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1747 TERRITÓRIOS E GRUPOS INDÍGENAS NO PARANÁ: A EXPROPRIAÇÃO DE TERRAS ATRAVÉS DO ACORDO DE 1949 Éder da Silva Novak (Universidade Estadual de Maringá UEM) Resumo: Em 1949, os territórios reservados aos índios no Paraná, no começo do século XX, passaram por uma nova etapa de expropriação de terras, através de um acordo estabelecido entre o Governo da União e do Estado. Em todo território paranaense seis áreas indígenas foram reestruturadas: Apucarana, Queimadas, Ivaí, Faxinal, Rio das Cobras e Mangueirinha. O critério adotado para tal reestruturação foi atribuir 100 hectares de terras a cada família indígena constituída de 5 pessoas e a concessão de mais 500 hectares para a localização das dependências do Posto Indígena. Analisando este acordo de 1949, bem como sua relação com a política nacionalista e desenvolvimentista do país e com a estratégia de ocupação e avanço das frentes de expansão do Governo do Paraná, o objetivo, neste estudo, é evidenciar a redução dos territórios indígenas, outrora reservados, através de mapas georreferenciados, que demonstram as extensões territoriais das seis áreas indígenas citadas, antes e depois de 1949. E neste processo de expropriação das terras ressaltar os objetivos da política indigenista no período, vinculada à liberação de novas áreas coloniais, sem deixar de enfatizar as estratégias e ações dos próprios grupos indígenas, enquanto sujeitos históricos, protagonistas em defesa dos seus interesses, sobretudo, seus territórios. Além disso, desenvolver uma comparação do número de indígenas, que vivia naquelas áreas em meados do século, com os da atualidade, possibilitando uma reflexão em torno das alternativas de sobrevivência dos grupos indígenas em suas terras. Palavras-chave: Territórios Indígenas; Grupos Indígenas; Paraná; Acordo de 1949.

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1747

TERRITÓRIOS E GRUPOS INDÍGENAS NO PARANÁ: A EXPROPRIAÇÃO DE TERRAS ATRAVÉS DO ACORDO DE 1949

Éder da Silva Novak (Universidade Estadual de Maringá – UEM)

Resumo: Em 1949, os territórios reservados aos índios no Paraná, no começo do século XX, passaram por uma nova etapa de expropriação de terras, através de um acordo estabelecido entre o Governo da União e do Estado. Em todo território paranaense seis áreas indígenas foram reestruturadas: Apucarana, Queimadas, Ivaí, Faxinal, Rio das Cobras e Mangueirinha. O critério adotado para tal reestruturação foi atribuir 100 hectares de terras a cada família indígena constituída de 5 pessoas e a concessão de mais 500 hectares para a localização das dependências do Posto Indígena. Analisando este acordo de 1949, bem como sua relação com a política nacionalista e desenvolvimentista do país e com a estratégia de ocupação e avanço das frentes de expansão do Governo do Paraná, o objetivo, neste estudo, é evidenciar a redução dos territórios indígenas, outrora reservados, através de mapas georreferenciados, que demonstram as extensões territoriais das seis áreas indígenas citadas, antes e depois de 1949. E neste processo de expropriação das terras ressaltar os objetivos da política indigenista no período, vinculada à liberação de novas áreas coloniais, sem deixar de enfatizar as estratégias e ações dos próprios grupos indígenas, enquanto sujeitos históricos, protagonistas em defesa dos seus interesses, sobretudo, seus territórios. Além disso, desenvolver uma comparação do número de indígenas, que vivia naquelas áreas em meados do século, com os da atualidade, possibilitando uma reflexão em torno das alternativas de sobrevivência dos grupos indígenas em suas terras.

Palavras-chave: Territórios Indígenas; Grupos Indígenas; Paraná; Acordo de 1949.

