação dos saberes adquiridos. A Parte III é

dedicada a Portugal, ―[…] onde as práticas que se reivindicam do qualificativo de

balanço de competências são percorridas segundo as mesmas variáveis utilizadas na

análise do dispositivo francês e na base da informação recolhida, sobretudo, por

questionário postal junto dos respectivos actores‖ (Idem: 3).

Diz-nos o autor que o balanço de competências tende a ser concebido de duas formas,

uma de reconhecimento de saberes experienciais, adquiridos em ambientes não formais

e informais, outra como dispositivo de certificação formal. Na primeira concepção, a

seu ver, estará presente uma dimensão de ―projecto‖, ausente da segunda. Decorrente

desta dupla natureza do balanço de competências, também os seus objectivos envolvem

um duplo desígnio, o do reconhecimento, por um lado e da certificação por outro.

Identifica ainda o autor características comuns a todos os actores institucionais

envolvidos no que diz respeito aos objectivos do balanço de competências, a saber:

―[…] tendem a considerar conjuntamente competências pessoais, sociais e

profissionais‖, ―[…] manifestam-se particularmente atentos às competências não-

formais ou informalmente adquiridas‖ e ―[…] articulam mais ou menos explicitamente

o balanço de competências com projectos de formação consubstanciáveis em percursos

individualizados‖ (2001: 112).30

Quanto às metodologias utilizadas afirma o autor algo

de muito significativo na minha opinião, e que traduz o dilema presente na pergunta de

partida deste trabalho: ―[…] uma intervenção supostamente ajustada aos ritmos do

confronto e da exploração pessoal dos sujeitos se transverteria num curso quase escolar

sobre o balanço de competências‖ (2001: 120). Quanto ao público-alvo o balanço de

competências dirige-se sobretudo àqueles que partilham o risco de exclusão

30

De salientar a constatação interessante que faz o autor no que diz respeito ao perfil preferencial do

profissional do balanço de competências, que é o de psicólogo, embora não estejam excluídos o de

outros profissionais das áreas das ciências sociais e humanas.

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

36

socioprofissional, tanto jovens como adultos, desempregados ou em risco de

desemprego e ainda aqueles que desejam uma certificação profissional ou, entre os

activos, os que querem progredir na carreira.

A partir deste conceito de Balanço de Competências foi elaborado o Referencial de

Competências-Chave pela Direcção-Geral de Formação Vocacional (DGFV), para

ambos os níveis de escolaridade, básico e secundário, procurando-se colmatar os baixos

índices de qualificação da população portuguesa.

O Referencial de Competências-Chave do nível básico assenta

―numa organização em quatro áreas nucleares e uma área de conhecimento e

contextualização das competências, consideradas todas elas necessárias para a

formação da pessoa/cidadão no mundo actual. As áreas nucleares são: Linguagem e

Comunicação (LC); Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC); Matemática

para a Vida (MV) e Cidadania e Empregabilidade (CE).

A visão integradora subjacente ao referencial pressupõe a existência de articulação

horizontal e vertical entre as Áreas, já que o domínio de competências específicas de

cada uma delas enriquece e possibilita a aquisição de outras, existindo algumas

competências gerais comuns às diferentes áreas, que resultam da visão transversal do

conhecimento e das capacidades subjacentes à noção de competência-chave. Ler e

interpretar informação oral, escrita, visual, numérica ou em formato digital é uma

competência transversal imprescindível ao exercício da cidadania e da

empregabilidade.‖ (2002: 10) 31

Sistematizam-se tais áreas de competências da seguinte forma:

31

Fonte: Referencial de Competências-Chave para a Educação e Formação de Adultos – Nível Básico

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

37

Figura 1 – Nível Básico

Cada área tem três níveis correspondentes aos três ciclos de ensino básico (sem com

eles se identificarem), denominados B1, B2 e B3, cada um deles com 400 h de

formação, correspondentes a 40 créditos, num total de 1.200 h de formação e 120

créditos.

Quanto ao Referencial de Competências-Chave do nível secundário é composto por três

áreas, das quais a ―Área Cidadania e Profissionalidade (CP) assume […] um carácter

explicitamente transversal, ao reflectir conhecimentos, comportamentos e atitudes

articulados e integradores das outras Áreas de Competências-Chave. Esta sua

transversalidade, envolvente das outras duas áreas, aparece clara no modelo conceptual

do Referencial de Competências-Chave, e traduz-se também na definição de uma

estrutura semelhante com os mesmos elementos de referência das áreas operatórias. As

duas Áreas - Sociedade, Tecnologia e Ciência (STC) e Cultura, Língua, Comunicação

(CLC) – são consideradas de natureza instrumental e operatória […] envolvendo

domínios de competências específicas e cobrindo campos científicos e técnicos muito

diversos, mas utilizando estruturas iguais e os mesmos elementos de referência

conceptual‖. (2006: 24)32

Sistematizam-se tais áreas de competências da seguinte forma:

32

Fonte: Referencial de Competências-Chave para a Educação e Formação de Adultos – Nível

Secundário

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

38

Figura 2 - NÍVEL SECUNDÁRIO

Neste nível é necessária a obtenção de 44 créditos para que o candidato seja certificado

dentro deste sistema. De notar que este número de créditos deve distribuir-se pelas três

Áreas de Competências-Chave da seguinte forma: 16 créditos em Cidadania e

Profissionalidade (CP); 14 créditos em Sociedade, Tecnologia e Ciência (STC); 14

créditos em Cultura, Língua, Comunicação (CLC).

Cada crédito corresponde a cerca de 12 horas de trabalho, dedicadas ao reconhecimento

e validação de uma competência num determinado domínio da realidade, podendo

compreender diversas actividades, como exploração auto-biográfica, elaboração de

materiais, conversa com técnicos e formadores, assistência a formações, auto-

aprendizagem, entre outros.

2.4. Profissional de RVCC

O profissional de RVCC faz parte fundamental dos quadros técnico-pedagógicos deste

sub-sistema de ensino, juntamente com os técnicos de diagnóstico e encaminhamento e

os formadores, entre outros.

O artigo 10º da portaria nº 370/2008 de 21 de Maio do Ministério do Trabalho e

Solidariedade Social define o seu perfil profissional do seguinte modo:

―1 — Ao profissional de RVC compete:

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

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a) Participar nas etapas de diagnóstico e de encaminhamento, sempre que tal se revele

necessário;

b) Acompanhar e apoiar os adultos na construção de portefólios reflexivos de

aprendizagens, em estreita articulação com os formadores, através de metodologias

biográficas especializadas, tais como o balanço de competências ou as histórias de vida;

c) Conduzir, em articulação com os formadores, a identificação das necessidades de

formação dos adultos ao longo do processo de reconhecimento e validação de

competências, encaminhando-os para outras ofertas formativas, nomeadamente para

cursos de educação e formação de adultos ou formações modulares, disponibilizadas por

entidades formadoras externas ou para formação complementar, de carácter residual e

realizada no próprio centro, pós a validação de competências e a sua certificação;

d) Dinamizar o trabalho dos formadores no âmbito dos processos de reconhecimento e

validação de competências desenvolvidos;

e) Organizar, conjuntamente com os elementos da equipa do centro que intervêm nos

processos de reconhecimento, validação e certificação de competências e com o

avaliador externo, os júris de certificação, participando nos mesmos.

2 — O profissional de RVC deve ser detentor de habilitação académica de nível

superior e possuir conhecimento das metodologias adequadas e experiência no domínio

da educação e formação de adultos, nomeadamente no desenvolvimento de balanços de

competências e construção de portefólios reflexivos de aprendizagem‖.

Como foi dito anteriormente, Imaginário (2001) traçou na sua obra o perfil de

qualificação destes profissionais, tendo chegado à conclusão que a generalidade das

instituições ligadas à formação e ao emprego afirmam que a formação académica de

base deve ser preferencialmente em Psicologia, ou na área das ciências sociais e

humanas como, por exemplo, a Sociologia, a Economia e mesmo a Gestão de Empresas.

Não há referência às Ciências da Educação, embora, como se pode constatar, o ponto 2

do artigo 10º refira especificamente conhecimento e experiência no domínio da

educação e formação de adultos, o que de certa forma revela, do meu ponto de vista,

uma incongruência entre o discurso e as práticas.

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

40

Alberto Melo aborda ao de leve a problemática destes profissionais no seu artigo

intitulado ―Reconhecimento, validação e certificação das competências adquiridas‖;

integrado num conjunto de estudos e relatórios subordinados ao tema ―Aprendizagem

ao Longo da Vida no Debate Nacional sobre Educação‖, da responsabilidade do

Conselho Nacional de Educação. O artigo em questão relata uma sessão realizada em

2006 para a qual foram convidados representantes de seis entidades que promovem

Centos de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências. À interrogação

―Que medidas tomar para melhorar o enquadramento e o desempenho dos CRVCC, no

sentido de reforçar o seu contributo para a valorização e investimento das pessoas, das

famílias e das entidades empregadoras – em particular os mais desfavorecidos, os

adultos menos escolarizados e as PME – na educação e formação?‖ (2007: 196), foram

feitos comentários relacionados com o objectivo do processo, com o perfil do público-

alvo, com o desajuste do Balanço de Competências, com a avaliação dos Centros e

também com os Profissionais de RVCC. Relativamente a estes considerou-se que lhes

deveriam ser aplicadas as metodologias inerentes aos Centros, isto é, ―que sejam

reconhecidas todas as competências que foram produzidas nas suas práticas de trabalho

com os adultos, a fim de se poder consolidar uma nova carreira profissional

especializada. É, aliás, necessária uma formação periódica de todos os agentes que

intervêm neste sistema, incluindo obviamente os profissionais de RVCC‖ (2007: 197,

198).

Concluindo, são os profissionais RVCC uma peça importante nos Centros, pois além do

seu trabalho específico com os adultos, ainda se constituem mediadores ao longo de

todo o processo, articulando-se não só com os técnicos de diagnóstico e

encaminhamento quando necessário mas também com os formadores; são pois uma

figura sempre presente no apoio prestado aos adultos.

2.5. Autonomia

Torna-se pertinente tratar o conceito de autonomia, uma vez que este surgiu ao longo de

todo o trabalho como categoria emergente no discurso dos profissionais entrevistados,

tanto implícita como explicitamente.

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

41

Se perguntarmos a alguém o que entende por autonomia talvez a resposta imediata seja

capacidade de decisão, saber escolher o mais conveniente e fazer essa escolha

conscientemente; de facto, a palavra autonomia tem origem no grego e significa auto

governo, governar-se a si próprio. Contudo o conceito é muito abrangente, e num

sentido mais lato aparece ligado à participação social e política, como condição de

exercício de uma democracia participativa, tornando-se ainda mais exigente e exigível

num contexto globalizado. De facto, num mundo globalizado como o actual torna-se

uma prioridade nas suas múltiplas vertentes material, psicológica, sócio cultural e

política.

Num artigo intitulado "O Sentido da Autonomia no Processo de Globalização‖ dois

autores, Siqueira & Pereira, consideram que na sociedade actual a autonomia ―constitui-

se como necessidade material, no momento em que a racionalidade tecnológica coloca

como exigências para o homem o domínio do conhecimento, a capacidade de decidir, de

processar e seleccionar informações, a criatividade e a iniciativa‖ (1998)33

. Continuam

afirmando que a palavra autonomia reveste-se de uma profusão de novos sentidos, todos

eles direccionados para qualificar a acção humana, em todas as circunstâncias da vida

social, numa multiplicidade de contextos. Reconhecem portanto a autonomia como

categoria central da essência da vida humana, como o poder de determinar os processos

e as estratégias de acção, permitir a escolha de caminhos e alternativas, bem como

objectivar desejos e ideais no sentido de efectivar a acção crítica nas mais diversas

situações que a vida impõe.

Talvez por esta razão tenha a autonomia surgido recorrentemente no presente estudo,

até porque no discurso oficial está muito presente a noção de que, como é dito pelos

autores no artigo citado, ―a educação deve ser repensada segundo as exigências do

mundo actual, que são colocadas segundo os princípios da modernidade reflexiva. Isto

significa que, nesse contexto, a educação precisa assumir seu verdadeiro papel na

formação da consciência crítica, disseminando a autonomia como valor central na

33 Artigo publicado na Revista Educação, vol. 22, nº 2 [On-line] http://www.angelfire.com/sk/holgonsi/index.autonomia1.html, 25/05/09

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

42

defesa de um projecto de cidadania moderno que promova a liberdade do homem.‖

(1998).

Seria desejável que no processo RVCC o adulto fosse de facto capaz de autonomia e de

reflectir criticamente sobre a sua história de vida, contudo para que isso aconteça ele

precisa de se sentir responsável, interlocutor de pleno direito, e não comandado de fora,

formatado por um técnico que o dirige.

Pierre Vayer, na sua obra Princípio de Autonomia e Educação afirma que num projecto

o papel do «capitão» é de ―coordenar o desenvolvimento das estratégias e das acções

colectivas com vista do fim a atingir‖ (1993: 171) numa ―complementaridade de acções

e interacções‖ (idem). Chama contudo a atenção que ―para que os interlocutores

presentes sejam verdadeiramente autónomos‖ existe a ―necessidade que cada um seja

realmente um especialista no seu trabalho, isto é, que domine as técnicas que lhe

permitem desempenhar o seu papel de forma óptima‖ (1993: 172).

E aqui reside a dúvida quanto à verdadeira autonomia do processo que sentem os

profissionais de RVCC, (no parecer das palavras dos profissionais entrevistados) quer

no que se refere à capacidade de escolha informada dos adultos sobre o seu projecto de

vida futura, quer no que diz respeito à capacidade de gestão do processo em si mesmo.

Acaba muitas vezes por ser o profissional que faz uma avaliação das competências do

adulto a partir de um referencial no qual encaixa a sua história de vida, a fim de que

possa ser certificado. A formação de adultos que certifique é por conseguinte bem vista,

mas a educação numa perspectiva abrangente, não limitada a um dado período da vida,

que significa a apropriação de oportunidades educativas vividas no quotidiano e que não

decorre dentro de quadros institucionalizados, ou seja, que não tenha intenções mas sim

efeitos educativos e que não confere diplomas, essa é olhada com alguma suspeição,

quando deveria ser a base de um processo verdadeiramente autónomo. A construção

conjunta de um projecto educativo baseado na auto-reflexão e a não imposição de um

pré-formatado, revelaria a margem de autonomia dos adultos e consequentemente seria

uma oportunidade de resolver problemas concretos, através de um processo de

inovação, de mudança qualitativa e de transformação.

Temos contudo que reconhecer que, como salienta Marise Ramos na sua obra A

Pedagogia das Competências: autonomia ou adaptação? ―A certificação das

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

43

competências passa a adquirir um valor relacionado com a empregabilidade […]‖

incrementando ―possibilidades de promoção e de mobilidade profissional‖. (2006: 87) e

mesmo que isso não seja exactamente verdade e que a certificação não corresponda a

mais emprego, é essa noção que leva muitos adultos a começarem o processo. É

também essa noção, a de qualificação para o mundo do trabalho, que conduziu à

elaboração de um Referencial de Competências-Chave, necessária talvez, mas redutora

da autonomia.

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- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

44

2ª Parte – QUADRO METODOLÓGICO

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45

Capítulo III

Metodologia de Recolha e Tratamento de

Informação

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- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

46

3.1. Problemática de estudo

Vivemos hoje numa sociedade de risco, sem precedentes na História, precisamente

porque está em constante mutação. Reina a incerteza, os valores esbatem-se e flutuam, o

trabalho, laço social por excelência, é em si mesmo um valor em vias de relegitimação,

a criminalidade organiza-se e torna-se mais violenta, numa sociedade também ela

violenta e potenciadora de uma cultura da violência. Vivemos contudo também numa

sociedade do conhecimento, o qual nos é transmitido instantaneamente pelos diversos

dispositivos de comunicação ao nosso dispor. É o risco aliado ao conhecimento que

conduz o discurso global a dar centralidade à questão das mudanças sociais e da

inovação, sendo pedida à Educação a responsabilidade de ser proactiva, pois dela se

espera a resolução dos problemas sociais, estando no saber a chave do desenvolvimento

do bem-estar, da segurança e do progresso económico individual e comum.

No nosso país, perante o atraso estrutural de qualificação que a população apresenta,

existe inequivocamente uma forte pressão para que nesta área sejam alcançados os

níveis Europeus. Essa pressão traduz-se na implementação de um conjunto de

estratégias governamentais que visam alcançar uma melhoria dos indicadores de

abandono escolar precoce e consequente melhoria nos índices de qualidade na

educação, e também qualificar os adultos através da formação, com o incremento da

Iniciativa Novas Oportunidades, na qual se insere o subsistema RVCC. O problema

deste estudo centra-se na compreensão da lógica que presidiu à implementação do

processo RVCC, e das metodologias adoptadas, especificamente o dispositivo Histórias

de Vida e o dispositivo Referencial de Competências – Chave. Esta medida altamente

inovadora no que diz respeito ao problema de qualificação dos menos jovens, pretende

conjugar a educação de adultos com o reconhecimento, validação e certificação das suas

competências, tendo o mesmo recebido um elogio da OCDE, em relatório de 200334

―Avaliar e Certificar os Conhecimentos e as Competências adquiridas no trabalho, em

casa ou na sociedade, é uma forma de motivar os adultos, porque estes têm a certeza de

não irem perder tempo a aprender coisas que já sabem. O sistema Nacional Português

de Reconhecimento, de Validação e de Certificação ao nível de educação e de

experiência pessoal é deste ponto de vista exemplar‖ (2003: 9).