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Introdução / Justificativa

No momento em que as populações indígenas, por todo o Brasil, lutam em

defesa dos seus interesses, sobretudo seus territórios tradicionalmente ocupados, e

que muitas vezes são tratadas com grande descaso pelos órgãos indigenistas e com

uma série de estereótipos por grande parte da sociedade não indígena, torna-se

essencial entender o processo histórico de constituição de cada Terra Indígena,

revelando suas complexidades, interesses e divergências, visando compreender as

reivindicações dos grupos indígenas para além das descrições unilaterais,

dicotômicas e polarizadas que normalmente são percebidas nos dias atuais.

Desta forma, pretende-se analisar o acordo de 1949 estabelecido entre os

governos do Paraná e da União, que propôs a reestruturação de seis áreas

indígenas no território paranaense: Apucaraninha, Ivaí, Faxinal, Queimadas,

Mangueirinha e Rio das Cobras.

Objetivos

Este texto pretende analisar o processo de redução territorial das Terras

Indígenas do Paraná, em 1949, através do acordo estabelecido entre os governos

do Estado e da União, bem como evidenciar a participação dos grupos indígenas em

todo este processo. Além disso, desenvolver uma comparação entre as terras

indígenas de 1949 e sua situação atual.

Resultados

Em 12 de maio de 1949 firmou-se um acordo entre os governos do Estado do

Paraná e da União, sendo publicado no Diário Oficial Federal n°. 114, em 18 de

maio daquele ano. O objetivo era "a regularização das terras destinadas aos índios

no território daquele Estado e a prestação de maior assistência aos mesmos

silvícolas" (BRASIL, 1949). No início do século XX, vários Decretos promulgados

reservaram terras aos indígenas em diversas partes do Estado do Paraná1.

Em virtude dos conflitos entre indígenas e colonos, intensificados com o

aumento dos imigrantes e migrantes no Paraná, as autoridades políticas buscaram

1 Para mais detalhes sobre as reservas de terras no Paraná da Primeira República ver Novak (2006).

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uma forma de liberar terras para o processo de colonização, reduzindo as áreas dos

indígenas, sob a alegação de regularização dos territórios e proteção aos chamados

"silvícolas", demonstrando a ideia de tutela presente na política indigenista da época,

caracterizada pelo pensamento assimilacionista e integracionista2.

O acordo contou com a participação do então governador do Paraná, Moisés

Lupion, e o Ministro da Agricultura, Daniel Serapião de Carvalho, como

representante do governo federal. Assim inicia o acordo:

[...] considerando a situação irregular em que se encontram as terras devolutas reservadas pelo referido Estado, em diversas épocas, para o estabelecimento de tribos ou agrupamentos indígenas, acordar na reestruturação dessas reservas, de modo a serem conservadas as Áreas que, a critério do Serviço de Proteção aos Índios, forem julgadas necessárias e suficientes para o estabelecimento definitivo das citadas tribos ou agrupamentos indígenas, conferindo-lhes a propriedade plena das terras em que os referidos índios se acham permanentemente localizados (BRASIL, 1949).

A proposta era revogar o estabelecido pelos Decretos do início do século XX.

A alegação, pelos agentes do Estado, da ocupação permanente dos territórios pelos

indígenas, era uma forma de considerar as áreas adjacentes às sedes das aldeias,

como "terras devolutas". Nesta perspectiva, ignoravam a forma de vida dos grupos

indígenas, suas relações com o seu território, a caça, a pesca, a coleta de alimentos,

e que além da área com suas moradias, também mantinham estreitas e tradicionais

relações com áreas mais distantes, mas que na visão e no desejo dos

representantes da sociedade envolvente, tratava-se de terras desocupadas.

Além disso, merece destaque o papel tutelar exercido pelo Serviço de

Proteção ao Índio (SPI), pois a este, caberia a definição das áreas necessárias para

o estabelecimento dos grupos indígenas e sua sobrevivência. A opinião das próprias

lideranças e comunidades indígenas e sua forma de vida parecia não ser

considerada pelos agentes do Estado e do órgão indigenista, que visava à liberação

de terras para a política de colonização e fixação de imigrantes e migrantes para o

aumento da produtividade e o crescimento econômico do Paraná.

Conforme a cláusula primeira do acordo, o pensamento era a inclusão das

populações indígenas na política de colonização do Estado, por ação do SPI.

O Serviço de Proteção aos índios determinará e localizará as áreas,

2 Sobre esta política indigenista ver Gagliardi (1989) e Oliveira & Freire (2006).

1750

compreendidas nas terras reservadas aos índios pelo Governo do Estado do Paraná, a partir de 1900, que deverão formar as glebas a serem cedidas pelo Estado do Paraná, na forma da lei, para constituirem propriedade plena das tribos ou agrupamentos indígenas que ali se encontram localizadas em caráter permanente. (BRASIL, 1949).

As áreas que passaram pela reestruturação foram as que se "[...] encontram

atualmente estabelecidos os Postos Indígenas de Apucarana, Queimadas, Ivaí,

Faxinal, Rio das Cobras e Mangueirinha" (BRASIL, 1949). Estas não eram as únicas

áreas já reservadas aos índios no Estado do Paraná, mas foram as determinadas

pelos representantes envolvidos a passar pela reestruturação3.

Embora o acordo previsse a ação do SPI para a definição dos tamanhos das

terras que ficariam definitivamente de posse dos grupos indígenas, um cálculo já

estava elaborado pelo governo do Estado, conforme cláusula terceira do acordo:

[...] tendo em vista a população indígena atualmente existente em cada um dêsses Postos e adotando-se como critério básico para as respectivas extensões a área de 100 (cem) hectares por família indígena de 5 (cinco) pessoas e mais 500 (quinhentos) hectares para localização do Pôsto Indígena e suas dependências, será feita pelo Estado do Paraná a cessão definitiva, para plena propriedade tribal, das seguintes áreas compreendidas nos limites das atuais reservas: 6.300 (seis mil e trezentos) hectares na região de Apucarana; 1.700 (mil e setecentos) hectares na região de Queimadas; 7.200 (sete mil e duzentos) hectares na região de Ivaí, 2.000 (dois mil) hectares na região de Faxinal; 3.870 (três mil oitocentos e setenta) hectares na região do Rio das Cobras e 2.560 (dois mil quinhentos e sessenta) hectares na região de Mangueirinha. (BRASIL, 1949).

Os representantes que assinaram o acordo tinham ciência da existência das

áreas indígenas anteriormente reservadas, mas desejaram sua reestruturação e

consequente redução. Pelo Decreto a definição da extensão das áreas baseou-se

no número de famílias e de indígenas constante em cada uma, mas na lógica de

mundo da sociedade envolvente. Dessa forma, os aspectos tradicionais e culturais,

presentes nas sociedades indígenas, como suas famílias extensas, suas relações

com o território e suas formas distintas de vida não foram considerados.

Pelas informações contidas no acordo foram definidos 20 hectares (ha) por

pessoa. O Quadro 1 demonstra a quantidade de indígenas que vivia em cada área,

considerando o cálculo e o tamanho das terras definidas pelo governo.

3 Os motivos desta determinação e a não inclusão das outras áreas ainda precisam ser analisados.

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Quadro 1: Terras Indígenas conforme proposta do Acordo de 1949 Terras Indígenas

Tamanho da Área (ha)

Área (ha) do Posto Indígena

Número de Famílias

População Indígena

Média (ha) por Indígena

Apucarana 6.300 500 58 290 20

Faxinal 2.000 500 15 75 20

Ivai 7.200 500 67 335 20

Mangueirinha 2.560 500 21 105 20

Queimadas 1.700 500 12 60 20

Rio das Cobras 3.870 500 34 170 20

TOTAL 23.630 3.000 207 1.035 -

Fonte: Brasil (1949).