34

Au-delà du discours: Politiques et pratiques de formation des adultes – Points clés. OCDE (2003)

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- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

47

Como explicitado anteriormente, pretende este trabalho aprofundar esta estrutura de

Educação e Formação de Adultos em Portugal, à qual subjaz o Paradigma da

Aprendizagem ao Longo da Vida, considerando que as aprendizagens formais, não

formais e informais realizadas pelo adulto no seu percurso de vida podem ser

materializadas em produto substituível ao quadro de qualificação do ensino formal. Visa

compreender se não haverá alguma tensão entre um princípio de reconhecimento de

saberes adquiridos em contexto experiencial, saberes apreendidos e reflectidos pelo

adulto na sua História de Vida, e um Balanço de Competências que poderá ser

entendido como pretendendo ―moldar‖ e adaptar a fins instrumentais essas mesmas

Histórias de Vida. Considerando o exposto, elegi como objecto de estudo da presente

investigação os profissionais RVCC de diferentes Centros. A razão da escolha prende-

se com o seu posicionamento no percurso RVCC, que é precisamente o de acompanhar

o adulto na sua História de Vida e inferir desta as competências passíveis de serem

reconhecidas de acordo com o Referencial de Competências-Chave.

Desejando conhecer o modo como os profissionais lidam com este ―formato‖, quais são

as motivações e expectativas e qual a perspectiva de educação e formação de adultos

que está presente, surgiram questões inevitáveis:

1. Como percepcionam os profissionais este ―formato‖, e quais as suas reacções?

2. Que percepção têm os profissionais da reacção dos adultos a este mesmo formato, (o

que os motiva, que expectativas têm e o que os conduz por vezes ao abandono do

percurso?)

3. Finalmente, que perspectiva de Educação de Adultos está subjacente a tal sub-

sistema de ensino?

Ou seja, o que se reconhece e valida, como se reconhece e valida, lógicas que se

encontram em presença, tendo por base a reflexão dos actores intervenientes,

nomeadamente os profissionais de RVCC. A metodologia utilizada para prosseguir os

fins que me proponho atingir é um reflexo das minhas preocupações, que se situam num

campo de compreensão dos fenómenos, de interpretação de pontos de vista, e que se

enquadram na metodologia qualitativa.

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

48

3.2. Metodologia qualitativa – uma abordagem fenomenológica

Considerando que o presente trabalho se situa na área das Ciências Sociais e Humanas,

as quais procuram ―compreender o significado que os acontecimentos têm para as

pessoas vulgares em situações particulares‖ (Bogodan e Biklen, 1994:53), pareceu-me

mais adequado o recurso a uma metodologia qualitativa para dar conta de uma postura

compreensiva, na recolha e tratamento das informações. Tal abordagem pressupõe uma

multiplicidade de conceitos que se interligam podendo ser definida como ―uma

enfocagem de métodos múltiplos, traduzidos numa aproximação interpretativa e

naturalista ao objecto de estudo‖ (Denzin & Lincoln, 1998: 3). É pois capaz de

interpretar os sentidos da complexidade das relações entre os indivíduos que interagem

em situações concretas, que é justamente o caso destes adultos, com o ensino formal

deixado para trás há muitos anos, e que por motivos diversos decidem aumentar o seu

nível de escolaridade, assim como dos profissionais que os orientam e os ajudam a

realizar aprendizagens. De acordo com Canário (1996: 65) ―um problema corresponde

sempre a um ponto de vista, é algo que não é dado mas sim construído e essa construção

é mais importante que a solução, porque a determina‖. É segundo esta lógica, que a

problemática deste estudo foi tratada, como um problema em permanente construção,

observada através do meu ângulo particular de visão, submetida porém a constante

vigilância, para que essa interferência não perturbasse e alterasse a investigação.

Essa permanente construção, precisamente porque é fundamental, exige por parte do

investigador o que Denzin chama de ―arte de interpretação‖ (1998: 313), o desafio de

tornar inteligível as interacções em presença e de as transpor do campo para o texto e

deste para o leitor. Necessária à arte de interpretar é a capacidade por parte do

investigador de escuta total, de comunicação, de empatia, de viver a incerteza, de

reconhecer a singularidade de cada situação, de interrogar o sentido, e possuir

características de flexibilidade, adaptabilidade, autonomia, e tolerância à frustração e à

ambiguidade.

Reconheço que estas valorizações fazem sentido por me situar num paradigma

fenomenológico. Para Bogden & Biklen, ―os investigadores fenomenologistas tentam

compreender o significado que os acontecimentos e interacções têm para as pessoas

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

49

vulgares, em situações particulares‖ (1994: 53), ou seja, procuram determinar qual a

atribuição de sentido que os sujeitos fazem às experiências da vida quotidiana.

O investigador produz uma ―análise do sentido que os actores dão às suas práticas e aos

acontecimentos com os quais se vêem confrontados: os seus sistemas de valores, as suas

referências normativas, as suas interpretações de situações conflituosas ou não, as

leituras que fazem das próprias experiências, etc.‖ (Quivy e Campenhoudt, 1997: 193).

Consequentemente valorizam as subjectividades dos sujeitos e interpretam os

fenómenos a partir dos seus pontos de vista, não perdendo contudo a noção da

existência de uma realidade exterior condicionante da acção humana.

Nos contactos estabelecidos surgiu não só a implicação mas também a

imprevisibilidade, pois que lidando com seres humanos, com os seus afectos e

subjectividades, esteve sempre presente a novidade e diversidade, revelando-se a

capacidade de escuta essencial, para ser possível discernir o sentido atribuído por cada

um às questões em causa, percepcionar o ponto de vista dos outros, tendo consciência

que pelo simples facto de me posicionar como agente externo ao contexto influenciava

o discurso dos profissionais a exercerem as suas funções no processo que desejava

estudar, na verdade a minha intervenção podia influenciar o que pretendia observar, e

competia-me prestar especial atenção à invisibilidade do quotidiano, interpelando,

questionando, para poder intuir com alguma veracidade o que me queriam realmente

transmitir. Nessa transmissão surgiram também efeitos indesejados, decorrentes da

autonomia dos sujeitos, o que me levou a considerar ao universo do possível preterindo

o universo do desejável; por isso mesmo, espero ser capaz de deixar o ―Outro‖ falar, e

ao interpretá-lo não transpor apenas para o papel a projecção de mim mesma e das

minhas opiniões.

Optei na recolha de materiais qualitativos pela entrevista feita aos profissionais, para

verificar se encontrava algum indicador esclarecedor da forma como estes lidam com o

―formato‖ do processo RVCC, o qual põe em conflito os saberes experienciais do adulto

e um Balanço de Competências padronizado, que acaba por desaguar num conjunto de

saberes de Educação formal, segundo o modelo escolar. Utilizei também a análise

documental, tendo-me socorrido da legislação referente à implementação dos Centros

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

50

de Novas Oportunidades, dos documentos oficiais dos RVCC e do meu relatório de

estágio.

3.3. Procedimentos e Instrumentos de recolha de dados

Num primeiro momento escolhi e defini o objecto de estudo da presente investigação.

Determinei posteriormente os objectivos que pretendia alcançar, em função de dúvidas

que tinham permanecido após a conclusão do meu estágio de licenciatura no mesmo

contexto que me propunha agora observar. Realizei leituras exploratórias que me

permitissem enquadrar teoricamente o tema, e compreender o que já foi dito

anteriormente a esse respeito. Explorados os conceitos pertinentes ao objecto de estudo,

passei à construção dos instrumentos de recolha de dados (entrevista e análise

documental), tendo a entrevista sido revista e refinada algumas vezes.

Num segundo momento, foram feitos por escrito os primeiros contactos com os

profissionais que pretendia entrevistar, explicando os objectivos da investigação e

indagando da sua disponibilidade de colaboração. Obtido o seu consentimento, foram

então administradas as entrevistas.

Os dados obtidos foram num terceiro momento sujeito a tratamento através do recurso à

análise de conteúdo. Procedi de seguida à sua apresentação e discussão, passando às

grandes questões finais e respectivas conclusões.

3.3.1. A Entrevista

A entrevista foi o dispositivo de recolha de informações que escolhi ―não apenas por ser

uma das técnicas mais usadas pelas metodologias qualitativas, o que já é de si carta de

apresentação relevante, mas porque a possibilidade de optar por uma apresentação semi-

estruturada […] permitia ter os mesmos pontos de referência para todos os indivíduos

entrevistados […] ‖ (Terrasêca, 1996: 90) mas também por considerar que através desta

(apesar de haver um fio condutor reflexo da minha pré-concepção sobre o assunto)

poderia percepcionar como os entrevistados, enquanto profissionais, entendem e lidam

com as questões levantadas.

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

51

A entrevista foi elaborada tendo em conta os objectivos do trabalho, nomeadamente a

questão do ―formato‖ do processo RVCC, mas também qual a percepção dos

profissionais em relação à autonomia dos adultos em todo esse processo, e quais as suas

expectativas e motivações. Queria perceber o sentido atribuído pelos profissionais às

Histórias de Vida e à necessidade que sentem de as confrontar com o Referencial de

Competências-Chave, para cumprirem as metas que lhes são exigidas. Pela mesma

razão resolvi entrevistar profissionais de RVCC em contexto escolar e em contexto não

escolar, para determinar se todos faziam a mesma atribuição de sentido, ou se este

diferia, conforme o enquadramento institucional a partir do qual se posicionavam. Uma

vez confirmados os contextos onde iriam decorrer, apesar de já ter um esboço das

questões do guião, senti necessidade de as ordenar e reformular diversas vezes.

Inicialmente, tinha feito uma abordagem directa à problemática, questionando ―a frio‖

os profissionais sobre qual a sua percepção de como reagia o adulto às Histórias de

Vida, se já tinha trabalhado e se conhecia o dispositivo. Concluído o que seria o guião

da entrevista, vi nele reflectida a minha ânsia de obter respostas. Procurei fazer o

exercício de me colocar na posição do entrevistado e conclui que seria uma entrevista

para respostas formatadas sem deixar espaço para o discurso fluir, sem lugar para que o

entrevistado tivesse necessidade de reflectir um pouco antes de me responder, o que

poderia inibir a produção de informação imprevista e na maior parte das vezes relevante

para o estudo. Senti então necessidade de reformular a abordagem, iniciando o guião

com questões que me elucidassem sobre o percurso do profissional até ao seu contexto

actual de trabalho, (considerando os diferentes contextos de entrevista, escolas e outras

instituições públicas), tentando perceber as suas rotinas. Deste modo quebraria o

constrangimento inicial, através de questões mais pessoais e menos formais. Este

posicionamento fez-me reformular a ordem das questões35

O guião definitivo, pareceu-me adequado a obter as informações pretendidas. Não

sendo as perguntas fechadas, permitiria que o entrevistado fluísse no seu discurso. De

acordo com Cohen e Manion este tipo de entrevista semi-estruturada permite ao

investigador ―indagar de modo a que possa penetrar mais profundamente, se pretender,

ou aclarar mal entendidos […] por outro lado também podem ter como resultado

35

Anexo II - Guião de entrevista provisório e definitivo

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- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

52

respostas inesperadas ou imprevistas‖ (1990:385). É, na realidade esta preocupação que

está presente no estudo, o procurar acrescentar algo que nos leve à compreensão da

questão de partida.

Foi obtido o consentimento dos sujeitos a partir de um contacto escrito prévio, tendo as

entrevistas sido agendadas de acordo com a disponibilidade dos entrevistados, que se

mostraram muito receptivos. No início de cada entrevista, foi explicado

pormenorizadamente qual o objectivo da mesma, a sua importância para a investigação

e foi pedida autorização para utilizar o gravador como suporte áudio de informação,

garantindo-se o anonimato. Cada entrevista tinha a duração prevista de 45 minutos,

tendo atingido sensivelmente os 60 minutos.

3.3.2. A Análise Documental

A análise documental é um dos métodos de recolha de dados na investigação

qualitativa, que pode ser usado em simultâneo com os restantes métodos, possibilitando

a obtenção de informação de diferente natureza e a comparação posterior das diversas

informações, permitindo assim a triangulação da informação obtida,36

entendendo-se a

triangulação como um processo que permite evitar ameaças à validade interna inerente à

forma como os dados de uma investigação são recolhidos.

A representação seguinte do processo mostra bem a centralidade da análise de

documentos entre os diversos métodos de recolha de informações:

36 Igea, et al., (1995) cit in CALADO, S.S. & FERREIRA, S. C. R. (2004/2005) Análise de

Documentos: Método de Recolha e Análise de Dados, Mestrado em Educação – Didáctica das

Ciências – Metodologia da Investigação I – DEFCUL [On-line]

http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/ichagas/mi1/analisedocumentos.pdf, 15/06/09

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

53

Figura 3 – UTILIZAÇÂO CONJUNTA DE MÉTOOS DE RECOLHA DE DADOS (Adaptado de Igea et al, 1995)

Início Fim

Observação37

Processo de Reconstrução

obtenção da Documentos da realidade

Informação social

Entrevistas

Tempo

t0 t1

Essa centralidade deve-se ao facto da análise documental, sendo um método de recolha

de informação, estar enquadrada teoricamente numa disciplina mais vasta que podemos

apelidar de Documentação. De acordo com Maria Molina (1993)38

a Documentação

assume-se como ciência por ter um objecto, pontos de vista específicos, leis,

classificação, método, e ser dotada de técnica e organização. Esta Documentação

organizada permite obter de forma rápida e fácil informações seguras e verdadeiras,

actualizadas, universais e susceptíveis de serem postas à disposição da maioria das

pessoas. Porém, sendo ciência está na base de todas as ciências, pois é-lhes

imprescindível, fornecendo-lhes instrumentos de trabalho como a análise documental, é

por isso simultaneamente ―especializada (tem os seus próprios métodos de trabalho) e

pluridisciplinar‖ (Molina, 1993: 23).

Valendo-me dessa pluridisciplinariedade, socorri-me da análise documental, a qual teve

como objectivo compreender de forma mais aprofundada a realidade em estudo,

baseando-se nos documentos dos RVCC, em Leis, Decretos-Lei e Portarias, Relatórios

de Organismos Oficiais portugueses e estrangeiros, bem como no meu relatório de

estágio de Licenciatura que me forneceu dados relativos aos adultos em processo RVCC

37

Foram mobilizados pontualmente registos de observação do estágio, (Marques, 2008) 38

Molina, M.P. (1993) Análisis Documental Fundamentos y Procedimientos, Madrid: Eudema, S.A.

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

54

e às dificuldades que experimentaram, servindo-me de complemento à restante

informação, obtida por outros processos.

Os documentos utilizados foram submetidos a uma análise crítica para aferir do valor do

discurso utilizado e da pertinência dos dados fornecidos para o objecto do estudo. De

facto, segundo Cohen & Manion (1990), os documentos utilizados numa investigação

devem ser submetidos a uma crítica externa, para ajuizar da autenticidade das fontes, o

que não foi o caso na presente investigação, uma vez que se trata de documentos

oficiais, e a uma crítica interna que tem como objectivo analisar a sua relevância para as

finalidades visadas pelo projecto. Posteriormente foi o seu conteúdo analisado e

estruturado para servir de suporte quer ao quadro conceptual, quer à apresentação e

discussão dos resultados.

3.4. Análise e tratamento de dados: A Análise de Conteúdo

Seguiu-se um trabalho moroso de transcrição das entrevistas39

com o objectivo de

proceder à análise de conteúdo das mesmas. A finalidade da análise de conteúdo de

acordo com Jorge Vala ―[…] será pois de efectuar inferências, com base numa lógica

explicitada, sobre as mensagens cujas características foram inventariadas e

sistematizadas‖ (Vala, 1986: 104). A análise de conteúdo oferece ―a possibilidade de

tratar de forma metódica informações e testemunhos que apresentam um certo grau de

profundidade e complexidade‖ (Quivy e Campenhoudt, 1997: 227).

Na perspectiva de Bardin a análise de conteúdo pode ser entendida como

―Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por

procedimentos, sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das mensagens,

indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos

relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens"

(Bardin, 1977:42).

Ainda de acordo com Bardin quem se propõe fazer análise de conteúdo, deve ter bem

presente que esta aparece como ―um conjunto de técnicas de análise das comunicações,

39

Anexo III - Transcrição das entrevistas

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

55

que utiliza procedimentos sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das

mensagens‖ (idem: 37).

Após a transcrição, as entrevistas foram limpas de interjeições e de muletas de

expressão que as tornavam confusas e procedeu-se a uma primeira leitura, para

compreender as respostas de cada indivíduo na sua globalidade. Seguiu-se uma fase não

menos morosa e cansativa que consistiu na codificação; segundo Jorge Vala ― a

classificação, a categorização é uma tarefa que realizamos quotidianamente com vista a

reduzir a complexidade do meio ambiente, estabilizá-lo, identificá-lo, ordená-lo ou

atribuir-lhe sentido‖ (2007:110).