A proposta era conceder a posse definitiva de 23.630 (ha) de terras aos

grupos indígenas das seis áreas. Deste total, 3.000 (ha) destinados aos Postos

Indígenas, correspondente à sede administrativa do SPI. Viviam em torno de 207

famílias indígenas nestas áreas, equivalentes a 1.035 índios aproximadamente.

Torna-se essencial uma análise sobre as reservas de terras aos indígenas

das seis áreas citadas, no início do século XX. Além disso, comparar as áreas

inicialmente reservadas e as pretendidas pelo acordo de 1949, através de mapas

georreferenciados. Finalmente, relacionar às Terras Indígenas atuais, suas

extensões e população, a fim de evidenciar as razões das dificuldades de

sobrevivência das comunidades indígenas e promover uma compreensão das

reivindicações dos índios do Paraná, principalmente por novas áreas demarcadas.

A partir do advento da república e da extinção dos aldeamentos indígenas no

Paraná4, uma das estratégias adotada pelos grupos indígenas do Estado foi

assegurar parte dos seus tradicionais territórios, apresentando às autoridades

políticas paranaenses, solicitações de demarcação de suas terras. Com a

intensificação da política de colonização no Paraná, as populações indígenas

estabeleceram formas de garantir seus interesses, sobretudo, vinculados às

questões territoriais, atuando enquanto sociedades políticas e sujeitos históricos.

Os representantes do Estado e das frentes colonizadoras também

promoveram suas estratégias no intuito de assegurar os avanços expansionistas,

estabelecendo um novo processo de desterritorialização dos grupos indígenas no

Paraná. No entanto, este contexto não deve ser caracterizado como uma via de mão

única, na qual o poder colonizador impôs sobre o colonizado suas políticas e ações.

4 Sobre os aldeamentos indígenas do Paraná Provincial ver Mota (2000).

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Necessita ser interpretado na perspectiva de "situação colonial"5, em que todos os

personagens envolvidos desenvolveram suas estratégias, revelando-se em políticas

ora de confrontação, ora de convergência, de subordinações intencionais e de

complexas relações de reciprocidades e de jogo de interesses.

No início do século XX, os Decretos que reservaram terras aos indígenas

afirmavam que estes haviam abandonado a forma "nômade" de sobrevivência e

necessitavam de uma parcela de terras para se dedicarem a lavoura. Além disso,

mostravam a existência de grupos indígenas espalhados por todo o Estado e que o

ideal do governo era o seu agrupamento nas áreas reservadas, liberando vastas

extensões de terras para a colonização. Através de uma política indigenista laica e

humanista, com ações de tutela aos índios, a perspectiva era a "civilização" dos

indígenas, buscando impor a estes uma nova forma de vida, associada à prática da

lavoura, promovendo o abandono de suas práticas tradicionais de vida. A verdade é

que esta integração dos indígenas ao modo de vida da sociedade envolvente não

aconteceu, tornando-se mais uma vontade do estado, do que uma realidade6.

Terra Indígena Apucaraninha

Em 5 de julho de 1900, o governador do Paraná, Francisco Xavier da Silva,

através do Decreto n°. 6, reservou uma parcela de terras, no então município de

Tibagi, aos índios Kaingang, na margem direita do rio Tibagi, com os seguintes

limites:

Ficam reservadas, para estabelecimento de colonias indígenas, as terras devolutas sitas entre os rios Tibagy, Apucarana, Apucaraninha e a serra do Apucarana, no município de Tibagy. (PARANÁ, 1900).