Procedeu-se num primeiro momento à categorização, estando os objectivos da

investigação estreitamente ligados à escolha das categorias, as quais constituem rubricas

significativas em função das quais o conteúdo das entrevistas é classificado. O

tratamento das mensagens do texto pela sua fragmentação em categorias permitiu uma

descrição/enumeração das características do texto, por deduções lógicas (inferências).

Num segundo momento foram determinadas as unidades de análise, por referência a

palavras e temas retirados do corpo do texto, tendo num terceiro momento o registo da

sua frequência servido de indicadores às categorias, e base de quantificação de análise.

O trabalho de categorização, ao procurar determinar categorias exclusivas e dotadas de

objectividade, bem como as unidades de sentido que as caracterizam, não foi fácil,

sobretudo pela necessidade de comunicação contínua entre os conteúdos das entrevistas

analisadas e o quadro teórico de referência.

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56

3ª Parte – RESULTADOS E DISCUSSÃO

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57

Capítulo IV

Principais Considerações para o Tema em Estudo

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58

4.1. Análise das entrevistas

A discussão final é feita de acordo com os resultados da investigação, nela confluindo

todos os dados recolhidos que se revelaram pertinentes para a compreensão da questão

de partida, sendo que a investigação empírica constou da recolha de materiais

qualitativos, análise documental, entrevistas feitas aos profissionais de RVCC e análise

de conteúdo40

das mesmas.

Esta investigação tem como objectivo compreender a forma como lidam os agentes

intervenientes no processo RVCC com a tensão existente entre um reconhecimento de

saberes adquiridos na vida quotidiana, explicitados e reflectidos pelo adulto na sua

História de Vida, e uma necessidade de certificação que se traduz num Balanço de

Competências que pretende moldar essa mesma História de Vida a fins instrumentais,

ou seja, pretende encaixar a História de Vida e traduzi-la em saberes segundo o modelo

escolar, a fim de que o adulto possa receber um diploma. Pretendeu-se retirar das

―falas‖ dos profissionais de RVCC a compreensão da forma como trabalham com este

―formato‖ e a sua percepção em relação ao modo como os adultos reagem a esse mesmo

―formato‖, aquilo que os motiva ao procurarem o processo RVCC, que expectativas têm

à partida e se colocados perante uma cultura de massificação de ensino-aprendizagem

não tenderão muitos a abandoná-lo.

Surgiram por conseguinte questões que se prendem com o que reconhece e valida,

como se reconhece e valida, lógicas que se encontram em presença, tendo por base a

reflexão dos actores intervenientes, nomeadamente os profissionais de RVCC, que

conduzem inevitavelmente a inquirir se o que se aprende na vida pode ter diploma, qual

o valor real do que aprendemos ao longo da vida e porque precisamos de diplomas; isto

é, estamos por um lado perante um discurso que valoriza o percurso individual a ponto

de afirmar que os saberes experienciais são tão importantes que podem ser reconhecidos

e certificados mas por outro lado encontramo-nos perante práticas de uniformização e

massificação da educação de adultos, que parecem ser as únicas viáveis para conferir

diplomas, que no fundo não têm qualquer outro resultado senão diminuir as estatísticas

40

ANEXO IV – Análise de conteúdo

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

59

preocupantes de qualificação dos portugueses. Encontramo-nos perante um choque de

paradigmas, bem expresso na afirmação de Ana Pires41

quando interroga

―Em que medida a lógica centrada na pessoa – que exige um forte investimento

institucional no sentido de lhe facultar a apropriação dos meios que lhe permitem

desenvolver uma estratégia formativa, assente na expressão das suas potencialidades e

na construção de um projecto, com base em informações pertinentes e relevantes sobre

si próprio, sobre o meio educativo e profissional – não se encontra em profunda tensão

com uma lógica presente no discurso político defensora de uma maior

responsabilização do indivíduo face ao seu percurso formativa e às suas

aprendizagens‖ (2005: 611).

Tal lógica surge como tentativa de simultaneamente legitimar e desresponsabilizar o

Estado perante os cidadãos, responsabilizando estes pelos seus fracassos no campo

educativo. E por isso se proclama também a autonomia do adulto em todo este processo

e que em última análise só não se ―educa‖ e não ―sobe na vida‖ quem não detiver a

capacidade de gerir essa autonomia.

Que perspectiva de Educação de Adultos está pois subjacente a tal sub-sistema de

ensino?

Para responder a estas questões fiz quatro entrevistas a profissionais de RVCC, três em

contexto escolar, e uma em contexto não escolar.

Foram estas inquietações que me conduziram à determinação das categorias de análise;

espero através dos indicadores retirados das entrevistas poder inferir algumas respostas

pertinentes à conclusão deste estudo. Assim, as categorias extraídas foram:

Categoria 1 – Perfil do público-alvo do processo RVCC

Categoria 2 – Motivação dos Adultos

Categoria 3 – História de Vida

Categoria 4 – Referencial de Competências-Chave

Categoria 5 – Consequências do Processo

Categoria 6 – Percurso do processo

Categoria Emergente (transversal a todo o processo) – Autonomia

41

Na sua obra Educação e Formação ao Longo da Vida: Análise Crítica dos Sistemas de Dispositivos de

Reconhecimento e Validação de Aprendizagens e de Competências (2005).

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

60

Foi bastante difícil organizar a informação produzida de forma coerente e produtiva. A

ordem de enunciação das categorias é aleatória nesta fase de exposição, perspectivando

se tornem evidentes ou não numa fase posterior de discussão de resultados diferentes

graus de relevância.

Categoria 1 - Perfil do público-alvo do processo RVCC

De acordo com o conteúdo das entrevistas, conforme excertos de texto abaixo

reproduzidos, ressalta da análise do discurso dos profissionais entrevistados as

percepções que têm em relação ao perfil do público-alvo.

Dois dos profissionais referem especificamente a falta de competências do adulto

relacionadas com a falta de educação formal, por analogia a peças com defeito de

fabrico, sendo esse defeito proporcional ao grau académico que possuem. Há também

uma distinção bastante expressiva entre o perfil do público do básico que associam ao

operário fabril e o do secundário que relacionam com empregado de escritório.

― … Eu o que digo aos meus colegas é assim, estas pessoas que aparecem no CNO dos adultos portanto, são peças produzidas na escola e que saíram da fábrica, da fábrica do serviço com avarias… (ent.1). ―Não estão em bruto nada! Estão estragadas! Elas saíram da escola, não acabaram o 9º ano, ou não acabaram a 4ª classe, ou não acabaram o 12º ano. Se não acabaram o 12º ano, vamos lá ver, a

avaria deles é um farolim...‖ (ent.1) ―…O secundário vai para temas muito gerais, acaba por ser muito diferente, mas ai

também concordo que realmente os públicos do secundário e do básico são públicos completamente diferentes, porque o público do básico é aquele operário fabril que precisa de escolaridade para continuar ou para manter o posto de trabalho… (ent.3) ―…para o secundário vêm aquelas pessoas que trabalham num escritório e logicamente têm em casa alguma interacção com os filhos.‖ (ent. 3)

Os restantes profissionais consideram o público-alvo como sendo maioritariamente

desempregado ou carenciado, mas não ―avariado‖ ou com défice de escolaridade

formal. Referem contudo a juventude do adulto como factor negativo no que diz

respeito às competências:

―…temos pessoas de rendimento social de inserção, que à partida são pessoas que têm prioridade mais para durante o dia, mas são falsos desempregados na realidade! E eles depois não aparecem durante o dia; porque realmente não são, e

são esses que fazem mais barulho quando chegam aqui, porque realmente vêm que não vão conseguir conciliar, e não conseguem …‖ (ent.2) ―… Pessoas carenciadas, pessoas desempregadas, começamos a ter muitos vindos da assistente social – do rendimento social de inserção – começamos a ter muita população.‖ (ent.2).

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―… É como os desempregados que passam aqui por nós que a gente diz eu sei que é difícil e tal … e eles olham para nós…‖ (ent.4) ―… a realidade é que não estou na situação deles e é importante que eles se sintam compreendidos se não sentem que há feedback do outro lado não podem confiar…‖ (ent.4) ―…O que acontece aqui é que estão a ser certificadas competências, e as competências é saber aplicar as coisas na prática em diferentes contextos e muitas vezes os jovens têm o ensino

teórico mas não têm essa competência…‖ (ent. 4)

Em síntese, podemos concluir que os profissionais, no que diz respeito ao público-alvo,

sentem que a larga maioria dos utentes do processo RVCC são sujeitos com poucas

competências e em risco de exclusão sócio-profissional.

O discurso remete para uma tensão entre uma História de Vida individual, indutora de

uma capacidade formativa baseada nas potencialidades de cada indivíduo e que lhe

permita a construção de um projecto de vida pessoal, social e profissional e a forma

como os profissionais olham os adultos. O Referencial de Competências-Chave

uniformizado começa a revelar-se um guia de operacionalização do processo

fundamental para consertar as ―peças‖ se as ―avarias‖ não forem tão graves que o

inviabilizem.

Categoria 2 – Motivação dos Adultos

No que diz respeito aos motivos que levam os adultos ao processo RVCC, a

generalidade dos profissionais pareceu considerar que de início estes vêm para o

processo com a ideia de algum facilitismo. A título de exemplo um deles referiu (ent. 2)

que ―Já tivemos adultos que no dizem: “Ah, o meu filho não quer estudar porque diz

que mais tarde vai para as novas oportunidades”, outro (ent. 3) mencionou o caso de

uma formanda que precisava de um certificado em inglês para progredir na carreira, sem

saber falar uma única palavra da língua, (“ai, eu só precisava do papel …”) e pretendia

que lho dessem sem fazer horas de formação. Alguns iniciam o processo de alguma

forma constrangidos, para não perderem apoios sociais de que usufruem. Outros fazem-

no voluntariamente por diversas razões, que vão desde a ―necessidade‖ de aprender até

à ―necessidade‖ de socializar, de comunicar, passando por ―aproveitamento‖ da situação

[no sentido material, e tendo em conta o que significa para uma parte considerável do

público o valor da bolsa de formação - (“…temos as pessoas que querem o dinheiro da

bolsa.” (Ent. 4].

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Observemos os excertos transcritos a propósito destes diferentes aspectos:

―… três formandas que nós tivemos aqui, que foram cá postas por obrigação, em rendimento social de integração, onde para elas escreverem o ―sim‖, que queriam fazer a formação, teve que existir uma discussão forte…‖ (ent. 1) ―…essas pessoas estão a frequentar cursos… porque estão a ser mandadas pelo IEFP … e as assistentes sociais também…‖ (ent. 1) ―…vêm cá aprender, receber orientações.‖

(ent.1) ―…e quando volta… ao CNO não vem a pensar que não vai aprender nada.‖

(ent. 1) ―…importante para eles, … a formação…‖ (ent.1) ―Um tempo de prazer,

quando eles vêm para aqui com vontade de estar com pessoas com que eles

se sintam bem‖ (ent.1)

―… a assistente social mandou.‖ (ent.2) ―… eu até queria, ou até estava a pensar no assunto‖ (ent. 2) ―…a questão da comunicação realmente também tem sido um dos nossos trabalhos; a comunicação com os adultos. (Ent. 2) ―Não é por vontade que vêm fazer… depois querem-no fazer da maneira mais fácil possível e mesmo na maneira mais fácil, supostamente, mesmo assim ainda tentam fazer o mínimo dos mínimos!‖ (ent.2)

―…a maior parte vem à procura de uma certificação por imposição da entidade patronal, ou estando desempregado por orientação do Instituto de Emprego, podem até ao fim eles sentir alguma satisfação, mas depois eu não creio que haja progressão quase nenhuma‖ (ent.3) ―o objectivo dela era o da progressão na carreira, que passaria por ter o certificado do 12º ano. E se não há seriedade no processo daqui a pouco temos um nível de escolaridade aumentado mas ―com pés de barro‖…(ent.3)

―…as pessoas têm consciência clara que enquanto não se qualificarem não vão

conseguir um emprego‖ (ent. 4) ―…sentem a necessidade de ver reconhecidas as competências que têm porque sentem que é importante para a progressão profissional…‖ (ent. 4) ―…temos as pessoas que querem o dinheiro da bolsa.‖ (Ent. 4) ―…a maior parte das vezes existe uma motivação extrínseca que os motiva, que os faz andar para a frente, mas acaba por ser a pressão do mercado de trabalho, de evolução e do avançar e de não sentir que estão atrás dos outros que trabalham com eles e por ai fora‖ (ent.4).

As motivações expressas nas ―falas‖ dos profissionais revelam uma variedade muito

grande de razões por parte dos candidatos, contudo a procura voluntária do processo por

parte dos adultos parece estar ligada à importância que dão à formação, como forma de

reforçar a sua auto-estima e a sua auto-valorização e de definir projectos pessoais e

profissionais (importante para a progressão profissional – ent. 4). Está também expresso um

desejo por parte dos adultos, reconhecido pelos profissionais, de socializar, de comunicar com

os outros, de partilhar experiências e aprendizagens, ou seja, uma dimensão de convívio.

Categoria 3 – História de Vida.

No que respeita as Histórias de Vida, os profissionais emitiram não apenas o seu ponto

de vista pessoal, mas reflectiram criticamente sobre o que consideram ser a perspectiva

do adulto. De acordo com a percepção dos entrevistados, nesta categoria está por eles

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reconhecido o valor formativo das Histórias de Vida e da autoavaliação que o adulto faz

das suas experiências em contextos diversos. Reconhecem o saber do adulto, mas

salientam a falta de capacidade de reflexão sobre esse saber. Os contextos de

aprendizagem são valorizados, também eles, de maneira diferente por profissionais e

adultos, para os primeiros os contextos de aprendizagem por excelência são as

formações e os empregos, para os segundos a vida pessoal e social em geral.

Considerando a História de Vida como dispositivo fundamental de todo o processo, é

evidente que as percepções diferentes que adultos e profissionais têm da mesma poderão

condicionar a eficácia do processo, razão pela qual os profissionais procuram

encaminhar a História de Vida na direcção ―certa‖ para procederem a um balanço de

competências. Este facto revê-se no discurso retirado das entrevistas:

―O formando quando vem cá, na história de vida, ele não tem…ele tem a sua história de vida valorizada. Ele sabe muito! ‖ (ent.1) ―…eles até conseguem apresentá-la pontualmente aqui e acolá… a auto-estima muito baixa… ‖ (ent. 1).

―…O adulto quando estamos numa fase inicial, a história de vida, ou quando falamos na história de vida, ou mesmo quando o adulto lá fora ouve que se tem que fazer uma história de vida, eles estão a ver os sentimentos e o casamento, depois surgem histórias associadas mais à parte sentimental, quando não é isso que se procura nestes processos; São as aprendizagens, as formações, os empregos que

foram tendo, mas eles apelam sempre para a vertente pessoal, mais íntima. Tentamos numa fase inicial desconstruir um bocadinho essa ideia porque é a que eles têm lá de fora, isso é verdade…‖ (ent.2) ―Referem que fizeram esta formação, que trabalharam nisto e naquilo, mas não falam exactamente naquilo que queremos…‖ (ent.2) ―…eles apelam sempre para a vertente pessoal, mais íntima‖ (ent.2)

―É uma narrativa, e os adultos vão muito por aí.‖ (ent. 3) ―…não há uma reflexão

acerca das aprendizagens‖ (ent. 3) ―…chamamos muito à atenção para o facto de ser uma história reflexiva, argumentativa também, mas quantos é que apresentam assim? Só se for no secundário, no básico é muito difícil, acaba por ser uma narrativa‖ (ent.3) ―A reflexão é muito pouca, eles têm muita dificuldade em fazer reflexões…‖ (ent. 3) ―…nós pretendemos ao máximo demonstrar as competências, os conhecimentos…‖ (ent.3) ―Nós damos sempre a informação do que pretendemos e quando nós começamos um processo, nesse sentido, nós damos um guião, um guião do que deverá ser feito…‖ (ent.3) ―… a história de vida é única

mas chega a um ponto – porque nós temos que obedecer ao tal programa – chega a um ponto que o adulto tem de extravasar a história de vida para as vivências comuns… ― (ent.3) ―Conta o facto de ter experiência profissional, ter uma experiência social! Se não tem como é que vai fazer o processo? Aconteceu situações de formandos novos que acabam por desistir do processo porque não têm, como é que eu vou conseguir fazer uma história de vida se ele não tem experiência de vida‖ (ent.3)

―…essa acaba por ser a base do trabalho com as pessoas, é a história delas, é a realidade delas, é a visão delas.‖ (ent. 4) ―…a base é a pessoa, a pessoa é a história dela, é a visão dela, é a narrativa dela, a pessoa que está à nossa frente é resultado

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de uma história de vida…‖ (ent. 4) ―…também fazer com que o adulto faça um exame auto-crítico muito grande para realmente fazer a tal equivalência ao ensino formal.‖ (ent. 4)

Em síntese, existe nos profissionais a noção de que os adultos quando são confrontados

com a necessidade de construção de um dossier pessoal do qual faz parte a sua História

de Vida sentem muita dificuldade, confundindo as competências que os profissionais

pretendem certificar com relatos do foro íntimo. Considerando os profissionais que o

adulto não tem uma capacidade de reflexão elevada, pelos menos no básico, sentem por

isso necessidade de os auxiliar não apenas a reflectir, mas conduzindo-os a apontar

aprendizagens que tenham ―valor‖ prático, direccionando-os para aquelas competências

padronizadas e estabelecidas no Referencial de Competências-Chave, ao ponto de

fornecerem um guião do que deve ser feito. O extravasar a História de Vida para as

vivências comuns significa para os profissionais nela encontrar vivências semelhantes

às de todas as outras histórias de vida, susceptíveis de validação e certificação por

―encaixarem‖ no Referencial de Competências-Chave. Que liberdade tem pois o adulto

para reflectir e avaliar as suas competências, se têm que ser comuns a todos? Contudo,

para se obter sucesso, deveria ser atribuída uma centralidade fundamental ao indivíduo.

Ana Pires salienta que:

―a centralidade atribuída à pessoa no seu processo de construção e desenvolvimento

encontra-se em consonância com o valor atribuído à auto-avaliação, que parece ser

imprescindível no processo de identificação das aprendizagens e competências;

fazendo apelo à reflexividade, promovendo a conscientização e a transformação da

pessoa, favorecendo a sua emancipação‖ (2005: 408).

Para além da tensão existente entre História de Vida individual e um Referencial de

Competências-Chave, também do discurso dos profissionais se podem tirar algumas

ilações quanto à autonomia que se pede ao adulto durante todo o processo RVCC e que

aparece como categoria emergente e transversal a todas as suas fases. Como podem os

adultos ser interlocutores de pleno direito se são incapazes de reflectir criticamente e

autoavaliar as suas aprendizagens e experiências? Antes porém de considerar essa

questão vejamos o que nos dizem os profissionais em relação ao Referencial de

Competências-Chave.

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Categoria 4 – Referencial de Competências-Chave

Relativamente ao Referencial de Competências-Chave, os profissionais entrevistados

referiram-se à sua matriz e à sujeição dos adultos e essa matriz, apontando os conteúdos

do referencial e os critérios da sua aplicação. Tais conteúdos, de carácter estanque e

compartimentalizado disciplinarmente, são do seu ponto de vista pouco ajustados às

competências dos adultos, as dificuldades são muitas e a certificação difícil, e muitas

vezes apenas parcial.

Eis algumas das ―falas‖ mais significativas:

―…no ensino formal nós vamos buscar os saberes para os validar, e aqui vamos buscar as competências para as transformar em saberes formais e validar. Logicamente temos que andar à procura delas porque a maior parte das pessoas nem sabe que as têm…‖ (ent.2) ―…tem 88 créditos se cumprir o referencial todo‖ (Ent. 2). ―O adulto muito raramente atinge os 88, não é, por isso é que existem coisas que realmente não se encaixam na vida daquele adulto, por isso é que nunca

chega aos 88, porque há coisas que realmente não encaixam‖ (ent.2) ―Fica validado com metade dos créditos, por isso… Bom, é uma estratégia‖ (ent. 2) ―…acho que em todo o caso se está a formatar, acho que há coisas que provavelmente cada pessoa, cada profissional podia acrescentar àquelas 88, e até mesmo de região para região‖ (ent.2)

―… é matriz, é verdade! Nós temos realmente um manual com as actividades todas do processo…‖ (ent.3) ―…através da autobiografia deles depois é que vamos dar linhas orientadoras.‖ (ent.3) ―…nós temos que estar ali a apoiar, a dar linhas

orientadoras se não os adultos não conseguem.‖ (ent 3) ―Concordo que o processo é individual mas com muita orientação, sem dúvida…‖ (Ent. 3) ―…o que não devia acontecer é a história de vida do adulto adequar-se ao referencial, isso é que não pode ser, ou o referencial tem de ser chapado na história de vida do adulto, isso não devia acontecer‖ (ent.3)

―…nunca me preocupou muito a parte dos referenciais, porque para mim os referenciais devem ser um apêndice, não devem ser a base do trabalho, eu tenho

que ter em conta como é que eu exploro a história de vida e depois ver se as competências estão lá ou não‖ (ent.4)

Salienta-se claramente deste discurso a existência de uma matriz enformadora, um

manual com todas as actividades prescritas, e os profissionais orientam, guiam e apoiam

os adultos no sentido de cumprirem os objectivos definidos no referencial, sendo que os

critérios que presidem a essa orientação são a obtenção dos créditos necessários à

certificação e a implementação de estratégias para alcançar esse fim; portanto o

processo é individual, não o sendo… tendo os adultos que se sujeitar à matriz e à

formatação decorrente desse facto. Apenas o entrevistado 4 considerou que os

referenciais não são o mais importante no trabalho a desenvolver.

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Mais concretamente em relação aos conteúdos do Referencial de Competências-Chave

teórico e à sua padronização, referiram as dificuldades da sua implementação:

―…os portfolios são parecidos de CNO para CNO… ― (Ent. 2) ―Os processos são

já muito mais padronizados‖ (Ent. 2) ―Porque o referencial… é intragável, sinceramente, aquilo é muito complicado o

referencial…‖ (Ent.3) ―Quer dizer, não há um trabalho de autobiografia, a partir do qual se parte para as

competências, quer dizer, pega-se no referencial e eles vão construir a história de vida com base no referencial; há um encaixe no referencial, não há uma história de vida!‖ (ent. 4) ―Condiciona sempre!‖ (O referencial) (ent. 4) ―…certificação parcial, tem competências, foram certificadas, é-lhe dito o quê que falta para ter a certificação‖. (ent. 4)

Os profissionais mencionam as competências e a necessidade da sua existência para o

adulto ser certificado, porém reconhecem a padronização do Referencial de

Competências-Chave e o condicionamento a que estão sujeitos os adultos; reconhecem

igualmente as dificuldades que sentem todos os intervenientes no processo, dado que ―o

referencial é intragável, é muito complicado‖. De referir que o mesmo profissional que

afirma não serem os referenciais o mais importante acaba por admitir que estes

condicionam sempre o processo.

Perante isto, quais são as consequências do processo para os adultos, mesmo que o

levem até ao fim? Será que saem apenas com as suas competências reconhecidas,

validadas e certificadas e sem nenhuma mudança real, seja ela intrínseca ou extrínseca,

ou pelo contrário há sempre algo que muda…

Categoria 5 - Consequências do Processo

No que diz respeito a esta categoria de análise os profissionais revelarem algum

cepticismo quando à capacidade de mudança revelada pelos adultos em formação. O

entrevistado 2 particularmente refere a quase completa ausência de mudança, seja ela

interna ou externa. Os outros profissionais afirmam que alguns adultos saem do

processo apenas com a certificação, porém outros acabam por valorizar as

aprendizagens realizadas e a formação tem efeitos que se traduzem numa mudança de

mentalidade, e que constituem um verdadeiro crescimento. O entrevistado 3 faz uma

distinção entre o nível básico e secundário, considerando este último muito mais

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enriquecedor. Por sua vez o entrevistado 4 pensa que os cursos EFA são mais

enriquecedores do que o processo RVCC.

Eis algumas transcrições que revelam os diferentes pontos de vista:

―…ela neste momento está à procura se conclui a formação dela para ver se consegue fazer alguma coisa e não estar dependente duma esmola da sociedade‖ (ent.1) ―Quando as pessoas chegam ao final do processo, não se ouve falar em alguma delas ―Agora que eu tenho o 9º ano, agora que tenho o 12º ano vou ter melhor possibilidade de emprego‖, não ouves falar! O que ouves dizer sempre ―Eu agora já vejo a vida doutra maneira, eu agora começo a compreender as coisas de outra forma‖ (ent. 1) ―As pessoas quando vêm cá, vêm com essa necessidade de adquirir conhecimentos, e depois quando saem daqui, eles vão satisfeitos com eles

próprios porque viram que o conhecimento que tinham era muito maior do que eles consideravam! É um passo para o inicio de outra actividade‖ (ent.1),

―…existem adultos que saem só com o certificado, sem uma única mudança.‖ (ent. 2) ―… a maioria penso que será isso… procura a certificação ‖ (ent. 2).

―…mas depois eu não creio que haja progressão quase nenhuma‖. (Ent. 3) ―… umas sessões e querem um papel. (ent. 3) ―…há as tais actividades que são padronizadas, eles podem até mudar um bocadinho, mas são poucas as pessoas…‖

vai trazer uma mais-valia em termos pessoais e mesmo profissionais.‖ (Ent. 3) (ent. 3) ―sem dúvida no secundário eu acho que as pessoas enriquecem, pelo menos da experiencia que eu tenho enriquecem; Agora o básico…eu acho que a mais-valia do básico eles próprios dizem é a experiencia informática‖ (ent.3) ―não sei se ela vai conseguir ao não fazer o processo, mas nela vejo uma mais-valia do processo, porque através do processo ela começou a ver o telejornal todos os dias; ela aponta as palavrinhas que não conhece, ou conteúdos, ou temas da actualidade

que não esteja a par para chegar a casa e ir ver e informar-se‖ (ent.3) ―…ela uma vez veio ter comigo e disse ―Oh doutora, eu estou a aprender imenso‖, mas está a aprender imenso porquê, porquê que me está a dizer isso? ―olhe, eu não sabia o que era a globalização, eu não sabia o que era isto, o que era aquilo” e eu fiquei parva, nunca pensei! ―eu não via noticias, eu só me dedicava ao trabalho, via um novelita‖ e eu disse não, não pode ser! Uma pessoa tão nova! Mas isto deve acontecer muitas vezes…‖ (ent.3)

―…uma percentagem muito mais elevada de pessoas que têm motivações

extrínsecas (certificação) do que intrínsecas (mudança), sem dúvida!‖ (ent. 4)

―…na prática, no mercado de trabalho, nas qualificações não vejo que seja

enriquecedor em nada. É mesmo só um reconhecimento…‖ (ent. 4) ― o aumento da

auto-estima, o aumento da auto-confiança, também são factores importantes quer

individualmente quer para a sociedade quer para o mercado de trabalho, portanto

apesar de tudo este processo tem vantagens, trouxe vantagens, que é as pessoas

verem realmente reconhecidas competências que até agora ninguém olhava para

elas‖ ent.4) ―eu acho que há mais-valias nos EFA, no sentido de aquisição de novas

competências e de conhecimentos que propriamente o RVCC, o que não é mesmo

suposto que isso aconteça!‖ (ent.4)

Os profissionais parecem concordar no facto de considerarem as mudanças muito

ténues, apenas levemente enriquecedoras e apenas nalguns casos. Mesmo assim esse

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enriquecimento quando existe é a nível pessoal, porque a nível de mercado de trabalho

os efeitos do processo não se fazem sentir, um dos profissionais afirma mesmo “…a

nível prático isto não trouxe diferença nenhuma…” (ent.4).

Categoria 6 – Percurso do processo

Como salientado anteriormente, a sequência atribuída às categorias não é sinónimo de

maior ou menor relevância para o estudo, mas sim de uma coerência que pretende ser

facilitadora da compreensão da análise feita. Esta categoria começou por ser tratada na

fase inicial de elaboração deste trabalho como Categoria 1, porque pareceu-me então

importante e pertinente ao tema da investigação começar por estabelecer a percepção e

postura dos profissionais em relação ao percurso de construção do processo RVCC. Se

continua a ser válida esta perspectiva, não me parece menos acertado analisar o

Percurso do processo depois do ―percurso‖ percorrido, pois nele confluem tensões e

constrangimentos inerentes a todas as categorias, que podem melhor elucidar as

dificuldades sentidas pelos diversos intervenientes, limitadoras das probabilidades de

sucesso, uma vez que o discurso dos profissionais indicia alguns factores susceptíveis

de condicionar a evolução do processo RVCC, numa tripla vertente:

a) Percepção sobre a influência do contexto onde decorre o processo

Sendo os entrevistados provenientes de contextos diferentes, de CNO‘s situados em

escolas e de um CNO do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), o seu

discurso revela existirem diferenças consideráveis entre eles. Gostaria de salientar que o

facto de apenas uma entrevista ter sido realizada em contexto não escolar, e por essa

razão não terem os diferentes discursos o mesmo peso comparativo, são no entanto

evidentes estas diferenças no discurso que é possível analisar. Além das diferenças entre

instituições diversas do sector público, o entrevistado 3 salientou diferenças entre os

CNO‘s do sector público (onde trabalha actualmente) e do privado (onde já trabalhou).

O entrevistado 1 revela ainda descrença numa cultura de trabalho a sério numa entidade

pública. Os excertos seguintes são ilustrativos desta realidade:

―…se o CNO é numa escola, todo o espaço é escola‖ (ent. 1) ―O CNO numa

empresa é um espaço reservado…‖ (ent.1) ―…CNO na empresa, não se pode tirar, de qualquer forma, os portefólios dentro da empresa, porque aquilo são propriedade da empresa…‖ (ent.1) ―…CNO na escola não tens ninguém contratado, tens horas atribuídas a professores…‖ (ent. 1) ―Não há cultura! Numa

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entidade pública não há cultura! Não pode haver! Se me falarem em cultura numa entidade pública é o despotismo, é o desinteresse, desresponsabilização…não tem nada de bom.‖ (ent.1) ―Eu tenho um produto que tenho que vender e as pessoas têm que começar a entender, isso é outro princípio: a escola é uma empresa de venda de serviços‖ (ent.1)

―…são ―aproveitados‖ professores para formadores‖ (ent. 2) ―…os professores do

ensino regular, não estão habituados a este tipo de interacção e de conversa e de histórias de vida;‖ (ent. 2)

―…professores exercem uma série de actividades‖ (ent. 3) ―…Enquanto no privado, pelo menos a experiencia que eu tive é ou trabalhas ou trabalhas! Porque se não trabalhares não falta quem queira trabalhar.‖ (ent. 3) ―Havia aquelas questões das metas, que no privado existe muito mais pressão do que em relação aqui ao contexto público…e então lá o que é que acontecia, eu conhecia a pessoa desde o inicio que ela entrava, porque havia muito mais o meu contacto, até ao fim; Aqui é diferente …‖ (ent. 3)

Numa escola, todo o espaço é escola, mesmo o do CNO, vigora por conseguinte a

lógica escolar, até porque os formadores são os mesmos professores que dão aulas às

crianças e jovens. No CNO privado a lógica é empresarial, não se podem retirar os

portefólios do espaço físico onde funciona o CNO, na escola os professores não

compreendem isto, levam-nos consigo para ler e analisar em casa, quando não têm

tempo de o fazer no próprio local. Por essa razão diz um dos entrevistados (ent. 1) que

“Na escola não consegues induzir essa ideia nos professores…‖ (a de não retirar os

portefólios) e que “…portanto não há paralelismo de actividade entre CNO escola e

CNO empresa, não há‖. (ent. 1).

Os profissionais também referem as diferenças entre formadores e professores,

afirmando que a comunicação com os adultos é muito diferente conforme se trate de um

professor ou de um formador. Os primeiros não estão habituados a lidar com as

Histórias de Vida e a interagir com os adultos de forma adequada às suas motivações e

expectativas; afirmam também estarem os formadores vocacionados para lidarem

profissionalmente com adultos, ao contrário dos professores (os professores são

“aproveitados” para formadores – ent. 2) que exercem o seu trabalho com crianças e

jovens, além de que realizam todo um conjunto de actividades muito diversificadas, que

impedem a sua dedicação em exclusivo aos adultos.

Surge aqui uma questão importante, se por lado nos CNO‘s situados em escolas os

professores não interagem com os adultos como seria desejável, por outro lado nos

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

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CNO‘s privados os profissionais estão sujeitos a uma grande pressão, que condiciona

igualmente o seu trabalho.

As afirmações produzidas revelam este constrangimento dos profissionais, a pressão

para atingirem metas, que se coloca a todos, mas que se põe com grande acuidade na

actividade privada e que os força a cumprirem objectivos, sob pena de despedimento e

substituição por outros.

De acordo com os profissionais, o contexto também influencia o adulto, este pensa que

não vai para um processo de reconhecimento de competências, mas sim para a escola, a

qual se identifica com o formato que o adulto reconhece:

―…para ele a ideia, a escola é o local onde aprendeu algo‖ (ent1) … quando vem para a escola, está sempre a pensar que o formador (neste caso o professor), lhe dê

afectos, que lhe deu quando ele foi aluno, não vem à procura de mais nada! (ent.1) ―Para um processo de reconhecimento e acha que vem para a escola, sem dúvida!

Então aqui ainda se nota mais! Aqui nota-se mais; São aqueles conceitos de formador, a sessão, professora, a aula, é teste; é muito complicado mudarmos…‖ (ent. 3). ―…no X, isso não acontecia! Podia acontecer uma vez por outra chamar professor, mas é o formador, a formadora, é uma sessão não é uma disciplina…realmente ai nota-se um bocadinho a mistura, pelo facto de ser numa

escola, nota-se um bocadinho… (ent.3). (O entrevistado 3 esclarece que tendo trabalhado num CNO privado consegue identificar posturas diferentes)

b) Percepção em relação ao processo e ao perfil da equipa técnico-profissional

Os profissionais revelam no seu discurso algum desalento em relação ao processo e à

forma como é implementado nos CNO‘s; mostram não acreditar que traga vantagens

significativas para os adultos, a não ser ao nível da auto-estima e da comunicação com

os outros. Esse pode ser um ―tempo de prazer‖ (ent. 1), a que se segue um tempo

importante e que constitui a mais-valia do processo, mas que é penoso, o da formação

“… eu tenho que ir lá, porque aquilo é importante para mim” (ent.1). Põem também

em questão o papel dos formadores, como sendo limitador do adulto e do profissional

RVCC, e o seu próprio trabalho junto dos utentes do processo, afirmando a necessidade

de experiência e de técnica.