Esta área está representada no Mapa 1 e continha um total de 68.536 (ha). A

proposta do acordo de 1949 era a redução da área para 6.300 (ha). Ainda ocorreu o

alagamento de uma parte da área devido à construção da Usina de Apucaraninha no

final dos anos 19407. Atualmente, a Terra Indígena Apucaraninha, situada no

município de Tamarana, possui 5.575 (ha). Se em 1949 a área contemplava 290

índios, em 2010, conforme dados do Censo Demográfico, a população chegava aos

5 Conforme Georges Balandier (1993).

6 Mais detalhes em Tommasino (1995); Mota (2014).

7 A relação estabelecida pela comunidade Kaingang com os agentes da Usina de Apucaraninha, a

partir de 1946, consiste na pesquisa de doutorado, em andamento, do autor deste texto.

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1.415 indígenas. O Mapa 1 permite uma comparação entre o que era a área

reservada em 1900 e a atual.

Mapa 1: A Desterritorialização dos Kaingang do Apucaraninha

Terra Indígena Ivaí e Faxinal

As Terras Indígenas Ivaí e Faxinal têm uma história conectada, que precisa

ser descrita de forma conjunta. Em 9 de setembro de 1901, através do Decreto n°. 8,

o governador do Paraná, Francisco Xavier da Silva, estabeleceu uma reserva de

terras aos indígenas dos caciques Pedro dos Santos e Paulino Arak-xó, na margem

direita do rio Ivaí, no município de Guarapuava, com os seguintes limites:

Ficam reservadas para estabelecimento de indigenas da tribu Coroados, sob o mando de Paulino Arak-xó e Pedro dos Santos e de outra tribus, as terras devolutas sitas entre o rio do Peixe, ou Ubásinho, desde a sua cabeceira até a sua fóz no rio Ivahy, este rio até a fóz do ribeirão do Jacaré, este á sua cabeceira e o cume da serra da Apucarana no municipio de Guarapuava. (PARANÁ, 1901).

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Esta área continha 36.145 (ha) e está representada no Mapa 2. No entanto,

em 4 de maio de 1912, o cacique Paulino de Arak-xó encaminhou um requerimento

ao governo do Estado, propondo a permuta de parte das terras da margem direita do

rio Ivaí, com terras da margem esquerda. A proposta foi atendida pelo governo

paranaense, conforme Decreto n°. 294, de 17 de abril de 1913.

Fica concedida permuta de reserva das terras ocupadas pelos indios ao mando do cacique Paulino Arak-xó, sitas entre os rios Ivahy, Peixe, Jacaré, Baile e uma linha que liga a cabeceira deste ultimo ribeirão ao rio Jacaré e que constituem parte daquele trata o Decreto N.º 8 de 9 de Setembro de 1901, pela reserva de terras devolutas fronteiriças, em área equivalente, situada na margem esquerda do rio Ivahy e comprehendida entre os rios Barra Preta e Marrequinhas, ficando porém garantidas em sua plenitude, nesta ultima área, as posses ahi existentes e que foram apoiadas em documentos legaes. (PARANÁ, 1913).

Assim, o grupo comandado pelo cacique Pedro dos Santos permaneceu do

lado direito do rio Ivaí, com uma área de 19.205 (ha), situada entre os rios Peixe,

Baile, Jacaré e a Serra do Apucarana. Já os chefiados pelo cacique Paulino de Arak-

xó obtiveram uma área com 67.247 (ha), na margem esquerda do rio Ivaí, entre os

rios Barra Preta e Marrequinha. Estas áreas estão representadas no Mapa 2.

No entanto, ocorreu uma série de conflitos entre indígenas e colonos nas

proximidades da serra de Pitanga, na região do território obtido pelo grupo do

cacique Paulino de Arak-xó. Jornais da época descreviam os acontecimentos –

violência, assassinato, clima de guerra – que culminaram com a Guerra de Pitanga,

em 19238. Em 7 de fevereiro de 1924, na tentativa de amenizar o conflito, o

governador do Paraná, Caetano Munhoz da Rocha, através do Decreto n°. 128,

estabeleceu uma redução da área indígena:

As terras [...] abrangerão uma área de 36.000 hectares com as seguintes divisas: partindo das proximidades do Salto do Ubá no rio Ivahy, dividindo com as terras pertencentes aos sucessores do Cel. João Alberto Munhoz até as cabeceiras do arroio da Ariranha e d'ahi por uma linha secca com o rumo SE 23º 50º até encontrar o rio Marrequinha, por este abaixo até a sua confluencia do rio Ivahy, descendo este até as proximidades do salto do Ubá, onde foram iniciadas as respectivas linhas perimetricas. (PARANÁ, 1924).