―…conjugando estes 3 tempos não é, da comunicação, de uma actividade

agradável, e que aquilo é importante para ele como formação, é que eles vão conseguir ter sucesso…‖ (ent. 1) Enquanto nós não pensarmos que isto é assim, não se faz nada. Mas é que não se faz mesmo nada‖ (ent.1) ―O elemento limitador

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é o formador; é limitador no formando e é limitador no profissional, é limitador… (ent.1) ―Ele sabe muito! Só que nunca ninguém lhes ensinou como é que aquele conhecimento que ele adquiriu ao longo da vida, se podia transpor em linguagem escrita.‖ (ent.1)

―…os professores do ensino regular, não estão habituados a este tipo de interacção e de conversa e de histórias de vida… trabalho feito pelos profissionais.‖ (ent.2)

―… é muito difícil fazermos um adulto aproveitar uma coisa em que nós não acreditamos…‖ (ent.4) ― ... o que entristece é que normalmente as próprias pessoas que trabalham na área põem em causa as coisas!‖ (ent.4)….‖E a realidade é que na maior parte das situações esse processo de orientação está a ser muito aligeirado‖ (ent.4) ―…tento-me centrar no que isto tem de positivo, neste momento é um pouco esse processo que eu estou a fazer, porque eu já tenho uma visão muito crítica, acho que andamos a assassinar uma geração inteira, porque a realidade é essa…‖ (ent.4) ―Há centros que pegam no referencial, chegam às sessões com os adultos e

dizem assim ―ok, vocês na unidade de competência A têm que mostrar capacidade de liderança…‖ (ent.4) ―O adulto tem uma descodificação do referencial na segunda sessão, há centros que nem isso fazem mas nós fazemos…‖ (ent.4) ―…mas a realidade é que não estou na situação deles e é importante que eles se sintam compreendidos se não sentem que há feedback do outro lado não podem confiar, e lógico que a idade dá-nos um estatuto, maturidade‖ (ent.4) ―…tenho alguma experiencia que me permite tentar perceber se aquela pessoa tem

competências ou não.‖ (ent.4)

Deste discurso ressalta a falta de identidade profissional, ou pelo menos uma forma

pouco elogiosa de se olharem a si mesmos e ao seu trabalho, destes ―profissionais‖ que

surgiram a par com este novo sub-sistema de Educação; atendendo a que a construção

de identidades destes profissionais parece marcada por conflitos que se estabelecem na

fronteira entre aquilo que lhes é pedido e o que eles, enquanto pessoas e enquanto

profissionais, podem de facto desenvolver, tendo em conta as expectativas pessoais e

profissionais, tal construção acaba por ser posta em cheque quando os próprios

profissionais admitem e reconhecem a falta de técnica, de formação e de experiência da

equipa técnico-pedagógica. É notório um certo mal-estar e crise identitária por via da

frustração que sentem pela falta de formação específica para lidar com os adultos; como

afirma um deles ―se o profissional e até depois o formador não sabe dar […] feedback

de uma forma correcta, está o processo todo estragado.‖ (ent. 1).

c) Percepção em relação ao público-alvo

O perfil do público-alvo do processo RVCC que, como já foi referido é na sua maioria

um público em risco de exclusão socioprofissional, também se reveste de importância

quando se considera a construção do percurso do processo, como se pode verificar pelas

afirmações de um dos profissionais:

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

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―…eles agora aparecem em adultos na esperança que aquela agonia que eles tiveram na altura que eles deviam ter saído aqui da escola com os componentes todos para poderem circular livremente com garantia, vêm cá buscar, para nós podermos compor essa falta que têm na peça de trabalho deles.‖ (ent.1) ―A formação da sociedade portuguesa, certificada – estamos a falar de formação certificada – é das mais baixas da Europa. Mas a formação da sociedade portuguesa

que é não certificada, é das mais elevadas da Europa. Nós temos um défice muito grande na certificação, portanto, nós não estamos a dar nada a ninguém que eles não tenham direito!‖ (ent.1)

O processo RVCC é aqui visto numa perspectiva curativa de um mal incontornável,

destina-se a colmatar desigualdades sociais e desvirtua o seu objectivo principal de

processo de formação.

Categoria emergente - Autonomia

Os profissionais revelaram perante esta questão sérias dúvidas sobre a capacidade de

autonomia dos adultos, como já foi dito atrás, quando referiram a sua falta de

capacidade de reflexão crítica, encontrando-se estreitamente interligado este conceito

com a História de Vida.

Afirmam que o adulto não sabe gerir a autonomia que dele se espera durante o processo,

tem uma compreensão reduzida do que se lhe pretende transmitir, contudo,

paradoxalmente, deixam ao adulto a responsabilidade das suas decisões, se inicia ou não

o processo, se o abandona ou permanece nele. A capacidade de decidir pertence ao

adulto, “…o adulto se quiser vai mas aí a responsabilidade já não é nossa…” (ent. 3)

porém duvidam que ele tenha essa capacidade, assumindo que afinal a gestão do

processo acaba por pertencer aos profissionais

Vejamos o que dizem:

―…às vezes o adulto nem sequer sabe gerir essa autonomia, e portanto, se o

profissional e até depois o formador não sabe dar esse feedback de uma forma

correcta, está o processo todo estragado.‖ (ent. 1) ―…levou-se 4 meses a passar a

ideia correcta do que é que se queria num portefólio de história de vida de um

formando!‖ (ent.1) ―… No fundo responsabiliza-se o adulto pela decisão tomada‖. (ent. 3) ―…e o

adulto assina, assumindo essa responsabilidade‖ (ent. 3) ―…pensávamos que quem tinha a última palavra era o adulto.‖ (ent. 3) ―Apesar de agora não é bem assim, agora nós é que temos que decidir…‖ (ent. 3)

Confrontam-se aqui discursos contraditórios, espera-se autonomia por parte do adulto, é

mesmo entendida como um dos princípios que regem o processo, e abdicar dele seria

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

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desvirtuá-lo, contudo será que o adulto tem esta autonomia? E se não a tem como

parece, por incapacidade, não deveria fazer parte do processo estimular essa autonomia?

Não será lícito responsabilizar os agentes intervenientes no sentido de a promover

activamente, como resulta do seu papel de mediadores?

A grande dúvida que surge quando se coloca tais interrogações é se o próprio processo é

dotado de autonomia, ela está implícita nos diversos trâmites processuais, foi por

exemplo concedida autonomia aos CNO‘s para alteração dos instrumentos, há mais

horas de formação…, mas até que ponto o Referencial de Competências-Chave limita

tal autonomia?

Questionado sobre este ponto, um dos entrevistados respondeu:

―Concordo com isso, mas também seria de todo sem lógica fazer um processo sem ter a matriz. Seria complicado. O que estaríamos a aproximar, o que iríamos validar, ao contrário de um ensino formal, no ensino formal nós vamos buscar os saberes para os validar, e aqui vamos buscar as competências para as transformar em saberes formais e validar. Logicamente temos que andar à procura deles porque a maior parte das pessoas nem sabe que os têm. Os processos são já muito mais padronizados‖ (ent. 2)

ou seja, a padronização impede a autonomia, porém é reconhecida a necessidade da

existência de um referencial de competências-chave como guia da acção, o qual por sua

vez condiciona a autonomia do adulto na reflexão que produz sobra a sua História de

Vida.

4.2. Discussão de Resultados

É pertinente relembrar aqui o objectivo principal da presente investigação, a saber: não

haverá alguma tensão entre um princípio de reconhecimento de saberes adquiridos em

contexto experiencial, saberes apreendidos e reflectidos pelo adulto na sua História de

Vida, e um Balanço de Competências que poderá ser entendido como pretendendo

“moldar” e adaptar a fins instrumentais essas mesmas Histórias de Vida.

Procurei obter respostas dando voz aos intervenientes no processo, para uma melhor

compreensão do fenómeno tal como ele é visto e sentido pelos diversos actores em

presença, profissionais actualmente em exercício e também recorrendo posteriormente a

afirmações produzidas por adultos em processo RVCC, resultantes de inquéritos

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

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efectuados no âmbito do meu estágio no decurso do qual efectuei observação

participante; tornou-se necessário o recurso aos adultos para determinar como são

afectados pelo formato do processo RVCC e se esse formato é susceptível ou não de os

conduzir por vezes ao abandono.

Os resultados encontrados demonstram que existe de facto uma tensão entre a História

de Vida individualizada do adulto, aprendizagens experienciais feitas em contextos

diversos, e um Referencial de Competências-Chave padronizado, comum a todos os

CNO‘s e permanente no tempo, enquanto as mudanças na sociedade se produzem a um

ritmo acelerado.

Desejo contudo salientar que na minha opinião o processo RVCC, se tem evidentes

fraquezas, ou não seria tão severamente julgado pelos profissionais envolvidos,

comporta também vantagens não negligenciáveis, ao elevar os níveis de auto-estima e

ao despertar os candidatos para novos projectos de vida e novas oportunidades de

educação. Ana Pires, na sua obra referida anteriormente, enumera algumas dessas

vantagens, afirmando que ao tornarem a educação mais visível, estes processos

constituem um importante motor de ―novas dinâmicas formativas:

contribuindo para a elaboração de projectos pessoais, profissionais e sociais,

articulando os saberes detidos com as motivações e as aspirações da pessoa;

abrindo caminho para novas oportunidades de educação/formação – não numa lógica

―carencialista‖ mas sim de ―experiencialidade‖ – facilitando a integração e a

mobilidade formativa, promovendo a aprendizagem ao longo da vida;

desenvolvendo a auto-estima, a auto-imagem, a autonomia, fazendo elevar a

motivação e o nível de implicação dos adultos nos processos de aprendizagem;

contribuindo para o reforço e a construção de identidades pessoais, sociais e

profissionais‖ (2005: 115/116).

Poder-se-ia argumentar que estas contribuições são apenas teóricas e não têm tradução

prática, contudo alguns outros estudos corroboram estas consequências positivas nos

adultos que frequentaram o processo, quer a nível pessoal quer mesmo no plano

profissional. Um estudo de 2003 de Luísa Almeida42

refere que:

42

Almeida, Luísa Maria Pinhal de (2003) Eu, os Outros e as Competências, Dissertação de Mestrado,

Coimbra: Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

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―[…] ao longo do processo podemos verificar que existe (por parte do adulto) um

crescente conhecimento de si, que passa, neste processo, essencialmente pelo auto-

reconhecimento e reconhecimento das suas competências‖ (pág. 165) ―O utente

adquire um maior auto-conhecimento, nomeadamente das competências que possui,

que foi adquirindo ao longo da sua vida e aqueles que será útil vir adquirir. Esta

tomada de consciência do que se sabe, do que é capaz, ou do que ainda não é capaz,

funciona como um mecanismo capaz de nutrir a confiança do sujeito relativamente às

suas capacidades, contribuindo para uma visão mais realista de si próprio‖ (pág. 166)

―[…] o processo de RVCC, proporciona um melhor bem-estar da pessoa consigo

própria. Se o reconhecimento das competências por parte do adulto o torna mais

confiante, simultaneamente eleva a sua auto-estima, porque ele se sente mais capaz. À

medida que as competências dos utentes vão sendo reconhecidas pelos outros, vão

sendo também auto-reconhecidos, o que eleva a auto-estima, tornando o utente mais

confiante e portanto mais determinado no seu agir‖ (pág. 176)

Também um estudo de 200443

elaborado pelo Centro Interdisciplinar de Estudos

Económicos (CIDEC) a pedido da Direcção Geral de Formação Vocacional, e que

incidiu sobre o percurso socioprofissional dos adultos certificados até 2002, parece

chegar a conclusões semelhantes no que se refere ao aumento da auto-estima, da auto-

imagem e mesmo ao aparecimento de projectos futuros no plano pessoal e profissional.

Refere o estudo que:

―uma consequência natural do facto do adulto relembrar um conjunto de saberes e de

tomar consciência das competências que foi adquirindo ao longo da vida é o reforço

da sua auto-estima e da sua auto-valorização. Este impacte positivo do processo de

RVCC parece ser, aliás, mais frequente que o próprio reforço do auto-conhecimento.‖

(pág. 32) ―o processo de RVCC teve, de facto, um ―contributo muito importante‖ para

a definição/reconstrução dos projectos pessoal e profissional dos mesmos.‖ (pág. 33)

E aponta algumas razões invocadas pelos adultos para participarem e concluírem o

processo RVCC:

―Entre os motivos que estiveram na origem da participação e na conclusão do

processo de RVCC encontra-se frequentemente o desejo de valorização / realização

43

CIDEC (2004), O Impacto do Reconhecimento e Certificação de Competências Adquiridas ao Longo da

Vida, Lisboa, DGFV

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

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pessoal (pág. 34) ―Cerca de 17% dos adultos certificados que responderam ao

inquérito apontaram como motivação a melhoria da empregabilidade e a progressão na

carreira‖ (idem) ―Contudo, o prosseguimento de estudos é também apontado como

motivo por cerca de 10% dos adultos.‖ (idem)

Contudo, os investigadores tiveram o cuidado de salientar em relação às consequências

do processo que os Centros de RVCC são em geral mais optimistas que os adultos e em

relação às motivações, que entre os adultos inquiridos se encontravam indivíduos que

desempenhavam cargos de elevada complexidade e responsabilidade dentro de

empresas. Em relação à empregabilidade dos adultos certificados o estudo do CIDEC

chega a algumas conclusões algo animadoras, mas que revelam não ter o processo tanto

impacto nesse campo como tem no que diz respeito a consequências pessoais,

eminentemente subjectivas.

―Para além de aumentar a verosimilhança na obtenção de emprego por parte do adulto

desempregado, o processo de RVCC parece promover a aproximação ao mercado de

trabalho por parte dos desempregados e dos inactivos, que habitualmente se designa

na literatura como ―labour force attachment‖. De facto, são frequentes os adultos que

iniciam o processo numa situação de inactividade e que, após a certificação, passaram

a considerar-se desempregados, pretendendo encontrar uma ocupação remunerada e

procurando-a eventualmente. Por outro lado, os indivíduos que se mantiveram

desempregados após a respectiva certificação, passaram a estar mais motivados para

arranjar trabalho e passaram a procurá-lo mais frequentemente‖ (pág. 61).

Conclui no entanto a esse respeito que a maior parte dos adultos que procuram o sistema

estão empregados, e que a esses sim, a certificação trouxe vantagens significativas na

progressão na carreira e no aumento do índice salarial. Este estudo remonta, como foi

dito, a 2004 e incidiu sobre o público certificado até 2002. De então para cá o público

mudou, como salienta Joana Costa44

:

―O balanço de competências foi originariamente pensado para activos empregados e

nessa altura falava-se exclusivamente em «balanço de competências tipo». Todavia

este processo ganhou «novos públicos45, os mais penalizados em termos

44

Costa, Joana Auxilia Pereira Fernandes da (2005) Competências Adquiridas ao Longo da Vida

Processos, Trajectos e Efeitos, [Dissertação de Mestrado], UM: Instituto de Educação e Psicologia 45

Imaginário, L. (2001) Balanço de Competências Discursos e Práticas, Lisboa: DGEFP

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

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socioprofissionais, tanto jovens como adultos, desempregados (ainda ou já) ou em

risco de desemprego» ‖ (2005: 37).

Ora parece precisamente situar-se no actual perfil do público-alvo, pouco escolarizado

ou demasiado jovem para ter experiências significativas, e na forma como é

percepcionado pelos profissionais, o foco principal de tensão entre História de Vida e

Referencial de Competências-Chave, dado que se foi produzindo como já acentuei mais

do que uma vez um desvirtuamento do processo, o qual se foi transformando de

processo de formação num processo de ortopedia social (Correia, 2005)46

, com carácter

paliativo de necessidades e carências.

Contudo essa tensão inicia-se com o próprio processo e acompanha o seu decurso, tendo

a sua primeira origem nos profissionais, como se pode constatar pelas entrevistas

realizadas. A primeira conclusão que se salienta é a que diz respeito à construção do

percurso do processo RVCC e à falta de crédito que tem junto dos profissionais. Estes,

não acreditando no trabalho que realizam, sentem que não são capazes de transmitir aos

adultos uma confiança que eles não possuem. Exercendo a sua actividade em

instituições públicas, embora de natureza diferente, questionam as próprias entidades

promotoras e a sua cultura organizacional, considerando que não realizam um trabalho

sério, pelo desinteresse e desresponsabilização reinantes. Pensam que na fase de

orientação dos adultos todo o processo é tratado de uma forma aligeirada; afirmam por

essa razão que a orientação deve ser feita por técnicos, o que dada a percepção que têm

do processo, pode significar que as Histórias de Vida passarão a ter um registo

tecnicista.

No que diz respeito à equipa técnico pedagógica, consideram que no contexto

institucional privado têm falta de tempo pela pressão acrescida do cumprimento de

metas, o que conduz à perca de qualidade de trabalho. Este é um constrangimento

decorrente da necessidade de fazer afluir um número crescente de adultos em risco de

exclusão a um processo visto como curativo de desigualdades sociais, e a qualificar a

população portuguesa para fins estatísticos. Um estudo do CIDEC de 2007 refere

precisamente este constrangimento, relacionando-o com a perda de qualidade do

46

Expressão da autoria de Correia, José Alberto (2005) ―A Formação da Experiência e a Experiência da

Formação‖ in Canário, Rui & Belmiro Cabrita, Educação e Formação de Adultos, Mutações e

Convergências, Lisboa: Educa, 61-72.

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

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processo: ―Metas de execução físicas muito elevadas, e por vezes, desadequadas dada a

realidade local, o que implicava uma carga de trabalho e uma pressão muito grande

sobre as equipas de profissionais e de formadores com eventuais perdas de qualidade‖

(2007: 49). No contexto público, embora também haja metas físicas a cumprir, a

pressão não é tão elevada, contudo os profissionais relacionam a fraca qualidade do

processo ao facto de os formadores em contexto escolar serem também professores, não

tendo do seu ponto de vista vocação para lidar com adultos; tendem por essa razão a

impor a forma escolar, que os adultos por sua vez, sendo a única que conhecem, tomam

como a forma ―natural‖ de aprender. Ora a forma escolar traduz-se em ―processos

uniformes de ensino‖ (Canário, 2000: 98), descontextualizados do tempo e espaço da

acção, e consequentemente afastados das experiências individuais, das aprendizagens

singulares e únicas, ou seja da História de Vida de cada adulto. Porém, enquanto

referem com desagrado a falta de formação dos professores para lidarem com um

público adulto, revelam também os próprios profissionais uma concepção taylorista dos

processos de ensino, quando apelidam os adultos de ―peças com avaria‖. Salientam

igualmente a vertente da comunicação e convívio como sendo uma fase de prazer

durante o processo, já a fase da formação, embora importante para os adultos, é vista

pelos profissionais como a fase de sacrifício, a que têm que se submeter se querem ter

algum sucesso.

A estes adultos pode ser ―aplicado‖ o Referencial de Competências-Chave, entendido

como

―uma linha de produção dividida ordeiramente em disciplinas, ensinadas em unidades

de tempo pré estabelecidos, organizados em graus e controlado por testes

estandardizados, destinados a excluir as unidade defeituosas e devolvê-las para

reelaboração‖ (Reich, 1993, cit in Canário, 2000: 102).

Estes adultos, dado o seu perfil particular, parecem sentir dificuldades acrescidas em

iniciar, percorrer e completar o processo, sendo essa a percepção dos profissionais

quando referem a sua falta de competências e detectam poucas mudanças trazidas pelo

processo. Descritos pelos profissionais como ―peças avariadas‖, ―pessoas

desempregadas, carenciadas‖, não representam todavia a totalidade do universo dos

utentes, existe uma pequena fatia de utentes empregados que procuram a progressão

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

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profissional. São pois, conforme afirma Imaginário (2001: 123) quer ―aprendentes‖ quer

―candidatos à certificação profissional‖, porém, e no discurso dos profissionais, mesmo

estes últimos procuram algum facilitismo no processo. É de salientar que, embora os

profissionais falem de facilitismo por parte dos adultos, o processo RVCC também se

reveste ele mesmo de facilitismo, pois perante metas irrealistas a cumprir, só tem duas

opções: ou dá a formação a correr, com falta de seriedade e qualidade no seu trabalho,

ou escolhe um público mais avançado, que cause menos problemas e torne o processo

mais fácil do que os ―alunos‖ difíceis, pouco escolarizados. Os profissionais contudo

fazem uma distinção entre o público do básico, sendo que os do básico são tão

―básicos‖ que só competências adicionais podem ser uma mais-valia ―Agora o básico…

eu acho que a mais-valia do básico eles próprios dizem é a experiencia informática …”

(ent. 3). enquanto os do secundário apresentam com maior regularidade uma estrutura

de aprendizagens experienciais objecto de uma reflexão mais consolidada e uma

perspectiva de futuro mais optimista. ―se eu fizer o 12º ano sei que tenho hipóteses de

progredir no local de trabalho, se realmente não fizer esta formação não tenho

hipóteses de concorrer no concurso x …” (ent. 4). Esta distinção leva os profissionais a

considerarem o processo RVCC do secundário mais enriquecedor do que o básico.

Embora os profissionais reconheçam que os adultos sabem muito, saberes adquiridos ao

longo da vida nos contextos particulares a que pertencem, afirmam terem pouca

capacidade de reflexão sobre esses saberes, não se auto-avaliam criticamente e,

consequentemente, a desejada autonomia, fundamental em todos os processos de auto-

direccionamento e que é pedra basilar de todo o processo RVCC, não se revela. Têm

por conseguinte de ser conduzidos, guiados, são-lhes fornecidas linhas orientadoras,

apontando-lhes o caminho a seguir. Esse caminho conduz ao Referencial de

Competências-Chave, têm de ser encontradas vivências comuns a todos os candidatos

nas diferentes História de Vida para que estas encaixem na matriz teórica, e possam

assim as competências serem reconhecidas, validadas e certificadas. Contudo, o

referencial, de acordo com a opinião dos profissionais, é não só muito padronizado,

como complicado, difícil, ―intragável‖, e a obrigatoriedade do seu cumprimento reduz a

autonomia implícita no processo. E se a autonomia implícita é limitada, o processo

encontra dificuldades em promover a autonomia do adulto, que se sente de alguma

forma ―abandonado‖, entregue a si mesmo.

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

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Estamos perante um somatório de dificuldades que conjugadas parecem ser o ponto de

convergência da tensão inevitável entre uma História de Vida individualizada, única, e

um Referencial de Competências-Chave comum a todos os utentes e a todos os Centros.

Por um lado, a dificuldade dos adultos em reflectirem sobre a sua História de Vida, por

outro a dificuldade dos profissionais em exercerem a sua função de mediadores, por

motivos diversos. Dependendo do contexto, por não estarem vocacionadas para lidarem

com adultos, ou por falta de tempo disponível tendo em vista o cumprimento de metas

físicas a atingir. Uns e outros, sentem também a dificuldade decorrente de terem de

―encaminhar‖ as vivências dos adultos para o cumprimento do Referencial de

Competências-Chave. Esta tensão tem consequências no desfecho do processo. Mesmo

para os adultos que o terminam as mudanças nem sempre são visíveis, por vezes apenas

se obtém um ―papel‖, a certificação, sem qualquer mudança real. Esta, quando existe,

verifica-se sobretudo a nível pessoal, com o aumento da auto-estima e da auto-

confiança. Segundo o já referido estudo do Cidec de 2004, apenas um reduzido número

de adultos manifesta o desejo de prosseguir estudos e vê as suas perspectivas

profissionais melhoradas.

Perante este cenário, construído pelas percepções dos profissionais e acerca dos adultos

que nele se movem, como reagem os adultos no que respeita à permanência ou ao

abandono do processo? Esta foi uma das questões colocadas no início da presente

investigação. As inferências que se podem legitimamente fazer a este respeito decorrem

de uma escuta cuidadosa das ―vozes‖ dos intervenientes no processo, seja o quadro

técnico-pedagógico, seja os adultos que o abandonaram, tanto na sua fase inicial como

numa fase posterior, para o recorri ao meu relatório de estágio.47

A compreensão dos

motivos do abandono foi muito semelhante em ambos os grupos, diferindo sobretudo na

linguagem utilizada.

O quadro técnico-pedagógico (2008: 46, 47):

―Falta de conhecimento do processo, pelo facto de pensarem que vinham para aprender, ex: …este curso….‖ (ent. A) as pessoas achavam que vinham para aqui, que era um curso, que iriam aprender… mas essencialmente porque as pessoas não sabiam muito bem o que é que os esperava e tinham outras expectativas em relação ao processo, pensavam que iam aprender‖ (ent. E)

47

Marques, Maria José (2008), Desafios do meu Estágio, Porto: FPCE-UP [Relatório de Estágio]

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

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―…História de vida inibidora‖ (ent. B, D) ―Dificuldade em introduzir o percurso de vida no conjunto de critérios‖ (ent. C) ―No final do processo.., portanto porque faltava formação. Eles sentiam

necessidade de mais formação‖ (ent. A) ―…porque há muita gente que não se apercebe que tem dificuldades… e então como a formação só era dada no final…‖ (ent. A)

―Não conseguirem completar o próprio dossier‖ (ent. A) ―no final do processo, acabando a ―obrigatoriedade‖ de vir cá semanalmente, eles

arrumavam o dossier e esqueciam. ‖ (ent. B ―Não fui chamado dizem os adultos‖, … vontade tínhamos nós de os chamar a

todos, não é, mas depois dissemos assim ―Não, parece que estamos a obrigá-los a‖

e isto tem que ser por livre e espontânea vontade…‖ (ent. B)

Os adultos (2008: 46, 47):

―Pensava que vinha aprender; Não incentivava fazer a H.V.‖ (1) ―Pensou que vinha aprender; Tinha outras expectativas‖ (7, 28) ―O processo intimidou-a. Paciência para fazer o dossier da H.V.‖ (2) ―Não se sente à vontade para falar‖ (3) ―Dificuldade falar da Infância‖ (5) ―Estava à espera que lhe ligassem‖ (66) ―Formação de informática insuficiente. Necessidade de mais sessões individuais.

Onde tivessem mais apoio‖ (43)

Dificuldades na árvore genealógica, exigem demais na elaboração do dossier. (52) ―Deixou de se sentir à vontade para vir mostrar o dossier, porque já tinha passado

muito tempo‖ (112) ―O formador não ligou a dar feedback do trabalho realizado‖ (114)

As percepções quanto às razões do abandono, quer do quadro técnico-pedagógico, quer

dos adultos têm indicadores semelhantes reveladores de dificuldades que surgem ao

longo de todo o processo e que coincidem com as detectadas a partir do discurso dos

profissionais entrevistados recentemente.

A dificuldade de completar o dossier (ent. A) ou a demasiada exigência na sua

elaboração, a falta de tempo e disponibilidade dos formadores ―O formador não ligou a

dar feedback do trabalho realizado” (114) “Necessidade de mais sessões individuais.

Onde tivessem mais apoio” (43). Mas também a dificuldade dos adultos em reflectirem

e autoavaliarem a sua História de Vida, alguns contrapõem-na mesmo ao ―aprender‖

“Pensava que vinha aprender; Não incentivava fazer a H.V.” (1), o processo revela-se

intimidante e sentem necessidade de serem chamados, incentivados. A mesma

percepção tem o quadro técnico quando refere que ―a História de Vida é inibidora”

(ent. B, D) e que existe ―Dificuldade em introduzir o percurso de vida no conjunto de

critérios‖ (ent. C).

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

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Esta parece ser a questão fulcral que emerge deste discurso, porquê a dificuldade

associada à História de Vida do adulto? Seria de esperar ser fácil ao adulto reflectir

sobre o seu percurso individual, falar das aprendizagens realizadas ao longo dos anos,

das experiências adquiridas nas vivências quotidianas, sobretudo com o

acompanhamento e apoio do profissional na implementação de um projecto

emancipatório gratificante para o indivíduo. Será que não o é precisamente porque nesta

―viagem‖ (auto) biográfica o adulto deve dar conta das suas competências referentes à

capacidade de mobilizar, num determinado contexto, um conjunto de saberes, situados

ao nível do saber, saber-fazer e saber-ser, que podem ser utilizados na resolução de

problemas, mas que não existem per se, estão ligados a acções concretas e associados a

contextos específicos. Tais saberes experienciais, adquiridos em ambientes não formais

e informais, susceptíveis de serem reconhecidos, não parecem coincidir com os saberes

formais, susceptíveis de serem certificados. Essas competências irão por conseguinte ser

―interpretadas‖ de acordo com o Referencial de Competências-Chave, tendo o

profissional de fornecer linhas orientadoras que possibilitem extrai-las da História de

Vida moldáveis ao Referencial de Competências-Chave, podendo por consequência ser

não apenas reconhecidas, mas validadas e certificadas…

Este conjunto de percepções parece por em causa a própria natureza do processo RVCC,

como sendo confuso, com instrumentos repetitivos e pouco claros, e com lacunas pelo

facto de ser um processo novo, com uma linguagem pouco acessível, o que

inevitavelmente se reflecte no adulto. É precisamente a natureza do processo RVCC,

onde se confronta a tensão História da Vida individualizada e Referencial de

Competências-Chave padronizado, que conduz às grandes questões enunciadas

anteriormente,

O que se aprende na vida pode ter diploma…?

Porque precisamos de diploma?

O valor do que aprendemos ao longo da nossa vida…?

Finalmente, e mais importante, que perspectiva de Educação de Adultos está

subjacente a tal sub-sistema de ensino?

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

83

as quais serão tratadas na reflexão final como pertinentes para a compreensão das

principais considerações suscitadas pelo tema em estudo.

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

84

Capítulo V

(Re) problematizando o processo RVCC

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

85

A Educação e Formação de Adultos, que faz parte do paradigma da Educação ao Longo

da Vida, tem ao longo do tempo adoptado diversos modelos, a que não são alheios as

políticas nacionais assim como internacionais. Licínio Lima tem uma posição bastante

crítica quanto à influência do poder político. De acordo com o autor ―Ao longo das

últimas três décadas a educação de adultos em Portugal foi sujeita a uma considerável

diversidade de lógicas politico educativas‖ (in Canário, Rui & Belmiro Cabrita, 2005:

50). Pode ainda ler-se ―A ausência de uma política educativa global, dando conta da

natureza polifacetada da educação de adultos, torna consideravelmente mais difícil, se

não inviabiliza mesmo, a possível coexistência de políticas e de práticas […]‖ (idem

50).

Além disso, como salienta Rui Canário,48

se o poder político valoriza, numa perspectiva

de educação ao longo da vida, a aquisição de competências estratégicas que permitam

―aprender a aprender‖ e um conjunto de conhecimentos gerais sem utilidade prática

imediata, não deixa de afirmar que o desenvolvimento cultural é ―o primeiro factor de

adaptação à evolução da economia e do emprego‖ (Livro Branco, pág. 27 in Canário,

2000: 91). Afirma o autor que ―a subordinação da educação à lógica mercantil, induz a

que a própria educação se organize adoptando a racionalidade económica do mercado‖

o que conduz a ―uma visão instrumental dos processos formativos‖ (2000: 90).

Ainda que a nível teórico essa visão instrumental não se encontre no processo RVCC,

que se propõe reconhecer, validar e certificar os saberes e competências adquiridos ao

longo da vida em ambientes formais, não-formais e informais, não deixa na prática de

estar presente na metodologia que utiliza e nos fins que se propõe atingir uma

racionalidade instrumental, subordinada à economia e ao emprego.

As críticas de Mathias Finger e José Manuel Asún na sua obra A Educação de Adultos

numa Encruzilhada: Aprender a nossa saída têm muita actualidade neste quadro,

quando salientam que a educação permanente partiu para a ―humanização do

desenvolvimento sem o questionar‖, propondo-se aliás ―humanizá-lo de uma forma

bastante ocidental‖ (2003: 33) e quando reconhecem que a educação permanente não

critica as instituições: ―Se é verdade que se apresenta como um discurso não

institucional e aceita as experiências não formais […] como experiências de

48

Na sua obra Educação de Adultos, Um Campo e uma Problemática (2000)

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

86

aprendizagem significativas, o facto é que acaba por encurralá-las numa estrutura

formal e fundamentalmente institucional‖ (idem: 34). Afirmam ainda a fragilidade

epistemológica e pedagógica da Educação Permanente, o que conduz à confusão entre

educação e aprendizagem e à mistura entre aprendizagem individual e colectiva.

É neste enquadramento que surgem os Centros de Novas Oportunidades como a

estrutura legal mais recente de Educação e Formação de Adultos, na qual se englobam

os cursos EFA (Educação e Formação de Adultos), os CEF (Cursos Educação e

Formação de Jovens) e o sistema RVCC que reconhece e valida saberes e competências

experienciais, atribuindo ao adulto uma certificação de nível básico ou secundário.

Parece terem existido duas fases no sistema RVCC, uma de experimentação e

implementação no terreno, da responsabilidade da ANEFA, na qual os processos

seguiam as grandes linhas orientadoras que norteiam a Educação e Formação de

Adultos. Uma fase posterior, surgida após a extinção da ANEFA, em que o processo

RVCC se desvirtuou pela necessidade de qualificar a todo o custo, com a mudança do

público-alvo, e com a proliferação indiscriminada de Centros sem um controlo

adequado de qualidade, de capacidade logística ou de critérios razoáveis de localização

geográfica.

De acordo com a ANQ, existiam em 2005 em Portugal 73 Centros/equipas RVCC, o

POPH prevê na sua meta 2007-2013 a implementação de 314 Centros/equipas RVCC,

em pleno funcionamento já no ano de 2010. Por sua vez existiam 43.134 adultos

abrangidos nos 73 Centros em 2005; estabelece o POPH nas suas metas que nos 314

Centros venham a estar presentes 204.000 adultos, ou seja, quase o quíntuplo das

pessoas.