Embora o Decreto considere 36.000 (ha), os limites descritos permitiram a

elaboração de uma área com 30.708 (ha). O acordo de 1949 definiu uma nova

8 Sobre os conflitos da Guerra de Pitanga ver Novak (2006); Mota e Novak (2008); e Eurich (2012).

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redução territorial aos grupos indígenas de ambas as margens do rio Ivaí. Para a

margem direita – Terra Indígena Faxinal – foi estabelecida uma área de 2.000 (ha).

Já para a esquerda – Terra Indígena Ivaí – definiu-se uma área com 7.200 (ha). A

extensão atual destas áreas revela proximidades com os números propostos pelo

acordo de 1949. Todo este processo originado em 1901 está representado no Mapa

2. Se em 1949 o total da população indígena era de 335 no Ivaí e 75 no Faxinal, em

2010, somavam 1.687 na primeira e 605 na segunda.

Mapa 2: O Processo de Desterritorialização das Terras Indígenas Ivaí e Faxinal

Terra Indígena Queimadas

Em 17 de agosto de 1915, conforme o Decreto n°. 591, o governador do

Paraná, Carlos Cavalcanti de Albuquerque, reservou uma área aos índios Kaingang

nas margens do rio Alonzo, um dos principais afluentes do rio Ivaí, nos toldos

denominados Faxinalsinho, Palmital e Faxinal do Cambará, no município de Tibagi.

Principiando na barra do rio do Rosario no rio Alonza, por este acima até a barra do arroio Bonito, por este acima até a primeira vertente acima da Pedra Branca, por esta vertente acima até a serra a procura de uma vertente que desagua ao lado esquerdo do arroio dos Poços, por este abaixo até o ribeirão das Formigas, e por este abaixo até o rio Barra

1756

Grande, por este acima até as cabeceiras, d'ahi pela divisa da fazenda da Apucarana até a cabeceira do rio Rosario e por este abaixo até a sua fóz onde começou. (PARANÁ, 1915).

Esta área possuía 22.632 (ha), conforme Mapa 3. A proposta do acordo de

1949 era a redução para 1.700 (ha). Atualmente corresponde à Terra Indígena

Queimadas, localizada no município de Ortigueira, com uma área de 3.078 (ha)9. Em

1949 a população nesta área era de 60 indígenas e em 2010 somavam 429.

Mapa 3: Terra Indígena Queimadas

Terra indígena Mangueirinha

Em 2 de março de 1903, o então governador do Paraná, Francisco Xavier da

Silva, através do Decreto n°. 64, estabeleceu uma reserva de terras na margem

esquerda do ribeirão do Lageado Grande, no município de Palmas, "atendendo a

que a tribu de indios Caingangs, ao mando do cacique Antonio Joaquim Cretan".

Fica reservada para estabelecimento de tribus indígenas as terras ocupadas

9 Estudos ainda precisam esclarecer como se deu o processo de demarcação da Terra Indígena

Queimadas. Hoje apresenta uma extensão bem inferior que a estabelecida em 1915, mas uma área maior que a planejada pelo acordo de 1949. Sabe-se que um processo judicial segue em andamento para a revisão desta Terra Indígena (Ver ação rescisória n. 2001.04.01.075351-9/PR).

1757

pelas Cabildas do cacique Cretan, com as seguintes divisas: a partir da cabeceira do ribeirão do Lageado Grande á cabeceira do ribeirão Palmeirinha e por estes dois rios, abaixo até ao Iguaçu que será a divisa norte. (PARANÁ, 1903).