O percurso de um adulto ao dirigir-se a um destes Centros pode esquematizar-se da

seguinte forma:

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

87

Quadro nº 4 – Percurso do adulto no Centro RVCC

A análise deste quadro mostra que logo que o adulto entra no Centro RVCC, e passada a

fase de acolhimento, informação e aconselhamento inicial, é feito um reconhecimento e

identificação das suas competências, confrontando-as com o Referencial de

Competências-Chave. É significativa a utilização da palavra ―confronto‖ pelo

simbolismo que encerra de ―luta‖ com a História de Vida, ―luta‖ bem presente no

discurso dos inquiridos, como evidenciam os resultados decorrentes dos dados

disponíveis.

Este confronto surge precisamente porque se tenta conferir um diploma ao que se

aprende na vida, para qualificar e tornar ―empregáveis‖ os adultos pouco escolarizados.

As Histórias de Vida acabam por ser uma reflexão do sujeito relativamente ao seu

percurso, não só pessoal, mas também profissional, e ainda acerca da sua relação com

os outros, basicamente através dos saberes, técnicas, artes, culturas e tecnologias. Por

isso mesmo, o conhecimento é visto como um todo, não se fragmentando pelas várias

áreas do saber, logo é construído transversalmente, articulando o passado (memória), o

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

88

presente (experiência actual) e o futuro (projecto idealizado). Trata-se, como diz como

diz Olívia Santos Silva, de ―colocar os sujeitos no centro da aprendizagem‖ e, desta

forma, ―extrapolar os mundos individuais para aceder a novos mundos‖ (Silva, 2002:

50). O sujeito relata acontecimentos exteriores a si mesmo, pelos quais se deixou levar

ou sobre os quais teve de tomar posição e que são extremamente relevantes, na medida

em que foram vividos a partir do próprio interior do indivíduo, dependendo das suas

emoções e das suas representações. O seu grande objectivo é sem dúvida o da auto-

formação do sujeito e é nesse sentido que são utilizadas nos RVCC, na fase de

reconhecimento das competências, como princípio teórico.

Contudo, o que acontece na prática? Subjazendo a este processo o objectivo de proceder

a uma equivalência ao ensino formal, a História de Vida de cada sujeito, para ser

reconhecida e validada, é ―filtrada‖ e ―padronizada‖ de acordo com a matriz teórica

oriunda do Ministério da Educação. É deste modo possível conferir diploma ao que se

aprende na vida, contudo a forma como se faz a recolha de dados dos candidatos nos

centros RVCC não é de todo a mais relacionada com a História de Vida, enquanto

metodologia das Ciências Sociais e Humanas, convertendo-se apenas em balanço de

experiências pessoais em contextos vocacionados para o trabalho. Em todo este

processo pede-se autonomia ao adulto, que este frequentemente não está em condições

de dar, fragilizado pelas suas condições socioeconómicas e também porque à chegada

tem a expectativa de ir ―aprender‖, o que não se concretiza da forma esperada,

significando que para a generalidade dos adultos as aprendizagens experienciais não são

valorizadas49

.

Não questiono os aspectos positivos da acção dos Centros RVCC, que os têm

inegavelmente, como já foi anteriormente afirmado, sobretudo pela elevação da auto-

estima dos adultos e a consequente mobilização em torno de projectos de vida futuros,

quer profissionais, quer de prosseguimento de estudos.

Existem no entanto debilidades que importa apontar, e que podem conduzir ao

abandono do processo, sob variados pretextos.

49 Estando eu directamente a trabalhar nesta área percepciono que os formandos têm realmente

interiorizado o modelo escolar, o que se revela no simples pormenor de nos abordarem como

―professores‖, ―doutores‖, mas raramente como formadores.

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

89

A esse propósito, e a título de exemplo, surgiu um relatório da OCDE50

de 2003, o qual

faz uma análise muito interessante do abandono dos adultos dos processos de formação;

senão, vejamos:

―A falta de tempo é uma das razões mais invocadas pelos adultos para explicar a sua

recusa em iniciar uma formação, sobretudo se ela não for profissional. É-lhes difícil

encontrar tempo para continuar o curso. Isto reflecte também os seus compromissos

profissionais e familiares, e para além disso de que eles estão pouco convencidos dos

benefícios da aprendizagem. Os seus problemas financeiros são também referidos

como barreiras à aprendizagem‖ (OCDE, 2003:5).

É que para além das dificuldades já referidas, os Centros de Novas Oportunidades

podem defraudar as expectativas dos adultos ao fazerem crer que mais escolaridade

corresponde a mais emprego, o que não é exacto. Canário refere que:

―Contributos, convincentes, de sociólogos como Boudon (1973) ou Lucie Tanguy

(1986) evidenciaram a inexistência de uma relação directa e linear entre o mundo da

formação e o mundo do trabalho. Por outro lado, a realidade empírica das últimas

décadas confronta-nos com a compatibilidade entre um crescente desemprego

(estrutural), uma acentuação das desigualdades sociais, e por outro lado, um acréscimo

constante da escolarização e da formação‖ (2000: 39).

É esta subordinação ao mundo do trabalho que conduz à massificação dos processos de

formação de adultos, massificação essa que no seu seio transporta duas inquietações

fundamentais:

- Qualificar para quê?

- Uma pedagogia da urgência?

Penso que será de toda a pertinência fazer aqui referência ao encontro em que participei

na Biblioteca de Vila Nova de Gaia, a 5 de Abril de 2008, no âmbito do convite feito

pelos participantes do Curso (Per) Cursos de Educação e Formação de Adultos,

intitulado ―Feira das Vaidades” – A caminho do futuro: qualificar para quê?‖ O

conferencista, Prof. Alcoforado51

, colocou esta questão, esclarecendo que todo este

esforço de qualificação é questionável se não forem criadas as infra-estruturas

50

Au-delà du discours : Politiques et pratiques de formation des adultes – Points clés, OCDE (2003) 51

Prof. da Universidade de Coimbra, especializado na área de Educação de Adultos

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

90

necessárias que suscitem e valorizem essa qualificação, ou seja, para que a formação

produza efeitos de coesão social tem de haver outros sistemas que permitam esta

articulação qualificação – emprego - coesão social.

Ainda que a pergunta do debate: “A caminho do futuro: qualificar para quê?”

permaneça sem uma resposta satisfatória, deixa algumas propostas de reflexão sobre a

complexidade, não só do processo de certificação, mas também do sistema que lhe terá

de dar continuidade. É que não é claro, para além dos fins meramente estatísticos e da

possível satisfação pessoal de alguns formandos, o porquê de se qualificar sem delinear

uma estratégia futura, que dê continuidade ao processo iniciado. Parece estar subjacente

o que Adalberto Dias de Carvalho e Isabel Baptista na sua obra Educação Social

Fundamentos e Estratégias apelidam de ―pedagogia de urgência‖, visão redutora de um

processo educativo que se destina aos mais vulneráveis do ponto de vista pessoal e

social, e que tenta combater desigualdades sem na realidade o conseguir.

Se, como afirma o relatório Delors, a Educação é um tesouro a descobrir, a sociedade

em si mesma tem de ser educativa, e a meta que se coloca é de ―educação para todos‖,

―justificando a necessidade de reforçar a complementaridade e a ligação entre os tempos

e formas de aprendizagem, tradicionalmente separados‖ (Carvalho & Baptista, 2004:

61). Canário cita a este propósito um relatório elaborado em 1991 para o Conselho da

Europa por Gérald Bogard, o qual defende que ―o adulto é co-produtor da sua

formação‖ e como tal tem de ser invertido o princípio de elaboração dos dispositivos

educativos: ―em vez de procurar vender um produto pré-confeccionado, torna-se

necessário co-produzi-lo com o «consumidor», rompendo ―com a lógica da «disciplina»

‖ (Bogard, 1991, cit. Canário, 2000: 25).

Está aqui presente a pergunta de partida deste trabalho, nos processos RVCC as

Histórias de Vida consubstanciam a ligação entre tempos e formas de aprendizagem,

que não se limitam ao espaço/tempo escolar, mas se estendem a todos os tempos e

espaços da vida. Já os Referenciais Teóricos ―pré-confeccionados‖ compartimentalizam

os saberes em núcleos geradores, a fim de os traduzir em competências susceptíveis de

reconhecimento, validação e certificação. Surge um conflito, potenciador de interrupção

e abandono do processo. Sendo contudo imprescindíveis como guias de todo o

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

91

processo, sem as quais este não seria exequível, não podem nem devem ser postos de

lado.

Assumindo que este dilema é a problemática central desta pesquisa, levantam-se

algumas questões que poderão conduzir a uma maior eficácia do processo RVCC,

questões essas que se relacionam quer com a componente formativa, ou seja,

directamente com os Referenciais de Competências-Chave, quer com alguns dos

motivos potenciadores de insucesso do processo pela pressão que exercem sobre a

forma como este se desenrola, como sejam a necessidade de formação da equipa

técnico-pedagógica ou a falta de avaliação institucional dos Centros de Novas

Oportunidades e o seu financiamento.

1 - A primeira questão diz respeito aos Referenciais de Competências.

Segundo Nogueira:

―A Educação de Adultos sempre defendeu a autonomia dos territórios educativos e um

novo papel regulador da Administração Central, o que pressupõe uma mudança

funcional em todo o processo de construção e desenvolvimento do currículo, com a

assunção de novos papéis pelos formadores, enquanto mediadores activos, críticos,

criativos e reflexivos de propostas programáticas que se querem abertas e flexíveis.

Relega-se, frontalmente, a ideia de que os programas devem ser únicos e aplicados

através de rotinas.

Só se pode falar, mesmo para contextos muito escolares, em currículo com finalidades

de Educação de Adultos, quando o valor nacional de um programa for entendido

apenas como referencial permanente, susceptível de ser recriado, reinterpretado,

contextualizado e adoptado, consoante a diversidade, singularidade, necessidades e

interesses de quem os procura‖ (1996: 209)

Ora um dos pontos críticos dos Referenciais é precisamente a sua universalidade, o

serem comuns a todos os CNO´S e aplicados indiscriminadamente a todos os públicos e

contextos em que estes se situam; não urgiria modificar esta situação, ou seja, o

Referencial de Competências-Chave não ser o mesmo para um público urbano ou rural,

do litoral ou do interior?

Outro ponto crítico já anteriormente referenciado é a sua compartimentalização em

núcleos geradores, segundo uma lógica académica. Os saberes experienciais, saberes

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

92

vocacionados para a acção, são excluídos desta lógica, pois possuem uma lógica e um

ritmo próprios. Como refere Ana Pires,

―os saberes da acção, construídos através da experiência, possuem uma lógica e

coerência própria, e não podem ser reportados directamente a um saber académico. A

decomposição dos saberes em disciplinas e a sua descontextualização […] não se

encontra em consonância com a lógica dos saberes experienciais‖ (2005: 575)

Preconiza a autora, com toda a razão, a construção de referenciais integradores, que

contemplem a formação humana na sua globalidade, integrando todas as dimensões do

desenvolvimento: humana, cultural, profissional, científica e social, de maneira a

permitir que a formação dos adultos seja precisamente um processo co-produzido e co-

participado. Também Melo sugere ―temas integradores‖ em Educação de Adultos ―já

que permitem «combater a rigidez militarizada de toda a instituição escolar na sua tarefa

de domesticação do ‗aluno‘» ‖. (Melo, 1978, cit in Nogueira, 1996: 214).

Nogueira propõe para qualquer arquitectura curricular destinada a adultos seis pilares

que considera serem fundamentais:

Quadro nº 5 – Os seis pilares de uma arquitectura curricular em educação de adultos

O Pilar Globalizador Tem em atenção toda a pessoa e o seu contexto sociocultural.

Assenta nos seus interesses e necessidades.

O Pilar Activo Converte a pessoa em sujeito activo do processo formativo, numa distância de acção - reflexão-acção.

O Pilar Indutivo Institui o concreto como situação de partida. Em seguida generaliza, fornecendo processos de abstracção. Tudo assenta à partida na

bagagem cultural da pessoa.

O Pilar Participativo Rompe as barreiras entre educador/educando. É o facilitador das relações habituais na formação e fora dela.

O Pilar Grupal Desenvolve a consciência de pertença a um grupo que favoreça as

condições de aprendizagem de cada pessoa. Possibilita situações de desenvolvimento pessoal e projecção social que podem incidir na transformação da realidade. Isto não interfere com o tratamento individualizado dos processos de aprendizagem.

O Pilar Flexível Programa de forma flexível, com respeito pelos participantes.

Fonte: (Nogueira, 1996: 212)

Sem que seja posta em causa a existência no processo de formação de objectivos a

atingir e a auto e hetero avaliação de aprendizagens realizadas, parece-me que os

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

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Referenciais têm de passar por aqui para serem verdadeiramente fonte de educação e de

formação para os adultos que procuram o processo RVCC, porque apenas assentando

nestes seis pilares é na realidade estimulada a autonomia52 dos adultos e a sua

singularidade.

Um terceiro ponto crítico dos Referenciais de Competências - Chave é a sua validade

temporal. A sociedade actual encontra-se em permanente mutação, competências e

saberes novos surgem a toda a hora, e a sua integração atempada nos referenciais é de

difícil implementação pois estes, sendo prescritivos, não têm capacidade rápida de

evolução. Urge serem desenhados dispositivos que permitam a sua actualização

constante, para que possam acompanhar não só o presente mas também o futuro.

Contudo tais dispositivos só podem ser adoptados fazendo-se um estudo sério das

especificidades dos diferentes contextos em que se inserem os CNO‘s e do público a

que se dirige a formação, estudo esse que parece ter estado até agora ausente. Seria mais

benéfico pensar todo este processo como um processo de intervenção para a mudança,

em vez de mera cosmética certificadora, contudo tal implicaria uma noção de

temporalidade da formação que não se coaduna com a presente brevidade com que

decorre todo o processo.

Um último ponto crítico tem a ver com a noção de competência subjacente aos

Referenciais, uma noção redutora de competências direccionadas para o mundo do

trabalho, e que parece mais indicada numa visão de formação de recursos humanos, do

que numa visão de formação integral de um adulto. Na verdade, quando falei do

Balanço de Competências, referi-me à obra de Luís Imaginário Balanço de

Competências Discursos e Práticas, salientando algumas conclusões do autor. Afirma

ele que a nível do discurso institucional tendem a ser consideradas válidas competências

pessoais, sociais e profissionais, porém quanto às metodologias utilizadas nos processos

de certificação, ou seja, quanto à prática ―uma intervenção supostamente ajustada aos

ritmos do confronto e da exploração pessoal dos sujeitos se transverteria num curso

quase escolar sobre o balanço de competências‖ (2001: 120). É uma visão

empobrecedora das competências, que torna todo o processo muito frágil. Ana Pires

refere ainda algo de muito significativo e que contribui para acentuar a tensão entre

52

O itálico deseja salientar a noção de autonomia.

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

94

História de Vida e Referenciais de Competências-Chave; afirma que ―no plano ético, a

redução da experiência, que é complexa e dinâmica, a indicadores externos e

―objectivos‖ – as competências – é incompatível com noção de autonomia53 da pessoa‖.

(2005: 580). É certo que os Referenciais de Competências-Chave para o sistema RVCC

foram em Portugal elaborados especificamente para esse sistema, contudo mesmo o

tema Cidadania, que é contemplado quer no nível básico, quer no secundário, está

associado a ―empregabilidade‖ e ―profissionalidade‖, ou seja, é uma cidadania que visa

um fim instrumental, que se dirige ao trabalho. Tal fim instrumental impede a

autonomia do adulto como sujeito co-produtor da sua formação e impede a autonomia

do próprio processo, ao impedi-lo de se afirmar na sua qualidade plena de processo de

Educação e Formação de Adultos.

2 - A segunda questão prende-se com os profissionais RVCC e formadores, na verdade

com os agentes intervenientes no processo, e diz respeito à sua formação. É reconhecida

a sua necessidade, e mesmo que deveriam ser subordinados a um percurso semelhante

ao dos adultos, ou seja, deveriam as suas competências para trabalhar com adultos ser

reconhecidas, validadas e certificadas. Os próprios profissionais reconhecem e sentem

esta necessidade de formação, como já vimos anteriormente.

Esta lacuna estará relacionada com o facto de nos termos habituado a lidar com este

sub-sistema de Educação de Adultos como eterna ―novidade‖. Contudo, essa desculpa

começa a deixar de ser válida porque entre a génese dos Centros de RVCC54

criados em

2001, cuja finalidade era acolher e orientar os adultos maiores de 18 anos que não

possuíam o 9.º ano de escolaridade, para processos de reconhecimento, validação e

certificação de competências adquiridas ao longo da vida, e os actuais CNO‘s, que

entretanto alargaram a certificação para o nível secundário, já passaram oito anos.55

53

O itálico é da minha autoria, não existe no texto original. Desejei salientar esta noção, por ir de

encontro ao afirmado anteriormente sobre a falta de autonomia dos sujeitos, embora essa autonomia

lhes seja pedida como sendo inerente ao processo RVCC. 54

Portaria n.º 1082-A/2001, de 5 de Setembro (criação do Sistema Nacional de Reconhecimento,

Validação e Certificação de Competências) 55

A certificação do secundário tem base na:

Portaria n.º 86/2007 de 12 de Janeiro: Alargamento do dispositivo de RVCC para o nível secundário

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

95

O estudo de Luís Imaginário & José Manuel Castro**

Perfil de Competências dos

Profissionais de RVCC (Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências)56

,

de Dezembro de 2003 demonstra preocupação com a falta de identidade profissional,

sendo que os profissionais estudados não se identificam com a designação que lhes foi

atribuída.