O Mapa 4 apresenta esta área com uma extensão de 17.810 (ha). O acordo

de 1949 definia sua redução para 2.560 (ha). Atualmente corresponde à Terra

Indígena Mangueirinha, nos municípios de Chopinzinho, Coronel Vivida e

Mangueirinha, com uma área de 16.376 (ha)10. Se em 1949 a população era de 105

indígenas, em 2010, somavam 1.475.

Mapa 4: Terra Indígena Mangueirinha

10

As razões pela não concretização da proposta do acordo de 1949 na Terra Indígena Mangueirinha precisam ser analisadas, revelando a participação dos indígenas na manutenção de suas áreas.

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Terra Indígena Rio das Cobras

Em 31 de julho de 1901, através do Decreto n°. 6, o governador do Paraná,

Francisco Xavier da Silva, estabeleceu uma reserva de terras aos índios Kaingang,

num total de 500, chefiados pelo cacique Jembrê, nas cabeceiras do rio das Cobras,

no município de Guarapuava.

Fica reservada para o estabelecimento da tribu indigena de Coroados, ao mando do cacique Jembrê e á outras tribus que quizerem alli se estabeler, uma área de terras comprehendida nos limites seguintes: A Este o rio das Cobras. A Oeste o rio União. Ao Sul a picada velha, que do Xagú vae á colonia da Fóz do Iguassú e ao Norte a picada nova que demanda a mesma colonia. (PARANÁ, 1901).

Com limites não muito precisos nas cartas geográficas atuais, a área traçada

continha 13.339 (ha), representada no Mapa 5. A proposta em 1949 era sua redução

para 3.870 (ha). Correspondente à Terra Indígena Rio da Cobras, hoje situada nos

municípios de Nova Laranjeiras e Espigão Alto do Iguaçu, a área contém 18.682

(ha)11. Em 1901 possuía 500 indígenas; em 1949 sua população era de 170; e em

2010 totalizava 2.264.

11 Assim como em Mangueirinha a proposta de redução da área do Rio da Cobras não se efetivou e a participação dos indígenas na manutenção de suas terras ainda precisa ser estudada.

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Mapa 5: Terra Indígena Rio das Cobras

O acordo de 1949 estabelecia ainda a responsabilidade do governo do Estado

em realizar as medições e demarcações das áreas determinadas pelo SPI, bem

como expedir os títulos de propriedade em nome das respectivas comunidades

indígenas. Além disso, definia que o governo deveria retirar todos os "intrusos" das

áreas pertencentes aos indígenas, reservando a estes terras "completamente livres".

O Estado ainda teria a obrigatoriedade de estruturar o interior das áreas

indígenas, indicada pelo SPI.

O Governo do Paraná fará construir, as suas expensas e com a maior urgência, casas para administração do Serviço de Proteção aos índios, escolas, enfermarias, galpões para abrigo de máquinas, instrumentos e ferramentas agrícolas e bem assim casas para as famílias dos índios, nos casos em que, em virtude de nova localização da tribo, não puderem ser aproveitadas as construções existentes nos atuais postos. (BRASIL, 1949).

O Decreto Estadual n°. 13.722, de 19 de janeiro de 1951, ratificou as decisões

do acordo de 1949 e foi publicado no Diário Oficial do Paraná no dia seguinte.

A proposta do acordo de 1949 era atribuir em média 20 (ha) de terras para

cada indígena. O Quadro 2 revela a situação atual das seis terras indígenas

envolvidas no acordo: suas extensões, população e média de hectare (ha) por

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pessoa. Mesmo nas áreas que não se consolidou a proposta de redução territorial –

como em Mangueirinha e Rio das Cobras – a relação área/pessoa é muito inferior

que o planejado em 1949, quando já não considerava a forma tradicional e

diferenciada de vida das populações indígenas.