―Entre os Profissionais de RVCC entrevistados, como aliás em todos os outros com

quem se chegou à fala, observa-se, praticamente em todos eles, uma hesitação

constante entre a designação "profissional", recomendada pela ANEFA (Agência

Nacional de Educação e Formação de Adultos), e "técnico", que, entre nós, é

francamente mais comum. De resto, "Profissional de RVCC" pode revelar-se uma

designação razoavelmente inapropriada, se aplicada ao exercício autónomo da função

reconhecimento de competências, por oposição a um exercício que se limite à

aplicação de normativos pré-existentes (caso em que, mais rigorosamente, estaremos

em presença de um "técnico de...", que não de um "profissional de..."). Nesta

circunstância, porém, a designação "Profissional de RVCC" quer-se a mais neutra

possível, ou seja, sem nada pressupor acerca de tal autonomia ou ausência dela. Além

disso, regista-se igualmente uma outra hesitação, desta vez entre RVC,

"reconhecimento e validação de competências" e RVCC, "reconhecimento, validação

e certificação de competências". (2003: 3/4).

Esta questão de indefinição da terminologia é agravada pela falta de formação que estes

profissionais sentem. A exemplo da questão da designação de ―profissional‖, a

necessidade de formação é um problema que vem de trás, mas que se mantém por

resolver. Aquando do meu estágio no CNO de Vila Nova de Gaia, foi-me solicitado

pela Coordenadora do Centro que efectuasse um levantamento das necessidades de

formação junto da equipa técnico-pedagógica.57

Os resultados obtidos foram claramente

elucidativos da necessidade de formação sentida pela equipa técnico-pedagógica

daquele Centro, que à questão ―quais as formações concretas de frequência prioritária‖

**

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação e Instituto de Consulta Psicológica, Formação e

Desenvolvimento / Centro de Desenvolvimento Vocacional da Universidade do Porto. 56

Estudo para a ANOP (Associação Nacional de Oficinas de Projectos), no âmbito do PRODERCOM

(Projecto de Desenvolvimento, Reconhecimento e Validação de Competências). 57

Anexo V - Relatório Resultados do Questionário de Levantamento de Necessidades de Formação do

CNO – CVP Vila Nova de Gaia (Mjosé/est/fpceup/cno-cvp/Março 2008)

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

96

respondeu colocando em 1º lugar o Balanço de Competências, em 2º a Orientação

Vocacional, seguido da Gestão do Tempo. A questão seguinte ―Motivos que levaram a

assinalar as acções/áreas de formação como prioritárias‖ recebeu esmagadoramente a

resposta ―necessidade de actualização de conhecimentos em relação ao Referencial de

Competências‖. Não deixa de ser curioso ser o Balanço de Competências a formação

com mais solicitação, considerando que é uma das áreas chave deste processo. A

coerência destas respostas leva-nos a concluir que há efectivamente uma necessidade

partilhada pelo quadro técnico-pedagógico quanto à área específica de formação de que

sentem necessidade, nomeadamente formação sobre o Balanço de Competências.

Considerando toda esta problemática, convém não confundir as práticas e misturar

reconhecimento e validação de competências com certificação, nesse sentido o

profissional RVCC será sobretudo um mediador, intermediário entre o adulto e a sua

história de vida e um ―agente de comunicação‖, exercendo a sua actividade em estreita

colaboração com todos os envolvidos no processo e ―favorecendo a autonomia dos

indivíduos e dos colectivos‖ (Canário, 2000: 78). Considerando a evolução constante da

sociedade a que já aludi quando mencionei a ―necessidade‖ de actualização dos

Referenciais de Competências-Chave, é lícito pensar-se numa evolução/actualização

dos profissionais da Educação. Esta questão torna-se ainda mais pertinente

considerando a emergência de novos sub-sistemas de Educação, nomeadamente o

RVCC, para o qual foram criadas uma série de ―figuras‖ novas no contexto educativo,

sem que fossem pensadas formações superiores adequadas. Necessitarão estes

profissionais de uma formação séria e reflectida, devem também ser capazes de

trabalhar em equipa, com os restantes profissionais do Centro, particularmente os

formadores. Quanto a estes últimos devem estar preparados e formados para trabalhar

com adultos, atendendo a que o público adulto tem especificidades em relação às

crianças e jovens, que se prendem sobretudo com uma experiência de vida mais vasta e

enriquecida pela forma particular como os adultos organizam e percepcionam as suas

experiências. A conotação do ―formador‖ com o ―professor‖ tem que deixar de existir,

sob pena de se escolarizar o processo. Mas para que tal aconteça é importante que o

próprio formador reflicta sobre o seu papel, e o que significa formar adultos. É que o

adulto ―deve ter oportunidades de conhecer e aprender o modo como pensa, criando

modos de resolver problemas, prever probabilidades na tomada de decisões,

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

97

consciencialização no pensamento crítico e intuição na criatividade‖ (Nogueira, 1996:

206) e o formador tem que ter esta dimensão fundamental da Educação e Formação de

Adultos bem presente. Para tal precisa de se conhecer a si mesmo e aos formandos, ser

dotado de criatividade e capaz de inovar.

Nogueira propõe um perfil do formador de adultos ideal, no que apelida de dupla forma

interactiva:

Quadro nº 6 – Forma interactiva 1 do formador ideal

O formador ideal para a

Educação de Adultos

É um programador

É um investigador

É um arquitecto

É um inovador

É um avaliador

Interpreta e adapta o currículo construindo um projecto formativo no local de formação.

Associa permanentemente o pensamento e a acção.

Re(constrói) os eixos do desenho curricular.

Re(interpreta) à luz das necessidades e condições mais concretas de cada situação social, cultural e geográfica.

Re(analisa) a sua própria acção e a de todos os actores intervenientes no processo de formação.

Fonte: (Nogueira, 1996: 217)

Figura 4 – Forma interactiva 2 do formador ideal

SABER-SER SABER-SABER

SABER-FAZER SABER-INTERVIR

Fonte: (Nogueira, 1996: 217)

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- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

98

O formador de adultos ideal conjuga assim as dimensões formação e investigação,

avalia os formandos e o processo, mas também se avalia a si mesmo e é dotado de um

conjunto significativo de qualidades pessoais, sociais e técnicas.

Também Carvalho & Baptista preconizam a necessidade de formação contínua,

entendendo essa formação como

―a vivência consequente de atitudes que lhe permitam partilhar a curiosidade, fruir a

descoberta, organizar as iniciativas, evoluir, promover-se para que, formando-se, se

transforme ajudando a formar os outros – os educandos! – pelo contágio operado por

essa formação, a partir daí entendida como um autêntico projecto de vida.‖ (2004: 89)

Afirmam que só assim poderá

―contribuir para protagonizar consequentemente o combate contra a exclusão social a

partir da viabilização da liberdade de cada um para construir responsavelmente os seus

projectos de vida. Projectos que cada um, também, tem o direito e o dever de idealizar,

de realizar, de avaliar e de adaptar.‖ (2004: 86).

Sob esta perspectiva o formador de adultos é simultaneamente um educador, um

investigador, um mediador social e um agente de comunicação e de relação humana.

É compreensível a impossibilidade tanto dos profissionais RVCC quanto dos

formadores em desenvolverem nos centros RVCC a sua actividade nestes moldes,

condicionados como estão pelas metas a cumprir e pela falta de tempo; também pela

falta de formação nesta área. Seria desejável, contudo que fosse pelo menos considerada

a hipótese de no futuro poderem vir a exercer o seu trabalho um pouco mais em

consonância com esta concepção.

3 - Uma terceira questão passa pela avaliação institucional a que os Centros RVCC

deveriam submeter-se, avaliação externa mas também interna. A avaliação externa está

definida na lei como sendo responsabilidade da ANEFA; com a sua extinção ficou um

vácuo que não parece ter sido ainda preenchido. As informações sobre o impacto do

sistema RVCC são poucas e difíceis de encontrar; também existem poucos estudos

sobre avaliação da qualidade das actividades desenvolvidas nos Centros, assim como

falta de apoio e acompanhamento. Os Centros são abandonados um pouco à sua sorte,

competem entre si para cumprirem as pouco realistas metas físicas de certificação

estabelecidas pela ANQ, e proliferam sem controlo, muitas vezes sem mesmo terem

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- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

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definido estratégias racionais de localização geográfica. Alberto Melo afirma mesmo a

necessidade de se constituir ―um Observatório dos CRVCC, operando à escala nacional,

constituído com base nos ―avaliadores externos‖ dos Centros, para acompanhar de perto

o processo em curso‖ (2007:198), avaliadores esses totalmente independentes dos

Centros.

Quanto ao financiamento dos Centros, deve ser preciso, claro e atempado, a fim de que

estes saibam com o que podem contar e se organizem eficientemente, gerindo com

racionalidade os seus recursos endógenos e valorizando adequadamente os seus

profissionais. A este propósito, Fernando Marques destaca como variáveis transversais

responsáveis pelas dificuldades que os Centros têm atravessado continuamente desde

2001 até hoje ―o sub-financiamento, os atrasos, para além do aceitável, no recebimento

das verbas relativas aos financiamentos aprovados e a incerteza para o ―ano seguinte‖

uma vez que as candidaturas são anuais o que implica que de Janeiro a Maio/Junho de

cada ano os Centros financiados, para não fecharem portas, se encontrem a trabalhar

sem rede e sem saberem qual o orçamento que lhes está destinado‖ (2007: 179).

Em Centros sub-financiados, vivendo na incerteza económica e pressionados a atribuir

certificação a um número elevado de formandos, com profissionais muitas vezes em

situação profissional precária, o processo dificilmente é conduzido com a necessária

qualidade, agudizando-se as tensões daí derivadas.

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100

CONCLUSÃO

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- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

101

Os resultados da presente investigação demonstram existir uma tensão entre a História

de Vida individualizada do adulto que procura o processo RVCC e o Referencial de

Competências-Chave padronizado, tensão que se instalou com a mudança do perfil do

público-alvo e se agudiza permanentemente com a proliferação desordenada de Centros

RVCC e a crescente necessidade de certificar cada vez mais pessoas.

Existiram duas fases distintas no processo RVCC, a primeira a da sua concepção,

experimentação e implementação no terreno, sob a égide da ANEFA, a qual se regia

pelos grandes princípios norteadores da Educação e Formação de Adultos e que tinha

como público-alvo os activos empregados que desejavam ver reconhecidas, validadas e

certificadas as competências adquiridas as longo da vida, como projecto de

desenvolvimento pessoal, social e profissional. As suas motivações eram

essencialmente intrínsecas, embora também procurassem a progressão na carreira.

Contudo, actualmente, a já referida necessidade de certificar a todo o custo cada vez

mais adultos, e adultos cada vez mais jovens, a fim de diminuir estatísticas preocupantes

de abandono precoce do sistema escolar formal e de falta de qualificações da população,

assim como a subordinação do processo a imperativos económicos e do mundo do

trabalho, subverteu os objectivos que presidiram inicialmente à sua criação como

processo de Educação e Formação de Adultos. Nos anos mais recentes, a mudança de

perfil do público-alvo, agora maioritariamente em risco de exclusão social, muitas vezes

impelido a frequentar o processo RVCC por motivações extrínsecas, como sejam a

perda de apoios sociais, produziu uma tensão visível entre os diversos dispositivos

metodológicos utilizados, seja pela dificuldade que este público sente em reflectir e

mesmo reproduzir a sua História de Vida, seja pela inadequação de aplicação dos

critérios dos Referenciais Teóricos a estes adultos. O processo RVCC é actualmente

sobretudo um processo curativo de desigualdades sociais, diria mesmo um processo que

sem curar procura adormecer essas desigualdades.

Não sendo provável nem desejável que o RVCC se limite a retornar ao seu público

preferencial de origem, o ideal seria deixar de olhar o novo público-alvo sob uma lógica

de ortopedia social, mas sim de intervenção social, entendida esta como uma acção que

aproxima mais um público adulto, pouco escolarizado e, regra geral, numa situação

sócio - económica debilitada, de práticas de Educação de adultos susceptíveis de

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- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

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garantir uma temporalidade adequada e uma abordagem mais profissionalizante e

menos tecnicista a este sub-sistema de Educação Adultos. Esta postura mais autêntica

permitiria pôr de lado a hibridez de que se reveste o processo, tornando-o mais

transparente e credível para todos os intervenientes.

Tal como é tem certamente algumas vantagens, alguns dos adultos aumentam de facto a

sua auto-estima e a sua capacidade de construção de projectos de vida futura, mas a

deformação que tem sofrido e que certamente se irá acentuar com as novas metas

propostas pelo POHP para o período 2007-2013, levam-me a concluir o que o processo

RVCC não é ou não deveria ser:

um processo de facilitismo à obtenção de qualificações, acessível, por ex. a jovens

que abandonaram precocemente o sistema de ensino formal. A ―abertura‖ a esta faixa

etária deixa adivinhar a escolarização deste sub-sistema de ensino. Os jovens que

recentemente deixaram o ensino formal têm ainda ―fresco‖ este modelo (assim como

tiveram acesso ao ensino das novas tecnologias (TIC), que são um grande obstáculo

para gerações anteriores). Paradoxalmente estes jovens têm vantagem sobre os

adultos porque apesar de terem uma experiência de vida mais curta, os saberes

formais permitem-lhe com relativa facilidade provar competências passíveis de

serem validadas.

uma educação de segunda oportunidade; como processo de formação de adultos não

tem ou não deveria ter a ―forma escolar‖, nem a sua missão é dar uma nova

oportunidade escolar àqueles que foram excluídos do sistema, é o sistema que tem

que se renovar e reformar para evitar que novos adultos chegam aos Centros RVCC

no futuro; neste sentido a denominação de Centros de Novas Oportunidades para os

centros onde funcionam os RVCC e os cursos EFA é incongruente com o público

adulto a que se destinam e reveladora da concepção dos governantes sobre os

verdadeiros objectivos que presidem a estas iniciativas;

administrado a ―correr‖; a educação e formação de adultos é um processo demorado

e gradual, que não se coaduna nem se destina aos ―espaços‖ e ―tempos‖ escolares;

porr essa razão, se a implementação dos CNO‘s em escolas regulares parece um

processo problemático, tal dever-se-á a uma tendência de escolarização do processo

por parte dos professores.

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- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

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circunscrito a um Referencial de Competências-Chave, único e descontextualizado

não sendo mais do que um currículo da Educação de Adultos. Os Centros deveriam

ser adequadamente contextualizados, dirigindo-se às particularidades dos adultos das

zonas em que se situam e contribuindo decisivamente para os processos de

desenvolvimento local;

Pelo mesmo motivo, as iniciativas RVCC não deveriam ser desgarradas e

inconsistentes, mas inserir-se em iniciativas mais vastas de Educação e Formação de

Adultos, num todo consistente e que permitisse a este campo da Educação

desenvolver-se e adquirir junto do grande público o crédito que merece e de que o

país necessita.

Se o processo RVCC não satisfizer estas condições e não se afirmar novamente como

um verdadeiro processo de Educação e Formação de Adultos, corremos o risco de,

como dizia um dos profissionais RVCC entrevistados (ent. 4), estarmos ―a assassinar

uma geração inteira‖, com uma educação e formação assente em ―pés de barro‖.

Reconheço a dificuldade de se conjugar num único processo as diferentes modalidades

educativas que se podem encontrar nos domínios e práticas da Educação e Formação de

Adultos.

Ventosa (1999:52) define a educação formal como o “sector da educação que pertence

ao sistema educativo do país”, conferindo certificação; a educação não formal como o

“tipo de educação que, ainda que sistemática e estruturada, não entra no sistema

educativo, permanecendo à margem, portanto, da regulamentação e do reconhecimento

oficial que aquele impõe e outorga”; finalmente a educação informal como sendo

constituída por “todos aqueles processos que, sem ter uma intencionalidade educativa

explícita, influem nas condutas, valores e conhecimentos das pessoas”, afirmando ainda

que estes processos não se produzem de forma sistemática. A esta luz, o processo

RVCC, não pertencendo ao sistema de ensino formal, altera-se na sua essência de

processo de Educação e Formação de Adultos a fim de conferir certificação, desejando

o reconhecimento oficial que não é característico da modalidade de educação não

formal que assume, ao mesmo tempo que procura na História de Vida individualizada

do adulto as aprendizagens típicas da educação informal.

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- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

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É pelo justo equilíbrio destas três dimensões educativas que tem que passar o processo

RVCC, abstendo-se da valorização excessiva dos aspectos formais, próprios dos fins

instrumentais dissimulados a que verdadeiramente se destina e assumindo os ideais que

presidiram à sua criação.

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Bibliografia

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História de Vida e Referencial de Competências - Chave

- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

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