Quadro 2: Dados atuais das Terras Indígenas citadas no acordo de 1949 Terra

Indígena Etnia Município Área

(ha) População Indígena

(ha) por indígena

Apucarana Kaingang Tamarana 5575 1415 3,9

Faxinal Kaingang Cândido de Abreu 2044 605 3,8

Ivai Kaingang Pitanga , Manoel Ribas 7306 1687 4,3

Mangueirinha Guaraní, Kaingang

Chopinzinho, Coronel Vivida, Mangueirinha

16376 1475 11,1

Queimadas Kaingang Ortigueira 3078 429 7,2

Rio das Cobras

Kaingang, Guarani

Espigão Alto do Iguaçu, Nova Laranjeiras

18682 2264 8,3

TOTAL 53.061 7.875 Média: 6,4

Fonte: Censo Demográfico do IBGE (2010); Site (www.funai.gov.br).

A situação se agrava nas Terras Indígenas onde ocorreu a redução proposta

pelo acordo de 1949. O aumento demográfico nestas áreas nas últimas duas

décadas, somados ao desgaste do solo, a diminuição dos recursos naturais, a

ineficiência dos órgãos e política indigenistas e o descaso geral do poder público,

dificultam a sobrevivência das populações indígenas em suas terras. Diferentes

alternativas são adotadas por estes grupos, que precisam buscar fora de suas terras

condições mínimas de sobrevivência. Portanto, a presença dos indígenas, cada vez

mais notada, nos espaços urbanos, assim como nas universidades, deve ser

entendida a partir deste novo contexto, como ações estratégicas de sujeitos

históricos e sociedades políticas na obtenção de seus objetivos.

Considerações finais

A política de reestruturação das terras indígenas proposta pelo acordo de

1949 deve ser analisada no campo da "situação colonial". Jogos de interesses

retrataram o contexto de negociações, aproximações e conflitos, envolvendo os

personagens daquele momento histórico. Se por um lado, o governo do Paraná

desejava a liberação de terras para as frentes de expansão colonialista, por outro, os

grupos indígenas, historicamente atuantes em defesa de seus territórios, seja

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através de políticas de alianças e reivindicações pacíficas, seja através de atos de

violência e dura resistência, buscaram formas de agir frente ao novo contexto.

Dessa forma, se em algumas áreas a redução territorial se concretizou –

como nas terras indígenas Ivaí, Faxinal e Apucaraninha – nas demais isto não

ocorreu, com destaque para Rio das Cobras e Mangueirinha que permaneceram

com os territórios próximos aos reservados ainda no início do século XX. Mesmo nas

áreas reduzidas, importante observar a proposta de construção, pelo governo do

Estado, de toda uma estrutura nas áreas indígenas, como escolas, enfermarias,

galpões, além de ferramentas e instrumentos diversos destinados aos indígenas,

que poderiam lhes interessar.

Isto não representa negar o empobrecimento cultural, a redução territorial

drástica para grande parte da população indígena, que culminou em situações de

miséria e grandes dificuldades para a sobrevivência em muitas terras indígenas do

Estado. Todavia, o acordo de 1949 foi mais um exemplo de que a política indigenista

não pode ser tratada sem levar em conta a política indígena. Esta foi responsável

pela manutenção de parte dos seus territórios tradicionais e por assegurar suas

formas diferenciadas de vida.

Referências i

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TOMMASINO, Kimiye. A história dos Kaingang da bacia do Tibagi: uma sociedade Jê meridional em movimento. São Paulo, 1995. Tese (Doutorado em Antropologia) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995. i Os Decretos e Requerimento citados estão presentes no Arquivo Público do Paraná, em Curitiba. Já o acordo de 1949 se encontra no Museu do Índio, no Rio de Janeiro. Uma cópia de toda esta documentação está presente no Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-História (LAEE/UEM).